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Intolerância religiosa

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
(Redirecionado de Preconceito Religioso)
A execução do Inca Atahualpa pelos espanhóis. As religiões nativas foram proscritas pelo cristianismo, introduzido pelos invasores. Ilustração de A.B. Greene, 1891

Intolerância religiosa[1] é um termo que descreve a atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar práticas e crenças religiosas de terceiros, ou a sua ausência. Pode-se constituir uma intolerância ideológica ou política, sendo que, ambas têm sido comuns através da história. A maioria dos grupos religiosos já passou por tal situação numa época ou outra. Floresce devido à ausência de liberdade de religião e pluralismo religioso.

Perseguição, neste contexto, pode referir-se a prisões ilegais, espancamentos, torturas, execução injustificada, negação de benefícios e de direitos e liberdades civis. Pode também implicar confisco de bens e destruição de propriedades, ou incitamento ao ódio.

Perseguição na Antiguidade

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Ver artigo principal: Perseguição aos cristãos

Um exemplo de intolerância religiosa na Antiguidade, é a perseguição dos primeiros cristãos pelos judeus e pagãos.

Perseguições na Idade Média e Moderna

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Ver artigo principal: Antissemitismo

Os judeus tornaram-se alvo preferencial de perseguição religiosa ainda antes do fim do Império Romano, mas esta perseguição recrudesceu durante a Idade Média. Conversões forçadas tornaram-se comuns, por exemplo na Península Ibérica, a partir de meados do Século XIV.

Perseguições na Idade Contemporânea

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Ver artigo principal: Holocausto

A perseguição religiosa atingiu níveis nunca vistos antes na História durante o século XX, quando os nazistas perseguiram milhões de judeus e outras etnias indesejadas pelo regime. Esta perseguição em massa usualmente conhecida por Holocausto, vitimou milhões de pessoas. Contudo, o nazismo perseguiu os judeus como raça e não propriamente como religião.[2]

Outro exemplo de perseguição religiosa na idade contemporânea foi a perseguição por parte da antiga União Soviética que perseguiu vários grupos religiosos pois eram um estado de jurisdição ateísta. A perseguição não precisa ser necessariamente estatal na contemporaneidade, como no caso da extinção de duas cidades cristãs no Levante pelo Al-jayš as-suri al-ħurr, o que levou ao deslocamento forçado de oitenta mil pessoas.[3] Ditaduras nem sempre estão associadas a perseguição religiosa. Por exemplo, no Egito de Hosni Mubarak, no Iraque de Saddam Hussein e na Líbia de Muammar al-Gaddafi, as minorias cristãs sentiam-se protegidas da perseguição islâmica e eram autorizadas a praticar suas doutrinas. Em contrapartida, comprometiam-se a ficar afastadas da política. O Vaticano denomina esses acordos como síndrome dos pandas, nome dos inofensivos ursos vegetarianos protegidos pelas autoridades chinesas, para evitar sua extinção.[4]

Intolerância religiosa contra ateus e apóstatas

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Ver artigo principal: Discriminação contra ateus

O ateísmo sempre foi uma forma de pensamento perseguida, clandestina e discriminada, cuja situação piorou com o auge dos monoteísmos.[5]

No caso da Inquisição da Igreja Católica, a apostasia no cristianismo (renúncia à fé católica), como sinónimo de ateísmo, era considerado o maior de todos os crimes, tornando-se o réu perjuro. Pedia esta instituição aos soberanos feitos súbditos pelo batismo o apoio ativo contra os hereges e as leis de direito canónico explicitavam a heresia, o cisma e a apostasia como delitos contra a fé.[6] Atualmente o Código de Direito Canónico já não mantém penas para ateus e apóstatas, no entanto, existem os castigos de excomunhão, e o impedimento de acesso ao casamento religioso e aos ritos funerários.[7]

No caso do Judaísmo, a apostasia nesta religião, tal como a heresia, eram sinónimos de “negação de Deus” e, portanto, do ⁣ateísmo, associado também ao Epicurismo, sendo os epicuristas vistos com suspeição por serem contrários aos dogmas da religião.[8] O facto das comunidades judaicas serem governadas por potências externas, refletia normalmente as leis e políticas destas, mas a rejeição foi particularmente visível nos tempos do Segundo Templo, com a marginalização dos não crentes, considerados impuros.[9]

