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'''D. Rodrigo da Câmara''' ([[Lisboa]], [[1594]] — [[Sagres]], [[30 de abril]] de [[1672]]), 3.º [[conde de Vila Franca]], membro da família [[Gonçalves da Câmara]]. Era filho primogénito de D. [[Manuel da Câmara]], tendo-lhe sucedido como 9.º [[capitão do donatário]] da [[ilha de São Miguel]] (sendo o sétimo da família a exercer o cargo).{{sfn|Castilho|1937|p=136}}<ref name="enciclo">[http://www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesquisa/Default.aspx?id=750 «Câmara, Rodrigo da (D.)» na ''Enciclopédia Açoriana''].</ref> |
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==Biografia== |
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Destinado à carreira das armas, partira em [[1612]] para [[Ceuta]], onde permaneceu cerca de dois anos. Regressado a Portugal, casou com D. Maria de Faro, filha do [[Conde de Vimioso]] e neta de D. Francisco de Faro, sobrinho de [[Filipe II de Espanha]]. Tinha 25 anos à data da morte de seu pai, altura em que lhe sucedeu no cargo de capitão do donatário da ilha de São Miguel. |
Destinado à carreira das armas, partira em [[1612]] para [[Ceuta]], onde permaneceu cerca de dois anos. Regressado a Portugal, casou com D. Maria de Faro, filha do [[Conde de Vimioso]] e neta de D. Francisco de Faro, sobrinho de [[Filipe II de Espanha]]. Tinha 25 anos à data da morte de seu pai, altura em que lhe sucedeu no cargo de capitão do donatário da ilha de São Miguel. |
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Passou a frequentar a corte de [[Madrid]], acompanhando os reis em diversas deslocações em Espanha, e fazendo uma vida de grande luxo. Tinha ''veador, secretário, camareiros, copeiros, escudeiros, pajens, lacaios e escudeiros''. |
Passou a frequentar a corte de [[Madrid]], acompanhando os reis em diversas deslocações em Espanha, e fazendo uma vida de grande luxo. Tinha ''veador, secretário, camareiros, copeiros, escudeiros, pajens, lacaios e escudeiros''. |
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Por ordem real, em [[1624]] estabeleceu-se com toda esta corte em [[Ponta Delgada]], mas falecendo-lhe a esposa regressou à corte em [[1626]]. Voltou a casar a [[1 de Junho]] de [[1628]] com D. Maria Coutinho, filha do [[Conde da Vidigueira]] e dama da rainha, tendo como padrinhos os [[lista de reis de Espanha|reis de Espanha]], assistindo toda a corte. |
Por ordem real, em [[1624]] estabeleceu-se com toda esta corte em [[Ponta Delgada]], mas falecendo-lhe a esposa regressou à corte em [[1626]]. Voltou a casar a [[1 de Junho]] de [[1628]] com D. Maria Coutinho, filha do [[Conde da Vidigueira]] e dama da rainha, tendo como padrinhos os [[lista de reis de Espanha|reis de Espanha]], assistindo toda a corte.<ref name="enciclo"/> |
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O rei concede-lhe então o título de [[Conde de Vila Franca]] para ele e seus descendentes, já que até então a sua atribuição era apenas feita por uma vida. |
O rei concede-lhe então o título de [[Conde de Vila Franca]] para ele e seus descendentes, já que até então a sua atribuição era apenas feita por uma vida. |
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Fixando-se em [[Lisboa]], em [[1629]] nasce-lhe uma filha e em [[1630]] o filho primogénito [[Manuel Luís Baltazar da Câmara (1630)|D. Manuel Luís]]. Nesse ano vai para [[Ponta Delgada]], deixando a família em [[Lisboa]]. Coordenou o socorro e a reconstrução na sequência da [[Cronologia de desastres naturais nos Açores|grande erupção das Furnas de Setembro de 1630]]. |
Fixando-se em [[Lisboa]], em [[1629]] nasce-lhe uma filha e em [[1630]] o filho primogénito [[Manuel Luís Baltazar da Câmara (1630)|D. Manuel Luís]]. Nesse ano vai para [[Ponta Delgada]], deixando a família em [[Lisboa]]. Coordenou o socorro e a reconstrução na sequência da [[Cronologia de desastres naturais nos Açores|grande erupção das Furnas de Setembro de 1630]].<ref name="enciclo"/> |
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Por esta altura começam a surgir rumores que apontam o conde como bissexual, já que, para além de ser surpreendido na cela de uma freira do convento da Esperança, era sabido que mantinha relacionamento [[homossexual]] com os seus pajens e escudeiros. |
Por esta altura começam a surgir rumores que apontam o conde como [[bissexual]], já que, para além de ser surpreendido na cela de uma freira do convento da Esperança, era sabido que mantinha relacionamento [[homossexual]] com os seus pajens e escudeiros.<ref>[https://luizmottblog.wordpress.com/vicio-dos-nobres/ Luiz Mott, ''O vício dos nobres: Sodomia e privilégios da elite na Inquisição Portuguesa''].</ref> |
