Papers by Paula Zimbres
Revista Música, 2023
A Orquestra Popular de Câmara foi um coletivo criado em São Paulo em 1997, por iniciativa de Benj... more A Orquestra Popular de Câmara foi um coletivo criado em São Paulo em 1997, por iniciativa de Benjamim Taubkin, com o objetivo estético de promover a confluência entre musicalidades “regionais” e “cosmopolitas”, “tradicionais” e “modernas”, “rurais” e “urbanas” – em suma, entre as polaridades ou “linhas de força” (TRAVASSOS, 2000, p. 7) em torno das quais giram as discussões sobre a identidade na música brasileira. Entendendo tais polaridades, não como categorias fixas, mas como modulações de características dispostas em um contínuo, procuramos neste artigo identificar, a partir da análise do fonograma Suíte pra pular da cama (e ver o Brasil) (1998), como esse projeto estético de integração “babélica” de musicares se expressa, concretamente, na música da Orquestra, e quais procedimentos e sonoridades são usados, aqui, para evocar esses diferentes “mundos”. Abordando os conceitos da “estética da sonoridade” de Didier Guigue conforme aplicados por Sérgio Molina à música popular, descrevemos a estrutura da Suíte... como uma justaposição de “momentos- estado” – seções de harmonia estática movidas pela interação improvisada – e “momentos-processo” – seções predeterminadas, com temas definidos e desenvolvimento harmônico –, representando um entrelaçamento entre a modernidade “tonal” e a tradição “modal”, conforme a distinção proposta por José Miguel Wisnik.
Em 1928, em seu Ensaio sobre a Musica Brasileira, Mario de Andrade estabelece as bases para a cri... more Em 1928, em seu Ensaio sobre a Musica Brasileira, Mario de Andrade estabelece as bases para a criacao de uma escola nacionalista de composicao musical, ao defender a incorporacao e reelaboracao da musica popular – o que chamava de “populario”, ou musica folclorica, rural, em oposicao a musica popular urbana – em registro erudito visando a criacao de uma musica “artistica” de carater nacional. Tal empreitada, que dominaria o cenario nacional ate os anos 1940, perdeu espaco no meio erudito/academico com o advento das vertentes vanguardistas e experimentais a partir dos anos 1950, e e por muitos tida como fracassada. Entretanto, defendo neste artigo que o processo que levaria por fim ao que Mario chamava de “inconsciencia nacional” teve continuidade em outro campo – o da propria musica popular urbana, desprezada pelo proprio como “popularesca”. Foi ai que criadores como Tom Jobim, Edu Lobo, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, entre muitos outros, que tinham a musica popular como “vernac...
ORFEU
Ernesto Nazareth ocupa posição exemplar nos debates em torno da dicotomia erudito-popular que são... more Ernesto Nazareth ocupa posição exemplar nos debates em torno da dicotomia erudito-popular que são cruciais para a compreensão da cultura brasileira ao longo dos séculos XIX-XX. Tendo vivido, segundo Elizabeth Travassos, “no limiar entre os dois mundos”, sua obra, que hoje é parte do repertório canônico tanto de músicos eruditos quanto populares, exemplifica a possibilidade da sobreposição de valores e procedimentos pertinentes a ambas as esferas. Este trabalho analisa duas gravações de sua peça Fon-Fon!(uma de Eudóxia de Barros, datada de 1963, e outra de André Mehmari, em 2013) procurando detectar os recursos interpretativos por meio dos quais cada uma das gravações enfatiza os valores centrais de sua área de atuação – a fidelidade à partitura e à intenção do autor, pela pianistade formação erudita; e a liberdade de expressão pessoal característica do pianeirovinculado à música popular. Concluímos, entretanto, que, ao se pautar por um determinado conjunto de valores, cada um acaba ...