Para o Islamismo, a apostasia no Islã/Islão engloba tanto o ateísmo como a conversão a outra religião, admitiam a expulsão, mas, tal como acontecia com os Bizantinos, os Sassânidas ou a Inquisição, também a pena de morte, como castigo máximo para tal “ofensa”.[10] Pelo contrário, a manutenção de crenças anteriores ao início do domínio muçulmano de um território era visto como lamentável, mas tolerado.[10] Na atualidade os países de maioria islâmica sob regimes autocráticos e com sistemas jurídicos baseados na Xaria, continuam a ser os únicos com manutenção da pena de morte para o abandono da religião islâmica,[11] e promovendo a perseguição de minorias religiosas.[12]

Em países de maioria budista, como o Myanmar[13] ou o Sri Lanka,[14] ou hinduísta, como a Índia, ateus e apóstatas enfrentam hostilidade social e discriminação.[11]

Nos Estados Unidos da América

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No século XIX, houve intensa perseguição contra os pioneiros mórmons que habitavam os estados de Ohio, Missouri e Illinois, sendo que muitos chegaram a ser expulsos de suas casas.[15]

Ver artigo principal: Intolerância religiosa no Brasil

Com o crescimento da diversidade religiosa no Brasil é verificado um crescimento da intolerância religiosa, tendo sido criado até mesmo o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (21 de janeiro) por meio da Lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que foi um reconhecimento do próprio Estado da existência do problema.[16][17][18]

A data foi instituída tendo como pano de fundo um dos episódios de grande repercussão no país, a violência praticada contra a ialorixá Gildásia dos Santos, a Mãe Gilda, falecida em 2000 por complicações na saúde, consequentes de perseguição religiosa. Implementar a data no calendário nacional foi o reconhecimento oficial da trajetória de luta da sacerdotisa e, notadamente, de diversas líderes religiosas, evidenciando o trabalho das mulheres negras pela superação do racismo, das desigualdades e da busca por justiça ao povo de candomblé. O caso de Mãe Gilda é um dos mais emblemáticos na luta contra o racismo e o ódio religioso no Brasil. Após ter sua imagem maculada e o terreiro (Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador) invadido e depredado por representantes de outra religião, a sacerdotisa teve agravamentos de problemas de saúde e morreu em 21 de janeiro de 2000. O caso repercutiu amplamente, resultando em projetos de lei na esfera municipal e, em seguida, sendo reconhecido na esfera federal pelo então presidente Lula que, em 2007, sancionou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, fazendo da data um marco nacional.[19]

Legislação contemporânea

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Vários países ao redor do mundo incluíram cláusulas nas suas constituições proibindo expressamente a promoção ou prática de certos actos de intolerância religiosa ou de favorecimento religioso dentro das suas fronteiras. Exemplos incluem a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, o Artigo 4 da Lei Básica da Alemanha, o Artigo 44.2.1 da Constituição da República da Irlanda, o Artigo 40 da Constituição da Estônia [1], o Artigo 24 da Constituição da Turquia, o Artigo 19, Inciso I, da Constituição do Brasil e o Artigo 13, Inciso 2, da Constituição de Portugal. Muitos outros estados, embora não apresentem disposições constitucionais diretamente relacionadas à religião, contém não obstante, disposições proibindo a discriminação em bases religiosas (veja, por exemplo, o Artigo 1 da Constituição da França, o Artigo 15 da Carta de Direitos e Liberdades Canadense e o Artigo 40 da Constituição do Egito). Deve ser notado que estas disposições constitucionais não garantem necessariamente que todos os elementos do estado permaneçam livres de intolerância religiosa por todo o tempo, e a prática pode variar amplamente, de país para país.

Outros países permitem o favorecimento religioso por estabelecerem uma ou mais religiões estatais, condenando, ainda assim, a intolerância religiosa. A Finlândia, por exemplo, aprovou a Igreja Luterana Evangélica da Finlândia e a Igreja Ortodoxa Finlandesa como suas religiões oficiais estatais assegurando, no entanto, o direito da livre expressão religiosa no Artigo 11 da sua constituição.

