BARRETO, Ana Cláudia G.; BILATE, Danilo; BARROS, Tiago M. da S. (org.). Spinoza Nietzsche: filóso... more BARRETO, Ana Cláudia G.; BILATE, Danilo; BARROS, Tiago M. da S. (org.). Spinoza Nietzsche: filósofos contra a tradição. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011
Aoristo - International Journal of Phenomenology, Hermeneutics and Metaphysics, 2021
Vivemos sob o domínio da “objetivação”, mas este esquema reducionista dificulta o acesso a realid... more Vivemos sob o domínio da “objetivação”, mas este esquema reducionista dificulta o acesso a realidades espirituais. Hermógenes Harada foi um pensador “marginal” na torrente do niilismo ocidental, nesta situação tornou-se um sábio guerreiro no confronto intelectual com os “idiotas da objetividade”. Este artigo continua este confronto, pensando a origem histórico-filosófica da objetivação e, com ajuda de Nietzsche, reportará esta origem ao surgimento da filosofia socrática, que não apenas queria conhecer, mas principalmente “corrigir a vida”, com a crença na existência de um mundo metafísico. Os “conceitos metafísicos” constituem a base das “ciências úteis”, aquelas ciências que, corrigindo a vida, pretendem “salvar-nos” dos perigos, do sofrimento e da morte, neste mundo aparente, agitado e inseguro. A confiança excessiva depositada nas “ciências úteis” à “correção da vida” tem como consequência uma doença na cultura ocidental: todos os valores superiores se desvalorizaram, o niilismo ...
Alasdair MacIntyre afirma, em sua obra “Depois da virtude”, que o discurso e as praticas da moral... more Alasdair MacIntyre afirma, em sua obra “Depois da virtude”, que o discurso e as praticas da moral moderna so podem ser compreendidos como uma serie de fragmentos remanescentes de um passado mais antigo e erige Aristoteles como principal nucleo intelectual da tradicao de conceituacao da virtude moral. O repudio moderno, na transicao dos secs. XV e XVII, a tradicao moral aristotelica, fomentou essa fragmentacao, enquanto justificativas racionais e seculares da moralidade. Nietzsche surge, nesse cenario moral moderno, segundo MacIntyre, com a tese que todas as justificativas racionais da moralidade fracassam notoriamente e que, portanto, a crenca nos dogmas da moralidade precisa ser explicada com base em um conjunto de racionalizacoes que ocultam um fenomeno fundamentalmente nao-racional: a vontade. Nao pretendemos nos contrapor argumentativamente a inadequada leitura que MacIntyre faz do “super-homem” nem a sua compreensao da filosofia de Nietzsche como “emotivismo”, mas apenas destac...
Resumo: A questao nietzschiana sobre o “espirito de vinganca” e focada no texto, desde uma contra... more Resumo: A questao nietzschiana sobre o “espirito de vinganca” e focada no texto, desde uma contraposicao reflexiva com um exemplo literario de vinganca reparadora: A visita da velha senhora, de Friedrich Durrenmatt. O espirito de vinganca quer “fermentar todo o mundo” com sua medida de “verdade”, para isto nao pode ficar para tras, meditando o sentido (besinnen) no jogo dos fatos da vida, precisa “ir contra o tempo e o seu era”. Nietzsche entende que quem fica para tras e aprende a jogar com o mundo pode, com um “grande esforco de meditacao” (Besonnenheit), superar a recalcitrância metafisica contra o tempo. Palavras-chave: meditar sentido; tempo irreversivel; espirito de vinganca; superacao da metafisica; jogo. Abstract: This article focalizes the Nietzschian question about the “spirit of revenge” and confronts it with an example of literature, which puts on view the repairing revenge: The visit of the old lady, of Friedrich Durrenmatt. The spirit of revenge wants “to ferment the w...
Os processos de estetizacao estao cada vez mais presentes no mundo de hoje. Normalmente ficamos e... more Os processos de estetizacao estao cada vez mais presentes no mundo de hoje. Normalmente ficamos elencando pontos negativos e, algumas vezes, pontos positivos, sem, todavia, distinguir entre “estetizacao superficial” e “estetizacao profunda” ou ainda perceber que todo este processo contemporâneo esta influenciado por uma “estetizacao epistemologica” da Modernidade. Por meio de semelhantes consideracoes esteticas de Wolfgang Welsch, este trabalho procurara entender essas distincoes e apontar para algumas direcoes fenomenologicas possiveis para o desenvolvimento da “cultura do ponto cego”, que ele sugere em suas analises, como sendo uma contribuicao importante para a compreensao da estetizacao contemporânea do mundo. A fenomenologia do visivel e invisivel de Merleau-Ponty e a fenomenologia da visao hermetico-concriativa de Heinrich Rombach sao as bases conceituais para desenvolver a cultura do ponto cego e retomar uma significacao antiga de aisthesis theorike dos gregos. Supomos tambem...
Em “A gaia cienciag, § 109, Nietzsche define o carater geral do mundo como caos. O caos nao se e... more Em “A gaia cienciag, § 109, Nietzsche define o carater geral do mundo como caos. O caos nao se encontra num momento ancestral do mundo, antes da ordem, ele nao ficou la tras numa cosmogonia primordial do mundo. O caos nao deve ser malentendido como oposicao as causas, aos fins e aos propositos. O caos e como um jogo de dados. O caos do mundo depende de uma nova interpretacao do proprio acontecimento do mundo, que nao o entenda como excecao, como um acidente ou uma quebra nas leis necessarias do mundo, mas como um jogo. Os acasos e os lances de dados do mundo resguardam a necessidade de uma composicao inventiva, aguardam os bons jogadores (interpretes), aqueles que saibam contemplar a vida como um jogo.
A metafisica se afigura como uma doenca para alguns poetas e pensadores modernos e contemporâneos... more A metafisica se afigura como uma doenca para alguns poetas e pensadores modernos e contemporâneos. A sintomatologia e variada, mas o diagnostico da doenca costuma coincidir: esquecimento da condicao finita do humano demasiado humano. Para Kant, a tarefa fundamental da filosofia consiste em evitar os sintomas de obscurecimento e contradicao do homem metafisico. Seu remedio consiste entao na critica da propria razao, delimitando o que pode se manifestar no espirito humano. Nietzsche diagnostica o desprezo metafisico pela terra/corpo e aponta como receita de cura a apologia do humano demasiado humano: a tarefa de recobrar aquilo que e proprio do homem em sua historia, fazer uma genealogia das perspectivas valorativas da vontade de poder no interior do devir. Heidegger diagnostica o esquecimento do ser como base da doenca e, para encontrar a cura da metafisica, nao parte mais da compreensao fatica e sedimentada no mundo do ser-ai (Dasein), mas do proprio acontecimento historico do senti...