Orfeu, 2019
Ernesto Nazareth ocupa posição exemplar nos debates em torno da dico- tomia erudito-popular, que ... more Ernesto Nazareth ocupa posição exemplar nos debates em torno da dico- tomia erudito-popular, que são cruciais para a compreensão da cultura brasileira ao longo dos séculos XIX/XX. Tendo vivi- do, segundo Elizabeth Travassos, “no limiar entre os dois mundos”, sua obra, que hoje é parte do repertório canônico tanto de músicos eruditos quanto populares, exem- plifica a possibilidade da sobreposição de valores e procedimentos pertinentes a am- bas as esferas. Este trabalho analisa duas gravações de sua peça Fon-fon! (uma de Eudóxia de Barros, datada de 1963, e outra de André Mehmari, de 2013), procurando detectar os recursos interpretativos por meio dos quais cada uma das gravações enfatiza os valores centrais de sua área de atuação – a fidelidade à partitura e à in- tenção do autor, pela pianista de formação erudita, e a liberdade de expressão pessoal característica do pianeiro, vinculado à mú- sica popular. Concluímos, entretanto, que, ao se pautar por um determinado conjun- to de valores, cada um acaba por reforçar e expressar também valores pertinentes ao outro campo.
Esta comunicação é parte de um projeto de pesquisa que busca discutir a música instrumental brasi... more Esta comunicação é parte de um projeto de pesquisa que busca discutir a música instrumental brasileira (MIB) como um gênero da música popular brasileira que inter-relaciona e negocia, de formas diversas, as “linhas de força” (nas palavras de Elizabeth Travassos) que perpassam as discussões sobre a música brasileira desde o século XIX: os binômios nacional-cosmopolita e erudito-popular. O presente texto visa discutir determinadas questões estéticas que se expressam nas tentativas de definir ou delimitar o campo “música instrumental brasileira”, e argumentar que as contradições ou ambiguidades encontradas no processo são reflexo das tensões inerentes à cultura brasileira como um todo. Assim, a “fricção de musicalidades” proposta por Acácio Piedade para descrever a relação ambivalente de atração e repulsa estabelecida com o jazz norte-americano é manifestação do eterno conflito entre privilegiar uma sensibilidade local ou uma sensibilidade cosmopolita, bem como das estratégias usadas historicamente para solucionar esse dilema. Como resultado, o pertencimento do gênero a um ou outro campo é controverso: seria mais adequado considerá-lo uma forma de jazz, como ele costuma ser visto no exterior, ou uma manifestação específica da música popular brasileira que mantém um diálogo importante com o jazz?
Se a interface com o jazz é representativa da forma como a MIB trata a questão nacional-cosmopolita, a segunda “linha de força” – erudito-popular – aparece na forma como o gênero trata os elementos tidos por vários autores como marcadores do “popular”: o canto e a dança. Se a música mais genuinamente “popular” é indissociável da poesia, da voz e da dança, então a música instrumental parece buscar, deliberadamente, se dissociar deste campo, pleiteando um valor simbólico mais restrito, ainda que não coincidente com o da música erudita. Eis aí a contradição básica da MIB: se por um lado ela aspira à síntese dos elementos conflitantes da cultura brasileira, colocando em diálogo elementos e processos derivados de diferentes campos, por outro ela parece ainda procurar se distanciar das tradições populares vinculadas ao canto e à dança. Esse afastamento nunca é consumado, no entanto. Fazendo jus ao projeto de síntese, a própria música instrumental brasileira vive contradizendo a si mesma: ao incluir frequentemente o canto, mesmo se dizendo “instrumental”, e ao dar valor primordial, na performance, a um certo tipo de vitalidade rítmica que, se não é constante o suficiente para levar à dança, também não deixa de estar ligada a sensações corporais, ela evidencia sua filiação e seu apego aos valores da música popular brasileira como campo maior.
