Papers by Marcio S Soares
Ao se assenhorear dos costumes fúnebres e das representações sobre a morte no
Ocidente cristão, a... more Ao se assenhorear dos costumes fúnebres e das representações sobre a morte no
Ocidente cristão, a Igreja Católica, com muita destreza, infundiu o medo em relação ao destino
da alma, na tentativa de fazer desse sentimento um mecanismo regulador do comportamento
dos fiéis. A redação do testamento era, pois, o momento de passar a consciência a limpo,
confessar as culpas, tentar reparar alguns erros pretéritos e decidir sobre o destino da terça
parte dos bens, quando havia herdeiros, ou sobre a totalidade deles caso não existissem mais
descendentes ou ascendentes legítimos. Testamentos eram feitos somente por aquelas pessoas
que possuíam bens suficientes para dispor deles em benefício de suas almas e/ou enfrentassem
problemas sucessórios, tais como a ausência de herdeiros ou o reconhecimento de prole natural.
As mestiçagens se fazem presentes em múltiplos aspectos dessa tipologia documental, a
exemplo das alusões a índios e a escravos de origem africana sob o poder dos testadores e a
menção as suas diversas qualidades (pretos, pardos, mulatos, mamalucos, cabras); o
reconhecimento de prole ilegítima com pretas, índias (escravas ou forras) e mestiças livres; a
distribuição de legados pelos testadores a parentes consanguíneos ou rituais; amigos e libertos.
Não raro alcançando a condição senhorial, parcela expressiva de forros e de forras acumulava
fortuna suficiente que os habilitava a redigir suas últimas vontades. O uso dos testamentos
como fonte de pesquisa histórica permite, portanto, dentre outras possibilidades, o estudo das
mestiçagens associado às relações familiares; à acumulação e transmissão de patrimônio por
descendentes de africanos e de indígenas; a prática da alforria e à mobilidade social.
este artigo busca analisar a complexidade dos sepultamentos de escravos, entre 1730-
1815, na igr... more este artigo busca analisar a complexidade dos sepultamentos de escravos, entre 1730-
1815, na igreja matriz da freguesia rural de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá, localizada
no Recôncayo da Guanabara/Rio de Janeiro. Através do estudo dos registos de óbitos
paroquiais, procuramos demonstrar as desigualdades e hierarquias existentes no cativeiro expressas
na localização e posição das sepulturas. Os sepultamentos privilegiados estavam relacionados
às diferentes posições que os cativos ocupavam na multidão de escravos de Irajá.
Dependendo da filiação a uma irmandade religiosa, da posição que ocupavam no cativeiro e
do prestígio social de seus senhores, uma seleta fração de escravos tinha funerais diferenciados,
o que materializava a desigualdade diante da morte no Rio de Janeiro colonial.
African presence and marriage among the slaves at Campos dos Goitacazes (1790-1831) Márcio de Sou... more African presence and marriage among the slaves at Campos dos Goitacazes (1790-1831) Márcio de Sousa Soares * RESUMO O artigo examina o impacto do tráico atlântico sobre a população escrava nos Campos dos Goitacazes no auge da agroexportação do açúcar na capitania/província do Rio de Janeiro. Tem por objetivo analisar como a acentuada presença de africanos afetava os arranjos matrimoniais entre os escravos.
Revista de História da Sociedade e da Cultura, 2023
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Ocidente cristão, a Igreja Católica, com muita destreza, infundiu o medo em relação ao destino
da alma, na tentativa de fazer desse sentimento um mecanismo regulador do comportamento
dos fiéis. A redação do testamento era, pois, o momento de passar a consciência a limpo,
confessar as culpas, tentar reparar alguns erros pretéritos e decidir sobre o destino da terça
parte dos bens, quando havia herdeiros, ou sobre a totalidade deles caso não existissem mais
descendentes ou ascendentes legítimos. Testamentos eram feitos somente por aquelas pessoas
que possuíam bens suficientes para dispor deles em benefício de suas almas e/ou enfrentassem
problemas sucessórios, tais como a ausência de herdeiros ou o reconhecimento de prole natural.