A relação entre filosofia e poesia se mostra muito exemplar no caso da vidae obra de Hölderlin. O... more A relação entre filosofia e poesia se mostra muito exemplar no caso da vidae obra de Hölderlin. O percurso de apropriação se faz inicialmente como descoberta dapossível conjugação de filosofia e poesia, para em seguida marcar mais explicitamenteos limites da própria filosofia do poético e, por fim, retornar ao chão natal da própriapoesia. No momento central de articulação se encontra o fragmento “UrtheilundSeyn”,que enfatiza a partilha e a separação originária dos juízos e a respectiva “indigência desentido estético” para apreender o ser com tal [Seynschlechtin]. À poesia pertence, navolta de si para si mesma, o cuidado [Sorge] de nomear o dom da partilha [theilen] divina. O poeta segue o condão da partilha originária, adivinha, divina.
Vivemos sob o domínio da “objetivação”, mas este esquema reducionista dificulta o acesso a realid... more Vivemos sob o domínio da “objetivação”, mas este esquema reducionista dificulta o acesso a realidades espirituais. Hermógenes Harada foi um pensador “marginal” na torrente do niilismo ocidental, nesta situação tornou-se um sábio guerreiro no confronto intelectual com os “idiotas da objetividade”. Este artigo continua este confronto, pensando a origem histórico-filosófica da objetivação e, com ajuda de Nietzsche, reportará esta origem ao surgimento da filosofia socrática, que não apenas queria conhecer, mas principalmente “corrigir a vida”, com a crença na existência de um mundo metafísico. Os “conceitos metafísicos” constituem a base das “ciências úteis”, aquelas ciências que, corrigindo a vida, pretendem “salvar-nos” dos perigos, do sofrimento e da morte, neste mundo aparente, agitado e inseguro. A confiança excessiva depositada nas “ciências úteis” à “correção da vida” tem como consequência uma doença na cultura ocidental: todos os valores superiores se desvalorizaram, o niilismo bate à nossa porta. Como se “curar” desta doença? Nietzsche encontrou na “meditação de sentido” (Besinnung) uma forma de convalescença do niilismo: “na marginalidade” da torrente do niilismo meditar o sentido (besinnen) das experiências históricas. “Na marginalidade” da meditação de sentido é possível “valorar” (perspectivar) a “in-utilidade” da ciência para a vida.
CONTRIBUIÇÃO MEDIEVAL (FRANCISCANA) PARA FENOMENOLOGIA E CONTRIBUIÇÃO DA FENOMENOLOGIA PARA A COMPREENSÃO DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA (FRANSCISCANA), 2020
RESUMO Partimos do pressuposto que a Fenomenologia ofereça uma metodologia científica tão rigoros... more RESUMO Partimos do pressuposto que a Fenomenologia ofereça uma metodologia científica tão rigorosa capaz de identificar até a especificidade do conhecimento presente nas palavras do Cantico di frate sole de São Francisco de Assis, assim como também das diversas manifestações religiosas em outras culturas. A Fenomenologia é esse método de acesso ao sentido das palavras, ao sentido da consciência intencional, ao sentido da estrutura de mundo de cada fenômeno, inclusive do fenômeno da vida religiosa. Tendo por base este pressuposto, vamos investigar, neste artigo, de maneira histórico-filosófica: 1) qual pode ter sido a contribuição dos franciscanos, mais especificamente de alguns frades franciscanos (Duns Scotus e Guilherme de Ockham) no final da Idade Média, no período do Nominalismo, para o surgimento da Fenomenologia na Modernidade; 2) qual a pode ser a contribuição que alguns dos principais expoentes da Fenomenologia (Husserl, Heidegger e Rombach) têm a oferecer para nos aproximarmos, "com rigor científico", do fenômeno da vida religiosa (franciscana). Palavras-chave: Fenomenologia. Religião. Experiência. Franciscanismo.
Cadernos da XVIII ANPOF - Ética, política, religião e filosofia oriental, 2019
No pre-sente estudo estamos tentando articular a fenomenologia estrutural de Heinrich Rombach com... more No pre-sente estudo estamos tentando articular a fenomenologia estrutural de Heinrich Rombach com os desafios conceituais da bioética. Rombach foi professor de filosofia da Uni-versidade de Würzburg, estudou com Martin Heidegger, Eugen Fink, Max Müller e faleceu em 2004. Na realidade, trata-se de uma tentativa de aplicação de sua concepção antropológico-estrutural da ação humana na bioética, visto que, em sua obra não encontramos uma reflexão explícita sobre os problemas bioéticos contemporâneos.
Para a História da Filosofia Nicolau de Cusa (1401-1464) é um pensador contemporâneo da “Escolást... more Para a História da Filosofia Nicolau de Cusa (1401-1464) é um pensador contemporâneo da “Escolástica Posterior”. Enquanto que a síntese, elaborada por “compiladores, comentadores, escritores e autores”, é a nota genérica de caracterização da “primeira e da alta escolástica”, a “escolástica posterior” é caracterizada historicamente como um “período de fadiga intelectual”, mas também como um período em que “a crítica vem reivindicar os seus direitos”. Isto, no entanto, não significa que Alberto Magno, Santo Ancelmo, São Tomás de Aquino, Duns Escoto, etc. não fossem críticos ou que Guilherme de Ockham e a Escola dos Nominalistas (Nicolau de Autrecourt, João Buridano, Nicolau de Oresme, etc.) não fossem sistemáticos. Ser crítico no final da Idade Média significa justamente não apenas criticar a noção de constância substancial do ente intramundano, mas principalmente criticar qualquer pretensão de fundamentação substancial e causal do mundo. Ser crítico no final da Idade Média significa estar em crise de paradigmas metafísicos para interpretação do mundo, significa vivenciar o acrisolamento e a suspensão nominalista da fundamentação do universo.