Em 1928, no Ensaio sobre a Música Brasileira, Mário de Andrade estabelece as bases para a criação... more Em 1928, no Ensaio sobre a Música Brasileira, Mário de Andrade estabelece as bases para a criação de uma escola nacionalista de composição musical, ao defender a incorporação e reelaboração da música popular em registro erudito visando à criação de uma música " artística " de caráter nacional. Tal empreitada, que dominaria o cenário nacional até à década de 1940, perdeu espaço no meio erudito/acadêmico com o advento das vertentes vanguardistas e experimentais a partir da década de 1950. Entretanto, defendo neste artigo que o processo que levaria por fim ao que Mário de Andrade designava por " inconsciência nacional " (entendido, de acordo com Naves, como uma " síntese cultural " que reconciliaria os diversos componentes da cultura brasileira) teve continuidade em outro campo, o da própria música popular urbana. Foi aí que criadores como Tom Jobim, Edu Lobo, Egberto Gismonti ou Hermeto Pascoal, partindo dos códigos próprios à música popular, percorreram o caminho prescrito por Mário de Andrade, mas no sentido inverso, apropriando-se de elementos da música erudita para criar uma música popular rica, sofisticada e inconscientemente nacional. Foi isto, defendo, que Mário de Andrade não conseguiu entender: que a música popular poderia vir a se tornar " artística " sem se submeter às normas da música erudita. Palavras-chave: música popular brasileira, música erudita, nacionalismo, modernismo Mário de Andrade al revés: la música popular y la " inconsciencia nacional " Resumen En 1928, en su Ensaio sobre a Música Brasileira, Mário de Andrade sienta las bases para la creación de una escuela nacionalista de composición musical, abogando por la incorporación y la reelaboración de la música popular en registro erudito con el fin de concebir una musica " artística " de carácter nacional. Tal esfuerzo, que dominaría la escena nacional hasta los años cuarenta, perdió presencia en el campo erudito/académico debido el advenimiento de estilos
Thesis Chapters by Paula Zimbres
Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal são dois representantes da música instrumental brasileira cuja... more Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal são dois representantes da música instrumental brasileira cujas obras apresentam notáveis paralelos, a ponto de serem costumeiramente vistos como uma díade inseparável (a exemplo de Mozart/Beethoven, Mário de Andrade/Oswald de Andrade, Beatles/Rolling Stones), unidos tanto pelas compatibilidades entre suas linguagens quanto pelos contrastes entre suas personalidades e visões de mundo. Ambos são considerados fundadores de uma certa linhagem, dentro do gênero, que “problematiza a separação entre erudito e popular” (TRAVASSOS, 2000, p. 7) e que renegocia as questões cruciais enfrentadas pela cultura brasileira pelo menos desde o início do século XX.
A partir da proposta de Santuza Naves, de que a música popular urbana do século XX retomou e concretizou certos ideais lançados pelo movimento modernista, esta dissertação pretende investigar como os dois compositores lidam com o problema da “música nacional” conforme proposto por teóricos e pensadores modernistas (notadamente Mário de Andrade), porém de um ponto de vista caracteristicamente pós-moderno, no sentido proposto por autores como Andreas Huyssen: não um rompimento com o modernismo, mas sim um repensar de suas propostas em um contexto multicultural, em que as tradicionais fronteiras entre níveis culturais não podem mais ser vigiadas e em que a noção linear de progresso civilizatório “unanimista” ou universalizante é substituída por uma verdadeira polifonia identitária (onde não há história, mas histórias). Pretende-se, assim, identificar que imagem de país se reflete nessa música, e como ela negocia as tensões inerentes à cultura brasileira.
Conference Presentations by Paula Zimbres
XXX Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música , 2021
Este trabalho pretende, a partir de um paralelo entre o trabalho de Ana María Ochoa Gautier, sobr... more Este trabalho pretende, a partir de um paralelo entre o trabalho de Ana María Ochoa Gautier, sobre a dimensão aural na constituição cultural da América Latina, e o de Alexander Rehding, sobre o impacto da fonografia no pensamento musicológico europeu do século dezenove, refletir sobre como os "choques de acusticidades" ocasionados pela relação colônia-metrópole e levaram à consolidação dos conceitos fundantes da musicologia ocidental no século dezenove: a excepcionalidade da música europeia fundada na racionalidade do sistema harmônico e no princípio da obra de arte autônoma, e a consequente definição de um "outro", a música popular, na condição de um "exterior constituinte" em oposição ao qual o campo se define. Palavras-chave. Sound studies. Auralidade. Musicologia comparada. Fonografia. Decolonialidade.
