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EVIDÊNCIA olhares e pesquisa em saberes educacionais Conselho editorial Prof. Dr. Alessandro Rodrigues Pimenta Profa. Dra. Fernanda P. Tavares UFPI Universidade Federal do Piauí Faculdade Santa Maria, Recife/PE UFT Universidade Federal do Tocantins Profa. Dra. Mara Rúbia Alves Marques Prof. Dr. Antônio Fernandes Júnior UFU – Universidade Federal de Uberlândia UFG Universidade Federal de Goiás Profa. Dra. Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira Prof. Dr. Arturo R. Pinto Guevara UFAL Universidade Federal de Alagoas Universidad Católica del Maule – Chile Profa. Dra. Maria Celeste de Moura Andrade Prof. Dr. Cleudemar Alves Fernandes Centro Universitário do Planalto de Araxá UFU Universidade Federal de Uberlândia UNIARAXÁ Prof. Dr. Ernani Lampert Profa. Dra. Maria Ivonete Santos Silva UFU FURG Universidade Federal do Rio Grande Universidade Federal de Uberlândia Prof. Dr. Lauro César Figueiredo Profa. Ma. Adriene Costa de Oliveira Coimbra UFRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul Centro Universitário do Planalto de Araxá – UNIARAXÁ Prof. Dr. Leopoldo Briones Universidad del Mar – Chile Profa. Ma. Ivana Guimarães Lodi Prof. Dr. Luciano Marcos Curi – IFTM – Instituto Federal Centro Universitário do Planalto de Araxá - UNIARAXÁ do Triângulo Mineiro Profa. Ma. Fabíola Cristina Melo Prof. Dr. Carlos Antônio da Silva Centro Universitário do Planalto de Araxá – UNIARAXÁ Centro Universitário do Planalto de Araxá Profa. Ma. Letícia Vasconcelos Britto UNIARAXÁ Centro Universitário do Planalto de Araxá – UNIARAXÁ Dra. Maria Eugênia de L. e M. Castanho Profa. Dra. Danielle Rodrigues dos Santos PUC - Campinas - SP Centro Universitário do Planalto de Araxá - UNIARAXÁ Prof. M.e Geraldo Magela Carozzi de Miranda PUC Minas Arcos – MG Profa. Dra. Ana Maria Faccioli de Camargo UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Profa. Dra. Betina Ribeiro Rodrigues da Cunha UFU – Universidade Federal de Uberlândia Os artigos publicados, no que se refere à opinião emitida, fundamentação teórica, referência bibliográfica e organização textual, são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, obrigatoriamente, o posicionamento de Evidência. CENTRO UNIVERSITÁRIO DO PLANALTO DE ARAXÁ UNIARAXÁ Instituto Superior de Educação EVIDÊNCIA olhares e pesquisa em saberes educacionais v. 14 n. 14 março de 2018 - Araxá/MG ISSN 1808-2327 Evidência Araxá v. 14 n. 14 p. 1-284 2018 Endereço: Av. Ministro Olavo Drummond, 5 – Bairro São Geraldo CEP – 38180-084 – ARAXÁ – MG Telefone/fax: (34) 3669-2000 www.uniaraxa.edu.br; uniaraxa@uniaraxa.edu.br Editoração: Profa. Ms. Ivana Guimarães Lodi (normalização NBR-6021 da ANBT); Capa: Aline Abadia Campos; Revisão: Profª. M.ª Adriene Costa de Oliveira Coimbra (Língua Inglesa); Profª. Evelyn Lissette Ordóñez Contreras (Língua Espanhola); Profª. M.ª Fabíola Cristina Melo (Língua Portuguesa); Prof. M.e Carlos Antônio da Silva (aplicação ISSN/EAN-13) FICHA CATALOGRÁFICA ( Preparada pela Biblioteca Central do UNIARAXÁ ) Maria Clara Fonseca – Bibliotecária CRB6/942 Evidência: olhares e pesquisa em saberes educacionais / Centro Universitário do Planalto de Araxá, Instituto Superior de Educação. vol.13, ed. especial, (2017) - Araxá, MG: Fundação Cultural de Araxá, 2017Anual Publicação do Instituto Superior de Educação ISSN 1808-2327 1. Educação - Periódicos. 2. Formação de professores - Periódicos. I. Centro Universitário do Planalto de Araxá. Instituto Superior de Educação. CDU 37(05) Indexada em: Edubase (Faculdade de Educação/Unicamp) Sumário Apresentação - p. 9 Profa: Ivana Guimarães Lodi Prof. M.e. José Oscar Melo Editorial - p. 11 Profa: M.e. Ivana Guimarães Lodi Docência universitária: aventuras e desventuras - p. 19 CASTANHO, Maria Eugênia Profissão-Professor: identidade, contradições e o trabalho docente - p. 37 CORNÉLIO, Wellington Félix O professor na sociedade contemporânea: Educação para a liberdade? - p. 47 ALVES, Érika Cristina Silva Constituir-se professor universitário na perspectiva do desenvolvimento profissional - p. 57 GONTIJO, Débora Viviane Teles Magalhães A Educação Superior no Brasil e a busca pela democratização: trajetória histórica até os tempos de Sisu - p. 67 BORGES, Gabriela Fernanda Silva Trajetórias formativas de acadêmicos de Educação Física da UFPI: ser ou não professor? - p. 81 SANTOS, José Carlos dos SIMÕES, Regina MOREIRA, Wagner Wey A Educação na contemporaneidade: contribuições da tecnologia digital para a inclusão das pessoas com deficiência auditiva - p. 93 KIKUICHI, Vivian Zerbinatti da Fonseca QUEIROZ, Florence Alves Pereira de Aprendendo com o Fred: Jogo didático e suas aplicações - p. 103 MOTTA, Frederico Martins OLIVEIRA, Camila Tenório Freitas de SANTOS, Rafael Alves dos As possíveis abordagens sobre corpo/corporeidade nos programas de PósGraduação em Educação do Estado de São Paulo: o estado da Arte - p. 113 TANNÚS, Fernanda Machain Silva LIMA, Lucas de Oliveira CAMPOS, Marcus Vinicius Simões de MOREIRA, Wagner Wey O corpo adolescente privado de sua liberdade altera a prática de esporte? - p. 127 REIS, Laudeth Alves dos MOREIRA, Wagner Wey Educação Científica nos museus: a importância das diversas linguagens presentes nas exposições - p. 139 CASTILHO, Thaís Balada SOUSA, Adriano Ribeiro OVIGLI, Daniel Fernando Bovolenta Espaços não formais: utilização dos museus no processo de ensino/ aprendizagem voltado às Ciências - p. 149 PINHEIRO, Cleiton da Silva LIMA, Maurício Szaz de GRACIOLI, Jéferson Muniz Alves SANTOS, Ricardo André Ferreira de Oliveira A formação do professor de Ciências Biológicas: o que tem sido pesquisado? - p. 159 MELLINI, Carolina Kiyoko SIVIERI-PEREIRA, Helena de Ornellas Pedagogia dos multiletramentos: desafios e perspectivas na docência - p. 171 SANTOS, Wagno da Silva KARWOSKI, Acir Mário Pesquisa escolar no Brasil: a produção científica em periódicos nacionais de Educação - p. 181 SILVA, Diego Gerônimo SIMÕES, Regina Maria Rovigati Nuances acerca da rotina de uma classe hospitalar: um estudo de caso - p. 193 RODRIGUES, Júlio SIMÕES, Regina Maria Rovigati A produção de banner em uma abordagem de iniciação para a Cultura Digital com base na prática educativa - p. 203 FERREIRA, Cléa Rocha; SIQUEIRA, Alexandra Bujokas de; LINHARES, Martha Maria Prata. Aspectos identitários e sentidos do Ensino Médio no Brasil - p. 213 RAMALHO, Ricardo de Oliveira CURI, Luciano Marcos GIORDANI, Camila Cunha Oliveira O uso de tecnologias no Ensino Médio: o que dizem os artigos? - p. 225 OLIVEIRA, Camila Tenório Freitas de; OVIGLI, Daniel Fernando Bovolenta; SILVA, Monica Izilda da; SIMÕES, Regin Maria Rovigati Notas sobre Formação Integrada e Ensino Médio Integrado - p. 237 MELO, Sthéfany COUTINHO, Ednaldo Gonçalves MARQUES, Welisson A Modalidade Profissional Técnica Integrada ao Ensino Médio no Brasil - p. 251 GIORDANI, Camila Cunha Oliveira RAMALHO, Ricardo de Oliveira CURI, Luciano Marcos Filosofia e Didática: Intermezzo Teórico-Metodológico sobre o fazer filosófico no Ensino Médio - p. 265 ALMEIDA, Francis Silva de. Normas gerais para publicação em Evidência - p. 281 Apresentação “O importante da educação não é apenas formar um mercado de trabalho, mas formar uma nação, com gente capaz de pensar.” J. A. Giannotti A Revista Evidência – olhares e pesquisa em saberes educacionais, é uma publicação do curso de Pedagogia do UNIARAXÁ – Centro Universitário do Planalto de Araxá. A sua publicação é anual, sendo esta edição a de número 14 – uma edição especial, resultado da parceria desta instituição com a UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro, na realização do VI Seminário de Formação de Professores – SEFORPROF, nos dias 15, 16, 17 e 18 de novembro de 2017. Em sua trajetória de 14 anos ininterruptos, esta publicação busca socializar o pensamento de educadores engajados que, com o registro de suas reflexões e experiências, enriquecem suas páginas e multiplicam seu saber. Nosso objetivo é cumprir com a política de produção científica e de divulgação institucional e, o cumprimento desta política, tem garantido a produção de artigos de pesquisas e de opinião, além de resenhas, que contribuam com o aprofundamento do conhecimento em educação em suas diversas áreas e formas de manifestação. Também buscamos a disseminação do conhecimento produzido pelos docentes e discentes de nossa Instituição e de outras Instituições de Ensino Superior, como os trabalhos aqui apresentados, que são resultados de pesquisas oriundas de produções apresentadas no VI Seminário de Formação de Professores - SEFORPROF 2017 na UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Acreditamos que os artigos aqui apresentados, reforçam o papel do professor como um mediador de aprendizagens, o elo entre o saber e o aluno e entre este e o saber, como uma espécie de tradutor e mediador do conhecimento e a maneira como essa mediação tem sido feita nos últimos anos, em face das enormes mudanças ocorridas na sociedade. Esta publicação já se tornou um meio de comunicação consolidado e de grande contribuição sobre o conhecimento na área da educação, em suas muitas formas de manifestação. Também é um canal de comunicação do UNIARAXÁ com diversas outras instituições e pessoas empenhadas em viver e construir a educação em nosso país. Evidência tem sido nestes 14 anos, uma revista voltada para a educação, mas aberta para o diálogo com todo fazer científico que possa contribuir para 9 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 9-10, 2018 a melhoria da prática pedagógica e a construção de uma sociedade mais justa, democrática e desenvolvida em tempos de constantes desafios da contemporaneidade. Desejamos a você leitor, uma boa e instigante leitura! Profa: M.e. Ivana Guimarães Lodi Editora responsável Prof: M.e. José Oscar de Melo Reitor 10 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 9-10, 2018 Editorial Profª. M.a. Ivana Guimarães Lodi “Vamos continuar nossa jornada para o nosso destino de paz e educação. Ninguém pode nos parar. Vamos falar por nossos direitos e vamos trazer a mudança para a nossa voz. Nós acreditamos no poder e na força de nossas palavras. Nossas palavras podem mudar o mundo inteiro, porque estamos todos juntos, unidos pela causa da educação. E se quisermos alcançar o nosso objetivo, então vamos nos fortalecer com a arma do conhecimento e vamos proteger-nos com a unidade e união” Malala Yousafzai Com o reconhecimento a todos os nossos leitores, apresentamos a Revista Evidência – olhares e pesquisa em saberes educacionais, em Edição Especial, resultado da parceria desta instituição com a UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro, na realização do VI Seminário de Formação de Professores – SEFORPROF, nos dias 15, 16, 17 e 18 de novembro de 2017. Esta é uma publicação do curso de Pedagogia do UNIARAXÁ – Centro Universitário do Planalto de Araxá. A sua publicação é anual, sendo esta edição a de número 14 – Edição Especial. Mais uma vez discutiu-se sobre o ofício e os fazeres de Professor e algumas das tramas que permeiam este fazer, o que nos remete à reflexão sobre a importância e os desafios que este profissional vive e enfrenta em todos os segmentos educativos. Acreditamos ser o professor um semeador de futuro, um transformador da realidade, um criador de caminhos que descortinam mudanças, um construtor de possibilidades para construir, talvez, um futuro mais promissor e humano. Acreditando nestas possibilidades é que citamos Malala como epígrafe desta apresentação, já que a educação é o único meio para transformação das pessoas e assim, dos lugares do mundo. É preciso acreditar e buscar caminhos para que o fazer educativo possa sempre se transformar em possibilidades concretas Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 11-18, 2018 11 12 das mudanças que são necessárias, não só no desenvolvimento científico, mas humano, uma jornada com destino para a paz e a liberdade. Sendo assim, os artigos aqui apresentados, resultados das pesquisas desenvolvidas pelo programa de pós-graduação stricto sensu – Mestrado na UFTM – em seus variados temas relacionados com a educação, apresentam reflexões atuais e com um olhar para o futuro. Acreditamos que o salto de qualidade que tanto almejamos na educação brasileira passam, essencialmente pela formação continuada dos professores que se dedicam ao ofício de professor e, constroem cotidianamente a sua identidade. Como já disse Dominicé (1990, p. 149-150) “Devolver à experiência o lugar que merece na aprendizagem dos conhecimentos necessários à existência (pessoal, social e profissional) passa pela constatação de que o sujeito constrói o seu saber ativamente ao longo do seu percurso de vida. Ninguém se contenta em receber o saber, como se ele fosse trazido do exterior pelos que detêm os seus segredos formais. A noção de experiência mobiliza uma pedagogia interativa e dialógica” Assim, esta edição especial, mais uma vez coloca em cena o professor, com algumas inquietações que permeiam seu ofício cotidiano, apresentando artigos que analisam sobre este fazer em diversas modalidades e etapas do processo educativo. O primeiro texto aqui apresentado, constitui-se em um Ensaio da Professora Dra. Maria Eugênia de Lima e Montes Castanho, resultado da sua fala durante uma Mesa Redonda realizada no evento citado. Mais uma vez, de forma profunda e humana a professora relata sobre sua própria trajetória de vida profissional, destacando as várias etapas pelas quais passou e as maiores influências pedagógicas adquiridas. Destaque especial foi dado para a sua atuação no Ensino Superior na formação de professores. Diz ela que “parte substancial de minha trajetória de educadora está marcada pela paixão com o trabalho de sala de aula. Estando sempre em contato com diversas universidades, o tema que mais me envolveu e sobre o qual mais me dediquei foi o da formação docente para o ensino superior”. Maria Eugênia também nos traz algumas análises sobre algumas políticas e programas de formação, destacando suas contribuições e suas falhas. Mesmo reconhecendo o grave momento por que passa a educação no país, a autora termina seu texto dizendo que “Viver é responder aos desafios que o tempo nos faz, responder às perguntas que os outros nos fazem ou que nós mesmos nos fazemos.” Na sequência o professor Wellington Félix Cornélio nos traz uma abordagem reflexiva quanto à identidade do professor com relação às contradições existentes neste processo e a relação direta destas temáticas na discussão do trabalho docente. O texto inaugura a leitura nos convidando a pensarmos e repensarmos sobre o magistério, a atratividade da carreira e atuais desafios da profissão. Segundo as análises do professor “nos tempos atuais, há um “colapso existencial” que acontece porque a identidade profissional docente está intimamente relacionada à carga pessoal e social que a profissão simboliza, levando a uma infindável busca Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 11-18, 2018 (em aspectos individuais, pessoais e coletivos) por um platônico encontro entre o ser e viver docentes. No terceiro texto, a autora Érika Cristina Silva Alves também discute sobre o professor e sua identidade na sociedade contemporânea, questionando se a educação é promotora da liberdade, e sobre a Educação enquanto organização institucional do Estado, que deveria estar à serviço da emancipação do cidadão, permitindo que o mesmo crie condições de perceber-se no mundo e de modificar o ambiente à sua volta, apontando que isto não tem acontecido. Também aponta sobre o professor da escola pública, nesse contexto, como agente à serviço da emancipação ou submissão do aprendiz, destacando que ele precisa necessariamente perceber-se como tal, ou seja, estar consciente das forças que atuam em seu campo de trabalho. Na sequência a autora Débora Viviane Teles Magalhães Gontijo nos convida a refletir sobre a formação de professores, bem como os pressupostos da formação inicial e continuada, na perspectiva do desenvolvimento profissional. A autora realiza uma abordagem sobre a construção da identidade profissional nesse processo e o que se entende por saberes docentes. O objetivo principal do estudo aqui apresentado, foi ampliar a visão dos fatores que contribuem para o desenvolvimento profissional de professores na atualidade. A autora acredita que essas temáticas constituam reflexões importantes sobre a necessidade de uma formação de qualidade, para a constituição da identidade do professor como um profissional reflexivo e com domínio teórico e prático para responder aos desafios da contemporaneidade, assim como, da responsabilidade do estado, enquanto organizador das políticas públicas educacionais de formação, de garantir a sua continuidade. No artigo seguinte, a autora Gabriela Fernanda Silva Borges discute sobre a trajetória histórica da Educação superior no Brasil até a criação do Sisu – Sistema de Seleção Unificado, buscando refletir sobre os avanços e impasses desse programa de governo no processo de democratização do ensino superior no país. A autora aponta que apesar dos diversos processos de implementação de políticas públicas voltadas para a educação superior, faz-se necessário avaliar os efeitos destas políticas no contexto das instituições de ensino, pois apenas aumentar o número de vagas e cursos não é suficiente para promover a democratização. É necessário garantir o acesso e a permanência com qualidade e equidade e, no caso do Sisu, esta avaliação no interior das instituições se torna fundamental, uma vez que diversas instituições públicas têm aderido ao Sistema de Seleção Unificada como única forma de ingresso em seus cursos superiores. Pensando sobre as trajetórias formativas de acadêmicos em Educação física, o artigo seguinte, dos autores José Carlos dos Santos, Regina Simões e Wagner Wey Moreira, apresentam um estudo realizado com os alunos da UFPI – Universidade Federal do Piauí. Os alunos que participaram do estudo foram selecionados entre os que escolheram fazer, além do bacharelado, a licenciatura, buscando conhecer sobre as influências da formação que contribuíram para a opção pela carreira de professor. Os autores acreditam que os percursos percorridos na Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 11-18, 2018 13 14 formação inicial produziram vivências significativas nas trajetórias dos acadêmicos pesquisados, como também, na formação da identidade docente destes graduandos. O artigo seguinte, dos autores Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi e Florence Alves Pereira de Queiroz, nos convida a refletir sobre a Educação Inclusiva e a era digital na contemporaneidade como um dos grandes desafios para o sistema educacional. Segundo eles, a perspectiva da educação inclusiva precisa questionar as práticas educacionais excludentes em detrimento às práticas que valorizam a diferença presente em sala de aula. Assim, o objetivo do estudo aqui apresentado, foi destacar as contribuições da tecnologia digital para a inclusão das pessoas com deficiência auditiva e foi realizado por meio de revisão de literatura a fim de buscar os principais recursos tecnológicos digitais, disponíveis atualmente no mercado, em prol desse público específico. O próximo artigo, dos autores Frederico Martins Motta, Camila Tenório Freitas de Oliveira e Rafael Alves dos Santos, nos trazem uma interessante discussão sobre o uso dos jogos didáticos e suas aplicações no processo educativo. No estudo aqui apresentado, eles demonstram como a utilização do jogo “Aprendendo com o Fred”, desenvolvido durante a realização da disciplina de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação na Educação na Formação de Professores, do curso de Mestrado em Educação, na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, constitui-se em um rico instrumento metodológico, que contribui para a formação de cidadãos críticos. Continuando, os autores Fernanda Machain Silva Tannús, Lucas de Oliveira Lima, Marcus Vinicius Simões de Campos e Wagner Wey Moreira, nos apresentam uma interessante pesquisa que traz as possíveis abordagens sobre corpo e corporeidade nos programas de pós-graduação do estado de São Paulo. Através de um estudo de revisão, do tipo estado da arte, são analisadas a produção acadêmica sobre estas temáticas de 2000 a agosto de 2017. Todo o processo de investigação foi feito em dois momentos: o primeiro se caracterizou pelo levantamento dos programas de pós-graduação em Educação do estado de São Paulo, segundo os dados da Plataforma Sucupira. O segundo momento identificou as dissertações e teses sobre a temática corpo e corporeidade nos sites do próprio programa. Bibliotecas digitais e acervos de cada programa também foram utilizados no processo de coleta. Os dados levantados permitiram chegar à conclusão de que muito pouco se tem produzido, comparado a influência que a corporeidade possui no processo de formação humana em todas as áreas do conhecimento. Estas pesquisas ainda são incipientes e carecem de um fortalecimento reflexivo e metodológico. Pensando sobre a adolescência como uma etapa do desenvolvimento humano que necessita ser compreendida no contexto de transformações e fenômenos ligados a essa transição considerada complexa, os autores Laudeth Alves dos Reis e Wagner Wey Moreira apresentam na sequência, um estudo em que discutem sobre como a prática esportiva pode favorecer o aumento das habilidades sociais como a relação interpessoal, a comunicação e a redução do comportamento antissocial e ainda, a ressocialização de indivíduos privados de liberdade ao partiEvidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 11-18, 2018 rem de uma motivação própria. Segundo os autores, “o estudo ajudou a observar a importância do esporte na vida dos adolescentes, em especial, os privados de liberdade, atentando-se ainda à necessidade de mais estudos que possibilitem o desenvolvimento de projetos e programas ligados ao esporte visando a inclusão desses adolescentes na sociedade”. Na sequência, os autores Thaís Balada Castilho, Adriano Ribeiro Sousa e Daniel Fernando Bovolenta Ovigli, apresentam uma discussão muito interessante e importante na educação que é o trabalho através do uso de metodologias diferenciadas. Eles discutem sobre a educação científica praticada em museus de ciências e a influência das várias linguagens que são utilizadas nestas exposições, na busca da compreensão de conceitos científicos. Os autores observam que as várias linguagens utilizadas neste processo de comunicação, permitem as interações entre público e exposição, o que estimula os visitantes por diversos canais sensoriais, aguçando o processo educativo. Esta prática metodológica transforma o processo de aprender em uma experiência prazerosa e mostra o museu como instituição ponte entre educação e sociedade. Ainda discutindo sobre metodologias de ensino inovadoras, o artigo seguinte, escrito pelos autores Cleiton da Silva Pinheiro, Maurício Szaz de Lima, Jéferson Muniz Alves Gracioli e Ricardo André Ferreira de Oliveira Santos, nos trazem uma rica discussão em que os autores afirmam que ao relacionar museus e aprendizagem, consegue-se perceber que é este é um espaço muito importante para a educação não formal, desse modo, podemos identificar que quando se trata de museus como um espaço não formal ligado a aprendizagem, ele se torna um espaço bem interessante para ser utilizado, principalmente para o ensino de Ciências. São apresentados os pontos de vista de diferentes autores sobre o tema abordado e a importância do uso dos museus como espaço de ensino/aprendizagem para a construção do conhecimento. Na sequência as autoras Carolina Kiyoko Mellini e Helena de Ornelas Sivieri-Pereira, trazem uma interessante pesquisa quanti-qualitativa, sobre a formação do professor de Ciências Biológicas, realizada através da análise da produção científica publicada em periódicos referentes ao tema no período de 2010 a 2017. O processo possibilitou identificar 20 artigos alinhados à temática da pesquisa, que foram agrupados em quatro áreas de conteúdo. As autoras afirmam que foi possível perceber a existência de uma lacuna teórica nos estudos sobre a formação de professores de CB no Ensino Superior, bem como evidenciar que a área em questão, caracteriza-se emergente no campo da Formação de Professores. Continuando, os autores Wagno da Silva Santos e Arci Mário Karwoski discutem sobre a Pedagogia do Multiletramentos, comentando sobre seus desafios e perspectivas para a docência. O artigo traz reflexões acerca desta perspectiva multimodal e os seus pressupostos na formação continuada de professores interligados às Novas Tecnologias da Informação e Comunicação. Entre os resultados aqui apresentados, percebeu-se a necessidade da valorização da multiplicidade de linguagens presente nos mais variados textos em circulação social, que em sua maioria estão inseridos em nossas vidas por meio dessas novas tecnologias, apontando para a necessidade de redimensionar o currículo escolar à incorporação Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 11-18, 2018 15 16 dos Multiletramentos, sendo assim, de grande relevância para a reflexão sobre a prática docente. Na sequência, Diego Gerônimo Silva e Regina Maria Rovigati Simões, nos apresentam um estudo sobre Pesquisa Escolar no Brasil, através do estado da arte, em que a análise foi feita por levantamento bibliográfico sobre o tema, nas pesquisas acadêmico-científicas publicadas em periódicos nacionais, indexadas na área da Educação pela Capes entre os anos de 2000 a 2017. Detectou-se 17 trabalhos distribuídos em 13 revistas, no qual diagnosticou-se a prevalência de periódicos da região Sudeste e de revistas/publicações em estrato B2. Ademais, o ano de 2016 destacou-se na divulgação sobre o tema. Os resultados mostraram que a produção científica sobre o tema Pesquisa escolar ainda é insuficiente. O artigo seguinte aborda sobre a importância da Pedagogia Hospitalar. Os autores Júlio Rodrigues e Regina Simões, através de um Estudo de caso, discutem sobre como se configura a rotina de uma classe hospitalar, utilizando da observação não participante. Os autores apontam que o ambiente da classe hospitalar se mostra dinâmico e potencialmente produtivo, uma vez que permite às crianças hospitalizadas um saber sistematizado que garante a manutenção da sua vida escolar e ao mesmo tempo se constitui de maneira adaptada à realidade hospitalar. Conforme constatam, “o ambiente da classe hospitalar está envolvido de sentimentos tão profundos quanto um oceano. Por esse motivo, possibilita diversas aberturas emocionais por parte da criança e principalmente dos familiares – que comumente são aqueles que sabem da gravidade da patologia dessas crianças”. Na sequência, os autores Cléa Rocha Ferreira, Alexandra Bujokas de Siqueira e Martha Maria Prata Linhares discutem sobre a produção de banner em uma abordagem de iniciação para a cultura digital com base na prática educativa. Segundo eles, em um mundo cada vez mais digital, uma avassaladora onda de informação é enviada e recebida instantaneamente, através de meios diversos. Em sala de aula, um dos desafios do docente é aprender a utilizar as chamadas tecnologias digitais de Informação e Comunicação na prática. Pretendeu-se, por meio de um apanhado de autores relacionados a uma prática específica, realizada em uma escola de nível médio-técnico, colocar em debate a alfabetização digital a partir da iniciação na produção científica por meio da produção de banner. Tal prática perpassa pelo aprendizado na produção de conteúdo, uma vez que o aluno quando na posição de produtor, confeccionando material que pode ser disponibilizado no meio digital, abre precedente para os questionamentos acerca daquele conteúdo que consome no próprio meio. Os artigos apresentados na sequência, nos trazem estudos referentes ao Ensino Médio no país. No primeiro deles os autores Ricardo de Oliveira Ramalho, Luciano Marcos Curi e Camila Cunha Oliveira Giordani apontam que o Ensino Médio no país é entendido por uns como uma preparação para a Educação Superior e, para outros, com a finalidade de profissionalização para a inserção no mercado de trabalho. São propostas algumas reflexões sobre os aspectos identitários e sentidos atribuídos ao Ensino Médio brasileiro na atualidade e os resulEvidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 11-18, 2018 tados do estudo apontam que são válidas as tentativas de repensar esta etapa de formação no país. Segundo os autores, faltam soluções para a crise de identidade do Ensino médio e é urgente a definição e implantação de políticas públicas coerentes, com caráter verdadeiramente emancipatório, que conduzam os resultados desta etapa a um patamar aceitável e exitoso. Já pensando sobre o uso das tecnologias no Ensino Médio, os autores Camila Tenório Freitas de Oliveira, Daniel Fernando Bovolenta Ovigli, Mônica Izilda da Silva e Regina Maria Rovigati Simões, buscam, através da sistematização das produções sobre tecnologias no Ensino Médio dos últimos seis anos - 2012 a 2017, entender sobre a sua utilização e seus impactos nesta etapa de formação. Os autores apontam que os artigos pesquisados discutiram a relação entre o aluno e o mundo, o impacto das tecnologias na sociedade atual e a ampliação do saber, o que permite afirmar que os professores precisam contribuir para a construção de sujeitos ativos no contexto de práticas e vivências pautadas no uso das tecnologias. Continuando sobre esta temática, o artigo, produzido por Sthéfany Melo, Ednaldo Gonçalves Coutinho e Welisson Marques nos propõe algumas análises sobre a Formação Integrada e o Ensino Médio Integrado no estado de Minas Gerais. Segundo os autores o Ensino Médio integrado possui número bem menor de alunos em comparação ao tradicional Ensino Médio regular. Na prática, o conceito de integração vem sendo edificado até mesmo pelos próprios profissionais da educação, os quais se mantêm incertos quanto aos procedimentos a serem adotados para que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional. Os autores afirmam que a ideologia de conhecimento fragmentado por meio de disciplinas isoladas perdura no imaginário educacional e, resistir a essa ideia através de processos pedagógicos inter e transdisciplinares, continua sendo uma metodologia inovadora e utópica, questionada por pais, alunos, professores e por toda a comunidade escolar. Mais uma vez, ainda pensando sobre o Ensino Médio e a nova modalidade recentemente criada, de formação profissional integrada a esta etapa de formação, os autores Camila Cunha Oliveira Giordani, Ricardo de Oliveira Ramalho e Luciano Marcos Curi nos trazem uma discussão interessante. Segundo eles, o Ensino Médio situa-se, atualmente, em uma estrutura educacional centrada nas formas fragmentárias de educação, desarticulada do processo global. As instituições trabalham, muitas vezes, com modelos variados de ensino, desprivilegiando o estudante pobre e o jovem trabalhador. O objetivo da pesquisa aqui apresentada, foi fazer um estudo histórico e sociológico sobre o Ensino Médio. As reflexões aqui apresentadas, apontam algumas questões iniciais sobre o tema, o qual visa contribuir com o atual debate da reforma na última etapa da educação básica. No último artigo desta edição, Francis Silva de Almeida retoma parte das análises realizadas durante a pesquisa de Mestrado “Filosofia e fazer filosófico no ensino médio: ressonâncias e deslocamentos em Deleuze-Guattari”, levada a efeito em dezembro de 2016, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. A pesquisa teve como objeto de investigação o ensino da filosofia e o fazer filosófico no ensino médio, e seu objetivo foi examinar em que medida os sentidos atribuídos pelos professores de filosofia Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 11-18, 2018 17 do ensino médio ao fazer filosófico têm provocado a possibilidade de uma “pedagogia do conceito”. Segundo a autora, as discussões que se destacam situam-se no campo da didática, especialmente no que diz respeito aos recursos, ao planejamento e as unidades teórico-metodológicas que orientam o fazer filosófico em sala de aula. Assim, esta edição especial da Revista Evidência: olhares e pesquisa em saberes educacionais, nos apresenta temas diversos relacionados ao fazer educativo, com a qualidade que sempre buscamos imprimir em todas as edições desta publicação, sempre comprometidos com a qualidade e buscando evidenciar a nossa missão institucional de “Promover a educação cidadã, por meio do Ensino, Pesquisa e Extensão, para a empregabilidade e a sustentabilidade, com ética e respeito às pessoas”. Fernando Pessoa disse uma vez que “nenhum dos meus escritos foi concluído; sempre se interpuseram novos pensamentos, associações de ideias extraordinárias, impossíveis de excluir, como infinito como limite. Não consigo evitar a aversão que tem meu pensamento ao ato de acabar” (PESSOA, apud GIANETTI, 2008, p.?). Acreditamos que a Educação é assim, nunca se esgota, nunca se concluí, são novas ideias, novos pensares, novos fazeres. Assim, também é esta publicação que busca discutir temas diversos de educação, na constante busca pela qualidade e inovação. Agradecemos imensamente a todos que colaboraram com esta edição da Revista, de diferentes modos. Em especial, agradecemos por esta rica parceria com o programa de mestrado da UFTM. O resultado alcançado, é fruto do esforço coletivo de todos os envolvidos e nos colocamos à disposição para novas publicações e parcerias. Uma boa leitura a todos! Referências Dominicé, Pierre. L’histoire de vie comme processus de formation. Paris: Éditions L’Harmattan, 1990. GIANETTI, Eduardo. O livro das citações: um breviário de ideias replicantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 18 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 11-18, 2018 Docência universitária: aventuras e desventuras CASTANHO, Maria Eugênia “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de repente, aprende” (Guimarães Rosa) 1. Introdução Após tempo prolongado de trabalho na área da Educação, escrevo sobre minha trajetória, sempre marcada por um interesse profundo na formação dos seres humanos com quem convivi em situação pedagógica. Professora há várias décadas, vivo o privilégio de participar de todo o processo de reflexão e ação que tem reformulado a educação brasileira. Nessa caminhada fui aprendendo por conta e risco próprios, mas não sozinha, pois toda fala, conforme Bakhtin, é abstraída de um diálogo. Sempre tive e continuo tendo o sentimento de trabalhar com vistas a uma sociedade mais democrática, já que nossa história mostra que tivemos uma república com democracia bastante restrita (1889-1930), depois o período liberal varguista (1930-1937), sucedido pela modernização autoritária do Estado Novo (1937-1945), pela restauração liberal de caráter populista (1945-1964), seguida pelo Golpe Militar que resultou numa ditadura de 21 anos (1964-1985), como ocorreu com outros países da América Latina. Hoje há uma clara desconstrução da política, ensejando a fragilização da estrutura democrática. É nesse contexto geral do país que passo a falar de minha experiência basicamente ocorrida na educação superior, detendo-me em aventuras e desventuras vividas nessa área acadêmica. 2. Origem e formação Minha formação deu-se toda em Campinas, SP, cidade para a qual vim poucos meses após ter nascido em Itajubá, MG. Meu curso primário (hoje, séries iniciais do ensino fundamental), ocorrido de 1953 a 1956, dos 6 aos 10 anos de idade, foi desenvolvido numa escola municipal em Campinas, que ocupava todo um quarteirão bonito, gramado, com um prédio majestoso onde ficavam as salas de aula e que foi posteriormente demolido. A mesma professora acompanhava a 19 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 20 turma nos 4 anos do curso primário. A minha iniciou-nos com a maior competência nos ensinamentos desse período. A base por ela dada foi muito importante para os estudos seguintes. Os quatro anos de ginásio (séries finais do ensino fundamental), de 1957 a 1960, foram cursados numa escola particular de Campinas, já extinta. Formei-me professora primária aos 17 anos na antiga Escola Normal de Campinas (Instituto de Educação “Carlos Gomes”), ali tive uma inesquecível professora da disciplina Metodologia e Prática de Ensino que formou a mim e a minha turma com grande competência técnica: Professora Judith Stucchi, viva ainda hoje com 93 anos de idade. O que ela me ensinou foi a base segura de tudo quanto veio depois, destacando-se a compreensão profunda do que é dar aula, do que é o ensino, do que é a aprendizagem. Fala-se tanto em competência técnica, mas não é simples nem fácil exercê-la com a maestria com a qual d. Judith a exercia e com a qual nos formou. Nesse curso, minha primeira aula aos 15 anos, para crianças de 10 anos de idade, foi o grande marco de minha paixão pela docência. Depois fiz o curso de Pedagogia (de 1964 a 1967) na PUC-Campinas. No início de meu primeiro ano de Pedagogia ocorreu o Golpe Militar no país. Eu não tinha consciência do que isso significava. Comecei a frequentar o Centro Acadêmico e também me tornei membro da Juventude Universitária Católica (JUC), onde fui entendendo aos poucos a situação política do país. No final do curso, em 1967, eu já compreendia os desdobramentos da situação e consequentes prejuízos sociais, muito mais pela convivência com colegas no Centro Acadêmico e na JUC, já que os professores não se manifestavam sobre o contexto nacional. Recém-formada, em 1968 ia lecionar e coordenar o Curso de Pedagogia na Faculdade de Filosofia de Uberlândia, MG (hoje fazendo parte da Universidade Federal de Uberlândia). A diretora do Curso era Madre Ilar, uma educada e inteligente freira que havia estudado Pedagogia na então Universidade Católica de Campinas, anos antes. Desisti por ter sido ao mesmo tempo selecionada para Orientadora Pedagógica no Ginásio Vocacional de Rio Claro, SP, ligado ao Serviço do Ensino Vocacional no âmbito público estadual. O trabalho no “Vocacional”, durante todo o ano de 1968, foi altamente positivo para meu crescimento profissional, além de se dar num serviço considerado por consagrados educadores como de qualidade ímpar no ensino público no Estado de São Paulo e possivelmente no Brasil. Publicações sobre a história desse ensino são disponíveis, destacando-se um livro organizado por Esméria Rovai, intitulado Ensino Vocacional: uma pedagogia atual, da editora Cortez, publicado em 2005. Embora fosse recém-formada na graduação nesse mesmo ano de 1968, comecei a trabalhar na PUC-Campinas, porque não eram exigidos estudos pós-graduados. Em dezembro houve o endurecimento do regime ditatorial com a edição do Ato Institucional n. 5, que reprimiu fortemente o pouco que se tinha de liberdade, com prisões e perda total de direitos de toda a população. Um clima de muita apreensão com a situação passou a ser instaurado na instituição. Monsenhor Emílio José Salim, fundador e reitor da instituição, embora fosse uma pessoa de pensamento conservador, sempre defendeu a autonomia Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 da instituição e nunca permitiu que a polícia entrasse no “Pátio dos Leões” da universidade, local de convivência e reunião dos estudantes. Monsenhor Salim sempre exerceu a reitoria sem vice-reitor. No entanto, pouco tempo antes de sua morte nomeou o promotor e professor da Faculdade de Direito Benedito José Barreto Fonseca como vice-reitor. Barreto acabou assumindo a reitoria e foi considerado “reitor do regime”, cumprindo fielmente tudo o que lhe era solicitado pelo poder militar. A situação política caracterizada por uma ditadura rigorosa capilarizou-se por toda a vida do país, atingindo tudo e todos. O clima na PUC-Campinas tornou-se tão persecutório que culminou com um pedido coletivo de demissão de 49 professores em agosto de 1969. Só havia o campus central na Rua Marechal Deodoro, em Campinas, SP. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras abrigava praticamente todos os cursos que ficaram sem seus professores. Muitos, como foi o meu caso, foram trabalhar em faculdades que estavam começando na região. Fui para a Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), onde trabalhei durante 10 anos. Como o Curso de Pedagogia na minha época dava direito a lecionar Matemática nas séries do que se denominava ginásio (atuais séries finais do ensino fundamental), lecionei também a disciplina em Campinas. Consegui me sair bem e vários alunos que tomaram gosto pela disciplina manifestaram desejo de fazer (e mais tarde fizeram) o Curso de Matemática na PUC. Saí-me bem graças à Matemática que aprendera no curso ginasial com um professor inesquecível pela competência profissional, já que no Curso de Pedagogia havia apenas um ano de uma disciplina chamada Complementos de Matemática, com um professor que pouco ensinava. Com a abertura política que preparava o fim da ditadura (terminaria três anos depois), as instituições começaram a democratizar-se e, prestando concurso, voltei a trabalhar na PUC-Campinas em 1982. Nesse mesmo ano estava defendendo minha dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com o tema Arte-educação e intelectualidade da arte. Na sequência cursei ali o doutorado, defendendo a tese intitulada Universidade à noite: fim ou começo de jornada? Em 1989. Cursar mestrado e doutorado na UNICAMP ajudou-me a fazer as ligações necessárias entre competência técnica e compromissos maiores com a educação e a sociedade. Inúmeros professores foram fundamentais. Autores em profusão eram lidos e discutidos. Nesses estudos muitas ideias tornaram-se bastante importantes orientando-me nas pesquisas que se sucederam. 2.1 As aventuras Comecei meu trabalho docente no ensino superior lecionando a disciplina Didática, que foi para mim um grande desafio. Foi um longo caminho pontuado por muito estudo e reflexão sobre a prática, principalmente com a pós-graduação stricto sensu na Unicamp. Nessa empreitada entrei em contato com muitos autores e experiências. Sempre tive a forte convicção da necessidade de 21 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 competência técnica para um compromisso de âmbito maior, pensando numa sociedade realmente democrática e justa. E sempre tive como horizonte trabalhar visando formar professores que crescessem pessoal e profissionalmente, com consciência da importância de desenvolver nos alunos posturas criativas, éticas, maduras, democráticas, coerentes. Tendo começado a docência pelo ensino de Didática, retomei o estudo sobre Comênio, nascido em 1592, originário da Morávia, atualmente território da República Checa. Em 1657 sua Didactica Magna foi publicada. Há 339 anos atrás, no contexto geral da época (meados do século XVII), esse educador, considerado o fundador da didática, já apregoava as principais ideias das bandeiras atuais dos educadores. Seu objetivo foi mostrar, através de muitos escritos, como é possível “ensinar tudo a todos”. Escreveu ele em 1657: Se, portanto, queremos Igrejas e Estados bem ordenados e florescentes, e boas administrações, primeiro que tudo ordenemos as escolas e façamo-las florescer, a fim de que sejam verdadeiras e vivas oficinas de homens, e viveiros eclesiásticos, políticos e económicos. Assim, facilmente atingiremos o nosso objetivo; doutro modo, nunca o atingiremos. (COMÊNIO, 1985, p.33; grifos meus). 22 É considerado o precursor da psicologia genética mais de cem anos antes de Rousseau e o pai da pedagogia moderna. Sua Didactica Magna tem 33 capítulos divididos em 4 partes. Propõe ele os mesmos conteúdos nos diferentes níveis, porque correspondem a necessidades permanentes. Diferem no modo como são reestruturados ou reelaborados. Trata-se, segundo ele, de aprender as mesmas coisas, de maneira diversa: isto coincide com a proposta de Jerome Bruner, três séculos depois, do currículo em espiral e remete à descoberta de Jean Piaget sobre funções intelectuais constantes e estruturas variáveis em todo ser humano. Ensinar as coisas e o discurso é uma das ideias pedagógicas centrais de Comênio. Ele fundamenta a importância de começar a partir das coisas, que são objeto da inteligência e do discurso. E, no entanto, essa continua sendo ainda uma das questões mais graves do ensino. Ensinar envolveu estudar profundamente as várias ciências ligadas à educação. Em Psicologia minha opção foi na linha de autores que viam a questão educativa de forma interdisciplinar. Detive-me, como consequência de estudos básicos, principalmente em aprofundar as obras de Jean Piaget, L.S.Vigotski, Jerome Bruner e David Ausubel. Bruner (1991), em instigante estudo, apontou o risco de a Psicologia perder a coesão necessária para poder fazer um intercâmbio interno que justifique a divisão do trabalho entre suas partes. No entanto, os grandes temas e interrogações continuam vivos. Por exemplo, os psicólogos mais recentes são tributários do passado: Chomsky reconhece sua dívida com Descartes; Piaget com Kant; Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 Vigotski com Hegel e Marx. O objetivo principal atual é a natureza da construção do significado, sua conformação cultural e o papel essencial que desempenha na ação humana. Deve-se, segundo Bruner, tentar compreender como o homem pensa o seu mundo, o de seus semelhantes e o de si próprio. Para esse tipo de abordagem convergem as posições de Vigotski, elaboradas com antecedência histórica de décadas em relação aos teóricos posteriores. Bruner apresenta em 1961 para o público norte-americano a versão em inglês do livro Pensamento e Linguagem de Vigotski (com tradução criticada por inúmeros estudiosos dadas as simplificações e alterações ocorridas no texto original). Na época, Bruner não percebia que o autor já apontava para a emergência de um novo paradigma na área. Prefaciando a publicação, revela sua admiração pelo autor russo, porém manifesta incompreensão sobre como articular suas posições científicas com as daquele autor. Só na década de 90 é que alarga sua compreensão sobre o paradigma emergente, não deixando de resgatar a importância de pesquisas anteriores. Em uma publicação do ano 2000 ele declara com todas as letras: Mantenho firmemente os pontos de vista expressos na minha obra anterior [The processofeducation, 1960, Toward a theoryofinstruction, 1966, The relevanceofeducation, 1971], sobre o ensino de uma matéria: a importância de dar ao discente um sentido da estrutura gerativa de uma disciplina, o valor de um “currículo em espiral”, o papel fulcral da descoberta autoproduzida na aprendizagem de uma matéria, e por aí adiante (BRUNER, 2000, p. 65). A psicologia cognitiva no campo do ensino e da aprendizagem é interacionista porque, ao analisar a construção dos processos mentais, reconhece ser indispensável considerar-se o sujeito e o objeto, as características pessoais e o papel da cultura, a construção da subjetividade em permanente troca com o meio, principalmente cultural. Bruner, 17 anos mais jovem que Piaget, responsável pelo new look nos estudos sobre a percepção, criou o conceito de currículo em espiral (atendimento à estrutura básica da matéria, selecionando e organizando as ideias fundamentais). Quanto mais fundamental (estrutural) for a ideia aprendida, maior será a amplitude da aplicação. A volta constante, o reexame das mesmas ideias em profundidade, garante a forma de uma espiral. David Ausubel, cognitivista norte-americano, em um livro de 625 páginas intitulado Psicologia Educacional (1980, p. 1), assim resume sua posição: “Se eu tivesse que reduzir toda a Psicologia educacional a um único princípio, diria isto: o fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o aluno já conhece. Descubra o que ele já sabe e baseie nisso os seus ensinamentos”. Isso parece simples, mas a observação do que ocorre na prática pedagógica revela que é bastante complexo e exige especial competência docente. 23 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 3. Revendo concepções, fazendo opções Quantidade incomensurável de textos de autores, os mais variados, procura ora aproximar ora separar profundamente as concepções de Piaget e Vigotski. Apresento a seguir minha posição sobre a questão uma vez que minha práxis é tributária de conceitos de tais autores. Piaget (1977) gravou um filme resumindo suas ideias, concretizando um antigo desejo de esclarecer do modo mais claro possível os equívocos de que sua teoria foi alvo. Deixa claro que não é um empirista ou inatista (os conhecimentos não são pré-formados no objeto ou no sujeito). Por essa razão declara-se interacionista considerando que acontece autorregulação, isto é, construção e reconstrução. Piaget trabalhou 50 anos com isso, tendo feito duas principais e impressionantes descobertas. A primeira é a de que crianças de uma mesma idade dão sempre respostas iguais. A segunda é a de que ocorre sempre a mesma ordem de sucessão nas respostas dadas, isto é, os níveis são sequenciais. As idades em que ocorrem esses níveis variam, quer se trate de sujeitos da África, da Ásia, índios da América do Norte etc. Resultados similares foram encontrados, por exemplo, entre sujeitos de Teerã e de Genebra. Analfabetos das montanhas ou do campo apresentaram respostas “atrasadas” mais ou menos em três anos. Dado que o conhecimento é construído pela ação do sujeito sobre o objeto, resta apontar que Piaget não realizou uma teoria sobre o meio, a cultura, o outro polo. Vigotski, psicólogo russo, também interacionista, lançou instigantes questões sobre o papel do objeto (a cultura) na formação do sujeito (da subjetividade). A grande contribuição de Vigotski a explicitação dos processos pelos quais o desenvolvimento é socialmente constituído. Isso é feito a partir de dois conceitos básicos: internalização e desenvolvimento proximal. O funcionamento no plano intersubjetivo cria o funcionamento individual. O plano interno não consiste de reprodução das ações no plano externo. O plano intrassubjetivo da ação é formado pela internalização de capacidades originadas no plano intersubjetivo. O plano intersubjetivo não é o plano do outro, mas sim o plano da relação do sujeito com o outro. Vigotski criou o conceito de zona de desenvolvimento proximal: são funções emergentes no sujeito, capacidades apoiadas em recursos auxiliares oferecidos pelos outros. Funções consolidadas refletem o desenvolvimento atingido. A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível real e o nível potencial. Assim, a boa aprendizagem é aquela que consolida e principalmente cria zonas de desenvolvimento proximal sucessivas. A gênese do conhecimento é social. A presença do outro é constitutiva do conhecimento. Assim, a relação entre sujeito e objeto é socialmente mediada. As funções têm origem nas relações entre as pessoas. De meu ponto de vista, para a reflexão sobre a prática pedagógica, Bruner, Piaget e Vigotski têm muitas aproximações no interacionismo que defendem, e as distâncias teóricas que neles podem ser apontadas explicam-se pelos contextos culturais bastante diferentes em que viveram e produziram: (Estados Unidos e o primado de uma sociedade pragmática; Suíça, uma sociedade liberal na plena 24 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 acepção do termo; Rússia, uma sociedade com um projeto social novo e com todos os percalços históricos conhecidos). Considero que o professor constrói sua prática pessoal integrando, de acordo com toda sua história, as várias contribuições das várias disciplinas, sendo capaz de refletir sobre seu trabalho, observando e avaliando a caminhada e tornando os saberes ensináveis de modo a enriquecer-se e enriquecer seus estudantes. Certamente é no diálogo entre as reflexões psicológicas e sociopolíticas que se pode alcançar uma visão abrangente de todo o processo educacional e, em particular, didático-pedagógico. Termino esta seção trazendo uma citação que para mim sintetiza um pouco a aproximação que proponho. António Nóvoa, respeitado educador português com várias publicações no Brasil, considera que a educação do educador deve se fazer mais pelo conhecimento de si próprio do que pelo conhecimento da disciplina que ensina, e afirma: (...) eis-nos de novo face à pessoa e ao profissional, ao ser e ao ensinar. Aqui estamos. Nós e a profissão. E as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal. (NÓVOA, 1997, p.18) 4. As aventuras em meu quefazer pedagógico Exerci inúmeras atividades no ensino superior, mas a mais importante sempre foi a docência, momento mágico de encontro humano. Na verdade, estudante e professor estão no mesmo patamar de protagonismo. Como disse Gusdorf, cada um está exposto ao outro e ninguém pode dizer como terminará a aventura. Isso porque a experiência de ensino e de aprendizagem não é neutra. Lecionei por 10 anos na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), trabalhando em seguida com muitas turmas de graduação de Pedagogia e demais cursos de licenciatura na PUC-Campinas a partir de 1982 e no Mestrado em Educação quando passou a existir. Isso até 2011. Em seguida passei a atuar, até hoje, a convite, em diversas instituições de ensino superior, com docentes sobre sua formação. Sempre esteve claro para mim que apenas usar estratégias diferentes para animar a aula não era o caminho, uma vez que, passado o efeito surpresa, tudo voltaria à apatia anterior. O objetivo: provocar reflexões, desenvolver processos mentais, promover o crescimento tanto discente quanto docente. E ainda despertar a vontade política de melhorar a sociedade, sem ingenuidade, preparando-se com competência. Em texto que publiquei há tempos defendo que o estrangulamento das práticas atuais que se pretendem críticas se deve à não apropriação, por parte dos alunos, dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas detectados na prática social. Considero que a instauração 25 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 do diálogo nas práticas cotidianas usando as técnicas como meios indispensáveis para revolver ideias, concepções e preconceitos colabora para preparar pessoas genuinamente comprometidas com a busca da verdade. Sendo historicamente ligada à área de metodologia, minha posição sobre a questão das técnicas de ensino é a seguinte. Anos de autoritarismo no país produziram no âmbito da educação, a partir do final dos anos 60 e especialmente na década de 70 do século XX, o chamado tecnicismo, cuja característica maior foi a de hipertrofiar a dimensão técnica e querer desligá-la das demais dimensões presentes no processo. Essa importância excessiva dada ao aspecto técnico foi usada para escamotear a violência simbólica desencadeada sobre a vida institucional e levou os educadores a rejeitar, cada vez com mais intensidade, o tema técnicas de ensino. Esse desprezo, inicialmente usado como forma de defesa, explica, em parte, na minha opinião, a insuficiente formação técnica dos professores diplomados a partir de meados da década de 70 e durante os anos 80, que acabaram por receber muitos dos resultados da reflexão filosófica e nada da didática. O exame da taxonomia apresentada há décadas por Bloom, Hastings e Madaus mostra que a ação educativa parte do trabalho mais elementar e pode chegar ao ápice de se ter o trabalho independente e autônomo do aluno. Nomeiam os níveis: terminologia, fatos específicos, regras e princípios, realização de processos e procedimentos, fazer tradução (de uma forma em outra) e finalmente aplicação. {taxonomia: exemplos de habilidades e competências}. De modo geral o trabalho docente fixa-se nos três primeiros pontos (conhecimento) e deixa de ativar os processos mentais (procedimentos, traduções e aplicações). E o interessante é que nas propostas contemporâneas de pesquisadores sobre ensino e aprendizagem, com apresentação de nomes novos os mais variados, observa-se que a “novidade” é a sugestão de atividades ligadas aos três últimos itens da competente taxonomia. Discutir técnicas de ensino remete à reflexão sobre a apropriação, por parte dos estudantes, dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas encontrados na prática social. Tem havido poucas tentativas de se compreender como os diferentes discursos e práticas de sala de aula funcionam na formação das consciências e comportamentos dos estudantes. É nesse contexto que precisamos pensar a questão das técnicas de ensino. A técnica é sempre meio para, nunca fim. A técnica deve ajudar a abrir perspectivas para que o estudante possa expor verdadeiras questões, permitindo-lhe progredir e avançar sozinho. O diálogo abre o campo da verdade porque põe em circulação uma pluralidade de pontos de vista. Nos tempos atuais, dado o desenvolvimento de todo tipo de recursos, considero que o trabalho do professor não diminuiu mas modificou-se. Penso que o professor é ainda mais importante do que antes porque a orientação para a incorporação de conhecimentos e consequente constituição de processos mentais no estudante exige mais atualmente, dependendo de um trabalho de competência docente muito grande. 26 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 5. Formação de docentes para o Ensino Superior Parte substancial de minha trajetória de educadora está marcada pela paixão com o trabalho de sala de aula. Estando sempre em contato com diversas universidades, o tema que mais me envolveu e sobre o qual mais me dediquei foi o da formação docente para o ensino superior. Comecei a planejar e vivenciar encontros com docentes do ensino superior sobre os desafios da aula universitária a convite do então reitor da PUC-Campinas Eduardo José Pereira Coelho na década de 1990. Continuo, como disse, fazendo isso agora a convite de várias instituições, cada vez mais desafiadas pelos tempos atuais. A bibliografia sobre a problemática é intensa. Tive o prazer de conhecer muitas universidades no Brasil e no exterior e de discutir incansavelmente a complexidade da questão. Tive o privilégio de compor um grupo da PUC-Campinas que ministrou um programa de mestrado em educação no sul do Chile, na cidade de Villarrica, numa sede universitária ligada à PUC da capital do país, Santiago. Quando cursava o doutorado, conheci Ilma Veiga, também doutoranda, que estava organizando um livro de didática com vários autores, todos desconhecidos, inclusive ela, e tive o grande prazer de escrever um capítulo. Não havia editora ainda para publicar o texto. Ofereci-me para falar com a editora Papirus, que se interessou imediatamente, pois sentia que havia muita demanda pelo assunto. Ilma Veiga, interessada em ver a aceitação do texto pelo público, com novos autores, não quis que o prefácio fosse escrito por alguém conhecido na área. O livro foi publicado com o título Repensando a Didática e tornou-se um sucesso editorial que persiste até hoje, às vezes com duas edições no mesmo ano. Até 2017, trinta edições. Ilma Veiga foi convidada pela editora para organizar coleções na área da educação, tornando todos do grupo conhecidos nesse campo. Passei a ter ainda mais participação em encontros de discussão sobre desafios da docência no ensino superior. Sendo frequentemente convidada para falar sobre formação para o ensino superior, considero grave pensar que, para ensinar nos níveis anteriores ao superior, sempre existiram as licenciaturas, que de uma maneira ou outra procuraram se desincumbir dessa formação. Para o ensino superior não. Os professores geralmente contam com o conhecimento específico da área em que lecionam, sem qualquer formação pedagógica. Instituindo-se a pós-graduação, os mestrados e doutorados das várias áreas do conhecimento passam a desenvolver programas com disciplinas e demais atividades sobre sua área sem preocupações com a docência universitária. De modo geral tais programas incluem no máximo uma disciplina de cunho pedagógico. Nos vários programas das diferentes áreas do saber, a pesquisa específica foi privilegiada em detrimento de pesquisas na área do ensino e da aprendizagem. Isso inclusive na área da pós-graduação em educação. Ao longo das várias décadas em que continuo atuando, aprendo que é necessário um trabalho articulado e contínuo, um programa mais duradouro do que geralmente se faz. Uma vez mais registro que os ensinamentos profundos 27 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 sobre como realizar a docência, que aprendi com a professora da Escola Normal, foram vitais. Convém registrar também que muitos anos depois, numa pesquisa que realizei como bolsista produtividade do CNPq, entrevistei esta professora já aposentada há tempo. E ela declarou que, enquanto lecionou disciplinas apenas teóricas, não encontrou problemas, mas quando assumiu a disciplina Metodologia e Prática de Ensino teve que construir toda uma forma de trabalho porque não aprendera nada sobre isso e nada encontrou na literatura. E era de uma época em que se fala que a qualidade do ensino era boa! Iniciando o trabalho no ensino superior com a disciplina Didática passei pela mesma dificuldade. Fui descobrindo que um ensino de qualidade exigia uma fundamentação com todas as demais disciplinas de cunho teórico. Um desafio! Há grandes estudiosos que mostram a importância de desenvolver nos docentes primeiramente uma reflexão profunda sobre toda a formação, não apenas resumindo-se a questões técnicas. É preciso enfrentar os desafios para formar pensadores autônomos em vez de técnicos para o mercado. Na área da Economia, por exemplo, Andrew John Mearman, da Universidade West of England, considera que as universidades geram economistas despreparados para entender a realidade. Ele aponta que empresas e governos podem treinar seus empregados e que universidades devem formar os alunos. Mostra ele que a economia tem a ver com solução de complexos problemas concretos, que exigem um conhecimento econômico aliado à flexibilidade de pensamento, insights de outras disciplinas, consciência da realidade comercial ou política etc. Penso que tais características devem fazer parte dos programas de formação. Sempre mostrei a necessidade de desenvolver nos docentes a importância de clareza quanto às intenções educativas que se ramificam em objetivos de várias dimensões. Meios e fins devem ser vividos sempre. O uso de técnicas como novidade anima no início, mas se não estiver alicerçado numa proposta mais ampla, passado o entusiasmo inicial tudo volta ao comodismo anterior. A técnica é bastante importante, porém por si só pouco vale. 6. As desventuras Precisamos de critérios humanistas de valor, sem os quais o emprego cego dos meios técnicos pode ser funesto. Isso pode ocorrer sempre que os interesses em jogo tomam a parte pelo todo atribuindo à racionalidade dos meios uma dimensão axiológica e normativa que não lhe é própria. É necessária uma resistência ética ao falso neutralismo que se esconde no uso de técnicas. O trabalho deve, em primeiro lugar, obedecer a uma lógica de fins, que é a lógica do sentido das ações humanas. O projeto deve integrar-se em um projeto social superior à mecânica dos meios. É preciso edificar uma nova docência universitária. Atualmente os problemas contam com uma questão bastante complexa já que há grandes grupos empresariais atuando no ensino com ramificações nas forças dominantes da economia e na esfera pública. Não é fácil defender a educação pública de qualidade acessível a toda a população já que a força de tais grupos se liga a mecanismos de mercado e contaminam a própria esfera pública. 28 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 Registro a elevada concentração de grandes empresas de ensino superior privado, de modo geral privilegiando o fator financeiro, com enormes aplicações no mercado (a empresa Kroton, por exemplo, cada vez mais ampliando sua união com outras empresas de ensino). Isso coloca novos e gravíssimos problemas no contexto atual da educação superior, comprometendo a formação de brasileiros, geralmente trabalhadores, que buscam seu aprimoramento e melhoria de vida. Grandes grupos multinacionais tomando conta da educação. Interesses privados dominando sua prática, ilusões tecnológicas sendo disseminadas. É preciso reforçar a profissão. Há, certamente, instituições de excelente nível, mas existem muitas cuja qualidade acadêmica é questionável. Ao MEC caberia retomar e ampliar com urgência os processos de avaliação dos cursos de graduação. Isso vale também para os cursos à distância. Quanto aos materiais didáticos utilizados, há faculdades privadas que produzem os próprios livros, reduzindo assim os custos para equipar bibliotecas e aumentando margens de lucro. Estas produções, em geral, não contam com os teóricos, peritos e especialistas mais reconhecidos de cada área, a não ser por citações e recortes. Assim, os alunos têm cada vez menos acesso às ideias originais de pesquisadores de ponta, e cada vez menos exigência de leitura, com linguagem e conceitos muito simplificados. Não há uma rede pública consistente de formação de professores que poderia corrigir uma grande distorção que é o fato de a grande maioria dos docentes que atuam nas redes públicas de educação básica do país ser formada em instituições particulares de ensino superior de duvidosa qualidade. A educação básica pública fica refém do ensino privado mercantilizado, impossibilitando a resolução de problemas de qualidade (SAVIANI, 2014). Programas (embora ainda incipientes) de formação para a docência estão sendo desenvolvidos em universidades em sua maioria públicas e merecem incentivo e palavras positivas. Certamente há uma série de questões a analisar para que não se percam esforços, investimentos e tempo. Noto a preocupação em desenvolver ações apoiando o ensino e a aprendizagem, falando-se em metodologias como aprendizagem ativa e outras, criando-se espaços e promovendo-se atividades variadas. Mas há uma série de questões que não vejo explicitadas na divulgação desses programas. O que pode ser notado é que há, por parte de educadores e instituições sérias, preocupação com o aperfeiçoamento das questões didático-pedagógicas e com o reforçar de competências e habilidades necessárias ao exercício profissional através de palestras, seminários e oficinas. Também se fala em dar suporte aos professores para o uso de novas metodologias e novas técnicas, preparo de novos conteúdos didáticos e estímulo a novos projetos de graduação. A pesquisa deve ser encarada como método de ensino, o que é altamente positivo. Tudo isso deve acontecer num contexto em que fiquem claras as consequências finais esperadas: professores que cresçam do ponto de vista pessoal Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 29 30 e profissional e conscientes da importância de desenvolver nos alunos posturas criativas, éticas, maduras, democráticas, coerentes. Na divulgação de programas vemos boas medidas relativas à posição de lousas panorâmicas (levemente côncavas para facilitar a visão de qualquer ponto da sala), oferecimento de condições adequadas para que os estudantes desenvolvam suas atividades com segurança e conforto, de dia ou à noite, laboratório de informática equipado com notebooks e rede wi-fi. Mas isso só produz efeitos se houver uma visão ampla do que se entende por formação, isto é, se as intenções educativas forem direcionadas para uma generosa formação humana e não apenas para treinar técnicas de trabalho. Entendo que a pessoa e o profissional são inseparáveis e que o trabalho de formação para a docência tem a ver com o desenvolvimento pessoal e profissional do professor. Isso significa bem mais que fazer um treinamento para o uso de técnicas, que são, todavia, necessárias. Como deve ser feita a formação pedagógica dos professores? Penso que, entre muitas outras possibilidades, os cursos para capacitação de professores de ensino superior devem ser ministrados numa linha que começa com cursos pequenos do tipo de minicursos e que se estendam para cursos de maior duração, na medida em que os professores vão se motivando para reflexões sobre as questões pedagógicas. Cursos de 4 horas, de 10 horas, de 20 horas são formatos que preparam para outros cursos de caráter mais duradouro. Infelizmente as experiências com capacitação para o trabalho na educação superior são, no geral, pontuais. Deve haver um programa contínuo para essa formação, a instituição deve assumir esse programa de formação, fugindo de soluções tecnicistas e esclarecendo seu conceito de qualidade, a formação da pessoa e do profissional, levando os docentes a falar da vida, da realidade, de seu repertório e dos alunos, de seus desejos e desafios, de suas dificuldades, de sua capacidade de criar. Considero que todo e qualquer programa de formação docente para desenvolver um trabalho com resultados significativos, ensinando através de atividades as mais variadas, usando toda a estrutura física criada para isso, precisa ter como horizonte, antes de tudo, a expectativa de um crescimento pessoal e profissional dos próprios docentes e consequentemente de seus alunos de graduação. O momento de tantas dúvidas e poucas certezas infelizmente é também o momento em que as universidades valorizam os progressos da pesquisa em áreas científicas específicas, mas pouco valorizam pesquisas no campo da educação, desmotivando a aplicação de procedimentos mais efetivos. De modo geral, os professores ensinam como foram ensinados, não vendo motivos para mudar. No entanto, é importante afirmar que o conhecimento não pode ser apenas transmitido, é necessário que o aluno o domine e o coloque em prática. Thomaz Wood Jr. (2016) informa que o Reino Unido vem tendo iniciativas pioneiras de mudanças no ensino superior. A nova iniciativa em 2016 foi denominada Teaching Excellence Framework. O objetivo é melhorar a qualidade do ensino. O ponto crítico do novo sistema será como definir critérios e indicaEvidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 dores para avaliar o ensino. Sempre se valorizou a pesquisa, professores de universidades, principalmente públicas, não se importando com o ensino. Wood fala de professores que marcam a vida dos alunos e mostra que há também outros fatores além desse: orientação geral do curso, organização das disciplinas, definição dos conteúdos, articulação teoria-prática, métodos de ensino e aprendizagem adotados. Ele fala em pressão sobre professores resistentes para atualizar suas práticas pedagógicas. 7. Professores marcantes Coordenei muitos encontros pedagógicos com variados públicos sobre o tema “Professores marcantes” (positiva e negativamente) como consequência de várias pesquisas que empreendi e/ou coordenei. As narrativas negativas superaram as positivas. Dentre as positivas, sobressaiu a descrição de bons professores com aulas interdisciplinares; ou que estimulavam a criticidade; ou ainda que buscavam integrar ensino com pesquisa ou eram muito competentes na transposição didática, isto é, na “transmissão do conhecimento científico de modo muito pessoal e didático”. Eram professores criativos e que desenvolviam a criatividade: “O professor que me marcou incluía muito estímulo, vibração, respeito às nossas dificuldades, procurando sempre levar a raciocinar, a refletir sobre o que se estudava”. Às vezes detalhes que podem passar despercebidos marcam a pessoa. Há um depoimento que relembra um momento de exame vestibular, estando numa sala aguardando pela prova de redação, quando aparece um senhor vestindo um terno preto (todos os detalhes desse momento lhe estão presentes até hoje, passadas muitas décadas), e dá o tema da redação: Ser ou Ter. Aprovado para o curso de Filosofia, teve este professor em várias disciplinas e relata que suas aulas começaram a seduzir os graduandos: “discurso fácil e articulado, lógica argumentativa, profusão de exemplos e um imenso entusiasmo pela Filosofia”(...). “Postura de Mestre que também o caracterizou para sempre e está presente na memória de seus ex-alunos”. É interessante observar que as descrições de professores geralmente vêm acompanhadas de características docentes ligadas não apenas ao domínio intelectual, mas também, ao domínio afetivo: professores que “amavam” o que estavam fazendo, professores “apaixonados” pelo ofício de ensinar. Muitos depoimentos revelam atuação de professores ministrando ensino de qualidade, embora predomine o que se chama usualmente de ensino tradicional. Isto é, a ideia de que ensinar é apenas dar aulas, transmitindo a matéria sem preocupações ligadas à maneira de aquisição dos conhecimentos por parte do aluno ou à construção epistemológica de cada campo do saber. Assim é que há ênfase na memória, valorizando-se a reprodução do que o professor diz. Muitos professores podem apresentar bastante bem o conteúdo mas desconhecem procedimentos que levem o aluno a ter autonomia intelectual e construir sua própria aprendizagem. 31 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 8. Perspectivas Os estudos nas áreas das ciências humanas vêm mostrando que não se pode pretender para elas a mesma objetividade das ciências naturais. Há pesquisas baseadas no estudo de professores universitários que mostram inovações significativas na sala de aula universitária. Entendemos ser necessária uma nova visão em que o conhecimento preside a prática pedagógica para se fundar uma consistente e sólida pedagogia universitária. Segundo Rudduck, muitas experiências fracassam por quererem impor mudanças sem se preocupar com o próprio significado da mudança. Dedica-se muito tempo à preparação dos professores e esquece-se da dos alunos, que podem se transformar numa força conservadora se não participarem do planejamento e se não souberem o que a mudança significará para eles, utilizando seu poder para forçar os professores a voltar às velhas estruturas da aula, nas quais se sentem mais confortáveis. (1994, p. 391-3). A aula deve ser entendida como espaço para dúvida, nela praticando-se a leitura e interpretação de textos, trabalhos em grupo, poesias, músicas, observações, vídeos. Em estudo visando a busca de novos mecanismos na universidade, chega-se a várias conclusões, dentre as quais as relativas a métodos de trabalho: ter o aluno como referência, valorizar o cotidiano, preocupar-se com a linguagem (acerto de conceitos), privilegiar a análise sobre a síntese, ver a aprendizagem como ação, selecionar conteúdos emergindo dos objetivos, inserir a dúvida como princípio pedagógico, valorizar outros materiais de ensino etc. São nítidos os ganhos de um ensino nessa direção: recuperação do prazer de ensinar e aprender, possibilidade de interdisciplinaridade, novas aprendizagens. As boas escolas não se sentem ameaçadas pela internet porque sabem que são imprescindíveis no papel de formadoras de redes de contato. As ideias aqui apresentadas sempre serviram para trabalhar numa perspectiva generosa em relação ao ser humano e à sociedade. E numa perspectiva de paciência: não esperar que as mudanças de caráter geral ocorram imediatamente. A propósito há uma fala de Antonio Gramsci que me marcou e esclareceu muito. Diz ele: A humanidade só se coloca sempre tarefas que pode resolver; a própria tarefa só surge quando as condições materiais da sua resolução já existem ou, pelo menos, já estão em vias de existir; uma formação social não desaparece antes que se tenham desenvolvido todas as forças produtivas que ela ainda comporta; e novas e superiores relações de produção não tomam o seu lugar antes que as condições materiais de existência destas novas relações já tenham sido geradas no próprio seio da velha sociedade. (GRAMSCI apud VANZULLI, 2016, p. 4) Convém por fim apontar que penso que a educação só pode ser entendida no contexto das relações sociais de que nasce. E a sociedade não é um tecido 32 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 homogêneo. É uma arena de conflitos, onde está a educação. A velha lógica dizia que tudo o que se predica de um ser deve estar contido nele. A lógica dialética acrescenta que tudo quanto se predica de objetos sociais em disputa deve conter o que nele se encontra como afirmação e negação. E a educação é uma das mais importantes mediações das relações sociais conflitivas. Por essa razão há que se aplaudir uma iniciativa que vem tomando corpo na área: a constituição de redes de pesquisadores ligando programas de formação para o ensino. 