As mestiçagens se fazem presentes em múltiplos aspectos dessa tipologia documental, a
exemplo das alusões a índios e a escravos de origem africana sob o poder dos testadores e a
menção as suas diversas qualidades (pretos, pardos, mulatos, mamalucos, cabras); o
reconhecimento de prole ilegítima com pretas, índias (escravas ou forras) e mestiças livres; a
distribuição de legados pelos testadores a parentes consanguíneos ou rituais; amigos e libertos.
Não raro alcançando a condição senhorial, parcela expressiva de forros e de forras acumulava
fortuna suficiente que os habilitava a redigir suas últimas vontades. O uso dos testamentos
como fonte de pesquisa histórica permite, portanto, dentre outras possibilidades, o estudo das
mestiçagens associado às relações familiares; à acumulação e transmissão de patrimônio por
descendentes de africanos e de indígenas; a prática da alforria e à mobilidade social.
1815, na igreja matriz da freguesia rural de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá, localizada
no Recôncayo da Guanabara/Rio de Janeiro. Através do estudo dos registos de óbitos
paroquiais, procuramos demonstrar as desigualdades e hierarquias existentes no cativeiro expressas
na localização e posição das sepulturas. Os sepultamentos privilegiados estavam relacionados
às diferentes posições que os cativos ocupavam na multidão de escravos de Irajá.
Dependendo da filiação a uma irmandade religiosa, da posição que ocupavam no cativeiro e
do prestígio social de seus senhores, uma seleta fração de escravos tinha funerais diferenciados,
o que materializava a desigualdade diante da morte no Rio de Janeiro colonial.
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Ocidente cristão, a Igreja Católica, com muita destreza, infundiu o medo em relação ao destino
da alma, na tentativa de fazer desse sentimento um mecanismo regulador do comportamento
dos fiéis. A redação do testamento era, pois, o momento de passar a consciência a limpo,
confessar as culpas, tentar reparar alguns erros pretéritos e decidir sobre o destino da terça
parte dos bens, quando havia herdeiros, ou sobre a totalidade deles caso não existissem mais
descendentes ou ascendentes legítimos. Testamentos eram feitos somente por aquelas pessoas
que possuíam bens suficientes para dispor deles em benefício de suas almas e/ou enfrentassem
problemas sucessórios, tais como a ausência de herdeiros ou o reconhecimento de prole natural.
As mestiçagens se fazem presentes em múltiplos aspectos dessa tipologia documental, a
exemplo das alusões a índios e a escravos de origem africana sob o poder dos testadores e a
menção as suas diversas qualidades (pretos, pardos, mulatos, mamalucos, cabras); o
reconhecimento de prole ilegítima com pretas, índias (escravas ou forras) e mestiças livres; a
distribuição de legados pelos testadores a parentes consanguíneos ou rituais; amigos e libertos.
Não raro alcançando a condição senhorial, parcela expressiva de forros e de forras acumulava
fortuna suficiente que os habilitava a redigir suas últimas vontades. O uso dos testamentos
como fonte de pesquisa histórica permite, portanto, dentre outras possibilidades, o estudo das
mestiçagens associado às relações familiares; à acumulação e transmissão de patrimônio por
descendentes de africanos e de indígenas; a prática da alforria e à mobilidade social.
1815, na igreja matriz da freguesia rural de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá, localizada
no Recôncayo da Guanabara/Rio de Janeiro. Através do estudo dos registos de óbitos
paroquiais, procuramos demonstrar as desigualdades e hierarquias existentes no cativeiro expressas
na localização e posição das sepulturas. Os sepultamentos privilegiados estavam relacionados
às diferentes posições que os cativos ocupavam na multidão de escravos de Irajá.
Dependendo da filiação a uma irmandade religiosa, da posição que ocupavam no cativeiro e
do prestígio social de seus senhores, uma seleta fração de escravos tinha funerais diferenciados,
o que materializava a desigualdade diante da morte no Rio de Janeiro colonial.