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Havendo denúncia para a corte de [[Madrid]], partiu para aquela cidade, onde a grande custo se livrou. Devido ao escândalo, apenas regressou a São Miguel em [[1639]] e mesmo assim por imposição real. |
Havendo denúncia para a corte de [[Madrid]], partiu para aquela cidade, onde a grande custo se livrou. Devido ao escândalo, apenas regressou a São Miguel em [[1639]] e mesmo assim por imposição real. |
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Regressado a [[São Miguel]], regressam os escândalos, com rumores de [[sodomia]] e relacionamento com freiras. Estava o conde em São Miguel quando se dá a [[Restauração da Independência|Restauração]], recebendo notícia da aclamação de D. [[João IV de Portugal|João IV]] em meados de |
Regressado a [[ilha de São Miguel|São Miguel]], regressam os escândalos, com rumores de [[sodomia]] e relacionamento com freiras. Estava o conde em São Miguel quando se dá a [[Restauração da Independência|Restauração]], recebendo notícia da aclamação de D. [[João IV de Portugal|João IV]] em meados de janeiro de [[1641]]. |
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Assumindo uma posição dúbia, só acede a aclamar o novo rei quando ele já estava seguro no trono e já só o Castelo do [[Monte Brasil]] resistia. Então, perante uma carta régia de [[6 de Abril]] de [[1641]], a ele pessoalmente dirigida, que lhe ordenava a aclamação, acede. |
Assumindo uma posição dúbia, só acede a aclamar o novo rei quando ele já estava seguro no trono e já só o Castelo do [[Monte Brasil]] resistia. Então, perante uma carta régia de [[6 de Abril]] de [[1641]], a ele pessoalmente dirigida, que lhe ordenava a aclamação, acede. |
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Assegurado que seria bem recebido na corte, parte para Lisboa em Agosto de [[1642]]. Passou a fazer vida na corte, foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ([[1644]]) |
Assegurado que seria bem recebido na corte, parte para Lisboa em Agosto de [[1642]]. |
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Passou a fazer vida na corte, foi [[provedor]] da [[Santa Casa da Misericórdia de Lisboa]] ([[1644]]). |
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Em [[1646]] comandou uma companhia no [[Alentejo]] durante a [[Guerra da Restauração]]. |
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⚫ | Ao longo deste tempo manteve a sua homossexualidade, criando um rasto de escândalos que só a sua alta jerarquia lhe permitia abafar. Em [[1648]] regressou a [[Ponta Delgada]], instalando-se no paço com o seu habitual estadão. Entre o pessoal estavam vários pajens, com idades compreendidas entre os 10 e os 24 anos, que dormiam alternadamente num quarto adjacente ao do seu senhor, supostamente velando pelo seu sono. |
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⚫ | Tendo adoecido, aparentemente com uma [[hemiplegia]], regressa a [[Lisboa]] em 1650. No ano seguinte, a 4 de maio de 1651, acontece o inevitável: Lucas Leite Pereira, que tinha sido seu pajem, apresenta nova queixa à [[Inquisição]], a qual, perante o escândalo público, se vê obrigada a iniciar um processo contra o poderoso conde. |
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⚫ | Recebida a queixa de sodomia no dia 5 de maio de 1651, no dia 9 seguinte reuniu o Conselho Geral do Santo Ofício para deliberar sobre a matéria, já que o acusado estava entre os aristocratas mais poderosos. Face à gravidade da acusação, o Conselho resolveu mandar prender o acusado, não sem antes dar disso parte a el-rei. O rei, informado da matéria pelo próprio Inquisidor Geral, e certamente conhecedor dos rumores que há muito circulavam, encarregou o [[conde de Cantanhede]], primo do acusado, de o avisar e de o aconselhar e ajudar a abandonar quanto antes o Reino. |
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⚫ | O conde mandou preparar um navio, mas, aparentemente iludido sobre a gravidade da situação, não se embarcou de imediato por estar doente, antes enviando um pedido ao [[Santo Ofício]] para confessar na sua residência. Tal seria possível se aquela fosse a primeira acusação. Contudo, talvez sem o conhecimento do conde, já existiam acusações semelhantes desde antes de 1620, pelo que o pedido foi recusado.<ref>[[Anselmo Braamcamp Freire]], ''[https://archive.org/stream/ocondedevillafr00freigoog/ocondedevillafr00freigoog_djvu.txt O Conde de Vila Franca e a Inquisição]''. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899.</ref> |