9. Redes e Rades Vêm sendo criadas redes interligando/articulando os programas de formação existentes visando trocas e inter-relações entre as instituições, fortalecendo grupos formadores. No campo da pedagogia universitária existe, por exemplo, desde 2001 a Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educação Superior (RIES), congregando instituições do Rio Grande do Sul (PUCRS, UFRGS, UFSM e UNISINOS) envolvendo também diversas IES, inclusive de outros países da América do Sul. A rede conta com inúmeros pesquisadores que defendem as ideias aqui expostas, por exemplo, Maria Isabel da Cunha (2008), Maria Estela Dal Pai Franco (2016) e muitos outros. Enriqueci-me participando de inúmeros eventos com pesquisadores desta rede. O site da RIES afirma que a Educação Superior, enquanto campo científico de produção e disseminação do conhecimento, não tem recebido atenção. A RIES - Rede Sul Brasileira de Investigadores em Educação Superior busca a cooperação e o compromisso social dos pesquisadores universitários na construção da Educação Superior e da Pedagogia Universitária como área de conhecimento e de prática profissional. Nos vários sites relativos à rede há extensa e atual bibliografia sobre estudos e pesquisas na área. Considero serem os principais desafios que se sobressaem quando voltamos nosso olhar para as complexas questões que envolvem a constituição de programas de apoio pedagógico nas universidades: a luta constante na resistência às políticas reguladoras que caminham na contramão de uma educação que vise uma qualidade social; a concretização de políticas institucionais que garantam a consolidação e continuidade de tais programas, independentemente dos atores que os defendem e os estruturam hoje; e a valorização de uma formação pedagógica universitária baseada em princípios éticos e políticos de emancipação humana. Uma estratégia a ser buscada, com vistas ao enfrentamento dos desafios postos, a meu ver, é a construção de redes de articulação entre os programas existentes visando, além de trocas de experiências, uma aprendizagem colaborativa e uma formação compartilhada, além do fortalecimento dos grupos e constituição de políticas institucionais cada vez mais favoráveis à formação docente numa perspectiva progressista em nosso país. Redes desse tipo ajudaram a fortalecer a iniciativa das instituições estaduais paulistas, tendo sido criada em 2016 no Estado de São Paulo a Rede de Apoio à Docência no Ensino Superior – a RADES, da qual faço parte. O projeto RA33 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 DES tem um Conselho Gestor congregando representantes do Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem da UNICAMP, do Centro de Estudos e Práticas Pedagógicas, da UNESP e representantes de pesquisadores do campo da Pedagogia Universitária. A rede visa construir um espaço coletivo de ações de formação pedagógica e articulação da produção do conhecimento sobre o tema. Inclui o objetivo de integração com outras redes de apoio pedagógico nacionais e internacionais, com ações voltadas aos professores universitários em instituições de ensino superior, além de construir um acervo de produções acadêmicas sobre o tema. O apoio das pró-reitorias é fundamental, pois não se trata de ações de um órgão, mas de uma política para o ensino de graduação, envolvendo instituições de peso no sentido de alavancar este debate. 10. Concluindo... Especialmente na atual conjuntura vivemos um momento bastante grave. Os desafios educacionais da democracia são grandes, já que é preciso resistir às iniciativas que colocam em risco o que se conseguiu até os dias de hoje com tanta luta e também é preciso assegurar uma formação de qualidade para o exercício da cidadania. Não se vê sinal de projeto político que indique saída socialmente palatável ou pactuada na situação atual e que dê sinal de esperança para uma divisão mais justa dos custos do ajuste. Cumpre lutar para assegurar às novas gerações uma formação sólida que possibilite o exercício da cidadania numa democracia real. Meu trabalho pedagógico concentra-se na formação para a docência universitária, e é direcionado ao entendimento cada vez mais rigoroso das intenções que permeiam todo o quefazer educativo, devendo levar a uma atuação inteligente no sentido do atingimento dos objetivos da educação. Para isso, há uma exigência técnica, que nunca é neutra e que deve ser enfrentada corajosamente, para que não se fique no espaço da sala de aula com palavras de ordem que apenas desmobilizam, não levando à realização de “ações vitais”, como aconselhava Gramsci. Trabalhei e continuo trabalhando em educação sem ingenuidade, certamente dentro de um contexto sociopolítico desfavorável, consciente de que vivemos no Brasil uma sociedade conservadora do ponto de vista estrutural e conhecedora do que vem sendo feito com a anulação de vitórias duramente obtidas. Sinto que minha trajetória de décadas na área, cuja espinha dorsal sempre foi a busca de docência de qualidade, desemboca numa organização que soma bastante para sua continuidade. E fica fortalecido o convite que sempre faço em minhas aulas para públicos dos mais variados rincões: pessoas que querem dedicar-se à docência devem procurar ser professores marcantes na vida de seus alunos, catalisando o desejo ardente de conhecer, fazendo com o medo vá embora e a verdade se torne preciosa. Encerro lembrando a afirmação de Charles Péguy: “A vida é o caminho sem retorno das nossas opções”. Somos o que fazemos, somos as nossas opções que não têm retorno. Não podemos apagar passo algum da nossa caminhada. Eles nos marcam, nos 34 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 definem. Viver é responder aos desafios que o tempo nos faz, responder às perguntas que os outros nos fazem ou que nós mesmos nos fazemos. Dessa forma nós vamos nos construindo e edificando a nossa própria história. Com aventuras e desventuras. Referências AUSUBEL, David P. et al. Psicologia educacional. Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1980. BRUNER, Gerome. A cultura da educação. Porto Alegre: Artmed, 2000. COMÊNIO – John Amos Comenius. Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes, 1985. NÓVOA, Antonio. Formação de Professores e a profissão docente. In: __________. Os professores e sua formação. Lisboa, Publicações dom Quixote/Instituto de Inovação Educacional, 1997. p. 15-34. SAVIANI, Dermeval. Entrevista com Dermeval Saviani – PNE. 2014. Disponível em: http://www.anped.org.br/news/entrevista-com-dermeval-saviani-pne. Acesso em: out. 2017. VANZULLI, Marco. Gramsci e a Reforma Gentile - Os aparatos ideológicos do estado: a escola. Disponível em: http://www.verinotio.org/conteudo/0.9549040039581284.pdf Acesso em: out. 2017. - Maria Eugênia de Lima e Montes Castanho Currículo: http://lattes.cnpq.br/3883562938853685 35 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 19-36, 2018 Profissão-Professor: identidade, contradições e o trabalho docente CORNÉLIO, Wellington Félix Resumo: O presente artigo objetiva promover uma abordagem reflexiva quanto à identidade do professor, às contradições existentes neste processo e à relação direta destas temáticas na discussão do trabalho docente. Utilizamos o estudo teórico-bibliográfico, expondo principais conceitos e indagações, especialmente quanto ao debate da desvalorização e desprofissionalização da profissão-professor. O texto inaugura a leitura nos convidando pensarmos e repensarmos sobre o magistério, a atratividade da carreira e atuais desafios da profissão. Com o imperativo da globalização e o eixo “educação para a equidade social”, debutados na década de 1990, tornaram-se evidentes as transformações substantivas na educação pública, repercutindo diretamente na composição e estrutura da Escola Contemporânea. Em tempos atuais, há um “colapso existencial” que acontece porque a identidade profissional docente está intimamente relacionada à carga pessoal e social que a profissão simboliza, levando a uma infindável busca (em aspectos individuais, pessoais e coletivos) por um platônico encontro entre o “ser&viver docentes”. Palavras-chave: Professor; Identidade; Trabalho docente. Abstract: This article aims to promote a reflexive approach to teacher identity, to the contradictions existing in this process and to the direct relation of these themes in the discussion of teaching work. We use the theoretical-bibliographic study, exposing main concepts and questions, especially regarding the debate of devaluation and deprofessionalization of the profession-teacher. The text opens the reading inviting us to think and rethink about the teaching, the attractiveness of the career and current challenges of the profession. With the imperative of globalization and the axis “education for social equity”, debuted in the 1990s, substantive transformations in public education became evident, directly affecting the composition and structure of the Contemporary School. In current times, there is an “existential collapse” that happens because the professional identity of the teacher is closely related to the personal and social burden that the profession symbolizes, leading to an endless search (in individual, personal and collective aspects) for a platonic encounter between the “To be & live teachers”. Keywords: Teacher; Identity; Teaching work. 37 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 37-45, 2018 1 - Introdução Apresentarmos uma abordagem reflexiva quanto à tão debatida identidade do professor, quiçá, não seja uma tarefa serena, em meio a numerosas contradições existentes neste processo. Utilizamos o estudo teórico-bibliográfico, destacando conceitos principais e questionamentos, mobilizando diretamente, de forma inevitável e complementar, a temática do trabalho docente, a desvalorização e desprofissionalização da profissão-professor. Cabe inicialmente pensarmos e repensarmos os desafios da profissão docente, apresentando algumas das proposições providenciais ao atual mundo contemporâneo, tais como: Em que consiste a profissão de professor? O que significa ser professor? Por que nenhum jovem quer virar professor no Brasil? Como melhorar a qualidade da educação se absolutamente ninguém quer ensinar? 1 É oportuno expor definição de Pimenta (1998 apud LIBÂNEO, 2004, p. 76), que considera a identidade profissional do professor moldada e determinada conforme necessidades educacionais, pautadas a partir do momento histórico e do contexto social, indo esta identidade, além “do conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores [...]”, que influenciam o seu trabalho. Vejamos novamente Libâneo e Pimenta, apontando a seguir, as duas dimensões da identidade profissional de professor: O desenvolvimento profissional envolve formação inicial e contínua articuladas a um processo de valorização identitária e profissional dos professores. Identidade que é epistemológica, ou seja, que reconhece a docência como um campo de conhecimentos específicos configurados em quatro grandes conjuntos, a saber: 1) conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino, ou seja, das ciências humanas e naturais, da cultura e das artes; 2) conteúdos didático-pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da prática profissional; 3) conteúdos relacionados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da prática educacional; 4) conteúdos ligados à explicitação do sentido da existência humana (individual, sensibilidade pessoal e social). E identidade que é profissional. Ou seja, a docência constitui um campo específico de intervenção profissional na prática social - não é qualquer um que pode ser professor. (LIBÂNEO; PIMENTA, 1999, p. 41) Neste sentido, o processo de constituição identitária [pessoal ou profissional] se desenvolve, necessariamente, pela imagem projetada ou moldada, a partir da relação do autoreconhecimento [a noção do eu] e da relação com outro/outros. Contraditoriamente, forma-se uma disputa dialética entre consciência individual e consciência social [indivíduo e sociedade] em constante transformação, constru1 38 As duas últimas indagações fazem relação à matéria publicada em 07/12/2016 no Jornal Folha de São Paulo, intitulada “Nenhum jovem quer virar professor no Brasil, mostra exame da OCDE”. Disponível: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ericafraga / 2016/12/1839126-nenhum-jovemquer-se-tornar-professor-no-brasil.shtml> Acesso: 08.12.2016 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 37-45, 2018 ção e desconstrução. “A identidade é o momento em que o sujeito é ele e a forma como é representado socialmente o seu próprio ‘eu’”. (FURTADO, 2002, p. 98) Ciampa (1998) acredita que “o processo permanente de formação e transformação do sujeito humano se dá dentro de condições materiais e históricas dadas”; enquanto Furtado (2002) refere-se também à “identidade como metamorfose”, explicando que a história é dinâmica, em constante transformação, o que repercute também na história de vida dos sujeitos, em contínuo processo de mudança e interação. Penna (1992) apud Galindo (2004), postula que esta [identidade] é constituída no jogo do reconhecimento, formado por dois pólos (sic): o do autoreconhecimento [como o sujeito se reconhece] e do alter-reconhecimento [como é reconhecido pelos outros]. Bolívar (2006) conclui a respeito: La identidad profesional es resultado de un proceso dinámico, que integra diferentes experiencias del individuo a lo largo de su vida, marcado por rupturas, inacabado y siempre retomado a partir de los remanentes que permanecen. Se construye por medio de um conjunto de dinámicas y estrategias identitarias que, para sí o para otros, se van constituyendo en torno al ejercicio de la profesión. (BOLIVAR, 2006, p. 57) Libâneo (2004, p. 74) ainda nos alerta, que o processo de desvalorização socioeconômica do professor vem interferindo diretamente na imagem da profissão. “Os governos têm sido incapazes de garantir a valorização salarial dos professores, levando a uma degradação social e econômica da profissão e a um rebaixamento evidente”. Ao analisar a identidade profissional dos professores, ele ressalta a precarização do trabalho, que acelera a desvalorização social do trabalho docente, prejudica elementos constitutivos da identidade, particularmente dos futuros professores com a profissão. Tal “colapso existencial”, acontece porque a identidade com a profissão, diz respeito à carga pessoal e social que a profissão significa para a pessoa. “Se o professor perde o significado do trabalho tanto para si próprio como para a sociedade, ele perde a identidade com a sua profissão” (LIBÂNEO, loc. cit.). [grifo nosso] Nesta perspectiva, o professor, no processo de constituição identitária do seu retrato/imagem, na relação objetividade versus subjetividade, desenvolve uma consciência individual [ego/autoreconhecimento] e social [superego/alter-reconhecimento] e demonstra também, como sujeito, possuir uma ligação umbilical direta e estreita com o exercício [ou a práxis] do seu trabalho. É de Karl Marx a asserção de que todo novo estado da divisão do trabalho determina as relações dos indivíduos entre si (BRUNIERA, 2014). Contudo, somente se passou a efetivar tal divisão, quando se estabeleceu no capitalismo [no trabalho industrial], a separação entre o trabalho manual e trabalho intelectual. E é esta divisão, que engendra a propriedade privada. Segundo Marx (1986, p. 46) “são expressões idênticas: a primeira enuncia em relação à atividade, aquilo que Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 37-45, 2018 39 se enuncia na segunda em relação ao produto da atividade”. O trabalho torna-se alienado, “[...] o homem que se perdeu a si mesmo”. Aliás, a polêmica sobre a centralidade e o papel do trabalho está longe de ser concluída, mesmo em tempos pós-modernos. Apesar das significativas mudanças, especialmente nas relações humanas e no “mundo do trabalho”, a categoria trabalho continua sendo central. O que se modificam são as formas de organização técnica e social do trabalho e da produção. Oliveira (2004) observa que há ainda uma grande lacuna em relação aos estudos “no que se refere tanto às condições atuais de trabalho na escola quanto às formas de resistência e conflito que são manifestas nessa organização”. Com o imperativo da globalização e o eixo “educação para a equidade social”, debutados na década de 1990, tornaram-se evidentes as transformações substantivas na organização e na gestão da educação pública, repercutindo diretamente na composição e estrutura da Escola Contemporânea; considerando como meta principal: a formação dos indivíduos para a empregabilidade [já que a educação geral é requisito indispensável para o emprego formal] e concomitantemente, a contenção da pobreza através de políticas compensatórias. Neste cenário (Ibid, 2004), a expansão da educação básica possibilitou um maior envolvimento da comunidade e produziu naturalmente uma sobrecarga dos professores, exigindo uma reestruturação do trabalho docente e uma maior responsabilização de tal profissional [principalmente tomando para si a responsabilidade quanto ao êxito ou insucesso de projetos e/ou programas, pelo desempenho dos alunos, da escola e do sistema...] Trazem medidas que alteram a configuração das redes nos seus aspectos físicos e organizacionais e que têm se assentado nos conceitos de produtividade, eficácia, excelência e eficiência, importando, mais uma vez, das teorias administrativas as orientações para o campo pedagógico (OLIVEIRA, 2004, p. 1130) 40 Oportunamente, muito se tem discutido sobre a centralidade dos professores. Com as suas inúmeras funções, a Escola Pública Contemporânea tem exigido do professor, um ofício a ser cumprido além da sua formação profissional. Muitas vezes, o professor se sente convocado a desempenhar as funções de assistente social, enfermeiro, psicológico, conselheiro e orientador sentimental, entre outras. Essa situação é reforçada mais ainda, por detrimento de um discurso fantasioso, baseado no comunitarismo, no voluntariado, na aparente “promoção” de uma educação para todos, acentuado pela falsa e enganosa ideia da gestão “ampla” e “participativa” [que na prática, esvazia a importância do gestor – em que todos e ninguém – ao mesmo tempo administram], resultando um vácuo e um paradoxo quanto às efetivas responsabilidades; identificando nesse contexto um processo de desqualificação e desvalorização sofrido pelos professores. Na lógica da concepção vigorante, estas exigências colaboram para um sentido de desprofissionalização, de perda de identidade profissional da constataEvidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 37-45, 2018 ção de que ensinar, às vezes, não é o mais importante. (NORONHA, 2001 apud OLIVEIRA, 2004). Nóvoa (2005) chamou de “transbordamento”, considerando que a Escola, num discurso de cidadania, desenvolveu uma “acumulação de missões e de conteúdos”, assumindo “uma infinidade de tarefas”. A escola no centro da colectividade remete para uma instituição fortemente empenhada em causas sociais, assumindo um papel de “reparadora” da sociedade; remete para uma escola de acolhimento dos alunos e, até, de apoio comunitário às famílias e aos grupos mais desfavorecidos; remete para uma escola transbordante, uma escola utópica que procura compensar as “deficiências” da sociedade”, chamando a si todas as missões possíveis e imagináveis. (NÓVOA, 2009, p. 60) As mudanças recentes na organização escolar, indicam uma flexibilidade nas matrizes curriculares e processos avaliativos, resultando novos padrões no ambiente escolar e um novo perfil de trabalhadores docentes. Destarte, essas mudanças, aparentemente promissoras, demonstram mais uma pregação sobre a prática do que a própria realidade (Ibidem, 2004). Em síntese, há um abismo entre o que é difundido nos programas de reforma educacional e o que é de fato implementado nas escolas, apresentando-se uma grande defasagem. Verdadeiramente, para se compreender as mudanças reais que ocorrem no cotidiano docente, necessário se faz, chegar até o interior, o “chão” e a “essência” da escola. Na realidade aquela escola tradicional, transmissiva, autoritária, verticalizada, extremamente burocrática mudou. O que não quer dizer que estejamos diante de uma escola democrática, pautada no trabalho coletivo, na participação dos sujeitos envolvidos, ministrando uma educação de qualidade. Valores como autonomia, participação, democratização foram assimilados e reinterpretados por diferentes administrações públicas, substantivados em procedimentos normativos que modificaram substancialmente o trabalho escolar. O fato é que o trabalho pedagógico foi reestruturado, dando lugar a uma nova organização escolar, e tais transformações, sem as adequações necessárias, parecem implicar processos de precarização do trabalho docente. (OLIVEIRA, 2004, p. 1140) E vejamos o entendimento dos autores, a seguir: Tais fronteiras (as da Educação) transformam o professor num Sísifo, que nelas vê limitações, como correntes que o amarram e lhe impõem tarefas impossíveis. Mas, se tais fronteiras são consideradas legítimas, elas podem levar a conhecimentos que permitam a formulação da teoria educacional, baseada não no “idealismo narcisista”, mas na ciência. (ALEXANDER et al, 1981, p. 467) Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 37-45, 2018 41 Neste aspecto, talvez grande parte dos elementos discorridos, sejam fatores condicionantes para ajudar a explicar e a compreender resultado de pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2015, no Pisa [exame aplicado a cada triênio que busca medir a qualidade da educação nos países], que divulga de forma chocante, o “índice zero” quanto à procura pelo Magistério entre os jovens de 15 anos. Tal notícia foi veiculada pela Folha de São Paulo, intitulada “Nenhum jovem quer virar professor no Brasil, mostra exame da OCDE”, recentemente em dezembro de 2016. Observemos as tabelas adiante: Tabela 01: Resultados da Média – Brasil. Fonte: Dados fornecidos pelo Jornal Folha de São Paulo, 07/12/2016. Tabela 02: Resultados da Média - Países Ricos da OCDE. Fonte: Dados fornecidos pelo Jornal Folha de São Paulo, 07/12/2016. Segundo o texto noticiado (FRAGA, 2016), indicadores como esses oferecem “a dimensão do nosso enorme desafio educacional”, pois questiona como melhorar a qualidade da educação, se não teremos professores para ensinar. E ainda complementa a colunista: “[...] países que conseguiram saltos educacionais expressivos como a Finlândia começaram adotando medidas para melhorar a formação de seus docentes e aumentar a atratividade da carreira”. 42 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 37-45, 2018 Atratividade da carreira? Certamente assiste razão à matéria jornalística, pois se trata, porventura, do nosso maior desafio da Educação. Todavia, não poderíamos restringir tal questão a discussões apenas de ordem salarial, visto que perpassa pela profissionalização, capacitação e fortalecimento da identidade da profissão-professor. Mas façamos a seguinte reflexão: Como pensar em atratividade de uma carreira que se encontra em grave crise de identidade e em progressivos ataques político-ideológicos? Giraldes (2011) em sua Dissertação de mestrado defendida pela Universidade de São Paulo, problematiza o debate, considerando que a crise do magistério vai além das questões pertinentes aos baixos salários, pois envolve ainda uma carga identitária do professor, que ultimamente enfrenta dificuldades em encontrar o seu devido lugar dentro da sala de aula e na própria sociedade que ele está inserido. Ele defende que o complexo mítico mestre/herói/aprendiz possibilita “presentificar-se” no trajeto de imagens desse professor, podendo se constituir um grande passo para reconstrução dessa “identidade quase perdida”. Em uma análise antropológica, podemos afirmar que perdura no Brasil uma tradição católica romana (não a tradição protestante), que transformou o trabalho como castigo numa ação destinada à salvação. Achamos o trabalho um horror, o famoso “batente”, nome indicativo de um obstáculo. O fato é que não temos a glorificação do trabalhador, não há realização plena no trabalho e sim, “sofrimento”. E no caso específico do professor, condições adicionais, simbólicas, intensificam esse processo, pois ele “sacerdotizou” e “sacralizou” seu trabalho, encobrindo-o de uma aura missionária e salvadora. O professor apresenta, como uma boa parte dos trabalhadores do nosso país, uma boa dose de sofrimento “no trabalho”. O sistema capitalista de produção torna quase abismal a separação entre trabalho e gozo, enrijecendo a segmentação entre os patamares da divisão social do primeiro. Não me parece que a “nova ordem mundial” venha contribuindo efetivamente para alicerçar a produção de condições mais plenas de cidadania, a partir do exercício do trabalho. (OLIVEIRA, 2001, p. 09) Existe uma resistência de se considerarem trabalhadores e temem a explícita proletarização real que a categoria profissional sofreu e talvez, temem a proximidade com outras categorias de trabalhadores, a quem “transmitem o saber” e “salvam das trevas da ignorância”. Acompanhando esta compreensão, à medida que a categoria docente se aviltava em termos de salário e se encontrava perante dificuldades organizativas (o enfraquecimento de uma categoria, falta de pertencimento ao algo coletivo), “um processo de representação social de heroicização encobria à consciência do que acontecia na realidade” (OLIVEIRA, loc. cit.) Em resumo, esta “rede representacional” incentivou a visão e atitudes de se considerar o magistério um dom ou uma missão. Nesta perspectiva, a autora acima, leva-nos a especular se seria esta saga, missionária e salvadora dos probleEvidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 37-45, 2018 43 mas educacionais, uma enunciação promovida inconscientemente pela voz dos próprios professores (para expressar uma representação mais ampla que transcende a categoria profissional), somente por uma questão de status e reafirmação de poder, com a finalidade de estar sempre presente em outros setores da população. Enfim, como já exposto, embora o processo de constituição identitária seja dinâmico e em constante transformação, construção e desconstrução; subjetivamente, temos a impressão de que o professor, nesta incansável busca por sua identidade (em aspectos individuais, pessoais e coletivos) está sempre à procura de algo não findável; porém, não conseguindo ainda encontrar-se enquanto “profissão-professor”. Talvez, tornar este encontro possível e esta busca satisfatória sejam os maiores desafios dos próximos tempos. 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O professor da escola pública, nesse contexto, possui um papel fundamental, haja vista que o mesmo pode servir como agente à serviço da emancipação ou submissão do aprendiz. Para tanto, ele precisa necessariamente perceber-se como tal, ou seja, estar consciente das forças que atuam em seu campo de trabalho. Refletir sobre essa questão é o objetivo do presente artigo. Palavras chave: Educação; Professor; Sociedade. Abstract: Education in contemporary society can be understood as an instrument regulating it. Political, social, and ideological dimensions permeate this relationship. Education, as an institutional organization of the State, must be at the service of the emancipation of the citizen, allowing the same to create conditions to perceive themselves in the world and modify the environment around them, at least that is what is expected. But does this really happen? The teacher of the public school, in this context, has a fundamental role, since it can serve as an agent in the service of the emancipation or submission of the learner. To do so, he must necessarily perceive himself as such, that is, be aware of the forces that work in his field of work. Reflecting on this issue is the purpose of this article. Keywords: Education; Society; Teacher. 1. Introdução A educação se dá de forma dialética, repleta de contradições e este caráter é que permite mudanças, já que não segue um plano contínuo e passivo numa realidade complexa. É nesse contexto que o educador está inserido e estabelece relações entre indivíduos, geralmente da classe oprimida, situando a escola púbica no 1 Prof. Licenciada em Pedagogia Plena pelo CESUBE. Mestranda no Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 47-55, 2018 47 Brasil. É primordial que o educador se perceba como atuante em um campo onde lida com forças expressivas de legitimação do poder. No entanto, esse mesmo perfil pede desse profissional uma visão crítica e consciente da carreira docente. Para que o mesmo não se torne apenas um instrumento a serviço da classe dominante (BOURDIEU; PASSERON, 1982; FOUCAULT, 1979; GADOTTI, 1998). E é nesse cenário que iremos articular alguns conceitos a respeito do perfil do educador na sociedade atual, sobretudo o que trabalha na escola pública. 2. A situação do educador na atualidade O professor da rede púbica, apesar da sua clara importância na sociedade se defronta com grandes dificuldades no seu cotidiano. A primeira se encontra no seu reconhecimento profissional, a credibilidade dada ao professor modificou-se consideravelmente. No que se refere à questão econômica, estando em uma sociedade capitalista onde o “status social é estabelecido em termos exclusivamente econômicos, a função do docente passa a ser desconsiderada ou relativizada” (RICCI, 1999 apud UNESCO, 2004, p. 29). O baixo salário reflete negativamente na sua vida pessoal, na busca de formação profissional, na sua disponibilidade de tempo, já que por isso, precisa trabalhar em dois ou três turnos. Essa falta de respaldo econômico imposto à classe trabalhadora funciona como um meio repressor e neutralizante para a sua atuação. “O desprezo por sua função se traduz primeiro, na remuneração mais ou menos irrisória que lhe é atribuída” (BOURDIEU, 1998 apud UNESCO, 2004, p. 31). Os professores, fazendo parte de uma sociedade que se transforma com velocidade extrema, que impõe constantes mudanças e adaptações, sentem-se impotentes por não conseguir atender às exigências que lhes são feitas no campo profissional, pela sobrecarga de trabalho, pela falta de apoio do pais dos alunos, pelo sentimento de inutilidade em relação ao trabalho que realizam, pela concorrência com outros meios de transmissão de informação e cultura e, certamente, pelos baixos salários (UNESCO, 2004, p. 32). Não se pretende, porém, fazer um levantamento negativo do perfil do professor, mas sim identificar o contexto em que o professor atua e que por isso, quão necessária é a sua luta. Não reconhecer, porém o esforço desenvolvido pelos educadores, notadamente, pelos professores de Primeiro e Segundo Graus, para sobreviverem em condições precárias e com salários desvalorizados, parece-me profundamente melancólico [...] Como é possível que não se reconheça no sacrifício que é hoje o ato de ensinar num país onde a educação tem sido boicotada sistematicamente? [...] Os educadores têm hoje que lutar não apenas pelo direito de ensinar, de educar - direito que deveria ser garantido pelo Estado - mas também 48 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 47-55, 2018 para exercer com dignidade uma profissão que esse mesmo Estado desprestigiou (GADOTTI, 1996, p. 60-61). Ficam evidentes as dificuldades e a complexidade de sua ação, mas se cabe à essa classe, principalmente, a tarefa de conscientização, que essa mesma classe seja primeira conscientizada, pelos colegas de profissão, pelo estudo contínuo, investindo na formação continuada, para que assim saibam lidar de uma forma eficaz com as contradições do seu campo de atuação. Investir na formação parece ser a melhor forma de (re) agir diante desse quadro. 2.1. A formação do professor No meio educacional, nunca se falou tanto em formação do professor, em formação continuada. Tenta-se buscar uma (re) significação do papel do professor diante da realidade. É necessário que esse professor mantenha-se atualizado sobre as novas metodologias de ensino e desenvolvimento de práticas pedagógicas eficientes (MORIN, 2003; PERRENOUD, 2000; PERRENOUD, 2002). Nessa análise fica evidente o papel do curso superior durante a graduação docente, na preparação de profissional realmente apto para atuar nas escolas, profissional esse que consciente de sua atuação necessitaria de uma visão crítica da realidade que irá atuar. O professor da rede pública precisa perceber-se como passível agente de mudanças através de sua práxis. Os cursos de graduação em formação docente, no entanto, apresentam muitas vezes um caráter conteudista e totalmente alienado à realidade das escolas e das salas de aula. Isso tem feito do ensino superior uma formação sem força em suas bases para a ação de seus alunos-docentes. Diante desse fato, parece ser impossível atuar no campo educacional, mas para a conscientização do aluno-docente, é necessário que ele entenda que “o antagonismo das classes sociais se apresenta também dentro da universidade, acompanha a evolução do antagonismo das classes na sociedade” (GADOTTI, 1998, p. 115). A educação superior, embora de forma velada, também atende à classe dominante. A formação do educador se mostra necessária e urgente exatamente por isso. É preciso que o educador da escola pública busque a formação do cidadão completo, o educando que consciente de seu papel na sociedade se perceba como manipulado e oprimido para que a partir daí, exija mudanças através de ações de enfrentamento diante das injustiças sociais. Entretanto, na formação do professor é importante estar claro que: Uma docência limitada à transmissão de conhecimentos vira um supermercado de ideias. A pesquisa é essencial à própria docência. Entendo aqui por pesquisa o seu sentido original de busca, de procura, de inquietação, de dúvida. [...] Aqui também acuso a única tradição que é a tradição humanista da nossa universidade mais preocupada em transformar consciências através de sermões, do verbo, do que pelo trabalho, pela pesquisa. Proponho uma metodologia diferente 49 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 47-55, 2018 para a formação da consciência crítica: o trabalho, a produção. O crescimento da consciência não se dá na contemplação, na pura reflexão, mas no trabalho. É pela transformação do mundo que eu tomo consciência do mundo. O professor preocupado em ‘dar essa consciência’ engana-se. A atividade paternalista do professor que quer ensinar a verdade, como se ele fosse o único possuidor só pode tornar o aluno impotente para o ato pedagógico, para a aquisição dessa consciência crítica (GADOTTI, 1998, p. 91). Daí a necessidade de o educador ter em sua ação, a prática reflexiva, para que esse não siga apenas modelos pré-estipulados para a sua práxis, ou então, siga qualquer tendência modista, sem sequer saber realmente o propósito para tal e se esta prática atende às necessidades do campo onde atua. Pensando numa postura reflexiva do educador como forma de atenuar as dificuldades de sua prática e agir de maneira a superá-las Perrenoud (2002) cita dez motivos ligados, de forma desigual às evoluções e às ambições recentes dos sistemas educativos. Em todos os casos eles traduzem uma visão definida do ofício do professor e da escola. O leitor que ao estar de acordo com ela não aceitará os motivos apresentados para formar professores que reflitam sobre sua prática. Talvez não aceite nenhum deles. Entre esses motivos, não há cronologia nem hierarquia. Podemos esperar uma prática reflexiva: • • • • • • • • • • 50 compense a superficialidade da formação profissional; favoreça a acumulação de saberes de experiência; propicie uma evolução rumo a profissionalização; prepare para assumir uma responsabilidade política e ética; permita enfrentar a crescente complexidade das tarefas; ajude a vivenciar um ofício impossível; ofereça os meios necessários para trabalhar sobre si mesmo; estimule a enfrentar a irredutível alteridade do aprendiz; aumente a cooperação entre os colegas; aumente a capacidade de inovação. (PERRENOUD, 2002, p.48) A prática de ensino que leva à transformação, tanto do educando, quanto do espaço onde atua não se dá de forma passiva e simples, por isso a importância desse mesmo educador perceber de forma crítica a complexidade de sua ação, para que dessa forma não busque soluções “mágicas” ou então, não se conforme com a situação, acreditando que educar seja impossível. O educador reflexivo sente a necessidade de desenvolver competências no campo onde atua, para que possa mobilizar os recursos disponíveis com a realidade à sua volta, utilizando os seus conhecimentos para a solução dessas dificuldades. Por isso, a razão de se mudar as metodologias de ensino, a maneira de abordar determinado assunto ou tema com o educando. O educador deve sair da didática obsoleta onde utiliza exercícios que não fazem parte da realidade do aluno, que não o instiga a buscar novos conhecimentos. Para formar indivíduos capazes de atuarem em busca de mudanças em suas próprias vidas e também na Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 47-55, 2018 sociedade, é preciso que se busquem estratégias de ensino que desperte esse educando, instigando a perceber a realidade para que possa nela interferir. Perrenoud (2000), chama essa forma diferenciada de ensinar de situação-problema, que busca através de objeto-obstáculo, levar o aluno a encontrar a solução do problema. São situações instigadoras, estimulantes que levam em conta a idade, o nível dos alunos, o tempo disponível, as competências a serem desenvolvidas. Espera-se dessas situações problemas características como: • uma situação-problema é organizada em torno da resolução de um obstáculo pela classe, obstáculo previamente bem-identificado; • o estudo organiza-se em torno de uma situação de caráter concreto, que permita efetivamente ao aluno formular hipóteses e conjecturas; • os alunos vêm a situação que lhes é proposta como um verdadeiro enigma ‘a ser resolvido,’ no qual estão em condições de investir; • a atividade deve operar em uma zona próxima , propícia ao desafio intelectual a ser resolvido; • o trabalho da situação-problema funciona assim, como um debate científico dentro da classe, estimulando os conflitos sócio-cognitivos potenciais; • a validação da solução e sua sanção não são dadas de modo externo pelo professor, mas resultam do modo de estruturação da própria situação. (ASTOLFI, 1999 apud PERRENOUD, 2002, p. 42-43). A realidade da sala de aula pede, com urgência, mudanças. Os alunos hoje apresentam uma inquietação que não se via nos alunos de vinte anos atrás e os professores não estão sabendo mais conduzir essa situação, talvez porque ainda utilizem as mesmas estratégias que usavam antes. Efetuaram-se progressos gigantescos nos conhecimentos no âmbito das especializações disciplinares, durante o século XX. Porém, estes progressos estão dispersos, desunidos, devido, justamente à especialização que muitas vezes fragmenta os contextos, as globalidades e as complexidades. Por isso, enormes obstáculos somam-se no próprio seio de nossos sistemas de ensino (MORIN, 2003, p. 40). Faz-se necessário uma reformulação do pensamento e da visão da realidade complexa do campo educacional para que não se reproduza os mesmos erros e assim, não se obtenha os mesmos resultados. 2.2. Perceber novos caminhos: educar para a liberdade Perceber a educação como um projeto de vida, de construção de conhecimentos, de formação do sujeito é a chave para querer a sua mudança atualmente. 51 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 47-55, 2018 Não se pode mais permitir que a escola pública continue formando somente mão-de-obra para o mercado capitalista, Na qual o trabalhador simplesmente aprenda o que irá utilizar no dia ou semana seguinte no seu cotidiano (em uma dimensão utilitária e redutora), mas aquela que selecione e apresente conteúdos que possibilitem aos alunos uma compreensão de sua própria realidade e seu fortalecimento como cidadãos, de modo a serem capazes de transformá-la na direção dos interesses da maioria social (CORTELLA, 2003, p. 16). O ambiente escolar não deve reproduzir a ignorância, o descaso, o conformismo porque tais comportamentos não estão ligados à percepção do educando - na sua globalidade, individualidade, complexidade - como passível de aprender, com potencialidades e, principalmente, como a grande população adulta de amanhã. Em outras palavras, nós educadores, precisamos ter o universo vivencial discente como princípio (ponto de partida), e de maneira a atingir a meta (ponto de chegada) do processo pedagógico, afinal de contas, a prática educacional tem como objetivo central, fazer avançar a capacidade de compreender e intervir na realidade para além do estágio presente, gerando autonomia e humanização (ibidem, p. 125). A escola deve criar ambientes que permitam a transformação de pensamentos, de posturas congeladas, sedimentadas em concepções reducionistas e unilaterais. Para tanto é importante que o educador conheça a íntima ligação entre conhecimento, Educação e Política, porque estes nortearão a sua prática: O conhecimento é uma construção cultural (portanto, social e histórica) e a Escola (como veículo que o transporta) tem um comprometimento político de caráter conservador e inovador que se expressa também no modo como esse mesmo conhecimento é compreendido, selecionado, transmitido e recriado (ibidem, p. 17). A escola pública não deve ignorar a realidade na qual está inserida, por isso a importância do educador saber que a sua prática deve estar alicerçada na teoria, que lhe dará suporte para uma ação afirmativa. “Qual o sentido social do que fazemos?” (ibidem, 2003 p. 120). Essa pergunta deve ecoar em cada ato educador para que se perceba como instrumento de transformação social e não de reprodução dessa sociedade que oprime e degrada o ser. A educação que não liberta, que não permite a formação do indivíduo autônomo, consciente da realidade circundante e com forças de nela resistir, atuar e modificar. O educador ressalta a importância da formação e dos saberes neces52 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 47-55, 2018 sários ao educador. “De nada adianta o discurso competente se a ação pedagógica é impermeável à mudança”. (FREIRE, 1997, p.11) Diante de uma realidade educacional complexa, não se pode buscar soluções simplistas para a formação do indivíduo, o educador deve antes de tudo, perceber o educando em seu todo, como humano. Por isso a importância dada por Paulo Freire à amorosidade, respeito, ética, humildade, tolerância, criticidade e diálogo. Não se pode investigar e analisar a Educação esquecendo-se do principal objetivo do seu estudo: o aprendiz. O educador comprometido com a educação libertadora não pode ignorar o educando nas suas especificidades humanas. O que quero dizer é que a educação nem é uma força imbatível a serviço da transformação da sociedade, porque assim eu queria, nem tampouco é a perpetuação do status quo [grifo do autor] porque o dominante o decrete. O educador e a educadora críticos não podem pensar que a partir do curso que coordenam ou do seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político-pedagógica (ibidem, 1997, p. 126-127). A escola como ambiente de relações sociais deve ter sempre a presença da esperança, vida, inconformidade, luta, estudo, respeito, diálogo, amorosidade. Ambiente com esses elementos, tendem a ser permeáveis á mudanças, á novas possibilidades, ao crescimento. A educação e a Escola são os lugares nos quais podemos dizer e exercer mais fortemente o nosso não. Não à miséria, não à injustiça, não à contradição humana versus humano, não à Ciência exclusivista, não ao poder opressor [...] Afinal de contas, por que somos educadores e educadoras? [...] Tenho uma forte suspeita: por causa da paixão [...] Paixão por uma ideia irrecusável: gente foi feita pra ser feliz! (CORTELLA, 2003, p. 157). O educador precisa compreender que se educa para a vida e não para o aprisionamento, alienação e a morte do Ser. Qualquer ação que não conduza a esse movimento de libertação, deve ser reconsiderada. Considerações finais Pensar numa pedagogia para a autonomia requer dos envolvidos saberes e práticas que vão além do quadro e giz. O professor, enquanto profissional, deve buscar compreender as relações ideológicas, políticas que permeiam a sua prática para que assim, possa oferecer aos educandos, possibilidades de se desvencilharem dos grilhões que uma educação não emancipadora pode gerar. Professores, sejam conscientes no ato de ensinar, eduquem para voar, para a liberdade! 53 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 47-55, 2018 Referências BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982. BOURDIEU, P. O Poder simbólico. 7. ed. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. BRASIL. Resolução CNE/CP 01/2002. Ministério de Educação e Cultura, Brasília, DF, 2002. Disponível em http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/atosnormativos--sumulas-pareceres-e-resolucoes?id=12991 Acesso 06 de nov. 2017. BRASIL. Resolução CNE/CP 02/2015. Ministério de Educação e Cultura, Brasília, DF, 2002. Disponível em http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/atosnormativos--sumulas-pareceres-e-resolucoes?id=12991 Acesso 07 de nov. 2017. CORTELLA, M.S. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2003. CUNHA, L.A. de O. 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Acredita-se que essas temáticas constituam reflexões importantes sobre a necessidade de uma formação de qualidade, para a constituição da identidade do professor como um profissional reflexivo e com domínio teórico e prático para responder aos desafios da contemporaneidade, assim como, da responsabilidade do estado, enquanto organizador das políticas públicas educacionais de formação, de garantir a sua continuidade. Palavras Chave: Identidade profissional; Formação de professores; Saberes docentes. Abstract: This article is based on a bibliographic review of teachers’ formation, as well as the assumptions of the early training, which is continued at the perspective of professional development. It is done an approach on the construction of the professional identity on this process and what is to be understood from teaching knowledge. The goal of this work is to amplify the vision of the factors that contribute to the professional development of teachers nowadays. It is believed that these topics constitute important reflections on the need of a quality training for the establishment of the professor’s identity as a reflective, theoretical and practical skilled professional in order to respond to the challenges of contemporaneity, just as the state’s responsibility, while organizer of the public educational formation politics, of guaranteeing its continuity. Keywords: Professional identity; Teacher’s formation; Teaching knowledge. 57 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 57-66, 2018 1. Introdução De acordo com os estudos de Saviani (2009) a história da formação de professores no Brasil surge da transformação da sociedade monárquica em republicana e da necessidade de organizar uma instrução popular. Durante o período colonial, as reformas pombalinas estipulavam que os professores deveriam ser treinados pelo método do ensino mútuo, utilizando seus próprios recursos financeiros. O ensino mútuo, também conhecido como método Lancaster, tinha como objetivo ensinar o maior número de alunos, usando pouco recurso, em pouco tempo e com qualidade. Essa exigência, criada em 1827, ainda hoje é uma realidade para muitos professores que se veem obrigados a bancar a sua própria formação inicial e continuada. A formação inicial dos professores, sob a responsabilidade das Escolas Normais, dava ênfase ao domínio dos conteúdos, enquanto a preparação didático-pedagógica ficava reduzida a uma formalidade para obtenção do registro. Os institutos de educação e a transformação das escolas normais em Escolas de Professores representaram uma tentativa de valorizar a pedagogia como uma ciência e oferecer uma estrutura do jardim de infância à escola secundária, para a prática de ensino e pesquisa. No entanto, a formação em nível superior dos cursos de licenciatura e Pedagogia perdeu essa referência e contemplava, em seu currículo, três anos para as disciplinas específicas e um ano para a formação didática. Percebe-se que a formação de professores não representava uma prioridade para o desenvolvimento das províncias. As reformas seguiam os interesses de seus idealizadores enquanto esses permaneciam nos cargos de decisão. Mesmo após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996, a política de formação docente não representou uma prioridade para conquistar a qualidade tão almejada para a educação. A ênfase dada na formação inicial de caráter propedêutica continua não respondendo às novas demandas de trabalho do professor na atualidade. A formação de professores, dentro do paradigma da sociedade do conhecimento, precisa ser pensada a partir de sua função social, interligando a teoria e prática, num currículo dinâmico, que valorize a identidade e a formação crítica e reflexiva para o exercício do magistério. Isso supõe investimento em políticas públicas de formação com recursos definidos para assegurar formação de qualidade, melhores condições de trabalho e bons salários, com o objetivo de atrair novos jovens para a carreira do magistério e motivar os que já atuam, para continuar seu desenvolvimento profissional. 2. Formação inicial e continuada de professores O currículo da formação inicial retrata diferentes concepções e finalidades da educação. Ao priorizar um conhecimento em detrimento do outro, corre-se o risco de apresentar uma formação especializada que não dialoga nem se enriquece com os diversos saberes. A formação docente pressupõe, além de conhecimentos e competências cognitivas, valores e atitudes que contribuam para uma formação humanista. 58 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 57-66, 2018 Diante da diversidade dos alunos e contextos institucionais não há como propor uma formação homogênea. Uma proposta de formação inicial que colabore com a construção da identidade dos professores precisa considerar os diferentes saberes que os alunos trazem com suas experiências. A identidade é um processo dinâmico, o qual se reconfigura por meio dos significados sociais que a profissão adquire, em cada contexto histórico. Mesmo na formação inicial, os alunos já apresentam concepções sobre o que é ser professor, mas muitos não se reconhecem professores. O significado da docência como prática social só terá seu reconhecimento, se for mediado pela reflexão crítica e contextualizado, junto aos pares. O papel da educação não se limita a informar, mas propiciar condições para que o conhecimento seja reelaborado pelo aluno. Segundo Pimenta (2012) para que isso se concretize, é importante realizar a revisão do currículo que muitas vezes se encontra fragmentado e propor um conhecimento em que teoria e prática dialoguem com a realidade das práticas de ensino. Que se valorizem as práticas de ensino como espaço de aprendizagem e investigação sistemática da própria prática educativa. Essa articulação não só colabora com a autoformação dos professores, como também com a formação das instituições escolares. Ao considerar a formação dos professores em exercício, é mister afirmar que a utilização de diferentes termos, carregam em si concepções distintas. Para García (1991) o conceito de desenvolvimento profissional de professores se aproxima da concepção do professor como um profissional do ensino que está em constante processo de evolução, independente da etapa de formação que se encontra. Nosso contexto social e mundial tem gerado mudanças significativas de comportamento e valores, que têm suscitado nos professores uma sensação de impotência para responder aos desafios da contemporaneidade. Nesse sentido, a formação de professores pode ser um instrumento para contextualizar, refletir, dialogar, e propor soluções possíveis para os contextos educacionais. Entretanto, os programas de formação permanente, propostos a partir da década de 80, tiveram um caráter prescritivo, com cursos padronizados por experts e realização de grandes conferências com renomados pesquisadores. Essa concepção deixava transparecer que os professores precisavam adquirir conhecimentos, independente de seu contexto social e educativo. Estudos sobre as práticas de formação apontam uma crítica a esse modelo técnico-formativo. É preciso buscar novos modelos de formação que valorizem o contexto social e político, que respeitem a capacidade do professor e permitam a participação ativa dele na definição dos estudos. Para Imbernón (2009) o êxito de um programa de formação consiste na elaboração de uma proposta, realizada com a participação dos professores. De acordo com os estudos de Gatti (2011) alguns programas federais do Brasil, como o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), Pró-Licenciatura, PARFOR (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica) e PIBID (Programa Institucional Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 57-66, 2018 59 de Bolsa de Iniciação à Docência), tiveram um impacto na formação de professores, à medida que contribuíram para a expansão e o acesso de estudantes e professores aos cursos de licenciaturas. Mas, trata-se de políticas compensatórias, que sofrem rupturas, por se tratarem de políticas de governo. Para atender à demanda de professores em exercício que não possuíam curso superior ou precisavam se qualificar, foi inaugurada a UAB (Universidade Aberta do Brasil), incentivando o uso das metodologias de formação à distância por meio da Plataforma Freire. O PARFOR (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica) se configurou, portanto, como uma política de centralização na visão de Rodriguez (2015). As políticas educacionais de formação também sofreram influência do modelo de gestão gerencial, baseado em metas, resultados. Ao mesmo tempo em que valoriza a autonomia do docente, responsabiliza-o pelos resultados obtidos nas avaliações externas. Essa política tem estimulado, na verdade, a competição e o individualismo. A tendência é naturalizar as responsabilidades do plano institucional para o plano individual. A formação continuada apresenta-se como fundamental no processo de desenvolvimento profissional docente. No entanto, para Oliveira (2012) atribui-se um valor excessivo ao quesito formação, como se esse conseguisse resolver todos os problemas da educação. Responsabiliza-se o professor pelo sucesso ou insucesso na educação, sem levar em conta as condições desiguais de trabalho, a falta de infraestrutura das escolas, a situação da carreira docente, dentre outros. Canário (2000, apud NACARATO, 2016) aponta que as escolas deveriam ser o local privilegiado da formação de professores, pois é lá que as aprendizagens e os problemas acontecem e precisam ser refletidos e resolvidos. É, nesse ambiente, que o trabalho colaborativo pode realmente tornar-se efetivo e fortalecer a identidade do professor. Nessa perspectiva, a escola deixa de ser um local de aplicação de conhecimentos, para se tornar produtora de conhecimento. Essa concepção implica valorizar os saberes profissionais dos professores onde atuam e oportunizar a discussão dos desafios que perpassam a prática pedagógica, para construir coletivamente soluções e conhecimento. A formação precisa estar articulada com o cotidiano escolar e responder às inquietações que os professores vivenciam, em sua prática de ensino. 3. Construção da identidade profissional Oliveira (2012) acredita que não se pode falar em formação de professores sem levar em consideração a identidade docente. Os profissionais da educação constituem um grupo heterogêneo e o professor que atua em cada nível de ensino apresenta uma subjetividade que lhe é própria. É necessário reconhecer seus saberes, suas rotinas de trabalho, suas responsabilidades, para contribuir com a profissionalização docente. Segundo Lane (2002) a subjetividade é uma relação dialética entre indivíduo e sociedade, entre o particular e o universal. Essa interação entre os grupos 60 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 57-66, 2018 sociais desenvolve as emoções, a linguagem, o pensamento, a consciência, a afetividade, e nossa identidade, que constitui o psiquismo humano. Isso só é possível, se consideramos o ser humano em do seu contexto social histórico. Isso implica reconhecer que os professores desenvolvem, ao longo de sua formação, características e saberes específicos, de acordo com o nível de ensino em que atua. Não se trata de classificá-los, mas de valorizá-los como profissionais da educação. Cada grupo apresenta competências e habilidades que são próprias de suas responsabilidades de trabalho e isso repercute em sua identidade docente. Cada pessoa tem sua subjetividade enriquecida pelo amálgama entre individual e social. Nossa maneira de ser e estar no mundo sofre influência do contexto sócio histórico a que pertencemos. A realidade histórica coloca em interação os planos subjetivos e objetivos, fazendo com que o indivíduo esteja em um processo contínuo de formação da sua identidade. Nesse sentido, Furtado (2002) orienta que devemos evitar uma generalização da identidade coletiva, pois corremos o risco de uniformizar as diferentes expressões da subjetividade. É fundamental que reconheçamos os determinantes que influenciam a dinâmica social e individual. Para Galindo (2004), o conceito de identidade profissional ora proposto, considera o docente em relação a si mesmo e com os seus pares, numa relação de semelhanças e não de igualdade. A vivência da identidade profissional se estabelece na interação do reconhecimento de si mesmo e do reconhecimento do outro. Esse processo de identificação é importante para a construção da identidade. Desse ponto de vista, para Dubar (2005) a identificação pode encontrar ressonância naquilo que eu acredito ou não corresponder com o que eu me identifico. A identidade se encontra num processo permanente de construção e reconstrução presente nos espaços sociais e históricos, nos quais as relações acontecem. Por isso, a construção de novas identidades é uma tentativa de acomodar a identidade para si à identidade para o outro. A identidade é um processo em constante mutação, pois se beneficia da relação consigo mesmo e com o outro. Porém, cada um tem sua própria identidade e não se pode generalizar as identidades profissionais, mesmo estando no mesmo nível de ensino. De acordo com Bolívar (2006), durante a formação inicial, construímos uma identidade profissional de base que entra em crise, quando nos deparamos com a realidade do exercício da profissão. A prática docente é mais exigente do que aquilo pata o que fomos preparados. Essa crise de identidade é consequência da dicotomia entre teoria e prática. É imprescindível repensar a identidade profissional, desde a formação inicial, e reconhecer que não existe uma identidade única dos professores. Ela se estabelece por meio da relação entre a história pessoal de vida de cada professor com o contexto de trabalho em que está inserido. Essas experiências entrelaçadas contribuem tanto para construir, quanto para desconstruir a identidade profissional de base. Um estudo de Flores e Day (2006, apud BOLÍVAR, 2006) mostra que a identidade profissional é influenciada pelas experiências prévias, pela formação inicial e exercício da prática docente, e também pelo contexto cultural da escola Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 57-66, 2018 61 e da sala de aula. O reconhecimento desse conjunto de influências reforça a importância de refletir e problematizar essas questões nos programas de formação inicial e continuada. Imbernón (2009) afirma que a formação permanente deve favorecer a subjetividade docente, fazendo com que a identidade de cada professor complemente a identidade grupal. Nessa proposta, o professor é protagonista de sua formação e, ao compartilhar suas experiências e seus saberes, contribui para o desenvolvimento de toda instituição escolar. 4. Saberes docentes Para Monteiro (2001) os saberes dos professores construídos no contexto de trabalho constituem a essência da atividade docente. É, nesse ambiente, que são mobilizados os conhecimentos, as crenças, valores e identidade profissional. No entanto, para o paradigma da racionalidade técnica, o professor era considerado um profissional habilitado para transmitir o saber científico produzido por outros. Não se valorizava os saberes ensinados e dominados pelos professores em sua prática pedagógica. Essa condição permaneceu por um longo período e contribuiu para incitar a desqualificação do trabalho dos professores. Ao desconsiderar a subjetividade do professor no processo de ensino-aprendizagem, não se reconhece que os conhecimentos profissionais são dinâmicos. O contexto escolar, no qual estão inseridos, exige dos professores uma capacidade reflexiva para adaptar esses conhecimentos profissionais ao objetivo que ser quer atingir. Essa desvalorização dos saberes docentes demonstra, por um lado, que a formação profissional não tem conseguido atrair nem atender adequadamente as necessidades da prática educativa. Para Tardif (2012) o cenário aponta a urgência de renovar os fundamentos epistemológicos do ofício de professor para compreender os saberes acionados em seu trabalho. Para estudar os saberes profissionais, é preciso estar engajado no cotidiano escolar em que eles verdadeiramente acontecem e se transformam. É nesse espaço concreto que o professor é ou deixa de ser o protagonista de sua ação educativa. A pesquisa em educação precisa se aproximar desses atores e fenômenos. A formação universitária para o magistério ainda se baseia numa relação linear e mecanicista do conhecimento, com ênfase na lógica disciplinar. É preciso aproximar a prática docente da formação de professores. Isso implica ressignificar o ensino, partindo da inovação curricular. O conhecimento universitário precisa ser contextualizado, refletido e reelaborado coletivamente por professores e alunos para que se torne possível usar esse conhecimento para gerar uma transformação social (MASETTO, 2012; PIMENTA, 2012). Essa ausência ou insipiente formação pedagógica nos cursos de licenciatura tem provocado o estrangulamento do propósito da formação dos professores. A ênfase dada na formação disciplinar inviabiliza uma visão ampliada da identidade profissional e provoca esse sentimento de impotência diante da diver62 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 57-66, 2018 sidade dos alunos de uma turma. É preciso oportunizar ao futuro aluno-professor a construção de sua identidade como profissional da educação. Shulman (2005) aponta quatro fontes da base de conhecimento para o ensino: [...] (1) formação acadêmica nas áreas de conhecimentos ou disciplinas; (2) os materiais e entorno do processo educacional institucionalizado; (3) pesquisas sobre escolarização, organizações sociais, aprendizado humano, ensino e desenvolvimento, e outros fenômenos sociais e culturais que afetam o que os professores fazem; (4) a sabedoria que deriva da própria prática [...] (SHULMAN, 2005, p. 207). Essa visão das fontes implica a importância do professor ter o conhecimento do conteúdo e da forma de comunicá-lo aos alunos; de conhecer o ambiente educacional e as ferramentas que potencializam ou dificultam sua ação; de compreender os processos de desenvolvimento humano, ensino, aprendizagem e os fundamentos normativos, éticos e filosóficos da educação. E por fim, conhecer a sabedoria que é construída e adquirida na prática docente. A prática do professor revela uma concepção de educação, de relação com o aluno, marcada por uma intencionalidade, uma visão de mundo e valores. O exercício da docência supõe uma relação de diálogo, respeito, interesse na aprendizagem do educando. Masetto (2012) salienta que as universidades são locais de encontro entre educadores e educandos e devem favorecer o desenvolvimento intelectual, afetivo-emocional, de atitudes e valores. Para isso: Precisamos de um professor com um papel de orientador das atividades que permitirão ao aluno aprender, que seja um elemento motivador e incentivador do desenvolvimento de seus alunos, que esteja atento para mostrar os progressos deles, bem como para corrigi-los quando necessário [...] (MASETTO, 2012, p. 23). Segundo Pimenta (2012) para propagar os saberes docentes, é preciso registrar as boas práticas não como receitas a serem copiadas, mas como parâmetros que norteiem o trabalho docente. Esses conhecimentos, ricos em significados, expressam a sabedoria da prática. As novas tendências sobre formação de professores devem valorizar não somente os saberes científicos, mas igualmente os saberes pedagógicos e os saberes da experiência. É inegável que a sabedoria da prática proporciona ao professor maior confiança em seu trabalho. No entanto, é preciso refletir sobre essa prática para não cair na comodidade da repetição de ações mecânicas. Cada contexto escolar, cada etapa da aprendizagem, cada turma, apresenta singularidades que exigem que o professor proceda a uma constante avaliação. Por isso, a atividade docente é uma profissão em movimento, que exige estudo, reflexão, compartilhamento de ideias, em torno de um objetivo que é a educação. 63 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 57-66, 2018 Considerações finais A história de formação de professores passou e passa por momentos de lutas e conflitos que refletem as diferentes concepções sobre a educação, que se estendem desde uma educação entendida como instrução básica para capacitar as pessoas para o mercado de trabalho até uma concepção de educação como condição para a emancipação do ser humano e para a convivência pacífica num mundo marcado pela diversidade e complexidade. Nesse sentido, as propostas de formação inicial e continuada, organizadas pelo estado, sofrem influências econômicas, sociais e culturais que delimitam um contexto histórico. Por se tratarem de políticas de governo, as propostas sofrem rompimentos e descontinuidades irresponsáveis. Não se leva em consideração a participação de quem faz a educação, para refletir e avaliar o que foi realizado. Tanto na formação inicial como na continuada, tem-se um grupo heterogêneo que apresenta necessidades diferenciadas e específicas. Por muito tempo, prevaleceu um currículo tecnicista e conteudista que se limitava a informar e padronizar. Nessa concepção, o aluno-professor era considerado um mero receptor de conhecimentos científicos. Mas a formação de professores pressupõe um processo não linear de desenvolvimento de pessoas adultas que vivenciam diferentes etapas até encontrarem o seu próprio estilo para contribuírem com a melhoria da educação. Uma formação eficaz tem que dar espaço para ouvir as experiências e saberes dos professores. É na interação entre os pares que o professor constrói sua identidade profissional. Os desafios da sociedade contemporânea exigem um conhecimento que dialogue com o contexto social e educativo. Que valorize a subjetividade do professor e os saberes da experiência, na construção de um conhecimento significativo para sua prática docente. O cotidiano escolar constitui a essência da atividade docente e a formação universitária precisa aproximar dos atores e fenômenos que acontecem nesse ambiente. Para isso, é preciso pensar um currículo dinâmico, contextualizado, que propicie a reflexão e a reelaboração do conhecimento proposto. O exercício do magistério, na atualidade, demanda um conhecimento pertinente, que contribua para uma formação humanista e favoreça o desenvolvimento profissional de professores. A educação, enquanto projeto de transformação precisa dar voz e condições dignas de trabalho e estudo aos professores, para se conquistar a qualidade tão almejada. Essa compreensão dos saberes pedagógicos reforça toda a diferença que existe entre o especialista na área do conhecimento e o professor. Mais do que uma habilitação para o exercício da profissão a formação docente pressupõe o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que nortearão a prática dos futuros professores para a construção de uma sociedade civilizada, solidária e democrática. 64 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 57-66, 2018 Referências BOLÍVAR, Antonio. Construcción de la identidad profesional del profesorado. In: La identidad profesional del profesorado de secundaria: crisis y reconstrucción. Málaga, España: Ediciones Aljibe, p. 57-80. 2006. DUBAR, Claude. Para uma teoria sociológica da identidade. ________. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Tradução Andréa Stahel M. da Silva. São Paulo: Martins Fontes, p. 103-120. 2005. FURTADO, Odair. As dimensões subjetivas da realidade – uma discussão sobre a dicotomia entre subjetividade e a objetividade no campo social. In: Furtado, O; GONZÁLEZ REY, F. L. (orgs.). 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O processo de democratização busca alterar o contexto no qual ingressar e concluir um curso superior é opção reservada a pequenos e determinados grupos. Assim, na atualidade uma das questões centrais das políticas educacionais é justamente a democratização da educação, sendo o acesso com qualidade um de seus grandes desafios. Este texto traz uma breve trajetória histórica da educação superior no país até a implantação do Sisu, sendo parte de uma pesquisa que busca refletir sobre os avanços e impasses do Sistema de Seleção Unificada no processo de democratização do ensino superior. Palavras chave: Democratização; Educação Superior; Sisu. Abstract: Brazil is a country historically marked by social inequality, and this mainly affects the part of society that can not enter higher education. Therefore, in the last years some programs that aim at the democratization of this level of education are being implemented in the country. The process of democratization seeks to change the context in which to enter and to conclude a university course is an option reserved for small and certain groups. Thus, at present one of the central issues of educational policies is precisely the democratization of education, quality access being one of its great challenges. This text brings a brief historical trajectory of higher education in the country until the implementation of Sisu, being part of a research that seeks to reflect on the advances and impasses of the Unified Selection System in the process of democratization of higher education. Key words: Democratization; Higher Education; Sisu. 1 Mestranda em Educação Tecnológica pelo IFTM – Campus Uberaba Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 67 1. Introdução A história da educação superior no Brasil tem sua origem no século XIX, e como reflexos de uma sociedade desigual, esta história é marcada por desigualdades. Na prática, a educação superior reproduz socialmente o que aconteceu com a educação básica: para os filhos dos colonizados brancos, a educação estava relacionada à formação intelectual e humanística, com características europeias, enquanto que para os índios, negros e mestiços a educação baseava-se na catequização. Além de elitista, o ensino superior se firmou como um modelo de conhecimentos fragmentados e de natureza profissionalizante, atendendo as demandas de racionalidade e eficiência – características típicas do capitalismo. Este panorama histórico marcou profundamente a educação superior no país e apresenta marcas que explicam muitas distorções em nossos sistemas de ensino. Conforme defendido por Ghiraldelli Jr. (2008), do Período Colonial, passando pelo Império até a República as iniciativas no campo da educação superior evidenciam duas características: um ensino voltado para a elite e uma série de mecanismos que excluíam a maior parte da população do acesso aos cursos de graduação, visto como um instrumento para contribuir para a consolidação da burguesia. Porém, a educação é um direito social e um instrumento de inclusão socioeconômica, e por isso deve ser oferecida de forma democrática, visando a equidade e a inclusão dos grupos até então marginalizados deste nível de ensino. Assegurar uma educação de qualidade é dever do Estado, e as políticas públicas educacionais são mecanismos necessários frente às grandes desigualdades da sociedade brasileira. 2. A Educação Superior no Brasil A educação superior brasileira, desde seu início, foi reservada para poucos, pois segundo Cunha (1980), os primeiros cursos de filosofia e teologia implantados no Colégio dos Jesuítas da Bahia, privilegiavam a formação das elites. Em 1808, com a chegada da família real, houve a abertura dos cursos de natureza profissionalizante, justamente para atender às necessidades do mercado, porém, prevaleceu o predomínio de cursos de Direito e Medicina, devido à valorização da carreira jurídica e carreira médica. Outra característica desta época, é que as instituições eram isoladas, não havendo interesse em criar universidades. Entre 1989 e 1918 foram criadas no Brasil mais de 50 escolas superiores, sendo a maioria delas privada. De um lado as escolas públicas ofereciam um ensino de característica confessional através das instituições católicas, e de outro lado, os cursos oferecidos pela rede privada preparavam as elites locais. Apenas em 1920, como resultado da agregação de algumas faculdades, a universidade é oficialmente criada no Brasil. A Universidade do Rio de Janeiro, reunia faculdades profissionais já existentes e que mantinham suas autonomias. 68 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 Além disso, a instituição era mais voltada para o ensino e possuía um caráter elitista. Cunha (1980) considera tardia a criação das universidades no país, uma vez que várias colônias espanholas já as possuíam – o que seria uma forma de Portugal manter o Brasil dependente. Na década de 1930, no Governo de Getúlio Vargas, e frente a diversos debates políticos sobre educação, é criado o Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde Pública, o que originou algumas reformas na educação brasileira, entre elas a aprovação do Estatuto das Universidades Brasileiras, que ficou em vigor até 1961 e diz: a universidade poderia ser oficial, ou seja, pública (federal, estadual ou municipal) ou livre, isto é, particular; deveria, também, incluir três dos seguintes cursos: Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras. Essas faculdades seriam ligadas, por meio de uma reitoria, por vínculos administrativos, mantendo, no entanto, a sua autonomia jurídica (SOARES, 2002). A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 4.024/1961, acabou ampliando e legitimando os anseios dos setores privados e conservadores, pois basicamente estabeleceu mecanismos de controle da expansão do ensino superior e do conteúdo a ser trabalhado. O ano de 1968 no Brasil foi marcado pelas reivindicações por mudanças sociais, políticas e culturais, e, depois de derrotar o movimento estudantil, o governo militar propôs a chamada reforma do ensino superior – Lei nº 5.540/1968. A reforma propôs reorganização administrativa das instituições de ensino superior, visando alinhar os objetivos deste nível de ensino às demandas do mercado. Porém, de acordo com Santana (2015), apesar da proposta, não houve verdadeira reforma curricular e a ampliação do sistema se deu através do crescimento das matrículas nos mesmos cursos tradicionais. O grande desenvolvimento econômico da década de 70 aumentou a demanda pelo ensino superior com o aumento dos recursos federais e o orçamento destinado à educação. Este aumento esteve diretamente relacionado ao crescimento de oportunidades de trabalho e consequente crescimento das camadas médias. Infelizmente, a educação pública, diferentemente da privada, não estava preparada para receber o público interessando em ingressar no ensino superior. Este momento alavancou a educação superior particular, e a tornou um negócio rentável, porém, pouco preocupado com a qualidade do ensino. A educação superior com viés mercantilista passou pelo processo de expansão, porém, tal expansão, por sua vez, não atende à demanda existente para a educação superior, pois o acesso e a permanência de grande parte de alunos têm relação com as condições existentes em termos de capital cultural, construídas ao longo da trajetória escolar e de vida (GISI, 2006, p. 05). 