O niilismo consiste numa experiência de história, algo acontece com o curso do acon-tecer. O acon... more O niilismo consiste numa experiência de história, algo acontece com o curso do acon-tecer. O acontecimento já não acontece mais porque o dinamismo do acontecer não conduz a "nenhum sentido". A falta de sentido em todo dinamismo marca a experiência fundamental do niilismo. Esta falta de sentido não é apenas uma falha de funcionamento no sistema histórico, uma falha que pudesse ser reparada com a substituição de uma peça, a descoberta de um fato regulador nos acontecimentos niilistas. Mesmo que possamos reconstruir, atra-vés de fatos e datas o percurso histórico do conceito "niilismo", reportando a origem deste conceito às correspondências críticas entre F. H. Jacobi, Fichte e Hegel, que versavam so-bre o polêmico caráter ateísta do Idealismo alemão, como nos revelam os estudos de Otto Pöggeler, com isto ainda não teríamos compreendido o que significa esta "falta de sentido", que marca o momento histórico do niilismo europeu 2. Ou seja, não conseguimos reparar a "falta de sentido" através das informações sobre os fatos históricos, que deram ensejo à grandiosa literatura sobre o niilismo. Também a simples mudança de sistemas não repara o "dínamo quebrado" da sistema-tização. Ou seja, não será abandonando a nossa impossibilidade de encontrar um fato histórico catalisador do niilismo, i. é, abandonando a historiografia e nos ancorando no cais dos sistemas de vivências literárias do séc. XIX, que iremos nos encontrar com a questão do niilismo. Ainda que a literatura de Turgueniev faça uso do termo "niilista" para caracterizar o "homem que nada respeita" e "aquele que tudo examina do ponto de vista crítico" 4 ou ainda que o crítico literário Paul Bourget tenha demonstrado psicologicamente, em seus ensaios, que "o mal do século" seja a decadência literária, porque o "todo não é mais todo"...
Quem sabe dirigir um carro, nem se dá mais conta das voltas que já cortou para aprender a manter... more Quem sabe dirigir um carro, nem se dá mais conta das voltas que já cortou para aprender a manter o carro na linha reta. Os professores de auto-escola chegam até a fazer uma listinha com a seqüência das manobras básicas, uma espécie de "manualzinho", para os mais atrapalhados: 1º) ver se o carro está em ponto-morto e freado; 2º) virar a chave de ignição e logo em seguida pisar no acelerador; 3º) pisar na embreagem; 4º) engatar a pri-meira; etc. Quem quer aprender a dançar também começa aprendendo as seqüências e só sabe dançar quando o passo de dança "dança"; ou ainda quem vai treinar "Kendô", só acer-ta quando golpeia o "caminho da espada", o principiar de uma seqüência de golpes. Sempre que vamos aprender a "fazer" alguma coisa, nos deparamos com a "realidade" da ação: ação "é" e "são" ações. A realidade deste fato, que ação não é ação, mas ações, "não é questão de opiniães" (Guimarães Rosa), pertence à própria estrutura da ação (ações). O fato, no fazer da ação, é feito no encaixe de ações contrapostas. De fato, também as ações não "são" ações, mas "é" ações, porque não estão soltas no ar. Há uma linha, quase invisí-vel, que empina e segura a ação, como um "papagaio" esvoaçando no ar, ou ainda como um móbile (Alexander Calder). As linhas entre as ações se entrecruzam, formando pequenos nós ora abertos ora fechados de relações. O nó de relações entre ações acontece no dimen-sionamento do comprimento adequado para cada linha. Um exemplo de nossa história re-cente ilustra o acontecimento dos nós destas linhas: a "primeira geração de direitos", na "Era dos Direitos Fundamentais", que começaram a se consolidar com a "Declaração dos Direitos do Homem" (1948), caracterizava-se pela descoberta daquela linha de ações, que garantia as liberdades individuais, uma vez que todas as ações se viam amarradas no nó "valor indivíduo"; depois de algum tempo, o indivíduo percebeu que a extensão de sua li-nha derivava de linhas sociais, que a "inclusão social" dimensionava o comprimento de sua linha, descobriu a "segunda geração de direitos"; posteriormente ganhou linha a tendência de defesa do meio ambiente, quando as linhas do homem individual e social se sentiram 1 Publicado na Revista : Tempo Brasileiro, nº 157-2004, p. 125-151
Quando hoje nos perguntamos a nós mesmos: "o que é viver em paz?", na maioria das vezes respondem... more Quando hoje nos perguntamos a nós mesmos: "o que é viver em paz?", na maioria das vezes respondemos de imediato elencando uma séria de condições, que nos privam da guerra e que podem nos "dar o clima" da paz. Para a climatização da paz precisamos de sistemas que nos avisem dos perigos e que garantam nossa segurança, como, p. ex., de um sistema simples de monitoração, em que todos os ângulos das câmeras do circuito interno e externo são reunidos num só monitor e que, de acordo com uma amplitude de oscilação previamente programada, através do treinamento binário (amigo/inimigo) dado ao vigia ou a um sistema regulador com sensores ópticos, reage avisando onde estão e quais são os pos-síveis distúrbios da paz. O nosso conceito de "viver em paz" reivindica a "mobilização" de equipamentos de segurança, que sobrevoem e monitorem, de acordo com um projeto de programação prévio, o panorama do real. Segundo nosso conceito usual e derivado da for-ma negativa da paz, "viver em paz" é mobilizar a segurança, é conhecer e afastar a guerra, informar-se sobre as privações da paz. No entanto, mesmo com toda a retroalimentação proveniente das informações do circuito privativo da paz, o sensor óptico de monitoração não consegue ultrapassar a medida unidimensional projetada (amigo/inimigo) e, por isto, todo circuito só pode informar aquilo que já está formatado: o tipo de homem que vem tra-zer a guerra e o que traz a não-guerra. Todo programa de segurança e de "mobilização" da paz já sempre parte de uma compreensão prévia do ser do homem pacífico e de seu reverso. Para retroalimentar e aperfeiçoar os sistemas de segurança, que normalmente sempre preci-sam de versões atualizadas, com novas informações sobre o padrão comportamental e o perfil do inimigo (terrorista, assaltante, traficante, trombadinha, etc.), a climatização técnica da não-guerra contrata os profissionais das ciências humanas (sociólogos, psicólogos, mé-dicos, criminalistas, etc.). O mercado da segurança faz aumentar a demanda por estes pro-fissionais e, conseqüentemente o valor da mercadoria chamada "leitura crítica dos conflitos humanos". No entanto, quando não se trata apenas de uma "leitura crítica da realidade", 1 Artigo Publicado na Revista Tempo Brasileiro, nº 159-2004, p. 21-51.
Alasdair MacIntyre afirma, em sua obra “Depois da virtude”, que o discurso e as práticas da moral... more Alasdair MacIntyre afirma, em sua obra “Depois da virtude”, que o discurso e as práticas da moral moderna só podem ser compreendidos como uma série de fragmentos remanescentes de um passado mais antigo e erige Aristóteles como principal núcleo intelectual da tradição de conceituação da virtude moral. O repúdio moderno, na transição dos sécs. XV e XVII, à tradição moral aristotélica, fomentou essa fragmentação, enquanto justificativas racionais e seculares da moralidade. Nietzsche surge, nesse cenário moral moderno, segundo MacIntyre, com a tese que todas as justificativas racionais da moralidade fracassam notoriamente e que, portanto, a crença nos dogmas da moralidade precisa ser explicada com base em um conjunto de racionalizações que ocultam um fenômeno fundamentalmente não-racional: a vontade. Não pretendemos nos contrapor argumentativamente à inadequada leitura que MacIntyre faz do “super-homem” nem à sua compreensão da filosofia de Nietzsche como “emotivismo”, mas apenas destacar que seria impossível a MacIntyre entender a “vontade de poder”, sem levar em consideração a questão histórica do Niilismo. Por essa via, apontamos brevemente para as condições históricas de meditação [Besinnung] do próprio sentido do Niilismo. Como meditar o sentido [besinnen] de todo acontecer histórico, quando os mais altos valores perderam “sentido”?