Na legislação brasileira, há vários dispositivos que condenam a discriminação religiosa.

A lei federal 7 716, alterada pela lei 9 459.[20]

O artigo 208 do código penal.

"Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa."

Parágrafo único - "Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência."

Casos históricos notáveis

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Casos individuais

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Referências

  1. Fantini, João Angelo, coordinator. Dunker, Christian Ingo Lenz, author. Raízes da intolerância. [S.l.: s.n.] OCLC 910881164 
  2. «Why Did the Nazis Discriminate Against the Jews?». History Hit (em inglês). Consultado em 24 de fevereiro de 2020 
  3. Syria’s Crumbling Pluralism The New York Times, Kapil Komireddi, 3 de agosto de 2012
  4. «Are christians facing extinction in arab street?» (em inglês). The Guardian. 1.º de novembro de 2011. Consultado em 15 de novembro de 2018. Cópia arquivada em 28 de fevereiro de 2018 
  5. Carneiro, Henrique (8 de maio de 2007). «Por que somos ateus?». PSTU. Consultado em 19 de março de 2011. Arquivado do original em 26 de julho de 2011. Os sacerdotes foram os primeiros agentes do aparelho coercitivo do Estado. Duvidar dos deuses, portanto, sempre foi, na história das civilizações, um crime contra o Estado. Por isso, o ateísmo sempre foi uma doutrina clandestina, perseguida, denunciada, estigmatizada, e seus porta-vozes são, por milênios, praticamente inexistentes na história do pensamento. [...] lembremo-nos sempre que o debate do ateísmo sempre se fez de forma clandestina e, portanto, cifrada, sem uma exposição pública total de ideias cujo preço a se pagar por sustentá-las podia ser a morte ou até mesmo pior do que a morte, a tortura e a humilhação. 
  6. Ney de Souza; et al. (2011). «ASPECTOS DA INQUISIÇÃO MEDIEVAL». Portal de Revistas PUC-SP. Consultado em 18 de outubro de 2024 
  7. «Apostasía - Enciclopedia Católica». ec.aciprensa.com. Consultado em 18 de outubro de 2024 
  8. Malkin, Yaakov (29 de outubro de 2009). «Only in Judaism did the name of the philosopher Epicurus come to mean "heretic", and Epicureanism "heresy". All heresy however, derives from belief – religious or otherwise.». Gorgias Press (em inglês): 13–17. ISBN 978-1-4632-1931-4. doi:10.31826/9781463219314-002/html?lang=en. Consultado em 18 de outubro de 2024 
  9. Furstenberg, Yair; Brody, Sara Tova (2023). Purity and Identity in Ancient Judaism: From the Temple to the Mishnah. [S.l.]: Indiana University Press 
  10. a b Quadir, Razi H. (2023). Reitsma, Bernhard; van Nes-Visscher, Erika, eds. «Apostasy in Islam: An Overview of Sources and Positions». Amsterdam University Press. A Religious Response: 183–200. ISBN 978-94-6372-348-0. Consultado em 18 de outubro de 2024 
  11. a b «The 13 countries where being an atheist is punishable by death». The Independent (em inglês). 15 de janeiro de 2018. Consultado em 18 de outubro de 2024 
  12. «In Kabul, a Test for Shariah - New York Times». web.archive.org. 11 de janeiro de 2016. Consultado em 18 de outubro de 2024 
  13. «Burma». United States Department of State (em inglês). Consultado em 18 de outubro de 2024 
  14. «Sri Lanka». United States Department of State (em inglês). Consultado em 18 de outubro de 2024 
  15. «A História da Igreja Mórmon». Consultado em 20 de abril de 2009 
  16. G1 (21 de janeiro de 2009). «Entidades religiosas lançam cartilha contra intolerância, no Rio». Consultado em 26 de janeiro de 2010 
  17. Gnotícias (21 de janeiro de 2008). «Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é comemorado em Brasília». Consultado em 26 de janeiro de 2010 
  18. JusBrasil (18 de janeiro de 2010). «Seppir promove encontro para debater liberdade religiosa». Consultado em 26 de janeiro de 2010 [ligação inativa]
  19. Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é celebrado no Rio com eventos na Cinelândia
  20. Palácio do Planalto

Ligações externas

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