69 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 Sendo assim, o aumento no número de vagas em cursos de graduação não é suficiente para garantir o acesso e a permanência principalmente da parcela da sociedade em situação de vulnerabilidade econômica e social. Enquanto a década de 1980 foi marcada pela crise econômica e consequente estagnação do ensino superior, a década de 1990 apresentou ações voltadas para educação superior como a regulação dos mecanismos de avaliação e renovação periódica de reconhecimento dos cursos e a criação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como alternativa ao tradicional vestibular criado em 1911. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.396/1996) incorporou algumas inovações como a obrigatoriedade do recredenciamento das instituições de educação superior, e reafirmou no artigo 3º que o ensino deverá ser ministrado com base no princípio da igualdade de condições para acesso e permanência na escola. A história da educação superior mostra que a educação não promovia o desenvolvimento da sociedade, mesmo porque poucos tinham acesso a ela; seu objetivo era propagar o prestígio daqueles que conseguiam ingressar e concluir um curso superior, ou seja, reforçar ainda mais o poder das elites. As políticas e reformas empreendidas no Brasil desde o período colonial até a década de 1990 tiveram como eixo central os interesses dos grupos dominantes e as demandas da economia. Segundo Jacob (1997), estas reformas resultaram no caráter intervencionista e centralizador que caracteriza as ações do Estado no campo educacional. Na prática, o Estado sustentou ao longo da história os interesses das classes sociais favorecidas. A partir de 2003 foram realizadas várias iniciativas com o objetivo reestruturar, desenvolver e democratizar o ensino superior no país. O processo de democratização busca, justamente, reverter o quadro no qual ingressar e concluir um curso superior é opção reservada à alguns grupos. Assim, no século XXI uma das questões centrais das políticas educacionais é justamente a democratização da educação, sendo o acesso e a permanência com qualidade um de seus grandes desafios. 3. As Políticas Públicas no cenário da Educação Superior Brasileira A educação está prevista constitucionalmente como direito fundamental de natureza social, entretanto, verifica-se que a educação superior é a que está mais distante de chegar à sua universalização. Nota-se que o crescimento da oferta de vagas na educação superior, além de estar abaixo do previsto no Plano de Educação Nacional, foi maior na iniciativa privada de ensino. Assim, se, por um lado a educação superior, por ser gratuita em instituições públicas é vista como um direito social, por outro, existe uma grande parcela que só consegue este acesso por meio de instituições privadas, pagando por seus estudos. Como o Brasil é um país historicamente marcado pela desigualdade social e, essa atinge, principalmente, a parcela da sociedade que não consegue se inserir principalmente na educação superior, nos últimos anos alguns programas que 70 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 visam a expansão e melhoria deste nível de ensino vêm sendo implementadas nas instituições de ensino. No país, a segunda metade do século XX foi caracterizada pela expansão da demanda e oferta de cursos de educação superior. Esta expansão está relacionada tanto à importância do saber acadêmico pelo mercado de trabalho quanto à valorização da pesquisa. E, com a crescente demanda pela formação profissional qualificada e consequentemente pela formação no ensino superior, aliada ao fato de que o maior percentual de vagas disponíveis para este nível de ensino ser ofertado pela iniciativa privada, o governo federal passou a implementar e a ampliar programas de democratização do acesso e da permanência nos cursos superiores. Como as instituições de ensino superior contribuem ativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, novas diretrizes e parâmetros estão sendo implantados no contexto da educação superior no Brasil. Desta forma, ações que contemplam aumento de vagas nos cursos de graduação, iniciativas de combate à evasão e promoção de políticas de democratização do acesso e permanência tem mostrado sua importância na busca por uma reorganização social através da educação. De acordo com Lima e Bianchini (2016), a democratização infere no estabelecimento de igualdade de condições de escolha, acesso e permanência em cursos e instituições de educação superior, em um processo que viabiliza que o segmento estudantil represente toda a diversidade social. Em sociedades desiguais como a brasileira, as políticas compensatórias tornam-se fundamentais na busca pelo atendimento dos direitos coletivos. Para promover a democratização do ensino superior, o governo federal criou vários projetos e ações, chamadas de políticas públicas, elucidadas pela concepção de educação alinhada aos objetivos traçados pela Constituição Brasileira como: construir uma sociedade livre, justa e solidária; reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos. Azevedo (2003, p. 38) define que “política pública é tudo o que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões”. Na busca por atender as necessidades do mercado de trabalho, bem como oportunizar condições de acesso e permanência nas instituições de ensino superior através da democratização, o Ministério da Educação afirma que: “os desafios ligados à educação superior podem ser condensados na tríade expansão, qualidade e democratização”. Para Saviani, educação e política são práticas distintas, mas que mantém uma estreita relação: [...] a educação depende da política no que diz respeito a determinadas condições objetivas como a definição de prioridades orçamentárias que se reflete na constituição-consolidação-expansão da infraestrutura dos serviços educacionais etc.; e a política depende da educação no que diz respeito a certas condições subjetivas como 71 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 a aquisição de determinados elementos básicos que possibilitem o acesso à informação, a difusão das propostas políticas, a formação de quadros para os partidos e organizações políticas de diferentes tipos, etc. (1986, p. 89). Segundo Giron (2008), quando se fala em Políticas Públicas na educação a abordagem trata-se da articulação de projetos que envolvem o Estado e a sociedade, na busca pela construção de uma educação mais inclusiva e de melhor qualidade, ou seja, que resgate a construção da cidadania. As políticas voltadas para a educação superior têm propiciado mudanças significativas, incluindo a expansão das instituições públicas, cursos e vagas. Entre os programas que visam à expansão, a permanência e a melhoria da educação superior estão: • O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) que é um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitos na forma da Lei 10.260/2001; • O Programa Universidade para Todos (PROUNI), criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096 de 2005, e que tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior privadas; • O Programa de apoio a Planos de Restruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído pelo Decreto nº 6.096/2007, é uma das ações que integram o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e que tem como principal objetivo ampliar o acesso e a permanência na educação superior através da adoção de medidas que promovam a expansão física, acadêmica e pedagógica da rede federal de educação superior; • O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), criado pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004, é formado por três componentes principais: a avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes. O SINAES avalia todos os aspectos como o ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o corpo docente e as instalações (MEC). • A Universidade Aberta do Brasil (UAB) que busca ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior, por meio da educação a distância; 72 • O Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), regulamentado pelo Decreto nº 7234/2010, apoia a permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação presencial das instituições federais de ensino superior. O objetivo é viabilizar a igualdade de oportunidades entre todos os estudantes e contribuir para a melhoria do desempenho Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 acadêmico oferecendo assistência à moradia estudantil, alimentação, transporte, à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico (MEC). • A Lei n. 12.711/2012 que institui a reserva de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas e/ou com renda igual a 1,5 salários mínimos per capita e/ou autodeclarados pretos, pardos ou indígenas; • O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), institucionalizado por meio da Portaria Normativa nº 438/1998 e regulamentado pela Portaria Normativa nº 807/2010, para servir como instrumento de avaliação educacional do governo federal, com a finalidade principal de aferir o desempenho dos alunos concluintes e egressos do ensino médio, e que pode ser utilizado tanto como forma de ingresso em instituições superiores de ensino como também para o PROUNI ou FIES; • O Sistema de Seleção Unificada (SISU), instituído pela Portaria Normativa nº 2/2010 e regulamentado pela Portaria Normativa nº 21/2012, é o sistema informatizado do Ministério da Educação por meio do qual instituições públicas de ensino superior oferecem vagas a candidatos participantes do Enem. O sistema tem como objetivo a democratização das oportunidades de acesso ao ensino superior e a promoção da migração acadêmica entre cidades e/ou estados. No Brasil, a Secretaria de Educação Superior (SESu), criada em 1979, é a unidade do Ministério da Educação responsável por planejar, orientar, coordenar e supervisionar o processo de formulação e implementação da Política Nacional de Educação Superior, sendo responsável por orientar políticas, programas e ações relacionadas à educação superior. Como toda política pública reflete na sociedade e na economia, além de ser uma ação intencional, ou seja, com objetivos a serem alcançados, estas ações implicam além da implementação e execução, a avaliação. Costa e Castanhar (2003, p. 971), afirmam que: a avaliação sistemática, contínua e eficaz destes programas pode ser um instrumento fundamental para se alcançar melhores resultados e proporcionar uma melhor utilização e controle dos recursos neles aplicados, além de fornecer aos formuladores de políticas sociais e aos gestores de programas dados importantes para o desenho de políticas mais consistentes e para a gestão pública mais eficaz. Na tentativa de buscar novas reflexões sobre o processo de democratização do ensino superior, é necessário analisar, de forma geral, os avanços e impasses da implementação destas políticas educacionais brasileiras, e especificamente analisar a utilização do Enem/Sisu como forma de acesso às Instituições Públicas de Educação Superior. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 73 4. O ENEM E O Sisu como políticas de democratização do Ensino Superior As políticas educacionais não visam apenas ampliar necessariamente o quantitativo da oferta de vagas na educação superior, contudo, pretende redistribuir o módulo do vetor de acesso, que é maior para as classes economicamente mais favorecidas, de forma a proporcionar oportunidades aos segmentos social e historicamente excluídos. Estas políticas são de grande importância principalmente para os setores historicamente negligenciados do ensino superior, como negros, pardos, indígenas e/ou pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, pois, interferem diretamente nos processos de organização e gestão das instituições na busca pela democratização deste nível de ensino, e por isso, devem ser frequentemente avaliadas e/ou melhoradas, se for o caso. No contexto de políticas educacionais, destaca-se o ENEM, que mesmo não sendo criado com o intuito de ser um exame de acesso à educação superior, sempre teve relação com essa finalidade desde o princípio. De acordo com informações do Relatório Final do ENEM 1999 (INEP, 2000), em sua primeira edição, duas instituições utilizaram seus resultados para acesso aos seus cursos superiores e foi esta relação que proporcionou sua popularização, tendo como marco desse fenômeno o ano de 2001, quando o Enem passou a ser usado por algumas instituições como modalidade isolada ou complementar de seleção para seus cursos. Em 2005, selecionou candidatos ao PROUNI e, em 2009, passou a ser usado como exame unificado de acesso à educação superior. Desde sua primeira edição, o ENEM foi organizado e coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). O uso do Enem pelas instituições de educação superior é opcional, sendo quatro as formas de adesão, que funcionam da seguinte forma: 1) o Enem como fase única, que implica no uso do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para preencher o quantitativo de vagas disponibilizado pela instituição, para acesso por meio desse formato; 2) combinado ao atual vestibular da instituição - neste caso, realiza-se uma composição de notas entre resultados do Enem e do processo seletivo institucional; 3) O Enem é usado como 1ª etapa e o vestibular é utilizando apenas na 2ª etapa do processo seletivo institucional ou 4) utiliza-se o Enem para as vagas remanescentes do processo seletivo realizado pela instituição. De acordo com o art. 3º da Portaria Nº 468, de 03 de abril de 2017, os resultados do Enem possibilitam: 74 I - a constituição de parâmetros para a autoavaliação do participante, com vistas à continuidade de sua formação e a sua inserção no mercado de trabalho; II - a criação de referência nacional para o aperfeiçoamento dos currículos do ensino médio; III - a utilização do Exame como mecanismo único, alternativo ou complementar para acesso à educação superior, especialmente a Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 ofertada pelas instituições federais de educação superior; IV - o acesso a programas governamentais de financiamento ou apoio ao estudante da educação superior; V - a sua utilização como instrumento de seleção para ingresso nos diferentes setores do mundo do trabalho; e VI - o desenvolvimento de estudos e indicadores sobre a educação brasileira. (BRASIL, 2017). Neste contexto, o Sisu foi desenvolvido com o objetivo de promover a unificação da seleção das vagas de cursos de ensino superior em instituições federais, a partir das notas obtidas no Enem, com o intuito de substituir o vestibular descentralizado destas instituições. Com o Sistema de Seleção Unificada, candidatos participantes do ENEM e que tenham nota maior que zero na redação, são selecionados automaticamente pela pontuação após a inscrição em dois cursos de uma mesma instituição ou de instituições diferentes. Em relação ao processo de democratização do acesso ao ensino superior cabe destacar que o Sistema de Seleção Unificada está de acordo com a Lei nº 12.711/2012 que, ao dispor sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, afirma: Art. 1º. As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 (um salário-mínimo e meio) per capita (BRASIL, 2012). A participação das instituições públicas e gratuitas de ensino superior no Sisu é formalizada por meio da assinatura de Termo de Adesão. Neste termo, a instituição deverá descrever as condições específicas de concorrência às vagas por ela ofertadas no âmbito do Sisu, devendo conter informações como cursos e turnos, número de vagas, vagas reservadas, pesos e notas mínimas eventualmente estabelecidos pela instituição de ensino referentes às provas do Enem, em cada curso e turno. Somente podem se inscrever no Sisu o estudante que tenham participado do Enem, e que atenda às condições específicas do edital do processo seletivo daquele período letivo. O processo seletivo do Sisu compreende as seguintes etapas: 1. Oferta de vagas pelas instituições; 2. Inscrição dos estudantes; 3. Classificação e seleção dos estudantes na chamada regular; 4. Lançamento pelas instituições, das vagas ocupadas na chamada regular; 5. Declaração de interesse em participar da lista de espera; 6. Convocação dos aprovados na lista de espera; e 7. Lançamento pelas instituições, das vagas ocupadas na lista de espera. 75 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 76 Em termos numéricos o Sisu se apresenta como uma política pública bem-sucedida. Criado em 2010, o Sisu ofereceu, no primeiro semestre daquele ano, 47.913 vagas. Em 2014, também no primeiro semestre, foram 171.401 vagas – um crescimento de 258%. E, no primeiro semestre de 2017 foram mais de 238 mil vagas disponibilizadas e 131 instituições que aderiram ao sistema. A implementação do Sisu alterou a forma de ingresso nas instituições de ensino superior, passando de um modelo de seleção descentralizado, em que cada instituição era responsável por seu calendário de aplicação das provas, bem como pela elaboração das questões e dos critérios de seleção, para um modelo totalmente centralizado, baseado em um único exame comum a todas às instituições que aderiram ao sistema. Por meio do Sisu os alunos diminuem custos com inscrições e viagens, uma vez que não precisam se submeter a processos seletivos de diversas instituições e nem saírem de suas cidades para realizarem o exame. As instituições também são beneficiadas com a diminuição de custos, não sendo mais responsáveis pela elaboração e aplicação das provas. Não há dúvidas de que o Sistema de Seleção Unificada tem grande mérito ao permitir o acesso à educação superior de jovens de várias partes do país, além de ajudar a incrementar a proporção de jovens na educação superior, seja na facilitação geográfica, divulgação das instituições e diminuição dos custos com processos de seleção. Porém, é preciso avaliar também os resultados contraditórios, especialmente ao considerar as características meritocráticas que cabem aos exames desta natureza, com testes em larga escala. Um único exame aplicado em todo o país, sem considerar as peculiaridades regionais e locais, é capaz de promover a democratização? É necessário analisar se além dispensar os vestibulares, o Enem/Sisu torna o acesso à educação superior mais democrático. É preciso verificar como as diferenças e desigualdades sociais tem se reproduzido nas instituições, e refletir sobre a hierarquização dos cursos. Será que o Sisu tem conseguido a inclusão de população até então marginalizada da educação superior, principalmente nas instituições e cursos mais disputados? Este panorama do ensino superior no país tem sofrido alterações? Como tem sido o processo de ocupação de vagas nas instituições que aderiram ao sistema? Mais ainda, é preciso refletir sobre a Lei de Cotas dentro do sistema no intuito de ampliar os espaços de equidade e inclusão na educação superior e avaliar sua eficácia tanto no acesso como na permanência e êxito dos alunos no Ensino Superior. Como reflexo de toda a trajetória histórica do ensino superior no Brasil, e das evidências de necessidade de políticas que realmente melhorem as possibilidades de acesso a este nível de ensino, é importante analisar a eficiência destas políticas, e principalmente propor novas reflexões que poderão subsidiar melhores resultados. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 67-79, 2018 Considerações finais A educação é um mecanismo importante de ascensão social. Será por meio da educação que os indivíduos até então marginalizados da sociedade serão capazes de buscar alternativas que melhorem sua qualidade de vida; será por meio da educação que se sentirão capacitados para lutar contra a reprodução social. A “cultura”, supostamente, garantida pelo diploma escolar, é um dos componentes fundamentais do que faz o homem realizado em sua definição dominante, de modo que a privação é percebida como uma mutilação essencial que atinge a pessoa em sua identidade e dignidade de homem, condenando-a ao silêncio em todas as situações oficiais em que tem de “aparecer em público”, mostrar-se diante dos outros com seu corpo, sua maneira de ser e sua linguagem (BOURDIEU, 2017, p. 363). Desta forma, as políticas públicas educacionais são consideradas importantes instrumentos de expansão e democratização do ensino superior, afinal, não basta elevar o nível de instrução de uma sociedade, é necessário oferecer uma educação de qualidade e de forma democrática. E, apesar dos diversos processos de implementação de políticas públicas voltadas para a educação superior, faz-se necessário avaliar os efeitos destas políticas no contexto das instituições de ensino, pois apenas aumentar o número de vagas e cursos não é suficiente para promover a democratização. É necessário garantir o acesso e a permanência com qualidade e equidade. No caso do Sisu esta avaliação no interior das instituições se torna fundamental uma vez que diversas instituições públicas têm aderido ao Sistema de Seleção Unificada como única forma de ingresso em seus cursos superiores. Os resultados destas avaliações subsidiarão a manutenção da política ou indicarão necessidade de discussões, reformulações e melhorias no processo de democratização da educação superior no país. Referências AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de implementação. In: SANTOS JÚNIOR, Orlando A. dos et al. 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Foram entrevistados quatro acadêmicos do 8° semestre, que responderam: Quais experiências fizeram você escolher ser um professor (a) de Educação Física? Os desafios no curso de Licenciatura em EF da UFPI permitiu que você se identificasse com a profissão de professor (a)? Quais as contribuições que o curso de Licenciatura em Educação Física te ofertou para a sua formação como professor de Educação Física? A interpretação foi via Análise de Conteúdo. Quanto às experiências, foi por terem vivenciado práticas na área esportiva. Os principais desafios centram-se nos estágios supervisionados. Os contributos sinalizaram para a importância do professor de EF. Acredita-se que os percursos percorridos na formação inicial, produziram vivências significativas nas trajetórias dos acadêmicos pesquisados. Palavras chave: Educação Física; Formação inicial; Professor. Abstract: The objective was to analyze the perception that UFPI – Federal University of Piaui - EF scholars have of their formative trajectory and how they see the contributions of the initial formation in the construction of the teacher identity. The study is of qualitative approach. Four students from the 8th semester were interviewed, who answered: What experiences have made you choose to be an EF teacher? Did the challenges in the UFPI EF Licentiate course allow you to identify yourself with the teaching profession? What 1 Prof. Licenciado em Educação Física pela UFPI. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Pesquisador membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Corporeidade e Pedagogia do Movimento – NUCORPO 2 Doutora em Educação. Professora dos Programas de Mestrado em Educação e Educação Física da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Pesquisadora e coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Corporeidade e Pedagogia do Movimento - NUCORPO 3 Doutor em Educação. Professor dos Programas de Mestrado em Educação e Educação Física da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Pesquisadora e coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Corporeidade e Pedagogia do Movimento - NUCORPO Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 81 contributions did the EF Licentiate course offer you for your EF teacher training? The interpretation was via Content Analysis. As for the experiences, it was because they had experienced practices in the sports field. The main challenges are focused on the supervised stages. The contributions signaled to the importance of the EF teacher. It is believed that the trajectories covered in the initial formation, produced significant experiences in the trajectories of the researched academics. Keywords: Physical Education; Initial training; Teacher. 1. Introdução 82 No atual contexto da Educação brasileira, muitas são as discussões que envolvem a temática da formação de professores (CUNHA, 2013; PRYJMA, 2012). Por esta razão, têm se procurado reconhecer os percursos percorridos por esses agentes ainda na formação inicial, ampliando discussões e reflexões acerca das problemáticas que se apresentam nas trajetórias formativas desses sujeitos. No caso da formação de um professor de Educação Física (EF), envolve-se processos múltiplos de saberes, que vão sendo construídos inicialmente na Universidade e que se desenvolvem no decorrer do percurso das vivências e experiências adquiridas na atuação profissional. Nessa direção, percebe-se que ser professor de EF não tem sido uma tarefa fácil, pois este profissional “está sujeito a inúmeras questões que podem interferir na sua atuação e portanto, na construção de sua prática educacional” (GARCES; LAUXEN; ANTUNES, 2012, p. 199). Tendo em vista uma dimensão mais pontual, as pesquisas têm demonstrado que a formação inicial na área da EF é um espaço importante para se discutir o desenvolvimento profissional (CUNHA, 2013; SILVA; KRUG, 2012). Nesta linha de raciocínio, é preciso considerar como estes profissionais compreendem suas trajetórias e de que formas elas contribuem para a ação afirmativa de ser ou não um futuro professor na Educação Básica. Na busca por compreender os contributos da formação inicial para os futuros professores, esta pesquisa pautou-se na seguinte questão: Que significados são atribuídos pelos os acadêmicos do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal do Piauí (UFPI) acerca da formação inicial e quais significados são dados as suas experiências na busca por ações afirmativas de ser ou não professor de EF? O estudo centra-se na formação inicial em EF, por ser um dos momentos de descobertas significativas e indispensáveis na formação de todo e qualquer professor. Pois é através dela que os saberes são construídos e colocados em prática por seus agentes (TARDIF, 2002). Uma das razões que justificam a escolha por este estudo, está centrada na importância que a formação inicial de professores em EF tem ganhado nos últimos anos. Além disso, é sabido que a Licenciatura tem por finalidade formar professores reflexivos, capazes provocar mudanças educativas no espaço no qual estão inseridos. Para tanto, levou-se em consideração também, as mudanças ocorridas no curso de Licenciatura em EF da UFPI, decorrentes das reformas Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 curriculares de acordo com as Resoluções do Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno (CNE/CP) n. 01 e 02/2002 (BRASIL, 2002a; 2002b). Outro fator determinante desta pesquisa está embasado nas mudanças ocorridas no Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Física nos anos de 2006 e posteriormente em 2012 (UFPI, 2006; 2012). A busca por compreender as trajetórias formativas de acadêmicos do curso de Educação Física da UFPI, demonstra a preocupação centrada na formação de professores, que no decorrer dos anos vem se tornando algo cada vez mais complexo. E no caso da formação inicial, muitos são os desafios presentes, portanto, torna-se pertinente ouvir os acadêmicos, de modo que eles possam relatar em seus trajetos iniciais os problemas enfrentados e quais desdobramentos estes vem tomando no decorrer deste trilhar (REZER; FENSTERSEIFER, 2008). Nesta perspectiva, entende-se que a formação inicial oferece aos seus agentes conhecimentos que podem ser eficazes na atuação profissional, oportunizando assim, um olhar mais preciso sobre os processos de novos profissionais para atuarem na Educação Básica. Portanto, torna-se relevante analisar a percepção que os acadêmicos da Licenciatura em Educação Física da UFPI têm de sua trajetória formativa e como eles veem as contribuições da formação inicial na construção da identidade de futuros professores da Educação Básica. 2. Percurso metodológico A investigação teve início logo após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humano (CEP/UFPI), sob n° 50145115.0.0000.5214. O estudo ancora-se no referencial da pesquisa qualitativa, de modo que partiu da premissa de buscar compreender uma realidade complexa, mista de desejos, de crenças e interesses, além de fatos que nela circundam, no qual podem ampliar um olhar de compreensão sobre o todo (TRIVIÑOS, 1987). A escolha por esta abordagem de pesquisa, parte da convicção de que a investigação qualitativa possibilita um olhar mais atencioso e amplo para o fenômeno investigado. Como instrumento de pesquisa, optou-se pela utilização de uma entrevista estruturada (MACEDO, 2006), visando garantir o contexto social através das narrativas dos sujeitos pesquisados. Foram convidados a participar da pesquisa quatro (4) estudantes do 8° semestre do curso de Licenciatura em EF da UFPI, onde os sujeitos foram escolhidos dois motivos: 1. Por estarem matriculados regularmente na disciplina de Estágio Supervisionado Obrigatório em EF, no qual está disciplina apresenta como principal objetivo promover uma análise e uma reflexão sobre a prática pedagógica e docente da Educação Física nos diferentes níveis de ensino no contexto escolar, aproximando-se assim da temática da investigação aqui proposta; 2. Por ser uma disciplina do último semestre, demonstra que os acadêmicos já estão em processo de conclusão do curso, e de certa forma poderiam facilmente olhar retrospectivamente para o percurso percorrido durante sua formação. 83 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 As entrevistas ocorreram no mês de novembro de 2016, em uma sala reservada no Setor de Esportes da UFPI e todos os participantes receberam os esclarecimentos sobre os procedimentos tomados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os acadêmicos responderam às seguintes questões: 1. Quais experiências fizeram você escolher ser um professor (a) de EF? 2. Os desafios no curso de Licenciatura em EF da UFPI permitiu que você se identificasse com a profissão de professor (a)? 3. Quais as contribuições que o curso de Licenciatura em EF te ofertou para a sua formação como professor de EF? Os resultados foram tratados por meio da técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2010), visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimento relativo às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) da mensagem. Em seguida, empreendeu-se o processo de análise das falas dos respondentes a partir das frases constituintes de suas narrativas. Procurou-se identificar sentidos e intenções presentes nas narrativas, buscando sempre reconhecer o que era essencial para o objetivo do estudo, conforme determina Bardin (2010), como procedimento na Análise de Conteúdo. Cabe salientar, que os sujeitos desta investigação receberam nomes fictícios para manter o sigilo sobre suas identidades. Os personagens serão chamados de sinalizados por “acadêmicos” e cada um deles recebeu um número, como demonstra o exemplo: acadêmico 1, acadêmico 2. 2.1 Os achados: As interfaces da formação profissional Os motivos da escolha profissional Ao serem questionados sobre as experiências pessoais que fizeram com que os estudantes escolhessem a profissão de professor de EF, pode-se observar narrativas carregadas de significados, principalmente naquelas relacionadas a trajetória escolar e na prática esportiva fora deste ambiente. Tais apontamentos nos direcionaram para a compreensão de que as atividades propostas nas aulas de EF na escola e as atividades que foram desenvolvidas fora dela (capoeira, voleibol, dança), tiveram muita influência na escolha da profissão dos acadêmicos. Onde para o acadêmico 2, a escolha pelo curso de EF se deu porque este sujeito gostava muito das aulas de educação física na escola e principalmente dos campeonatos de futsal que o mesmo participara. Assim como para o acadêmico 1, que escolheu a profissão por gostar muito da capoeira. Já o acadêmico 3 sinaliza a sua escolha pela profissão porque gostava de ajudar o professor de EF nas aulas de voleibol, bem como a acadêmica 4 que escolheu a profissão porque era estimulada a fazer aulas de dança dentro da escola e a participar de apresentações promovidas por festivais dentro da escola. É possível compreender as afirmações feitas acima, através de recortes dos sujeitos pesquisados: 84 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 “[...] a educação física entrou na minha vida quando era estudante do ensino fundamental menor. Eu amava participar das aulas, principalmente quando o professor organizava os treinos de futsal. Lembro que eu participava de muitos campeonatos. Minha escolha pela educação física começou neste momento [...]” (Acadêmico 1). “[...] nas minhas aulas de educação física, o professor fazia com que a gente tivesse aula de capoeira. Era sempre o melhor dia da semana. Eu ficava muito feliz nas aulas de educação física, porque eu me sentia livre. Eu não pensei duas vezes. Eu disse pra mim mesmo que quando fosse fazer vestibular, eu queria fazer educação física. E hoje estou aqui contando isso pra você [...]” (Acadêmico 2). “[...] eu praticava vôlei com um grupo de amigos da escola. Nosso professor era muito legal. Quando tinha muita gente pra jogar, eu pedia pra ficar ajudando ele a treinar o pessoal do grupo. Eu era muito curiosa, perguntava sobre tudo. Aí teve um dia que ele pediu pra eu ser a treinadora do grupo. Foi o dia mais feliz pra mim. [...]” (Acadêmica 3). “[...] eu tinha um grupo de dança na escola. De repente entrou uma professora nova de educação física. Ela ministrava aula de dança pra gente, fazia festivais de dança. Todo mundo queria participar das aulas dela. Foi a melhor professora de educação física que eu tive. Eu cresci querendo ser igual a ela um dia [...]” (Acadêmica 4). A EF teve seu reconhecimento na sociedade, como uma área que atua com o movimento humano, por isso, é comum encontrar pesquisas cientificas onde muitos dos profissionais de EF, atribuem sua escolha pela profissão porque gostava de participar de aulas práticas através do esporte e de outros conteúdos específicos da área. Por outro lado, tornar-se primordial chamar atenção que a EF por ser um componente curricular obrigatório - Lei n.9.393/96 (BRASIL, 1996), apresenta um universo de conhecimentos e saberes que devem ser explorados no ambiente escolar, proporcionando momentos também de reflexão sobre a utilização desses conteúdos (SILVA; KRUG, 2012). Chama-se atenção neste caso para a EF na escola, bem como, para a formação inicial nos cursos de Licenciatura, de modo que estas não estejam cristalizadas na ideia de que devem ser apenas um espaço de reprodução mecânica e sem contextualização do movimento humano. Da mesma forma, sinalizamos para a questão da utilização do esporte, pois é importante que ele não seja visto como um fim em si mesmo (SILVA; KRUG, 2012), que caracteriza a EF. Maschio et al. (2008), no estudo “motivações para a escolha do curso de licenciatura em Educação Física: um diálogo com acadêmicos em formação inicial”, diagnosticaram que os estudantes apontaram três grandes motivos fundamentais para a escolha do curso de Licenciatura em EF, sendo eles: relação com a prática de atividades esportivas e atividades físicas, a relação do curso com outras áreas da saúde e claro, e por fim, a identificação que os mesmos mantinham com o curso. Krug e Krug (2008) no estudo realizado com acadêmicos do curso de Licenciatura em EF da Universidade Federal da Santa Maria (UFSM), diagnostiEvidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 85 caram nove motivos que levaram aos estudantes escolherem o curso de EF, sendo eles: a influência do professor de EF da escola; o gosto pela prática de atividades esportivas e atividades físicas; alunos que não conseguiram passar no curso superior almejado e tiveram a EF como segunda opção; gosto pelo esportes abordados na área; curiosidade por entender como funciona o corpo humano; prazer em trabalhar com pessoas e com o movimento humano; interesse em ensinar; por eliminação na hora do teste vocacional. Razeira et al. (2014) mostraram na investigação realizada com 122 estudantes do curso de Licenciatura em EF, que os principais motivos que os fizeram escolher esta profissão foram: gosto pelo esporte (outras atividades relacionadas ao movimento); identificação com área e por ter um campo de atuação amplo; por querer ser professor; e por influência do professor da escola. Diante dos apontamentos da literatura, é possível perceber que as principais razões pela escolha do curso de Licenciatura em EF, está intrinsecamente relacionada ao gosto da prática esportiva e da prática de atividade física, por outro lado, há também a presença da influência do professor de EF na escola. Neste ponto, compreende-se que o professor é um personagem essencial que pode direcionar seus alunos para escolhas onde elas estejam inseridas de forma integral. 2.2 Ser ou não ser professor: os desafios enfrentados Ser professor requer enfrentar desafios, mas também é aventurar-se por caminhos desconhecidos e imprevisíveis. Onde muitas vezes é preciso buscar motivação e desejos para não ser surpreendido pelos problemas que podem vir a ofuscar todo o brilho da docência, trazendo para o dia a dia frustrações e inseguranças. Para tanto, é sabido que nem todos os profissionais estão preparados para enfrentar os medos que assolam o professor de EF. Neste caso, advogamos na concepção de que ser professor, é uma descoberta que vai ocorrendo de forma contínua e cotidianamente. É importante considerar que as aprendizagens só são significativas a partir do momento que seus agentes tomam consciência daquilo que lhe foi repassado durante todo o processo de formação. Para que isso ocorra, é preciso que os espaços de formação, ampliem discussões que promovam reflexão sobre o papel do professor na sociedade. Buscando compreender os percursos formativos dos acadêmicos e de como o curso de Licenciatura em EF da UFPI assegurou e permitiu a vivência de ser professor, indagou-se aos estudantes se a universidade proporcionou experiências que permitissem a eles identificarem-se com a função de um professor da Educação Básica. Tal questionamento foi lançado após a compreensão de que a formação inicial é um momento para o desenvolvimento dos saberes que devem e podem ser mobilizados na prática profissional. Ao serem provocados, os acadêmicos responderam que: [...] ser professor de EF não é uma realidade que eu acreditasse. Até porque quando entrei neste curso, eu não tinha pensado nisso ainda. Entrei 86 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 muito imaturo, sem saber direito como as coisas aconteciam. Quando nós começamos a ter disciplinas com o fogo mais pedagógico, eu comecei a ver que as coisas eram ainda mais complicadas. E que ser professor não era algo fácil. Quando tivemos o primeiro estágio, achei tudo muito frustrante. Porque não tínhamos apoio de nada, eu e meu amigo ficamos literalmente abandonados na escola. Tivemos que pedir ajuda para uma professora que defendia o lance da educação física escolar. Foi a partir da convivência com ela que eu pude ter um pouco mais identificação com a escola [...] (Acadêmico 2). [...] Pra mim, o curso permitiu a experiência de professor através dos estágios. O que pra mim não significa dizer que todos queiram ser professor só ter tido essa vivência de alguns meses. Porque dependendo do lugar onde a gente vai fazer o estágio, tive amigo que se sentiu foi “aperreado”, com medo de enfrentar os alunos na escola [...] (Acadêmica 4). [...] O curso deveria era propor mais momentos pra galera entender sobre o que é ser professor. Além dos estágios, penso que poderia ser criado estratégias para aproximar os alunos que entram no curso para saberem o que é ser um professor na escola. Porque os desafios são grandes. Os estágios não dão garantia de que todos queiram ser docente. Mas não posso negar que o meu curso ofereceu momentos como este [...] (Acadêmica 3). Apesar dos acadêmicos relatarem a respeito das dificuldades e desafios enfrentados, é possível perceber que o curso de EF da UFPI permitiu principalmente através dos estágios supervisionados obrigatórios, que os alunos vivenciassem na pele a função do que é ser professor na Educação Básica. Por outro lado, sinalizamos para o discurso do acadêmico 2, deixando nítido em seu relato que houve por um momento frustação, insegurança e medo. Isso demonstra os ritos iniciais que muitos professores iniciantes passam, quando se deparam com situações para além daqueles que eles imaginavam. Destaca-se também o discurso da acadêmica 4, quando a mesma diz que mesmo o curso garantindo experiências docentes através dos estágios “[...] isso não significa dizer que todos queiram ser professor, só por ter tido essa vivência de alguns meses [...]”. De acordo com os discursos dos alunos, chama-se a atenção para que o referido curso possa pensar numa possibilidade de ordenar uma forma de possibilitar com que os alunos possam ter um contato mais próximo com a docência logo no início do curso. Como nos discursos dos acadêmicos os estágios foram os momentos que mais tiveram destaque, é possível compreender no estudo de Souza, Bonela e Paula (2007), que o estágio supervisionado apareceu como um momento muito importante na formação do profissional de EF, sendo apontado por todos os estudantes pesquisados. Autores como Felício e Oliveira (2008) chamam a atenção ao afirmar que o estágio curricular quando realizado de maneira planejada e bem orientado, torna-se um momento fundamental na formação inicial. Krug (2010) afirma que é por meio das experiências do estágio supervisionado que o estudante conhece a realidade escolar e começa a reconhecer-se Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 87 como profissional da educação. Porém como percebido, para os acadêmicos deste estudo, o estágio foi um momento de desafios, o que também pode ser diagnostica no estudo de Souza, Bonela e Paula (2007), quando os acadêmicos pesquisados deixaram claro que: Na graduação aprendemos a teoria e como “devemos trabalhar”, mas na realidade escolar é diferente, tem muita coisa que aprendemos e não conseguimos trabalhar na escola [...] (Acadêmico 3). [...] a realidade escolar é completamente diferente da que vemos na faculdade [...] (Acadêmico 22). Bom a diferença é grande, pois ao chegar em uma escola a ideia de se trabalhar de uma certa forma as vezes se torna totalmente ao contrário. Na graduação o que aprendemos e estudamos parece que vai dar certo na escola, mas muitas vezes não dá [...] (Acadêmico 24). Como já apontado, o curso de formação inicial, repassa conhecimentos que somente a vivência e experiência na escola é capaz de afirmar se o que foi aprendizado foi significativo no momento de repassar os conteúdos. Milanesi (2012, p. 223) aponta que o estágio “é o momento mais significativo de se conhecer a realidade escolar para aprender a profissão na prática”. Mas em muitas situações deixa a desejar. Por esta razão, é preciso que as instituições possam estreitar os laços entre as Instituições de Ensino Superior (IES) com as escolas da Educação Básica, aproximando os estudantes do curso de Licenciatura em EF com a realidade que acontece no chão da escola e em seu cotidiano. 2.3 Contributos da formação inicial para identidade de professor (a) Os cursos de formação de professores devem ser sempre espaços de diálogos e de construção dos saberes sobre a docência, contribuindo para uma formação sólida e reflexiva sobre a função do professor, deixando claro quais são os desafios que este poderá enfrentar em sua trajetória enquanto docente de uma instituição de ensino. Sendo assim, compactuamos com o pensamento de Zabalza (2004), quando afirma que a formação ofertada pelas instituições de ensino, devem ter como princípio o de qualificar as pessoas para que elas tenham condições de repassar seus conhecimentos afim de desenvolver e aprimorar tudo aquilo que lhe foi proposto. Quando os acadêmicos foram indagados sobre as contribuições do curso para a formação de professor, é possível compreender nos discursos que: [...] nesta etapa final da graduação, eu percebi que ser professor de EF é algo além do eu imaginava. Temos que ter certeza da nossa profissão, porque a escola é um local cheio de desafios (Acadêmico 1). 88 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 O curso me fez perceber o quanto a educação precisa de professores que valorizem a educação física. Se não vamos continuar levando a fama de professores que não fazem nada escola, além de dar bola para os alunos jogarem futsal [...] (Acadêmico 2). Eu agradeço por saber que o curso de educação física nos dá a possibilidade da gente trabalhar com o movimento. Acho que essa foi a principal contribuição do curso. A gente pode mover a escola (Acadêmica 3). [...] amadureci meu pensamento sobre os professores de Educação Física e sobre a escola. Sei que posso aprender ainda muito mais, mas o que aprendi me fez perceber que precisamos de gente goste da nossa área (Acadêmica 4). É notório pelos discursos dos acadêmicos, que os contributos do curso para a construção da identidade do ser professor, deu-se principalmente na questão da valorização do espaço da escola e da figura do professor de EF. Os relatos apontam que os acadêmicos mesmo enfrentando desafios durante seu percurso formativo, ainda tiveram ânimo para fortalecer o pensamento positivo sobre a EF, demostrando assim vontade para exercer sua função com conhecimento e respeito sobre aquilo que se faz. Para tanto, é preciso salientar que os professores iniciantes em muitos momentos passam por dificuldades ao se inserirem na docência, como afirma Ilha (2012) ao dizer que muitos problemas quanto ao professor de EF na escola, está ligado aos reflexos da formação inicial, mas também por influência de fatores externos. Sendo assim, corroboramos com o pensamento de Rausch e Franzt (2013, p. 629) quando os autores afirmam que “o professor é considerado figura central no processo de ensino e seu papel é imprescindível para o sucesso no processo de significação de novos conhecimentos”. Considerações finais A partir do objetivo proposto por esta investigação de analisar a percepção que os acadêmicos da Licenciatura em Educação Física da UFPI têm de sua trajetória formativa e como eles veem as contribuições da formação inicial na construção da identidade de futuros professores da Educação Básica. Foi possível perceber que os acadêmicos pesquisados demonstraram ter segurança sobre as trajetórias percorridas por eles na formação inicial. Quanto as razões sobre a escolha pelo curso de Licenciatura em Educação Física da UFPI, compreendeu-se que os sujeitos pesquisados escolheram ser professores EF, por terem vivenciado experiências práticas na área esportiva e em práticas esportivas, mas também se apoiaram nas memórias afetivas do período escolar, tendo como principal referência seus professores de EF no espaço escolar. Já os principais desafios enfrentados pelos acadêmicos, centram-se principalmente nas vivências dos estágios supervisionados, mostrando que embora os estágios pudessem ser momentos essenciais na construção da identidade do ser professor, 89 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 ele também pode demonstrar a real a situação do espaço escolar e de como suas ações podem interferir ou não nas atividades proposta pelos futuros professores. Quanto aos contributos da formação proposta pelo curso, os acadêmicos sinalizaram para a importância do professor de EF no ambiente, e de como a partir de agora eles veem a escola como um espaço de transformação social, no qual precisa de um olhar mais atencioso. Portanto, acredita-se que os percursos percorridos na formação inicial, produziram vivências significativas nas trajetórias dos acadêmicos pesquisados, o qual pode ser visto pelos relatos disponíveis neste estudo. Salientamos aqui a importância de haverem mais estudos sobre a formação inicial, considerando este um espaço reflexivo e cheio de significados. Agradecimentos À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pela bolsa concedida para continuar o mestrado. Agradecimento profundo ao Núcleo de Estudo e Pesquisa em Corporeidade e Pedagogia do Movimento – NUCORPO, pela acolhida e por toda solidariedade direcionada a este nobre nordestino arretado com sede de aprendizado. Referências BARDIN, L. 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Professor dos Programas de Mestrado em Educação e Educação Física da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Pesquisadora e coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Corporeidade e Pedagogia do Movimento - NUCORPO 92 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 81-92, 2018 A Educação na contemporaneidade: contribuições da tecnologia digital para a inclusão das pessoas com deficiência auditiva KIKUICHI, Vivian Zerbinatti da Fonseca QUEIROZ, Florence Alves Pereira de Resumo: A Educação Inclusiva e a era digital são grandes desafios para o sistema educacional. Na perspectiva da educação inclusiva passa-se a questionar as práticas educacionais excludentes em detrimento às práticas que valorizam a diferença presente em sala de aula. Os recursos disponibilizados pela tecnologia digital podem constituir-se em um importante caminho para que as pessoas com deficiência se tornem sujeitos ativos no processo de construção de conhecimento. O presente artigo tem como objetivo destacar as contribuições da tecnologia digital para a inclusão das pessoas com deficiência auditiva por meio de revisão de literatura a fim de buscar os principais recursos tecnológicos digitais disponíveis atualmente no mercado em prol desse público específico. Entende-se que os desafios da educação contemporânea exigem que os sistemas educacionais se reorganizem, investindo na inovação das práticas pedagógicas e na mobilização de novos saberes capazes de reconhecer a potencialidade de aprendizagem de todos os alunos. Palavras-chave: Educação Inclusiva; Saberes docentes; Tecnologias digitais. Abstract: Inclusive Education and the digital age are major challenges for the education system. From the perspective of inclusive education, we question the exclusionary educational practices to the detriment of practices that value the difference present in the classroom. The resources made available by digital technology can be an important way for people with disabilities to become active subjects in the knowledge-building process. This article aims to highlight the contributions of digital technology to the inclusion of hearing impaired people through a literature review in order to search for the main digital technological resources currently available in the market for this specific public. It is understood that the challenges of contemporary education require that educational systems reorganize, investing in the innovation of pedagogical practices and the mobilization of new knowledge capable of recognizing the learning potential of all students. Keywords: Inclusive Education; Teacher knowledge; Technologies. 93 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 93-101, 2018 1. Educação inclusiva e a era digital: reflexões iniciais Berger e Luckmann afirmam que as instituições sociais, incluindo as escolas, são produtos históricos da atividade humana e que “é impossível compreender adequadamente uma instituição sem entender o processo histórico em que foi produzida” (1985, p. 79). Partindo dessa afirmação, considera-se importante refletir sobre a trajetória histórica que culminou com a atual proposta de inclusão vigente no cenário educacional brasileiro para compreender a concepção de homem construída ao longo da história e principalmente pensar qual é a concepção que está sendo construída na sociedade contemporânea, marcada não apenas pelo advento da inclusão como também pela presença das tecnologias digitais que apontam para a necessidade de refletirmos sobre o papel da escola diante desses desafios. A história de consolidação da educação especial mostra-nos que a exigência legal por uma educação de qualidade e igualdade de direitos aos alunos com deficiência começou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que já indicava a necessidade de uma educação inclusiva quando em seu artigo 208, III, p. 123-124, afirma que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Assegurar atendimento especializado às pessoas com deficiência no ensino público significa reconhecer que as especificidades precisam ser trabalhadas de forma diferenciada no contexto escolar. As discussões sobre a inclusão se intensificaram após a realização da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada na cidade de Jomtien, em 1990, na Tailândia e a Conferência Mundial sobre Educação Especial que aconteceu em Salamanca, Espanha, em 1994. Esses eventos resultaram, respectivamente, na elaboração da Declaração de Jomtien e Declaração de Salamanca, documentos que propunham mudanças que favorecessem a construção de um sistema educacional inclusivo capaz de garantir uma educação de qualidade para todos os alunos. Tanto a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) quanto a Declaração de Salamanca (1994) influenciaram a formulação de políticas públicas da educação inclusiva em todo mundo. No Brasil, os reflexos dessas conferências podem ser percebidos em diversos documentos como a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394 de 1996 que preconiza em seu artigo 59 que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades; a partir dessa Lei, os municípios assumem a responsabilidade de universalização do ensino da Educação Infantil e Ensino Fundamental, devendo desenvolver ações necessárias para implementar a educação inclusiva. Ações como o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, implementado pelo Ministério da Educação em 2003, com o objetivo de apoiar a transformação dos sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos, para garantir o direito de acesso de todos os alunos à escolarização, à oferta do atendimento educacional especializado, além da garantia de acessibilidade, também tiveram inspiração nos documentos elaborados após as Conferências de Jomtien e Salamanca. 94 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 93-101, 2018 Atualmente, vigora em nosso país a Lei Brasileira de Inclusão (2015), aprovada por unanimidade no Senado depois de 12 anos em tramitação no Congresso Nacional. A Lei 13.146 de 2015, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência assegura, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão e cidadania. A consolidação da política de inclusão (BRASIL, 2015) na escola comum, aponta a necessidade de implementação de novas práticas pedagógicas que resultem na oferta de uma educação de qualidade para todos e na ressignificação dos espaços de aprendizagem de forma que estejam voltados para atender às especificidades desse público que começa a frequentar as salas de aula das escolas brasileiras. A Lei da Inclusão (2015) prevê o “aprimoramento dos sistemas educacionais, visando garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade (grifo nosso) que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena” (art. 28, II, p.07). Com as contribuições dos recursos disponibilizados pela tecnologia digital as pessoas com deficiência passaram a ter direito não apenas ao acesso, mas à permanência no contexto escolar em condições de equidade. A educação da contemporaneidade enfrenta uma realidade desafiadora: de um lado é preciso aprender como oferecer uma educação de qualidade que reconhece, respeita e valoriza as diferenças presentes em sala de aula, com um ensino que permita a todos aprenderem a partir de suas potencialidades; e de outro é preciso aprender a utilizar os recursos tecnológicos disponíveis para que os estudantes tenham acesso à informação e um papel ativo no processo de construção do conhecimento independentemente das necessidades que apresentem. A escola contemporânea é o espaço da diferença, do digital, dos desafios, da controvérsia, do inusitado, da possibilidade, mas de nada adiantará a inovação tecnológica e a variedade de recursos e serviços disponíveis se a escola não estiver preparada para lidar com as mudanças, para acolher a diferença, para aprender com o novo uma nova forma de exercer o seu papel. Sobre o papel da escola diante dos impactos causados pelas transformações do mundo contemporâneo Silva afirma que: O impacto das transformações de nosso tempo obriga a sociedade, e mais especificamente os educadores, a repensarem a escola, a repensarem a sua temporalidade. E continua. Vale dizer que precisamos estar atentos para a urgência do tempo e reconhecer que a expansão das vias do saber não obedece mais a lógica vetorial. É necessário pensarmos a educação como um caleidoscópio, e perceber as múltiplas possibilidades que ela pode nos apresentar, os diversos olhares que ela impõe, sem, contudo, submetê-la à tirania do efêmero (SILVA, 2001, p. 37). 95 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 93-101, 2018 É interessante a ideia proposta por Silva (2001) de pensarmos a educação tendo como referência um caleidoscópio, que segundo Freitas (2015) em suas voltas, muda suas perspectivas, ampliando seu alcance visual. É fundamental que a escola tendo como referência a história vivida, repense seus paradigmas, concepções e condutas, buscando ressignificar seu papel em prol da oferta de um ensino de qualidade a partir das múltiplas possibilidades de aprendizagem que os recursos tecnológicos oferecem. As tecnologias digitais podem caracterizar-se como alternativa importante para mudanças no cenário educativo, desde que a educação não passe a simplesmente fazer uso da técnica, mas pense a tecnologia enquanto um caminho para a mudança social (FREITAS, 2015). Alonso (2008, p. 749) acredita que “a incorporação das TIC1 pelas escolas seja um elemento catalizador de mudanças significativas na aprendizagem dos alunos”. Segundo Alonso (2008), embora as tecnologias de informação e comunicação não sejam produzidas e processadas nos contextos escolares, espera-se que elas possam promover transformações nos modos de ensinar e aprender. Assim, nesse cenário de mudanças que impera no mundo contemporâneo é inevitável que a escola além da inclusão discuta e considere as contribuições das tecnologias digitais para o contexto educativo, entendendo-as não como meros recursos que facilitam o acesso das pessoas com deficiência, mas como um importante caminho para que o aluno, independentemente de suas especificidades, construa seu conhecimento de forma autônoma, participativa e sinta-se realmente incluído em qualquer ambiente em que estiver inserido. Portanto, o presente artigo destaca as contribuições da tecnologia digital para a inclusão das pessoas com deficiência auditiva, levando em consideração que o acesso às novas tecnologias tem se tornado cada vez maior por todas as esferas sociais, e principalmente pelas pessoas com deficiência, que têm se beneficiado muito com esses recursos no seu dia-a-dia. Para a realização do mesmo foi feita uma revisão de literatura a fim de realizar um levantamento dos principais recursos tecnológicos disponíveis no mercado, atualmente, que podem beneficiar direta e indiretamente as pessoas com deficiência auditiva. 2. As tecnologias digitais e a educação: saberes necessários para o fortalecimento do processo de inclusão Para as pessoas sem deficiência a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis. (RADABAUGH, 1993) A inclusão educacional é uma proposta que se constrói coletivamente, à medida que as necessidades vão sendo diagnosticadas e que os sujeitos participantes do processo socializem os obstáculos, as dificuldades, as conquistas e os 1 96 Tecnologias da Comunicação e Informação. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 93-101, 2018 avanços percebidos nos contextos em que estão atuando. A implementação de políticas que respaldam legalmente as ações das instituições escolares é um passo importante, mas não determina o sucesso da proposta; é preciso que elas sejam socializadas e entendidas pela sociedade e efetivadas pela escola. A mobilização de novos saberes para se atuar no contexto da escola contemporânea é um aspecto fundamental para que se alcance o objetivo de atender a todos com qualidade, com respeito às diferenças, com igualdade de oportunidades, princípios básicos que caracterizam a verdadeira educação inclusiva. A escola comum se torna inclusiva quando reconhece as diferenças dos alunos diante do processo educativo e busca a participação e o progresso de todos, adotando novas práticas pedagógicas (BRASIL, 2007). Para que a proposta da educação inclusiva possa se concretizar, faz-se necessário além da qualificação constante dos profissionais da área, o desenvolvimento de novos saberes e a redefinição das práticas educacionais para que estejam mais adequadas às necessidades dos alunos e às exigências da contemporaneidade. As transformações necessárias por parte da escola envolvem mudanças arquitetônicas, curriculares, pedagógicas e atitudinais. Do professor espera-se qualificação profissional constante, reestruturação de conceitos e novas práticas pedagógicas. Isso porque a complexidade das relações estabelecidas em âmbito educacional exige que o professor construa múltiplos saberes que se revelam cada vez mais diversificados e necessários. Saberes que vão desde o conhecimento científico da área em que atua, à novas metodologias de ensino, recursos e estratégias adequados à faixa etária, nível de desenvolvimento e necessidades dos alunos, ou seja, espera-se que o professor adquira competências que favoreçam sua atuação nos diferentes ambientes em que estiver atuando. Quando se fala na necessidade de adquirir novos conhecimentos não se pode desconsiderar o potencial das novas tecnologias e sua estreita relação com a educação, com a aprendizagem e com o desenvolvimento de todos os envolvidos. De acordo com Freitas (2015) a atuação pedagógica voltada para a promoção do processo ensino-aprendizagem com a presença das tecnologias digitais pode promover tanto o desenvolvimento dos docentes quanto dos estudantes. Ainda segundo a autora, o foco não deve estar no instrumento propriamente dito, mas no que ele possibilita ao sujeito. Assim, de nada adianta termos à disposição uma gama de recursos tecnológicos se a escola não souber utilizá-los em benefício de seus alunos. A inclusão de alunos com deficiência auditiva é um grande desafio para as unidades escolares, pois além das especificidades desse grupo, ainda existe a falta de comunicação entre os alunos e o ambiente no qual estão inseridos. O que se percebe em algumas salas de aulas é a segregação desses alunos perante os demais, devido à ausência de comunicação. Tentando amenizar ou superar a barreira imposta pela falta de uma língua compartilhada, inúmeros recursos tecnológicos foram criados e se bem utilizados podem trazer significativos benefícios aos usuários. Dentro dos recursos tecnológicos que facilitam a acessibilidade das pessoas com deficiência auditiva encontra-se dispositivos que ajudam o professor e o Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 93-101, 2018 97 aluno a interagirem melhor, como por exemplo, os aplicativos gratuitos de Língua de Sinais que contribuem para a comunicação entre surdos e ouvintes. Dentre os principais aplicativos estão o ProDeaf e o Hand Talk. O ProDeaf consiste em um aplicativo de tradução de texto e voz da língua portuguesa para a língua brasileira de sinais com o objetivo de tornar possível a comunicação entre surdos e ouvintes. Esse aplicativo está disponível gratuitamente e pode ser baixado em celulares e tabletes. O Hand Talk é outro aplicativo que oferece a ajuda de um intérprete virtual para levar acessibilidade em Libras para qualquer lugar. É uma ferramenta de uso personalizado que converte textos, imagens e áudio para Língua de Sinais gratuitamente. Ele torna possível a tradução da foto de uma placa, por exemplo. Foi eleito pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o melhor aplicativo social do mundo. Existe também o Uni Libras, um dicionário com índice em Libras, desenvolvido especialmente para pessoas com deficiência auditiva, ele permite que o usuário encontre palavras através da língua brasileira de sinais obtendo vídeos, fotos e palavras em português, além de oferecer opções de busca na internet, auxiliando na sua comunicação em momentos específicos. Resultado de uma parceria entre o Ministério do Planejamento (MP), por meio da Secretaria de Tecnologia da Informação (STI) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a Suíte VLibras consiste em um conjunto de ferramentas computacionais de código aberto, responsável por traduzir conteúdos digitais (texto, áudio e vídeo) para a Língua Brasileira de Sinais, tornando computadores, dispositivos móveis e plataformas Web acessíveis para pessoas surdas. É possível utilizar essas ferramentas tanto no computador Desktop quanto em smartphones e tablets; os interessados em utilizar as ferramentas podem baixar os aplicativos gratuitamente na Google Play e na Apple Store. Ao acessar o link: http://vlibras. gov.br as pessoas além de baixarem, gratuitamente o VLibras, terão informações detalhadas sobre como utilizar essa ferramenta. Com a utilização do VLibras os surdos reduzem as barreiras de comunicação na web. A Suíte VLibras possui atualmente um dicionário o WikiLibras com mais de 11 mil termos que pode ser ampliado e aperfeiçoado pelas pessoas com deficiência auditiva. Ele é uma ferramenta que permite aos usuários colaborarem com a construção do dicionário em Libras. Com este recurso, os surdos podem ensinar Ícaro, o avatar do VLibras, a fazer um sinal e corrigir outro que, por ventura, esteja errado. Em relação aos benefícios oportunizados pelo desenvolvimento tecnológico destaca-se para a comunidade surda a criação da TV INES, a primeira emissora para surdos, totalmente sinalizada. A TV INES foi criada pelo Instituto Nacional de Educação para Surdos (INES) e tem como objetivo atender aos usuários da língua de sinais do Brasil, por isso oferece toda sua programação em LIBRAS. A emissora2 é online e atende a diferentes públicos em sua programação, desde o infantil até o adulto. 2 98 O site oficial da emissora é http://www.tvines.com.br/. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 93-101, 2018 Um recurso tecnológico que traz grandes benefícios para a pessoa com perda auditiva é o Aparelho de Amplificação Sonora Individual – AASI; é um aparelho auditivo que consiste em um mini sistema de amplificação. O aparelho é desenvolvido e adaptado para se adequar à situação auditiva de cada pessoa. Isso se deve ao fato de cada pessoa ter uma necessidade individual diferente da outra. Outro equipamento muito importante para a acessibilidade de quem apresenta perda auditiva é o Sistema de Frequência Modulada (Sistema FM). Trata-se de um dispositivo eletrônico de tecnologia assistiva com o objetivo de melhorar por meios eletrônicos a eficiência do indivíduo para receber e ouvir a mensagem falada, independente da distância entre fonte sonora e ouvinte, presença de ruído e acústica do ambiente. Em sala de aula, o sistema de frequência modulada (FM) filtra a voz do professor e elimina os ruídos do ambiente, de maneira a melhorar a qualidade do som para os alunos que usam aparelhos de amplificação sonora ou implante coclear. Na prática, o uso desse sistema funciona da seguinte forma: o professor usa um pequeno microfone em seu pescoço e o aluno acrescenta uma peça no aparelho que já utiliza. O som ambiente deixa de ser captado, dando ênfase exclusiva à voz do professor. Isso permite que os alunos com perda auditiva driblem os ruídos e tenham mais facilidade para ouvir o que o professor diz. Tem-se também como recurso tecnológico o Implante Coclear que consiste em um aparelho implantado cirurgicamente na orelha, capaz de estimular diretamente o nervo auditivo, causando sensações sonoras. Freitas (2015) afirma ser importante olharmos as tecnologias digitais pensando na variedade de possibilidades abertas com o desenvolvimento dos novos telefones celulares, smartfones, ipad, ipod, tablets, que por possibilitarem acesso à internet aumentam a capacidade comunicacional entre as pessoas. Considerando ser a comunicação um dos principais problemas enfrentados pela pessoa com deficiência auditiva, entende-se que tais recursos assumem um papel muito importante no processo de aprendizagem e socialização dessas pessoas. Porém, sabemos que somente os recursos tecnológicos não são suficientes para suprir todas as necessidades educacionais e sociais dos sujeitos. Diante da realidade da educação contemporânea que revela desafios provocados pelo advento da inclusão e as inovações tecnológicas, ressalta-se um saber fundamental constitutivo de todo professor: a sensibilidade. “A aquisição da sensibilidade relativa às diferenças entre os alunos constitui uma das principais características do trabalho docente” (TARDIF, 2012, p. 267). O professor que atua no contexto da educação inclusiva precisa demonstrar disposição interna para conhecer as necessidades de seus alunos, valorizar suas singularidades e estar disposto a acolher as diferenças e não simplesmente aceita-las por uma imposição do sistema. A proposta de uma prática pedagógica inovadora precisa vir impregnada de sensibilidade. Uma sensibilidade que transforme a aceitação em acolhimento, que aponte caminhos plurais para as especificidades e singularidades presentes em sala de aula, uma sensibilidade capaz de mobilizar os diversos saberes que Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 93-101, 2018 99 os docentes constroem ao longo de sua trajetória pessoal e profissional e que se constituirão em elementos fundamentais para a humanização da educação e consolidação da inclusão. Considerações finais Ao longo da história a concepção que temos de homem, de educação, de deficiência foi se transformando de acordo com o contexto, devido à influência de legislações específicas e políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade da educação. Essas mudanças influenciaram no atual conceito de educação inclusiva que está sendo disseminado e implantado em todo país. Ao abordar a inclusão é inevitável refletir sobre a necessidade de práticas educacionais voltadas para os indivíduos que, por séculos, ficaram invisíveis perante a sociedade e as políticas públicas voltadas para a educação. Por muito tempo, as pessoas com deficiência foram obrigadas a frequentar escolas especiais ou se adaptar ao ambiente escolar, tendo o direito à educação de qualidade previsto desde a Constituição Federal (1988) negligenciado. A proposta vigente de um sistema educacional inclusivo está diretamente relacionada à necessidade da escola preparar-se para acolher e valorizar a diferença que constitui os indivíduos presentes na sala de aula. É preciso investir na formação continuada dos professores, estimulando momentos de reflexão sobre a própria prática para que os docentes tenham consciência da função social de seu trabalho e construam novas concepções sobre a aprendizagem, sobre a educação, por meio da mobilização de saberes plurais e heterogêneos que levem em consideração as especificidades e necessidades presentes no contexto educacional. Referências ALONSO, K. M. Tecnologias da informação e comunicação e formação de professores: sobre rede e escolas. Educ. Soc. [online]. 2008, vol. 29, n.104, p. 747-768. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v29n104/a0629104.pdf. Acesso em 20 de jul. de 2017. BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento; tradução de Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988._______. _______. Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE: razões, princípios e programas. Secretaria de Educação Especial - MEC/SEESP, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/livro.pdf>. Acesso em 10 de dezembro de 2016. _______. Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou Estatuto da Pessoa com deficiência. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em 10 de dezembro de 2016. 100 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 93-101, 2018 DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. 1994. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: maio 2017. FREITAS, M. T. A. Tecnologias digitais: cognição e aprendizagem. In: 37a Reunião Nacional da Anped: Plano Nacional de Educação: tensões e perspectivas para a educação pública brasileira, 2015, Florianópolis. 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Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. - Vivian Zerbinatti da Fonseca Kikuichi Universidade Federal do Triângulo Mineiro vivian.zerbinatti@uberabadigital.com.br Currículo: http://lattes.cnpq.br/6346755982382415 - Florence Alves Pereira de Queiroz Universidade Federal do Triângulo Mineiro florence.apqueiroz@gmail.com Currículo: http://lattes.cnpq.br/7292744303107353 101 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 93-101, 2018 Aprendendo com o Fred: Jogo didático e suas aplicações MOTTA, Frederico Martins OLIVEIRA, Camila Tenório Freitas de SANTOS, Rafael Alves dos Resumo: Os recursos tecnológicos têm grande potencial de uso nas aulas em geral, sobretudo, no uso de alternativas didáticas para a realização de tais, fomentando assim o interesse dos alunos e de professores. Dentre os recursos, destaca-se aqui o jogo didático, visto que este proporciona atração, afinidade, desejo e conhecimento por parte dos alunos. Defende-se aqui que o jogo, aliado à Geopolítica, contribui de maneira significativa para a formação de cidadãos críticos. O presente artigo irá demonstrar o desenvolvimento do jogo “Aprendendo com o Fred”, que foi desenvolvido no período de aulas da disciplina de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação na Educação: Formação de Professores, do curso de Mestrado em Educação, na Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Palavras chave: Recursos Tecnológicos; Jogo Didático; Educação. Abstract: Technological resources have great potential for use in general classes, above all, in the use of didactic alternatives for the accomplishment of such, thus fostering the interest of students and teachers. Among the resources, we highlight the didactic game, since this provides attraction, affinity, desire and knowledge on the part of the students. It is argued here that the game, allied to Geopolitics, contributes significantly to the formation of critical citizens. This article will demonstrate the development of the game “Learning with Fred”, which was developed during the period of classes of the Digital Technologies of Information and Communication in Education: Teacher Training, Master’s Degree in Education, Federal University of Mining Triangle. Keywords: Technology Resources; Didactic Game; Education. 