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A epopeia no Arcadismo
Entre a tradição europeia e o
nativismo nacionalista A tradição épica • A epopeia tradicionalmente é o poema narrativo longo, que relata conquistas e feitos grandiosos de heróis que representam sua nação. • Os eventos relatados nas epopeias tradicionais são muito antigos, bastante anteriores à época de sua produção. • No século XVI, Camões delineou com Os lusíadas a forma definitiva do texto épico. Esse modelo recebe desde então o nome camoniano. A estrutura camoniana • Estrutura lógica Proposição Anuncia o tema e o herói Pede às Musas inspiração e Invocação Introito habilidade para fazer o texto Oferece o texto a alguma figura Dedicatória célebre Narração Relato das ações, propriamente. Conclusão dos acontecimentos e Epílogo avaliação de suas consequências. A estrutura camoniana • Estrutura estilística – Divisão do texto em dez cantos (capítulos) – Organização das estrofes em oitavas reais • Rimas cruzadas do 1º ao 6º verso e emparelhadas no 7º e 8º (ABABABCC) – Versos decassílabos Caramuru De um varão em mil casos agitados, Que as praias discorrendo do ocidente Descobriu recôncavo afamado Da capital brasílica potente; Do filho do trovão denominado, Que o peito domar soube à fera gente, O valor cantarei na adversa sorte, Pois só conheço herói quem nela é forte. Caramuru (1781) • Segue fielmente a tradição épica em todos os elementos. • Tributo à terra natal de seu autor, promove uma valorização da natureza brasileira. • A recepção da obra foi tão fria que seu autor, Frei José de Santa Rita Durão, reza a lenda, pôs fim aos originais. • Narra as aventuras de Diogo Álvares Correia, náufrago português que teve papel essencial na colonização da Bahia. Caramuru • Fatos verídicos da obra: – Naufrágio de Diogo e sua proeminência nas tribos indígenas – Viagem para a França, o batismo de Paraguaçu – Importância histórica de ambos, cujos filhos foram sagrados cavaleiros por Tomé de Sousa Caramuru • Personagens principais: – Diogo Álvares, o Caramuru – Taparica, pajé dos tupinambás – Gupeva, cacique dos tupinambás – Paraguaçu, filha de Taparica e noiva prometida de Gupeva – Jararaca, cacique dos caetés, apaixonado por Paraguaçu – Moema, índia apaixonada por Diogo Caramuru • Trecho mais reverenciado da obra É fama então que a multidão formosa Das damas, que Diogo pretendiam, Vendo avançar-se a nau na via undosa, E que a esperança de o alcançar perdiam Entre as ondas com ânsia furiosa, Nadando, o esposo pelo mar seguiam, E nem tanta água que flutua vaga O ardor que o peito tem, banhando apaga. Caramuru Copiosa multidão da nau francesa Corre a ver o espetáculo assombrada; E, ignorando a ocasião de estranha empresa, Pasma da turba feminil que nada. Uma, que às mais precede em gentileza, Não vinha menos bela do que irada: Era Moema, que de inveja geme, E já vizinha à nau se apega ao leme. Caramuru “Bárbaro (a bela diz), tigre e não homem... Porém o tigre, por cruel que brame, Acha forças amor que enfim o domem; Só a ti não domou, por mais que eu te ame. Fuzias, raios, coriscos, que o ar consomem. Como não consumis aquele infame? Mas apagar tanto amor com tédio e asco... Ah que o corisco és tu... raio... penhasco? Caramuru Bem puderas, cruel, ter sido esquivo Quando eu a fé rendia ao teu engano; Nem me ofenderas a escutar-me altivo, Que é favor, dado a tempo, um desengano; Porém, deixando o coração cativo Com fazer-te a meus rogos sempre humano, Fugiste-me, traidor, e desta sorte Paga meu fino amor tão crua morte ? Caramuru Tão dura ingratidão menos sentira, E esse fado cruel doce me fora, Se a meu despeito triunfar não vira Essa indigna, essa infame, essa traidora! Por serva, por escrava, te seguira, Se não temera de chamar senhora A vil Paraguaçu, que, sem que o creia, Sobre ser-me inferior, é néscia e feia. Caramuru Enfim, tens coração de ver-me aflita, Flutuar moribunda entre estas ondas; Nem o passado amor teu peito incita A um ai somente com que aos meus respondas! Bárbaro, se esta fé teu peito irrita, (Disse, vendo-o fugir), ah não te escondas! Dispara sobre mim teu cruel raio...” E indo a dizer o mais, cai num desmaio. Caramuru Perde o lume dos olhos, pasma e treme, Pálida a cor, o aspecto moribundo, Com mão já sem vigor, soltando o leme, Entre as salsas escumas desce ao fundo. Mas na onda do mar, que irado freme, Tornando a aparecer desde o profundo: “Ah Diogo cruel!” disse com mágoa, E, sem mais vista ser sorveu-se n’água. Caramuru Choraram da Bahia as ninfas belas, Que, nadando, a Moema acompanhavam; E, vendo que sem dor navegam delas, A branca praia com furor tornavam. Nem pode o claro herói sem pena vê-las, Com tantas provas que de amor Ihe davam; Nem mais lhe lembra o nome de Moema, Sem que ou amante a chore, ou grato gema. O Uraguai (1769) • Diverge completamente do padrão épico clássico: contém apenas cinco cantos, não possui estrofação, os versos são brancos e inicia-se diretamente na ação. • Seu tema são as Guerras Guaraníticas, que ocorreram na atual fronteira com o Uruguai entre 1750 e 1756 (havendo ainda conflitos até 1767). A proximidade com a época de produção do texto também é inovadora. • Fatos verídicos: O Uraguai – Gomes Freire de Andrade comandou a investida que oficialmente encerrou a guerra. – Sepé Tiaraju é o cacique que comandava os guaranis. Morto em 1756, na Batalha de Caiboaté, foi inscrito em setembro de 2009 no Livro dos Heróis da Pátria. A obra O tempo e o vento também o tomacomo personagem. – Cerca de 1.500 guaranis morreram na Batalha do Caiboaté. – Lourenço Balda era um dos jesuítas responsáveis pela Missão de São Miguel, onde ocorreu a Batalha do Caiboaté. O Uraguai • Trechos mais reverenciados da obra Fez proezas Sepé naquele dia. Conhecido de todos, no perigo Mostrava descoberto o rosto e o peito Forçando os seus co’ exemplo e co’as palavras. Já tinha despejado a aljava toda, E destro em atirar, e irado e forte Quantas setas da mão voar fazia Tantas na nossa gente ensanguentava. . O Uraguai Setas de novo agora recebia, Para dar outra vez princípio à guerra. Quando o ilustre espanhol que governava Montevidio, alegre, airoso e pronto As rédeas volta ao rápido cavalo E por cima de mortos e feridos, Que lutavam co’a morte, o índio afronta. Sepé, que o viu, tinha tomado a lança E atrás deitando a um tempo o corpo e o braço O Uraguai A despediu. Por entre o braço e o corpo Ao ligeiro espanhol o ferro passa: Rompe, sem fazer dano, a terra dura E treme fora muito tempo a hástea. Mas de um golpe a Sepé na testa e peito Fere o governador, e as rédeas corta Ao cavalo feroz. Foge o cavalo, E leva involuntário e ardendo em ira Por todo o campo a seu senhor; e ou fosse O Uraguai Que regada de sangue aos pés cedia A terra, ou que pusesse as mãos em falso, Rodou sobre si mesmo, e na caída Lançou longe a Sepé. Rende-te, ou morre, Grita o governador; e o tape altivo, Sem responder, encurva o arco, e a seta Despede, e nela lhe prepara a morte. Enganou-se esta vez. A seta um pouco Declina, e açouta o rosto a leve pluma. O Uraguai Não quis deixar o vencimento incerto Por mais tempo o espanhol, e arrebatado Com a pistola lhe fez tiro aos peitos. Era pequeno o espaço, e fez o tiro No corpo desarmado estrago horrendo. Viam-se dentro pelas rotas costas Palpitar as entranhas. Quis três vezes Levantar-se do chão: caiu três vezes, E os olhos já nadando em fria morte Lhe cobriu sombra escura e férreo sono. O Uraguai [Que] Entrara no jardim triste e chorosa, Sem consentir que alguém a acompanhasse. Um frio susto corre pelas veias De Caitutu, que deixa os seus no campo; E a irmã por entre as sombras do arvoredo Busca co’a vista, e teme de encontrá-la. Entram enfim na mais remota e interna Parte de antigo bosque, escuro e negro, Onde ao pé de uma lapa cavernosa O Uraguai Cobre uma rouca fonte, que murmura, Curva latada de jasmins e rosas. Este lugar delicioso e triste, Cansada de viver, tinha escolhido Para morrer a mísera Lindoia. Lá reclinada, como que dormia, Na branda relva e nas mimosas flores, Tinha a face na mão, e a mão no tronco De um fúnebre cipreste, que espalhava O Uraguai Melancólica sombra. Mais de perto Descobrem que se enrola no seu corpo Verde serpente, e lhe passeia, e cinge Pescoço e braços, e lhe lambe o seio. Fogem de a ver assim, sobressaltados, E param cheios de temor ao longe; E nem se atrevem a chamá-la, e temem Que desperte assustada, e irrite o monstro, E fuja, e apresse no fugir a morte. O Uraguai Porém o destro Caitutu, que treme Do perigo da irmã, sem mais demora Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes Soltar o tiro, e vacilou três vezes Entre a ira e o temor. Enfim sacode O arco e faz voar a aguda seta, Que toca o peito de Lindoia, e fere A serpente na testa, e a boca e os dentes Deixou cravados no vizinho tronco. O Uraguai Açouta o campo co’a ligeira cauda O irado monstro, e em tortuosos giros Se enrosca no cipreste, e verte envolto Em negro sangue o lívido veneno. Leva nos braços a infeliz Lindoia O desgraçado irmão, que ao despertá-la Conhece, com que dor! no frio rosto Os sinais do veneno, e vê ferido Pelo dente sutil o brando peito. O Uraguai Os olhos, em que Amor reinava, um dia, Cheios de morte; e muda aquela língua Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes Contou a larga história de seus males. Nos olhos Caitutu não sofre o pranto, E rompe em profundíssimos suspiros, Lendo na testa da fronteira gruta De sua mão já trêmula gravado O alheio crime e a voluntária morte. O Uraguai E por todas as partes repetido O suspirado nome de Cacambo. Inda conserva o pálido semblante Um não sei quê de magoado e triste, Que os corações mais duros enternece Tanto era bela no seu rosto a morte!