A metafísica se afigura como uma doença para alguns poetas e pensadores modernos e contemporâneos... more A metafísica se afigura como uma doença para alguns poetas e pensadores modernos e contemporâneos. A sintomatologia é variada, mas o diagnóstico da doença costuma coincidir: esquecimento da condição finita do humano demasiado humano. Para Kant, a tarefa fundamental da filosofia consiste em evitar os sintomas de obscurecimento e contradição do homem metafísico. Seu remédio consiste então na crítica da própria razão, delimitando o que pode se manifestar no espírito humano. Nietzsche diagnostica o desprezo metafísico pela terra/corpo e aponta como receita de cura a apologia do humano demasiado humano: a tarefa de recobrar aquilo que é próprio do homem em sua história, fazer uma genealogia das perspectivas valorativas da vontade de poder no interior do devir. Heidegger diagnostica o esquecimento do ser como base da doença e, para encontrar a cura da metafísica, não parte mais da compreensão fática e sedimentada no mundo do ser-aí (Dasein), mas do próprio acontecimento histórico do sentido do aí (da), conferido pelo próprio ser (Sein). O ser-aí não é mais entendido como o ponto de rearticulação histórico dos projetos de sentido de mundo, mas é o próprio ser, enquanto acontecimento-apropriativo (Ereignis), que se desvela e se oculta para o ser-aí.
Desde que começa a passar a relha de seu arado humano, demasiado humano, sobre o chão empedernido... more Desde que começa a passar a relha de seu arado humano, demasiado humano, sobre o chão empedernido da metafísica, Nietzsche critica a “certeza imediata” do ego cogito cartesiano. Reconhecendo nesta pretensão moderna de fundamento uma crença nas categorias gramaticais, que não se percebem mais como artifícios e condições do próprio pensamento. Nietzsche afirma que o que “o separa radicalmente dos metafísicos é o fato de não concordar com eles que seja o ‘eu’ que pensa”, para ele, o “eu” é antes “uma construção do pensamento [Construktion des Denkens]”, assim como são construções do pensamento os conceitos de “matéria, coisa, substância, indivíduo, meta, número”, etc. . Para ele, tem sido a crença na gramática, que até agora tem subjugado e dominado toda a metafísica . Com ajuda das ficções gramaticais, a metafísica introduziu uma espécie de “constância no devir do mundo” e assim inventou uma realidade de essência constante para além do mundo das aparências. A argumentação de Descartes acerca do cogito se apóia na mesma conclusão que tira o espectador de um raio no céu escuro, ao dividir o fenômeno em dois momentos, afirmando que “o relâmpago relampeja”, uma vez o relâmpago é entendido como uma atividade (o relampejar), outra como o próprio sujeito de sua ação. “Pensa-se: por conseguinte há pensador”, esta é, segundo Nietzsche, a argumentação cartesiana. Para ele o “cogito certamente é uma palavra: mas significa algo múltiplo: muitas coisas são multiformes, mas nos as apreendemos grosseiramente como se fossem unidade” .
RESUMO: A relação entre filosofia e poesia se mostra muito exemplar no caso da vida e obra de Höl... more RESUMO: A relação entre filosofia e poesia se mostra muito exemplar no caso da vida e obra de Hölderlin. O percurso de apropriação se faz inicialmente como descoberta da possível conjugação de filosofia e poesia, para em seguida marcar mais explicitamente os limites da própria filosofia do poético e, por fim, retornar ao chão natal da própria poesia. No momento central de articulação se encontra o fragmento "UrtheilundSeyn", que enfatiza a partilha e a separação originária dos juízos e a respectiva "indigência de sentido estético" para apreender o ser com tal [Seynschlechtin]. À poesia pertence, na volta de si para si mesma, o cuidado [Sorge] de nomear o dom da partilha [theilen] di-vina. O poeta segue o condão da partilha originária, adivinha, divina. PALAVRAS-CHAVE: Idealismo alemão, Hölderlin, filosofia, poesia. ABSTRACT: The relationship between philosophy and poetry is very exemplary in the case of Hölderlin's life and work. His appropriation is done initially as a discovery of the combination of philosophy and poetry, then it marks more explicitly limits between philosophy and poetic, and finally it returns to the poetry itself. At the central moment of articulation we find the fragment "UrtheilundSeyn", which emphasizes the sharing and the original separation of the judgments and the respective "indigence of aesthetic sense" to apprehend the being as being[Seynschlechtin]. Poetry belongs to the-care[Sorge] of naming the gift of divine sharing[theilen]. The poet follows the ability to the original sharing, he guesses it, he divines it. Introdução A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá Mas não pode medir seus encantos. (Manoel de Barros)
BARRETO, Ana Cláudia G.; BILATE, Danilo; BARROS, Tiago M. da S. (org.). Spinoza Nietzsche: filóso... more BARRETO, Ana Cláudia G.; BILATE, Danilo; BARROS, Tiago M. da S. (org.). Spinoza Nietzsche: filósofos contra a tradição. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011
Aoristo - International Journal of Phenomenology, Hermeneutics and Metaphysics, 2021
Vivemos sob o domínio da “objetivação”, mas este esquema reducionista dificulta o acesso a realid... more Vivemos sob o domínio da “objetivação”, mas este esquema reducionista dificulta o acesso a realidades espirituais. Hermógenes Harada foi um pensador “marginal” na torrente do niilismo ocidental, nesta situação tornou-se um sábio guerreiro no confronto intelectual com os “idiotas da objetividade”. Este artigo continua este confronto, pensando a origem histórico-filosófica da objetivação e, com ajuda de Nietzsche, reportará esta origem ao surgimento da filosofia socrática, que não apenas queria conhecer, mas principalmente “corrigir a vida”, com a crença na existência de um mundo metafísico. Os “conceitos metafísicos” constituem a base das “ciências úteis”, aquelas ciências que, corrigindo a vida, pretendem “salvar-nos” dos perigos, do sofrimento e da morte, neste mundo aparente, agitado e inseguro. A confiança excessiva depositada nas “ciências úteis” à “correção da vida” tem como consequência uma doença na cultura ocidental: todos os valores superiores se desvalorizaram, o niilismo ...