1. Introdução Falar sobre tecnologias tornou-se algo tão natural que é inevitável pensar na educação sem o seu uso. Segundo Ponte (2000, p. 64), as tecnologias “representam uma força determinante do processo de mudança social, surgindo como a trave-mestra de um novo tipo de sociedade, a sociedade da informação”. A conEvidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 103 figuração que se têm hoje é a de crianças e jovens voltados, exclusivamente, para uma era digital. Trata-se da Geração Z, ou Geração Internet, formada por indivíduos conectados constantemente a dispositivos portáteis com acesso à internet. “Os jovens da Geração Internet são mais espertos, rápidos e tolerantes quanto à diversidade do que seus predecessores” (TAPSCOTT, 2010, p. 15). [...] Este autor ainda diz que “A conclusão é a seguinte: se você entender a Geração Internet, entenderá o futuro. Também compreenderá como as nossas instituições e a nossa sociedade precisam mudar hoje” (TAPSCOTT, 2010, p. 21). A partir da inclusão digital difundida na sociedade, a escola tem pela frente o desafio de se apropriar e moldar-se frente às tecnologias. Todavia, embora o uso das tecnologias na educação pode ser de grande valor para construção de saberes educacionais, ele exige alguns cuidados quanto a elaboração de conteúdo a ser estudados por parte do professor. Valente (2003, p.19) retrata que o computador, por exemplo, tendo em vista suas facilidades técnicas, permite ampla diversidade de atividades e possibilita a exploração ilimitada de ações pedagógicas a serem realizadas por professores e alunos. Entretanto, tais ações podem ou não estar contribuindo para o processo de construção de conhecimento dos alunos. Eles poderão “estar fazendo coisas fantásticas, porém o conhecimento usado nessas atividades pode ser o mesmo que o exigido em uma outra atividade menos espetacular. O produto pode ser sofisticado, mas não ser efetivo na construção de novos conhecimentos”. Deste modo, Valente (2005, p.23) observa que: [...] embora as sofisticações tecnológicas sejam ainda maiores, existem dois aspectos que devem ser observados na implantação dessas tecnologias na educação. Primeiro, o domínio do técnico e do pedagógico não deve acontecer de modo estanque, um separado do outro. É irrealista pensar em primeiro ser um especialista em informática ou em mídia digital para depois tirar proveito desse conhecimento nas atividades pedagógicas. O melhor é quando os conhecimentos técnicos e pedagógicos crescem juntos, simultaneamente, um demandando novas idéias do outro. [...] O segundo aspecto diz respeito à especificidade de cada tecnologia com relação às aplicações pedagógicas. O educador deve conhecer o que cada uma dessas facilidades tecnológicas tem a oferecer e como pode ser explorada em diferentes situações educacionais. Nesse aspecto, o professor carece em desenvolver diferentes estratégias na sua prática docente, buscando interagir com novas formas de ensino. É fundamental que o professor, tanto tenha conhecimento das técnicas de informática utilizadas para compor essa atividade, quanto tenha conhecimento das diferentes modalidades de uso da informática na educação. Ainda, é preciso que o professor se posicione como um parceiro e não mais como “detentor do monopólio do saber”. É preciso que ele “encaminhe e oriente o aluno diante das múltiplas possibilidades”, independente se vai ou não utilizar tecnologias em suas aulas 104 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 (KENSKI, 2003). Segundo Levy (1999), pela primeira vez na história da humanidade, competências adquiridas no início da vida profissional de um docente estarão obsoletas no final de sua carreira, devido ao rápido desenvolvimento tecnológico. Tendo isto em vista, nota-se a necessidade de contribuir na formação dos educadores possibilitando a apresentação de novos métodos de ensino e aliando o conhecimento teórico com as novas tecnologias da informação e comunicação. Silva (2001) relata que estamos em uma geração onde o Ministro da Educação Paulo Renato Souza veio a público para falar do “efeito chatice” e aventar suas causas: i. A Prevalência Do Modelo Tradicional De Ensino: o professor se sente o todo-poderoso, repete conceitos e não sabe interagir com os alunos. Ainda, os conteúdos estão distantes da realidade e devem ser decorados e cobrados em provas; ii. A Oferta Atual De Informação E Conhecimento: é cada vez maior e melhor fora da sala de aula, graças aos novos recursos tecnológicos, em especial a internet e a multimídia interativa. Ou seja, é quase impossível competir com a era tecnológica: o professor possui em sua frente uma barreira maior do que o seu conhecimento teórico. Ele agora deve buscar meios para suprimir essa “chatice” e conseguir retomar seu espaço dentro da sala de aula, aliando sempre sua bagagem teórica com novos métodos de ensino. De acordo com as orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (2002, p. 9), uma formação assim, [...] exige métodos de aprendizado compatíveis, ou seja, condições efetivas para que os alunos possam comunicar-se e argumentar, deparar-se com problemas, compreendê-los e de enfrentá-los, participar de um convívio social que lhes dê oportunidade de se realizarem como cidadãos, fazerem escolhas e proposições, tomarem gosto pelo conhecimento, aprenderem a aprender. Ou seja, de modo a contribuir para a efetividade do ensino e da aprendizagem, faz-se necessário que os professores se mantenham atualizados, buscando evidenciar a busca pelo conhecimento por parte dos alunos a partir de objetos de interesse dos mesmos. Frente à breve discussão sobre a importância dos recursos tecnológicos aliados às metodologias dos professores, destacam-se aqui os Jogos Digitais. Estes, segundo Gee (2009), se pensados na educação, incorporam princípios de aprendizagem que: incentivam a sociabilidade e interação com os demais; encoraja os alunos a serem os próprios autores da aprendizagem; abre espaço para o risco, independente se houver, ou não, fracasso, de modo a explorar diferentes perspectivas e caminhos; entre outros. A intenção não é transformar a sala de aula em um espaço onde os alunos podem ficar jogando e se divertindo um turno inteiro, mas criar um espaço onde os professores possam identificar “questões Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 105 éticas, políticas, ideológicas, culturais, etc. que podem ser exploradas e discutidas com os discentes, ouvindo e compreendendo as relações que os jogadores, nossos alunos, estabelecem com estas mídias” (ALVES, 2008, p. 8). Ou seja, onde os professores e os alunos tenham oportunidade de compreender esta nova alternativa para o processo de ensino e aprendizagem. Nesta perspectiva, pensou-se na programação e desenvolvimento do game Aprendendo Com o Fred, cujo objetivo é abordar sobre Geopolítica, com base nas Delações da Odebrecht por meio de um modelo de game baseado no “Super Trunfo”. 2. Desenvolvimento Partindo do pressuposto de que a formação do professor está intimamente relacionada ao futuro da educação, optou-se pela aplicação do jogo didático durante a realização das aulas da disciplina Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação na Educação: Formação de Professores, do Mestrado em educação, da Universidade Federal do triângulo Mineiro, para professores e educadores de diversas áreas do conhecimento, visando uma demonstração de eventuais alternativas as quais os professores podem e devem se amparar durante o desenvolvimento profissional. O jogo didático, caracterizado como de atividade lúdica facilitadora da apropriação do conhecimento, tem feito com que os jogos venham se destacando no âmbito acadêmico. Desta forma, os jogos educativos têm sido mais requisitados pelos docentes que buscam aprimorar seus recursos didáticos. Ou seja, a utilização de um jogo inédito, correlato a temas encontrados na sala de aula, é importante para o desenvolvimento do aluno e das aulas ministradas pelos professores. Segundo (GEE, 2009, p 171) a escola costuma oferecer muito menos espaço para o risco, a exploração e o insucesso e por isso, acaba delimitando o desenvolvimento crítico dos alunos. 2.1 Metodologia 106 O jogo didático Aprendendo Com o Fred foi desenvolvido por uma professora de Matemática, um professor de Geografia e um Analista de Sistema, que fizeram uso de um trabalho compartilhado para se chegar a conclusão da elaboração do game. O jogo se deu a partir de um pedido da professora que ministrava a disciplina, pois ele contribuiria para trabalhar na prática o conteúdo teórico que estava sendo discutido, Tecnologias Digitais na Formação de Professores. Nesta perspectiva, o tempo para a elaboração, discussão, programação e desenvolvimento do jogo didático foi de 30 dias. De modo a situar os jogadores ao que está ocorrendo na política brasileira e incentivá-los a discutir sobre a corrupção e eleições no Brasil, pensou-se em abordar sobre as Delações da Odebrecht, pois esta vem sendo considerada por todos os veículos de mídia o maior escândalo de corrupção do Brasil revelado pela Operação Lava Jato. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 Usualmente, o tradicional jogo “Super Trunfo” é um jogo de cartas colecionáveis, indicado para a faixa etária a partir de 7 anos, cujos elementos explorados num total de 32 cartas com ilustrações e informações a respeito de determinado tema incentivam os participantes a analisarem e escolherem as características que melhor atendam a rodada, ou seja, que seja um “Super Trunfo” da rodada. Não é um jogo que exige sorte, mas sim conhecimento a respeito de determinado tema. Exemplificando, um “Super Trunfo” de carros sugere que o jogador conheça a respeito do peso, velocidade, frequência do motor, cilindradas, entre outros. Assim, em cada rodada, o jogador saberá em qual das categorias terá maior chance de ser o “Super Trunfo”, ou seja, de ter a categoria mais forte em mãos. Seguindo esta lógica, o jogo Aprendendo Com o Fred foi pensado. Inicialmente, foram realizadas pesquisas onlines de modo a fazer um levantamento da quantidade de pessoas envolvidas. Como base, utilizamos o seguinte site <http:// especiais.g1.globo.com/politica/2017/lava-jato/delacao-da-odebrecht/>, pois este desenvolveu uma plataforma completa e atualizada sobre as delações. Visto que o número ultrapassa a quantidade original de cartas, considerou-se somente nomes de políticos maior veiculados pelas mídias, resultando num total de 24. Para os atributos, após análise completa e testes entre os desenvolvedores, definiu-se as seguintes características: quantidade de delatores que mencionaram o político, tempo do último ou atual mandato e quantidade de votos obtidos em sua última eleição. Deste modo, os jogadores têm a oportunidade de se posicionar frente às discussões que envolvem tais políticos quando o assunto é corrupção. Vale a ressalva de que, a título de informação, as cartas indicam o cargo de cada político. Após levantar todas as informações necessárias para a programação do jogo, optou-se pela utilização do sistema Android, visto que este possui um sistema de programação simples e, principalmente, gratuito. A seguir, encontram-se as características para a programação: • IDE – Integrated Development Environment (Ambiente de Desenvolvimento Integrado – AndroidStudio); • Linguagem de Programação Java; • Linguagem de Layouts XML; • Tempo Para Desenvolvimento: 5 dias. 107 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 Figura 1: Plataforma Aprendendo Com o Fred Fonte: Arquivo Pessoal, 2017. O jogo, por ser contextualizado, inovador, atrativo, lúdico e criativo, pode ser adaptado para qualquer conteúdo escolar. Ele favorece o ensino interdisciplinar e contextualiza as informações trabalhadas em sala de aula, além de explorar a ludicidade considerada por muitos estudiosos como uma condição essencial para a aprendizagem significativa. Mariotti define a atividade lúdica como expressão de liberdade, de vida, de sentimentos. Para o autor, não há possibilidade do indivíduo desenvolver sua inteligência se sua liberdade e afetividade para expressar seu mundo interior forem cerceadas. A atividade lúdica é “a base do que mais tarde será a capacidade de pensamento” (MARIOTTI, 2004, p. 36). Antunes (2014) corrobora com o autor ao afirmar que a atividade com intenção lúdica estimula a alegria e a flexibilidade de pensamento, provoca sensação de prazer e motivação. 2.2 Jogabilidade: Aprendendo com o Fred 108 “Aprendendo com o Fred” é um jogo de cartas digital offline onde o ganhador é aquele que possuir o maior número de vitórias em rodadas. Em cada rodada, ganha quem tiver em mãos uma característica (representada por números) superior à do seu adversário. Para a realização do jogo, é indicado que o participante possua conhecimentos básicos sobre a política atual brasileira, especificamente a Delação da Odebrecht. Os requisitos exigidos para o jogo são: aparelho que rode sistema Android e conexão com internet (apenas para download do jogo). Embora o jogo tenha sido desenvolvido para jogar em duplas, é possível também formar grupos para jogar em conjunto. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 Figura 2: Jogo no Android (Antes e Depois) Fonte: Arquivo Pessoal, 2017. Após a instalação, os jogadores deverão decidir quem jogará com o Deck1 e Deck2, respectivamente. É importante ressaltar aqui que os Decks foram pensados de maneira a balancear as características presentes nas cartas. Ou seja, não tem um conjunto melhor que o outro: ambos competem de igual para igual. De modo a auxiliar nas aulas de geopolítica, o jogo oferece a oportunidade de conferir as cartas de cada Deck antes de iniciar a partida. Ou seja, o professor (mediador) poderá abordar sobre o conteúdo previamente utilizando as cartas, que por sua vez, contém informações sobre determinado político. Deste modo, os alunos (jogadores) terão uma base maior para analisar cada caraterística e escolher a que melhor os convém na rodada. Antes de iniciar o jogo, os jogadores deverão definir quem irá começar, ou seja, quem será o Jogador da Rodada. Todas as rodadas funcionam da mesma forma: sem revelar as cartas em mãos, o Jogador da Rodada define um atributo (uma característica) e os dois revelam em voz alta o valor correspondente a sua carta. Quem tiver o maior valor, o “Super Trunfo”, ganha a rodada. O Jogador da Rodada será sempre quem venceu a rodada anterior, ou seja, caso o jogador que iniciou tenha ganhado a rodada, ele continuará definindo o atributo da vez. Caso contrário, a rodada será comandada pelo outro jogador. Vale ressaltar que em caso de empate, será computado 1 ponto para cada jogador. 109 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 Tendo em vista que o jogo ainda está em versão de testes, a contagem de pontos ainda não foi programada pelo sistema. Deste modo, a mesma deverá ser realizada manualmente pelos jogadores. Indica-se, neste momento, que para cada partida, se defina um árbitro, a fim de realizar a contagem de pontos e garantir as regras do jogo por ambas as partes. Figura 3: Deck Com as Cartas/Exemplo de Carta do Jogo Fonte: Arquivo Pessoal, 2017. Ao término da partida, indica-se que os jogadores troquem os Decks e joguem novamente, pois assim ambos ficarão familiarizados com o assunto envolvido e o jogo em si. Aprendendo com o Fred traz a possibilidade de discussão a respeito do cenário político nacional a partir de uma atividade lúdica. Os alunos (jogadores) estarão descontraídos e informados sobre o motivo de cassação de cada político envolvido no processo. Desta forma, poderão desenvolver sua autocriticidade. Considerações finais 110 A partir de cada etapa do desenvolvimento do jogo didático, ficou mais evidente que a utilização dos recursos tecnológicos por parte dos professores na sua metodologia pode influenciar no processo de ensino e aprendizagem. Além disto, auxilia no desenvolvimento profissional e avanço na qualidade educacional, Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 estreitando laços entre a prática docente e a realidade do aluno e acompanhando os avanços tecnológicos cotidianos. Entende-se também que todos os processos do projeto foram benéficos para a formação dos autores, visto que a quantidade de conhecimento obtida durante as pesquisas será de suma importância para a formação dos mesmos como cidadãos. Espera-se dar prosseguimento a este projeto, pois há confiança de que muito pode ser explorado a partir de um aperfeiçoamento no app, este proveniente das ideias que virão dos jogares em futuras aplicações do jogo em salas de aula. Referências ALVES, Lynn (2008). Relações entre os jogos digitais e aprendizagem: delineando percurso. In Educação, Formação & Tecnologias; vol.1(2); pp. 3-10, Novembro de 2008, disponível no URL: http://eft.educom.pt. GEE, James Paul. Bons videogames e boa aprendizagem. 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P. 22-31. 111 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 - Frederico Martins Motta Currículo: http://lattes.cnpq.br/9751968258673530 - Camila Tenório Freitas de Oliveira Currículo: http://lattes.cnpq.br/6319171905942362 - Rafael Alves dos Santos Currículo: 112 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 103-112, 2018 As possíveis abordagens sobre corpo/ corporeidade nos programas de PósGraduação em Educação do Estado de São Paulo: o estado da Arte TANNÚS, Fernanda Machain Silva1 LIMA, Lucas de Oliveira2 CAMPOS, Marcus Vinicius Simões de3 MOREIRA, Wagner Wey4 Resumo: O presente trabalho é um estudo de revisão, do tipo estado da arte, que analisa a produção acadêmica sobre as temáticas corpo e corporeidade nos programas de pós-graduação em Educação do estado de São Paulo, de 2000 a agosto de 2017. Para o desenvolvimento da investigação dividiu-se o processo em dois momentos: o primeiro se caracterizou pelo levantamento dos programas de pós-graduação em Educação do estado de São Paulo, segundo os dados da Plataforma Sucupira; o segundo momento identificou as dissertações e teses sobre a temática corpo e corporeidade nos sites do próprio programa. Bibliotecas digitais e acervos de cada programa também foram utilizados no processo de coleta. A análise do artigo permitiu concluir que muito pouco se tem produzido, comparado a influência que a corporeidade possui no processo de formação humana em todas as áreas do conhecimento. Estas ainda são incipientes e carecem de um fortalecimento reflexivo e metodológico. Palavras chave: Corpo; Corporeidade; Estado da arte; Pesquisa. Abstract: The present work is a review, state-of-the-art, that analyzes the academic production on the body and corporal themes in the postgraduate programs in Education of 1 Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro/UFTM. Professora de Dança na Academia Beth Dorça/Uberaba/MG. – email - fernandamtannus@hotmail.com 2 Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro/UFTM. Preparador Físico da Associação Atlética Ponte Preta/Campinas. – email - lucasolima7@gmail.com 3 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro/UFTM. Doutorando na Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP – email – camposmvs@gmail.com 4 Doutor em Psicologia da Educação pela Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP. Professor dos cursos de graduação e de Pós-graduação em Educação e em Educação Fisica na Universidade Federal do Triângulo Mineiro/UFTM. – email – weymoreira@uol.com.br Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 113 the state of São Paulo, from 2000 to August 2017. The research was divided into two phases: the first one was characterized by the survey of postgraduate programs in Education in the state of São Paulo, according to the data of the Sucupira Platform; the second moment identified the dissertations and theses on the theme body and corporeality in the website of each program. Digital libraries and collections of each program were also used in the data collection process. The analysis in this article allowed to conclude that very little has been produced, compared to the influence that corporeality has in the process of human formation in all areas of knowledge. These are still incipient and require a reflexive and methodological strengthening. Keywords: Body; Corporeality; State-of-the-art; Research. 1. Introdução As temáticas corpo e educação vem sendo recorrentes nas pesquisas científicas e nas problemáticas do foco educacional desde o início do século XXI (BEZERRA; MOREIRA, 2013). Este panorama deve-se especialmente às reflexões originadas no final do século passado, as quais concebem o corpo a partir de uma dimensão holística da educação, para a qual o ato educativo é uma experiência que se dá através do corpo e da sua relação com o conhecimento para a compreensão de sua existência (FREIRE; DANTAS, 2012). No ambiente escolar percebemos que apesar deste esforço o corpo ainda é tratado numa visão disciplinadora, que restringe os movimentos em prol da eficiência e do controle (FREIRE, 1992). O espaço escolar deve proporcionar liberdade de movimentos e incentivar a expressividade corporal (RIOS; MOREIRA, 2015). O professor exerce um importante papel no contexto educacional, sendo um agente norteador responsável por promover o conhecimento, incentivar seus alunos a aprender pelo corpo, tornando-os sujeitos críticos, responsáveis pela sua própria história e existência. Considerar a sua formação, assim como o que é produzido, seja por ele ou pelas universidades, torna-se relevante para compreendermos as relações existentes entre o que é construído e as ações do professor no ato educativo. Optamos pela temática corpo e corporeidade na educação pelas possibilidades que esta nos proporciona na ressignificação do corpo nos processos educacionais, pela pouca atenção que lhe é reservada dentro das pesquisas em educação no território nacional, além de complementar os levantamentos já feitos por Rios, Moreira e Resende (2015), que pesquisaram o corpo na educação e sua relação com o ensino aprendizagem, utilizando as teses e dissertações produzidas entre 2006 e 2013 na BDTD (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações), bem como Bezerra e Moreira (2013) que trouxeram o corpo no processo de ensino aprendizagem dentro dos artigos encontrados no banco de dados da SciELO (Scientific Electronic Library Online) entre os anos de 2008 e 2012. Elegemos apenas o Estado de São Paulo em virtude da sua representatividade dentro do cenário acadêmico nacional e por este estudo fazer parte de 114 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 uma pesquisa maior desenvolvida pelo grupo de estudos NUCORPO (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade e Pedagogia do Movimento) do programa de pós-graduação em Educação Física da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro). Buscando identificar possíveis lacunas e caracterizar as produções a respeito da temática, objetivamos identificar e analisar as possíveis abordagens sobre o corpo presente nas publicações dos programas de pós-graduação em Educação do estado de São Paulo entre o período temporal de 2000 a agosto de 2017. 2. A pesquisa do Estado da Arte sober corpo e corporeidade Caminhos do levantamento O presente trabalho é um estudo de revisão, do tipo estado da arte, que analisa a produção acadêmica nos programas de pós-graduação em Educação do estado de São Paulo, de 2000 a agosto de 2017. As pesquisas do tipo estado da arte podem ser ferramentas importantes na contribuição da problematização dos estudos sobre um determinado tema, pois apresentam um balanço daquilo que foi produzido em um tempo e lugar específico, identificando como as produções estão sendo sistematizadas e disseminadas, além de apresentar possíveis meios de desenvolver e fomentar ferramentas que sustentem as necessidades encontradas acerca do tópico investigado. Para o desenvolvimento da investigação dividiu-se o processo em dois momentos: o primeiro se caracterizou pelo levantamento dos programas de pós-graduação em Educação do estado de São Paulo, com base nos dados da Plataforma Sucupira; o segundo momento identificou as dissertações e teses sobre a temática corpo e corporeidade nos sites dos próprios programas. Quando não encontrado nestes locais estendemos a pesquisa para às bibliotecas digitais e acervos de cada programa. Como critério de inclusão do material, elegeu-se os seguintes itens: 1. Publicação entre 2000 e agosto de 2017; 2. Deter a palavra corpo e/ou corporeidade em seu título ou palavra-chave; 3. Disponibilizar o trabalho integralmente online. A opção por utilizar um banco de dados virtual se justifica pela possibilidade de acesso as teses e dissertações na íntegra, pela facilidade de acesso, por permitir maior abrangência das pesquisas, desde as mais antigas até as mais recentes, e por ser disponível a qualquer profissional da área (CARBINATTO et al., 2016). Existem 130 universidades com programas de pós-graduação em Educação (130 de mestrado, 74 de doutorado e 47 de mestrado profissional). Destas, 16 possuem apenas programas de mestrado profissional, contabilizando 114 universidades com mestrado acadêmico. Das 114 universidades, 18 são do estado de São Paulo e dentro das 18 existem 25 programas de mestrado e 19 de doutorado em Educação. Dos 44 programas, 13 possuem estudos sobre o tema investigado. Destes obtivemos um total de 112 estudos (68 dissertações e 44 teses), dos quais oito trabalhos foram excluídos por não se relacionarem com o tema corpo e/ou corporeidade especificamente ou não estarem disponíveis integralmente, resultanEvidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 115 do em um total de 104 (62 dissertações e 42 teses) pesquisas analisadas, como mostra a tabela 1. Tabela 1. Total de dissertações e teses encontradas na área da Educação Total de estudos por programa Número de estudos sobre corpo/ corporeidade Estudos excluídos Frequência absoluta Frequência relativa Mestrado 7253 68 6 62 0,84% Doutorado 3296 44 2 42 1,27% Total 10549 112 8 104 0,97% Programas Fonte: coleta de dados 2017. As 104 pesquisas foram catalogadas e analisadas em dois momentos interligados, mas com características distintas. O primeiro previu o diagnóstico das dissertações e teses por meio da leitura dos resumos, metodologias, e se necessário a introdução dos quais foram extraídas informações organizadas em uma planilha Microsoft Office Excel 13, estas são: 1) Instituição de Ensino Superior (IES); 2. Título das dissertações e teses; 3. Nome dos autores; 4. Nome dos orientadores; 5. Abordagem do estudo; 6. Ano de publicação. Para Ferreira (2002) optar apenas pela leitura dos resumos pode limitar o estudo do tipo estado da arte, o ideal é se apropriar e conhecer todo o material, tendo efetivamente contato com a construção, desenvolvimento e conclusões das pesquisas, justificando a escolha pela leitura dos três momentos das dissertações e teses. O segundo momento se desenvolveu com base no estudo apresentado por Maldonado et al. (2014) no qual criamos nossas próprias unidades de análise de acordo com as abordagens apresentadas pelos estudos, em maioria nos objetivos expostos em seus resumos. Decidimos desenvolver nossas próprias unidades por acreditarmos que estas sustentam com maior fidedignidade a abordagem de todas as pesquisas, abrangendo cinco campos possíveis de atuação do corpo/corporeidade, como: Corpo e Educação; Corpo e Cultura; Corpo e Artes; Corpo e Professores; Corpo e Infância. Estas unidades foram criadas de acordo com a Análise de Conteúdo de Morares (1999). Os procedimentos de coleta, o arquivamento e construção de categorias de análise contou com a participação de todos os envolvidos na pesquisa, passando por um crivo minucioso de inserção das dissertações e teses. Vale salientar que não houve submissão ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) e nem assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por se tratar de uma pesquisa online com conteúdo de acesso público e livre. 116 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 conhecimento Educação, em relação aos respectivos programas em que as pesquisas foram desenvolvidas. Classificados em cinco campos possíveis, criados pelos próprios autores, a saber: Corpo e Educação (aborda o corpo/corporeidade dentro das diversas 3. Resultados vertentes que envolve a educação e seus processos educacionais em diferentes contextos A figura 1 e 2 (expostas nas apresentações gráficas) apresentam as dissere ambientes); e Cultura (apresenta o corpo/corporeidade enquantodentro veículodacriador, tações e Corpo teses com os campos de atuação do corpo/corporeidade grande área de conhecimento Educação, em relação aos respectivos programas em que construtor e transformador da cultura, adquirindo diferentes funções e possibilidades nasas pesquisas foram desenvolvidas. Classificados em cinco campos possíveis, criados diversas Corpo ea saber: Artes Corpo (discute o corpo/corporeidade nas variadas pelosculturas); próprios autores, e Educação (aborda o corpo/corporeidade dentro das diversas vertentes que envolve a educação e seus processos educaciomanifestações artísticas, como por exemplo, a dança, o circo, a capoeira, etc, adquirindo nais em diferentes contextos e ambientes); Corpo e Cultura (apresenta o corpo/ papel corporeidade fundamental enquanto na formação e educação corpo sensível seja dos alunos ou veículo criador, do construtor e transformador da cultura, adquirindo diferentescontextos funções ee ambientes); possibilidades nas ediversas culturas); Corpoas e professores nos diferentes Corpo Professores (apresenta Artes (discute o corpo/corporeidade nas variadas manifestações artísticas, como práticas professores dentro fora adas escolas,etc, assim como as vertentes da formaçãona pordos exemplo, a dança, o ecirco, capoeira, adquirindo papel fundamental formação e educação do corpo seja aluno dos alunos ou professores nos diferendocente, estabelecendo relação com a sensível convivência e professor, discutindo como ela tes contextos e ambientes); Corpo e Professores (apresenta as práticas dos prose desenvolve e se torna importante no ato educativo); Corpo e Infância (abrange o corpo fessores dentro e fora das escolas, assim como as vertentes da formação docente, da criança perpassando por diversos meios e contextos de discussão). estabelecendo relação com a convivência aluno possíveis e professor, discutindo como ela se desenvolve e se torna importante no ato educativo); Corpo e Infância (abrange o corpo da criança perpassando por diversos meios e contextos possíveis de Figura 1. Relação entre as 62 dissertações, os campos de atuação e as IES/Programas discussão). que publicaram sobre o tema. Figura 1: Relação entre as 62 dissertações, os campos de atuação e as IES/Programas que publicaram sobre o tema. PUC-SP/História, Política e Sociedade (00) UNINOVE/Educação (02) USF/Educação (02) UNIMEP/Educação (04) UNISO/Educação (05) USP/Educação (05) UNICAMP/Educação (23) 1 11 11 2 111 2 2 1 2 1 5 4 1 1 3 1 3 111 3 0 Corpo e Educação (19) 5 Corpo e Artes (16) 13 10 2 1 4 15 20 25 Corpo e Professores (16) Fonte: coleta de dados 2017. Fonte: coleta de dados 2017. - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; UNINOVE - Universidade Nove Legenda. PUC-SP Legenda. Pontifícia Universidade São Católica de São Paulo; UNINOVE - Universidade Nove dede Julho; USF dePUC-SP Julho; - USF - Universidade Francisco; UNIMEP - Universidade Metodista Piracicaba; Universidade São Francisco; UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba; UNISO - Universidade de Sorocaba; UNISO - Universidade de Sorocaba; USP - Universidade de São Paulo; UNICAMP - Universidade USP - Universidade de São Paulo; UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas. Estadual de Campinas. 117 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 Figura 2. Relação entre as 42 teses, os campos de atuação e as IES/Programas que Figura 2: Relação entre as 42 teses, os campos de atuação e as IES/Programas publicaram sobre o tema. que publicaram sobre o tema. 1 1 1 1 1 1 1 3 3 UFSCAR/Educação (02) UNESP/ARA/Educação Escolar (04) UNICAMP/Educação (24) 0 7 2 3 4 5 Corpo e Educação (12) Corpo e Artes (05) Corpo e Cultura (15) Corpo e Infância (04) 2 10 9 15 2 20 25 Corpo e Professores (06) Fonte: coleta de dados Fonte: coleta de dados 2017. 2017. Legenda. PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; UFSCAR de São Carlos; Legenda. PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;– Universidade UFSCAR – Federal Universidade Federal UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba; UNESP/ARA - Universidade Estadual Paulista em Araraquara; USP de São Carlos; UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba; UNESP/ARA Universidade Esta- Universidade de São Paulo; UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas. dual Paulista em Araraquara; USP - Universidade de São Paulo; UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas. Notamos que as produções sobre corpo/corporeidade diferem entre si, pois para Notamos que as produções sobre corpo/corporeidade diferem entre si, as dissertações o campo de atuação com maior número é o Corpo e Educação com 19 pois para as dissertações o campo de atuação com maior número é o Corpo e pesquisas (30,6% de dissertações), já total para as o campo significativamente Educação com do 19total pesquisas (30,6% do deteses dissertações), já para as teses o campo significativamente maior é Corpo e Cultura, com 15 produções maior é Corpo e Cultura, com 15 produções (35,7% do total de teses). Seguidos do(35,7% Corpo do total de teses). Seguidos do Corpo e Artes (16) para as dissertações e Corpo e eArtes (16) para dissertações e menor Corpo efrequência Educação absoluta (12) parafoi as para teses.o A menorde Educação (12)aspara as teses. A campo atuação Corpo ambos, com três dissertações quatro teses. Quanfrequência absolutae Infância foi para opara campo de atuação Corpo e Infância epara ambos, com três do observamos o universo das instituições de ensino superior percebemos que dissertações e quatro teses. Quando observamos o universo das instituições de ensino a Unicamp é a que mais produziu em relação ao tema corpo/corporeidade para superior que a Unicamp é ae 23 quedissertações), mais produziu em relação ao para temaas ambos percebemos os tipos de pesquisas (24 teses seguida da USP teses (08) e Unesp/Ara para as dissertações (06). corpo/corporeidade para ambos os tipos de pesquisas (24 teses e 23 dissertações), seguida Relacionando os campos com a universidades constatamos que a Unidacamp USP para as teses (08) e Unesp/Ara as dissertações (06). é a única universidade com para a presença de todos os campos de atuação em suas produções sobre a temática para as dissertações e teses, Relacionando os campos comcorpo/corporeidade, a universidades constatamos que a Unicamp éa com destaque para Corpo e Artes com 16 dissertações e Corpo e Cultura com única universidade com a presença de todos os campos de atuação em suas produções nove teses. Em nenhuma outra universidade houve essa variedade nas abordagens sobre a temática corpo/corporeidade, para as dissertações teses, comQuase destaque para discutidas, talvez seja pelo maior número de estudos epresentes. a metade em relação ao total, de 13 universidades, 47 pesquisas dissertações e 24 teCorpo e Artes com 16 dissertações e Corpo e Cultura com nove(23 teses. Em nenhuma outra ses), de 104, foram produzidas na Unicamp, o que representa 45,2% do total. universidade variedade naseabordagens discutidas, talvez seja pelo maior A tabela 2 houve mostraessa os orientadores a quantidade de orientações separadas pelo tipo do os camposQuase de atuação dasem pesquisas produzidas nauniversidades, Unicamp que número deestudo estudose presentes. a metade relação ao total, de 13 abordaram o corpo/corporeidade. Só fizeram parte da tabela os orientadores que 47 pesquisas (23 dissertações e 24 teses), de 104, foram produzidas na Unicamp, o que participaram mais de uma pesquisa, os que dentro dos 17 anos orientaram apenas representa do total. A foram tabela incluídos 2 mostra nesta os orientadores um aluno45,2% de pós-graduação seleção. e a quantidade de orientações separadas pelo tipo do estudo e os campos de atuação das pesquisas 118 produzidas na Unicamp que abordaram o corpo/corporeidade. Só fizeram parte da tabela Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 Tabela 2: Relação dos orientadores, a quantidade de defesas de mestrado e os campos de atuação da Unicamp. Orientador Campos de Atuação Dissertações/ Quantidade de defesas Campos de Atuação Teses/Quantidade de defesas Corpo e Artes (01) Corpo e Cultura (04) Corpo e Cultura (01) Corpo e Educação (04) ____ Corpo e Infância (01) Corpo e Professores (03) Corpo e Artes (03) Corpo e Artes (02) ____ Corpo e Educação (02) ____ Adilson Nascimento de Jesus Corpo e Professores (01) ____ Corpo e Artes (03) ____ Silvio D. Gallo Corpo e Educação (01) Corpo e Professores (01) Carlos Eduardo Albuquerque Miranda Corpo e Cultura (01) Corpo e Educação (01) Carmem Lúcia Soares Márcia Maria Strazzacappa Hernández Eliana Ayoub Fonte: coleta de dados 2017. Dos professores/orientadores, Carmem Lúcia Soares foi a que mais falou sobre o corpo dentro do doutorado em Educação com nove defesas, que discutem basicamente sobre o Corpo na Educação (04) e o Corpo na Cultura (04), apenas uma tese abordou o Corpo e Infância. No mestrado em Educação orientou apenas dois alunos com abordagens no campo de atuação Corpo e Artes (01) e Corpo e Cultura (01). A segunda orientadora a dar espaço ao corpo/corporeidade dentro do programa foi Márcia Maria Strazzacappa Hernández, com quatro estudos no doutorado, todos abordando o Corpo e Artes e quatro dissertações no campo de atuação Corpo e Professores. Quando analisamos o período de publicações durante os 17 anos observamos que existe uma regularidade nas publicações, em praticamente todos os anos que se produziram, com exceção de 2002 para o doutorado e 2004 para o mestrado. Apesar da quantidade de estudos não serem significantes e dos números serem maiores a partir do ano de 2004, desde 2000 se fala sobre o corpo e a corporeidade na Educação. O destaque vai para o ano de 2010, com maioria tanto para as dissertações quanto (nove) para as teses (sete). Dados no Figura 3. 119 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 Figura 03: Análise Temporal separada por mestrado e doutorado. 10 Figura 03:3:Análise Temporal separada por mestrado e doutorado. Figura Análise Temporal separada por mestrado e doutorado. 8 10 6 8 4 6 2 4 0 2 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 0 Mestrado Doutorado 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Mestrado Fonte: dados coleta 2017. Doutorado Fonte: dados coleta 2017. Fonte: dados coleta 2017. Apresentamos os resultados em relação ao campo de atuação e sua interseção com Apresentamos os resultados relação ao campo de atuação e et sua inoutras áreas científicas e temas de pesquisa, em conforme proposto no trabalho de Simões Apresentamos os áreas resultados em relação ao campo de atuação econforme sua interseção com no terseção com outras científicas e temas de pesquisa, proposto al. (2016) e Carbinatto et al. (2016). Devido as leituras e análises terem sido feitas apenas trabalho Simões eettemas al. (2016) e Carbinatto et al. (2016). Devido as leituras e outras áreasdecientíficas de pesquisa, conforme proposto no trabalho de Simões et com os resumos, metodologias e se necessário a resumos, introdução,metodologias e não o estudo por completo, análises terem sido feitas apenas com os e se necessário a al. (2016) e Carbinatto et al. (2016). Devido as leituras e análises terem sido feitas apenas introdução, nãoCarbinatto o estudoetpor completo, faremospormenorizada assim comodas Carbinatto faremos assim ecomo al. (2016) uma discussão áreas mais et al. com os resumos, metodologias e se necessáriodas a introdução, e não o estudo por (2016) uma discussão pormenorizada áreas mais prevalentes emcompleto, cada um dos prevalentes em cada um dos campos de atuação sobre o corpo/corporeidade, campos de atuação sobre o corpo/corporeidade, acrescentando algumas áreas que faremos assim como Carbinatto et al. (2016) uma discussão pormenorizada das áreas mais acrescentando algumas áreas que nãode foram expressas estudo de Simões et al. que (2016). não foram expressas no estudo Simões et al.no (2016). Vale salientar existem prevalentes em cada um dos campos de atuação sobre o corpo/corporeidade, estudos que se repetem dentro das temáticas expostas, por se comunicarem Vale salientar que existem estudos que se repetem dentro das temáticas expostas, por se com acrescentando áreas que como não foram expressas estudo3dee Simões et al. (2016). mais de umaalgumas área científica, exposto nas no figuras 4. comunicarem com mais de uma área científica, como exposto nas figuras 3 e 4. Vale salientar que existem estudos que se repetem dentro das temáticas expostas, por se Figura 4: Relação campos de como atuação e temáticas comunicarem com maisentre de umaosárea científica, exposto nas figurasnos 3 e 4.programas de Figura 4. Relação entre os campos de atuação e temáticas nos programas de mestrado. mestrado. 12 Figura 4. Relação entre os campos de atuação e temáticas nos programas de mestrado. 10 12 8 10 6 8 4 6 2 4 0 2 Outros Temas 0 Outros Temas Saúde Saúde Corpoe e Educação Fonte: coleta de dados 2017. História Formação e Práticas Atuação Pedagógicas Profissional História Formação e Práticas Corpo e Professores CorpoPedagógicas e Cultura Atuação Profissional Fonte: coleta de dados 2017. Corpoe e Educação 120 Corpo e Professores Corpo e Cultura Fonte: coleta de dados 2017. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 Dança Escola Culturas Dança Escola Culturas Corpo e Artes Corpo e Artes Corpo e Infância Corpo e Infância Figura 5: Relação entre os campos de atuação e temáticas nos programas de doutorado. Figura 5. Relação entre os campos de atuação e temáticas nos programas de doutorado. 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 Outros Temas Saúde Corpoe e Educação História Formação e Práticas Atuação Pedagógicas Profissional Corpo e Professores Corpo e Cultura Dança Corpo e Artes Escola Culturas Corpo e Infância Fonte: coleta de dados 2017. 2017. Fonte: coleta de dados 4. Discussão 4 – DISCUSSÃO É notável o crescimento das publicações sobre corpo/corporeidade nos programas de pós-graduação em Educação ao longo dos 17 anos, apesar das oscilações entreo crescimento os anos tanto nas dissertações quanto nas teses, números se É notável das publicações sobre corpo/corporeidade nosos programas mantêm em uma boa proporção, demonstrando que desde o início deste século se de pós-graduação em Educação ao longo dos 17 anos, apesar das oscilações entre os anos fala sobre o corpo e a corporeidade dentro do programa, e que para o mestrado o tanto nas dissertações quantosenas os números mantêm emdados uma boa proporção, com aumento das produções fazteses, presente a cadaseano. Estes corroboram diversos estudos do tipo estado arte em se áreas da nossa (MEDEIROS, demonstrando que desde o início deste século faladistintas sobre o corpo e a corporeidade DIAS, 2015; RIOS, MOREIRA, RESENDE, 2015; BISOL, SANGHERLIN, dentro do programa, e que para o mestrado o aumento das produções se faz presente a VALENTINI, 2013), nos mostrando que esta pode ser uma realidade da póscada ano. Estes dados corroboram diversos(2005), estudos apontam do tipo estado -graduação brasileira. Kuenzer com e Moraes que arte estaem se áreas expandiu e ainda da tende a se expandir alcançando objetivos, promovendo pesquisas de alto distintas nossa (MEDEIROS, DIAS, 2015; RIOS, MOREIRA, RESENDE, 2015; padrão de qualidade em várias áreas do conhecimento, contribuindo para o deBISOL, SANGHERLIN, VALENTINI, 2013), nos mostrando que esta pode ser uma senvolvimento do país. Especificamente a pós-graduação em Educação no Brasil realidade da pós-graduação brasileira. Moraes apontam que esta sesignipassou por grandes mudanças nosKuenzer últimose 20 anos,(2005), sofrendo um aumento ficativo, edevido ao maior número de programas pós-graduação criados, expandiu ainda tende a se expandir alcançando objetivos,depromovendo pesquisas de altoassim como também, mudanças nas temáticas e problemas, referencial teórico, abordapadrão de qualidade em várias 2001). áreas do conhecimento, contribuindo para o gens, dentre outras (ANDRÉ, Nossos do resultados podem se justificar por inúmeros motivos, como o desenvolvimento país. Especificamente a pós-graduação em Educação no Brasil aumento dos programas e cursos de pós-graduação, especificamente no estado passou por grandes mudanças nos últimos 20 anos, sofrendo um aumento significativo, de São Paulo; maiores fomentos a pesquisa científica sobre educação, devido às devido ao maior número de programas de pós-graduação criados, como também,pleno fortes discussões a respeito dos processos educacionais no assim desenvolvimento do ser humano; os autores que produzem tema no mesmo mudanças nas temáticas e problemas, referencial sobre teórico,o abordagens, dentre programa, outras saindo do mestrado e continuando no doutorado (ANDRÉ, 2001; KUENZER, (ANDRÉ, 2001). MORAES, 2005). Nossos resultados podem se justificar por inúmeros motivos, como o aumento dos programas e cursos de pós-graduação, especificamente no estado de São Paulo; maiores Evidência, v. 14, n. 14,a p. 113-126, fomentos a pesquisa científica sobre educação, devido àsAraxá, fortes discussões respeito dos 2018 121 122 É certo considerar que a Unicamp muito contribuiu para os números encontrados na presente pesquisa, o que demonstra o compromisso da universidade em discutir e disseminar a temática, sendo um reflexo do empenho e da dedicação dos professores/orientadores para com seus mestrandos e doutorandos, os incentivando a conceber a importância do corpo dentro da Educação. Carmem Lúcia Soares nos demonstrou isso. Estes números não são novidade dentro das pesquisas do estado da arte, a Unicamp com 51 anos de existência (fundada em 5 de outubro de 1966) já foi foco de muitos resultados destes tipos de pesquisas, Simões et al. (2016), ao analisar os artigos científicos sobre ginástica, afirmam que dos 340 artigos, 28 vincularam-se a USP e 26 a Unicamp. Milani, Soares e Bortoleto (2015), contribuem com a afirmação ao destacar a produção científica sobre ginástica da faculdade de Educação Física da Unicamp. Ao pesquisar o estado da arte do ensino de sociologia na Educação básica, Handfas (2011), não foge dos resultados até agora apresentados, a Unicamp, USP e Unesp são as universidades detentoras dos maiores números de estudos, com destaque para a Unicamp. Ao lançarmos nosso olhar para os campos de atuação observamos que a predominância de produções nos programas investigados está na categoria Corpo e Educação, com 29,8% do total (n=31 – 19 dissertações e 12 teses). Destes destacam-se a Uniso (05), Unesp/Ara (03) e Unicamp (03) para as dissertações e a Unicamp (07) e USP (03) para as teses e concordam com a Handfas (2011) e Milani, Soares e Bortoleto (2015). Constatamos que a maior parte das dissertações se relacionaram aos temas escola (11), outros temas (06) e práticas pedagógicas (02), e as teses aos outros temas (09) e Formação e Atuação Profissional (02). Os temas discutiram diversos contextos e os mais abordados abrangeram o Ensino Fundamental e a Educação Infantil, as aulas de Educação Física e as possibilidades do esporte na alfabetização dos sentidos, expressões e movimento. Concluímos que o cuidado com o corpo deve e pode estar presente em todo ato educativo, nas suas mais variadas formas e propostas, porém ainda existe uma barreira a ser quebrada, da qual a maioria dos estudos se apropriam, que é a instrumentalização do corpo. É preciso entender que contar, narrar, jogar, dançar, escrever, ler, são produções do sujeito, e que a corporeidade é capaz de ressignificar e alterar as metas educativas e sociais preconizadas atualmente (NÓBREGA, 2005). As produções sobre Corpo e Cultura perfizeram um total de 23 estudos (08 dissertações e 15 teses), com destaque para a Unicamp com duas dissertações e nove teses, seguidos da Unimep com duas dissertações e Unesp/Ara e Usp com três teses respectivamente. Dentre as temáticas mais abordadas, Culturas elencou estudos dos dois programas, dois para mestrado e três para doutorado, com produções que trazem o corpo nas diferentes culturas, como a Japonesa, a Afro-Brasileira e a Indígena. A História abrangeu apenas duas dissertações e uma delas traz a história da ginástica brasileira concomitante com a história da Educação Física. A temática Saúde apresentou apenas uma dissertação, diferindo das teses que trouxeram quatro estudos, o que nos demonstra que o caráter médico higienista que há muito tempo foi atribuído ao corpo, ainda se faz presente. Outros Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 temas perfizeram seis dissertações e duas teses, Formação e Atuação Profissional uma dissertação e Escola uma tese. A categoria Corpo e Professores apresenta 22 produções (16 dissertações e 06 teses) com preponderância para as temáticas Formação e Atuação do Profissional com sete dissertações e cinco teses, com discursos sobre a formação continuada dos professores, a atuação e os ideais de corpo aplicado pelos professores e as possibilidades da arte de contar estórias como potencializadora na formação e atuação do professor. Outros temas perfizeram cinco dissertações e duas teses, e apresentam como uma de suas discussões o corpo e o movimento nas práticas dos professores, principalmente da Educação Infantil. Dança, Escola, Saúde e História foram temas de uma dissertação cada, e as Práticas Pedagógicas com uma tese, dados que demonstram uma concentração quando o assunto são os professores e suas práticas. André et al. (2001) trouxeram em seu estudo assuntos como formação inicial, formação continuada e práticas pedagógicas discutidos na escola e salas de aula, assuntos que também estimularam a realização das pesquisas alocadas nesta categoria. Assim como no estudo exposto, em conjunto com os autores das teses e dissertações, nos mostramos preocupados com o trato do corpo nas questões teórico metodológicas do processo de ensino, na construção do saber, e na pesquisa do professor. Para as universidades, os destaques de mestrado são para a Unesp e Unicamp (04 dissertações), e Usp (03 dissertações), e doutorado para Usp e Unicamp com duas pesquisas cada uma. Em relação a categoria Corpo e Artes existem 21 produções (16 dissertações e 05 teses), com destaque para a Unicamp detentora da maioria dos estudos (13 dissertações e 04 teses), seguidas da USP e Unisal com uma dissertação cada, e a Unimep com uma tese. Neste item observamos uma grande abrangência do corpo na arte, houve estudos para quase todos os temas relacionados as dissertações, a dança apresentou o maior número (04), trazendo pontos sobre a dança circular, a dança e suas relações com o teatro, a dança contemporânea e o hip hop, nos diversos ambientes e contextos. As práticas pedagógicas compuseram quatro dissertações, com destaque para a pedagogia do circo nos discursos educacionais, principalmente a do palhaço. outros temas perfizeram três dissertações e a formação e atuação profissional uma. para as teses, as temáticas história e dança com duas teses cada, dando destaque as histórias de vida, sendo uma delas de uma bailarina e coreógrafa, e a Formação e Atuação Profissional com uma tese. Rodrigues (2015, p. 13), considera que “Através da arte, ressignificamos a vida, compartilhamos e propagamos pensamentos e podemos permear camadas mais profundas, poéticas e sensíveis”. A educação deve e tem o poder de se apropriar deste sensível, criativo e lúdico durante suas práticas, pois assim desenvolverá o aluno por completo, permitindo a aprendizagem a partir das experiências vividas pelo corpo, das relações com o entorno e as produções humanas (RIOS, MOREIRA, 2015). É neste pensamento que os estudos alocados na categoria se fazem importante no processo de formação educacional e formação humana. A categoria Corpo e Infância é a última em frequência absoluta com apenas sete estudos (03 dissertações e 04 teses). Encontramos uma dissertação para Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 123 uma das seguintes universidades, Unicamp, Unesp/RC e PUC/SP, já para as teses duas são da Unicamp, e uma para Unimep e Ufscar respectivamente. Três das dissertações estão distribuídas na temática Outros Temas, e uma dissertação cada para as Práticas Pedagógicas. Paras as teses discutiu-se sobre Outros Temas, dos quais os mecanismos publicitários, a escolarização precoce, o trabalho infantil e a infância moderna abrangeram as abordagens dos estudos. Nesta categoria há pesquisas que se repetem em mais de uma temática. Acreditamos que este talvez seja um dos mais importantes assuntos abordados em relação ao corpo, e ao mesmo tempo negligenciado, diante dos números de pesquisas. Falar da criança não é algo fácil, exige muito estudo e um pensamento complexo, devido a infinidade de discursos possíveis. O corpo da criança é sensível e suscetível a influências oriundas dos processos educacionais, da família e da própria sociedade. Respeitar esse corpo é cultivar todo um futuro, toda uma mudança de paradigmas (MORUZZI, 2012). 5. Considerações finais Analisar o estado da arte sobre o corpo/corporeidade nos programas de pós-graduação em Educação nos permite concluir que muito pouco se tem produzido, comparado a influência que a corporeidade possui no processo de formação humana em todas as áreas do conhecimento. Estas ainda são incipientes e carecem de um fortalecimento reflexivo e metodológico. Portanto um trabalho em prol da massificação do corpo/corporeidade dentro das universidades pode suscitar em um aumento destas pesquisas, principalmente sobre os campos de menor concentração como as temáticas sobre as crianças. Além disso, é certo que a experiência e afinidade com o assunto constituem o quadro de produções. Pesquisadores que acreditam na importância em se falar do corpo é que a disseminam e não propriamente as universidades. Neste contexto, concluímos que os programas de pós-graduação em Educação do estado de São Paulo, não se apropriaram de modo significativo do corpo e suas possibilidades no processo educativo, existe ainda uma resistência em mudar as concepções de corpo fragmentado e suas formas reducionistas de concebê-lo. Desenvolver pesquisas e buscar o locus em que o corpo na educação é abordado nos permite, indicar lacunas, evidenciar os problemas, e chamar a atenção para a busca de novas alternativas de investigações. Agradecimentos 124 Estendemos o nosso agradecimento a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo financiamento da presente pesquisa tornando-a possível. Ao grupo de estudos NUCORPO pelos incessantes aprendizados, auxílio e companheirismo na busca de contribuir para a ampliação dos estudos sobre o corpo e a pedagogia do movimento na Educação Física e Educação. Além da participação do projeto maior em que este estudo está alocado, possibilitando a ampliação das pesquisas sobre o corpo/corporeidade para todo o Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 113-126, 2018 Brasil, nos programas de Educação e Educação Física. E a UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) pelo espaço e possibilidade desenvolvimento da pesquisa, sendo um locus para a disseminação e produção do conhecimento. Referências ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: buscando rigor e qualidade. Cadernos de Pesquisa, n. 113, p. 51-64, 2001. ANDRÉ, M.; SIMÕES, R. H. S.; CARVALHO, J. M.; BRZEZINSKI, I. Estado da Arte da Formação de Professores no Brasil. Educação & Sociedade, ano XX, n. 68, p. 301309, dezembro, 2001. BEZERRA, F. L. L.; MOREIRA, W. W. Corpo e Educação: o estado da arte sobre o corpo no processo de ensino aprendizagem. Revista Encontro de Pesquisa em Educação, Uberaba, v. 1, n.1, p. 61-75, 2013. BISOL, C. A.; SANGHERLIN, R. G.; VALENTINI, C. B. 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Assim, a prática esportiva pode favorecer o aumento das habilidades sociais como a relação interpessoal, a comunicação e redução do comportamento antissocial e, ainda, a ressocialização de indivíduos privados de liberdade ao partirem de uma motivação própria. As medidas socioeducativas são atribuídas, em geral, por infrações cometidas por adolescentes em condição de vulnerabilidade social como desamparo familiar e governamental, às drogas, a economia, às políticas públicas e, até mesmo, levando em consideração aspectos pessoais. O presente artigo pretende abordar tal fase do desenvolvimento, na condição de acautelamento, enquanto medida socioeducativa para autores de atos infracionais, tendo em vista a compreensão do corpo privado de liberdade e sua relação com o esporte. Palavras chave: Adolescentes; Corpo privado de liberdade; Esporte. Abstract: Adolescence is a stage of human development and needs to be understood in the context of transformations and phenomenon linked to this transition considered complex. Thus, sports practice can favor the increase of social skills such as interpersonal relationship, communication and reduction of antisocial behavior and, also, the resocialization of individuals deprived of freedom starting from a motivation of their own. The socioeducational measures are generally attributed to infractions committed by adolescents in conditions of social vulnerability, such as family and governmental helplessness, drugs, economics, public policies, and even considering personal aspects. The present article intends to approach this phase of development, in the condition of caution, as a socio educative measure for authors of infractions, bearing in mind the comprehension of the body deprived of freedom and its relationship with sport. Keywords: Teenagers; Body deprived of liberty; Sport. 127 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 1. Introdução Buscamos neste estudo trazer algumas reflexões acerca do corpo privado de liberdade e sua relação com o esporte. Como problemática abordamos a percepção do corpo à luz dos adolescentes em conflito com a lei e como vivenciam a corporeidade. Aliado a isso, de que forma o esporte pode favorecer nesse processo de busca de autonomia e ressocialização. As medidas socioeducativas são aplicadas na situação de ato infracional grave cometido por adolescentes que, de acordo com os termos da lei, estejam na idade que compreende dos doze aos dezoitos anos incompletos. Elas representam responsabilização pelo ato praticado, mas seu objetivo maior visa a ressocialização do adolescente em conflito com a lei, atendendo suas necessidades pedagógicas (VOLPI, 2014). Para este estudo foi realizado um percurso metodológico que vislumbra uma pesquisa qualitativa e como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista semiestruturada. Os 64 sujeitos da pesquisa correspondem a adolescentes entre 12 e 18 anos que cumprem medida socioeducativa de internação, situada no estado de Minas Gerais. Os dados obtidos pela coleta foram transcritos e analisados de acordo com a Técnica de elaboração e análise de Unidades de Significado de Moreira, Simões e Porto (2005). 2. O corpo adolescente em privação de liberdade Compreender o adolescente na amplitude do seu processo de desenvolvimento requer o entendimento da sua existencialidade enquanto um ser em constante interatividade com o mundo, com os outros e consigo próprio. Segundo Merleau-Ponty (2011, p. 6) é por meio dessas relações que se apreende o mundo, ao perceber e lhe atribuir significados, pois “[...] o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece”. Suas ideias nos permitem compreender o homem, em especial nesse estudo, o adolescente, de forma integral. O momento conturbado de conflitos pessoais nada mais é que sua maneira de exprimir o corpo no mundo, “como presença viva, em movimento” (NÓBREGA, 2005, p. 64), pois marca a sua singularidade enquanto ser uno e inacabado em constante aprendizado. Nessa interação, transforma-se por meio da sua ação, (re)construindo sua personalidade e com isso, formando sua identidade pessoal, se conscientizando das responsabilidades. Desprezar o corpo é negar a sua própria existência, uma vez que a corporeidade é presença em todos os atos humanos e, mesmo na condição de privado de liberdade, por um período temporário, o adolescente expressa por meio de movimentos que se constituem enquanto expressão, comunicação e criação. Entretanto, em todo gesto há uma significação marcada por sua existência corporal no mundo e essa necessidade de movimentar é que garante a vida. De acordo com Santin (2003, p. 66): 128 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 [...] todo indivíduo se percebe e se sente como corporeidade. É na corporeidade que o homem se faz presente. A dimensão da corporeidade vivida, significante e expressiva caracteriza o homem e a distância dos animais. Todas as atividades humanas são realizadas e visíveis na corporeidade. O uso que faz do corpo revela as relações a partir do contexto social a qual o indivíduo está inserido. Freire (1991) acrescenta que a condição do ser humano de nascer sabendo pouco, o diferencia dos demais seres, impulsionando-o a aprender incessantemente, rumo a autossuperação. O corpo não pode ser concebido como mero objeto a ser disciplinado, manipulado, reduzido ao seu uso racional uma vez que vivemos a corporeidade e a partir dela delineamos nossa experiência de ser no mundo. A esse respeito Merleau-Ponty (2011, p. 14) afirmou: “O mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável”. Essa relação estabelecida de conhecimento é consequência da experiência existencial da corporeidade. Promover a humanização do adolescente privado de liberdade significa inseri-lo numa ação conscientizadora que possa efetivamente desenvolver suas potencialidades, buscando condições que o permita alcançar sua liberdade pessoal, enquanto sujeito protagonista de sua história. Nas palavras de Moreira (2001, p. 23), O ser humano em seu processo de humanização, produz cultura, produz história, ao mesmo tempo em que é modificado pela cultura que produz é modificado pela história que realiza. Quando caminhamos para a superação, seja qual for o sentido dado a essa superação, já estão implícitos os sentidos de fazer, saber, pensar, sentir, comunicar e querer. Esses seis aspectos identificam o ser humano e definem sua corporeidade como condição de presença, de participação e de significação do homem no mundo. O adolescente se mantém no dever e no processo de aprendizagem com maior motivação e desejo de crescimento pessoal quando sente que pode superar limitações e obstáculos. Para isso demandará de condições que lhe permitam possibilidades de viver a corporeidade, a partir do encorajamento de atitudes positivas que favoreçam a sua formação pessoal. A relevância atribuída ao corpo nesse estudo reside no entendimento do caráter constitutivo do corpo para a compreensão e emancipação do ser humano, livre para o pleno exercício de sua corporeidade em consonância com o contexto social a qual está inserido (KUNZ, 2012; NISTA-PICCOLO, MOREIRA, 2012a). Advogamos a corporeidade, no sentido de um corpo ativo, existencial que se faz presente no mundo, enquanto história e cultura, ao mesmo tempo em que a modifica e é modificado por ambas. Por isso, nos ancoramos no esporte à medida 129 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 que proporciona ao ser a valorização de um corpo possível que busca superações e que exercita a criatividade (NISTA-PICCOLO, MOREIRA, 2012a), mesmo àqueles em condições de privação da sua liberdade, que nos momentos propícios ao movimento do seu corpo, o faça consciente dos limites do seu pensar e agir. Entendemos o esporte como veículo educativo (KUNZ, 2012; NISTA-PICCOLO, MOREIRA, 2012a) que permite aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, a conquista da sua autonomia e cidadania. Isso deve ser cultivado por todos os profissionais envolvidos nesse processo como meio de integração social, aceitação, respeito às normas e regras de convivência, elementos básicos para obtenção do objetivo maior da medida: a ressocialização. 2.1 O esporte e sua abrangência O adolescente privado de liberdade possui uma vida restrita, tendo sua autonomia e capacidade de decisão, regulado pela própria condição de acautelamento. Sua vida íntima, desde as necessidades fisiológicas e todas as demais atividades, como frequentar a escola (legalmente obrigatória), se consolidam em dispositivos disciplinares do sistema socioeducativo em meio fechado – internação – e dessa maneira, visam à submissão e controle do corpo. E o esporte se constitui num momento que o mesmo pode se revelar enquanto possibilidade de usufruir certa autonomia, ao expressar os diferentes movimentos. (DOMINGOS, 2014) Galatti (2006), afirma que por ser o esporte um fenômeno de múltiplas possibilidades, promove, além da aprendizagem das questões técnicas e táticas, a discussão de valores. Reverdito e Scaglia (2009, p. 131) fortalecem a expansão das contribuições do esporte na formação humana ao afirmar que a Pedagogia do Esporte deve “permitir ao homem aprender a viver, a viver em sociedade, a compartilhar sua humanidade”. É dessa maneira que a vivência esportiva favorece o aperfeiçoamento da humanidade, o que justifica o seu valor social, sendo o momento propício para o desenvolvimento de ações que favorecem o trabalho em equipe, a socialização de diferentes sentimentos como alegria, tristeza, nervosismo, ansiedade, elementos dentre tantos outros presentes em práticas esportivas devidamente orientadas (KUNZ, 2012; NISTA-PICCOLO, MOREIRA, 2012a). Reverdito e Scaglia (2009, p.37) asseveram que “o ensinar pelo esporte deve estar comprometido com a autonomia do ser humano, com a formação de cidadãos críticos”. Para tanto, uma das maneiras de contribuir com esta formação é proporcionar, através do processo de ensino, vivência e aprendizagem das modalidades esportivas englobando aspectos técnicos, táticos, motores, físicos, bem como a aquisição de valores e modos de comportamentos a partir de uma ação conscientizadora da prática educativa (PAES,1996; KUNZ, 2012; NISTA-PICCOLO, MOREIRA, 2012a). Diante do mito que o esporte atrai pela simples condição e objetivo em “passar o tempo” e “ocupar a cabeça” entendemos que para a eficácia dos projetos esportivos o conhecimento e a prática deve proporcionar acesso ao universo interior do ser humano, fomentando desejos e vontades, superação de limites, sensa130 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 ções captadas pelas conquistas e derrotas. Nista-Piccolo e Moreira (2012a, p. 42) enfatizam o sentido maior do esporte, pois “[...] conhecer e praticar o esporte nos permite vivenciar o corpo com suas possibilidades, seus limites, estabelecendo um diálogo entre as naturezas interior e exterior, existencializando a vida e o mundo”. De acordo com os autores, isso vem demonstrar o quanto o esporte contribui significativamente para a busca e manutenção de uma melhor qualidade de vida. O esporte é um meio privilegiado para a formação humana por se tratar de um domínio cultural criado livre de finalidades existenciais ou mesmo de sobrevivência. Quando utilizado como instrumento educativo, seja em espaços formais ou não formais, ele demonstra sua importância desde que estejam presentes, conforme explicitam Nista-Piccolo e Moreira (2012b, p.23): [...] o sentido de corpo possível e não de corpo perfeito; o conhecimento, e este transformado em sabedoria, para poder escolher quais as melhores formas de vivenciar as possibilidades esportivas; o ensino qualificado do fenômeno esportivo em sua interdisciplinaridade e em sua especificidade; o redimensionamento, por meio do esporte, do conhecimento corporal, passando de um corpo dócil a uma corporeidade ativa, a qual busca transcendência. É dessa maneira que advogamos o esporte como uma conquista significativa na íntima relação com o mundo, presença viva e ativa em constante movimento. Isso porque a aprendizagem do mundo se faz com e por meio do corpo. (MOREIRA, 1992; BENTO, MOREIRA, 2012; NISTA-PICCOLO, MOREIRA, 2012b) A esse respeito, Kunz (2012), defende uma transformação didática dos esportes que vise a totalidade de participação em igualdade de condições, apontando perspectivas e orientações capazes de superar o ensino repetitivo de movimentos padrões do esporte normativo por uma aprendizagem enquanto processo dinâmico que permita àquele que aprende, ser sujeito das suas próprias ações. É nesse sentido que elucidamos a razão desse estudo em propiciar a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, possibilidades de conscientização do valor da prática esportiva, internalizando a relevância do hábito de sua prática diária. E a isso, implica o cuidado consigo próprio como, por exemplo, hábitos e alimentação saudáveis, furtando-se inclusive, do uso de substâncias prejudiciais à sua saúde. Necessitamos, em síntese, de contemplar o esporte nas suas múltiplas dimensões: educação, lazer e rendimento para que encontre neste uma atividade prazerosa, sem imposições, momento propício ao exercício de sua autonomia, enquanto ser humano que se movimenta intencionalmente na direção da superação ou transcendência (BENTO; MOREIRA, 2012). 3. Metodologia do estudo Trata-se de um estudo qualitativo, caracterizado como exploratório-descritivo. Essa abordagem permite compreender em profundidade os significados e 131 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 as formas de vida das pessoas, sendo válida para a observação de vários elementos ao mesmo tempo em um pequeno grupo (MINAYO, 2004). Participaram 64 adolescentes autores de atos infracionais, do sexo masculino, de um Centro Socioeducativo do Estado de Minas Gerais que cumprem medida socioeducativa de internação. As informações foram coletadas por meio de uma pergunta geradora aplicada aos adolescentes em regime de Internação: Você praticava algum esporte que aqui está impossibilitado de vivenciar mas gostaria de praticar? Mencione qual(ais) esporte(s) e justifique o porquê. Os dados obtidos pela coleta em formulários foram transcritos e analisados segundo a Técnica de Elaboração e Análise de Unidades de Significado de Moreira, Simões e Porto (2005) que, a partir dos relatos ingênuos dos sujeitos, identifica os indicadores e estabelece as unidades de significado. Esse processo facilita a compreensão do sentido das palavras dos sujeitos. Após análises foi possível definir a seguinte categoria temática: O corpo privado de liberdade e a relação com o esporte. 4. Resultados e discussão Os atos infracionais praticados na juventude são um fato social que tem preocupado a sociedade, seja na parcela dos integrantes desta que se incomodam com esses problemas, buscando uma reflexão e possíveis soluções, seja naquela que se irrita e encontra-se amedrontada com a crescente violência. Em sua maioria, esses adolescentes autores de atos infracionais, são vítimas da própria sociedade. Para Cruz (2005), a infração é fruto, em primeiro lugar, do ambiente formado na família, ou pela ausência desta; depois, nas amizades constituintes do ambiente social, na escola ou grupos comunitários, na rua, já que a formação, o crescimento físico, moral e psicológico, dependem dos ambientes criados pelos adultos até que adquira a própria consciência da decisão e escolha ao atingir a maturidade. Os 64 participantes da pesquisa são adolescentes do sexo masculino, com idades entre 12 e 18 anos, que cometeram ato infracional e como resposta estatal, a eles foi aplicada medida socioeducativa de internação, cumprida num Centro Socioeducativo do estado de Minas Gerais. As respostas à pergunta geradora indicaram que entre os adolescentes pesquisados, 59 responderam praticar antes da medida socioeducativa algum esporte, exercício físico ou atividade artística. No entanto, não foi possível identificar se as atividades ocorriam através de algum programa social que poderia adotar a pedagogia do esporte, e que a vivência dessas atividades acontecia nas ruas. Somente cinco dos entrevistados relataram que não praticavam atividade alguma desse gênero não justificando suas respostas. Como registro digno de atenção, o único respondente que justificou a ausência do envolvimento com práticas esportivas apontou ser responsabilidade a sua dependência química. 132 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 [...] Gostava muito de jogar “bete” na rua, [...] soltar pipa que é uma atividade e aqui não pode. O resto aqui dentro pode fazer tudo: jogar bola, basquete... (16 anos). [...] Quando eu estava na rua eu participava de vários jogos de futebol aos fins de semana, mas também era só isso, eu jogava, mas não treinava; não mantinha meu corpo físico. Eu jogava por eu gostava não porque era pra melhora meu condicionamento físico i sim por lazer (17 anos). [...] Sim, jogava bola de vez em quando e nadava na piscina, jogava capoeira, aqui dentro eu faço sim atividades físicas mais vez no mês ou na semana que ela na rua... (18 anos). [...] Fazer natação, antes eu praticava natação. É uma parte de mim que eu gosto demais, não só pelas medalhas e também pela atividade física que eu gosto desde a minha infância e tudo tem questão de tempo, obrigado (16 anos). [...] Eu sou apaixonado em futebol, peteca voleibol, basquete, só isso, praticava lá de fora só futebol quando eu saía do serviço e aqui dentro pratico as atividades físicas e obrigado a ajuda de vocês todos. (16 anos) [...] Não fazia nada de atividade só usava drogas (18 anos). Apesar da pedagogia do esporte não ser a solução para todos os problemas, é possível percorrer através dela os pilares da educação propostos pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura): aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver e aprender a ser (DELORS, 2012). É possível utilizá-la para ajudar a enfrentar problemas comuns à realidade de comunidades carentes como: baixa autoestima; falta de pertencimento a um grupo; inexistência de expectativa de transformação, de quebra do círculo vicioso presente muitas vezes nas famílias; reduzidas opções para o distanciamento do tráfico, da violência, além da exclusão aos ambientes propícios ao desenvolvimento educacional. Outras manifestações podem ser assim apresentadas: nove adolescentes indicaram a continuidade da prática esportiva sem problemas; já um aderiu recentemente e três conheceram no centro socioeducativo novas modalidades esportivas. [...] Eu jogava futebol, eu trabalhava de pintor, agora vou começa praticar pintura (18 anos). [...] Tudo que eu fazia lá na rua eu faço aqui como, joga bola, natação, desenha. (sem identificação da idade) [...] Futebol, mas aqui pode (14 anos). [...] Não. Aqui jogo bola. (sem identificação da idade) [...] Eu mais gosto de futebol agora eu tô aprendendo outras coisas que eu estol gostando mais (15 anos). 