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⚫ | Perante a recusa de receber a confissão, o embarque do conde foi aprazado para a noite de 26 de maio, tendo como destino a [[França]]. Contudo, depois de toda a demora, a 25 de maio foi preso em sua casa e conduzido aos cárceres do Santo Ofício. O rei ainda tentou interferir, pedindo a sua transferência para uma das torres reais, mas a [[Inquisição]] recusou, alegando que tal violava os seus breves e leis. |
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⚫ | À acusação feita a 5 de Maio juntaram-se mais cinco, que haviam permanecido secretas nos arquivos do Santo Ofício. O processo foi sendo meticulosamente organizado, e as testemunhas foram sendo ouvidas, confirmando as práticas homossexuais do conde. Entre os inquiridos estão vários pajens, que admitem ter mantido relacionamento sexual com o conde, descrevendo minuciosamente as práticas, e o próprio filho que admite uma relação [[incesto|incestuosa]]. O conde confessou, confirmando todos os casos e incluindo muitos outros. Pelos autos, com cópia conservada na <span class="plainlinks">[http://www.bparpd.pt Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada]</span>, vê-se que o conde tinha mantido relacionamento sexual com freiras de vários conventos de [[Ponta Delgada]], [[Vila Franca do Campo]] e [[Ribeira Grande]], para além de um grande número de jovens, incluindo o filho e uma filha. |
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⚫ | Ao longo deste tempo manteve a sua homossexualidade, criando um rasto de escândalos que só a sua alta jerarquia lhe permitia abafar. Em [[1648]] regressou a [[Ponta Delgada]], instalando-se no paço com o seu habitual estadão. Entre o pessoal estavam vários pajens, com idades compreendidas entre os |
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⚫ | A esposa e os seus influentes parentes tentaram a comutação da pena, tendo apenas conseguido que o encarceramento fosse num convento e não nos cárceres do Santo Ofício. Foi escolhido o convento do [[Cabo de São Vicente]], dos frades capuchos, para onde o conde foi transferido em 1658. Embora com a saúde arruinada, ali conseguiu sobreviver miseravelmente 14 anos, morrendo a 30 de abril de 1672.<ref>Anselmo Braancamp Freire, cit., p. 107</ref> |
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== Processo da Inquisição contra o 3º Conde de Vila Franca, condenação e confisco == |
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⚫ | Recebida a queixa de sodomia no dia |
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⚫ | O conde mandou preparar um navio, mas, aparentemente iludido sobre a gravidade da situação, não se embarcou de imediato por estar doente, antes enviando um pedido ao [[Santo Ofício]] para confessar na sua residência. Tal seria possível se aquela fosse a primeira acusação. Contudo, talvez sem o conhecimento do conde, já existiam acusações semelhantes desde antes de |
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==Referências== |
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⚫ | Perante a recusa de receber a confissão, o embarque do conde foi aprazado para a noite de |
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== Bibliografia == |
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Edição atual tal como às 18h11min de 2 de outubro de 2024
Rodrigo da Câmara | |
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Nascimento | 1594 Lisboa |
Morte | 30 de abril de 1662 (67–68 anos) Sagres |
Cidadania | Reino de Portugal |
Progenitores | |
Filho(a)(s) | Manuel Luís Baltazar da Câmara, 1.º Conde da Ribeira Grande |
Ocupação | aristocrata |
Título | Conde de Vila Franca |
D. Rodrigo da Câmara (Lisboa, 1594 — Sagres, 30 de abril de 1672), 3.º conde de Vila Franca, membro da família Gonçalves da Câmara. Era filho primogénito de D. Manuel da Câmara, tendo-lhe sucedido como 9.º capitão do donatário da ilha de São Miguel (sendo o sétimo da família a exercer o cargo).[1][2]
Biografia
[editar | editar código-fonte]Destinado à carreira das armas, partira em 1612 para Ceuta, onde permaneceu cerca de dois anos. Regressado a Portugal, casou com D. Maria de Faro, filha do Conde de Vimioso e neta de D. Francisco de Faro, sobrinho de Filipe II de Espanha. Tinha 25 anos à data da morte de seu pai, altura em que lhe sucedeu no cargo de capitão do donatário da ilha de São Miguel.