Alasdair MacIntyre afirma, em sua obra “Depois da virtude”, que o discurso e as praticas da moral... more Alasdair MacIntyre afirma, em sua obra “Depois da virtude”, que o discurso e as praticas da moral moderna so podem ser compreendidos como uma serie de fragmentos remanescentes de um passado mais antigo e erige Aristoteles como principal nucleo intelectual da tradicao de conceituacao da virtude moral. O repudio moderno, na transicao dos secs. XV e XVII, a tradicao moral aristotelica, fomentou essa fragmentacao, enquanto justificativas racionais e seculares da moralidade. Nietzsche surge, nesse cenario moral moderno, segundo MacIntyre, com a tese que todas as justificativas racionais da moralidade fracassam notoriamente e que, portanto, a crenca nos dogmas da moralidade precisa ser explicada com base em um conjunto de racionalizacoes que ocultam um fenomeno fundamentalmente nao-racional: a vontade. Nao pretendemos nos contrapor argumentativamente a inadequada leitura que MacIntyre faz do “super-homem” nem a sua compreensao da filosofia de Nietzsche como “emotivismo”, mas apenas destac...
Resumo: A questao nietzschiana sobre o “espirito de vinganca” e focada no texto, desde uma contra... more Resumo: A questao nietzschiana sobre o “espirito de vinganca” e focada no texto, desde uma contraposicao reflexiva com um exemplo literario de vinganca reparadora: A visita da velha senhora, de Friedrich Durrenmatt. O espirito de vinganca quer “fermentar todo o mundo” com sua medida de “verdade”, para isto nao pode ficar para tras, meditando o sentido (besinnen) no jogo dos fatos da vida, precisa “ir contra o tempo e o seu era”. Nietzsche entende que quem fica para tras e aprende a jogar com o mundo pode, com um “grande esforco de meditacao” (Besonnenheit), superar a recalcitrância metafisica contra o tempo. Palavras-chave: meditar sentido; tempo irreversivel; espirito de vinganca; superacao da metafisica; jogo. Abstract: This article focalizes the Nietzschian question about the “spirit of revenge” and confronts it with an example of literature, which puts on view the repairing revenge: The visit of the old lady, of Friedrich Durrenmatt. The spirit of revenge wants “to ferment the w...
Os processos de estetizacao estao cada vez mais presentes no mundo de hoje. Normalmente ficamos e... more Os processos de estetizacao estao cada vez mais presentes no mundo de hoje. Normalmente ficamos elencando pontos negativos e, algumas vezes, pontos positivos, sem, todavia, distinguir entre “estetizacao superficial” e “estetizacao profunda” ou ainda perceber que todo este processo contemporâneo esta influenciado por uma “estetizacao epistemologica” da Modernidade. Por meio de semelhantes consideracoes esteticas de Wolfgang Welsch, este trabalho procurara entender essas distincoes e apontar para algumas direcoes fenomenologicas possiveis para o desenvolvimento da “cultura do ponto cego”, que ele sugere em suas analises, como sendo uma contribuicao importante para a compreensao da estetizacao contemporânea do mundo. A fenomenologia do visivel e invisivel de Merleau-Ponty e a fenomenologia da visao hermetico-concriativa de Heinrich Rombach sao as bases conceituais para desenvolver a cultura do ponto cego e retomar uma significacao antiga de aisthesis theorike dos gregos. Supomos tambem...
Em “A gaia cienciag, § 109, Nietzsche define o carater geral do mundo como caos. O caos nao se e... more Em “A gaia cienciag, § 109, Nietzsche define o carater geral do mundo como caos. O caos nao se encontra num momento ancestral do mundo, antes da ordem, ele nao ficou la tras numa cosmogonia primordial do mundo. O caos nao deve ser malentendido como oposicao as causas, aos fins e aos propositos. O caos e como um jogo de dados. O caos do mundo depende de uma nova interpretacao do proprio acontecimento do mundo, que nao o entenda como excecao, como um acidente ou uma quebra nas leis necessarias do mundo, mas como um jogo. Os acasos e os lances de dados do mundo resguardam a necessidade de uma composicao inventiva, aguardam os bons jogadores (interpretes), aqueles que saibam contemplar a vida como um jogo.
A metafisica se afigura como uma doenca para alguns poetas e pensadores modernos e contemporâneos... more A metafisica se afigura como uma doenca para alguns poetas e pensadores modernos e contemporâneos. A sintomatologia e variada, mas o diagnostico da doenca costuma coincidir: esquecimento da condicao finita do humano demasiado humano. Para Kant, a tarefa fundamental da filosofia consiste em evitar os sintomas de obscurecimento e contradicao do homem metafisico. Seu remedio consiste entao na critica da propria razao, delimitando o que pode se manifestar no espirito humano. Nietzsche diagnostica o desprezo metafisico pela terra/corpo e aponta como receita de cura a apologia do humano demasiado humano: a tarefa de recobrar aquilo que e proprio do homem em sua historia, fazer uma genealogia das perspectivas valorativas da vontade de poder no interior do devir. Heidegger diagnostica o esquecimento do ser como base da doenca e, para encontrar a cura da metafisica, nao parte mais da compreensao fatica e sedimentada no mundo do ser-ai (Dasein), mas do proprio acontecimento historico do senti...
A relação entre filosofia e poesia se mostra muito exemplar no caso da vidae obra de Hölderlin. O... more A relação entre filosofia e poesia se mostra muito exemplar no caso da vidae obra de Hölderlin. O percurso de apropriação se faz inicialmente como descoberta dapossível conjugação de filosofia e poesia, para em seguida marcar mais explicitamenteos limites da própria filosofia do poético e, por fim, retornar ao chão natal da própriapoesia. No momento central de articulação se encontra o fragmento “UrtheilundSeyn”,que enfatiza a partilha e a separação originária dos juízos e a respectiva “indigência desentido estético” para apreender o ser com tal [Seynschlechtin]. À poesia pertence, navolta de si para si mesma, o cuidado [Sorge] de nomear o dom da partilha [theilen] divina. O poeta segue o condão da partilha originária, adivinha, divina.