133 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 Uma pesquisa sobre a atividade física e comportamento antissocial, identificou na análise de 175 programas o oferecimento de várias modalidades esportivas, atividades físicas e atividades ao ar-livre (ex.: escoteiro e acampamento) para jovens, cujo foco na maioria dos programas é a habilidade social e autoestima, valorizando mais a forma – o processo – como é realizada a tarefa para o jovem do que a prática em si. Desse modo, o envolvimento da comunidade é importante para o sucesso do programa e atividades em grupo são utilizadas para o desenvolvimento social. O que indica que a prática esportiva reduz o tédio e pode ser usada contra a baixa autoestima e baixa autoconfiança, aumentando as habilidades sociais como a relação interpessoal, a comunicação e redução do comportamento antissocial (MORRIS; SALLYBANKS; WILLIS; MAKKAI, 2003). Oito depoimentos apontaram dificuldade de continuar com a prática da atividade e dez relataram a impossibilidade, reunindo dessa maneira, dezoito respostas equivalentes às unidades de significado “encontra dificuldade” e “impossibilitado”. [...] Antes eu tinha a liberdade de saí com meu pai e mãe. Aqui dentro pra você ir no banheiro você tem que pedir (16 anos). [...] Eu ia muito viajar para a casa de minha vó e meu vô e agora não posso visitá-lo. (17 anos). [...] Praticava karatê e natação que aqui não tem como praticar (15 anos). [...] Eu praticava capoeira jogava futebol e eu dançava axé e brincar com meus irmão. (16 anos). [...] Sim, eu corria no campo, e isso era bom pra mim porque eu fazia um trabalho pra queimar caloria e coordenação motora (18 anos). [...] Praticava muito bola, gostava de nadar, hoje em dia não posso praticar todos esses exercícios porque estou cumprindo a medida socioeducativa! (16 anos) [...] Eu gosto muito de trabalhar na minha área de trabalho e que eu estou impossibilitado agor. (19 anos). [...] Eu gostava muito de nadar e aqui não pode, isso me deixa muito triste eu queria um dia nadar, por que eu era acostumado nadar direto. (16 anos). [...] Fazia sim, fazia grafite, fazia letras e hoje não posso fazer. Queria fazer grafite, bordado e várias coisas que hoje não posso fazer (17 anos). [...] eu andava de skate e aqui sou impossibilitado de praticar (16 anos). [...] somente futebol, aqui eu estou impossibilitado por causa da minha perna que está machucada. Eu gostaria de fazer natação para ajudar a minha perna porque é quase uma fisioterapi. (16 anos). [...] Eu praticava natação e corrida e agora está difícil, por causa que 134 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 eu estou cumprindo uma medida sócio educativa, mais o que faço aqui é jogar bola, jogar peteca, vôlei e handebol (16 anos.) [...] natação diariamente, jogava bola todos os fins de semana e etc. Hoje tô privado de várias coisas que fazia lá fora. Fazia amor diariamente com as garotas, etc (18 anos). A sociedade, ao utilizar meios de controle dos indivíduos, faz com que a pessoa se ajuste segundo os sistemas definidos, pois a condição de acautelamento, retira do adolescente sua autonomia e capacidade de escolhas e decisões, uma vez que tem suas atividades reguladas. Mas as pessoas possuem características próprias, ideologias, crenças e formação familiares distintas. Não existe apenas um raciocínio e um caminho a ser seguido pelos integrantes do grupo social e, inevitavelmente, as diferenças podem acarretar, muitas vezes, situações de conflitos que podem culminar com a prática de um crime (CRUZ, 2005; VOLPI, 2014). Se há um interesse na mudança do crescimento da violência, ela não ocorrerá com o aumento do caráter punitivo e isolamento da população que está à margem da sociedade. É nesse sentido que advogamos a premissa de que a prática esportiva pode ser um meio para auxiliar os adolescentes privados de liberdade a absorverem valores considerados positivos pela sociedade como forma de serem reintegrados à sociedade e não isolá-los (FERRETTI; KNIJNIK, 2009). De acordo com os relatos, treze adolescentes demonstraram desejo de praticar algum esporte, exercício físico ou atividade que praticavam antes do cumprimento da medida socioeducativa, dentre eles: [...] Corrida e natação, gostaria de praticar tênis (18 anos). [...] queria ter oportunidade de dar aula de percussão. É isso que eu queria passar para os adolescentes (Não informou idade). [...] Aqui só jogo bola, mais tudo tem sua hora eu tenho um sonho fazer curso de natação (16 anos). [...] Eu praticava judô lá de fora, aqui dentro eu gostaria de praticar (16 anos). [...] Tudo que eu fazia lá de fora eu posso fazer aqui, jogar futebol, vôlei pelo projeto Superação, mais aqui eu gostaria de fazer dança, música porque eu praticava quando eu estava lá de fora e eu gosto fazer esse tipo de coisa (17 anos). [...] Sim, aqui eu pratico alguns, lá de fora eu praticava futebol, vôlei, basquete e gostaria de praticar aqui dentro (16 anos). [...] Sim, eu praticava natação e capoeira e gostaria de fazer natação (17 anos). [...] Eu estava começando a ir na academia, mais aqui onde eu estou eu fico meio impossibilitado de fazer e eu gostaria de voltar a fazer (17 anos). 135 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 [...] Praticava academia e virava mortais e eu corria muito, fazia caminhada, eu gostava da minha vida (15 anos). [...] Sim, futebol de salão e fazer trilha, mas aqui está difícil de fazer esses tipos de esportes (18 anos). [...] Eu fazia academia lá, mais aqui não pode eu fazia atividades de musculação (16 anos). Uma possibilidade de reeducação – ressocialização –dos adolescentes privados de liberdade seria por meio da pedagogia da autonomia na Educação Física, pois esta se preocupa em oferecer a todos os indivíduos a capacidade de pensar na busca da solução de um problema por meio da cooperação. Segundo Freire (1996, p. 19) é importante reconhecer que “somos seres condicionados e não determinados” (grifos do autor), o que pressupõe elucidar que estamos abertos ao aprendizado com capacidade de ir além dos condicionantes, daí a relevância de se assumir como ser social e histórico, pensante, crítico e transformador. É nesse sentido que primamos por um fazer da prática esportiva que deixaria de ser a superação do mais fraco para ser a autossuperação, de maneira que um possa ajudar na dificuldade do outro (KORSAKAS; ROSE, 2002; KUNZ, 2012). Sob a perspectiva pedagógica a Educação Física contribui para o movimentar-se/relacionar-se humano na e para a educação. Isto favorece a absorção de valores e modos mais adequados ao se deparar com situações do cotidiano, como ser capaz de auto organizar, de interferir no seu meio e de ser ético. Segundo Kunz (2012), uma Educação Física aberta a novas experiências só se efetivará quando houver a superação das atividades rotineiras e aquelas baseadas na manutenção do sentido esportivo normatizado. Tais mudanças ocorrerão se fundadas num processo ação-reflexão-ação, o que implica em propostas que favoreçam o questionamento/reflexão e não a mera reprodução automática de aquisição de destrezas e habilidades. Assim, a prática esportiva pode ser tanto um meio eficaz enquanto ação conscientizadora da prática educativa quanto alternativa de alívio das tensões características desta condição de acautelamento (FERRETTI; KNIJNIK, 2009), dada a condição de pessoa em desenvolvimento, “capazes de atos construtivos e reparadores” (VOLPI, 2014, p. 219). Considerações finais 136 Dar voz aos adolescentes autores de atos infracionais é um trabalho essencial para a compreensão da forma como encaram a vida. Seus relatos ilustram a dificuldade que populações marginalizadas têm de se expressarem, ou melhor, de serem ouvidas e enxergadas. É uma maneira de expor os sentimentos dos sujeitos do estudo, o estigma de viverem confinados. O que se pretende afirmar é a possibilidade de superar situações como estas, destacando o esporte, exercícios físicos e atividades/trabalhos manuais como elo de superação e estímulo para sonhar novamente. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 127-138, 2018 O esporte deve assumir seu papel na formação, desmistificando sua atuação apenas como atrativo para aqueles que precisam ocupar-se e livrar-se de más influências ou até mesmo brincadeiras, consideradas equivocadamente, sem valor. O trabalho esportivo precisa lidar com frustrações, presentes em qualquer condição natural da vida, encarando-o como aliado à superação de limitações e obstáculos, muitas das vezes necessários para um contínuo aprendizado. Paralelamente à modalidade esportiva, um efetivo projeto socioeducativo necessita desenvolver outras atividades que permitam a autonomia e demonstrem a importância dos adolescentes no convívio social. Deve-se prezar o ser humano, sua sensibilidade, e não deixar que o condicionamento supere sua razão fundamental, o relacionamento entre pessoas. O estudo ajudou a observar a importância do esporte na vida dos adolescentes, em especial, os privados de liberdade, atentando-se ainda à necessidade de mais estudos que possibilitem o desenvolvimento de projetos e programas ligados ao esporte visando a inclusão desses adolescentes na sociedade. Referências BENTO, J. O.; MOREIRA, W. W. Homo sportivus: o humano no homem. Belo Horizonte: Instituto Casa da Educação Física, 2012. CRUZ, S. C. G. V. Menor: infrator ou vítima? Augustus, Rio de Janeiro, v. 10, n. 20, jan./jun. 2005. DELORS, Jacques et al. (Orgs.). 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Desta forma, este trabalho tem como objetivo entender o processo de educação científica nos museus e a influência das várias linguagens, utilizadas nas exposições, na compreensão de conceitos científicos dentro dos museus de ciências. Observa-se que as várias linguagens utilizadas no processo de comunicação permitem as interações entre público e exposição, o que estimula os visitantes por diversos canais sensoriais, aguçando o processo educativo. O que permite concluir que aprendizagem dentro dos museus é decorrente de vários caminhos sensoriais e, pode, transforma este processo em uma experiência prazerosa. Por fim, posiciona-se o museu como instituição ponte entre educação e sociedade. Palavras chave: Educação Científica; Museus; Linguagens. Abstract: scientific education is an indispensable part of the formation of citizens. In this way, this work aims to understand the process of scientific education in museums and the influence of the various languages used in the expositions, in the understanding of scientific concepts within the science museums. It is observed that the various languages used in the communication process allow interactions between the public and the exhibition, which stimulates visitors through several sensorial channels, thus enhancing the educational process. This allows us to conclude that learning within museums is due to several sensorial paths and, can, turns this process into a pleasurable experience. Finally, the museum is positioned as a bridge between education and society. Keywords: Scientific Education; Languages; Museums. 139 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 139-148, 2018 1. Introdução A acumulação de conhecimentos é um dos mais importantes passos da humanidade (CHASSOT,1994). Sendo um processo acumulativo, o saber sistematizado é, também, um produto da Ciência e do seu papel no desenvolvimento social. A relação entre a construção do conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico é alimentada mutualmente e pode ser melhor compreendida quando pensamos em momentos históricos, como a revolução industrial em que um princípio científico, a produção de energia elétrica por magnetismo, modificou a produção das industrias e, essas duas condições, transformaram a economia. Essa relação entre ciência e tecnologia demanda que a sociedade esteja envolvida em discussões sobre o conhecimento científico que só podem acontecer de maneira proveitosa com uma população educada cientificamente. A educação científica, na perspectiva de educar cidadãos, é por Oliveira definida como Um conceito multidimensional envolvendo simultaneamente três dimensões: aprender Ciência (aquisição e desenvolvimento de conhecimento conceitual); aprender sobre Ciência (compreensão da natureza e métodos da Ciência evolução e história do seu desenvolvimento bem como uma atitude de abertura e interesse pelas relações complexas entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente); aprender a fazer Ciência (competências para desenvolver percursos de pesquisa e resolução de problemas). (OLIVEIRA, 2010, p. 26) Aprender ciência, como descrito na preposição acima, é definida pelas regras, leis e equações de conceito, muito conhecidos na sala de aula e, por vezes, se torna o ponto central da educação científica escolar. Aprender a fazer ciência, em geral, está presente nas universidades e na formação de pesquisadores. Aprender sobre a ciência, engloba questões da sua construção sócio histórica e de sua influência no desenvolvimento humano, fica, constantemente, fora das discussões em sala de aula. Ensinar ciências, no contexto de promover debates que envolvam questões tanto da sua produção como o seu entrelaçamento com o desenvolvimento sociocultural, implicam o contato com conhecimentos que vão além do saber técnico, perpassando o “entendimento acerca das novas formas de conceber os fenômenos naturais e os impactos que estes têm sobre nossa vida” (SASSERON, 2015, p. 52). Na educação formal, aquela que ocorre dentro da sala de aula com horários, avaliação e currículos estruturados, existem limitações curriculares para a implantação de atividade com abordagens que extrapolem a compreensão de leis e regras e a resolução de exercícios. Assim, o uso de ambientes extraescolares de forma consciente pelos educadores pode ser uma alternativa que fomente a aprendizagem da ciência. Utilizar de espaços diferentes para a educação científica é justificado pelas atividades únicas e de difícil replicação nos espaços formais de ensino. As experi140 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 139-148, 2018 ências adquiridas nestas atividades são motivadoras, já que, a abordagem dinâmica que os temas são apresentados e os diferentes recursos utilizados, causam um efeito positivo nos estudantes, muitas vezes, tornando-se marca nas lembranças educacionais. A definido dado pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), diz que Museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite (ICOM, 1992). Os museus de ciências são instituições que têm como objetivo o desenvolvimento de atividades ligadas à divulgação científica em várias camadas da sociedade. Desta forma, os museus de ciências podem ser utilizados como importantes espaços educacionais e aliados para a educação científica. Cury (2005) coloca que a interpretação de cada peça museológica é única e individual, advinda dos referenciais dos visitantes e acrescida pelo discurso museológico. O aprendizado só é efetivado quando existe a apropriação deste discurso pelo público, satisfazendo suas necessidades. Desta maneira o visitante “cria e difunde um novo discurso e o processo recomeça, sendo que esse novo discurso será apropriado por outros e a história se repete” (CURY, 2010, p. 361). Entre a exposição e o visitante estão os processos de comunicação dos museus e a sua intencionalidade. Existe, ainda, a figura do mediador, importante colaborador para a realização de visitas, elaborando estratégias de aproximação entre o público e exposição. Para Queiroz e seus colaboradores, entre as habilidades dos mediadores é necessário [...] que, entre outras coisas, sejam capazes de evidenciar as concepções e modelos mentais alternativos aos da ciência e colaborar com perguntas e atividades para que o público se engaje no processo de construção de novos conhecimentos, mais compatíveis com o elaborado pela ciência e transposto para as exposições do museu (QUEIRÓZ, et. al., 2002, p. 79). As exposições, de modo geral, estão impregnadas com a mensagem, previamente concebida, que os organizadores da exposição querem transmitir. Para isso, os curadores das exposições laçam mão de objetos, recursos audiovisuais e, com frequência, múltiplos recursos sensoriais, inserindo o visitante em uma realidade artificial que está ali para que ele possa compreender a mensagem objetivada. As várias formas de transmissão da mensagem desejada se transformam no processo de comunicação dos museus. 141 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 139-148, 2018 A função museológica é, fundamentalmente, um processo de comunicação que explica e orienta as atividades específicas do Museu, tais como a coleção, conservação e exibição do património cultural e natural. Isto significa que os museus não são somente fontes de informação ou instrumentos de educação, mas espaços e meios de comunicação que servem ao estabelecimento da interação da comunidade com o processo e com os produtos culturais (ICOM, 1992, p. 3). Neste sentindo se faz importante pensar na influência das várias linguagens presentes nos museus e seu papel na interpretação das exposições pelo público visitante, pensando em como, ou quando, a comunicação museológica se torna realmente efetiva. 2. Educação Científica nos museus A educação, independente da área, tem por finalidade preparar o educando para a vida (BRASIL, 1996). Esse preparo está diretamente ligado com a capacidade do educando de comunicar-se, argumentar, compreender e agir; enfrentar problemas de diferentes naturezas; ser capaz de elaborar críticas ou propostas (BRASIL, 2002). Dentro deste contexto e no âmbito da educação em ciências, torna-se importante propiciar a compreensão do desenvolvimento científico e tecnológico e de suas implicações sociais, econômicas, políticas, ambientais e éticas. Os museus possuem diversas funções como a aquisição, conservação, investigação, comunicação e exposição de patrimônios culturais da humanidade, com propósitos relacionados a estudo e educação. No que se refere às suas funções educacionais, os museus dependem das suas especificidades como: tamanho, recursos financeiros, quadro de pessoal, acervo e, principalmente, do público que o museu quer atingir. A relação museu-educação ocorre desde o surgimento dos museus. Um dos primeiros museus da humanidade foi o de Alexandria, antiga capital do Egito. Esse museu atuava juntamente com a sua biblioteca e foi fundado por Ptolomeu após a divisão do império de Alexandre, O grande, devido a sua morte. Ptolomeu era o governante dessa região do Egito e ele era sedento por conhecimento e intelectualidade (FLOWER, 2010). Um dos seus principais conselheiros era Demétrio, que convenceu Ptolomeu a adquirir manuscritos e que hospedasse a cultura atual da época. O museu de Alexandria tinha diversos aspectos que se diferem dos atuais museus. Sua concepção era de um templo para as Musas, personagens da mitologia grega que faziam referência à arte e ciências, e tinha a finalidade de debates, aulas, pesquisas e cópias de documentos, relacionados aos mais diversos temas. Além disso, o museu era destinado à nobreza. No século XVII, a organização dos museus levava em conta o armazenamento dos objetos e as coleções particulares da realeza e das diversas obras que foram chegando com o advento das navegações e do encontro de comunidades, 142 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 139-148, 2018 até então, pouco conhecidas. A organização dessas coleções passou a acontecer no século XVIII, o que propiciou o início das pesquisas nestes locais, sendo que, já existia a intencionalidade educacional, principalmente das elites (MARANDINO, 2008). A abertura para a comunidade, de forma geral, começou nos séculos XIX e XX. Com essa abertura, foi necessário criar mecanismo de interação com o público não só para ganhar o seu interesse, mas, para que as explicações dos aspectos científicos ficassem mais claras. Em meados do século XX, a interatividade com as exposições passa a ser o carro-chefe dos museus, colocando o visitante como sujeito ativo. Neste momento, o museu de ciências passa a ver como prioridade informar à sociedade sobre os processos científicos e o a sua influência no contexto social. No Brasil, a relação museu e educação vem desde a chegada da família real com a criação do Museu Nacional no século XIX, dentro do programa de modernização do país e com fortes influências francesas. O Museu Nacional era aberto ao público e oferecia palestras e cursos direcionados a população (VALENTE; CAZELLI; ALVES, 2005). Hoje, a preocupação da equipe educativa do museu, de forma geral, é gerar exposições que tenham uma linguagem acessível aos visitantes para que estes possam não apenas compreender seu objetivo, mas tornando-a significativa. Marandino (2008, p. 16) coloca que “é preciso que o visitante seja ativo e engajado intelectualmente nas ações que realiza no museu e que as visitas promovam situações de diálogo entre o público e, deste, com os mediadores. ” As abordagens promovidas pelos museus de ciências não mostram apenas a concepção da ciência do museus, curador e pesquisadores de determinado museu. Também estabelecem um diálogo com os visitantes, configurando perfis distintos tanto de exposições como de público. Para se estabelecer objetivos educativos para as atividades é necessário se definir os papeis dos mediadores e dos visitantes dentro da dinâmica museológica. Os mediadores dos museus, focados em ciências, como define Queiróz e colaboradores [...] buscam desenvolver modelos pedagógicos [...] que, entre outras coisas, sejam capazes de evidenciar as concepções e modelos mentais alternativos aos da ciência e colaborar com perguntas e atividades para que o público se engaje no processo de construção de novos conhecimentos, mais compatíveis com o elaborado pela ciência e transposto para as exposições do museu (QUEIRÓZ et. al. 2002). Uma das competências dos museus de ciências e tecnologia, é a de “aproximar o visitante do saber científico, levando em conta a necessária transformação desse saber de forma a torná-lo acessível ao público” (QUEIROZ, 2002, p.79). Dentro dos museus essa aproximação pode ser feita pelos mediadores e a eles cabe a construção de estratégias para que ela ocorra. A formação adequada dos mediadores deve ser responsabilidade da instituição que administra os museus, não se Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 139-148, 2018 143 preocupando somente com os aspectos teóricos da exposição, mas também com os aspectos de comunicação. Os visitantes dos museus, especialmente nos de ciências, buscam compreender as exposições de maneira livre ou, frequentemente solicitando a explicação de um mediador. Almeida (2005, p. 32) refere que “cada visitante constrói sua própria exposição ao selecionar seu percurso de acordo com seu desejo, suas motivações, suas necessidades e seus companheiros, entre outras variáveis. ” O processo de comunicação ocorre pelas diversas interações do público com a exposição (da exposição com o visitante, entre monitores e visitantes e entre visitantes) e ocorre na relação entre conhecimentos antigos e novos e, ainda, na esfera emocional. Chinelli, Pereira e Aguiar (2008, s.p.) referem que “no nível concreto, a interação se dá mediante atividade - por isso, interatividade. Quando o visitante liga, toca, lê, manuseia, joga, observa, ouve..., encontra oportunidades para realizar operações mentais que resultam em conhecimento: interpretar, problematizar, questionar, refletir, criticar, elaborar hipóteses. ” Atualmente compreende-se a prática educativa dos museus como uma ação multifacetada cujo objetivo maior é o cumprimento da atividade educativa do museu. A relação e a interação com o público são a razão da existência dos museus, porém, estabelecer contato e se relacionar diretamente é o um desafio. Desta forma, as múltiplas linguagens utilizadas nos museus têm o objetivo de diminuir esta lacuna. 2.1 As diferentes linguagens nos museus O museu é um ambiente organizado por estratégias que ilustram valores de um universo social. “Entrar em um museu e visitá-lo é ultrapassar um limite espacial que medeia e instaura contato com outros espaços/temporalidades/percepções do real. ” (CRIPPA, 2013, p. 136) O que nos auxilia na percepção do ambiente quase mágico do museu e a compreender a mensagem de cada exposição é a maneira como essa se comunica. Segundo Hooper-Greenhill (1998, p. 11) “todo o processo de comunicação atua como um conjunto de mensagens intencionadas, que também pode ser entendido como um conjunto de mensagens não-intencionadas”. No diálogo entre museu e visitantes é possível elencar vários pontos de sutura que conduzem ao intuito da exposição. Entre eles estão: objetos, recursos audiovisuais, placas informativas, decoração, visitantes e mediadores e seus discursos, sendo que, os dois últimos caracterizam a parte não intencional da comunicação, esta, “marcada por uma dose de imprevisibilidade” (VALENTE; CAZELLI; ALVES, 2005, p. 197). 144 As linguagens do museu podem ser observadas por uma instância semiótica configurada na medida em que é ferramenta de interpretação de culturas e de modalidade de suas articulações, através de textos, discursos e artefatos significantes, interações, situações e formas de vida estudados através de modelos gerais que revelam diferenças gerais e específicas. (CRIPPA, 2013, p. 13) Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 139-148, 2018 Os objetos e experimentos são base no discurso museal, visto que grande parte das atividades que ocorrem nos museus de ciência é centrada neles. Isso porque estas ferramentas permitem ao visitante a apropriação do conceito, favorecendo sua compreensão científica e sócio histórica, levando-os para uma análise pessoal e posterior discussão com mediadores (outros visitantes, professores). “Tendo como ponto de partida o objeto real e concreto, o museu associa-lhe um significante, o texto que o identifica, e um significado, ou seja, um conceito” (ROQUE, 2015, p. 216), desta maneira, existe uma intencionalidade na escolha de cada peça exposta. Os instrumentos científicos auxiliam na conexão entre técnica e ciência. A exposição desses objetos solitariamente leva a um entendimento muito restrito do pensamento científico e de sua construção. Para um entendimento global, os objetos devem ser mostrados sob uma ótica holística, aproximando o contexto sociocientífico do visitante, assim, o público pode construir um significado contextualizado sobre os instrumentos. Sendo as exposições construídas por uma equipe que vive em um meio social, é carregado das influências deste meio. As construções socioculturais estão relacionadas diretamente com a sua linguagem, que reflete condições particulares e são diferenciadas pelo uso do seu enunciado característico: “(...) cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso” (BAKTHIN, 1997, p. 279). Grande parte dos discursos são tão entrelaçados às construções sociais que “de uma forma imediata, sensível e ágil, refletem a menor mudança na vida social” (BAKTHIN, 1997, p. 285). Os museus selecionam e montam exposições “com o intuito de comunicar determinados valores simbólicos contidos nos objetos, produzindo, dessa forma, um discurso e uma narrativa museal.” (ROSA, 2015, p.4) Assim, discurso museológico que empreendem contemplar a diversidade de expressões estéticas e culturais existentes, ainda, obter o diálogo entre todos os aspectos físicos da exposição com o visitante. Roque coloca que: O discurso museológico pretende informar acerca do objecto e da perspectiva veiculada pela exposição, disponibilizando um conjunto de chaves de leitura que o visitante possa gerir de acordo com os seus interesses, mas não impondo essa informação à faixa de público que apenas pretenda aproveitar a exposição como um espaço de lazer e contemplação. (2015, p.221) Além do discurso próprio, o museu conversa com o espaço em que está inserido, modificando o meio e executando ações de reconhecimento mútuo. Para Crippa: 145 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 139-148, 2018 O museu que dialoga com o espaço em que se insere, seja este um bairro, uma cidade, seja um espaço simbólico, tem se tornado um tema muito abordado pela literatura que discute significados e funções dos museus em todas as instâncias, desde sua ontologia até as tarefas executivas nele realizadas, passando pelas suas funções sociais, históricas, políticas e econômicas. (CRIPPA, 2013, p. 135) Todas as relações destacadas entre exposição e meio cultural também se configura como linguagem, já que, comunica ideias, sentimentos e possibilita discussões através dos objetos e todos os signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais. Desta forma, a exploração de temas científicos sob a perspectiva histórica, contemplando seus aspectos sociais e culturais, permite perceber a ciência como uma construção humana coletiva. Além disso, a articulação de diferentes pontos de vista permite o alargamento do entendimento da ciência, da tecnologia e das relações sociais Considerações finais 146 A educação científica é bem mais que promover a fixação de termos e conceitos, é, também, privilegiar momentos de aprendizagem que possibilitem aos alunos uma formação para viver em sociedade. Os museus têm a capacidade de ir além do processo histórico, estimulando debates e experiências diferenciadas, utilizando de recursos com grande potencial de impacto nos visitantes. A interação sociocultural permite a introspecção cognitiva capaz de redefinir o objeto descoberto e desenvolver uma compreensão dos temas tratados. Essa interação tem uma condição única que é alguém que queira ou precise saber. Assim, aprender em um museu de ciências, por exemplo, leva a quem aprende uma visão em várias dimensões e transforma a aprendizagem em um processo prazeroso que, até certo ponto, pode não ser reconhecido como aprendizagem pelos visitantes. É obvio que somente apresentar exposições em um ambiente com amplos dispositivos sensoriais não é suficiente para que sejam compreendidos. A compreensão ocorre quando a disposição dos objetos, o cenário montado, os recursos sensoriais são aliados ao contexto e a um discurso que mobilize todas essas ferramentas na direção de um conhecimento. Pensar sobre as relações discursivas estabelecidas dentro do museu de ciências, implica a compreensão da variedade de sentidos dados ao conhecimento científico nos diferentes contextos e que constituem o imaginário social. Desta forma, cabe aos museus o papel de levar até a sociedade as bases de uma cultura científica, mostrando os riscos e benefícios do conhecimento produzido pela Ciência, promovendo um intercâmbio entre ciência e a sociedade. Se faz necessário pensar em um aprofundamento nas relações entre educação e museus, posicionando os museus como instituição ponte entre sociedade e educação, o que é justificado ao se pensar que a maioria dos visitantes visam a aprendizagem, conferindo aos museus a responsabilidade com a sociedade no que tange a educação. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 139-148, 2018 Referências ALMEIDA, A. M.: O contexto do visitante na experiência museal: semelhanças e diferenças entre museus de ciência e de arte. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 12 (suplemento), p. 31-53, 2005. BAKTHIN, Mickhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. BRASIL. 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Currículo: http://lattes.cnpq.br/4707573331686716 - Daniel Fernando Bovolenta Ovigli – Licenciado em Ciências Exatas; Doutor em Educação para a Ciências pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita; professor do Departamento de Educação em Ciências, Matemática e Tecnologias da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Currículo: http://lattes.cnpq.br/1037654075125918 148 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 139-148, 2018 Espaços não formais: utilização dos museus no processo de ensino/ aprendizagem voltado às Ciências PINHEIRO, Cleiton da Silva LIMA, Maurício Szaz de GRACIOLI, Jéferson Muniz Alves SANTOS, Ricardo André Ferreira de Oliveira Resumo: Ao relacionarmos museus e aprendizagem conseguimos perceber que é este é um espaço muito importante para a educação não formal, desse modo, podemos identificar que quando se trata de museus como um espaço não formal ligado a aprendizagem ele se torna um espaço bem interessante para ser utilizado, principalmente para o ensino de Ciências. Este artigo tem como objetivo observar os pontos de vista de diferentes autores sobre o tema abordado e dissertar sobre a importância do uso dos museus como espaço de ensino/aprendizagem contribuindo para a construção do conhecimento. É um estudo embasado em uma revisão bibliográfica. A partir da produção desse artigo observamos que existem pontos que são de suma importância para a educação, seja ela formal ou não formal. Temos espaço para a compreensão de que as mesmas formam sujeitos a fim de compreender o mundo, sua existência e seu papel dentro da sociedade. Palavras chave: educação não formal; Museu; Escola. Abstract: When we relate museums and learning we can realize that this is a very important space for non-formal education, so we can identify that when it comes to museums as a non-formal space linked to learning it becomes a very interesting space to be used, mainly for the teaching of Sciences. This article aims to observe the points of view of different authors about the theme and to discuss the importance of the use of museums as a teaching / learning space contributing to the construction of knowledge. It is a study based on a bibliographical review. From the production of this article we observe that there are points that are of great importance for education, whether formal or non-formal. We have room for understanding that they form subjects in order to understand the world, its existence and its role within society. Keywords: Non-formal education; Museum; School. 149 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 149-158, 2018 1. Introdução É perceptível que nos últimos anos houve um crescente na quantidade de museus e espaços não formais de educação, mas mesmo isso sendo observado, percebe-se que essa quantidade ainda não contempla um número satisfatório de pessoas. Existe ainda certa quantidade de sujeitos que nunca visitaram nenhum desses espaços por diversos motivos como: desconhecimento da existência destes espaços em suas cidades, dificuldade de locomoção, falta de interesse da população, falta de divulgação desses espaços, entre outros. Esses são alguns dos exemplos de problemas discutidos por vários autores especializados em estudos sobre a educação não formal, informal e formal. Dentre eles podemos citar Gaspar (2002), Falcão e Gilbert (2005), Queiroz (2002), Bitter (2010), Teixeira (2014), dentre outros. Esses autores discutem vários problemas enfrentados por esses espaços e em seus textos trazem ideias que podem ser utilizadas para a melhoria dessas situações. Ao relacionarmos museus e espaços não formais, observa-se que há possibilidade da construção da aprendizagem que segundo Stuart (2007) é “um processo de mudança conceitual”, em vez de “absorção de um conhecimento transmitido”. Tal percepção pode ser obtida a partir da definição de espaços não formais de Marandino: Qualquer atividade organizada fora do sistema formal de educação, operando separadamente ou como parte de uma atividade mais ampla, que pretende servir a clientes previamente identificados como aprendizes e que possui objetivos de aprendizagem, notase o laço entre os espaços não formais, educação e museus”. (MARANDINO, 2008, p. 13) E ainda, em congruência da construção de conhecimento relacionada a espaços não formais e museus, temos a definição desta posta por Silva e Fonseca de que o museu é, Etimologicamente, a palavra museu deriva de musa (na mitologia greco-latina, uma divindade inspiradora) como se ela fosse à casa das musas, um lugar dos saberes, dos conhecimentos elevados, um local onde diferentes materiais, considerados significativos para uma sociedade, são preservados e expostos como fontes de inspiração e incentivo para novas grandezas surgirem (SILVA e FONSECA, 2007, p.73). Em complemento ao conceito de Silva e Fonseca, temos o Conselho Internacional de Museus (ICOM), que define museu como um espaço criado de interesse público que tem como finalidade conservar, expor, estudar e valorizar a história material do homem e do meio em que vive com o intuito de educar e fornecer lazer a sociedade. Como exemplos desses espaços podem citar: jardins 150 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 149-158, 2018 zoológicos, aquários, exposições não comerciais, jardins botânicos, monumentos naturais, etc. Smaniotto, nos traz a importância de utilizar os museus como espaços de aprendizagem, Assim sendo, a instituição-museu é o espaço ideal para o desenvolvimento desses processos. Os museus são, por excelência, locais de observação, interação e reflexão. Desta forma, os museus podem ser trabalhados como espaço de discussão de ideias, espaço de aprendizagem consequente e não somente como o lugar do lúdico ou da contemplação. (SMANIOTTO, 2016, p.3) Autores como Cazelli et al, (1997 e 1998); e Falcão et al, (1997a), destacam a diferença observada por professores e alunos sobre o espaço dos museus. É citada a falta de compreensão que certos professores têm das possibilidades de utilizarem os museus como espaço de ensino favorecendo ao aluno uma ampliação cultural de seus conhecimentos. Além do prisma da aprendizagem não formal podemos compreender os museus também como um espaço de divulgação científica, que de acordo com Rebello (2001), “Os museus de ciência possuem uma missão comum: a de estimular a compreensão pública da ciência”. Deste modo o museu de ciências tem como objetivo geral o de alfabetizar cientificamente os cidadãos. Este artigo tem como objetivo observar os pontos de vista de diferentes autores sobre o tema abordado e dissertar sobre a importância do uso dos museus como espaço de ensino/aprendizagem contribuindo para a construção do conhecimento. É um estudo embasado em uma revisão bibliográfica com base nos textos relacionados a esse conteúdo. 2. Educação ormal, informal e não formal Ao falarmos sobre a escola atrelamos a ela diretamente a ideia de educação, mas o que é educação? Segundo René Hubert (1996, p.94), A educação é o conjunto das ações e das influências exercidas voluntariamente por um ser humano num outro, em princípio por um adulto num jovem, e orientadas para um fim que consiste na formação, no jovem, de toda a espécie de disposições que correspondem aos fins a que é destinado quando atinge a maturidade. Segundo Gaspar (2002, p. 171), “a educação com reconhecimento oficial, oferecida nas escolas em cursos com níveis, graus, programas, currículos e diplomas, costuma ser chamada de educação formal”. O autor ainda cita que o ensino formal já era conhecido na china desde o seculo XI e complementa que suas características eram bem parecidas com as que temos hoje. Já para Rauber (2008, p. 17-28), 151 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 149-158, 2018 Com a crescente escrituração e estratificação da sociedade, à casta sacerdotal, devem-se o primeiro sistema de ensino formal, motivado pela necessidade da formação do sacerdote escriba – guardião da ordem religiosa – o qual passa a ser o encarregado da administração da sociedade. [...] O novo sistema escolar será reservado aos filhos das classes que detêm o poder, portanto, não sendo nem universal nem tampouco compulsório. O processo educativo dedica-se à conservação e continuidade do sistema sócio-político e dos valores vigentes nas classes que detêm o poder. O conteúdo do ensino será diretamente vocacional, moral e didático. A capacidade de ler e escrever confere àquele que a possui certo ar de mistério, pois, apoiadas em sansões religiosas, a autoridade da palavra escrita à torna invulnerável. Epistemologicamente a educação é um ato humano e observa-se isso pelos diferentes pontos de vista postos por Gaspar (2002) e Rauber (2008). Gaspar (2002), relata que “O surgimento da escola nas civilizações mais avançadas decorre da necessidade de preservar e garantir o legado do acervo cultural continuamente gerado por essas civilizações”. E ainda, “provavelmente, foi também por essa razão que o conhecimento a ser transmitido na escola se organizou e se especializou num ordenamento de conteúdos separados em áreas uniformes e distintas, com o significativo nome de disciplinas” (GASPAR, 2002, p. 172). Em complemento, Gaspar (2002) relata que a sociedade que vivemos tem uma necessidade que vai além do ensino formal oferecido pelas escolas, das disciplinas ensinadas e também dos currículos empregados. Ele nos reforça que a educação informal também sempre existiu e nunca esteve atrelada a apenas espaços, horários e currículos. Dessa forma, os seres humanos conseguirão compartilhar todos seus conhecimentos. Por definição, Marandino (2008, p. 13) cita que a educação informal é “o verdadeiro processo realizado ao longo da vida em que cada indivíduo adquire atitudes, valores, procedimentos e conhecimentos da experiência cotidiana e das influências educativas de seu meio – na família, no trabalho, no lazer e nas diversas mídias de massa”. A partir disso Gaspar (2002), relata que existe além da educação formal e informal, uma educação que se assemelha com a formal pelo fato de ter disciplinas, currículos e programas, porém diferencia na não obtenção de diplomas e graus oficiais, é a educação não formal. Essa educação é defendida por Marandino (2008, p. 13), comenta como “qualquer atividade organizada fora do sistema formal de educação, operando separadamente ou como parte de uma atividade mais ampla, que pretende servir a clientes previamente identificados como aprendizes e que possui objetivos de aprendizagem”. Para Rebello (2001), somado a isso, a educação tem muito a ganhar com os espaços não formais, considerando também que há diversos museus com inúmeras temáticas que contribuem para esta educação e ensino. 152 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 149-158, 2018 3. Museus como espaços de aprendizagem Queiroz et al (2002), ao tratar da educação não formal, observa que, alguns desses espaços sofrem um impasse. Ele cita que os museus sofrem com a dificuldade de seus visitantes terem autonomia quando forem visitá-los e se preocupa também com a não escolarização dos seus espaços. Pozo e Crespo (1998), trazem que a educação não formal possui aspectos próprios em relação à autonomia do visitante nesses espaços o que auxilia a expansão e o refinamento cultural em um ambiente que surge de processos cognitivos dotados de motivação intrínseca para a aprendizagem de ciências. Desse modo, cada sujeito vai se motivar de alguma forma, pois somos pessoas diferentes umas das outras e sofremos com influências internas, tais como, o jeito de ser, o gosto específico, a relevância que cada um dá para cada coisa em específico, etc. E isso invalida alguns fatores externos. Para Gaspar (2002), existem muitas dúvidas e inquietações dos educadores de ciências em relação à educação não formal. Muitos acreditam que não seja cabível ensinar e aprender ciências nesses ambientes, pois existem muitas formas da criança se dispersar. Já alguns educadores alegam que algumas coisas sempre ficam e que muitos conceitos científicos se tornam melhores compreendidos depois de uma visita a um centro de ciência, aliás, um resultado comprovado por inúmeras pesquisas acadêmicas empíricas realizadas nessas instituições, em todo o mundo. Fica evidente a eficiência da interação verbal desencadeada por provocações, questões que estimulavam os alunos a pensar e a manifestar-se. Quando acompanhadas de demonstrações experimentais, essas questões despertavam enorme interesse, tornando as aulas movimentadas, alegres e produtivas. Nessas ocasiões, alunos e alunas mobilizavam intensamente suas estruturas de pensamento, e o processo de ensino e aprendizagem se tornava extraordinariamente rico e produtivo (GASPAR, 2002). Corroborando com a discussão iniciada, temos a ideia de Vigotski (1987), de que o ensino formal dá origem aos conceitos espontâneos e o ensino informal aos conceitos científicos. A ideia básica, inicial, leva em conta que a aquisição cognitiva de um novo conceito, espontâneo ou científico, é sempre um processo de construção gradativo que se assenta em alicerces previamente construídos que, por sua vez, são também conceitos espontâneos ou científicos. A partir disso, Gaspar (2002) afirma que quanto mais rica a vivência sociocultural proporcionada a uma criança, maior a capacidade linguística, verbal e simbólica que ela será capaz de adquirir e maior o acervo cognitivo de percepções sensoriais que ela poderá acumular. E isso pode acontecer na escola e fora dela, em casa, nas ruas, nos parques e, é claro, em museus e centros de ciências. Em consonância a essa ideia Falk (2010), traz que a aprendizagem é algo que fazemos o tempo todo, ao longo de nossas vidas, acontece na escola e em casa, em salas de aula, nos locais de trabalho, em museus, enquanto assistimos televisão, quando praticamos esportes e durante uma conversa com amigos. 153 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 149-158, 2018 Cazelli et al (1997) e Falcão et al (1998) destacam por meio de estudos a falta de compreensão dos professores, das possibilidades de ampliação cultural que os museus oferecem aos estudantes, seguindo esta perspectiva constatou a necessidade de inserir um trabalho mais extenso e completo de formação de professores para a participação como mediadores dos museus, que é a ponte entre o museu e os visitantes. Traz ainda o uso do museu como uma forma de complementar os diversos espaços vividos pelos estudantes, tornando mais ricas as suas oportunidades de aprendizagem. 4. Relação museu e escola Observamos muitos alunos desmotivados matriculados nas escolas e que não se reconhecem nela, por muitas vezes esses alunos não conseguem perceber seu real sentido. Gómez, cit. em Oliveira, Vieira e Palma (1997, p.45), citam que “numa sociedade em profundas mudanças, o que justifica plenamente o sentido da escola é sem dúvida o desenvolvimento, nos alunos, do sentido crítico e criativo sobre a atualidade, para que eles possam construir o seu próprio amanhã”. A partir disso Ditrano e Silverstein (2006), vem nos mostrar que o conhecimento informal adquirido por esses alunos em casa ou em qualquer outro espaço frequentado por eles, fora do ambiente escolar, se torna importantíssimo para criar em cada um deles uma “bagagem” que será adicionada ao seu processo de escolarização e a partir de suas experiências e seus saberes contribuirão para a formação de sua identidade escolar. Mora (2013), aponta certas propostas de implementação da relação entre os espaços de educação formal e não formal e ainda afirma que elas são delineadas considerando a importância de se avaliar as experiências através de seus usuários em um processo de “retroalimentação” que permitiria a melhoria e retorno quase que instantâneo aos usuários dos museus. Marandino (2008) nos diz que o público mais vultoso nas visitas realizadas em museus por todo o mundo é o público escolar e isso se dá pela quantidade de escolas que existem ou por várias ações que são organizadas para conseguir atendê-lo. A partir disso, estudos realizados no Brasil indicam que em vários momentos que alunos de classes sociais desfavorecidas só conhecem museus ou espaços não formais de educação a partir da escola (CAZELLI, 2005). Desse modo, Krapas e Rebello vem nos falar sobre as dificuldades de conseguir se observar uma boa relação entre a escola e os museus, A visita de escolas a museus é uma prática cada vez mais difundida entre professores, muitos dos quais veem nesses espaços a oportunidade de ilustrar os conteúdos desenvolvidos em sala de aula. Contudo, as possibilidades da ação educativa desenvolvida pelos museus ultrapassam a simples complementação do trabalho escolar. Os programas educativos em museus não se destinam exclusivamente ao público escolar, ainda que este seja, em alguns museus, seu maior usuário. O discurso do museu atinge todo tipo 154 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 149-158, 2018 de público. Assim, embora possam se dedicar a temas referentes ao currículo escolar, entendemos que o museu não deve orientar suas ações sistematizadas de acordo com o currículo e cronograma escolar (KRAPAS e REBELLO, 2001, p. 16-17). E essas dificuldades também podem ser observadas na fala de Mora (2013), que nos mostra que o museu é considerado um espaço informal que promove a cultura cientifica e justamente por ser um espaço informal, encontra dificuldade por parte da escola em compreender os processos de aprendizado neste ambiente diferente do vivido nas escolas (formal). Nesta perspectiva é preciso compreender que a educação em um espaço informal é um processo individual definido pelos conhecimentos prévios, motivações e interesses do sujeito/visitante do museu. Na mesma obra Mora (2013), afirma que um dos principais problemas levantados é a relação entre o museu e a escola. Esta parceria que deveria aperfeiçoar o processo de aprendizado está rodeada de desentendimentos e dificuldades que não permitem a concretização destes espaços com todo o potencial que deveria ser desempenhado. A escola nem sempre está satisfeita por perder um dia de aula para levar os alunos aos museus e também nem sempre adéquam seu currículo escolar de acordo com os temas que serão vistos no museu gerando pouco aproveitamento da visita. Já os museus, de acordo com a autora, não se sentem confortáveis com visitas sem planejamento, grupos grandes e todo tumulto gerado. Assim, quando se tem um grupo de alunos visitando um museu, surge o desafio de oferecer de forma coletiva uma experiência que atinja seus objetivos gerais, mas que também contemple os anseios individuais dos alunos. Anseios que devem ser atendidos ou considerados, pois é preciso compreender que o processo de aprendizado e compreensão dos conteúdos devem ser motivadores, prazerosos e memoráveis por parte dos sujeitos (MORA, 2013). Como possível forma de favorecer essa relação museu e escola Krapas e Rebello nos dá uma boa posição do que poderia ser feito para minimizar essa distância que ainda existe entre os dois, A incorporação da discussão sobre a utilização dos espaços não formais nos cursos de formação inicial de professores pode favorecer a formação de profissionais aptos a trabalhar nesses espaços, seja enquanto profissionais de museus, seja enquanto futuros professores em visitas aos museus. A par disso, entendemos que o debate sobre a relação museu/escola poderá também propiciar a discussão sobre os limites da educação formal, questionando a eficácia dos recursos empregados pelas escolas, que priorizam a racionalidade da palavra e dos enunciados em detrimento do objeto (KRAPAS E REBELLO, 2001, p.17). 155 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 149-158, 2018 Queiroz et al (2002), também nos leva a refletir sobre essa importância da aproximação entre o museu e a escola e propõe para um melhor andamento dos dois a importância da formação de profissionais aptos a desenvolver essa tarefa. Considerações finais A partir da produção deste artigo, observamos que existem pontos que são de suma importância para a educação, seja ela formal ou não formal. Temos espaço para a compreensão de que a mesma forma o sujeito a fim de compreender o mundo, sua existência e seu papel dentro da sociedade. É dada à reflexão de que o museu é uma ferramenta de construção da aprendizagem, visto que esse ambiente pode construir de maneira lúdica o conhecimento, porém é necessário que exista uma conversação entre o profissional da educação e esses espaços. A aproximação dos jovens a esses espaços de educação não formal desde o início de sua educação formal, fará despertar o interesse para certas áreas do conhecimento e também facilitar seu entendimento do mundo. E a partir disso pode utilizar esses espaços como forma de aumentar a consciência da população sobre a importância da ciência e tecnologia e também poder criar na população um interesse de aprofundar em seus conhecimentos científicos formando assim uma sociedade mais crítica e menos dominada. Por fim, cada exposição possui uma particularidade e sempre estão em mudanças para se adaptar a individualidade e a subjetividade de seus visitantes. Essas exposições é que possibilitam a interação entre o museu e o público e por isso se faz necessário utilizar de estratégias para se criar um novo mundo ao visitante. Para isso se faz necessário que tanto a educação formal quanto a informal caminhem em congruência para a formação de novos paradigmas onde os sujeitos inseridos na sociedade se reconheçam como sujeitos históricos, ou seja, parte integrante desses ambientes. Referências CAZELLI, S. Ciência, Cultura, Museus, Jovens e Escolas: quais as relações? 2005. Doutorado. Faculdade de Educação - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC/RJ, Brasil. Rio de Janeiro. 2005. CAZELLI, S. et al. A relação museu-escola: avanços e desafios na (re) construção do conceito de museu. Atas da 21a Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, Caxambu, 1998. CAZELLI, S. et al. Padrões de Interação e Aprendizagem Compartilhada na Exposição Laboratório de Astronomia. 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(2013)2. “El museo y la escuela: conversaciones de complemento” < http://www.pedagogiademuseos.org/wpcontent/uploads/2013/08/Museo-EscuelaLibro-digital-Explora.pdf>. Acesso em: mar. 2017. SMANIOTTO, E. Museu: um espaço de aprendizagem: sobre mudanças tecnológicas ocorridas durante o século XX. Disponível em: < https://www2.faccat.br/portal/sites/ default/files/MUSEU%20-%20UM%20ESPACO%20DE%20APRENDIZAGEM.pdf> Acesso em: 17 jul. 2017. STUART, D. C. Museus: emoção e aprendizagem. 2007. Disponível em: http://www. revistadehistoria.com.br/secao/educacao/museus-emocao-e-aprendizagem. Acesso em: maio. 2016. TARDIF, M. & LESSARD, G. Le Travail Enseignant au Quotidien - Contribution à l’étude du travail dans les métiers et les professions d’interactions humaines. Laval: Les presses de l’université Laval, 1999. UNIÃO SOCIAL CAMILIANA. Manual de orientações para trabalhos acadêmicos. 3. ed. rev. amp. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2012. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 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O processo possibilitou identificar 20 artigos alinhados à temática da pesquisa, que foram agrupados em quatro áreas de conteúdo: Formação inicial de professores de CB; Formação de professores em uma área específica das CB; Formação de professores de CB e o Estágio Supervisionado; Educação Inclusiva e a formação do professor de CB. Foi possível perceber a existência de uma lacuna teórica nos estudos sobre a formação de professores de CB no Ensino Superior, bem como evidenciar que a área em questão, caracteriza-se emergente no campo da Formação de Professores. Palavras chave: Ciências Biológicas; Ensino Superior; Formação de professores. Abstract: The purpose of this article is to analyze the scientific production published in periodicals related to the theme of teacher training in Biological Sciences (BS). The theme was researched in publications of the SCIELO article database, from 2010 to 2017. It is a qualitative/quantitative research, characterizing it as a bibliographic review study. The process made it possible to identify 20 articles aligned to the research theme, which were grouped into four content areas: Initial training of BS teachers; Teacher training in a specific field of BS; BS Teacher Training and Supervised Internship and Inclusive Education and teacher training in BS. It was possible to perceive the existence of a theoretical gap in the studies on the training of teachers of BS in Higher Education, as well as to show that the area in question is emerging in the field of Teacher Training. Keywords: Biological Sciences; Higher Education; Teacher Training. 159 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 1. Introdução No Brasil, o surgimento dos cursos de Ciências Biológicas está relacionado ao antigo curso de História Natural criado em 1934 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. A extinção da História Natural no Ensino Superior se deu por volta de 1963, devido ao seu desdobramento em dois cursos independentes, Geologia e Ciências Biológicas (TOMITA, 1990). A começar deste desdobramento, em 1967 foi criado o curso de Bacharelado em Ciências Biológicas (Modalidade Médica) e em 1974, o curso de Licenciatura em Ciências (habilitação em Biologia), resultante da Resolução 30/74. Tomita (1990) e Furlani (1993) indicam que a Resolução 30/74 instaurou as Licenciaturas de curta duração, com carga horária mínima de 1.800 horas, em que as grades curriculares apresentavam conteúdos de Física, Química, Biologia, Matemática e Geologia para a formação de professores polivalentes em Ensino de Ciências (para atuarem no primeiro grau). Por outro lado, a formação de professores para atuarem no segundo grau, de acordo com essa resolução, seria realizada em complementação por habilitação específica do núcleo comum polivalente. A transformação proposta pela Resolução 30/74, ocorreu devido à urgência em licenciar um número maior de docentes, visando suprir a falta de professores atuantes no Ensino Fundamental. Isso se deu devido à expansão da escola pública no Brasil, impulsionando o surgimento de novos cursos de licenciatura no país (TOMITA, 1990). Até a década de 1970, houve um certo receio por parte de instituições privadas em criarem cursos de Ciências Biológicas, porém, a partir da resolução, foi possível verificar um aumento significativo e intenso na criação de novos cursos com Licenciatura em Ciências e com habilitação em Biologia, tanto em instituições privadas, quanto na rede pública de ensino. Com a expansão das licenciaturas a partir da década de 1970, foram encontrados problemas de diversas ordens, relacionados às Licenciaturas de curta duração, conforme mencionam Scheibe (1993) e Gatti (2000): a concentração desses cursos se dava (em sua maioria) na rede privada de ensino e no período noturno, os índices de evasão eram elevados, o corpo docente do curso apresentava qualidade duvidosa, além de existirem problemas na estrutura administrativa e acadêmica nas instituições. Todos esses fatores colaboravam para a acentuação da desarticulação entre as diferentes áreas do conhecimento, o que comprometia a qualidade da formação docente. A percepção dos problemas que afligiam e comprometiam a formação docente no ensino superior e o interesse pelos temas relacionados à formação de professores e sua profissionalização, caracterizaram uma tendência fortemente influenciada pelas reformas educacionais nos anos 90, em diversos países, inclusive no Brasil. No final do século XX, foi instituída a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei nº9.394/96), que se articulou com um conjunto de reformas, nos campos econômico, social e político, trazendo para a discussão acadêmica a questão da formação de professores no Brasil (BARZANO, 2001). Barzano (2001) realizou um levantamento de teses e dissertações sobre a problemática 160 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 da formação de professores no Brasil no final do século XX, indicando que a produção de trabalhos com essa temática cresceu significativamente no período, passando de 10, na década de 1970, para 43 na década de 1990. O aumento de publicações mostra-se crescente e notório até os dias atuais, como é possível constatar entre os trabalhos apresentados nas últimas edições do Encontro Regional de Ensino de Biologia (EREBIO). Um grande número de pesquisas tem apontado críticas e limitações com relação à efetividade dos cursos de licenciatura na preparação de professores para atuarem no ensino básico (PEREIRA, 1998; SILVA & SCHENETZLER, 2001; CUNHA & KRASILCHIK, 2000). De acordo com Silva e Schenetzler (2001), as principais limitações referem-se: à dicotomia teoria-prática, derivado do modelo de formação profissional pautado na racionalidade técnica; ao modelo pedagógico que entende o processo de ensino e aprendizagem em termos de transmissão-recepção e à concepção empirista-positivista de Ciências e Biologia. Cunha e Krasilchik (2000) apontam outros problemas associados à formação do professor, que interferem no ensino de Ciências e Biologia, como: alta carga horária de permanência em sala de aulas, baixos salários da categoria, número excessivo de alunos nas salas de aula e também falta de material didático diversificado e de boa qualidade para o professor. Essa realidade requer uma mudança de direcionamento na formação de professores e para uma formação adequada, torna-se necessário que os problemas e limitações citadas sejam revertidas. Para isso, é extremamente importante que pesquisas na área da formação de professores, principalmente de professores de Ciências e Biologia, sejam realizadas no ambiente acadêmico, visando analisar o panorama dessa formação, a identidade desse professor que está se formando, bem como soluções para os problemas e limitações encontradas nessa temática. Ademais, é preciso olhar para a formação inicial desse professor de ciências e biologia, analisar a contribuição das disciplinas pedagógicas do curso e também como o estágio interfere na relação professor-escola-aluno. Frente a essa constatação e consideração de que estudos desse tipo tem muito a contribuir com o profissional que se está formando e também com a identidade que ele está construindo é que se objetivou o desenvolvimento desta investigação, a partir da seguinte pergunta de pesquisa: o que tem sido pesquisado, no Brasil, na área de formação de professores, particularmente de Ciências Biológicas? Trata-se de um estudo caracterizado na literatura como “estado da arte”, que tem como objetivo a quantificação das pesquisas realizadas em determinada área, bem como sua descrição e análise, visando o levantamento das características dessa produção e perspectivas de pesquisa (FERREIRA, 2002). Utilizando como material empírico artigos de periódicos referentes à formação de professores de Ciências Biológicas, o estudo analisou o panorama da produção sobre a temática, considerando o quantitativo desta produção ao longo do tempo, sua procedência e conteúdo. 161 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 2. Procedimentos metodológicos Esse estudo pode ser classificado como exploratório, pois seu objetivo é analisar a produção científica publicada em periódicos referentes ao tema de Formação de Professores de Ciências Biológicas. De acordo com Gil (2008), a pesquisa exploratória tem como objetivo proporcionar uma familiaridade maior com o problema, assim como Richardson (2012) evidencia que esse tipo de pesquisa busca conhecer características de um fenômeno para investigá-lo. Essas características ficam evidentes na investigação visto que a produção científica será apresentada por indicadores de publicações científicas, possibilitando a apuração dos principais autores/referências mais citadas dentro da temática, a averiguação da origem dos artigos publicados, e também analisar as áreas associadas à formação de professores encontradas nas publicações. A presente pesquisa focaliza a produção acadêmica de autores brasileiros que se voltam à Formação de Professores, particularmente de Ciências Biológicas (que irão atuar no ensino de Ciências e/ou Biologia), tendo em vista as possíveis implicações/contribuições desses estudos para a área. Trata-se, pois, de uma investigação de natureza qualitativa e quantitativa, que realiza um estudo de revisão bibliográfica (FIORENTINI & LORENZATO, 2006). Os procedimentos metodológicos incluíram a realização de consultas ao banco de dados Scientific Eletronic Library Online (Scielo), utilizando os termos “formação de professores” e “ciências biológicas” como descritores, no período de 2010 a 2017, havendo o retorno de 20 artigos, listados abaixo: 162 • ARAUJO, Monica Lopes Folena; FRANCA, Tereza Luiza de. Concepções de Educação Ambiental de professores de biologia em formação nas universidades públicas federais do Recife. Educar em Revista, Curitiba, n. 50, p. 237-252, ez. 2013. • CASTRO, Déborah Praciano; LIMA, Daniel Cassiano. Conhecimento do tema ofidismo entre futuros professores de Ciências Biológicas do Estado do Ceará. Ciência e Educação, Bauru, v. 19, n. 2, p. 393-407, 2013. • DE SENZI ZANCUL, Mariana; APARECIDA VIVEIRO, Alessandra. O laboratório de ensino de ciências como espaço privilegiado para o planejamento de regência nos estágios supervisionados. Revista Eletrónica de Investigación en Educación en Ciencias, Tandil, v.7, n. 2, p. 22-29, 2012. • GASTAL, Maria Luiza de Araújo; AVANZI, Maria Rita. Saber da experiência e narrativas autobiográficas na formação inicial de professores de biologia. Ciência e Educação, Bauru, v.21, n. 1, p. 149158, mar. 2015. • GATTI, Bernardete A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação e Sociedade, Campinas, v.31, n. 113, p. 1355-1379, dez.2010. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 • GUERTA, Rafael Soave; CAMARGO, Cristiane Cordeiro de. Comunidade de aprendizagem da docência em estágio curricular obrigatório: aprendizagens evidenciadas pelos licenciandos. Ciência e Educação, Bauru, v.21, n. 3, p. 605-621, set.2015. • GUIMARAES, Simone Sendin Moreira; INFORSATO, Edson do Carmo. A percepção do professor de Biologia e a sua formação: a Educação Ambiental em questão. Ciência e Educação, Bauru, v. 18, n. 3, p. 737-754, 2012. • JUSTINA, Lourdes Aparecida Della et al. A percepção de estudantes da Licenciatura em Ciências Biológicas sobre a pesquisa na área de Ensino de Ciências. Revista Eletrónica de Investigación en Educación en Ciencias, Tandil, v. 5, n. 2, p. 20-30, dic. 2010. • JUSTINA, Lourdes Aparecida Della; MEGLHIORATTI, Fernanda Aparecida; CALDEIRA, Ana Maria de Andrade. A (re)construção de conceitos biológicos na formação inicial de professores e proposição de um modelo explicativo para a relação genótipo e fenótipo. Revista Ensaio, Belo Horizonte, v. 14, n. 3, p. 65-84, dez.2012. • NICOLINI, Livia Baptista; FALCAO, Eliane Brígida Morais; FARIA, Flavio Silva. Origem da vida: como licenciandos em Ciências Biológicas lidam com este tema? Ciência e Educação, Bauru, v. 16, n. 2, p. 355-367, 2010. • OLIVEIRA, Odisséa Boaventura de. Em defesa da leitura de textos históricos na formação de professores de ciências. Pró-Posições, Campinas, v. 22, n. 1, p. 71-82, abr. 2011. • QUEIROZ AMARAL, Anelize et al. Limites e desafios do Estágio Supervisionado demonstrados em um processo de reflexão num Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Revista Eletrónica de Investigación en Educación en Ciencias, Tandil, v. 7, n. 2, p. 13-21, 2012. • REIS, Michele Xavier dos; EUFRASIO, Daniela Aparecida; BAZON, Fernanda Vilhena Mafra. A formação do professor para o ensino superior: prática docente com alunos com deficiência visual. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 1, p. 111-130, abr. 2010. • ROSA, Jeâni Kelle Landre; WEIGERT, Célia; SOUZA, Ana Cristina Gonçalves de Abreu. Formação docente: reflexões sobre o estágio curricular. Ciência e Educação, Bauru, v. 18, n. 3, p. 675-688, 2012. • SELLES, Sandra Escovedo; ANDRADE, Everardo Paiva de. Saberes docentes em formação: a pesquisa e a prática de ensino nas licenciaturas em Ciências Biológicas e História. Pró-Posições, Campinas, v. 24, n. 1, p. 109-112, abr.2013. • STAUB, Tatiane; STRIEDER, Dulce Maria; MEGLHIORATTI, Fernanda Aparecida. Análise da Controvérsia entre Evolução Biológica 163 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 • • • • e Crenças Pessoais em Docentes de um Curso de Ciências Biológica. Revista Eletrónica de Investigación en Educación en Ciencias. Tandil, v. 10, n. 2, p. 20-35, 2015. TOLENTINO, Patricia Caldeira; ROSSO, Ademir José. As representações sociais dos licenciandos em Ciências Biológicas sobre o ser biólogo e o ser professor. Revista Ensaio, Belo Horizonte, v. 16, n. 3, p. 15-34, dez.2014 VASCONCELLOS, Mônica; VILELA, Mariana Lima. Limites e possibilidades da formação inicial para o desenvolvimento de práticas docentes autônomas. Educar em Revista, Curitiba, n. 63, p. 157172, mar.2017. VASCONCELOS, Simão Dias; LIMA, Kênio Erithon Cavalcante. O professor de Biologia em formação: reflexão com base no perfil socioeconômico e perspectivas de licenciandos de uma universidade pública. Ciência e Educação Bauru, v. 16, n. 2, p. 323-340, 2010. VIANA, Gabriel Menezes et al. Relações entre teoria e prática na formação de professores: investigando práticas sociais em disciplina acadêmica de um curso nas ciências biológicas. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 17-49, dez.2012. Em um primeiro momento, o estudo foi realizado a partir da leitura e registro, por meio de fichamentos, dos títulos, palavras-chave e resumos, procendo-se a leitura integral do artigo quando esses três elementos se mostravam confusos. Em seguida, optou-se pela divisão dos artigos em áreas de conteúdo pré-determinadas: formação inicial de professores de Ciências Biológicas; formação de professores em uma área específica da Biologia (educação ambiental, genética, etc.); formação de professores e o estágio supervisionado e por último, educação inclusiva e a formação de professores de Ciências Biológicas. Em algumas produções haviam aspectos que permitiam enquadrá-las em duas ou mais áreas de conteúdo. Dessa forma, a leitura do trabalho na íntegra permitiu a categorização desses trabalhos na área de conteúdo com que mantinham maior afinidade. Além disso, os focos temáticos abordados nesse estudo foram delineados a partir da identificação do tema central de cada artigo, de modo a envolver todos os trabalhos cuja denominação mostrasse, explicitamente, o assunto principal tratado. 3. Resultados e discussão A distribuição quantitativa dos artigos foi realizada por ano de publicação, conforme mostra a Tabela I. 164 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 Tabela I: Distribuição da produção por ano. Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Número de Artigos 5 2 5 3 1 3 0 1 Porcentagem 25% 10% 25% 15% 5% 15% 0% 5% Fonte: produzido pela autora. A partir da análise da tabela I, pode-se observar que a publicação de artigos com relação à Formação de Professores de Ciências Biológicas é bastante difusa, dispersa e não há concentração em apenas um período. Em 2010 e 2012, tem-se 5 artigos publicados em cada ano, nos outros anos o número de publicações é menor, enquanto que o ano de 2016 não teve nenhuma publicação registrada. Essa dispersão ou mesmo a ausência de artigos no ano de 2016 pode ocorrer devido à utilização de apenas uma base de dados, o Scientific Eletronic Library Online (Scielo), e outros artigos não terem sido disponibilizados nessa plataforma. Da mesma forma, é possível observar que os autores que redigiram os estudos são de diversas universidades brasileiras, dos mais variados estados, conforme a tabela II. Isso caracteriza a temática como eixo de pesquisa no país todo, visto que pelo número de artigos encontrados pode-se dizer que apesar da importância para compreensão da formação do professor de Ciências e Biologia, ainda é um tema emergente no cenário das instituições. Tabela II: Relação das universidades de origem dos autores com seus respectivos estados e o número de artigos publicados. Estado (UF) Nº Artigos Universidade Federal Fluminense (UFF) RJ 2 Universidade Federal do Ceará (UFC) CE 1 Universidade de Brasília (UnB) DF 2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) PR 4 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) MG 1 Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) BA 1 Universidade Federal de Goiás (UFG) GO 1 Universidade Federal do Paraná (UFPR) PR 1 Fundação Carlos Chagas (FCC) SP 1 Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) PE 2 Universidade Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) RJ 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais MG 1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) SC 1 Universidade Federal de Alfenas (UFAL) MG 1 Fonte: produzido pela autora. 165 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 Apesar de as universidades apresentadas se localizarem em diversas unidades federativas do país, não caracterizando distinção ou uma região que se dedicasse mais a esse tipo de pesquisa, as submissões dos artigos escritos pelos autores dessas universidades foram para revistas das regiões sul (1 revista) e sudeste (5 revistas), e uma revista argentina (ver Tabela III). Isso pode indicar que, mesmo com a diversidade dos autores dos artigos, das universidades, as revistas selecionadas foram as mais bem qualificadas em determinada área, por isso a concentração de publicações em revistas da região sudeste/sul do país. Tabela III: Relação das revistas em que os artigos foram publicados e sua localização geográfica. Revista Cidade/UF Nº Artigos Educar em Revista Curitiba/PR 2 Tandil/Argentina 4 Bauru/SP 7 Revista Eletrónica de Investigación en Educación en Ciencias Ciência e Educação Revista Ensaio Belo Horizonte/MG 2 Campinas/SP 2 Educação em Revista Belo Horizonte/MG 2 Educação e Sociedade Campinas/SP 1 Pró-Posições Fonte: produzido pela autora. Com relação ao corpo teórico dos artigos, apesar de todos os 20 estarem dentro da grande temática “Formação de Professores” e “Ciências Biológicas”, cada um apresentava particularidades, de modo que foi possível agrupá-los em quatro categorias ou áreas de conteúdo: (I) Formação inicial de professores de CB1 (geral); (II) Formação de professores em uma área específica das CB; (III) Formação de professores de CB e o Estágio Supervisionado; (IV) Educação Inclusiva e a formação do professor de CB (ver Gráfico I). 1 166 CB é a abreviação para Ciências Biológicas. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 Gráfico 1: Representação da relação do número de artigos publicados e a área de conteúdo ao qual foi agrupado. Na primeira categoria/área de conteúdo, “Formação Inicial de Profes=-ores de CB” (I), foram alocados os artigos que abordavam temáticas referentes à formação inicial desses professores, ainda na graduação, como por exemplo: os limites e as possibilidades da formação inicial para o desenvolvimento de práticas docentes autônomas; as representações sociais (RS) construídas no cotidiano da formação inicial dos licenciandos em CB; o estudo de processos de construção das relações entre teoria e prática na formação de professores de CB; a percepção do professor de biologia sobre a sua formação e também sobre a pesquisa na área de ensino de Ciências. Essa gama de temáticas que se desdobram dentro da grande área, revela que há uma preocupação por parte dos pesquisadores a respeito da formação inicial dos futuros professores, quais os problemas e limites existentes na instituição, como isso influencia na identidade do profissional que se está formando, qual a percepção dos próprios graduandos sobre a sua formação, contribuindo para uma melhor compreensão do ser professor de Ciências e Biologia. A categoria correspondente a “Formação de Professores em uma Área Específica das CB” (II), correspondeu aos artigos que apresentavam como tema a formação de professores associado a alguma área caracterizada como específica das Ciências Biológicas. Dentre elas, pode-se citar: análise da controvérsia entre evolução biológica e as crenças pessoais dos futuros professores; as concepções de educação ambiental que os graduandos possuem; qual o conhecimento sobre o tema ‘ofidismo’ que é abordado na formação do professor; as concepções acerca da relação genótipo e fenótipo; os conceitos de fotossíntese e também origem da vida (como os licenciandos lidam com esse tema). Essa categoria demonstra que quando se fala em formação de professores de Ciências Biológicas, não é necessário abordar o assunto de maneira geral, generalizando todas as temáticas para se trabalhar a questão. Pode-se definir ou delinear uma área específica de estudo, gerando debates, apresentando os problemas e limitações que cada uma tem, podendo ir desde o conhecimento do futuro professor sobre Ofidismo, até mesmo as discussões sobre Origem da Vida, passando pela Genética e Educação Ambiental. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 167 168 A terceira área de conteúdo, “Formação de Professores de CB e o Estágio Supervisionado” (III), representou o grupo com o maior número de artigos associados. Dos 20, sete (35%) abordavam o tema Formação de Professores associado à disciplina de Estágio Supervisionado, presente nos cursos de graduação de licenciaturas, das mais variadas formas: foram investigados os diferentes tipos de conhecimentos docentes e em quais ambientes de aprendizagem sua aquisição foi favorecida durante o período de estágio; o papel da subjetividade na formação do professor, o papel das narrativas como metodologia de pesquisa e formação de professores; as práticas docentes nas perspectivas dos licenciandos; as contribuições do desenvolvimento do planejamento da regência para a disciplina de estágio; como o estágio é desenvolvido em determinada instituição, se existe articulação entre a instituição de ensino superior (IES) e a escola de educação básica (EEB); e também os saberes e experiências para a promoção da formação do professor. Os artigos alocados nessa terceira categoria, apresentaram metodologias de pesquisa de abordagem qualitativa, que valorizam o subjetivismo, a partir de narrativas, relatórios e questionários. Esses dados evidenciam que as disciplinas de estágio supervisionado dos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas têm papel fundamental na formação docente, que é um momento de aprofundamento teórico e prático, em que o aluno fica diante de um problema concreto com o qual deve lidar, pode teorizar e terá um momento único, assim como afirma Chaveiro (2008). Além disso, existem estudos que buscam discutir a formação de professores a partir da relação teoria e prática presentes nas atividades de estágio (LIMA; PIMENTA, 2010), bem como a importância e contribuições dos diários de campo ou diários de bordo durante as atividades da disciplina, recurso que apresenta uma potencialidade expressiva, em que o futuro professor pode escrever suas percepções, analisar e refletir sobre a sua prática (SOUZA et al., 2012). Por fim, “Educação Inclusiva e a Formação do Professor de CB” (IV) contemplou apenas um artigo, em que analisava a formação de professores de Ciências Biológicas para o atendimento de pessoas com deficiência visual. O tema educação inclusiva ainda é bastante raro nas pesquisas acadêmicas. Como se pode notar, no período de seis anos e meio, apenas um artigo foi publicado sobre o tema. Isso acaba acarretando prejuízos em uma via de mão dupla: tanto para os alunos deficientes, quando para o professor, fato que é corroborado por Michels (2008), que aponta a falta de preparo dos professores para o atendimento à alunos com necessidades educacionais especiais é uma das causas do fracasso escolar. As pesquisas aqui apresentadas sobre a formação de professores de CB, foram agrupadas em quatro categorias, as quais teve destaque a “Formação de Professores de CB e o Estágio Supervisionado” (III) e “Educação Inclusiva e a Formação do Professor de CB” (IV). A terceira categoria apresentou maior número de artigos alocados na área, demonstrando que a principal finalidade do estágio é propiciar ao aluno uma aproximação à realidade na qual ele irá atuar, se afastando da compreensão (que seria a parte prática do curso), sugerindo uma redefinição, de que o estágio deve seguir para a reflexão, a partir da realidade vivenciada, contribuindo para a bagagem pessoal e a formação desse futuro professor. Já a quarta categoria Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 apresentou apenas um artigo alocado, demonstrando a incipiência de estudos na área da educação inclusiva na formação do professor de Ciências e Biologia. Considerações finais A preparação profissional de docentes para o ensino de Ciências em geral e para o ensino de Biologia em particular, não constitui um tema novo no cenário educacional brasileiro das últimas décadas. A partir de 1990, os cursos de licenciaturas ganharam espaço no cenário brasileiro, evidenciando pesquisas na área de formação de professores, que buscavam identificar os problemas e limitações da temática. Assim, os resultados mostraram que a temática “Formação de Professores de Ciências Biológicas” é recorrente em universidades de todo o país, não caracterizando apenas uma região. Entretanto, as revistas escolhidas para publicação desses artigos foram todas das regiões sudeste ou sul do Brasil, além de uma, ser argentina (Revista Eletrónica de Investigación en Educación en Ciencias), evidenciando que a qualidade das revistas pode ser variável dependendo da localização, e que existe um maior número de revistas e melhor qualificadas nestas regiões. Dessa forma, é possível concluir que mesmo a temática compreendendo uma área de estudo emergente na atualidade, abrangendo estudos de diversas universidades, em diversos estados e grupos de pesquisa, ainda existem lacunas teóricas nos estudos sobre a formação de professores de Ciências Biológicas no Ensino Superior, visto que os trabalhos são direcionados mais para algumas áreas (como a relação com o Estágio Supervisionado) e menos para outras (como a relação da formação do professor e a educação inclusiva, ou mesmo para alguma área específica das Ciências Biológicas). Referências BARZANO, M. A. L. A formação de professores de Biologia nas teses e dissertações. I Encontro Regional de Ensino de Biologia (EREBIO). Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2001. CHAVEIRO, Eguimar Felício. A importância do estágio num Licenciatura. Boletim Goiano de Geografia, v. 12, n. 1, p. 97-109, 2008. Curso de CUNHA, A. M. de O. e KRASILCHIK, M. A Formação Continuada de Professores de Ciências: percepções a partir de uma experiência. In: XXIII Reunião Anual da ANPED. Caxambú, 2000. FERREIRA, N.S.A. (2002). As pesquisas denominadas “Estado da Arte”. Educação & Sociedade, 79, 257-272. FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática: percursos teóricos e metodológicos. Campinas: Autores Associados, 2006. FURLANI, Jimena. A Formação do Professor de Biologia no curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina: uma contribuição à reflexão. Dissertação (Mestrado em Educação). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1993. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 169 GATTI, Bernadete. Formação de professores e carreira: problemas e movimentos de formação. Campinas: Autores Associados, 2000. GIL, A. C. (2008). Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed., São Paulo: Atlas. LIMA, Maria Socorro Lucena; PIMENTA, Selma Garrido. ESTÁGIO E DOCÊNCIA: DIFERENTES CONCEPÇÕES. Poíesis pedagógica, [S.l.], v. 3, n. 3 e 4, p. 5-24, jul. 2010. ISSN 2178-4442. Acesso em: 24 mai. 2017. Doi: http://dx.doi.org/10.5216/rpp. v3i3 e 4.10542. MICHELS, M. H. Práticas de ambiguidades estruturais e a reiteração do modelo médico psicológico: A formação de professores de educação especial na UFSC. In: BUENO, J.G.S.; MENDES, G.M.L.; SANTOS, R.A. Deficiência e escolarização: novas perspectivas de análise. Araraquara: Junqueira e Marin; Brasília: CAPES, 2008. p. 205-247. PEREIRA, Júlio E. D. A formação de professores nas licenciaturas: velhos problemas, novas questões. In: IX Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Anais. v.1, n.2, Águas de Lindóia, 1998, p. 341-357. SCHEIBE, Leda. A formação pedagógica do professor licenciado – Contexto Histórico. Perspectiva/CED. Florianópolis, 1(1), p. 31-45. 1993. SILVA, Lenice H.; SCHNETZLER, Roseli. Práticas docentes em disciplinas biológicas e sua importância para a futura atuação de professores. 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Contato: helena.sivieri@gmail.com Currículo: http://lattes.cnpq.br/5662197248196394 170 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 159-170, 2018 Pedagogia dos multiletramentos: desafios e perspectivas na docência SANTOS, Wagno da Silva1 KARWOSKI, Acir Mário2 Resumo:Compartilhando das reflexões de Rojo (2012), acerca da fundamentação e relevância da Pedagogia dos Multiletramentos, o referido artigo, objetiva trazer reflexões acerca desta perspectiva multimodal e os seus pressupostos na formação continuada de professores interligados as Novas Tecnologias da Informação e Comunicação. Desta forma, utilizamos como metodologia o uso da pesquisa bibliográfica, buscando aportes que apontem os desafios e contribuições dos multiletramentos na atuação docente. Entre os resultados deste trabalho, percebeu-se a necessidade da valorização da multiplicidade de linguagens presente nos mais variados textos em circulação social, que em sua maioria estão inseridos em nossas vidas por meio das NTDICs. Contudo, este artigo aponta para a necessidade de redimensionar o currículo escolar à incorporação dos Multiletramentos, sendo de grande relevância para reflexão sobre a prática docente. Palavras-chave: Formação Continuada; Novas Tecnologias da Informação e Comunicação; Pedagogia dos Multiletramentos. Abstract:Sharing the reflections of Rojo (2012), about the fundamentals and relevance of Pedagogy of Multiliteracies, this article aims to bring reflections about this multimodal perspective and its assumptions in the continued formation of teachers connected to the New Technologies of Information and Communication. In this way, we use as methodology the use of bibliographical research, seeking contributions that point out the challenges and contributions of Multiliteracies in the teaching performance. Among the results of this work, we noticed the need to value the multiplicity of languages present in the most varied texts in social circulation, which are mostly inserted in our lives through NTDICs. However, this article points to the need to resize the school curriculum to the incorporation of Multiliteracies, being of great relevance for reflection on the teaching practice. Keywords: Continuing Education; New Information and Communication Technologies; Pedagogy of Multiliteracies. 1 Mestrando no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. 2 Doutor em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 171-179, 2018 171 1. Introdução A pedagogia dos multiletramentos, caminho apontado como pressuposto a valorização e incorporação de gêneros textuais cotidianos na vida escolar, foi afirmada em meados da década de 90 através da reunião do New London Group, grupo de pesquisadores da área de letramento, reunidos em Nova Londres, Connecticut, EUA, a fim de discutir a imprescindibilidade de fomentar ações de valorização das culturas locais, e inserção dos mais variados gêneros textuais que haviam surgido no entorno da escola através das mudanças sociais e da ascensão das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTDICs), o que fugiam do contexto pressuposto como letramento na época. O que para Cope e Kalantzis (2015), as conotações do letramento se dissolviam tornando anacrônicos seus conceitos convencionais, onde a pedagogia não buscava mais alcançar seus objetivos pautados na proporcionalização de oportunidades sociais. Sendo assim, tal reunião buscou fazer um aparato real e estimativas futuras para esta pedagogia. Com tais mudanças sociais, culturais e tecnológicas, surgiu o multiletramento. Assim, este artigo busca trazer reflexões acerca desta perspectiva multimodal, e os seus pressupostos na formação continuada de professores interligados as Novas Tecnologias da Informação e Comunicação. Nesta visão, levanta-se como problemática as referidas discussões: Quais desafios e perspectivas a Pedagogia dos Multiletramentos oportunizam na atuação do professor da Educação Básica? Quais as interfaces das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação para o Multiletramento? O que a formação continuada na perspectiva de multiletramento pode oportunizar ao corpo docente? O conceito de multiletramento [...] aponta para dois tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica. (ROJO, 2012, p. 13) Com a intensificação das TIC’s (Tecnologias da Informação e Comunicação) nas últimas décadas, houve um vasto crescimento de recursos multimodais, trazendo uma grande expansão de gêneros textuais, até então não valorizados no âmbito escolar, textos multissemióticos, possuindo recursos orais, visuais, táteis, etc, utilizados com frequência pelos atuais alunos através das tecnologias móveis, devendo ser um objeto de ensino da leitura e escrita. Desta forma, surgiu um novo desafio para as escolas: atender um novo perfil de aluno. Aluno este inserido num contexto global, ao qual faz uso dos mais variados recursos tecnológicos, sendo para ele caminhos atrativos. Desta maneira, espera-se dos professores a busca pela preparação de aulas nesta perspectiva, envolvendo o uso crítico da cultura midiática, que despertem seu interesse em aprender e que de fato o oportunizem estímulos para a assimilação. 172 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 171-179, 2018 2. Desafios e perspectivas Marcelo (2013), baliza a relação entre escolas, professores e alunos, apontando o distanciamento entre séculos de suas práticas e perspectivas, ao citar que temos escolas no século XIX, com os professores do século XX, para os alunos do século XXI. Tal disparidade aponta para os confrontos de interesses didáticos, onde a escola, em sua maioria, possuidora de uma estrutura arcaica, por vezes possui profissionais com metodologias tradicionais e alunos da contemporaneidade atualizados com outra visão de mundo, fazendo uso de recursos diferentes e, por vezes, recursos estes não tão bem dominados pelo professor. É o que Cortella (2014), retrata ao fazer utilização da frase de arguição usada por muitos professores do ciclo de alfabetização: “A pata nada”, registrando que há metodologias que serviram para escolarizar no tempo pretérito, havendo assim uma grande distância entre tal tempo e a atualidade, e se há um novo perfil de geração, deve-se também haver um novo modo de ensino, atrativo e condizente com a realidade. Inserimos nesta perspectiva a incorporação das NTDICs na sala de aula como caminho para o fortalecimento e difusão da Pedagogia dos Multiletramentos contribuindo para o sucesso escolar. Na era da informatização, ao qual o mundo tem sido movido pelo avanço tecnológico, nos deparamos com um cenário de rupturas, ao qual os estudantes estão mais integrados a cultura digital do que seus professores. Sendo necessário a busca por uma educação ativa voltada as necessidades e interesses dos alunos, trazendo as NTDICs para o contexto escolar, estimulando-os a uma aprendizagem significativa por meio de um ensino emancipatório, e para que esta aprendizagem aconteça, é imprescindível levar em consideração a multiplicidade cultural das populações e reconhecimento dos textos multissemióticos do seu meio. Alves aponta que “Construir um sentido diferenciado para as tec- nologias digitais e da web nos espaços escolares requer uma mudança de papel dos professores e dos alunos, permitindo que esses sujeitos do processo de ensinar e aprender sejam atores e autores das suas trajetórias de aprendizagem” (2016, p. 06). Desta forma, este autor configura as NTDICs para além do seu sentido instrumental, utilizando-as a valorizar a autonomia do indivíduo, estimulando o interesse pela aprendizagem no espaço escolar. Autonomia esta, defendida majoritariamente nos estudos de Freire (2007), refletindo sobre o papel do professor a instigar o sujeito cognoscente ao desejo em construir conhecimento. Assim, a incorporação dos Multiletramentos no cotidiano escolar valoriza as práticas sociais da leitura e escrita, trazendo desafios que precisam ser enfrentados pela equipe pedagógica no referido contexto. Entre as primícias desta provocação, consta a necessidade de redimensionar o currículo escolar a incorporação do Multiletramento (múltiplas linguagens) na escola, fazendo uso do Learning by Design, “qualquer atividade semiótica, incluindo a utilização da língua para consumir e produzir textos”, questão pautada nas discussões propostas pelo Grupo de Nova Londres (COPE; KALANTIZIS et al, 2000). Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 171-179, 2018 173 A escola por sua vez, seguidora de uma matriz curricular pré-estabelecida, traz em seu escopo didático o destaque demasiado de textos cultos/ eruditos e valorizados, porém cotidianamente percebe-se a existência de variados textos híbridos que circulam socialmente, dominados com destreza pelo alunado, através da difusão das NTDICs. Inerente a esta conjuntura, ainda como desafio, há também uma nova ótica que vislumbra a multiplicidade de culturas, traçada pela diversidade de costumes e ideias, o que sugere a indagação de como haver a unidade entre a cultura de massa com a canônica, esta última, tão valorizada pela escola. Para isto, incorpora-se a necessidade de transformação da atual pedagogia, onde numa visão horizontal o corpo discente é participante efetivo no processo educativo, contribuindo com seus conhecimentos empíricos na consolidação da aprendizagem. Os multiletramentos possuem uma estrutura colaborativa, que predispõe uma didática interativa, valorizando a cultura local e as mais variadas formas da linguagem cotidiana, sendo imprescindível sua abordagem no viés acadêmico. Tal inserção no contexto escolar oportuniza na atuação do professor da Educação Básica a reflexão da sua práxis pedagógica na busca pela inovação, envolvendo-se numa prática interacionista, deixando de ser o transmissor de conteúdo, passando a ser estimulador e moderador de reflexões grupais. Conforme aportes de Charlot (2008), o ensino passa a ser simultaneamente construído pela relação das atividades dos alunos com os saberes sistematizados historicamente. Desta forma, o surgimento de didáticas inovadoras por meio da Pedagogia dos Multiletramentos potencializa e dinamiza o processo de ensino e aprendizagem, fazendo uso de textos multimodais, o que leva a beneficiar os alunos por meio da melhoria do ensino, tornando-os protagonistas em todo o processo. Ainda como perspectiva, a inserção de textos híbridos do seu cotidiano para o espaço didático por meio das novas tecnologias, oportuniza a projeção de designs futuros, pautados na integração curricular orientada pedagogicamente no multiletramento. Assim, Cope e Kalantzis apontam uma metalinguagem de multiletramentos com base no conceito de Design: O design tornou-se central na inovação no local de trabalho, bem como nas reformas escolares para o mundo contemporâneo. Professores e gerentes são vistos como designers de processos e ambientes de aprendizagem, não como chefes ditando o que os responsáveis devem se tornar uma ciência do design, estudando diferentes tipos de aprendizado. (COPE e KALANTIZIS, 2000. p. 19, tradução nossa3) Tal afirmação conecta com a ideia de que a aprendizagem se dá interligada por variadas estruturas, através do meio, novas tecnologias, textos, individuos, 3 174 Texto original: “Design has become central to workplace innovation, as well as to school reforms for the contemporary world. Teachers and managers are seen as designers of learning processes and environments, not as bosses dictating what those in their charge should become a design science, studying how different sorts of learning.” Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 171-179, 2018 etc. O que confirma cada vez mais a necessidade da valorização da multiplicidade de linguagens presente nos mais variados textos em circulação social, que em sua maioria estão inseridos em nossas vidas por meio das NTDICs. 3. Interfaces: multiletramentos e novas tecnologias da informação e comunicação Freitas (2015), observa a constante interação entre as mais variadas mídias digitais, especialmente após a ascensão tecnológica e criação da multiplicidade de equipamentos eletrônicos e softwares, podendo ser instrumentos de grande potencial para o desenvolvimento cognitivo, sendo necessário lançar novos olhares sobre tais recursos a incluir nas ações didáticas do currículo escolar. Neste sentido, enfatiza-se a importância do conhecimento e da inovação em sala de aula, onde Linhares (2014) aponta para a necessidade de recriação constante da prática educativa, sendo necessário disponibilidade e coragem para tal transformação. Assim, surge como instrumento pedagógico o multiletramento, sendo o caminho para a inclusão da cultura digital, num eixo semiótico no fortalecimento de uma prática construtivista, ao qual para Rojo e Moura: Trabalhar com multiletramentos pode ou não envolver (normalmente envolverá) o uso de novas tecnologias de comunicação e de informação (“novos letramentos”), mas caracteriza-se como um trabalho que parte das culturas de referência do alunado (popular, local, de massa) e de gêneros, mídias e linguagens por eles conhecidos, para buscar um enfoque crítico, pluralista, ético e democrático – que envolva agência – de textos/discursos que ampliem o repertório cultural, na direção de outros letramentos [...] (2012, p. 08). O que vem a aquilatar a importância da inserção de multiletramentos na educação devido as novas formas do processo de ensino e aprendizagem, envolvendo as mais variadas linguagens, focalizando o educando, como o centro na construção do conhecimento. Ressaltamos aí a necessidade das NTDICs, onde os multiletramentos estão tão bem inseridos. Marques (2003), consolida tal ideia, percebendo estas novas tecnologias como desafios a propor novas práticas buscando a reconstrução profissional, abdicando do seu uso instrumentalizador. Os alunos de hoje, pertencentes a geração Z, considerados como nativos digitais, têm se envolvido cada vez mais com os meios tecnológicos, principalmente com as redes sociais, o que para si são os meios mais interessantes. Para Cherubin (2012), a solução para atrair a atenção desta geração na escola seria recorrer ao uso das Tecnologias digitais, valorizando deste modo a multimodalidade. O que tem instigado cada vez mais a participação efetiva do corpo discente, tornando o ensino fascinante, uma vez que de acordo com a pesquisa “Motivos da evasão escolar” lançada pela Fundação Getúlio Vargas - FGV-RJ (2009), “40% dos jovens de 15 a 17 anos que evadem deixam de estudar simplesmente porque 175 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 171-179, 2018 acreditam que a escola é desinteressante.” E são estes tipos de dados que nos fazem repensar a prática escolar, recriando um caminho que prepare o professor para lhe dar com tais situações incorporando em sua prática a utilização de recursos tecnológicos oportunizando a inserção dos alunos em ambientes virtuais por meio de textos multimodais (som, imagem, texto, animação, etc.). O que para o corpo discente será oportuno a despertar sua criticidade e envolvimento, uma vez que torna-se um ensino atrativo, condizente com seus interesses particulares. Para isto, não é necessário apenas inserir equipamentos tecnológicos na escola, mas também preparar o corpo docente para a utilização pedagógica numa perspectiva multimodal. Com isto, Pretto (1996) afirma que [...] “não podemos pensar que a pura e simples incorporação destes novos recursos na educação seja garantia imediata de que se está fazendo uma nova educação, uma nova escola, para o futuro.” Para tal é necessário que a escola trace caminhos que viabilizem o uso das NTDICs e estabeleça objetivos a serem alcançados fomentando a prática digital, inserindo-as no cotidiano escolar como recurso facilitador. E é oportunizando uma formação continuada aos professores voltada para a introdução às NTDICs na práxis pedagógica que levará à um processo contínuo conduzindo-os à uma prática de multiletramentos. 4. Formação continuada de professores e a pedagogia dos multiletramentos Em meio a difusão tecnológica, compreendemos a real importância do corpo docente estar se adequando as novas realidades dos alunos, na busca incessante pela atualização contínua, conhecendo e fazendo uso das Novas Tecnologias a facilitar a integração de um ensino coparticipativo numa perspectiva de multiletramentos, valorizando a diversidade cultural dos indivíduos envolvidos e a pluralidade de linguagens, fazendo-se necessário formar-se continuamente a atender este novo perfil de aluno. Para tal, Linhares aponta que: A palavras ‘formar’ nos remete a ideias de dar formas, de criar. Aqui o sentido que damos à palavra é o de criar-se, construir, elaborar. Não entendemos a formação como algo externo ao sujeito, que chegará até ele somente por meio de informações, teorias, conteúdos, mas sim como um horizonte, cujo formar é formar-se. (2011, p. 7) 176 Formar, inclui a necessidade de acompanhar as atuais demandas incorporadas as escolas, onde é possível apontar entre elas a popularização das novas tecnologias, o que tem provocado alterações no cotidiano, inclusive no campo educacional. Com tal transformação deste espaço, é imprescindível propor mudanças nas metodologias escolares, incentivando a busca por práticas que venham ao encontro do desenvolvimento integral do aluno, buscando satisfazer seus anseios e necessidades, o que fortalece cada vez mais a real importância da formação continuada de professores numa concepção engajada em multiletramentos, indicando o uso das NTDICs como direção facilitadora. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 171-179, 2018 Dionísio (2005), eleva como características de uma pessoa letrada, a capacidade de produzir e interpretar mensagens incorporadas através de múltiplas fontes de linguagem. Estas variadas fontes são denominadas multiletramento, ao qual traduz-se como a capacidade de conceder e gerar sentidos a mensagens multimodais, o que é fundamental para as unidades escolares envolver este ato no cotidiano escolar, iniciando-se pela formação continuada em serviço, onde oportunizará ao corpo docente o fortalecimento de uma prática eficaz que aproxime as aulas da realidade dos alunos, atendendo suas expectativas e anseios, inserindo as NTDICS nas questões escolares adequando-se as reais necessidades. Engajando-se na perspectiva do currículo emancipatório, Freire (1987, p. 86), retrata que “[...] será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política”, ressaltando desta maneira a relevância da organização curricular ser apoiada nas relações da vida cotidiana, e os conhecimentos prévios dos alunos na constituição do currículo escolar, fortalecendo desta maneira a cidadania. Assim, poderemos refletir sobre o processo de formação de professores no contexto da cultura digital, utilizando do multiletramento a seu favor, uma vez que os novos alunos, anteriormente neste artigo denominados nativos digitais, dominam com primazia tais recursos. Com isto, a inserção das mídias educativas em sua práxis pedagógica, estimulará a prática do multiletramento como fator indissociável do processo de ensino e aprendizagem, cabendo as unidades escolares e os meios que as regem, oportunizarem formações continuadas de professores enquanto instrumento de orientação para as práticas condizentes com a realidade do corpo discente envolvidos na cultura digital. Ao qual percebe-se atualmente que o ensino muito tem se afastado da atratividade, sendo por vezes uma prática de arguições e repetições o que tem tornado a sala de aula inúmera vezes um espaço unicamente de transmissão de conteúdo, o que tem ocasionado desinteresse por partes dos alunos. Grande parte dos atuais professores ainda não estão preparados para atender essa demanda, reforçando aí a necessidade da formação continuada voltada para a incorporação das NTDICs em sala, sendo um dos caminhos para fomentar ações de multiletramento, contribuindo com sua utilização no fortalecimento de uma prática pedagógica inovadora e eficaz. 5. Reiterações e reflexões Permeada pela globalização, a sociedade contemporânea organizada em redes, vislumbra em suas faces a multiplicidade de linguagens, marcada pelas variadas interações de recursos textuais, numa perspectiva de multimodalidade. Integrando num mesmo texto imagem, áudio, vídeo, gráficos etc, o multiletramento tem crescido e se mostrando de forma substancial aos meios comunicativos, através da multiplicidade de culturas, sendo imprescindível a consolidação de uma nova pedagogia, capaz de unir tal conjuntura a fortalecer processos educacionais, pautados na valorização do conhecimento oportunizado aos alunos por meio de suas experiências sociais. Desta forma, reiteramos a colaboração da Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 171-179, 2018 177 Pedagogia dos Multiletramentos na consolidação de um ensino centrado no aluno, seguindo um novo design de aprendizagem na utilização de textos híbridos, valorizando as mais variadas formas de produção do conhecimento, reconhecendo as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação e suas interfaces como aporte para a integração e fortalecimento de didáticas em tal perspectiva. Atrelada as novas tecnologias, empoderamos a formação continuada, uma vez que esta, contribui para a construção identitária profissional do corpo docente, além da transformação e exercício de sua prática pedagógica. Tal união e valorização dos multiletramentos possibilitam a consolidação eficiente do fazer didático. Ao qual o professor formado continuamente, apropriando-se da cultura digital associada à flexibilidade e saberes docentes, buscará na prática cotidiana de seus alunos o fortalecimento do processo de ensino e aprendizagem. Referências ALVES, Lynn. Práticas inventivas na interação com as tecnologias digitais e telemáticas: o caso do Gamebook Guardiões da Floresta. Revista de Educação Pública, [S.l.], v. 25, n. 59/2, p. 574-593, jun. 2016. ISSN 2238-2097. Disponível em:<http:// periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/3835>. Acesso em: 29 de junho de 2017 CHARLOT, Bernard. O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição. 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Detectou-se 17 trabalhos distribuídos em 13 revistas no qual diagnosticou-se a prevalência de periódicos da região sudeste e de revistas/publicações em estrato B2. Ademais, o ano de 2016 destacou-se destaque na divulgação sobre o tema. Os resultados mostraram que a produção científica sobre o tema pesquisa escolar ainda é insuficiente. Palavras chave: Estado da arte; Levantamento bibliográfico; Pesquisa escolar. Abstract: This article, characterized as an art type, analyzed the bibliographic survey of scholarly research in academic-scientific researches published in national journals indexed in the area of Education by Capes between the years of 2000 to 2017. It was detected 17 papers distributed in 13 journals without diagnosis is the prevalence of journals in the southeast region and journals / publications in stratum B2. In addition, the year 2016 stood out prominently in the disclosure on the subject. The results showed that the scientific production on the topic of school research is still insufficient. Keywords: State of the art. Bibliographic survey. School research. 1. Introdução Observa-se diferentes concepções e práticas na direção e desenvolvimento da pesquisa escolar, em que autores como Gil (1999), Moran (1997), Bagno (2008), que debatem a prática da pesquisa e admitem a relevância desta intervenção pelos diversos sujeitos nas instituições escolares. Demo (2015), menciona que a estrutura da pesquisa dentro da escola é um modo de educar e um método que favorece a educação, considerando-a como 181 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 uma indispensabilidade para a cidadania moderna. Educar pela pesquisa é uma perspectiva propedêutica, unida ao desafio de criar nas educações básica e superior, a capacidade de se reconstruírem. A pesquisa segue o conhecimento novo, aforando com seu método, o questionamento sistemático crítico e criativo. A utilização da pesquisa por docentes e discentes envolvidos para melhorias nas relações de ensino-aprendizagem na escola, sendo necessário compreender e discutir que a pesquisa está diretamente associada ao processo de ensinar e aprender, e quando de fato isso ocorre, é derivado de uma a pesquisa que se faz presente nas práticas educativas, entre professor e aluno, uma vez que um e outro realizam questionamentos e constatações durante o processo de ensino e aprendizado (DEMO, 2011, 2015). Ao ver as várias nuances do ensino e aprendizado inseridos na educação escolar a qual está pautada como “um processo de formação da competência humana” que procura subsídios no conhecimento inovador e que trata a pesquisa como um meio de “questionamento reconstrutivo” abarcando teoria e prática, inovação, ética e qualidade formal. (DEMO, 2015, p. 1). Demo (2015, p. 8-16) descreve o conhecimento reconstrutivo como um ato que é alimentado pela pesquisa como princípio científico e educativo no qual se busca alcançar a percepção emancipatória do sujeito que procura “fazer e fazer-se oportunidade” quando se inicia e reestabelece pelo questionamento sistemático da realidade. Bagno (2008), permite refletir que ensino focado na aprendizagem promove inúmeras possibilidades para que o discente busque e alce sozinho as fontes do conhecimento que estão dispostos na sociedade moderna. Contudo, não quer dizer apenas mostrar as alternativas, mas oferecer suporte, orientar e direcionar o aluno para que potencialize um olhar crítico em que consiga escolher as fontes, de conhecimento e de informação, fidedignas. Compreender a pesquisa escolar como um dos alicerces da educação e não de aula – simples interação entre docente e discente – é apreender que o conhecimento, não é fim, mas um meio. Contudo, para que esse conhecimento se torne educativo tem-se a necessidade de orientação tendo ética e valores como pilares dos fins almejados (BAGNO, 2008). Para tal fim, a interação entre professor e aluno precisa ser orientada para que esse conhecimento reconstrutivo seja (re)configurado no cotidiano da sala de aula, por meio do diálogo, da mediação para induzir o aluno ao questionamento, envolvendo-se e interpretando o contexto que engloba a pesquisa e, tal envolvimento só se articular quando há conscientização de ambas as partes para a percepção do processo. Nesse contexto, compreender o questionamento reconstrutivo exige considera-lo como a maneira de construção do sujeito acerca conhecimento inovador; exige, ainda, participação histórica do sujeito no aprendizado com ética. Ao abordar a historicidade do sujeito, precisa-se apreendê-la como elemento distintivo da característica emancipatória do processo educacional, que denota a pesquisa como um método formativo (DEMO, 2015). 182 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 Em contraponto, o alargamento da concepção de pesquisa no ensino-aprendizagem precisa ser ponderado com acautelamento. Esse interesse tende a uma reflexão das implicações pedagógicas, em se refletir quando o fazer pesquisa se delimita a um mero procedimento didático, fundamentado em uma atitude em que o professor apresenta um tema para o aluno pesquisar e este procura a informação de forma arbitrária (MACIEL, 2015). Ao propor uma atividade de pesquisa, o docente pode proporcionar diferentes saberes pedagógicos e metodológicos, conforme menciona Maciel (2015), e ainda pode indicar, avaliar e redimensionar as informações que vão se fazendo presentes na prática pedagógica. O processo investigativo é fundamental, dado que aspectos significativos podem ser socializados, considerando que o envolvimento do educador não é ato de isolação e sim de socialização – em que rodeia o diálogo e compartilhamento de saberes e experiências – tanto na elucidação do que será pesquisado conquanto na averiguação de soluções, sendo esses fundamentais. À vista disso, a educação pautada na pesquisa direciona o professor a (re)pensar sobre a flexibilização dos conteúdos didáticos, porque eles certamente irão extrapolar os que, à princípio, foram propostos. Exigindo articulação, que promove o movimento entre as diversas área do conhecimento, buscando complementar as informações imprescindíveis para os fenômenos a serem pesquisados (MACIEL, 2015). 2. Caminhos da pesquisa Segundo Rocha (1996), a pesquisa escolar é um recurso brilhante para se estudar e aprender. No cotidiano escolar é corriqueiro os docentes requisitarem trabalhos aos seus discentes com a finalidade de pesquisa. Esse objetivo é colocado em prática enunciando aos alunos que precisem realizar um “trabalho de pesquisa”, expondo o tema e o dia da entrega dessa pesquisa. Contudo, o ato de fazer pesquisa resulta somente nisso? Diante desta indagação, procurou-se investigar o que há de produção científica em relação a temática em estudo. Para tanto, fora realizado um levantamento bibliográfico caracterizado como do tipo estado da arte, o qual analisou a produção acadêmica nos periódicos nacionais da área da Educação, sobre a Pesquisa Escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esse tipo de pesquisa é de caráter bibliográfico e contribui para a sistematização e avaliação da produção acadêmica em determinada área do conhecimento e num período previamente estabelecido, vislumbrando responder aspectos e dimensões que devem ser elucidados (FERREIRA, 2002). Para o desenvolvimento da pesquisa foi realizado um levantamento online de todas as revistas da área da Educação, classificadas em A1, A2, B1, B2 e B3 disponíveis na base de dados do sítio da Plataforma Sucupira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é uma “ferramenta para coletar informações, realizar análises e avaliações e ser a base de referência do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG)” e disponibiliza “em tempo real e com muito mais transparência as informações, processos e procedimentos que a 183 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 CAPES realiza no Sistema Nacional de Pós-graduação para toda a comunidade acadêmica”, no sistema WebQualis do ano de 2015, o qual estabelece periodicamente a estratificação. Em todas essas buscas foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: revistas nacionais com o idioma português, revistas eletrônicas que possuíam ISSN (International Standard Serial Number - Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas). A opção por um banco de dados virtual justificou-se por possibilitar boa visibilidade, pela facilidade de acesso, por garantir maior abrangência das pesquisas mais recentes sobre o tema e por se tratar de informações disponíveis a qualquer profissional da área. 3. Análise quantitativa das produções científicas Em um primeiro levantamento obteve-se um total de 528 revistas, sendo 323 nacionais na área de Educação. Após essa etapa passou-se a identificar os artigos completos e em português presentes nas revistas e que tivessem no título ou nas palavras-chaves os seguintes termos: pesquisa escolar, pesquisa na sala de aula, pesquisa na escola e projeto de pesquisa. Houve um recorte temporal entre 2000 a 2017, visto que o enfoque da pesquisa era analisar o tema escolhido nas produções no Século XXI. Partindo do levantamento no banco de dados e da leitura dos títulos e das palavras-chaves, 204 revistas não tinham artigos sobre a temática escolhida, 75 estavam repetidas (disponíveis tanto on-line como impressa), 30 periódicos não foram encontradas ou permitiram acesso aos artigos, sendo selecionadas 13 revistas que continham material sobre o assunto. Nestas revistas foram encontrados 17 artigos, os quais foram catalogados em planilha utilizando o software do pacote Office – Excel para análise. Observou-se que das revistas nacionais que estão vinculadas à área da Educação pelo sistema WebQualis, apenas 8,9% do total tem artigos sobre a temática pesquisa escolar (Quadro 1). Quadro 1: Caracterização dos artigos sobre pesquisa escolar. Nº Título do Estudo Ano 1. A pesquisa escolar em tempos de internet 2002 2. Professor e internet: a concepção de pesquisa escolar em ambientes informatizados 2007 Autor (es) BERNARDES, Alessandra Sexto; FERNANDES, Olívia Paiva Revista Teias ROCHA, Luciano Roberto; BRITO, Gláucia da Silva 184 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. A interação entre os alunos, educadores, bibliotecários e a pesquisa escolar Tecnologia e(m) Sala de Aula: oportunidades para (re)conciliar a internet e o trabalho do professor 2004 MORO, Eliane Lourdes da Silva; ESTABEL, Lizandra Brasil 2015 BRAGA, Diego Vieira; MARRONI, Fabiane Villela; FRANCO, Patricia Pereira O bibliotecário nas escolas: 2007 uma necessidade GARCEZ; Eliane Fioravante Googleteca? A biblioteca escolar e os bibliotecários em tempos de Google Sistema hipermídia ajudando a construir a pesquisa escolar DUARTE, Adriana Bogliolo Sirihal; ANTUNES, Maria L. Amorim MACHADO, Ana Maria Nogueira; VIDOTTI; Silvana Aparecida Borsetti Gregorio Estado da arte sobre pesquisa escolar no Brasil Refletindo sobre a pesquisa e sua importância na formação e na prática do professor do ensino fundamental Núcleo de pesquisa escolar compartilhada: formação continuada investigativa na constituição de experiências instituintes Uma análise da pesquisa escolar subsidiada na Pedagogia HistóricoCrítica O que as crianças sabem sobre o seu ambiente? A relação entre o senso comum e o saber científico em crianças de AnápolisGO A pesquisa escolar como instrumento pedagógico: um dos caminhos para ampliar as situações didáticas da educação física escolar no ensino fundamental Letramento em tempos de novas tecnologias de informação, comunicação e expressão Arte, cultura e 15. conhecimento escolar: a integração é possível! 2016 2013 Informática na Educação: teoria e prática Revista ACB Transinformação OLIVEIRA; Iandara Reis de; 2016 CAMPELLO, Bernadete Santos 2008 ABREU, Roberta Melo de Andrade; ALMEIDA, Danilo Di Manno SILVA, Raimunda Nonata Machado; SOUSA, Arsenia 2008 Pereira de; FRAZÃO; Maria das Dores Cardoso Revista Faced Práxis Educacional 2010 MACIEL, Lizete Shizue Bomura; VIEIRA; Renata de Almeida Vieira 2014 SANTOS; Jéssica de Andrade; Revista Eletrônica do FIGUEIREDO-ECHALAR, Mestrado em Educação Adda Daniela Lima Ambiental Educação Unisinos 2014 D”AVILA, Jorge Luis; FERNANDES, Christiane Martins Pensar a Prática 2015 NASCIMENTO, Lucy Mirian Campos Tavares; GARCIA, Lenise Aparecida Martins 2016 LAPLANE, Adriana Lia Friszman de; GONÇALVES, Dayane; PORTELA Tatiana Brochado Revista Brasileira de Ensino de Comunicação e Tecnologia Espaço Pedagógico 185 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 16. A pesquisa dialógica como ato lúdico de conhecer Pesquisa na formação inicial: contribuições a 17. partir de um projeto de extensão 2016 PASSOS; Marcos Paulo de; PIERUCCINI, Ivete Perspectivas em Ciência da Informação 2017 CHALUH, Laura Noemi Revista Educação PUC-Campinas Fonte: Elaborado pelos Autores, 2017. É necessário que o leitor fique ciente que a varredura inicial proposta para o levantamento amostral bruto não foi exaustivo, ou seja, provavelmente, mesmo alguns artigos – elegíveis conforme os princípios aqui elencados – podem ter sido considerados no levantamento delineado. Quanto à relação da procedência territorial das revistas das publicações das produções cientificas, identificou-se que 35,3% estão lotadas na região sudeste e 47,1% estão na região Sul; 5,8% no Centro-Oeste e 11,8% no Nordeste. Esta realidade provavelmente se justifique em função do número de programas de pós-graduação existentes nestas regiões do país. Afinal, a referência que as regiões Sudeste e Sul ocupam no campo acadêmico é decorrente dos investimentos realizados em programas de pós-graduação, universidades e grupos de pesquisa (CARNEIRO, 2011). A análise dos estados da federação acerca das publicações demonstrou que São Paulo (2), Paraná (1), Santa Catarina (1), Rio Grande do Sul (4), Rio de Janeiro (2), Minas Gerais (1), Goiás (1) e Bahia (2) as procedências de editoração das revistas científicas que publicaram sobre o tema pesquisa escolar, conforme o gráfico 1. Gráfico 1: Publicações por estado sobre pesquisa escolar Gráfico 1: Publicações por estado sobre pesquisa escolar 5 4 3 2 1 0 SP MG RJ RS PR SC BA GO Fonte: Elaborado pelos Autores, 2017.2017. Fonte: Elaborado pelos Autores, 186 Dessa forma, houve uma considerável concentração desta produção em alguns Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 estados específicos, o que se configura como fator negativo, pois isto pode ser um fator Dessa forma, houve uma considerável concentração desta produção em alguns estados específicos, o que se configura como fator negativo, pois isto pode ser um fator limitante em relação à expansão da pesquisa escolar no Brasil. Se faz necessário que ocorra uma maior presença desta temática no âmbito das universidades, inclusive nos programas de pós-graduação, uma vez que quanto mais locais considerarem a pesquisa escolar como recurso para o ensino e aprendizado no contexto pedagógico, maior será o número de produções e melhores serão as contribuições para área. Gráfico 2: Publicações ano a ano sobre pesquisa escolar Fonte: Elaborado pelos Autores, 2017. Ao considerar o estrato das revistas nacionais da área da Educação e as relações com os artigos sobre a pesquisa escolar no Brasil, os resultados da investigação mostram que a produção do conhecimento sobre a temática se dá, sobretudo, em revistas dos estratos B2 que apresentaram o maior número (35,3%) de publicações de artigos dentre as demais estratificações, de acordo com o ano de publicação dos mesmos. Tal classificação foi realizada com os estratos do Web-Qualis referente ao ano de 2015. 4. O conteúdo dos artigos selecionados A falta de motivação docente para as práticas investigativas (ABREU; ALMEIDA, 2008; SILVA; SOUSA; FRAZÃO, 2008; MACIEL; VIEIRA, 2010; CHALUH, 2017) junto aos alunos os leva à incompreensão da responsabilidade das ações realizadas, e da capacidade de agir e promover mudanças nos ambientes aos quais está inserido, percebendo que a inserção da pesquisa nas formações inicial e continuada é necessária ao professor do ensino fundamental para que possa vivenciá-la e praticá-la em sua prática pedagógica. 187 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 Desta maneira, conforme articula Júlio (2009) o aluno deve estar motivado para realizar observações com emoção como estar defronte a uma obra de arte, com um olhar atento e um sorriso que expresse alegria, para que haja novas descobertas por meio de novos conhecimentos. É transformar informações em saberes, em que mediante um roteiro orientador do processo de pesquisa por meio de questionamentos e hipóteses, identificando o estudo como investigação científica, na qual o discente utiliza a sua criatividade e a sua iniciativa. Segundo Oliveira e Campello (2016, p. 186), “a ausência de questionamento parece levar a um dos pontos também recorrentes nos estudos analisados: a falta de motivação dos alunos para realizar a pesquisa”. A grande maioria das pesquisas são direcionadas pelos docentes com temáticas escolhidas a priori, sem fazer um levantamento de temas em sala de aula dos quais os alunos tenham interesse de realizarem pesquisa, tal característica foi localizada nos estudos de D’’Avila e Fernandes (2014) e, Santos e Figueiredo-Echalar (2014). Outro ponto, é a inserção das tecnologias e da internet como recursos para a realização e estruturação de pesquisas escolares (BERNARDES: FERNANDES, 2002; ROCHA; BRITO, 2007; MACHADO; VIDOTTI, 2013; BRAGA; MARRONI; FRANCO, 2015; NASCIMENTO; GARCIA, 2015; DUARTE; ANTUNES, 2016) constituindo um recurso que rompe com as barreiras do tempo e do espaço, contribuindo muito para o ambiente de escolarização. Percebe-se que não pode haver uma exclusão das mídias digitais por meio do docente no processo de ensino-aprendizado, tais ferramentas são artifícios para a construção do conhecimento na sociedade do século XXI. Santos (2007), evidencia a utilização desses recursos, e esclarece como a internet pode auxiliar o discente durante uma pesquisa escolar e, de modo consequente, na elaboração de inúmeros conhecimentos. De acordo com ela, o uso da Internet como meio de pesquisa e produção de conhecimento possibilita ao aluno participar, intervir, usar conceitos de bidirecionalidade (contidos nos hiperlinks), usar uma multiplicidade de conexões (hipertextos), aprender através de simulações, ter autonomia na organização dos conteúdos, ter acesso a conteúdos em diversos formatos (som, texto, imagens, vídeo etc), traçar seu próprio caminho que não será igual aos dos autores que acessou (SANTOS, 2007, p. 274-275). Outro recurso utilizado para as investigações por meio dos discentes são as bibliotecas escolares, por menor que seja a procura por tais ambientes no Ensino Fundamental, como espaços possíveis à construção de conhecimento com a mediação do bibliotecário (GARCEZ, 2007) o qual é necessário para o envolvimento do aluno, procurando haver um diálogo com o professor. De acordo com, Moro e Estanbel (2004), 188 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 Os efeitos do uso da informação compartilhada entre os educadores, os bibliotecários, os alunos, pode encaminhar para uma rede integrada de comunicação, permitindo o estabelecimento de novas relações entre os mesmos (inter-relação de pessoas) e destes com a comunidade (p. 56). O estudo, também denominado estado da arte, realizado por Oliveira e Campello (2016), mostra que existia uma percepção teórica da pesquisa como princípio educativo pelos docentes, contudo na maior parte da análise realizada isso não se apresenta satisfatoriamente, para ser viabilizada como “prática escolar eficiente”, sucedendo que uma grande parte das produções científicas constatou “aspectos negativos” (p. 181) correlacionados à pesquisa escolar. O levantamento realizado pelas autoras retratou algumas carências acerca da pesquisa escolar no Brasil, tais como: Malogro da pesquisa escolar como estratégia didática; Falta de questionamento e debates acerca do objeto da pesquisa; Falta de motivação do aluno para a pesquisa; Falta de orientação pelo professor e pelo bibliotecário, ou precariedade dessa orientação; Prática recorrente da cópia pelos alunos; Falta de preparo do professor e do bibliotecário para orientar a pesquisa; Falta de preparo do aluno para empreender a pesquisa; Falta de interação entre bibliotecário e professor; Insuficiência das avaliações acerca da pesquisa efetuada; Falta de orientação para uso da Internet (OLIVEIRA, CAMPELLO, 2016, p. 183 e 186) Por fim, os estudos de Laplane, Gonçalves e Portela (2016) e Passos e Pieruccini (2016) evidenciam a pesquisa escolar como mecanismo para a organização de conhecimentos para que o educando questionar a realidade levantando questionamentos e tentando resolvê-los, aplicando para tal o pensamento lógico, a capacidade de análise crítica, a intuição, a criatividade, escolhendo procedimentos corretos e para que haja uma verificação de sua adequação. 5. Reflexões finais Os resultados mostraram que a produção científica sobre o tema pesquisa escolar ainda é insuficiente, visto a grande escala de escrita de artigos em periódicos da Educação no Brasil. Os artigos analisados delinearam um amplo cenário da pesquisa escolar, revelando que estudos sobre a temática se fazem necessário no ambiente educacional. Ao considerar que a aprendizagem por meio da pesquisa, do questionamento e da curiosidade seja um dos caminhos para formar alunos crítico e autônomo, faz-se necessário articular formas de fazer com que essa estratégia seja trabalhada de forma apropriada nas escolas (OLIVEIRA; CAMPELLO, 2016). As produções científicas demonstram que esse simplório panorama da pesquisa escolar no Brasil, revela obstinadamente as contradições entre prática e Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 189 discursos. A pesquisa escolar, teoricamente, é entendida como uma prática metodológica que mostra caminhos para a atuação efetiva do discente, na qual suas experiências são valorizadas, ocasionava uma interação entre o professor e ele, direcionando para uma melhor interação entre ambos. Todavia, essa articulação teórica da pesquisa que possui um foco como princípio educativo, no qual se apoiam especialmente nas concepções de Pedro Demo – autor citado em grande parte dos artigos – em sua grande maioria não é o bastante para viabilizada nas instituições de ensino, principalmente as dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Referências ABREU, R. A.; ALMEIDA, D. M. Refletindo sobre a pesquisa e sua importância na importância na formação e na prática do professor do ensino fundamental. Revista da FACED, v. 14, p. 73-85, 2008. BAGNO, M. Pesquisa na escola: o que é, como se faz. 22. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008. BERNARDES, A. S.; FERNANDES, O. P. A pesquisa escolar em tempos de internet. 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O que as crianças sabem sobre o seu ambiente? A relação entre o senso comum e o saber científico em crianças de AnápolisGO. REMEA - Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 31, n. 1, p. 153-173, jul. 2014. SILVA, R. N. M.; SOUSA, A. P.; FRAZÃO; M. D. C. Núcleo de pesquisa escolar compartilhada: formação continuada investigativa na constituição de experiências instituintes. Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 4, n. 4, p. 49-68, jan./jun, 2008. - Diego Gerônimo Silva diego-silva@hotmail.com Currículo: http://lattes.cnpq.br/1185596347937293 - Regina Maria Rovigati Simões rovigatisimoes@uol.com.br Currículo: http://lattes.cnpq.br/7770158896621784 192 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 181-192, 2018 Nuances acerca da rotina de uma classe hospitalar: um estudo de caso RODRIGUES, Júlio SIMÕES, Regina Maria Rovigati Resumo: Este estudo teve por objetivo descrever como se configura a rotina de uma classe hospitalar. Para isso, utilizou-se da observação não participante, apoiando-se num estudo de caso. Constatou-se que o ambiente da classe hospitalar se mostra dinâmico e potencialmente produtivo, uma vez que permite às crianças hospitalizadas um saber sistematizado que garante a manutenção da sua vida escolar e ao mesmo tempo se constitui de maneira adaptada à realidade hospitalar. Palavras chave: Pedagogia hospitalar; Práticas pedagógicas; Educação especial. Abstract: This study aimed to describe how to configure the routine of a hospital class. For this, non-participant observation was used, based on a case study. It was found that the environment of the hospital class is dynamic and potentially productive, since it allows hospitalized children a systematized knowledge that guarantees the maintenance of their school life and at the same time is constituted in a way adapted to the hospital reality. Keywords: Hospital pedagogy; Pedagogical practices; Special education. 1. Introudução O direito à educação não se encerra para a criança hospitalizada. As políticas educacionais voltadas para educação especial asseguram que, embora a criança esteja impossibilitada de frequentar a escola regular devido sua condição de hospitalizada, é possível que ela dê continuidade em sua vida escolar por meio da classe hospitalar. Sabe-se que os primeiros vestígios sobre a educação em ambientes hospitalares, aconteceu em Paris, no ano de 1935 com Henri Sellier, na época ministro da saúde da França. Henri estruturou um sistema de controle dos serviços de higiene em instituições assistencialistas que tinham por objetivo acolher crianças órfãs advindas da segunda guerra mundial. Posteriormente essa ideia se estendeu por toda a Europa e Estados Unidos, conforme lembram Ferreira, Vargas e Rocha (1998, p.112): “[...] com o Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 193-202, 2018 193 início da segunda guerra mundial, houve a necessidade de se criar, em toda a Europa, instituições destinadas ao atendimento dos órfãos de guerra e das crianças separadas de seus pais”. Com o passar dos anos a classe hospitalar se modificou e atualmente possui o modelo que conhecemos, funcionando como uma escola dentro dos hospitais na qual os professores realizam atendimentos pedagógicos para crianças internadas em idade escolar. O atual documento que orienta as ações pedagógicas dentro dos hospitais é denominado de “Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: estratégias e orientações”, editado em 2002 pelo Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial, em conjunto com representantes dos Sistemas de Educação e Saúde, objetivando normatizar as ações em todo país. (BRASIL, 2002) De acordo com este documento, os atendimentos educacionais desenvolvidos dentro dos hospitais são de responsabilidade das Secretarias Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Educação, da mesma forma que as direções clínicas dos serviços e sistemas de saúde brasileiras (BRASIL, 2002), tendo como base as normativas previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e nas Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica – LDB 9394/96. A atuação do pedagogo, no ambiente da classe hospitalar, nos dá ideia de uma prática pedagógica que vá de encontro com o contexto educacional na qual a criança está inserida, tendo em vista sua vida escolar até aquele momento. O tempo de internação da criança deve ser considerados também, uma vez que esses fatores são cruciais ao se organizar os conteúdos a serem trabalhados com a criança. Tendo em vista que, segundo Fonseca (2003), essa organização constitui num efetivo atendimento pedagógico desenvolvido nos hospitais. Dessa maneira, o aluno que frequenta a classe hospitalar, além de se ver mediante aos processos de ensino-aprendizagem, possui a percepção de que há um mundo que o espera fora do hospital, por isso: [...]a abordagem pedagógica pode ser entendida como instrumento de suavização dos efeitos traumáticos da internação hospitalar e do impacto causado pelo distanciamento da criança de sua rotina, principalmente no que se refere ao afastamento escolar. O período de hospitalização é transformado, então, num tempo de aprendizagem, de construção de conhecimento e aquisição de novos significados, não sendo preenchido apenas pelo sofrimento e o vazio do não desenvolvimento afetivo, psíquico e social (FONTES, 2004, p.276). 194 Além do processo de ensino-aprendizagem, a criança deve preocupar-se com outras necessidades, tais como: emocionais, sociais, intelectuais, que se revela na classe hospitalar, conforme apontam Ortiz, Freitas (2005), este é um espaço de acolhimento para a criança e seus familiares, estabelecendo um elo com seu retorno do seu convívio social, que ao mesmo tempo traga expectativas para a continuidade da sua vida escolar. Dessa forma, o objetivo do presente estudo é relatar como se configura a rotina de uma classe hospitalar com atendimento nos leitos localizada no interior Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 193-202, 2018 do estado de São Paulo. Para isso, o método utilizado foi a observação não participante. Os resultados revelaram que o ambiente da classe hospitalar se estrutura de forma dinâmica e potencialmente produtivo em relação aos processos de ensino-aprendizagem, bem como na percepção do aluno como agente inventivo da sua realidade que culmina na superação da sua condição de hospitalizado. 2. Procedimentos metodológicos Constitui-se num estudo qualitativo e descritivo que foi desenvolvido em 2015 dentro de um hospital do interior do estado de São Paulo. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa - CEP da Universidade Federal do Triângulo Mineiro sob o número 1.343.986. Para atingir os objetivos desta pesquisa foi necessário desenrolar um estudo de caso que segundo Lüdke (1986), esse método pretende viabilizar pesquisas qualitativas através da descrição profunda de um caso, enfatizando a singularidade e o contexto da situação que é, em geral complexa, mas deve estar bem delimitada. Stake (1983) defende o uso do estudo de caso no campo educacional como forma de compreender integralmente as dificuldades práticas no ensino. Para coletar os dados que permitissem descrever e analisar tal ambiente, utilizamos como instrumento a observação não participante realizada a partir de toda dinâmica que acontecia durante as aulas na classe hospitalar mediante ao horário estabelecido. Gil (2002) aponta que esse tipo de pesquisa caminha no sentido de descrever e relacionar as características de uma população específica ou fenômeno que surge por meio de técnicas que seguem um padrão de coleta de dados. . A observação de campo se deu por meio de gravação de voz e anotações em diários de campo. Nesta atividade, buscou-se compreender, por meio de registros das atividades na classe hospitalar. Segundo Ludke (1986), o contato com o ambiente traz a realidade como ele realmente se apresenta, fazendo com que todos os objetos observados tenham sua importância. O período de observação foi de aproximadamente três semanas, tempo em que o pesquisador percebeu que os dados estavam saturados. O pesquisador era apresentado aos alunos hospitalizados como “amigo” das professoras que estava ali para assistir as aulas e o mesmo se mantinha dentro do leito, acompanhando de perto a rotina da professora, respeitando ao máximo a distância para interferir o menos possível na rotina em questão. Os materiais utilizados nessa coleta foram: caneta esferográfica azul e caderno para anotações, bem como gravador de voz para fixar o que era observado. No diário de campo, foi registrada a sequência de atividades ministradas na classe hospitalar, a rotina da professora e dos alunos enfermos, a quantidade desses alunos presentes, informações sobre os materiais utilizados e o tratamento da professora frente as condições clínicas dos alunos, a estrutura física da escola, as intervenções de terceiros e as impressões do pesquisador. 195 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 193-202, 2018 3. Resultados 3.1 Características da classe hospitalar: A classe hospitalar investigada é vinculada a uma escola estadual, conta com apenas uma professora no quadro de docentes, sendo que essa professora está na faixa etária de 30 a 40 anos. Ministra aulas nesse ambiente a mais de 5 anos. Além de professora da classe hospitalar, é também professora na rede municipal, neste ofício está a mais de 10 anos. Possui graduação em pedagogia, sendo esta uma exigência do Conselho Nacional de Educação, e também possui licenciatura em Letras/Inglês e especialização em Educação Especial. Segundo Fonseca (1999) cabe aos hospitais oferecerem o espaço físico para realização do atendimento pedagógico, contudo, o atendimento da professora dessa classe hospitalar acontece de leito em leito, uma vez que o hospital não oferece espaço físico para realização das aulas. Dessa forma, a professora utiliza os elevadores e escadas para chegar até os leitos dos alunos enfermos. Os materiais utilizados ao longo das aulas ficam guardados num leito adaptado, esse cômodo possui uma mesa, uma cadeira e armários e os materiais mais utilizados são: atividades de alfabetização impressa, papeis em branco para realização de atividades com os alunos, lápis grafite, borrachas, apontadores e por fim, atividades para desenhar/colorir. Outro aspecto a ser considerado é a rotatividade de alunos que recebem o atendimento pedagógico. Ao longo da pesquisa foi visto que em determinados dias haviam um número grande de alunos para serem atendidos pela professora, mas em outros, o que se tinha eram um número aquém. Sendo essa rotatividade uma das características da classe hospitalar (BARROS, 1999). Os atendimentos dão início com a professora fazendo um checkup no sistema interno do hospital que mostra os pacientes internados em idade escolar e em quais leitos estão. A ordem dos atendimentos é escolhida aleatoriamente pela professora. O início da atividade escolar do aluno enfermo depende das suas condições clínicas que é realizada por uma equipe constituída por médicos e enfermeiros, sendo esses os responsáveis pela autorização do início e também pela continuidade das aulas. O período de internação do aluno enfermo é constituído por uma rotina intensa em relação aos horários de medicação, coleta de material para exames e controle de temperatura, onde estes devem ser seguidos rigorosamente e por esse motivo, as aulas são frequentemente interrompidas. Importante salientar que as aulas acontecem somente no período da manhã para crianças com idade correspondente ao Ensino Fundamental etapa I. Relevante lembrar que a modalidade de atendimento pedagógico nesse hospital acontece, como foi dito, de leito em leito. Logo, acreditamos que quando a professora inicia seu trabalho pedagógico com uma criança enferma, esta passa a ser um aluno enfermo e, seu leito, passa a ser o ambiente considerado de classe hospitalar. 196 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 193-202, 2018 3.2 As características dos alunos enfermos: Os casos clínicos presentes ao longo da coleta eram diversificados e cada um deles limitava as crianças de alguma maneira. As limitações clínicas mais recorrentes são as do “acesso”, que limitava as crianças em escrever, pintar, apagar, apontar o lápis etc. Outras limitações, em recorrência menor, são os casos das crianças que passaram por cirurgia e estavam em repouso, assim, o tempo de atendimento era menor em relação as demais. Haviam casos mais isolados, como pacientes oncológicos que estavam fazendo tratamento de quimioterapia e os pacientes de diálise. Esses últimos raramente recebiam o atendimento pedagógico até o fim, pois a enfermidade se manifestava por meio do mal-estar desses alunos devido as medicações, o que fazia com que o atendimento da professora se encerrasse. Logo, foi visto que tais limitações clínicas fazem parte do escopo heterogêneo na qual caracteriza os alunos da classe hospitalar, como já foi descrito por Barros quando diz a respeito da heterogeneidade da classe hospitalar: Para cada criança, o tempo de permanência no hospital é diferente, e, por conseguinte, a duração e extensão do investimento pedagógico recebido. A seriação escolar e/ou o aproveitamento acadêmico apresentado pelos pequenos pacientes sofre alguma variação também. Assim, por exemplo, podem-se ter dois pacientes, ambos no mesmo ano e encontrar-se um deles bastante defasado em relação ao outro (BARROS, 1999, p.86). Nesse sentido a classe hospitalar se configura como espaço de superação dessas limitações, que faz a criança perceber que ela pode, mesmo que de maneira limitada, desenvolver as atividades pedagógicas. A criança na condição de hospitalizada passa a vivenciar outro mundo dentro de um hospital, sendo esse, muitas vezes, sem cores, frio e com experiências dolorosas advindas dos procedimentos clínicos que corriqueiramente são invasivos em relação ao seu corpo e principalmente a sua identidade. Foi visto que a perca de identidade é um fator recorrente do ambiente hospitalar na qual caracteriza os alunos enfermos, isto é, uma vez internada a criança passa a ser conhecida como “paciente da doença x”, ou, “paciente do leito Y” e a frequentar uma rotina exaustiva de exames, repousos, cuidados, poucas conversas e vivências que não ultrapassam os limites do seu leito, conforme lembra Ortiz, Freitas (2005), isso acontece quando o sujeito transita para condição de paciente. 3.3 Rotina pedagógica As crianças aguardavam a chegada da professora entusiasmadas, com o material aberto e, no momento que a professora chegava, o que não faltavam eram sorrisos. Do ponto de vista do que se espera da postura do professor que ministra aulas para crianças impossibilitadas de freqüentar a escola regular, está 197 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 193-202, 2018 a questão da atuação transformadora na qual é entendida na medida em que se resgata o respeito à vida humana ao considerar as circunstâncias sociais, éticas, educacionais presentes no ato de humanizar, conhecendo o ser humano (CALEGARI, 2003). Em relação ao trabalho pedagógico da professora, quando uma criança passava a receber o atendimento pedagógico, este se iniciava a partir de uma avaliação diagnóstica realizada pela professora. Este método, traz segurança para dar início ao trabalho pedagógico com as crianças hospitalizadas, conforme Varela, Santos (2007) apontam que a avaliação diagnóstica se constitui por uma sondagem em relação ao desenvolvimento do aluno, dando-lhe elementos a fim de verificar o que aprendeu e como aprendeu. Isso permite que a professora da classe hospitalar sistematize um plano de ensino que contemple as dificuldades do aluno encontradas nessa avaliação. Ao longo da observação houve casos de crianças cessarem a avaliação diagnóstica e voltarem a fazê-la no dia seguinte devido às manifestações da enfermidade, contudo, mesmo com esse impasse, é visto que esse é o método mais eficaz nesse ambiente para iniciar o trabalho pedagógico, tendo em vista que a vida escolar da criança quando passa a receber o atendimento pedagógico é desconhecida pela professora da classe hospitalar. Na medida que a criança não recebe alta, ou seja, que ela permanece no hospital e a frequentar cada vez mais as aulas da classe hospitalar, é sugerido pela professora que os responsáveis pela criança enferma busquem parceria com sua escola de origem, a fim de direcionar e sintonizar o trabalho pedagógico que acontece na classe hospitalar com a escola regular. Nesta perspectiva, a atenção pedagógica, mediante a comunicação e diálogo, é essencial para o ato educativo e se propõe a ajudar a criança hospitalizada para que, imerso na situação negativa que atravessa no momento, possa se desenvolver em suas dimensões possíveis de educação continuada, como uma proposta de enriquecimento pessoal. (MATOS, 2006, p.69). 198 Segundo Fonseca (1999b) a passagem pela classe hospitalar contribui para a reintegração da criança à sua escola de origem, isso devido ao acompanhamento pedagógico que objetiva, ao longo da internação, evitar o fracasso escolar das crianças em idade de escolarização que, por conta da hospitalização, se afastam do ensino regular. Foi visto que quando não existem sintonia dos conteúdos da escola de origem do aluno enfermo com a classe hospitalar, a professora acaba por ministrar conteúdos focados na alfabetização e leitura como representação do ensino regular, isto é, o trabalho da professora da classe hospitalar é uma reprodução da escola regular, não existe seleção de conteúdos oriundos de um currículo próprio da classe hospitalar, o que existe são atividades impressas que não exigem qualquer esforço por parte do corpo do aluno, isto é, são atividades que o aluno enfermo realiza sem precisar se mover da sua cama. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 193-202, 2018 Gohn, (1999) aponta que existe uma certa preocupação por parte dos professores em transmitir os mesmos conteúdos da escola regular em ambientes não formais. Contudo, essa transmissão é desenvolvida em espaços alternativos e com metodologias e sequencias cronológicas diferenciadas, como é o caso do ambiente da classe hospitalar, com conteúdos curriculares flexíveis, adaptados segundo a realidade do alunado a ser atendido. Em relação a como acontece o trabalho pedagógico por meio de visitas no leito do aluno enfermo, este se dá de forma individualizada. Foi observado que por menor que seja o tempo de permanência do aluno na classe hospitalar, o atendimento individualizado traz diversos benefícios tanto no aprendizado quanto na afetividade. Isso se deve ao fato de que as crianças saem da rotina hospitalar, com exames, medicamentos, e entram numa rotina repleta de sorrisos, fantasia e desejos e, mais que isso, a criança tem total atenção, tanto dos professores quanto dos acompanhantes, que por diversas vezes se fazem presentes. Logo, percebe-se que esse trabalho individualizado desencadeia um laço de afetividade entre professor e aluno. O professor da classe hospitalar, de fato, representa alguém de enorme confiabilidade da criança, em consequência deste profissional representar alguém que faz parte do seu mundo, dessa forma, o professor deve Ouvir a criança falar da sua dor, na proximidade afetiva, exige uma identificação não apenas com a dor em si, mas com a própria criança. De certa forma, reviver as crianças que fomos falar de novo com as mesmas palavras, ouvir na mesma lógica, agir com aquele mesmo sentido. (OLIVEIRA,1991, p. 42) Ao longo da observação foi visto que a criança atendida pela classe hospitalar demonstra ganhos significativos em relação ao enfretamento da doença, deixando de ser um sujeito coadjuvante e tornando-se protagonista do processo de recuperação. 3.4 A participação da família A compreensão do familiar que acompanha a criança ao longo do período de internação tem sobre a importância da escolaridade é fundamental no momento da realização das aulas. A família, em parceria com o hospital, deve fornecer à classe hospitalar todas as informações necessárias para, além de facilitar o processo de reinserção escolar, contribuir para que a criança seja vista como aluno, não como paciente. Do mesmo modo, a escola pode fazer os contatos com o hospital para a manutenção do que a criança aprendeu na classe hospitalar. O ambiente da classe hospitalar, além de propiciar um espaço de reaproximação com o cotidiano da criança que lhe foi diminuído, pois este ambiente traz consigo a figura do professor que representam um elo com o mundo fora do hospital potencializa os sentimentos de superação desse período de internação. O professor da escola hospitalar é, antes de tudo, um mediador das interações Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 193-202, 2018 199 da criança com o ambiente hospitalar[...] e também para os familiares e para as perspectivas de vida fora do hospital (FONSECA, 2003, p. 25). Esse status de “professor mediador” foi visto várias vezes. É fato que o professor da classe hospitalar, por se fazer presente no cotidiano da criança, acaba se tornando “membro da família”. Isso facilita a troca de informações em relação aos estados emocionais da criança, na qual contribui diretamente com a organização dos conteúdos que o professor poderá ministrar, dado que o professor entende que outros fatores, tais como emocionais, medo, angústia, traumas etc, podem, de fato, influenciar no rendimento dos alunos enfermos ao longo das aulas. Comumente, essas conversas aconteciam nos corredores do hospital, longe da presença das crianças. A participação e o acompanhamento dos pais nas atividades escolares dos filhos, foi visto como sendo de fundamental importância em se tratando das questões afetivas do contexto hospitalar. Este acompanhamento se mostrou de maior valor quando os alunos enfermos estão mais fragilizados em decorrência da enfermidade, isto é, a presença da família no desenvolvimento das atividades pedagógicas faz as crianças se sentirem acolhidas, conforme Oliveira (1991, p. 61) aponta, “a criança hospitalizada necessita da presença amorosa e solidária dos familiares ligados a ela por laços de parentesco mais estreitos”. Na maior parte dos atendimentos pedagógicos, a professora tinha a companhia dos familiares dos alunos que estavam internados. Se de um lado a presença dos pais contribui nas questões afetivas na realização das atividades, por outro lado, atrapalha. Isso por que na busca de fazer com que o aluno obtivesse êxito, os familiares davam a resposta, o que de fato não ia de encontro com o aprendizado dos alunos. Considerações finais Acreditamos que por meio das investigações referentes ao acompanhamento da rotina de uma classe hospitalar de atendimento nos leitos foi possível compreendermos a dinâmica desse espaço. Verificamos que a professora reproduz o modelo de ensino-aprendizagem realizado no ensino regular, isto é, o foco na sua atuação profissional está na transmissão do conteúdo, prevalecendo o enfoque nas questões de alfabetização e leitura dos alunos hospitalizados que frequentam a classe hospitalar. O cotidiano de uma classe hospitalar é repleto de rotinas consolidadas – processo de encaminhamento da criança para classe hospitalar, avaliação diagnóstica – e outras rotinas que são adaptadas de acordo com as necessidades os alunos que versam na diversidade de que surge no dia a dia – adesão, permanência do aluno na classe hospitalar, continuidade nos conteúdos. Podemos constatar que a classe hospitalar, apesar de ser um espaço complexo, se mostra dinâmico e potencialmente produtivo, uma vez que permite às crianças hospitalizadas a manutenção e o aprendizado da sua vida escolar, sendo este adaptado à as suas condições. 