Passou a frequentar a corte de Madrid, acompanhando os reis em diversas deslocações em Espanha, e fazendo uma vida de grande luxo. Tinha veador, secretário, camareiros, copeiros, escudeiros, pajens, lacaios e escudeiros.
Por ordem real, em 1624 estabeleceu-se com toda esta corte em Ponta Delgada, mas falecendo-lhe a esposa regressou à corte em 1626. Voltou a casar a 1 de Junho de 1628 com D. Maria Coutinho, filha do Conde da Vidigueira e dama da rainha, tendo como padrinhos os reis de Espanha, assistindo toda a corte.[2]
O rei concede-lhe então o título de Conde de Vila Franca para ele e seus descendentes, já que até então a sua atribuição era apenas feita por uma vida.
Fixando-se em Lisboa, em 1629 nasce-lhe uma filha e em 1630 o filho primogénito D. Manuel Luís. Nesse ano vai para Ponta Delgada, deixando a família em Lisboa. Coordenou o socorro e a reconstrução na sequência da grande erupção das Furnas de Setembro de 1630.[2]
Por esta altura começam a surgir rumores que apontam o conde como bissexual, já que, para além de ser surpreendido na cela de uma freira do convento da Esperança, era sabido que mantinha relacionamento homossexual com os seus pajens e escudeiros.[3]
Havendo denúncia para a corte de Madrid, partiu para aquela cidade, onde a grande custo se livrou. Devido ao escândalo, apenas regressou a São Miguel em 1639 e mesmo assim por imposição real.
Regressado a São Miguel, regressam os escândalos, com rumores de sodomia e relacionamento com freiras. Estava o conde em São Miguel quando se dá a Restauração, recebendo notícia da aclamação de D. João IV em meados de janeiro de 1641.
Assumindo uma posição dúbia, só acede a aclamar o novo rei quando ele já estava seguro no trono e já só o Castelo do Monte Brasil resistia. Então, perante uma carta régia de 6 de Abril de 1641, a ele pessoalmente dirigida, que lhe ordenava a aclamação, acede.
Assegurado que seria bem recebido na corte, parte para Lisboa em Agosto de 1642. Passou a fazer vida na corte, foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (1644).
Em 1646 comandou uma companhia no Alentejo durante a Guerra da Restauração.
Ao longo deste tempo manteve a sua homossexualidade, criando um rasto de escândalos que só a sua alta jerarquia lhe permitia abafar. Em 1648 regressou a Ponta Delgada, instalando-se no paço com o seu habitual estadão. Entre o pessoal estavam vários pajens, com idades compreendidas entre os 10 e os 24 anos, que dormiam alternadamente num quarto adjacente ao do seu senhor, supostamente velando pelo seu sono.
Tendo adoecido, aparentemente com uma hemiplegia, regressa a Lisboa em 1650. No ano seguinte, a 4 de maio de 1651, acontece o inevitável: Lucas Leite Pereira, que tinha sido seu pajem, apresenta nova queixa à Inquisição, a qual, perante o escândalo público, se vê obrigada a iniciar um processo contra o poderoso conde.