Vivemos sob o domínio da “objetivação”, mas este esquema reducionista dificulta o acesso a realid... more Vivemos sob o domínio da “objetivação”, mas este esquema reducionista dificulta o acesso a realidades espirituais. Hermógenes Harada foi um pensador “marginal” na torrente do niilismo ocidental, nesta situação tornou-se um sábio guerreiro no confronto intelectual com os “idiotas da objetividade”. Este artigo continua este confronto, pensando a origem histórico-filosófica da objetivação e, com ajuda de Nietzsche, reportará esta origem ao surgimento da filosofia socrática, que não apenas queria conhecer, mas principalmente “corrigir a vida”, com a crença na existência de um mundo metafísico. Os “conceitos metafísicos” constituem a base das “ciências úteis”, aquelas ciências que, corrigindo a vida, pretendem “salvar-nos” dos perigos, do sofrimento e da morte, neste mundo aparente, agitado e inseguro. A confiança excessiva depositada nas “ciências úteis” à “correção da vida” tem como consequência uma doença na cultura ocidental: todos os valores superiores se desvalorizaram, o niilismo bate à nossa porta. Como se “curar” desta doença? Nietzsche encontrou na “meditação de sentido” (Besinnung) uma forma de convalescença do niilismo: “na marginalidade” da torrente do niilismo meditar o sentido (besinnen) das experiências históricas. “Na marginalidade” da meditação de sentido é possível “valorar” (perspectivar) a “in-utilidade” da ciência para a vida.
CONTRIBUIÇÃO MEDIEVAL (FRANCISCANA) PARA FENOMENOLOGIA E CONTRIBUIÇÃO DA FENOMENOLOGIA PARA A COMPREENSÃO DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA (FRANSCISCANA), 2020
RESUMO Partimos do pressuposto que a Fenomenologia ofereça uma metodologia científica tão rigoros... more RESUMO Partimos do pressuposto que a Fenomenologia ofereça uma metodologia científica tão rigorosa capaz de identificar até a especificidade do conhecimento presente nas palavras do Cantico di frate sole de São Francisco de Assis, assim como também das diversas manifestações religiosas em outras culturas. A Fenomenologia é esse método de acesso ao sentido das palavras, ao sentido da consciência intencional, ao sentido da estrutura de mundo de cada fenômeno, inclusive do fenômeno da vida religiosa. Tendo por base este pressuposto, vamos investigar, neste artigo, de maneira histórico-filosófica: 1) qual pode ter sido a contribuição dos franciscanos, mais especificamente de alguns frades franciscanos (Duns Scotus e Guilherme de Ockham) no final da Idade Média, no período do Nominalismo, para o surgimento da Fenomenologia na Modernidade; 2) qual a pode ser a contribuição que alguns dos principais expoentes da Fenomenologia (Husserl, Heidegger e Rombach) têm a oferecer para nos aproximarmos, "com rigor científico", do fenômeno da vida religiosa (franciscana). Palavras-chave: Fenomenologia. Religião. Experiência. Franciscanismo.
Cadernos da XVIII ANPOF - Ética, política, religião e filosofia oriental, 2019
No pre-sente estudo estamos tentando articular a fenomenologia estrutural de Heinrich Rombach com... more No pre-sente estudo estamos tentando articular a fenomenologia estrutural de Heinrich Rombach com os desafios conceituais da bioética. Rombach foi professor de filosofia da Uni-versidade de Würzburg, estudou com Martin Heidegger, Eugen Fink, Max Müller e faleceu em 2004. Na realidade, trata-se de uma tentativa de aplicação de sua concepção antropológico-estrutural da ação humana na bioética, visto que, em sua obra não encontramos uma reflexão explícita sobre os problemas bioéticos contemporâneos.
Para a História da Filosofia Nicolau de Cusa (1401-1464) é um pensador contemporâneo da “Escolást... more Para a História da Filosofia Nicolau de Cusa (1401-1464) é um pensador contemporâneo da “Escolástica Posterior”. Enquanto que a síntese, elaborada por “compiladores, comentadores, escritores e autores”, é a nota genérica de caracterização da “primeira e da alta escolástica”, a “escolástica posterior” é caracterizada historicamente como um “período de fadiga intelectual”, mas também como um período em que “a crítica vem reivindicar os seus direitos”. Isto, no entanto, não significa que Alberto Magno, Santo Ancelmo, São Tomás de Aquino, Duns Escoto, etc. não fossem críticos ou que Guilherme de Ockham e a Escola dos Nominalistas (Nicolau de Autrecourt, João Buridano, Nicolau de Oresme, etc.) não fossem sistemáticos. Ser crítico no final da Idade Média significa justamente não apenas criticar a noção de constância substancial do ente intramundano, mas principalmente criticar qualquer pretensão de fundamentação substancial e causal do mundo. Ser crítico no final da Idade Média significa estar em crise de paradigmas metafísicos para interpretação do mundo, significa vivenciar o acrisolamento e a suspensão nominalista da fundamentação do universo.
O niilismo consiste numa experiência de história, algo acontece com o curso do acon-tecer. O acon... more O niilismo consiste numa experiência de história, algo acontece com o curso do acon-tecer. O acontecimento já não acontece mais porque o dinamismo do acontecer não conduz a "nenhum sentido". A falta de sentido em todo dinamismo marca a experiência fundamental do niilismo. Esta falta de sentido não é apenas uma falha de funcionamento no sistema histórico, uma falha que pudesse ser reparada com a substituição de uma peça, a descoberta de um fato regulador nos acontecimentos niilistas. Mesmo que possamos reconstruir, atra-vés de fatos e datas o percurso histórico do conceito "niilismo", reportando a origem deste conceito às correspondências críticas entre F. H. Jacobi, Fichte e Hegel, que versavam so-bre o polêmico caráter ateísta do Idealismo alemão, como nos revelam os estudos de Otto Pöggeler, com isto ainda não teríamos compreendido o que significa esta "falta de sentido", que marca o momento histórico do niilismo europeu 2. Ou seja, não conseguimos reparar a "falta de sentido" através das informações sobre os fatos históricos, que deram ensejo à grandiosa literatura sobre o niilismo. Também a simples mudança de sistemas não repara o "dínamo quebrado" da sistema-tização. Ou seja, não será abandonando a nossa impossibilidade de encontrar um fato histórico catalisador do niilismo, i. é, abandonando a historiografia e nos ancorando no cais dos sistemas de vivências literárias do séc. XIX, que iremos nos encontrar com a questão do niilismo. Ainda que a literatura de Turgueniev faça uso do termo "niilista" para caracterizar o "homem que nada respeita" e "aquele que tudo examina do ponto de vista crítico" 4 ou ainda que o crítico literário Paul Bourget tenha demonstrado psicologicamente, em seus ensaios, que "o mal do século" seja a decadência literária, porque o "todo não é mais todo"...