200 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 193-202, 2018 Esse ambiente da classe hospitalar está envolvido de sentimentos tão profundos quanto um oceano. Por esse motivo, possibilita diversas aberturas emocionais por parte da criança e principalmente dos familiares – que comumente são aqueles que sabem da gravidade da patologia dessas crianças. Essas aberturas não só culminam na aproximação, como também auxiliam na troca de informações que ajudam no processo de ensino-aprendizagem. Referências BARROS, A. S. A prática pedagógica em uma enfermaria pediátrica: contribuições da classe hospitalar à inclusão desse alunado. Revista Brasileira de Educação, 12, 84-93, 1999. BRASIL. Diretrizes e bases da educação nacional: Lei n. 9.394. 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Ano I, n. 1, ago/dez 2007. - Júlio Rodrigues - Fundação Educacional de Penápolis – FUNEPE Mestre em Educação Física - Regina Maria Rovigati Simões - Universidade Federal do Triângulo Mineiro -UFTM jc_rodrigues@yahoo.com Doutora em Educação Física Currículo: http://lattes.cnpq.br/7770158896621784 202 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 193-202, 2018 A produção de banner em uma abordagem de iniciação para a Cultura Digital com base na prática educativa FERREIRA, Cléa Rocha SIQUEIRA, Alexandra Bujokas de LINHARES, Martha Maria Prata Resumo: Atualmente em um mundo cada vez mais digital, uma avassaladora onda de informação é enviada e recebida instantaneamente, através de meios diversos. Em sala de aula, um dos desafios do docente é aprender a utilizar as chamadas tecnologias digitais de Informação e Comunicação na prática. Refletir sobre estas questões é o objetivo deste trabalho. Afinal, a produção de conteúdo digital começa muito antes da conexão com a rede. Pretende-se, por meio de um apanhado de autores relacionados a uma prática específica, realizada em uma escola de nível médio-técnico, colocar em debate a alfabetização digital a partir da iniciação na produção cientifica por meio da produção de banner. Tal prática perpassa pelo aprendizado na produção de conteúdo, uma vez que o aluno quando na posição de produtor, confeccionando material que pode ser disponibilizado no meio digital, abre precedente para os questionamentos a cerca daquele conteúdo que consome no próprio meio. Palavras chave: Banner; Cultura digital; Prática educativa. Abstract: Currently in an increasingly digital world, an overwhelming wave of information is sent and received instantly, through various means. In the classroom, one of the challenges of the teacher is to learn how to use the so-called digital Information and Communication technologies in practice. Reflecting on these issues is the purpose of this paper. After all, the production of digital content begins long before the connection to the network. It is intended, through a collection of authors related to a specific practice, held in a middle-technical school, to debate digital literacy from the initiation in scientific production through the production of banner. This practice goes through learning in the production of content, since the student when in the position of producer, making material that can be made available in the digital environment, sets the precedent for the questions about the content that consumes in the medium itself. Keywords: Banner; Digital culture; Educational practice. 203 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 203-212, 2018 1. Cultura Digital na prática educativa Atualmente em um mundo cada vez mais digital, uma avassaladora onda de informação é enviada e recebida instantaneamente, através de meios diversos. Em sala de aula, o desafio dos docentes é aprender a utilizar as chamadas tecnologias digitais de Informação e Comunicação na prática. O avanço das tecnologias de programação trouxe à tona a internet que permite ao usuário comum produzir, remixar e compartilhar conteúdo. O digital é, de acordo com Pretto e Silveira (2008), uma metalinguagem que permitiu separar e liberar todos os conteúdos e formatos dos seus suportes físicos. E esse processo assegurou a possibilidade de recombinação constante dos bens intangíveis. Nesse cenário, passamos rapidamente de uma situação de escassez de informação em que o acesso ao ensino superior significava a possibilidade de acessar livros, revistas e outras fontes de informação na biblioteca e na sala de aula para uma situação de abundância da informação. O ensino universitário se vê então diante da necessidade de revisão das práticas pedagógicas há muito estabelecidas, e neste novo momento os professores precisam se apropriar de novas abordagens. Uma dessas abordagens é a produção de conteúdo como estratégia de aprendizagem. Aparentemente a urgência do aprendizado para a utilização das inovações tecnológicas se sobrepõem a experimentação dos mecanismos de produção para o contexto escolar. Embora Alonso (2008), aponte que a incorporação de tecnologias nesse âmbito contribui, na maioria das vezes, para acelerar a crise de identidade dos professores. Quando são integradas ao fazer pedagógico, necessitam ser significadas. E ainda que o sentido do objeto técnico na prática escolar termina por definir não somente determinado uso, mas a sedimentação de culturas. Existe uma grande dificuldade em meio a tantas inovações de encontrar uma porta pela qual todos possam entrar com conhecimento razoável para saber onde se está indo no que diz respeito à preparação de conteúdo digital. A cultura digital modificou o processo da aprendizagem, no entanto o consumo de conteúdo midiático não encontra antagonismo na forma de analise para além de pequenos núcleos acadêmicos o que nem sempre é eficiente para alcançar os mecanismos educacionais no nível de ensino médio. De acordo com Freitas (2015), no ciberespaço, as pessoas falam/escrevem, intercambiam ideias em tempo real, criam grupos de amigos com pessoas de diferentes partes do mundo sem, no entanto, existir um encontro presencial. São rompidas assim, as fronteiras entre o real e o virtual. De maneira geral a maioria tende a fazer isso para fins de entretenimento, quando se trata de levar as habilidades de produção, remix e compartilhamento para situações de aprendizado, nem todos os alunos se sentem seguros o suficiente. Este é o desafio docente atual promover a interação entre a desenvoltura da utilização cotidiana da cultura digital que temos como consumidores de mídia com nossas situações de aprendizado no ensino formal. Nossa vida, nossos relacionamentos, memórias fantasias e desejos também fluem pelos canais de mídia (JENKINS, 2009). O aproveitamento educacio204 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14 p. 203-212, 2018 nal ofertado pela utilização dos avanços tecnológicos está diretamente ligado ao letramento inicial. Embora aparentemente a utilização do meio eletrônico pareça satisfatoriamente instintivo, da mesma maneira que ocorreu a cada um a necessidade de aprendizado para a fala, também é necessário conhecimento relativo para utilização dos meios eletrônicos que formam a cultura digital vigente a nossa volta. É importante considerar os novos desafios que as mídias trazem ao sistema de educação formal e à educação continuada dos cidadãos (PIMENTA; PRATALINHARES 2013, p. 798). É necessário ensinar conteúdos programáticos e também ensinar como produzi-lo para que não se deixe apanhar por conceitos errôneos desenvolvidos por mecanismos ou pessoas de pouca idoneidade na web. Imersos nessa nova cultura baseada nas tecnologias digitais, crianças e jovens vêm desenvolvendo novas formas de relacionamento, novos processos cognitivos, atenção multifocada e capacidade de exercer diferentes tarefas simultaneamente. Daí a importância do desenvolvimento de propostas pedagógicas que aproveitem esse potencial para promover novas formas de ensino e aprendizagem (FREITAS, 2015). Refletir sobre estas questões é o objetivo deste trabalho. Afinal, a produção de conteúdo digital começa muito antes da conexão com a rede. Uma vez que a prática educativa se aproprie desta produção, o observador usual e esporádico tem melhores chances de compreensão dos mecanismos e informação difundidos nos meios eletrônicos. Pretende-se, por meio de um apanhado de autores relacionados a uma prática específica colocar em debate a letramento digital, a partir da iniciação na produção científica por meio da produção de banner. 2. Produzindo banner digital fora da rede O mecanismo escolhido para a prática aqui descrita foi à produção de banner com informações de anatomia, patologia e posicionamento relacionadas à radiologia. Para tanto foi proposto a um grupo de alunos de curso técnico de nível equivalente ao ensino médio em radiologia a produção de um banner com tema de livre escolha, relacionado ao curso. Uma das grandes dificuldades de trabalho com inserção da cultura digital na pratica é o desnivelamento de conhecimento. Enquanto que a maioria dos alunos conhece o banner como um representante de anúncios comerciais apenas alguns poucos têm ligeiro conhecimento de sua representatividade nos meios acadêmicos para demonstração de produção científica. Quando Alonso (2008), aponta para a utilização educativo-pedagógica das TIC, vistas como recurso e material, seria congruente com a necessidade de incorporar aos processos de ensino/ aprendizagem codificações diferentes, que estariam sendo elaboradas nas distintas manifestações da cultura em nossos dias. Propõe uma ponderação a respeito da produção de conteúdo considerada como ferramenta pedagógica que neste aspecto não apenas amplia o espectro de linguagens disponíveis na educação formal, mas oferece ao produtor a possibilidade de ressignificação na utilização do produto. A nomenclatura que envolve este tipo de produção embora diante da grande utilização midiática no mundo virtual necessita chegar até o aprendiz para 205 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 203-212, 2018 que as atividades de produção de conteúdo se tornem uma via prática e produtiva. Afinal o que é um banner, um infográfico, um flyer ou um panfleto no mundo digital para aqueles que navegam inadvertidamente na web? O acesso às tecnologias é fundamental, mas precisa ser qualificado. De acordo com Freitas (2015), é preciso considerar também as diferentes formas de aprendizagem que são estabelecidas por tutoriais e vídeos explicativos na internet. Os internautas desenvolvem novas formas de relação com a aprendizagem, mais autônomas, nas quais os sujeitos vão guiando seus próprios processos desenvolvendo novas formas de pensamento e raciocínio. Desta maneira a oficina que dá origem a esta descrição propôs de modo geral a produção de conteúdo pelo aluno utilizando o modelo de banner utilizado em apresentação de trabalhos científicos. Embora apresentando um texto maior sua disposição gráfica é semelhante aos anúncios veiculados, onde uma ideia ou conceito é exposto de maneira sucinta, porém eficiente. Para isto, inicialmente os alunos foram convidados a acessar os sites dos dois geradores de banner on line: Canva e Bannersnack para se familiarizarem com os mecanismos. As tecnologias digitais, portanto, nada mais são do que mediadoras do exercício da mente humana, agentes de conexões. Oportunizam a extensão da presença. Os objetivos e os interesses de cada um são os provocadores dos caminhos trilhados, das trajetórias percorridas (FREITAS, 2015, p. 33). 206 Esta proposta de prática educacional para o desenvolvimento crítico da produção de conteúdo resultou em um grande desafio para os alunos envolvidos, uma vez que muitos deles desconhecem os softwares básicos utilizados para a produção de banner, assim como os produtores de infográficos disponíveis na internet. Embora os sujeitos fizessem parte de curso técnico de nível ensino médio com base em imagem encontraram grandes dificuldades com o layout das páginas e com os comandos embora estes sejam extremamente semelhantes aos de qualquer editor de imagens disponível. A proposta desta produção se torna ainda mais desafiadora, pois não incluiu a utilização de imagens e sim apenas texto. Quando expostos inicialmente à proposta os alunos institivamente se preocuparam com onde ficaria exposto cada trecho do texto. Demonstrando a relevância da acuidade visual desenvolvida através da exposição continua a qual esta sociedade está sujeita da gráfica visual envolvida nos componentes midiáticos. “A possibilidade de conectar o que está disperso em momentos da produção faz com que seja concentrado o controle sobre o que é produzido, definindo uma nova realidade”. (ALONSO, 2008, p. 65). Quando estabelecida a sequência textual de acordo com a organização de redação descritiva tendo como componentes título, apresentação dos autores, introdução, objetivo, discussão, conclusão e referência, os alunos passaram então a trabalhar sistematicamente como quem preenche um gabarito. Satisfazendo o arranjo visual das divisões a serem preenchidas. “Vivemos em um mundo em que cada vez mais há uma centralidade da mídia na experiência cotidiana, no trabalho, Evidência, Araxá, v. 14, n. 14 p. 203-212, 2018 no estudo e no lazer e a qualidade das informações tem um papel importantíssimo em nossas decisões” (PIMENTA; PRATA-LINHARES, 2013, p. 45). No entanto o aluno não se questiona para onde vai o conteúdo que ele produz em meio eletrônico como apresentações e banners por exemplo. Da mesma maneira pouco se preocupa com quem produziu e a que se destina o conteúdo que consome diariamente nos meios eletrônicos para satisfazer suas buscas por conteúdo de estudo. Ainda de acordo com Pimenta e Prata-Linhares (2013), a qualidade da informação que recebemos tem um papel importantíssimo e decisivo nas escolhas que fazemos nas nossas ações e na nossa capacidade de usufruir das liberdades. No entanto o aluno frequenta diversas vezes os meios eletrônicos em busca de conteúdo para satisfazer requisições educacionais como um autômato que preenche os espaços indicados com informação aleatória. Sem questionamento de fonte ou mecanismo de produção. Um adolescente fazendo a lição de casa pode trabalhar ao mesmo tempo em quatro ou cinco janelas no computador: navegar na internet, ouvir e baixar arquivos mp3, bater papo com amigos, digitar um trabalho e responder e-mails, alternando rapidamente as tarefas. (JENKINS, 2009) Os alunos, objetos desta descrição, encontraram mais dificuldade na diagramação, e layout dos banners do que propriamente na produção de conteúdo relacionado ao seu curso de nível médio. O banner científico pode ser considerado como uma combinação entre formas gráficas, cores e informações que atraem a atenção por tempo suficiente para transmitir e fixar uma mensagem. Esta observação teve caráter introdutório e por tanto se utilizou apenas texto e sua distribuição dentro do espaço gráfico como chamariz. A produção e a execução requerem um planejamento cuidadoso, baseado em critérios bem definidos, que permitam uma comunicação clara e efetiva de resultados, em um formato que estimule a interação e a discussão. Desta maneira foi estabelecido que a apresentação deveria constar de identificação da instituição no topo da imagem, identificação de aluno e professor logo a baixo. Em sequência introdução, desenvolvimento e conclusão como itens mínimos, e com livre escolha de disposição no layout. Obrigatoriamente as referências deveriam estar presentes no final da imagem, com livre escolha de posicionamento central ou lateral. De maneira geral todos fizeram a opção de centralizar toda a informação coletada e não ocorreu nenhuma variante para o layout produzido entre eles. Tantas são as possibilidades de efeitos visuais que muitas vezes os alunos se tornaram indecisos. Algumas considerações que justificaram determinadas escolhas merecem ser destacadas, tais como quando indagados sobre a escolha de tamanho e fonte de letra um aluno afirmou que foi apenas porque ficou bonito assim como outro revelou que sua escolha se deveu ao fato de ter ficado “bom de olhar”. A cibercultura, com todos os dispositivos que são desenvolvidos e criados a cada dia, permite diferentes formas de encontros entre pessoas, ideias e novas formas de ações em conjunto que derivam em formas outras de pensar e de aprender (FREITAS, 2015). No entanto a hegemonia do estimulo visual sobre os outros dispositivos como os sonoros, por exemplo, estabelece o poder de venda do conteúdo. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 203-212, 2018 207 Os banners desenvolvidos neste estudo, na sua totalidade foram executados em programa especifico do pacote instalado no computador pessoal, embora a escolha pelo mecanismo de produção fosse livre, os estudantes não se sentiram confortáveis para a utilização de programas geradores disponíveis na internet. O que aponta para a necessidade de mediação do conhecimento dos mecanismos. Pois mesmo apresentando semelhanças e, até mesmo, maior eficiência, o fato de estar alocado na rede impõe ressalva entre os estudantes em sua utilização. De acordo com Jenkins (2009), o status de cultura convergente para a qual caminhamos ao longo dos últimos anos não envolve apenas as reuniões entre empresas de telefone celular e produtoras de cinema para decidirem quando e onde vamos assistir a estreia de um filme. A convergência também ocorre quando as pessoas assumem o controle das mídias. Entretenimento não é a única coisa que flui pelas múltiplas plataformas de mídia. A navegação pela internet hoje não se faz só com a leitura/escrita. Facebook, Whatsapp, Skype e tantos outros dispositivos permitem a interação por voz (áudio) e vídeo. Basta clicar e falar. A interação por voz e imagem já é uma realidade muito presente. Nesse sentido, posso compreender o papel mediador exercido por este instrumento que é ao mesmo tempo tecnológico e simbólico. Por isso cunhei a expressão indicando que os computadores são instrumentos culturais de aprendizagem (FREITAS, 2015, p. 85). 208 Insere-se aqui o conceito de analfabetismo funcional de maneira correlativa, quando descrito por Ribeiro (1997), ampliando seu conceito na tentativa de ir além de uma concepção acadêmica da alfabetização, que a limita ao desempenho de tarefas tipicamente escolares. Investigando o nível e o tipo de competências necessárias para que os indivíduos possam se desenvolver no seu contexto sociocultural, tal perspectiva abre, inclusive, a possibilidade de se questionar a adequação dos currículos escolares com relação às demandas da sociedade. Tal descritor pode ser aplicado à capacidade de compreensão da utilização dos dispositivos on line ofertados dentro da cultura digital. Quando indagados a respeito da não utilização de sites e aplicativos disponíveis na web para a produção do banner a maioria dos alunos relacionou a produção de conteúdo escolar, segundo conceitos expressos pelos mesmos, a dispositivos do pacote básico do computador pessoal. Ou seja, desconsideram a possibilidade de utilização dos mecanismos on line na produção de conteúdo para a própria escola, quando o buscam a todo o momento pela sua disponibilidade de acesso. Neste cenário ainda havemos de levar em conta a descrição de Wesz (2016), apontando que existe um amplo descompasso tecnológico entre um indivíduo nativo digital (aluno) e um indivíduo imigrante digital (professor), que precisa ser transposto e não há como encobrir esse desacerto. Diante disso, surgem várias proposições para as novas funções da escola, do professor e, consequentemente, também do aluno, ou seja, novas propostas que devem ser incorporadas ao sistema educativo para que todos estejam direcionados, visando a melhorias no processo de ensino-aprendizagem. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14 p. 203-212, 2018 Freitas (2015), aponta ainda que só equipar as escolas com laboratórios de informática e acesso à internet não é garantia de um avanço pedagógico. Também a introdução do uso de tecnologias digitais não pode se dar apenas porque essa é uma demanda da sociedade atual, mas sim porque estes são úteis em si mesmos como meios de ensino e aprendizagem. Tais divergências de capacitação entre professores e alunos desenvolvem um distanciamento na pratica educativa, uma vez que fica condicionada a conhecimentos externos trazidos por um ou outro elemento formador do contexto da sala de aula, quando ambos, aluno e professor poderiam construir um caminho mais firme trabalhando em conjunto. A escola continua sendo uma das instituições privilegiadas, onde é possível construir um referencial crítico com os alunos. Esse referencial crítico: capacidade de analisar, avaliar e prever - que também contribui para qualificação profissional, deve servir para o questionamento dos papéis das várias instituições sociais, inclusive da escola e da empresa. Dessa forma, seria possível fortalecer a sociedade civil, e esta assumiria uma condição mais ativa (FREITAS, 2015). As formas tradicionais de “transmissão do conhecimento” são também questionadas, constrangendo a busca por novos atributos culturais, em consequência, escolares. Esses fatores determinam e condicionam, pouco a pouco, o sentido e o significado da escola, apontando para enormes contradições entre o que se pretende e o necessário a uma formação que “atenda ao mercado”. No cenário educacional brasileiro, isso vem marcado pelo aligeiramento, pela produção em escala e centralizada de programas de formação (ALONSO, 2008). Estes dois conceitos se tornam quase antagônicos diante da necessidade de conhecimento para utilização dos mecanismos digitais pela escola. Quando o professor aprende? Quando o aluno aprende? Quando o professor ensina? Quando o aluno aprendeu? As iniciativas de inclusão de conteúdo midiático e pratica com dispositivos eletrônicos além do computador pessoal, apontam para a proposta de uma nova atitude, dentro da perspectiva do trabalho com alfabetização midiática que pode adequar-se tanto à Educação Básica, quanto aos cursos de formação de professores uma vez que as questões educacionais são exaustivamente discutidas nos vários produtos da indústria cultural (FREITAS, 2015). Faz parte de nosso cotidiano um grau de repetição, quase um automatismo, de ideias e de ações (inclusive do ato de consumir). “Associa-se a isto o fato da mídia utilizar-se da linguagem audiovisual que tem acesso ao imaginário, reduto dos desejos humanos – podendo chegar a manifestá-los” (PIMENTA; PRATA- LINHARES, 2013, p. 801). O fato é que a demanda por mais escolarização, pela universalização da escola fundamental e média, e por níveis mais elevados de educação, põe-se como condição necessária e suficiente para o avanço das forças produtivas ou de ajuste às demandas de trabalho. A contradição está justamente na crença de que a escola poderá solucionar tais problemas e, por isso, a sociedade exige “escola de qualidade”, entendida como extensão do mundo economicamente produtivo. As formas tradicionais de “transmissão do conhecimento” são também questionadas, constrangendo a busca por novos atributos culturais, em consequência, escolares (ALONSO, 2008). Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 203-212, 2018 209 As iniciativas as quais este trabalho se refere são aquelas possíveis de execução com os materiais existentes dentro da própria escola e ainda com probabilidade de compreensão por todos os alunos envolvidos. Podemos retornar então ao questionamento anterior: Quando o professor aprende e os alunos aprendem? Nos últimos anos, problematizações e propostas sobre o aprender e ensinar escolar, a formação de professores, seja ela inicial ou continuada, têm fomentado algumas “saídas” para o “uso pedagógico”, como denominado por várias iniciativas governamentais, das TDIC nas escolas. O maior problema de tais iniciativas tem a ver, sobretudo, com o pensamento, ainda reducionista, de que bastaria trabalhar algumas competências/habilidades técnicas para que estas tecnologias fossem mais bem aproveitadas no cotidiano dos estabelecimentos escolares (ALONSO, 2008). Ao professor então cabe à função de utilizar os mecanismos disponíveis na escola, tais como computadores da sala de informática, enquanto que ao aluno resta concluir determinada tarefa independente dos meios utilizados. A cibercultura, com todos os dispositivos que são desenvolvidos e criados a cada dia, permite diferentes formas de encontros entre pessoas, ideias e novas formas de ações em conjunto que derivam em formas outras de pensar e de aprender. (ALONSO, 2008). Esta talvez seja a significação mais apropriada para emprego na aplicação de atividades escolares. Alonso (2008), ainda aponta que o computador é um instrumento cultural da contemporaneidade construído pelo homem. Um instrumento de linguagem, de leitura e escrita. Seus programas são construídos a partir de uma linguagem binária. Para acioná-lo tenho que seguir instruções escritas na tela, movimentando o mouse entre diferentes ícones ou usando o teclado (com letras e números) para redigir instruções e colocá-lo em ação. Ou seja, apenas a interação da pessoa com a máquina é que molda a cultura enquanto constrói o conhecimento na pratica. Assim deveria ser a prática na escola com base na interação para o conhecimento dos dispositivos e o desenvolvimento dos mecanismos e não apenas voltada a utilização do conteúdo disponível. Enfim, tudo que, em contraposição ao que é dado pela natureza, é obra do homem. É assim que compreendo as tecnologias digitais como criação humana, produto de uma sociedade e de uma cultura (FREITAS, 2015). 4. A prática começa muito antes da Rede Digital A cultura digital modificou o processo da aprendizagem. Embora muitos apostem cegamente no papel transformador ocasionados na forma de ensinar e aprender. Existe ainda um longo caminho a ser percorrido pelos profissionais da educação no que diz respeito aos mecanismos envolvidos na cultura digital. Uma simples produção de banner para apresentação pode ocasionar a abertura de discussão que se amplia para uma rede de itens a serem observados dentro da pratica docente relacionada à utilização dos mecanismos digitais pelo aluno. Mesmo que Prensky (2001), considere os adolescentes de hoje, verdadeiros nativos digitais, 210 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14 p. 203-212, 2018 boa parte destes adolescentes têm uma relativa alfabetização digital, mas não tem habilidade com as estratégias necessárias para transformar essa informação a que tem acesso em conhecimento aplicável ao contexto escolar. Uma das maiores dificuldades na formação de professores é integrar as tecnologias à educação, principalmente unindo os conhecimentos interdisciplinares. Os projetos pedagógicos geralmente são voltados para a parte técnica como ligar, desligar, usar um software ou aplicativo. Entretanto, não será somente isso que o professor encontrará na pratica escolar. Ele também encontrara uma miscelânea de alunos, cada um em um estágio de compreensão diferente dos meios digitais. E na verdade sua grande maioria apenas como consumidores passivos e não questionadores do produto que consomem. Caberá ao professor a mediação necessária para que o aluno saia da sala de aula com plena capacidade de usufruir das possibilidades que o universo digital oferece. Chegamos a um ponto da cultura digital em que a pratica docente implica seu uso não para reprodução de conceitos de ensino e aprendizagem, e sim para fomentar novas formas de aprender e ensinar em que o docente seja o mediador de uma pratica que extrapole a sala de aula para incorporar os novos espaços de conhecimento disponibilizados pelos meios digitais. Tal pratica perpassa pelo aprendizado na produção de conteúdo, uma vez que o aluno quando na posição de produtor, confeccionando materiais que pode ser disponibilizados no meio digital, abre precedente para os questionamentos a cerca daquele conteúdo que consome no próprio meio. Referências ALONSO, K. M. Tecnologias da informação e comunicação e formação de professores: sobre rede e escolas. Educação e Sociedade. [online]. 2008, vol. 29, n.104, p. 747-768. 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Currículo: http://lattes.cnpq.br/2261656066135090 212 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14 p. 203-212, 2018 Aspectos identitários e sentidos do Ensino Médio no Brasil RAMALHO, Ricardo de Oliveira1 CURI, Luciano Marcos2 GIORDANI, Camila Cunha Oliveira3 RESUMO: Alguns conceituam o Ensino Médio, como uma preparação para a Educação Superior, enquanto, para outros, a sua finalidade principal é a profissionalização e a inserção no mercado de trabalho. Este nível correspondente à última etapa da educação básica padece de um problema crônico de identidade. Nesta perspectiva, este artigo objetiva, por meio da pesquisa bibliográfica, promover reflexões sobre os aspectos identitários e sentidos atribuídos ao Ensino Médio brasileiro na atualidade. Os fundamentos teóricos do estudo foram baseados, prioritariamente em Arroyo (2014); Libâneo (2010; 2012); Ramos (2008). Os resultados apontaram que são válidas as tentativas de repensar o Ensino Médio, contudo, faltam soluções para a crise de identidade e ainda urgência na definição e implantação de políticas públicas coerentes, com caráter verdadeiramente emancipatório e que conduzam os resultados desta etapa a um patamar aceitável. Palavras chave: Ensino Médio; Sentido; Identidade; Políticas Públicas. ABSTRACT: Some conceptualize High School, as a preparation for Higher Education, while for others, its main purpose is professionalization and insertion in the labor market. This level corresponding to the last stage of basic education suffers from a chronic problem of identity. In this perspective, this article aims, through the bibliographical research, to promote reflections on the identity and sense aspects attributed to the Brazilian High School in the present time. The theoretical foundations of the study were based primarily on Arroyo (2014); Libâneo (2010; 2012); Ramos (2008). The results showed that attempts to rethink secondary education are valid, however, solutions to the crisis of identity are still lacking, as well as urgency in the definition and implementation of coherent public policies with a truly emancipatory character and that lead the results of this stage to an acceptable level. Keywords: High School; Direction; Identity; Public Policies. 1 Mestrando em Educação Tecnológica pelo IFTM, Professor Universitário e Gestor de RH do Centro Universitário do Planalto de Araxá (UNIARAXÁ) 2 Doutor em História, Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro 3 Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica pelo IFTM, Pedagoga no IFTM – Campus Patrocínio-MG Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 213-223, 2018 213 1. Introdução A oferta do Ensino Médio como etapa final da educação básica no Brasil só foi reconhecida como obrigatória a partir da Emenda Constitucional n. 59 de 2009 e incluída efetivamente no texto da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em abril de 2013. Desta forma, é extremamente recente sua garantia como direito aos jovens do Brasil. O Ensino Médio no Brasil padece de um problema crônico de identidade. Alguns conceituam esta etapa escolar, como uma preparação para a Educação Superior, enquanto, para outros, a sua finalidade principal é a profissionalização e a inserção no mercado de trabalho. Num contexto histórico, a primeira concepção atende aos interesses dos filhos das classes mais abastadas, que seguem os passos dos pais e perpetuam a elite. A segunda concepção é tida como a solução para os mais pobres, que não podem esperar por um diploma de nível superior para começar a contribuir com o sustento doméstico. A crise do sentido identitário se dá pela falta histórica dessa fase escolar como possibilidade garantida a todos. Observando-se as funções que lhe foram atribuídas nos últimos tempos, não há dúvida a respeito do caráter predominantemente propedêutico a ele associado. A prática recorrente do Ensino Médio na preparação para a entrada nas Instituições de Ensino Superior, bem como em uma profissionalização, reforça a dualidade da escola pública brasileira, “caracterizada como uma escola de conhecimento para os ricos e como uma escola do acolhimento social para os pobres” (LIBÂNEO, 2012, p. 85). Dentro deste contexto, não são possíveis resoluções simples para limitações complexas, resoluções que destoam do desafio formativo nessa etapa da vida dos jovens e, sobretudo, destoam do estilo desta geração atual que muito tem a contribuir e a dizer de si, dos seus respectivos saberes e projetos. A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em janeiro de 2012, a Resolução nº 2, definindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Contudo, ainda faltam políticas que explicitem a necessidade de avançarmos na perspectiva de uma educação emancipadora e que, portanto, devem contemplar todas as dimensões da formação humana, promovendo assim, uma educação para a vida. Centrado na análise bibliográfica, esse estudo objetiva elucidar questões quanto ao sentido e identidade do Ensino Médio brasileiro promovendo reflexões significativas para o debate desta temática controversa e polêmica. Sabendo o quanto este assunto é abrangente, limitamos nossa discussão a observar os aspectos identitários e as recentes alterações aprovadas pelo governo. O nosso foco emergente de indagação é: Haverá realmente condições estruturadas que permitirão os estudantes escolherem as áreas que vão se aprofundar? As recentes mudanças proporcionarão melhorias quanto ao fortalecimento da identidade do Ensino Médio? Os principais atores desta etapa formativa estão sendo ouvidos? Estarmos inseridos e trabalhando cotidianamente com estudantes do Ensino Médio, nos desperta o interesse em apontar possíveis contribuições na estruturação destes aspectos. 214 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 213-223, 2018 2. O atual contexto do Ensino Médio no Brasil Atualmente, não há dúvidas sobre a necessidade de aperfeiçoar o Ensino Médio brasileiro. Professores mal remunerados e sem formação específica em diversas áreas, escolas sucateadas, estudantes em condições de vulnerabilidade social, são alguns dos predicados que remetem aos baixos índices educacionais brasileiros. A baixa qualidade do ensino oferecido em grande parte das escolas públicas tem prejudicado os jovens no sentido de terem um futuro promissor, tornando-os incapazes de uma inserção produtiva no mercado de trabalho, tanto quanto impossibilitando o prosseguimento dos estudos em nível superior. Em outras palavras, a crise de identidade, fruto de uma crise real no Ensino Médio brasileiro é tão crítica que esta etapa escolar não tem conseguido preparar os estudantes nem para o trabalho e nem para a vida. “Por sua vez, sujeitos e identidades se constituem enquanto portadores das dimensões física, cognitiva, afetiva, social, ética, estética, situados em contextos socioculturais, históricos e institucionais” (LIBÂNEO, 2010, p. 64). Buscar entender como esses contextos atuam e se correlacionam nos processos de ensino e aprendizagem, de modo a formar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indivíduos com base em necessidades sociais, é o grande desafio. Recentemente foi aprovada a medida provisória 746/2016, agora Lei 13.415/2017, que reformula o Ensino Médio. As mudanças propostas têm gerado inúmeras desconfianças e um debate controverso. Uma das alterações mais polêmica é a organização do currículo em cinco áreas de conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e profissionalizante. Faltam, contudo, soluções para a crise de identidade. A tentativa de repensar o Ensino Médio é válida, o grande problema está na forma como a política está sendo aplicada, sem a participação dos principais atores do processo, podendo assim comprometer ainda mais a qualidade do ensino público e aprofundar as desigualdades educacionais. Poderia ser o ponto de partida – quando as escolas, os coletivos docentes e até as Diretrizes Curriculares do CNE se propõem repensar os currículos do Ensino Médio – perguntar-nos que práticas inovadoras estão acontecendo nas escolas, nas diversas áreas do conhecimento. Se o conhecimento é um campo dinâmico, o currículo não pode ser reverenciado como um campo estático, mas como um território de disputa no que diz respeito à forma como o próprio conhecimento é disputado na sociedade. Trata-se de reconhecer o currículo, na prática, como um território de saberes e incertezas. (ARROYO, 2014, p.54) Nesse contexto, merece destaque o esforço que já acontece na maioria das escolas, os profissionais docentes vão renovando os conhecimentos de cada área, mantendo-se atentos à dinâmica própria do conhecimento de que são profissionais e vêm tentando, nos limites das condições de trabalho, que os conhecimentos do currículo do Ensino Médio incorporem inovações de cada área. Contudo, esse 215 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 213-223, 2018 esforço não é suficiente, o processo inovador nos conhecimentos necessita de apoio das políticas públicas. Exige reconhecer o direito dos docentes a períodos de pesquisa e de renovação do currículo. Por outro lado, há um considerável número de professores do Ensino Médio que atuam de forma paralela, nem sempre articulada, ministrando diferentes disciplinas, com base em diversos estilos e capacidades, utilizando métodos e estratégias diversificadas. Essa diferenciação em si é um elemento de fragmentação e de relativização dos conhecimentos ensinados. Desta forma, os alunos não conseguem dar unidade a esse processo de socialização fragmentado e plural. Isso mostra a importância de trabalhar a interdisciplinaridade, como observa Ramos (2008, p.88) “não se trata de somatório, superposição ou subordinação de conhecimentos uns aos outros, mas sim de sua integração na perspectiva da totalidade”. Nesse sentindo, é factível compreendermos que a prática interdisciplinar impõe a cada professor a transcendência de sua especialidade, estando consciente dos seus próprios limites, a fim de absorver contribuições das outras disciplinas. Nos estudantes, a interdisciplinaridade implica uma mudança de atitude que se expressa quando se “analisa um objeto a partir do conhecimento das diferentes disciplinas, sem perder de vista métodos, objetivos e autonomia próprios de cada uma delas” (MOURA, 2007, p. 54). Muitos estudos e pesquisas elucidam que o ensino é ainda, em geral, tradicional, preocupando-se com a simples memorização e repetição de nomes, fórmulas e cálculos, inteiramente descontextualizados do cotidiano em que os alunos estão inseridos (SANTANA; WARTHA, 2006). A questão é que existe uma grande lacuna, bem como um grande desperdício entre a abundante informação que é repassada e a aprendizagem que é efetivamente registrada e processada pelo alunado, convertida em conhecimento posteriormente. O aluno registra palavras ou fórmulas sem compreendê-las. Repeteas simplesmente para conseguir boas classificações ou para agradar ao professor (...) habitua-se a crer que existe uma ‘língua do professor’, que tem de aceitar sem a compreender, um pouco como a missa em latim. (...) O verbalismo estende-se até às matemáticas; pode-se passar a vida inteira sem saber por que é que se faz um transporte numa operação; aprendeu-se mas não se compreendeu; contenta-se em saber aplicar uma fórmula mágica. (REBOUL, apud PIMENTA, ANASTASIOU, 2005, p. 86). 216 O destaque no “ser que aprende”, como protótipo para o Ensino Médio, modifica o papel dos protagonistas do processo: “ao aprendiz cabe o papel central de sujeito que exerce as ações necessárias para que aconteça sua aprendizagem” (MASETTO, 2003, p. 43). E o professor torna-se “um orientador e organizador das situações de ensino” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005, p. 96). É importante ressaltar a relevância do Ensino Médio como última etapa da formação geral básica, como um dos elementos determinantes da condição de inclusão ou exclusão social, de acordo com o que sintetiza Charlot sobre a natureza da educação: Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 213-223, 2018 É o processo por meio do qual um membro da espécie humana, inacabado, desprovido dos instintos e das capacidades que lhe permitiriam sobreviver rapidamente sozinho se apropria, graças à mediação dos adultos, de um patrimônio humano de saberes, práticas, formas subjetivas, obras. Essa apropriação lhe permite se tornar, ao mesmo tempo e no mesmo movimento, um ser humano, membro de uma sociedade e de uma comunidade, e um indivíduo singular, absolutamente original. A educação é, assim, um triplo processo de humanização, de socialização e de singularização. Esse triplo processo é possível apenas mediante a apropriação de um patrimônio humano. Isso quer dizer que educação é cultura, em três sentidos que não podem ser dissociados. (CHARLOT, 2000, p.38) A educação é um direito público que deve ser dirigido a todas as classes sociais e a todos os níveis de idade, sem qualquer tipo de discriminação, devendo o Estado proporcionar condições para que todos tenham acesso de modo igualitário a esse direito, conforme consta na Constituição Federal. Logo, um Ensino Médio ideal, será aquele que contemplar a formação e o aprimoramento de todas as dimensões humanas, visando o enfrentamento e diminuição das desigualdades sociais. Não haverá mudanças efetivas enquanto a elite intelectual do campo científico da educação e os educadores profissionais não se derem conta de algo muito simples: Escola existe para formar sujeitos preparados para sobreviver nesta sociedade e, para isso, precisam da ciência, da cultura, da arte, precisam saber coisas, saber resolver dilemas, ter autonomia e responsabilidade, saber dos seus direitos e deveres, construir sua dignidade humana, ter uma auto-imagem positiva, desenvolver capacidades cognitivas para se apropriar criticamente dos benefícios da ciência e da tecnologia em favor do seu trabalho, da sua vida cotidiana, do seu crescimento pessoal. (LIBÂNEO, 2010, p.19) Dessa forma, a relevância da temática em voga se faz presente quando tentamos responder aos seguintes questionamentos: Qual sentido os estudantes, professores e comunidade atribuem ao Ensino Médio? Estamos promovendo a formação integral dos estudantes para o desenvolvimento da razão crítica, isto é, conhecimento teórico-científico, capacidades cognitivas e modos de ação, nesta etapa escolar? Estamos fomentando o desenvolvimento da subjetividade dos alunos e a ajuda na construção de sua identidade pessoal e no acolhimento à diversidade social e cultural? O Ensino Médio deve preparar o aluno para a vida e para a cidadania, na conquista de disposições que lhe permitam integrar-se à sociedade e assumir nela um lugar próprio. Como retrata Perrenoud (1995, p. 44): “Na escola, sem se saber, aprende-se a viver numa organização, que se constrói através da aprendizagem do ofício do aluno, adaptado à vida nas sociedades modernas”. A emancipação humana só acontece na totalidade das relações sociais onde a vida é produzi217 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 213-223, 2018 da. “O avanço do saber só têm valor se realizados num contexto mais amplo que concerne em conjunto e simultaneamente à religião, à moral, à política” (ROSSI, 2000, p. 42). As tentativas de reconstruir o Ensino Médio deveriam seguir práticas inovadoras que garantissem aos docentes e alunos jovens-adultos o direito a valorizar experiências sociais de que são sujeitos ou vítimas; levantar as indagações que trazem sobre essas experiências históricas; reconhecer os saberes, leituras e modos de se pensar essas relações sociais e políticas e incorporá-las nos currículos, colocá-las em diálogos horizontais com os conhecimentos sistematizados. Trata-se de reconhecer os mestres e alunos como sujeitos da produção de conhecimentos, não meros transmissores-aprendizes do conhecimento hegemônico. Durante o Ensino Médio, muitas vezes, os alunos evidenciam dificuldades na assimilação do conteúdo, com isso, as escolas enfrentam uma considerável evasão. Entre as principais razões para a desistência estão o desconhecimento e a insatisfação com a estrutura das aulas e a vulnerabilidade social, que é a mais preocupante, já que nesta etapa, muitos estudantes conciliam os estudos com o trabalho. Há casos de alunos que abandonam a escola por não conseguirem acompanhar as aulas (INEP, 2006). De acordo com o Censo Escolar de 2007, do total de matrículas no Ensino Médio, 41% estão alocadas no noturno, o que representa uma taxa de atendimento nesse turno próxima ao percentual de alunos com idade superior a 17 anos (44%). Fica claro que as escolas que oferecem o Ensino Médio precisam olhar para si próprias. Do ponto de vista da gestão, uma providência essencial é atacar as causas da evasão. O acompanhamento eficiente da frequência também deve estar na pauta das reuniões pedagógicas, pois auxiliam a mapear o problema. Uma revisão curricular parece inevitável. O projeto pedagógico precisa garantir que as aulas não sejam vistas como uma obrigação, mas como um espaço de formação para a vida. Isso inclui diálogo com o universo dos jovens, com o intuito de aprimorar o processo de ensino e aprendizagem, deixando as aulas e as atividades propostas pelos professores mais atraentes e dinâmicas. Os professores, assim, trabalham como colaboradores da aprendizagem. Como propõe Carl Rogers (1986), “o homem educado é o homem que aprendeu a aprender”. A Constituição Federal de 1988 consagra em seu (art. 205), A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho e tem como princípio a igualdade de condições de acesso e permanência na escola (BRASIL, 1988 p. 89). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, aprovada em 20/12/96, contém dispositivos que amparam o acesso e a permanência dos alunos, entre os 218 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 213-223, 2018 quais se destaca: “Art. 3º - O ensino deverá ser ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. A Constituição Federal e a LDB tratam da igualdade de condições de acesso e permanência na escola como um direito fundamental do brasileiro, logo o fator evasão deve ser tratado com mais atenção. Nesse contexto e nessas condições, cabe analisar, por fim, qual o desempenho escolar dos alunos no Ensino Médio. Para analisar a qualidade do ensino, correlacionando os dados de desempenho dos estudantes com o fluxo escolar, foi criado em 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que nos mostra uma situação preocupante e que merece muita atenção. No ano de 2007, o IDEB para os estudantes do 3º ano do Ensino Médio regular foi de 3,5, em uma escala que vai de 0 a 10. A média de desempenho dos estudantes nas provas de português e matemática foi de 4,4 e o percentual médio de aprovação foi de 78%. O quadro de fluxo de estudantes, ao longo das séries que compõem o Ensino Médio, somado às dificuldades de acompanhamento dos estudos, que se acumulam com o passar dos anos, fizeram com que a taxa de conclusão ficasse em apenas 50% (INEP, 2006). Com base neste breve levantamento, fica claro que a permanência do estudante no Ensino Médio brasileiro, envolve diversos aspectos que podem facilitar ou não esse processo, tais como: idade com que os alunos ingressam na escola; inclusão ou não no mercado de trabalho; taxas de repetência e evasão; aproveitamento dos estudos; infraestrutura oferecida; qualidade do corpo docente, entre outros. Nesse sentido, qualquer política direcionada a esse nível de ensino e aos seus estudantes, precisa ser pensada de modo que considere integradamente, esses múltiplos aspectos. Nesse contexto, há urgência em definir medidas que conduzam os resultados do Ensino Médio a um patamar aceitável, com caráter verdadeiramente emancipatório, capacidade para ser um dos pilares de desenvolvimento do nosso país, e de forma acessível a todos, conforme preconiza a nossa Constituição. 3. Adversidades a serem superadas Considerando que a maioria das escolas não possui a mínima estrutura e condição de propiciar os cinco itinerários formativos, torna-se utopia a possibilidade ou liberdade, dos estudantes escolherem as áreas que vão se aprofundar no Ensino Médio. Desta forma, a limitação mais evidente do novo Ensino Médio refere-se à divisão do currículo em duas partes: A parte comum de 1800 horas e a outra dividida em cinco opções (BRASIL, 2017), assim, sobrará ao estudante cursar as áreas que a escola ofertar e não de acordo com suas vocações. A capacidade em oferecer o ensino técnico é menor ainda, uma vez que esta formação requisita laboratórios, equipamentos e materiais didáticos específicos, utilização de tecnologias, bem como professores especializados nas diferentes áreas técnicas. Para a viabilização efetiva dessa reforma, seria imprescindível um grande investimento na estruturação das escolas de todo o Brasil e ainda uma ampla contratação de professores, uma realidade distante com a atual perspectiva de 219 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 213-223, 2018 um orçamento congelado por vinte anos, como estabelecido recentemente através da emenda constitucional n° 95 de 2016. Para dar conta dessa limitação, o que se propõe para a formação técnica do Ensino Médio é a parceria com o setor privado de ensino, utilizando-se recurso público do FUNDEB (BRASIL, 2017). Em outras palavras, pretende-se retirar recurso do ensino fundamental, da educação infantil e das creches, diga-se de passagem, igualmente precárias, para efetuar uma espécie de “aquisição” no setor privado. Outro ponto polêmico é a precarização da atividade docente em níveis inimagináveis, uma vez que cai a exigência de professor formado na área, flexibilizando a possibilidade de lecionar para aqueles que atestarem “notório saber” em qualquer habilitação técnica (BRASIL, 2017). Nesse novo modelo é previsto ainda, a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, ou seja, o estudante que cumprir um “módulo” poderá obter um certificado parcial (BRASIL, 2017). Com os atuais índices de evasão no Ensino Médio, mais elevado do que em qualquer outro nível, e considerando ainda, a realidade da maioria dos jovens brasileiros, que precisam ajudar no sustento das suas famílias, a certificação parcial é a carta branca para a interrupção, de forma precoce, dos projetos educacionais em desenvolvimento. O que está implícita nesta proposta é a diminuição do papel do Estado em relação ao oferecimento de uma educação plena e verdadeiramente emancipadora, elevando, assim, as fileiras de trabalhadores semiespecializados. Fica explícita, nesse contexto, a natureza liberal e mercadológica dessa reforma, reiterando o sentido da educação para os trabalhadores subalternizados, a fim de garantir a manutenção do processo produtivo atual, reservando-lhes um lugar muito específico na divisão social contemporânea do trabalho. A ideia de trabalhar o currículo em áreas do conhecimento é interessante, em termos de relacionamento de conteúdos numa abordagem transdisciplinar, mas dependendo da forma como esse currículo for operacionalizado nas escolas, representará um agravamento do atual cenário de desigualdades educacionais e sociais, conforme preconiza Libâneo: Destaca-se no contexto social contemporâneo a contradição entre a pobreza de muitos e a riqueza de poucos, entre a lógica da gestão empresarial e as lógicas da inclusão social, ampliando as formas explícitas e ocultas de exclusão. As escolas e as salas de aula têm contribuído pouco para a superação dessas contradições, especialmente estão falhando em sua missão primordial de promover o desenvolvimento cognitivo dos alunos, correndo o risco de terem que assumir o ônus de estarem ampliando a exclusão com medidas aparentemente bem intencionadas. (LIBÂNEO, 2010, p.17) 220 É necessário levar em consideração o acúmulo de conhecimento adquirido até os dias de hoje, além disso, considerar as diferentes experiências educacionais promovidas no decorrer do tempo. Nesta perspectiva, não há como deixar de mencionar o modelo de ensino médio integrado à formação técnica que os InsEvidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 213-223, 2018 titutos Federais realizam desde 2008 no Brasil, agraciado pelos melhores resultados em diversos indicadores educacionais, à frente, algumas vezes, inclusive, das escolas privadas. Trata-se de um modelo de ensino médio de sucesso e que possui todas as caraterísticas que o país precisa: público, gratuito e com qualidade. Para se ter uma ideia, em 2015, no ranking do ENEM, o melhor desempenho foi do Instituto Federal do Espírito Santo (INEP, 2015). Desta forma, ao elevar com louvor os seus respetivos egressos para o Ensino Superior, os Institutos Federais cumprem sua função de formar técnicos para o mercado de trabalho, mas promovem também, o princípio da verticalidade, auxiliando na continuidade dos estudos e na elevação da escolaridade, o que é igualmente relevante e necessário, além de oferecer a inúmeras famílias das camadas populares, talvez a única, possibilidade de mobilidade social. Nesse contexto, as perguntas que não querem calar são: por que não considerar replicar este modelo louvável e notável de Ensino Médio que o Brasil possui, em vez de propor um modelo que desde sua concepção apresenta características questionáveis e ainda implica em realocar recursos públicos para o setor privado? Desta forma, cabe aos educadores a seguinte reflexão: Quem se beneficia efetivamente com essa reforma? Considerações finais O Ensino Médio brasileiro passa por um período de grandes mudanças, quanto sua estrutura, organização, currículo e objetivos. Num contexto histórico, um aspecto que tem permeado o debate sobre essa importante etapa escolar, é a sua própria identidade, temática que ganha ainda mais destaque na atualidade devido as iminentes mudanças propostas e aprovadas pelo governo. No cenário atual, infelizmente, o acesso ao Ensino Médio tem se mantido estático, somado aos altos percentuais de evasão, repetência e associados a um desempenho baixo dos estudantes, a realidade torna-se cada dia mais preocupante. Toda e qualquer alteração proposta em educação, implica na implementação de coerentes políticas públicas e em um diálogo eficaz, que muitas vezes não ocorre, entre governo, professores, gestores, funcionários, estudantes e pais. As análises destas percepções contribuirão para a promoção de novas e consistentes competências, para a construção dos conhecimentos, habilidades e atitudes que permitam uma inclusão emancipatória, nesta sociedade, que cabe a todos transformar, auxiliando também, na identificação e fortalecimento do sentido e da identidade desta fase escolar. O artigo teve como propósito trazer algumas contribuições para as novas inquietações que rondam o Ensino Médio brasileiro. Fica claro que o fator identidade representa ainda um dos maiores desafios na formulação de políticas públicas educacionais. Políticas que precisam fomentar ações para trazer de volta os estudantes que abandonaram a escola, acolher os adultos que não conseguiram concluir o Ensino Médio e oferecer condições para que todos usufruam do direito 221 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 213-223, 2018 de avançar na sua formação acadêmica. Um Ensino Médio exitoso pode ser considerado peça chave no desenvolvimento do país, sintonizado com os arranjos produtivos locais e comprometido com princípios pedagógicos emancipatórios, associados ao desenvolvimento humano, econômico e social que tanto almejamos. Referências ARROYO, Miguel. Juventude e Ensino Médio. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. BRASIL. Lei, n°13.415 de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm. Acesso em: 26 mar. de 2017. BRASIL. Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016. Dispõe sobre a politica de fomento a implementação de escolas de ensino médio em tempo integral, altera a lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a lei n° 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamente o fundo de manutenção e desenvolvimento da educaçãobasica e de valorização dosprofissionais da educação, e da outras providencias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 set. 2016. BRASIL. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI: Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 nov. 2009. BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. 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O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012. Disponível em: http://www. scielo.br/pdf/ep/v38n1/aop323.pdf. Acesso em: 25 mar. de 2017. MASSETO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus, 2003. PERRENOUD, P. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora, 1995. PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no Ensino Superior, 2 ed. São Paulo: Cortez, 2005. RAMOS, M. N. Concepção do Ensino médio integrado. São Paulo: Cortez, 2008. Disponível em: http://www.iiep.org.br/curriculo_integrado.pdf. Acesso em: 22 mar. 2017. ROGERS, Carl. Liberdade de aprender em nossa década. L2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, l986. ROSSI, Paolo. Naufrágios sem espectador. A ideia de progresso. São Paulo: UNESP, 2000. SANTANA, E.M.; WARTHA, E. J. 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OLIVEIRA, Camila Tenório Freitas de OVIGLI, Daniel Fernando Bovolenta SILVA, Monica Izilda da SIMÕES, Regin Maria Rovigati Resumo: O objetivo do artigo foi realizar um levantamento e sistematização das produções sobre tecnologias no Ensino Médio, dos últimos seis anos (2012 a 2017). Como metodologia, optou-se por um estudo de revisão bibliográfica, do tipo estado da arte, com um levantamento total de nove artigos, obtidos por meio da base de dados eletrônicos Scielo, os quais foram interpretados pela Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977). Os resultados foram sistematizados em quatro categorias: Tecnologia Para a Prática, Tecnologia para a Compreensão de Significados e Sentidos, Tecnologia Além de Conceito e Tecnologia Sistematizada na Prática Pedagógica. Em linhas gerais, os artigos discutiram a relação entre o aluno e o mundo, o impacto das tecnologias na sociedade atual e a ampliação do saber. Conclui-se que os professores precisam contribuir para a construção de sujeitos ativos no contexto de práticas e vivências pautadas no uso das tecnologias. Palavras chave: Ensino Médio; Sujeito ativo; Tecnologias. Abstract: This article aims to carry out a survey and systematization of the productions on technologies in High School in the last six years (2012 to 2017). A state-of-the-art bibliographic review study with a total of nine articles was chosen as methodology and it was obtained by means of Scielo electronic database. The data were interpreted by Content Analysis (BARDIN, 1977) and the results systematized into four categories: Technology for Practice, Technology for the Understanding of Meanings and Senses, Technology beyond Concept and Systematized Technology in Pedagogical Practice. In general terms the articles discussed the relationship between the student and the world, the impact of technologies in today’s society and the expansion of knowledge. We came to the conclusion that High School teachers need to contribute to the construction of active subjects in the context of practices and experiences guided by the use of technologies. Keywords: High School; Active subject; Technologies. 225 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 1. Introdução A virtualização da informação e da comunicação caracteriza-se como movimento que afeta direta e profundamente a dinâmica social (LÉVY, 1999). Este processo teve início nos anos 1970, ganhou força após a invenção do computador pessoal, em meados dos anos 1980, e perdura até os dias atuais. A sociedade está cada vez mais conectada com a linguagem midiática. A configuração que se tem hoje é de crianças e jovens constantemente conectados aos dispositivos com acesso à internet. Ponte (2000, p. 64) revela que as tecnologias de informação e comunicação “[...] representam uma força determinante no processo de mudança social, surgindo como a trave-mestra de um novo tipo de sociedade: a sociedade da informação”. A “evolução tecnológica invade nossa vida e nos ajuda a viver com as necessidades e exigências da atualidade, transformando o modo que compreendemos e representamos o tempo e o espaço à nossa volta” (KENSKI1, 2003). Nesta perspectiva, a escola e os meios tecnológicos necessitam caminhar em paralelo, “pois ambos retratam a realidade e a cotidianidade” (PORTO, 2006, p.45). Embora pareça, a inserção das tecnologias nas escolas não é novidade. Há 20 anos, em 1997, foi lançado, pelo MEC2, um programa denominado Programa Nacional de Informática na Educação - Proinfo que visava assegurar, por meio do desenvolvimento e implementação da informática, melhores condições para o avanço da educação pública. Nele buscava-se melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, possibilitar a criação de uma nova tecnologia cognitiva nos ambientes escolares mediante incorporação adequada das novas tecnologias da informação pelas escolas, propiciar uma educação voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico e educar para uma cidadania global numa sociedade tecnologicamente desenvolvida, onde a informação desempenhará um papel cada vez mais estratégico (BONILLA, PRETTO, 2000, sem paginação). O Proinfo previa ações para um contexto mais amplo que incluía livro didático, Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, TV Escola, Educação a distância, valorização do magistério, descentralização de recursos para escolas e avaliação da qualidade educacional. Também pretendia ampliar e oportunizar o uso das tecnologias nos ambientes escolares. Posteriormente, em 1998, os PCNs reafirmaram a necessidade do uso das tecnologias na educação, com vistas à formação de cidadãos com percepção de mundo, incluindo valores e possibilidades de atuação social, bem como possibilitar novas formas de comunicação e produção do conhecimento no contexto da Educação Básica. 1 226 A fonte não possui paginação. Portanto, em toda citação referente a essa obra não será possível informar o número da página. 2 Ministério da Educação. Possui um portal online que pode ser acessado por meio da seguinte plataforma: <http://portal.mec.gov.br/institucional>. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 Mais recentemente, em 2012, com a promulgação das novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, a inserção das tecnologias coloca-se como premente neste nível de ensino, visto que o documento reforça a integração entre educação e as dimensões da tecnologia como base do desenvolvimento curricular. Frente ao breve panorama histórico acima apresentado, é que se delineou o presente artigo, cuja temática é Tecnologias Digitais no Ensino Médio, justificado pela inquietação das autoras acerca do desafio das escolas frente à inserção das tecnologias em seu meio e pela expressiva evasão escolar, devido ao baixo desempenho dos estudantes nas disciplinas atualmente ministradas, como pode ser visto no quadro 1. Quadro 1: Censo Escolar 2014 Ensino Médio Reprovação Abandono Aprovação 1° 16,5% 44.307 10,1% 27.121 73,4% 197.096 2° 10,0% 21.727 9,2% 19.989 80,8% 175.552 3° 7,8% 14.768 5,6% 10.603 86,6% 163.959 Fonte: Merrit (2014) Estes fatores foram determinantes, tanto para a investigação das tecnologias no Ensino Médio, quanto para a seguinte problematização: O que tem sido pesquisado sobre a inserção das tecnologias no Ensino Médio? Ao questionar o incentivo e a relevância do uso das tecnologias pelos jovens, foi estabelecido como objetivo geral o levantamento e a sistematização das produções sobre tecnologias no Ensino Médio, de forma a compreender os métodos utilizados para se aprender com tecnologias, a percepção da inserção das tecnologias no âmbito escolar e a discussão sobre os recursos tecnológicos com vistas à prática educacional. 1.1 Processo de Ensino e Aprendizagem a Partir do Uso das Tecnologias: uma síntese da revisão de literatura Imersos na atual conjuntura da sociedade, na qual os indivíduos são considerados nativos digitais, “[...] é de se esperar que a escola tenha que “se reinventar”, se deseja sobreviver como instituição educacional” (SOUSA et al., 2011, p.20), pois “não existe mais a possibilidade de considerar que o estudante já possui conhecimentos e informações suficientes, independente do grau de escolarização em que ele se encontra” (KENSKI, 2003, sem paginação). Para adaptar-se neste meio, faz-se necessário estar em permanente estado de aprendizagem. Em outras palavras, é primordial estar motivado a aprender e ser instigado a buscar novas informações. 227 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 (...) Encontra-se nesta perspectiva, a possibilidade para que professores da Educação Básica, e de outros mais variados níveis de ensino, possam rever concepções de sustentação de suas práticas cotidianas, terem acesso e apropriem-se de conhecimentos necessários para trabalharem com a produção de vídeos digitais na sala de aula ou outras interfaces nas diversas disciplinas escolares, com vistas a propiciar motivação e aprendizagem (SOUSA et. al., 2011, p. 22). Kenski (2003) aponta que ensinar e aprender com as novas tecnologias traz consigo dois enormes desafios: adaptar-se aos avanços tecnológicos constantes e orientar-se na direção do domínio e de apropriação crítica. Ela aponta que a escola é o local de acesso ao conhecimento e nela deve-se fazer presente, um processo de mediação, de forma que os alunos e professores se apropriem das tecnologias e as repensem com vistas à prática educacional. Nesta perspectiva, Moran (2012) sugere que a sala de aula seja um espaço de investigação no qual ensinar e aprender exige flexibilidade. Para atingir tal finalidade, faz-se necessário diminuir as distâncias entre as tecnologias e as escolas, bem como entre alunos e professores. É importante alertar para este cenário de investigação, visto que, segundo Valente (1999): [...] a promoção dessas mudanças pedagógicas não depende simplesmente da instalação dos computadores nas escolas. É necessário repensar a questão da dimensão do espaço e do tempo da escola. A sala de aula deve deixar de ser o lugar das carteiras enfileiradas para se tornar um local em que professor e alunos podem realizar um trabalho diversificado em relação ao conhecimento (VALENTE, 1999, p.17-18). Desta forma, o aluno passa a ser ativo no processo educacional, tendo a oportunidade de construir seu próprio conhecimento de maneira significativa e motivadora. Neste momento, a memorização passa a não existir, sendo substituída pelo uso crítico das tecnologias, pautado nas metodologias investigativas de ensino (PONTE et al., 2016). Estas metodologias se apropriam de uma aprendizagem em conjunto, colaborativa, em que “as competências são mais exercidas e distribuídas (simbolicamente, socialmente e fisicamente); e a competência do grupo sobressai à competência individual de seus membros” (LOPES, 2014, p.41). 2. Metodologia 228 A presente pesquisa é uma análise documental caracterizada por uma abordagem qualitativa, respeitando a análise dos dados quanto à sua riqueza em detalhes (BOGDAN e BIKLEN, 1994). Metodologicamente, apresenta-se como um estudo do tipo estado da arte o qual, de acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), faz-se predominantemente sobre documentação escrita. Quanto à análise Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 documental, estas “são capazes de oferecer um conhecimento mais objetivo da realidade” (GIL, 2008, p. 153). O percurso metodológico incluiu a realização de consulta ao banco de dados Scielo, a partir das coleções de periódicos do Brasil. Em um primeiro momento, investigando os índices, utilizamos as palavras-chave “tecnologia” e “Ensino Médio” e obtivemos um retorno de vinte artigos. Ao utilizar os termos “tecnologias” e “Ensino Médio”, surgiram nove produções e, por fim, ao pesquisar as palavras-chave “tecnologias” ou “tecnologia” e “Ensino Médio”, houve um retorno de vinte e seis artigos. Em função das inconsistências de busca evidenciadas pela plataforma Scielo, o total de artigos retornados, a partir da realização das buscas com os dois primeiros argumentos, não totaliza o obtido com o terceiro. Assim, optou-se por considerar apenas a busca realizada com as palavras-chave “tecnologias” ou “tecnologia” e “Ensino Médio”, cujo retorno foi de vinte e seis artigos. A partir da leitura dos resumos, foi possível identificar os trabalhos que iam ao encontro da questão norteadora: O que tem sido pesquisado sobre a inserção das tecnologias no Ensino Médio? Com isto, do total de artigos, foram selecionados nove para a pesquisa. Para o tratamento de dados, optou-se por utilizar a Análise de Conteúdo que, segundo Bardin (1977, p.42) é “um conjunto de técnicas de análises das comunicações” obtendo, a partir de uma sistematização, indicadores que permitam “a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção”. A análise foi feita com base na perspectiva de Fiorentini e Lorenzato (2006) e realizado o cruzamento de informações obtidas por meio da leitura integral dos artigos. Vale ressaltar que foram criadas categorias de análise que sistematizassem as informações. 3. Resultados Fazendo um panorama dos nove artigos selecionados sobre as tecnologias no Ensino Médio, percebe-se que há maior concentração de publicação nos periódicos paulistas, sendo quatro deles na revista “Ciência e Educação”, um na revista “Educação e Sociedade”, e um na revista “Trabalhos em Linguística Aplicada”. Quanto aos demais, dois foram publicados na revista gaúcha “Educação e Realidade” e um na revista paranaense “Educar em Revista”. Com base no recorte temporal selecionado, em 2012 foram publicados dois artigos; em 2013 um; em 2014 dois; em 2015 dois; em 2016 um; e, em 2017 um. Percebe-se, assim, que a evolução das pesquisas sobre esta temática mantém-se equilibrada nas publicações em periódicos ao longo dos anos, porém ainda de forma discreta. Em linhas gerais, os nove artigos discutiram acerca da relação entre o aluno e o mundo, na busca dos sentidos de sua identidade no contexto social; do impacto das tecnologias na sociedade atual, visto que estas estão reconfigurando as novas formas de se relacionar e aprender; da ampliação do saber, utilizando uma perspectiva colaborativista entre os sujeitos e, da compreensão das tecnolo229 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 gias além da técnica, pois não basta somente ter domínio de determinado recurso, mas sim explorá-lo em uma perspectiva educacional. Diante do cenário apresentado e baseando-se na proposta apresentada por Fiorentini e Lorenzato (2006), foram organizadas, em quadros, as informações acerca do referencial teórico, metodologia empregada e principais resultados, obtidas a partir da leitura integral dos textos, de forma a categorizá-las por meio do confronto das informações e relações pertinentes entre si. Nesta perspectiva, foram criadas quatro categorias: tecnologias para a prática, tecnologia para a compreensão de significados e sentidos, tecnologia além do conceito e tecnologia sistematizada na prática pedagógica. 3.1 Tecnologias para a prática Esta categoria reflete a aproximação do ensino à prática por meio das tecnologias. Para atingir tal finalidade, são utilizados recursos multimídias ou produções de materiais digitais, elaborados visando uma aula interativa e, ao mesmo tempo, motivadora. Entre os autores dos artigos pesquisados que colaboram com esta prática de ensino e aprendizagem, destacam-se Santos e Mortimer (2002), defendendo uma abordagem temática no ensino de ciências, a qual contribui para os alunos tornarem-se mais críticos e reflexivos, compreendendo não só o conceito, mas também a complexidade social; Carvalho e Gil-Pérez (2003), defendendo a criação de multimídia, visto que esta permite ao aluno a visualização dos conceitos e teorias por meio de animações; e Jenkins (2008), destacando que a mídia-educação se preocupa em estudar a mídia a partir de sua cultura específica, na qual os educadores são comprometidos com o desenvolvimento de habilidades críticas para o acesso, a avaliação, o uso e a produção de mensagens usando as mídias. 3.2 Tecnologia para a compreensão de significados e sentidos 230 Nesse contexto discute-se sobre o desinteresse dos alunos pelas disciplinas da Educação Básica, tendo em vista que as aulas denominadas expositivas não conseguem motivá-los na busca do conhecimento. Os autores Dayrell (1999), Dias (2009), Barlette (2009) e Martins (2009) ressaltam a necessidade dos alunos em conseguirem estabelecer relações com o que aprendem, sem reduzi-las a uma visão utilitarista, mas sim a uma aquisição ampla e com significados do conhecimento. Desta forma, o estabelecimento destas relações mostra-se de grande importância para que o interesse surja naturalmente, pois elas passam a fazer sentido para o aluno, passam a ter significado, o que faz uma grande diferença. Zanetic (1989) dialoga com Hall (1997) na busca de significados para os alunos, pois estes são tecidos a partir de uma prática na sala de aula. E as tecnologias, como defende Lima (2009), Nascimento, Santo e Nigri (2006), Rappoport (2009) e Vargas (2003), aparecem como uma das maneiras de aproximar o ensino da prática. Charlot (2000) corrobora com os autores e afirma que a produção dos Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 sentidos para os alunos se faz necessária, já que se não existir, impossibilitará o aluno de aprender. Cachapuz, Praia e Jorge (2002) e Gil-Pérez e Vilches (2011) contribuem a partir da defesa da formação de cidadãos cientificamente cultos, capazes de compreender as problemáticas da realidade e argumentá-las, debatê-las e assumir um posicionamento crítico. Numa perspectiva educacional, os autores propõem a construção de conceitos, competências, atitudes e valores, ou seja, a promoção de abordagens críticas às problemáticas que sejam familiares aos alunos, tornando o processo de ensino e aprendizagem mais significativo e relevante (DEBOER, 1991; YAGER, 1996). 