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Papers by Paula Zimbres
Se a interface com o jazz é representativa da forma como a MIB trata a questão nacional-cosmopolita, a segunda “linha de força” – erudito-popular – aparece na forma como o gênero trata os elementos tidos por vários autores como marcadores do “popular”: o canto e a dança. Se a música mais genuinamente “popular” é indissociável da poesia, da voz e da dança, então a música instrumental parece buscar, deliberadamente, se dissociar deste campo, pleiteando um valor simbólico mais restrito, ainda que não coincidente com o da música erudita. Eis aí a contradição básica da MIB: se por um lado ela aspira à síntese dos elementos conflitantes da cultura brasileira, colocando em diálogo elementos e processos derivados de diferentes campos, por outro ela parece ainda procurar se distanciar das tradições populares vinculadas ao canto e à dança. Esse afastamento nunca é consumado, no entanto. Fazendo jus ao projeto de síntese, a própria música instrumental brasileira vive contradizendo a si mesma: ao incluir frequentemente o canto, mesmo se dizendo “instrumental”, e ao dar valor primordial, na performance, a um certo tipo de vitalidade rítmica que, se não é constante o suficiente para levar à dança, também não deixa de estar ligada a sensações corporais, ela evidencia sua filiação e seu apego aos valores da música popular brasileira como campo maior.
Thesis Chapters by Paula Zimbres
A partir da proposta de Santuza Naves, de que a música popular urbana do século XX retomou e concretizou certos ideais lançados pelo movimento modernista, esta dissertação pretende investigar como os dois compositores lidam com o problema da “música nacional” conforme proposto por teóricos e pensadores modernistas (notadamente Mário de Andrade), porém de um ponto de vista caracteristicamente pós-moderno, no sentido proposto por autores como Andreas Huyssen: não um rompimento com o modernismo, mas sim um repensar de suas propostas em um contexto multicultural, em que as tradicionais fronteiras entre níveis culturais não podem mais ser vigiadas e em que a noção linear de progresso civilizatório “unanimista” ou universalizante é substituída por uma verdadeira polifonia identitária (onde não há história, mas histórias). Pretende-se, assim, identificar que imagem de país se reflete nessa música, e como ela negocia as tensões inerentes à cultura brasileira.
Conference Presentations by Paula Zimbres
Se a interface com o jazz é representativa da forma como a MIB trata a questão nacional-cosmopolita, a segunda “linha de força” – erudito-popular – aparece na forma como o gênero trata os elementos tidos por vários autores como marcadores do “popular”: o canto e a dança. Se a música mais genuinamente “popular” é indissociável da poesia, da voz e da dança, então a música instrumental parece buscar, deliberadamente, se dissociar deste campo, pleiteando um valor simbólico mais restrito, ainda que não coincidente com o da música erudita. Eis aí a contradição básica da MIB: se por um lado ela aspira à síntese dos elementos conflitantes da cultura brasileira, colocando em diálogo elementos e processos derivados de diferentes campos, por outro ela parece ainda procurar se distanciar das tradições populares vinculadas ao canto e à dança. Esse afastamento nunca é consumado, no entanto. Fazendo jus ao projeto de síntese, a própria música instrumental brasileira vive contradizendo a si mesma: ao incluir frequentemente o canto, mesmo se dizendo “instrumental”, e ao dar valor primordial, na performance, a um certo tipo de vitalidade rítmica que, se não é constante o suficiente para levar à dança, também não deixa de estar ligada a sensações corporais, ela evidencia sua filiação e seu apego aos valores da música popular brasileira como campo maior.
A partir da proposta de Santuza Naves, de que a música popular urbana do século XX retomou e concretizou certos ideais lançados pelo movimento modernista, esta dissertação pretende investigar como os dois compositores lidam com o problema da “música nacional” conforme proposto por teóricos e pensadores modernistas (notadamente Mário de Andrade), porém de um ponto de vista caracteristicamente pós-moderno, no sentido proposto por autores como Andreas Huyssen: não um rompimento com o modernismo, mas sim um repensar de suas propostas em um contexto multicultural, em que as tradicionais fronteiras entre níveis culturais não podem mais ser vigiadas e em que a noção linear de progresso civilizatório “unanimista” ou universalizante é substituída por uma verdadeira polifonia identitária (onde não há história, mas histórias). Pretende-se, assim, identificar que imagem de país se reflete nessa música, e como ela negocia as tensões inerentes à cultura brasileira.