Quem sabe dirigir um carro, nem se dá mais conta das voltas que já cortou para aprender a manter... more Quem sabe dirigir um carro, nem se dá mais conta das voltas que já cortou para aprender a manter o carro na linha reta. Os professores de auto-escola chegam até a fazer uma listinha com a seqüência das manobras básicas, uma espécie de "manualzinho", para os mais atrapalhados: 1º) ver se o carro está em ponto-morto e freado; 2º) virar a chave de ignição e logo em seguida pisar no acelerador; 3º) pisar na embreagem; 4º) engatar a pri-meira; etc. Quem quer aprender a dançar também começa aprendendo as seqüências e só sabe dançar quando o passo de dança "dança"; ou ainda quem vai treinar "Kendô", só acer-ta quando golpeia o "caminho da espada", o principiar de uma seqüência de golpes. Sempre que vamos aprender a "fazer" alguma coisa, nos deparamos com a "realidade" da ação: ação "é" e "são" ações. A realidade deste fato, que ação não é ação, mas ações, "não é questão de opiniães" (Guimarães Rosa), pertence à própria estrutura da ação (ações). O fato, no fazer da ação, é feito no encaixe de ações contrapostas. De fato, também as ações não "são" ações, mas "é" ações, porque não estão soltas no ar. Há uma linha, quase invisí-vel, que empina e segura a ação, como um "papagaio" esvoaçando no ar, ou ainda como um móbile (Alexander Calder). As linhas entre as ações se entrecruzam, formando pequenos nós ora abertos ora fechados de relações. O nó de relações entre ações acontece no dimen-sionamento do comprimento adequado para cada linha. Um exemplo de nossa história re-cente ilustra o acontecimento dos nós destas linhas: a "primeira geração de direitos", na "Era dos Direitos Fundamentais", que começaram a se consolidar com a "Declaração dos Direitos do Homem" (1948), caracterizava-se pela descoberta daquela linha de ações, que garantia as liberdades individuais, uma vez que todas as ações se viam amarradas no nó "valor indivíduo"; depois de algum tempo, o indivíduo percebeu que a extensão de sua li-nha derivava de linhas sociais, que a "inclusão social" dimensionava o comprimento de sua linha, descobriu a "segunda geração de direitos"; posteriormente ganhou linha a tendência de defesa do meio ambiente, quando as linhas do homem individual e social se sentiram 1 Publicado na Revista : Tempo Brasileiro, nº 157-2004, p. 125-151
Quando hoje nos perguntamos a nós mesmos: "o que é viver em paz?", na maioria das vezes respondem... more Quando hoje nos perguntamos a nós mesmos: "o que é viver em paz?", na maioria das vezes respondemos de imediato elencando uma séria de condições, que nos privam da guerra e que podem nos "dar o clima" da paz. Para a climatização da paz precisamos de sistemas que nos avisem dos perigos e que garantam nossa segurança, como, p. ex., de um sistema simples de monitoração, em que todos os ângulos das câmeras do circuito interno e externo são reunidos num só monitor e que, de acordo com uma amplitude de oscilação previamente programada, através do treinamento binário (amigo/inimigo) dado ao vigia ou a um sistema regulador com sensores ópticos, reage avisando onde estão e quais são os pos-síveis distúrbios da paz. O nosso conceito de "viver em paz" reivindica a "mobilização" de equipamentos de segurança, que sobrevoem e monitorem, de acordo com um projeto de programação prévio, o panorama do real. Segundo nosso conceito usual e derivado da for-ma negativa da paz, "viver em paz" é mobilizar a segurança, é conhecer e afastar a guerra, informar-se sobre as privações da paz. No entanto, mesmo com toda a retroalimentação proveniente das informações do circuito privativo da paz, o sensor óptico de monitoração não consegue ultrapassar a medida unidimensional projetada (amigo/inimigo) e, por isto, todo circuito só pode informar aquilo que já está formatado: o tipo de homem que vem tra-zer a guerra e o que traz a não-guerra. Todo programa de segurança e de "mobilização" da paz já sempre parte de uma compreensão prévia do ser do homem pacífico e de seu reverso. Para retroalimentar e aperfeiçoar os sistemas de segurança, que normalmente sempre preci-sam de versões atualizadas, com novas informações sobre o padrão comportamental e o perfil do inimigo (terrorista, assaltante, traficante, trombadinha, etc.), a climatização técnica da não-guerra contrata os profissionais das ciências humanas (sociólogos, psicólogos, mé-dicos, criminalistas, etc.). O mercado da segurança faz aumentar a demanda por estes pro-fissionais e, conseqüentemente o valor da mercadoria chamada "leitura crítica dos conflitos humanos". No entanto, quando não se trata apenas de uma "leitura crítica da realidade", 1 Artigo Publicado na Revista Tempo Brasileiro, nº 159-2004, p. 21-51.
Alasdair MacIntyre afirma, em sua obra “Depois da virtude”, que o discurso e as práticas da moral... more Alasdair MacIntyre afirma, em sua obra “Depois da virtude”, que o discurso e as práticas da moral moderna só podem ser compreendidos como uma série de fragmentos remanescentes de um passado mais antigo e erige Aristóteles como principal núcleo intelectual da tradição de conceituação da virtude moral. O repúdio moderno, na transição dos sécs. XV e XVII, à tradição moral aristotélica, fomentou essa fragmentação, enquanto justificativas racionais e seculares da moralidade. Nietzsche surge, nesse cenário moral moderno, segundo MacIntyre, com a tese que todas as justificativas racionais da moralidade fracassam notoriamente e que, portanto, a crença nos dogmas da moralidade precisa ser explicada com base em um conjunto de racionalizações que ocultam um fenômeno fundamentalmente não-racional: a vontade. Não pretendemos nos contrapor argumentativamente à inadequada leitura que MacIntyre faz do “super-homem” nem à sua compreensão da filosofia de Nietzsche como “emotivismo”, mas apenas destacar que seria impossível a MacIntyre entender a “vontade de poder”, sem levar em consideração a questão histórica do Niilismo. Por essa via, apontamos brevemente para as condições históricas de meditação [Besinnung] do próprio sentido do Niilismo. Como meditar o sentido [besinnen] de todo acontecer histórico, quando os mais altos valores perderam “sentido”?
A metafísica se afigura como uma doença para alguns poetas e pensadores modernos e contemporâneos... more A metafísica se afigura como uma doença para alguns poetas e pensadores modernos e contemporâneos. A sintomatologia é variada, mas o diagnóstico da doença costuma coincidir: esquecimento da condição finita do humano demasiado humano. Para Kant, a tarefa fundamental da filosofia consiste em evitar os sintomas de obscurecimento e contradição do homem metafísico. Seu remédio consiste então na crítica da própria razão, delimitando o que pode se manifestar no espírito humano. Nietzsche diagnostica o desprezo metafísico pela terra/corpo e aponta como receita de cura a apologia do humano demasiado humano: a tarefa de recobrar aquilo que é próprio do homem em sua história, fazer uma genealogia das perspectivas valorativas da vontade de poder no interior do devir. Heidegger diagnostica o esquecimento do ser como base da doença e, para encontrar a cura da metafísica, não parte mais da compreensão fática e sedimentada no mundo do ser-aí (Dasein), mas do próprio acontecimento histórico do sentido do aí (da), conferido pelo próprio ser (Sein). O ser-aí não é mais entendido como o ponto de rearticulação histórico dos projetos de sentido de mundo, mas é o próprio ser, enquanto acontecimento-apropriativo (Ereignis), que se desvela e se oculta para o ser-aí.