Recebida a queixa de sodomia no dia 5 de maio de 1651, no dia 9 seguinte reuniu o Conselho Geral do Santo Ofício para deliberar sobre a matéria, já que o acusado estava entre os aristocratas mais poderosos. Face à gravidade da acusação, o Conselho resolveu mandar prender o acusado, não sem antes dar disso parte a el-rei. O rei, informado da matéria pelo próprio Inquisidor Geral, e certamente conhecedor dos rumores que há muito circulavam, encarregou o conde de Cantanhede, primo do acusado, de o avisar e de o aconselhar e ajudar a abandonar quanto antes o Reino.
O conde mandou preparar um navio, mas, aparentemente iludido sobre a gravidade da situação, não se embarcou de imediato por estar doente, antes enviando um pedido ao Santo Ofício para confessar na sua residência. Tal seria possível se aquela fosse a primeira acusação. Contudo, talvez sem o conhecimento do conde, já existiam acusações semelhantes desde antes de 1620, pelo que o pedido foi recusado.[4]
Perante a recusa de receber a confissão, o embarque do conde foi aprazado para a noite de 26 de maio, tendo como destino a França. Contudo, depois de toda a demora, a 25 de maio foi preso em sua casa e conduzido aos cárceres do Santo Ofício. O rei ainda tentou interferir, pedindo a sua transferência para uma das torres reais, mas a Inquisição recusou, alegando que tal violava os seus breves e leis.
À acusação feita a 5 de Maio juntaram-se mais cinco, que haviam permanecido secretas nos arquivos do Santo Ofício. O processo foi sendo meticulosamente organizado, e as testemunhas foram sendo ouvidas, confirmando as práticas homossexuais do conde. Entre os inquiridos estão vários pajens, que admitem ter mantido relacionamento sexual com o conde, descrevendo minuciosamente as práticas, e o próprio filho que admite uma relação incestuosa. O conde confessou, confirmando todos os casos e incluindo muitos outros. Pelos autos, com cópia conservada na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, vê-se que o conde tinha mantido relacionamento sexual com freiras de vários conventos de Ponta Delgada, Vila Franca do Campo e Ribeira Grande, para além de um grande número de jovens, incluindo o filho e uma filha.
Face às provas e à confissão, o conde é condenado por sodomia, sendo a sentença lida a 20 de dezembro de 1652. A pena foi o cárcere perpétuo e a perda para a coroa dos bens, incluindo a capitania das ilhas.
A esposa e os seus influentes parentes tentaram a comutação da pena, tendo apenas conseguido que o encarceramento fosse num convento e não nos cárceres do Santo Ofício. Foi escolhido o convento do Cabo de São Vicente, dos frades capuchos, para onde o conde foi transferido em 1658. Embora com a saúde arruinada, ali conseguiu sobreviver miseravelmente 14 anos, morrendo a 30 de abril de 1672.[5]
O processo da Inquisição é muito explícito quanto às práticas sexuais do acusado, documentando assim a forma como a homossexualidade e a bissexualidade eram praticadas e vistas no século XVII.
Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ Castilho 1937, p. 136.
- ↑ a b c «Câmara, Rodrigo da (D.)» na Enciclopédia Açoriana.
- ↑ Luiz Mott, O vício dos nobres: Sodomia e privilégios da elite na Inquisição Portuguesa.
- ↑ Anselmo Braamcamp Freire, O Conde de Vila Franca e a Inquisição. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899.
- ↑ Anselmo Braancamp Freire, cit., p. 107
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Castilho, Júlio de; Silva, Augusto Vieira da (1937). Lisboa antiga: Segunda parte: Bairros orientais Vol. 8. Lisboa: S. Industriais da C.M.L.
Precedido por Manuel Luís Baltazar da Câmara I |
Capitão do donatário da Ilha de São Miguel (9.º) 1619 - 1662 |
Sucedido por Manuel Luís Baltazar da Câmara II |
Precedido por Manuel Luís Baltazar da Câmara I |
Conde de Vila Franca (3.º) 1619 - 1662 |
Sucedido por Manuel Luís Baltazar da Câmara II |