Desde que começa a passar a relha de seu arado humano, demasiado humano, sobre o chão empedernido... more Desde que começa a passar a relha de seu arado humano, demasiado humano, sobre o chão empedernido da metafísica, Nietzsche critica a “certeza imediata” do ego cogito cartesiano. Reconhecendo nesta pretensão moderna de fundamento uma crença nas categorias gramaticais, que não se percebem mais como artifícios e condições do próprio pensamento. Nietzsche afirma que o que “o separa radicalmente dos metafísicos é o fato de não concordar com eles que seja o ‘eu’ que pensa”, para ele, o “eu” é antes “uma construção do pensamento [Construktion des Denkens]”, assim como são construções do pensamento os conceitos de “matéria, coisa, substância, indivíduo, meta, número”, etc. . Para ele, tem sido a crença na gramática, que até agora tem subjugado e dominado toda a metafísica . Com ajuda das ficções gramaticais, a metafísica introduziu uma espécie de “constância no devir do mundo” e assim inventou uma realidade de essência constante para além do mundo das aparências. A argumentação de Descartes acerca do cogito se apóia na mesma conclusão que tira o espectador de um raio no céu escuro, ao dividir o fenômeno em dois momentos, afirmando que “o relâmpago relampeja”, uma vez o relâmpago é entendido como uma atividade (o relampejar), outra como o próprio sujeito de sua ação. “Pensa-se: por conseguinte há pensador”, esta é, segundo Nietzsche, a argumentação cartesiana. Para ele o “cogito certamente é uma palavra: mas significa algo múltiplo: muitas coisas são multiformes, mas nos as apreendemos grosseiramente como se fossem unidade” .
RESUMO: A relação entre filosofia e poesia se mostra muito exemplar no caso da vida e obra de Höl... more RESUMO: A relação entre filosofia e poesia se mostra muito exemplar no caso da vida e obra de Hölderlin. O percurso de apropriação se faz inicialmente como descoberta da possível conjugação de filosofia e poesia, para em seguida marcar mais explicitamente os limites da própria filosofia do poético e, por fim, retornar ao chão natal da própria poesia. No momento central de articulação se encontra o fragmento "UrtheilundSeyn", que enfatiza a partilha e a separação originária dos juízos e a respectiva "indigência de sentido estético" para apreender o ser com tal [Seynschlechtin]. À poesia pertence, na volta de si para si mesma, o cuidado [Sorge] de nomear o dom da partilha [theilen] di-vina. O poeta segue o condão da partilha originária, adivinha, divina. PALAVRAS-CHAVE: Idealismo alemão, Hölderlin, filosofia, poesia. ABSTRACT: The relationship between philosophy and poetry is very exemplary in the case of Hölderlin's life and work. His appropriation is done initially as a discovery of the combination of philosophy and poetry, then it marks more explicitly limits between philosophy and poetic, and finally it returns to the poetry itself. At the central moment of articulation we find the fragment "UrtheilundSeyn", which emphasizes the sharing and the original separation of the judgments and the respective "indigence of aesthetic sense" to apprehend the being as being[Seynschlechtin]. Poetry belongs to the-care[Sorge] of naming the gift of divine sharing[theilen]. The poet follows the ability to the original sharing, he guesses it, he divines it. Introdução A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá Mas não pode medir seus encantos. (Manoel de Barros)
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Papers by Leonardo Mees
pensando a origem histórico-filosófica da objetivação e, com ajuda de Nietzsche, reportará esta origem ao surgimento da filosofia socrática, que não apenas queria conhecer, mas principalmente “corrigir a vida”, com a crença na existência de um mundo metafísico. Os “conceitos metafísicos” constituem a base das “ciências úteis”, aquelas ciências
que, corrigindo a vida, pretendem “salvar-nos” dos perigos, do sofrimento e da morte, neste mundo aparente, agitado e inseguro. A confiança excessiva depositada nas “ciências úteis” à “correção da vida” tem como consequência uma doença na cultura ocidental: todos os valores superiores se desvalorizaram, o niilismo bate à nossa porta. Como se “curar” desta doença? Nietzsche encontrou na “meditação de sentido” (Besinnung) uma forma de convalescença do niilismo: “na marginalidade” da torrente do niilismo meditar o sentido (besinnen) das experiências históricas. “Na marginalidade” da meditação de sentido é possível “valorar” (perspectivar) a “in-utilidade” da ciência para a
vida.
encontrar a cura da metafísica, não parte mais da compreensão fática e
sedimentada no mundo do ser-aí (Dasein), mas do próprio acontecimento histórico do sentido do aí (da), conferido pelo próprio ser (Sein). O ser-aí não é mais entendido como o ponto de rearticulação histórico dos projetos de sentido de mundo, mas é o próprio ser, enquanto acontecimento-apropriativo (Ereignis), que se desvela e se oculta para o ser-aí.
pensando a origem histórico-filosófica da objetivação e, com ajuda de Nietzsche, reportará esta origem ao surgimento da filosofia socrática, que não apenas queria conhecer, mas principalmente “corrigir a vida”, com a crença na existência de um mundo metafísico. Os “conceitos metafísicos” constituem a base das “ciências úteis”, aquelas ciências
que, corrigindo a vida, pretendem “salvar-nos” dos perigos, do sofrimento e da morte, neste mundo aparente, agitado e inseguro. A confiança excessiva depositada nas “ciências úteis” à “correção da vida” tem como consequência uma doença na cultura ocidental: todos os valores superiores se desvalorizaram, o niilismo bate à nossa porta. Como se “curar” desta doença? Nietzsche encontrou na “meditação de sentido” (Besinnung) uma forma de convalescença do niilismo: “na marginalidade” da torrente do niilismo meditar o sentido (besinnen) das experiências históricas. “Na marginalidade” da meditação de sentido é possível “valorar” (perspectivar) a “in-utilidade” da ciência para a
vida.
encontrar a cura da metafísica, não parte mais da compreensão fática e
sedimentada no mundo do ser-aí (Dasein), mas do próprio acontecimento histórico do sentido do aí (da), conferido pelo próprio ser (Sein). O ser-aí não é mais entendido como o ponto de rearticulação histórico dos projetos de sentido de mundo, mas é o próprio ser, enquanto acontecimento-apropriativo (Ereignis), que se desvela e se oculta para o ser-aí.