3.3 Tecnologia além do conceito Esta categoria estuda as tecnologias dentro de um contexto social, destacando seus desafios quando inseridas na educação e suas potencialidades para o processo de ensino e de aprendizagem, que vão além da técnica. Contribuíram para esta categoria os autores Dourado e Oliveira (2009), Silva (2009), Charlot (2005), Costa (2007), Bauman (2008), Gauchet (2006), Machado (2004), Castells (2007) e Leffa (2006), refletindo sobre as transformações na sociedade provenientes das tecnologias. Em suma, após análise, é possível afirmar que as tecnologias não devem ser tratadas como radicalmente positivas ou negativas, mas sim analisadas de modo a compreender como elas moldam as práticas sociais na vida contemporânea. Dentro desta perspectiva encontram-se Souza (2014), Mellucci (2004) e Dayrell (1999/2007), refletindo acerca do que é ser jovem e ser aluno num contexto midiático no qual ficam evidentes as novas formas de interação e de sentidos. Eles apresentam os desafios da escola em não só usar as tecnologias como aparatos, mas na compreensão de como os jovens se identificam e se expressam nestes contextos. 3.4 Tecnologia sistematizada na prática pedagógica Nesta última categoria, há discussões e análises de autores sobre a prática pedagógica dos professores. Vale destacar aqui a investigação como metodologia, na busca da construção de conceitos por parte dos alunos, e a aprendizagem colaborativa, na qual os sujeitos aprendem com os seus pares. Goldenberg, Scher e Feurzeig (2008) defendem os softwares educativos, visto que estes permitem aos estudantes uma investigação acerca de determinado problema previamente estabelecido. Um software de Matemática, por exemplo, possibilita a criação de construções geométricas e sua manipulação com o auxílio do mouse. Em contraste a este recurso, espelha-se a insegurança (ou resistência) dos professores, visto que, segundo Penteado (2001), esses profissionais precisam assumir riscos, saindo da previsibilidade e certeza (zona de conforto) e adotando a zona de riscos (situações imprevisíveis, nunca experimentadas). 231 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 Nesta perspectiva, Miskulin e Piva Jr. (2007) sugerem que as práticas pedagógicas dos professores sejam planejadas e sistematizadas com antecedência, de modo a permitir o desenvolvimento das competências de análise e reflexão e o trabalho simultâneo com os colegas, visando construir uma aprendizagem colaborativa. É importante ressaltar que, apesar dos autores trazerem (ou indicarem) tutoriais, eles ressaltam que este método se limita apenas a uma versão computadorizada do que já ocorre em sala de aula, não dispondo, assim, de uma vantagem educacional. Para atingir tal vantagem, é necessário que o professor se aproprie destes recursos e extraia todo o potencial educativo que eles têm a oferecer. Considerações finais Pelo presente estudo foi possível concluir que apesar das discussões e pesquisas acerca da temática “Tecnologias no Ensino Médio” não ser recente, ainda se encontram tímidas as produções científicas relacionadas a este assunto. Tendo em vista as diferentes concepções sobre a inserção das tecnologias no processo de ensino e aprendizagem, onde uns as defendem e outros as negam, não há ainda uma segurança no meio escolar ao incluí-las em seus planos. Em meio a essa dualidade, percebe-se o aumento considerável de recursos tecnológicos, acompanhados de jovens cada vez mais ávidos para obtê-los e desvendá-los. Percebendo que a presença das tecnologias é irreversível, é importante enfatizar que elas, unicamente, não geram o conhecimento. Esta afirmação fica nítida na leitura dos artigos, nos quais foi possível constatar que o uso das tecnologias nos espaços escolares ainda não vai além de recursos para se aprender. É preciso uma compreensão deste uso no contexto social, político, pessoal e escolar para que seja possível extrair suas potencialidades visando à prática educacional. Vale ressaltar, ainda, que, por meio da análise dos artigos, ficou evidente a urgência das escolas em repensar seu papel na atual conjuntura da sociedade, pois não se percebe a separação dos jovens e dos recursos tecnológicos oferecidos no mercado. Da mesma forma observando os professores, agentes de grande importância no processo educativo, defende-se que eles devem assumir um papel de mediadores entre o conteúdo e a utilização das tecnologias pelos alunos, considerando também os espaços não formais nos quais as tecnologias vão além de aparatos e se configuram como um novo estado de cultura. Conforme análise das metodologias presentes nos artigos, todas as investigações foram realizadas por professores universitários, não havendo nenhuma de professores do Ensino Básico. Este quadro reforça a necessidade de políticas públicas que possam validar tais orientações a fim de colaborar com uma prática que auxilie na exploração e compreensão das novas tecnologias. Outro fator detectado foi a evidente defasagem de artigos oriundos das regiões norte e nordeste. Conforme análise há uma maior concentração das pesquisas na região sudeste, principalmente no estado de São Paulo. As demais se 232 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 encontram espalhadas pelas outras regiões, com exceção da região norte. Estima-se que a falta de divulgação das pesquisas e práticas lá desenvolvidas de maneira nenhuma diminui a validade de suas excelentes experiências. Defende-se, nesta pesquisa, que as tecnologias devem ser encaradas como uma atual configuração social e, com isso, absorvidas pelas escolas. Faz-se necessária uma reestruturação das concepções que precisam ir ao encontro das identidades e desejos dos alunos. Neste sentido, ainda existe um grande caminho a ser explorado, percorrendo tanto as práticas pedagógicas com enfoque nas tecnologias, quanto os currículos que devem passar a orientar a inclusão das tecnologias no ambiente escolar, visando qualidade e desejo no processo de ensino e aprendizagem. Foram localizados poucos estudos sobre as percepções quanto ao uso das tecnologias, tendo como foco os alunos do Ensino Médio nos espaços não formais. Ressalta-se aqui Dayrell (2007, p.4), que afirma que “na realidade não há tanto uma juventude e sim jovens, enquanto sujeitos, que experimentam e sentem segundo determinado contexto sociocultural onde se inserem.” Acredita-se na importância de haver estudos que analisem as tecnologias além dos muros das escolas, pois estas indicaram a motivação dos alunos quando eles utilizam recursos tecnológicos. Portanto, conclui-se que as escolas precisam perceber as tecnologias com vistas à percepção dos alunos. Deste modo, elas estarão contribuindo para a construção de sujeitos ativos no contexto de práticas e vivências pautadas no uso das tecnologias. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Características da investigação qualitativa. In: Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. 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No estado de Minas Gerais, o número de ingressantes no Ensino Médio regular é violentamente superior aos de ensino médio integrado, conforme dados do Censo Escolar do ano de 2015, aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e disponível através do portal InepData. Na prática, o conceito de integração vem sendo edificado até mesmo pelos próprios profissionais da educação, os quais se mantêm incertos quanto aos procedimentos a serem adotados para que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional. A ideologia de conhecimento fragmentado por meio de disciplinas isoladas perdura no imaginário educacional e, resistir a essa ideia através de processos pedagógicos inter e transdisciplinares continua sendo uma metodologia inovadora e utópica, questionada por pais, alunos, professores e por toda a comunidade escolar. Palavras chave: Educação profissional; Ensino médio integrado; Ensino técnico. Abstract: Integrated secondary education remains anonymous compared to traditional regular secondary education. In the state of Minas Gerais, the number of regular high school students is violently higher than those of integrated secondary education, according to the 2015 School Census, applied by the National Institute of Educational Studies and Research Anísio Teixeira (Inep). Moreover, in practice, the concept of integration is still being built even by the education professionals themselves, who remain uncertain about the procedures to be adopted so that general education becomes an inseparable part of professional education. The ideology of fragmented knowledge in isolated disciplines lingers in the educational imaginary, and resisting this idea through interdisciplinary and transdisciplinary pedagogical processes continues to be an innovative and utopian methodology, questioned by parents, students, teachers and the entire school community. Do we study to work or study for life? Keywords: Professional education; Integrated secondary education; Technical education. 237 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 1. Ensino Médio Integrado a quê? O Ensino Médio, por ser para muitos a etapa final de qualificação para o mercado de trabalho, tem sido foco permanente de discussão e reflexão e um desafio como parte de políticas educacionais. Nosso futuro está penhorado porque não cuidamos do patrimônio mais importante que um país tem: sua gente. Se dependermos da qualificação dela para avançarmos, tudo leva a crer que continuaremos vendo os países desenvolvidos de longe e que, assim como a geração anterior viu o Brasil ser ultrapassado pelos tigres asiáticos, a nossa irá testemunhar a passagem de China, Índia e outros países menores. (IOSCHPE, 2014, p.21) Nessa perspectiva, que envolve os desafios advindos do capitalismo, da globalização e em virtude dos reflexos gerados por eles na educação, como a elevação da escolaridade enquanto condição para a inserção no mercado de trabalho, é importante pesquisar sobre as políticas públicas1 desenvolvidas pelo Estado, em especial às relacionadas ao ensino e à qualificação profissional pela rede pública. Ao longo dos anos, os governos implementaram diversos programas e políticas públicas de formação profissional. Uma das primeiras propostas realizadas no país foram as 19 Escolas de Aprendizes Artífices instituídas pelo Decreto Presidencial nº 7.566 de 1909, assinado pelo presidente à época, Nilo Peçanha. Tais escolas eram destinadas ao ensino profissional, primário e gratuito. Elas deram origem a diversas propostas e ações voltadas para a qualificação profissional ofertadas por meio do governo federal como, por exemplo, as Escolas Industriais e Técnicas e os Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETs (SOUZA JÚNIOR, 2017, p. 24-25). Somente em 2008, com a articulação para a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia através da Lei nº 11.892, a qual absorveu os CEFETs e as Escolas Técnicas remanescentes, que a integração entre ensino médio e ensino técnico conquistou maior visibilidade perante a sociedade. Dentre as instituições de ensino ofertantes dessa educação integrada (ensino médio e ensino técnico) permanecem frequentes algumas reflexões a respeito dos motivos que levam os estudantes a optarem por um ensino médio integrado, tendo em vista esse tipo de formação ainda ser desconhecida por boa parte da população ou, então, estar meramente relacionada a uma qualificação vocacional e destinada a setores técnico-industriais. Muitos deles iniciam seus estudos sem ao menos conhecer os reais propósitos de uma formação integrada, quais os objetivos do curso técnico em si e em qual mercado de trabalho atuará após a sua conclusão. 1 238 Por políticas públicas foi utilizada, neste trabalho, a definição de Souza (2006) que destaca o termo como a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 O público abrangido pelos cursos de formação integrada é bastante heterogêneo e suas histórias de aprendizagem passadas se cruzam em um ambiente onde os diferentes níveis de formação, tanto escolar quanto cultural e pessoal, interferem no desenvolvimento desses futuros profissionais e de sua formação identitária. É preciso entender melhor tais alunos, quais as suas perspectivas em relação ao aprendizado e em relação ao mercado de trabalho, seus medos, suas crenças/autocrenças e suas considerações quanto ao prestígio e notoriedade de um curso integrado, sendo significativo questionar se houve alguma forma de resistência ou incentivo, pelo aprendiz ou por sua própria família e amigos, na escolha desse tipo de formação, o que pode afetar sensivelmente a formação da identidade desse estudante. As “identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as primeiras em relação às últimas. Há uma ampla probabilidade de desentendimento, e o resultado da negociação permanece eternamente pendente (BAUMAN, 2005, p. 19). As crenças constituem-se de todos os entendimentos populares tidos como verdades pela sociedade, ou seja, ideias difundidas pelo povo sem nenhum embasamento científico ou acadêmico, ao passo que as autocrenças refletem o conjunto de expectativas trazidas pelo próprio aluno, ou seja, todas as convicções carregadas pelo próprio indivíduo e consideradas como sua opinião, construídas a partir de sua experiência de mundo até o momento. Tais convicções pessoais podem ou não ser modificadas pelas crenças da sociedade. O ingressante de um ensino médio integrado a um ensino técnico chega à escola com suas próprias crenças e autocrenças acerca do conceito de educação integrada, muitas vezes são opiniões rasas e superficiais, além de profundamente influenciadas pelas ideias da própria família e dos amigos, os quais constituem o seu ciclo principal de informações. As crenças e autocrenças desse indivíduo são construídas a partir dos aspectos históricos-sociais que arquitetaram uma consagrada divisão social do trabalho, a qual discriminava os homens responsáveis pela ação de pensar e aqueles responsáveis pela ação de executar. Esse dualismo entre trabalho intelectual2 e trabalho manual3 reservou historicamente às elites dirigentes a educação geral e aos desamparados a educação técnica (ou profissional). Nesse viés, construiu-se o homem limitado da sociedade capitalista, consequência de uma realidade imposta pelo próprio desenvolvimento da grande indústria. Foi nesse 2 Trabalho intelectual é entendido aqui como aquele historicamente reservado ao poder das elites, nos quais se incluíam os filósofos, os sábios e os religiosos que obtinham na escola uma educação geral direcionada predominantemente à ação de pensar. 3 Trabalho manual é entendido aqui como aquele reduzido ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social, direcionado predominantemente aos esforços físicos. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 239 contexto em que a história da educação brasileira foi erguida, entre concepções e contradições formadas exclusivamente pelas ideologias dominantes da época. É com o intuito de prepararem-se para o exercício de profissões técnicas que, mesmo não garantindo o ingresso no mercado de trabalho, os alunos se interessam pelo ensino médio integrado, não somente eles, mas também a própria família, a qual é responsável, na maioria dos casos, pela matrícula do filho em tais instituições. É com esse pensamento puramente mercadológico e mergulhado em fins estritamente capitalistas que o aluno se forma. Para ele, o conceito de “integrado” pouco importa, o fim maior é a conclusão do ensino médio e a obtenção extra de um certificado que o qualifique para a atuação em alguma profissão específica. Em síntese, este trabalho tem o propósito de apontar o enorme desconhecimento por esta forma de ensino e a visão equivocada acerca dos seus reais objetivos. O ensino médio regular permanece predominante nessa etapa de formação dos jovens brasileiros e, dentre as esferas governamentais, a rede estadual de ensino absorve o maior número de matrículas, enquanto a Rede Federal lidera dentre as instituições ofertantes de ensino médio integrado, como consequência da força adquirida pela Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no ano de 2008. De cunho introdutório para a conscientização da população, este estudo é mais uma ferramenta na luta pela disseminação dessa política educacional, que almeja formar cidadãos qualificados para o mercado de trabalho, mas, antes disso, para a vida; desfragmentando o conhecimento e tornando-o um só. 2. Breve conceituação sobre Formação Integrada A década de 1980 foi o período de redemocratização na educação brasileira, por meio da construção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), publicada no ano de 1996, quando concepções como o Ensino Médio integrado e a oferta de uma educação unitária, politécnica e omnilateral foram dominantes na discussão. O termo formação integrada, ou seja, o ensino médio integrado ao ensino técnico, é comumente conceituado como formação politécnica ou educação tecnológica, e ainda como pluriprofissional como preferem Manacorda (1990) e Nosella (2007). 240 O ensino técnico articulado com o ensino médio, preferencialmente integrado, representa para a juventude uma possibilidade que não só colabora na sua questão da sobrevivência econômica e inserção social, como também uma proposta educacional, que na integração de campos do saber, torna-se fundamental para os jovens na perspectiva de seu desenvolvimento pessoal e na transformação da realidade social que está inserido. A relação e integração da teoria e prática, do trabalho manual e intelectual, da cultura técnica e a cultura geral, interiorização e objetivação vão representar um avanço Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 conceitual e a materialização de uma proposta pedagógica avançada em direção à politecnia como configuração da educação média de uma sociedade pós-capitalista. (SIMÕES, 2007, p. 84) Para tanto, a formação integrada almeja enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual e trabalho intelectual, conforme preceitua Gramsci (1981). Assim, assumir o trabalho como princípio educativo na perspectiva do trabalhador, como diz Frigotto: implica superar a visão utilitarista, reducionista de trabalho. Implica inverter a relação situando o homem e todos os homens como sujeito do seu devir. Esse é um processo coletivo, organizado, de busca prática de transformação das relações sociais desumanizadoras e, portanto, deseducativas. A consciência crítica é o primeiro elemento deste processo que permite perceber que é dentro destas velhas e adversas relações sociais que podemos construir outras relações, onde o trabalho se torne manifestação de vida e, portanto, educativo (FRIGOTTO, 1989, p. 8). Para o filósofo alemão Karl Marx, em seus Manuscritos datados de 1844, a educação politécnica é uma formação mais elevada dos filhos dos trabalhadores em relação às demais classes sociais, uma forma de se confrontar com a formação unilateral e os malefícios da divisão do trabalho e da internalização de valores burgueses relacionados à competitividade, ao individualismo e ao egoísmo. A politecnia, em resumo, deve encontrar o caminho entre a existência alienada e a emancipação humana em que se constrói o homem omnilateral4. Essa omnilateralidade é conceituada por Marx como uma ruptura ampla e radical com o homem limitado da sociedade capitalista. É uma busca da práxis revolucionária no presente, no qual sua realização plena apenas é possível com a superação dos traços capitalistas de uma sociedade, o que a torna uma formação humana praticamente inalcançável em nosso corpo social atual. A omnilateralidade, portanto, é entendida, neste trabalho, como uma formação perfeita e utópica do processo educativo, que é utilizada como guia para o aperfeiçoamento de nossa realidade atual. O homem omnilateral é aquele que se define não pela riqueza que o preenche, mas pela riqueza do que lhe falta e do que se torna absolutamente indispensável para o seu ser. O homem é tanto mais rico quanto mais demanda manifestações humanas. Necessidades essas não determinadas pelo caráter de mercadoria, e que só podem nascer e serem amplamente satisfeitas em relações não burguesas, que ultrapassem o sistema de relações do capital. A história da luta de classes no capitalismo coincide com a história da dualidade educacional. Por isso, a educação até hoje permanece dividida entre aquela destinada aos que produzem a vida através da sua força de trabalho e aquela destinada aos dirigentes. É uma luta que só pode ser combatida com muito esforço coletivo. 4 O conceito de “homem omnilateral” não foi precisamente definido por Karl Marx, todavia, em seus Manuscritos datados de 1844, há suficientes indicações para que seja compreendido no sentido de uma formação humana oposta à formação unilateral provocada pelo trabalho alienado. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 241 Para Nosella (2007), a fórmula marxiana de formação omnilateral ou de escola unitária, para todos, é antes de tudo a superação da dicotomia entre o trabalho produtor de mercadorias e o trabalho intelectual. Nessa perspectiva, Antonio Gramsci propôs a concepção de escola unitária, a qual considera a educação como direito de todos. A escola unitária configura-se numa escola que não exclua ninguém do processo educativo e que possibilite a todos a apropriação dos conhecimentos construídos até então pela humanidade. É através dela que não mais se estabeleceria distinção entre o trabalho intelectual e o trabalho operacional, entre o diretor e o operário. A proposta de Gramsci para uma escola unitária que promova a maturidade intelectual está diretamente associada ao seu posicionamento político claramente comprometido com a classe trabalhadora. Gramsci, ao mesmo tempo em que desenvolveu uma proposta educacional, defendeu a necessidade de que as instituições proletárias (sindicatos e partidos) se organizassem com o intuito de promover a auto-educação dos trabalhadores, uma educação que conduzisse à emancipação destes em relação ao Estado capitalista. Gramsci apresentou este desafio: construir uma verdadeira “escola unitária”, incumbida da “[...] tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade, à criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa.” (GRAMSCI, 1981, apud NASCIMENTO e SBARDELOTTO, 2008, p. 284) Com isto, é possível compreender os dois pilares conceituais de uma educação integrada: um tipo de escola que não seja dual, pelo contrário, seja unitária e garanta a todos o direito ao conhecimento; e uma educação politécnica, que possibilita o acesso à cultura, à ciência, ao trabalho por meio de uma educação básica e profissional. 2.1 Analisando números: dados estatísticos 242 O Censo Escolar é o principal instrumento de coleta de informações da educação básica e o mais importante levantamento estatístico educacional brasileiro nessa área. É coordenado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão vinculado ao Ministério da Educação, e realizado em regime de colaboração entre as secretarias estaduais e municipais de educação e com a participação de todas as escolas públicas e privadas do país. Os dados mais completos até a presente data, para o estado de Minas Gerais, referem-se ao ano de 2015, e podem ser visualizados através do próprio portal do InepData, disponível a toda população. O portal InepData é uma base de dados pública e de fonte confiável, e foi utilizado nesta pesquisa, ainda, a fim de solidificar entre a sociedade a sua existência. A busca realizada envolveu o ano de 2015, no estado de Minas Gerais, na mediação didático-pedagógica presencial; e a coleta de dados ocorreu no mês de setembro de 2017. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 Para fins de conceituação, o ensino médio regular foi considerado neste trabalho como o tradicional ensino médio ofertado em escolas durante os comuns 3 anos de duração, constituído de disciplinas basilares, normalmente fragmentadas por áreas de conhecimento e lecionadas durante somente um turno do dia. Já o ensino médio integrado é conceituado aqui como a união entre o ensino médio regular e o curso técnico, o qual proporcionará independência ao educando para a sua inserção no mercado de trabalho através de disciplinas técnicas específicas. O Ensino Médio integrado é normalmente lecionado em dois turnos, o que confunde a sociedade ao bipartir o conhecimento em educação geral durante a manhã e educação técnica durante a tarde. É por conta deste pensamento que a maioria da comunidade escolar acreditar frequentar dois cursos distintos. O conceito de integração pretende exatamente romper com essa distinção e unir a educação geral à educação técnica, transformando o aprendizado para a vida e para o trabalho em uma única massa indivisível de conhecimentos. Na tentativa de ilustrar esse enfrentamento entre ensino médio regular e ensino médio integrado, os dados coletados – mesmo que de forma bastante primária – já demonstram o contraste entre os dois modelos de ensino e servem como exemplo para se entender o longo caminho a ser percorrido para que o ensino integrado adquira reconhecimento e seja também, verdadeiramente, integrador de saberes. No ano de 2015, no estado de Minas Gerais, o ensino médio regular ainda foi devastadoramente predominante em relação ao ensino médio integrado, conforme Gráfico 01; considerando as escolas ofertantes em todas as redes de ensino: federal, estadual, municipal e privada. Nesse ano, o ensino médio regular contabilizou 764.569 matrículas, enquanto o ensino médio integrado totalizou apenas 17.018 matrículas. Gráfico 01: Matrículas do Censo Escolar 2015 nas redes federal, estadual, muGráfico 01: Matrículas do Censo Escolar 2015 nas redes federal, estadual, municipal e nicipal e privada privada Matrículas do Censo Escolar 2015: redes federal, estadual, municipal e privada 800000 700000 600000 500000 400000 300000 200000 100000 0 Ensino médio regular Ensino médio integrado Fonte: Dados da pesquisa Fonte: Dados da pesquisa 243 Das 764.569 matrículas do ensinoEvidência, médio regular, a maior delas é efetivada2018 Araxá, v. 14,parte n. 14, p. 237-249, na rede estadual de ensino, contando com 676.493 matrículas, seguidas pelas 79.718 na rede privada, 5.718 na rede municipal e 2.640 na rede federal de ensino, conforme Gráfico Fonte: Dados da pesquisa Das 764.569 matrículas do ensino médio regular, a maior parte delas é efetivada na redeDas estadual de ensino, contandodo com 676.493 matrículas, seguidas pelasparte 79.718delas na é 764.569 matrículas ensino médio regular, a maior efetivada na rede estadual de ensino, contando com 676.493 matrículas, seguidas rede privada, 5.718 na rede municipal e 2.640 na rede federal de ensino, conforme Gráfico pelas 79.718 na rede privada, 5.718 na rede municipal e 2.640 na rede federal de 02 abaixo. ensino, conforme Gráfico 02 abaixo. Gráfico 02: Ensino médio regular redesdedeensino, ensino, no Censo Escolar Gráfico 02: Ensino médio regularpor por redes no Censo Escolar 2015 2015 Ensino médio regular por redes de ensino, 2015 700000 600000 500000 400000 300000 200000 100000 0 Federal Estadual Municipal Privada Fonte: Dados da pesquisa Fonte: Dados da pesquisa Das 17.018 matrículas no ensino médio integrado, 15.158 são constantes da rede Das 17.018 matrículas no ensino médio integrado, 15.158 são constantes federal de ensino, seguidas pelas 1.395 inscrições na rede privada e pelas 465 na rede da rede federal de ensino, seguidas pelas 1.395 inscrições na rede privada e pelas (Gráfico (Gráfico 03). Nesse03). ano Nesse não houve matrícula em ensino médioem 465 namunicipal rede municipal ano nenhuma não houve nenhuma matrícula ensinointegrado médio nas integrado nas redes estaduais de ensino. redes estaduais de ensino. Gráfico 03: Ensino médiomédio integrado por Censo Escolar Gráfico 03: Ensino integrado porredes redesde de ensino, ensino, nono Censo Escolar 20152015 Ensino médio integrado por redes de ensino, 2015 16000 14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 Federal Estadual Municipal Privada Fonte: da pesquisa Fonte: Dados da Dados pesquisa 244 O ensino médio integrado apresenta predominância na rede federal de ensino por Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 conta do mérito que vêm alcançando a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, instituída pela Lei nº 11.892/2008, assim como por ocasião da publicação O ensino médio integrado apresenta predominância na rede federal de ensino por conta do mérito que vêm alcançando a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, instituída pela Lei nº 11.892/2008, assim como por ocasião da publicação do Decreto nº 5.154/2004, o qual determina a indissociabilidade entre teoria e prática através da articulação entre ensino médio e ensino técnico como uma de suas premissas fundamentais. Nesse contexto e com números bastante desequilibrados a eficácia do Decreto 5.154/2004 pode ser questionada, configurando uma necessidade de revisão entre o que foi preconizado e o que vem se apresentando na prática. O referido Decreto - retomando a concepção da LDB - estabelece a oferta da educação profissional em “articulação” com o ensino médio, podendo ser realizada de forma integrada, concomitante e subsequente ao ensino médio (art.1º e 4º). Representou um avanço em relação aos efeitos ocasionados pelo Decreto nº 2.208/1997, constituindo-se como uma inusitada e diferente oferta de educação profissional, mas que ainda não pôde ser implantado em sua plenitude. 3. Ensino Médio Integrado ou Integral? O Ensino Médio Integrado é uma modalidade de ensino que articula a educação profissional técnica e o ensino médio, tudo isso de forma integrada, a quem tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única. Para que isso aconteça, na maioria das Instituições de Ensino que oferecem essa proposta, ela se dá em período integral de estudos, normalmente nos turnos matutino e vespertino. Um projeto de ensino médio integrado obviamente almeja superar o histórico conflito existente em torno do papel da escola, de formar para a cidadania ou para o trabalho produtivo. A formação integrada garante ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a sua atuação como cidadão pertencente a um país. A integração é bem mais do que o ensino de conteúdos gerais e, de conteúdos específicos de forma homogênea ou misturada. Integrar significa tornar inteiro o ser humano historicamente despedaçado pelo mundo do capital. Os homens de classe operária têm desde cedo necessidade do trabalho de seus filhos. Essas crianças precisam adquirir desde cedo o conhecimento e sobretudo o hábito e a tradição do trabalho penoso a que se destinam. Não podem, portanto, perder tempo nas escolas (...). Os filhos da classe erudita, ao contrário, podem dedicar-se a estudar durante muito tempo; têm muitas coisas para aprender, para alcançar o que se espera deles no futuro. Esses são fatos que não dependem de qualquer vontade humana; decorrem necessariamente da própria natureza dos homens e da sociedade: ninguém está em condições de muda-los. Portanto, trata-se de dados invariáveis dos quais devemos partir. (TRACY, 1908, apud FRIGOTTO, 1995, p. 34) 245 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 Apesar do esforço de inúmeros profissionais da educação na tentativa de implantar, de fato, uma formação integrada nas instituições de ensino, a ideologia dominante visualiza a integração como integralização. Ao contrário do que foi preceituado até aqui, a integralização refere-se não a uma educação integrada, unitária, transdisciplinar e homogênea, mas é tratada exclusivamente como uma educação em período integral, na qual o educando permanece na escola no período matutino e vespertino, normalmente; o que acarreta o pensamento de que o estudante frequenta dois cursos distintos. E é assim que a integração é vista por muitos, dois cursos que sustentam o educando na escola por um período integral. Essa ideia minimiza e quantifica o conceito de educação, fazendo com que o aprendizado para a vida fosse tão melhor, quanto por mais tempo se permanecesse dentro dos limites físicos da escola. É nesse contexto em que muitos pais acreditam estar oportunizando aos filhos uma formação para a vida, universal e ontológica, capaz de qualificá-los de forma ética, cidadã, social, política, moral e etc., e também produtiva; na expectativa de constituí-los verdadeiros super-heróis. Nessa visão quantitativa, quanto mais cursos, melhor. Mas, “deixar” o aluno na escola durante todo esse período não é garantia de aprendizado, mas é, em muitos casos, uma oportunidade brilhante para os pais satisfazerem-se enquanto intermediários cuidadosos e responsáveis pela instrução dos filhos, além de diminuírem a permanência do jovem dentro de casa, facilitando a rotina diária do lar e transferindo à escola a incumbência de zelar pelos adolescentes. A publicação da Lei 11.892 em 2008, a qual criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), oportunizou que o tema se tornasse acessível às discussões pedagógicas, uma vez que é objetivo dos IFs ministrar a educação profissional técnica de nível médio prioritariamente na forma de cursos integrados. Desde 2008, então, a implantação de um currículo integrado tem se tornado assunto recorrente nas reuniões pedagógicas entre professores e gestores escolares. O currículo integrado organiza o conhecimento e desenvolve o processo de ensino-aprendizagem de forma que os conceitos sejam apreendidos como sistema de relações de uma totalidade concreta que se pretende explicar e compreender. É nessa batalha em que muitos professores, incluindo os de ensino médio regular, se encontram atualmente, na tentativa de unificarem não somente as disciplinas, mas também os cursos, de forma que o ensino propicie um conhecimento uno, capaz de construir a episteme do indivíduo e levá-lo ao êxito enquanto ser humano e, por consequência, a um êxito profissional. Considerações finais “Meu filho estuda em um curso integrado. Ele faz parte de um futuro promissor.” Com 109 anos de vida, a Rede Federal está presente na sociedade com mais de 644 unidades em funcionamento em todos os estados da federação, ofe246 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 recendo cursos de qualificação, ensino médio integrado, cursos superiores e especializações lato e stricto sensu. Apesar da grande evolução vivenciada desde 2008, o ensino médio integrado continua sofrendo desvantagem em comparação ao tradicional ensino médio regular, o qual foi responsável por 97,82% das matrículas de nível médio no ano de 2015 no estado de Minas Gerais, segundo o Censo Escolar. A visão de um curso assistencialista, voltado para o desenvolvimento de habilidades técnicas e mecanizadas ainda sobrevive no imaginário da população quando se discute sobre ensino técnico. Não obstante, o conceito de integração também é interpretado erroneamente, como a agregação entre dois cursos trabalhados simultaneamente, porém, de forma isolada. A integração, a valer, é um desafio aos educadores em um Estado no qual as condições estruturais, ideológicas, políticas e sociais caminham em desconformidade. O educador e a educadora críticos não podem pensar que alcançarão a formação integrada em semanas. Mas podem demonstrar que é possível. E isto reforça nele ou nela a sua tarefa político-pedagógica. É preciso atestar a sua capacidade de luta e o seu respeito às diferenças para que a cada dia se esteja mais próximo de se modificar a realidade educacional. É necessário insistir e reinsistir. Grandes mudanças não ocorrem em pouco tempo, precisam ser pensadas, formuladas, refletidas, analisadas, questionadas, corrigidas e repensadas em trabalhos como este. A educação está posta diante de uma nova forma de conciliar a formação para a vida com as exigências capitalistas que exigem trabalhadores qualificados para o mercado de trabalho. É um processo em construção, cujos alicerces ainda estão sendo edificados. Todos sabem que qualquer alteração a ser realizada nos Aparelhos Ideológicos do Estado – nesse caso, a Escola – é um enfrentamento moroso, pois repercute no imaginário dos indivíduos e suas autocrenças de mundo. No âmbito da sinalização do Governo, o ensino médio integrado não parece como uma política fundamental e estratégica às vistas de se ter uma base científica e tecnológica ampla, como é feito em diversos outros países. Entretanto, a integração do ensino médio com o ensino técnico é uma necessidade conjuntural e uma condição necessária para que se efetive a “travessia” em direção a um ensino omnilateral, conforme Marx já imaginava. Caminhar rumo a uma escola unitária refletirá em todos os organismos de cultura, transformando-os e dando-lhes um novo conteúdo por meio de uma consciência coletiva, que transpasse a histórica dualidade educacional e avance em direção à igualdade de oportunidades. Embora árduo, o processo de evolução sempre persegue bons ideias. É necessário entender o ensino médio integrado como um passo adiante, um salto em direção a um futuro promissor, que trará novas maneiras de se assimilar a ciência, a educação e a cultura. 247 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 Referências BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005. BRASIL. Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997 (Revogado pelo Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004). _______. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004 (Regulamentou o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional, e deu outras providências). _______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional). _______. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências). FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a Crise do Capitalismo Real. São Paulo: Cortez Editora, 1995. FRIGOTTO, Gaudênio. Trabalho, Conhecimento, Consciência e a Educação do Trabalhador: Impasses Teóricos e Práticos. In: GOMEZ, Carlos M. Trabalho e Conhecimento: Dilemas na Educação do Trabalhador. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1989. GRAMSCI, Antonio. La alternativa pedagógica. Barcelona: Editorial Fontamara, 1981. IOSCHPE, Gustavo. O que o Brasil quer ser quando crescer? e outros textos sobre educação e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. MANACORDA, M. A. O princípio educativo em Gramsci. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1990. NASCIMENTO, Maria Isabel Moura; SBARDELOTTO, Denise Kloeckner. A Escola Unitária: educação e trabalho em Gramsci. 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Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 - Sthéfany Araújo Melo Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT) Instituto Federal do Triângulo Mineiro Campus Uberlândia Currículo: http://lattes.cnpq.br/9322228644060538 - Ednaldo Gonçalves Coutinho Doutor em Educação (UFSCar) Instituto Federal do Triângulo Mineiro Campus Uberlândia Currículo: http://lattes.cnpq.br/0739472266207885 - Welisson Marques Pós-doutor em Educação (USP) Instituto Federal do Triângulo Mineiro Campus Uberaba Currículo: http://lattes.cnpq.br/1695154848013278 249 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 237-249, 2018 A Modalidade Profissional Técnica Integrada ao Ensino Médio no Brasil GIORDANI, Camila Cunha Oliveira RAMALHO, Ricardo de Oliveira CURI, Luciano Marcos RESUMO: O Ensino Médio situa-se, atualmente, em uma estrutura educacional centrada nas formas fragmentárias de educação, desarticulada do processo global. As instituições trabalham, muitas vezes, com modelos variados de ensino, desprivilegiando o estudante pobre e o jovem trabalhador. O objetivo desta pesquisa é fazer um estudo histórico e sociológico sobre o Ensino Médio, focando na modalidade Integrada à Educação Profissional. Para tal, o estudo busca seus construtos teóricos em autores como Marx, Gramsci, Ramos, Carneiro e Frigotto a fim de refletir sobre a finalidade pedagógica e política do Ensino Médio no âmbito do sistema educacional brasileiro. A metodologia utilizada será a pesquisa bibliográfica, suas fontes primárias e secundárias. Por se tratar de uma pesquisa de mestrado, todavia em andamento, o presente artigo aponta reflexões iniciais sobre o tema, o qual visa contribuir com o atual debate da reforma na última etapa da educação básica. Palavras chave: Ensino Médio; Educação Profissional. ABSTRACT:Secondary school is currently located in an educational structure centered on the fragmentary forms of education, disjointed from the global process. Institutions often work with varied models of teaching, depriving poor student and young worker. The aim of this research is to make a historical and sociological study about High School, focusing on the Integrated Modality of Professional Education. To this end, the study seeks its theoretical constructs in authors such as Marx, Gramsci, Ramos, Carneiro and Frigotto in order to reflect on the pedagogical and political purpose of Secondary Education within the Brazilian educational system. The methodology used will be the bibliographic research, its Primary and Secondary sources. Since this is a Master’s research, still in progress, this article points out initial reflections on the theme, which aims to contribute to the current debate on reform in the last stage of basic education. Keywords: High School; Professional Education. 251 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 1. Introdução O ensino médio em pauta O ensino médio está no centro das atenções e, nos últimos meses, tem frequentado o noticiário nacional. Comerciais de TV, polêmicas e debates, inúmeros artigos, notícias e muitas críticas espalhas pela internet têm ocupado a atenção dos brasileiros, quando o assunto se refere a esta etapa de ensino. Mas afinal o que aconteceu para tanto estardalhaço em relação ao Ensino Médio? A resposta é simples: todos os estudiosos, especialistas, boa parte dos profissionais da educação, que trabalham com esta etapa escolar, e até mesmos os estudantes sabem que o ensino médio não está indo bem no Brasil. A divulgação do resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2016 ratifica: o Ensino Médio tem uma estrutura que remonta, no mínimo, à década de 1980, não possuindo muita coerência e sentido com as demandas da faixa etária dos estudantes que o cursam, adolescentes e jovens, e nem com as demais disposições que dele se espera. O resultado foi divulgado no dia 08 de setembro de 2016 e, quatorze dias depois, o governo do presidente Michel Temer, em ato solene no Palácio do Planalto, assinou a Medida Provisória nº 746 /2016 (MP 746 de 22/09/2016, dita MP 746), publicando-a no dia seguinte. Este instrumento buscou reformar o Ensino Médio no Brasil e lançou uma faísca num barril de pólvora, cuja polêmica tem rendido muitos comentários e poucos esclarecimentos proveitosos. Foi então promulgada a Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, que trouxe em seu cerne mudanças para a legislação educacional brasileira, no que diz respeito tanto à organização curricular para o Ensino Médio, quanto às regras de uso dos recursos públicos destinados a este. Nesse sentido, segundo esta instrução normativa, o currículo será composto pela Base Nacional Comum Curricular – BNCC e por itinerários formativos específicos, com ênfase nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica profissional. O currículo terá 1400 horas/ano, totalizando 4.200 horas. Porém, a carga horária destinada ao cumprimento da BNCC não pode exceder a 1.800 horas da carga horária total do Ensino Médio. Tal medida já alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e, no que tange à Educação Profissional Técnica de Nível Médio (Seção VI-A), a lei não sofreu modificações até o momento. Contudo, em meio a tanta polêmica e debates, acredita-se que alguns pontos precisavam ter sido considerados antes da aprovação e da publicação da lei: o primeiro deles, seria a necessidade de ter tido uma discussão profunda entre os interessados e o segundo, a identificação da importância de tal etapa não somente para as demandas futuras, mas também para as emergenciais de seu público. Nesse ponto, fazem-se urgentes questionamentos, tais como: • A reforma proposta pelo governo conseguirá resolver as falhas já detectadas no Ensino Médio atual? Acredita-se que infelizmente não, tendo em vista um debate rápido e desordenado. 252 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 • Existe algum modelo de Ensino Médio no Brasil que se aproxima do que se espera desta etapa escolar? Acredita-se que sim. Este modelo se chama: Técnico Integrado ao Ensino Médio e é sobre ele que este artigo irá tratar. 2. Desenvolvimento 2.1 A importância da última etapa do ensino básico Percurso historicamente renegado no conjunto das políticas públicas do Estado brasileiro, o Ensino Médio, segundo Carneiro (2012), tem sido entendido como preparação para a universidade, sem identidade própria. Entretanto, esta etapa possui peculiaridades, principalmente no que diz respeito ao aspecto emocional, que demandam atenção por parte daqueles que lidam diretamente com esta fase, como reforça Nosella (2016): A especificidade pedagógica do ensino de 2º grau decorre da peculiaridade psicológica de sua clientela que, implicitamente, exige da geração mais adulta uma sistemática e racional formação para o exercício da responsabilidade, da autonomia e da criatividade individual e coletiva. (...) O 2º grau é, portanto, um ensino marcadamente histórico e renovador e, dessa perspectiva, deve assumir sua autonomia didático-metodológica (NOSELLA, 2016, p. 21). Tanto na esfera pública, quanto na esfera particular, percebe-se a falta de sentindo deste período, que não deve ser destituída de seu compromisso de ser a última etapa da educação básica. Nos termos da LDB, Capítulo II, artigo 22, o estudante espera alcançar uma série de competências, tais como: preparação para o exercício de sua cidadania, subsídios para que possa progredir tanto no trabalho, quanto em estudos posteriores. No entanto, o que se percebe é um marketing exacerbado, referente principalmente ao Exame Nacional do Ensino Médio, dispensando sua importância por meio dos cursinhos pré-vestibulares. Segundo Carneiro, (2012) é importante que esta etapa não fique focada aos interesses econômicos e ao exame preparatório para o ensino superior, mas que trabalhe competências e habilidades voltadas para a cidadania participativa e crítica, para o trabalho humano, a democracia, a identidade e a justiça social. É necessário, nesse sentido, um conhecimento que contribua para a formação integral dos estudantes, voltado para a superação da dualidade existente entre cultura geral versus cultura técnica. Esse Ensino Médio deve ser conduzido de forma a incluir não somente o público a ele designado, mas também o EJA; à formação de cidadãos que possam compreender de forma crítica e reflexiva a realidade e o mundo do trabalho – alicerçado em conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais e humanísticos que contribuam para a transformação da sociedade em função dos interesses sociais e coletivos (BRASIL, 2007). Ainda sobre a dualidade na educação, da divisão entre trabalho intelectual e manual, educação 253 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 profissional versus escolas de formação geral, Gramsci propõe uma escola única, o que significa dizer “desinteressada”, que oportunizasse as mesmas condições de instrução a todos de forma equânime. Assim: A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha: escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo (GRAMSCI, 1991, p. 118). Saviani (2007), amparado nas reflexões de Gramsci, explicita a respeito da organização do Ensino Médio. Esta etapa, segundo autor, deve proporcionar aos alunos o conhecimento dos fundamentos das diferentes técnicas utilizadas na produção, e não o mero adestramento. Sendo assim, não à formação de técnicos especializados, mas de politécnicos – entendida como: (...) domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. Nessa perspectiva, a educação de nível médio tratará de concentrar-se nas modalidades fundamentais que dão base à multiplicidade de processo e técnicas de produção existentes (SAVIANI, 2007, p.161). Nessa perspectiva, segundo Moura (2007), os estudantes seriam formados não em cursos técnicos específicos, stricto sensu, mas em conhecimentos científicos gerais. A opção por um curso superior ou técnico só viria após a conclusão do ensino médio na visão politécnica, ou seja, a partir da maior idade ou mais tarde. Porém, será que a realidade brasileira conseguiria implementar a politecnia, e tudo que isso significaria materialmente falando, conforme mencionado? De acordo com Moura (2007) seria inviável, pois grande parte da população jovem precisa trabalhar para complementar seu rendimento familiar, ou até mesmo se autossustentar, antes mesmo dos 18 anos. Daí denota-se a importância de uma escolarização que contemple a formação de cidadãos éticos e políticos, cientes de seus direitos e deveres, comprometidos com a transformação social e a superação da dicotomia: trabalho manual versus trabalho intelectual. Nesse sentido, ainda reforçam Marx e Engels: Enquanto as circunstâncias em que vive este indivíduo lhe não permitem senão o desenvolvimento unilateral de uma faculdade à custa de todas as outras e lhe não fornecem senão a matéria e o tempo necessários ao desenvolvimento desta única faculdade, este indivíduo só atingirá um desenvolvimento unilateral e mutilado (MARX; ENGELS, 1978, p. 62). 254 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 Deve-se pensar o problema do ensino considerando que a dicotomia dos saberes e a incapacidade de articulá-los, uns aos outros, não permite desenvolver a qualidade da mente humana, tendo em vista a contextualização e a integração como premissas que precisam ser mais bem trabalhadas (produzindo sentido), e não tolhidas. (MORIN, 2003). “É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo complexus: que é tecido junto” (MORIN, 2003, p.89, itálico do autor). Gramsci (1991) aponta, também, para a necessidade de desenvolver nos educandos o elemento da responsabilidade autônoma, sinalizando que a aprendizagem “ocorre notadamente graças a um esforço espontâneo e autônomo do discente, e no qual o professor exerce apenas uma função de guia amigável, como ocorre ou deveria ocorrer na universidade (GRAMSCI, 1991, p. 154)”. Acerca da responsabilidade sobre a construção do conhecimento que seja significativo, da relação dialética entre o ensinar e o aprender, Paulo Freire (1998) nos fala da importância da autonomia como princípio pedagógico para uma educação libertadora. Para a qual os sujeitos se reconheçam como responsáveis por seu processo de conhecimento e de mudança social. Assim, “para Paulo Freire, autonomia é libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é um tempo de possibilidades” (MACHADO, 2008, p.56). Do ponto de vista pedagógico, de acordo com Araújo et al. (2010), construir um projeto em que os interesses da classe trabalhadora sejam relevados, considerando seu meio, suas necessidades, promovendo a integração entre formação intelectual-política e estratégias de educação para esta classe, é um desafio a ser enfrentado. Considera-se importante, então, pensar nas últimas notícias das políticas públicas que vêm sendo implementadas e qual o seu real objetivo. Será que estão comprometidas com aqueles que realmente necessitam delas? Ou será que a preocupação é atender a números estabelecidos por organismos internacionais e, consequentemente, perpetuar o status quo? 2.2 O Integrado no Brasil: resumo e legislação Na segunda metade da década de 1990, o futuro das Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica sinalizava novos percursos. Almejava-se a promoção de uma reforma estrutural baseada não somente em currículos técnicos, mas que dialogasse, ao mesmo tempo, com as demandas sociais e regionais. Porém, um ano após a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, o Decreto nº 2.208/971 muda os caminhos da “Reforma da Educação Profissional” (BRASIL, 2010). O referido decreto acentuava o dualismo (já existente no nível médio no Brasil) entre as disciplinas propedêuticas e profissionais nos cursos técnicos. Assim, o ensino técnico seria oferecido, prioritariamente, sob duas formas: con1 Tal decreto estabeleceu as bases da reforma da educação profissional. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 255 comitante, com matrículas distintas; e subsequente, em que o aluno conclui o ensino médio para depois ingressar nesta modalidade. Isso significou uma série de restrições, tanto na organização curricular e pedagógica, quanto na oferta desses cursos no país (BRASIL, 2010). O sonho da politecnia no Brasil, desse modo, ficou adiado. A manutenção dos cursos de ensino médio de caráter profissionalizante passou a ser um negócio de risco, pois: “se alguma unidade federada decidisse manter a versão integrada poderia fazê-lo, com apoio na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 9394/1996); o preço desta decisão, contudo, seria a de não receber recursos do convênio firmado pelo Banco Mundial” (KUENZER, 2003 apud CÊA, 2006). A formação para o trabalho, com o objetivo de elevar os níveis de escolaridade foi, dessa forma, desarticulada durante a vigência do Decreto nº 2.208/97 (CÊA, 2006). Tal financiamento foi materializado por meio do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP). O PROEP tinha um papel de tornar a Rede Federal mais competitiva, o que significa dizer que, ao prestar serviço à comunidade, poderia também autofinanciar-se, desonerando aos poucos o Estado de sustentá-la. Nesse sentido, os projetos institucionais que sugerissem propostas relacionadas ao Ensino Médio eram rejeitados (BRASIL, 2007). A Portaria 646/97, revogada apenas em 2003, estabelecia que a oferta de vagas para cursos de Ensino Médio, conjugado à Educação Profissional, no ano de 1998, cairia pela metade da oferta disponibilizada em 1997, tendo um teto de, no máximo, 50%. Ou seja, tal portaria reduziu de forma considerável a proposta anterior (BRASIL, 2007), conforme artigo terceiro: Art. 3º - As instituições federais de educação tecnológica ficam autorizadas a manter ensino médio, com matrícula independente da educação profissional, oferecendo o máximo de 50% do total de vagas oferecidas para os cursos regulares em 1997, observando o disposto na Lei nº 9394/96 (PORTARIA MEC 646/1997, Art. 3º). Com a substituição do Decreto nº 2.208/97 pelo Decreto 5.154/04, novas medidas são editadas para a Educação Profissional e Tecnológica. Assim, fortaleceu-se a possibilidade, já indicada pela LDB, de ofertar o Ensino na modalidade Integrada (articulado ao Ensino Médio, com a formação para o trabalho)2, permanecendo, também, a oferta de formação nas modalidades concomitante e sequencial (CÊA, 2006). Logo, a proposta de matrícula independente, passa a ser de matrícula única: Art. 4° A educação profissional técnica de nível médio, nos termos dispostos no § 2° do art. 36, art. 40 e parágrafo único do art. 41 da 2 256 Entende-se por trabalho em seu sentido ontológico: “como práxis humana e, então, como a forma pela qual o homem produz sua própria existência na relação com a natureza e como os outros homens e, assim, produz conhecimentos.” (RAMOS, 2007). Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 Lei no 9.394, de 1996, será desenvolvida de forma articulada com o ensino médio, observados: I - os objetivos contidos nas diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação; II - as normas complementares dos respectivos sistemas de ensino; e III - as exigências de cada instituição de ensino, nos termos de seu projeto pedagógico. § 1° A articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-se-á de forma: I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno [...] (DECRETO 5154/04, Art. 4º). Diante do exposto, a Educação Profissional Técnica Integrada ao Ensino Médio, antes no plano das experimentações, materializou-se e pode vislumbrar novos caminhos. Exemplo disso foi o processo denominado “ifetização”, conhecido como a transformação das Escolas Agrotécnicas Federais e dos Centros Federais de Educação Tecnológica, em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Este fato esteve relacionado ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e culminou, no final de 2008, mais precisamente em 29 de dezembro de 2008 (Lei nº 11. 892), na criação de trinta e oito Institutos Federais em todo o Brasil, dentre eles o IFTM – Instituto Federal do Triângulo Mineiro. A Lei nº 11.892/2008 preconizou que os Institutos deveriam, entre outros objetivos, instaurar e promover a pesquisa, desenvolver as regiões onde seus Campi estão inseridos, oferecer cursos de licenciaturas, de graduação e pós-graduação e, ainda, reservar 50% de suas vagas para o ensino técnico de nível médio, prioritariamente na Modalidade Integrada. Dando ênfase, portanto, a tal configuração de ensino. No mesmo período, ainda no segundo mandato do então presidente Luís Inácio Lula da Silva (2007-2010), algumas questões relacionadas à educação profissional foram aprofundadas, também, em outros entes federativos. O Programa Brasil Profissionalizado, concretizado pelo Decreto nº 6.302 de 12 de dezembro de 2007, foi o primeiro, segundo Cêa e Silva (2013), a ter um financiamento por parte do governo federal nos estados, nos municípios e no Distrito Federal que pretendeu: (...) estimular o ensino médio integrado à educação profissional, enfatizando a educação científica e humanística, por meio da articulação entre formação geral e educação profissional no contexto dos arranjos produtivos e das vocações locais e regionais (DECRETO 6302/07, Art. 1º). 257 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 De acordo com Moura et al. (2015) o programa fomentou e desenvolveu ações de expansão, ampliação e modernização das escolas estaduais, objetivando expandir e ampliar a oferta de cursos, principalmente do técnico integrado à educação profissional. Assim, ficou acordado que a União iria financiar a infraestrutura necessária enquanto os estados assegurariam algumas contrapartidas, como a criação ou adequação do quadro docente. Apesar disso, em relação principalmente às disciplinas específicas isso não ocorreu, e o curso técnico de nível médio continuou sem avançar em muitos estados, conforme pesquisa abaixo explicitada. O Brasil Profissionalizado foi regulado pela Resolução/FNDE/CD/nº 062/2007, que estabeleceu as diretrizes para a assistência financeira a Estados, Distrito Federal e Municípios, com uma série de exigências, dentre elas, a adesão dos convenentes ao Compromisso Todos Pela Educação3. O Programa contemplou, entre 2007 até janeiro de 2016, 24 estados. Segundo informação disponível no site do Ministério da Educação ( MEC): “foram concluídas 342 obras, sendo 86 novas escolas, 256 ampliações e/ou reformas. Ainda foram entregues 635 laboratórios para aulas práticas”. No âmbito do sistema federal, constata-se a presença do Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio, em todos os estados da federação. Em recente pesquisa realizada no período de agosto a setembro de 2016, identificou-se que 85% do país ofertavam a modalidade integrada a nível estadual4. Dentre os estados supracitados, alguns chamam a atenção pela quantidade de escolas Técnicas Integradas, como é caso da Bahia (78), em relação a outros, como Minas Gerais (15) e Rio Grande do Norte (16). É importante ressaltar também que, seja de forma cooperativa, como o estado de Rondônia - que oferta cursos com mediação tecnológica pelo IFRO - seja por meio de autarquias estaduais, como é o caso do Acre (Instituto de Desenvolvimento da Educação Profissional Dom Moacyr Grechi), todos os estados (sem distinção) possuem algum contato com a educação profissional, o que, de certa forma demonstra a importância que se dá a tal modalidade de educação profissional. Considerações finais A Educação Profissional Técnica Integrada ao Nível Médio é uma modalidade oferecida àqueles que já tenham concluído o ensino fundamental e tem como objetivo: habilitar profissionalmente o aluno ao final da educação básica. 3 258 O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação são 28 diretrizes pautadas em resultados de avaliação de qualidade e de rendimento dos estudantes. O decreto nº 6094, de 24 de abril de 2007 dispõe sobre esta implementação. 4 Não possuem ETIEM os estados de Rondônia, Roraima, Amapá e Amazonas. Todos os estados que possuem Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio também oferecem tal modalidade de forma regular. 5 Foi implementada, em 2016, na cidade de Brazópolis, uma escola de Ensino Técnico integrado ao Ensino Médio que, atualmente, conta com três turmas. 6 Segundo informações obtidas, o estado possui uma escola de Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio, com 20 turmas. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 O Integrado visa, sobretudo, a formação omnilateral dos sujeitos, buscando integrar todas as dimensões da vida no processo educativo, quais sejam: trabalho, cultura e ciência – trabalho em seu sentido ontológico e como prática econômica; cultura que orienta, por seus valores éticos e estéticos, as normas de conduta de uma sociedade; ciência, concebida como os conhecimentos produzidos pela humanidade, que possibilita o avanço das forças produtivas (BRASIL, 2007). Não significa, assim, a mera junção da educação profissional à educação básica. Segundo Ramos (2007), ao formar profissionalmente um aluno, o exercício do trabalho precisa ser um dos objetivos, mas não o principal. Devem ser incorporados valores ético-políticos, conteúdos históricos e científicos, que adjetivam a práxis humana, habilitando-os para exercerem de forma autônoma e crítica sua profissão, proporcionando-lhes à compreensão das dinâmicas sócio produtivas das sociedades modernas. Mais que priorizar o desenvolvimento do mercado e o fortalecimento da economia, tal modalidade, integrada, busca superar o modelo socioeconômico vigente, beneficiando o trabalhador e suas relações com o meio em que vive. Nesse sentido, porém, não se busca apenas suprir a necessidade imediata do trabalho, nem se concentra na vertente propedêutica, ela compreende uma forma orgânica num mesmo currículo. Tal modalidade tem como características principais: a formação com o objetivo ético, técnico e político, que contribua para a transformação social; a superação da dicotomia trabalho manual versus trabalho intelectual e a formação de trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. O que se quer, portanto, é que a concepção de educação integrada seja um núcleo sólido. Ou seja, que a educação geral se torne indivisível da educação profissional em todos os campos onde se dê a preparação para o trabalho. Percebe-se que ainda se faz necessário desmistificar algumas concepções equivocadas de autores que, por não conhecerem ações que buscam minimizar a problemática da dualidade que o nosso sistema educacional enfrenta, acabam por terem uma visão distorcida, a respeito da proposta de Educação Profissional, especificamente da modalidade Integrada ao Ensino Médio, como o caso de Nosella (2016, p. 135) ao dizer “(...) é preciso afirmar que não existe complementaridade curricular entre o Ensino Médio de elevada qualidade e o ensino profissionalizante popular, mas oposição: o primeiro é para os dirigentes e o segundo para os dirigidos” Nesse sentido, é importante ressaltar que o Ensino Médio não deve ser profissionalizante do ponto de vista do “adestramento em uma determinada habilidade sem o conhecimento dos fundamentos dessa habilidade e, menos ainda da articulação dessa habilidade com o conjunto do processo produtivo” (SAVIANI, 2007, p.161). Como já dito anteriormente, isso não significa a mera junção da educação profissional à educação básica. Mais que priorizar o desenvolvimento do mercado e o fortalecimento da economia, tal modalidade, integrada, busca superar o modelo socioeconômico vigente, beneficiando o estudante que precisa trabalhar e suas relações com o meio em que vive. Nesse sentido, porém, busca-se não Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 259 apenas suprir a necessidade imediata do trabalho, nem se concentra na vertente propedêutica, ela compreende, assim, uma forma orgânica num mesmo currículo. Assim, são colocadas em discussão as finalidades desta etapa ou, ainda, sobre o que lhe dá sentido: conhecimentos e sujeitos. Conhecimentos que são construídos socialmente ao longo da história e constitui o patrimônio da humanidade. Sujeitos que possuem uma vida, uma história e uma cultura. Que têm suas próprias necessidades, porém lutam por direitos universais (RAMOS, 2007). “(...) uma educação para além do capital pressupõe, em última análise, a própria derrocada do capital. A educação que toma o trabalho como princípio educativo já é um passo nessa direção” (ARAÚJO E RODRIGUES, 2010, p.61). Em defesa do Ensino Médio É preciso ter em mente, nesse sentido, que a última etapa da educação básica não pode ser apenas preparação para ingressar no Ensino Superior, como também não pode ser apenas preparação para o mercado de trabalho. Ela corresponde geralmente ao período da adolescência, faixa etária extremamente importante para o desenvolvimento humano, de cujas demandas específicas precisavam ter encontrado respaldo na discussão sobre qual modelo de Ensino Médio o Brasil deveria adotar. Assim como nos diz Carneiro (2012), é importante que esta etapa não fique focada aos interesses econômicos e ao exame preparatório para o ensino superior, mas que trabalhe competências e habilidades voltadas para a cidadania participativa e crítica, para o trabalho humano, a democracia, identidade e justiça social. Tanto na esfera pública, quanto na esfera particular, percebe-se a falta de sentindo deste período, que não deve ser destituído de seu compromisso de ser a última etapa da educação básica. Assim, seria importante que o debate político educacional, acerca da reforma do ensino médio, tivesse sido estendido a todos, amplamente, e não somente a uma parcela minoritária da população que, sequer, usufruirá de tal direito. Segundo Frigotto et al. (2012) é neste nível de ensino, que se manifesta de forma mais evidente a oposição entre o capital e o trabalho, expressa no dilema de identidade desta etapa: ela dedica-se à formação propedêutica ou à preparação para o trabalho? Eis o velho dualismo histórico dessa etapa de escolarização. Esta dúvida deve-se, principalmente, em função das novas demandas do mercado, da necessidade de qualificação do trabalho frente à modernização, da automatização dos equipamentos e da participação dos trabalhadores nas tomadas de decisões. Nesse sentido, grande parte da população tem no Integrado uma oportunidade que, em função da necessidade de antecipar sua inserção no mercado de trabalho, o faz a partir da formação profissional de nível técnico. Após a pesquisa, constatou-se que o Integrado se encontra tanto a nível federal, quanto estadual e até mesmo municipal em todos os estados do Brasil, o que, de certa forma, demonstra a importância que se dá a tal modalidade de educação profissional. 260 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 Assim, este artigo pretendeu mostrar que há uma diversidade de perspectivas coexistentes num mesmo país, o que indica a falta de foco nesta última etapa da educação básica. Dentro do debate acerca da reforma nacional do Ensino Médio e diante do exposto, acredita-se que a modalidade que melhor possa suprir tais carências, possibilitar aos jovens o entendimento científico, tecnológico e sociocultural; aumentar sua escolarização e melhorar sua qualidade de formação, seja o Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio. Porém, muito se tem a perder, caso a Educação Profissional Técnica Integrada ao Ensino Médio venha a aderir à Lei nº 13.415, sobretudo pela defesa do governo de uma formação aligeirada e politicamente descomprometida, sob o risco de afastar a convergência entre a educação básica e a educação profissional. Referências ARAÚJO, R. M. L.; RODRIGUES, D. S. Referências sobre práticas formativas em Educação Profissional: o velho travestido de novo ante o efetivamente novo. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 36, n.2, maio/ago. 2010. Disponível em: <http:// www.bts.senac.br/index.php/bts/article/view/218/201>. Acesso em: 13 abr. 2017 BRASIL. 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Acesso em: abr. 2017. - Camila Cunha Oliveira Giordani Currículo: http://lattes.cnpq.br/7913971385381852 - Ricardo de Oliveira Ramalho Currículo: http://lattes.cnpq.br/0559083211415956 - Luciano Marcos Curi Currículo: http://lattes.cnpq.br/6230715943028936 263 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 251-263, 2018 Filosofia e Didática: Intermezzo1 TeóricoMetodológico sobre o fazer filosófico no Ensino Médio ALMEIDA, Francis Silva de. Resumo: Este texto retoma parte das análises realizadas durante a pesquisa de Mestrado Filosofia e fazer filosófico no ensino médio: ressonâncias e deslocamentos em Deleuze-Guattari, levada a efeito em dezembro de 2016, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Contextualizada pelo âmbito da linha de pesquisa Fundamentos e Práticas Educacionais, a pesquisa teve como objeto de investigação o ensino da filosofia e o fazer filosófico no ensino médio, e seu objetivo foi examinar em que medida os sentidos atribuídos pelos professores de filosofia do ensino médio ao fazer filosófico têm provocado a possibilidade de uma “pedagogia do conceito”. A articulação teórica que nos baliza neste trabalho foi realizada nas obras de Deleuze (1992, 2006), Deleuze; Guattari (1995, 2005), Marcondes (2004), Silveira (2007), Rodrigo (2009) e Gallo (2010). Nesse ínterim, as discussões que se destacam situam-se no campo da didática, especialmente no que diz respeito aos recursos, ao planejamento e as unidades teórico-metodológicas que orientam o fazer filosófico em sala de aula. Palavras chave: Ensino da filosofia; Ensino Médio; Didática. Abstract: This text reproduces part of the analyzes carried out during the Master’s research Philosophy and philosophical practice in high school: Resonances and displacements in DeleuzeGuattari project carried out in December 2016, with the Post-graduate Program in Education of the Federal University of Triângulo Mineiro. It was contextualized by the scope of the research line Fundaments and Educational practices, the present study had as object 1 O termo intermezzo diz respeito aos novos espaços de produção que se originam da conexão entre os pontos de um rizoma. Segundo Deleuze e Guattari (1995, p. 37), “um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. [...] o rizoma tem como tecido a conjunção „e... e... e...”” (grifo dos autores). O rizoma é o espaço da variação, do possível, da criação, dos deslocamentos que revelam o movimento à luz de um duplo registro. De um lado, remetendo-nos à ideia de multiplicidade, o rizoma desconstrói as estruturas estanques e hierarquizadas do conhecimento, suprimindo os aspectos do poder e da importância e das prioridades da circulação, características próprias do paradigma arbóreo (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Do outro, como uma miríade de pequenas raízes emaranhadas, o rizoma coloca em evidência as múltiplas possibilidades de conexões, aproximações, cortes, percepções. É, portanto, um “e... e... e...” que indica um movimento potencial de atravessamentos e intersecções entre os seus inúmeros devires. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 265 of investigation the teaching of philosophy and the philosophical doing in high school, and its objective was to examine to what extent the meanings attributed by the teachers of philosophy of high school to make philosophical have provoked the possibility of a “pedagogy of the concept”. The theoretical articulation in this work was made in the works of Deleuze (1992, 2006), Deleuze and Guattari (1995, 2005), Marcondes (2004), Silveira (2007), Rodrigo (2009) and Gallo (1999). In the meantime, the discussions that stand out are in the field of didactics, especially with regard to resources, planning and the theoretical-methodological units that guide the philosophical doing in the classroom. Keywords: Philosophy teaching; High school; Didactic. 1. Introdução Em junho de 2008, a publicação da Lei 11.684 reconduziu a filosofia ao quadro curricular do Ensino Médio, atribuindo-lhe o estado de componente obrigatório em todas as suas séries. Esse evento, rompendo um hiato de quatro décadas em que o fazer filosófico esteve distante da educação básica, expôs a necessidade de reorientar de modo ainda mais radical a pesquisa sobre a filosofia como campo de ensino no nível médio. Nesse cenário, as questões reportadas aos conteúdos e às metodologias do ensino da filosofia ganharam matéria e se destacaram como objetos prioritários de sua pesquisa. O que ensinar para que o jovem aluno do ensino médio se sinta seduzido pela filosofia? Há paradigmas a serem seguidos? O que priorizar: os conteúdos da história da filosofia ou os diferentes problemas que tematizam o pensamento filosófico? O ensino de filosofia está submetido às formas didáticas tradicionais ou existem formas próprias para o fazer filosófico no ensino médio? São questões que exemplificam e ensaiam uma descrição dos traços da pesquisa acadêmica sobre a filosofia e o seu ensino na última década. Outras questões, contudo, têm acentuado uma relevante tendência nesse âmbito da pesquisa. Assim, ao indagarmos: qual o papel do professor-filósofo no ensino médio? O que significa o filosofar como ofício do ensino, o que é o pensamento? Ou, ainda: o que acontece quando a filosofia se põe em relação com a não-filosofia? Referimo-nos a questões que se colocam nos domínios da política e da epistemologia e que evidenciam o fazer filosófico não só como ato de resistência aos processos de massificação e exclusão, mas também os sentidos e as formas teóricas próprias que caracterizam a vocação radical, crítica e criativa da filosofia. Com efeito, verificamos que o enfoque pedagógico, político, epistemológico ou das interfaces construídas entre essas questões, exprimem, em última análise, as ressonâncias de uma pesquisa voltada antes para os sentidos da filosofia e do fazer filosófico no ensino médio como atenção constante aos modos de expressão do pensamento. Daí, então, a necessidade de exceder as questões orientadas pela natureza do currículo para alcançar as dimensões do fazer filosófico como proposição que justifique o ensino da filosofia enquanto parte essencial de uma proposta formativa. Significa dizer que os sentidos e os objetivos da filosofia no ensino médio devem convergir esforços que afirmem um fazer filosófico pautado numa 266 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 experiência de pensamento capaz de negar a natureza legisladora do próprio conhecimento, pois “[...] para além do conteúdo concreto a ser ensinado, o que está em questão é, antes, a necessidade de tornar familiar ao estudante um certo modo de pensar” (BRASIL, 1999, p. 50). Seguindo o itinerário das discussões aqui introduzidas, propomos resgatar parte das análises realizadas durante a pesquisa de Mestrado Filosofia e fazer filosófico no ensino médio: ressonâncias e deslocamentos em Deleuze-Guattari. Para tanto, elegemos como recorte a unidade de contexto “Filosofia e fazer filosófico no ensino médio”, tendo em conta as discussões que se constituem no campo da didática, especialmente no que diz respeito aos recursos, ao planejamento e as unidades teórico-metodológicas que orientam o fazer pedagógico em sala de aula. 2. Sintése do percurso metodológico e da produção de dados A identificação dos sujeitos participantes da pesquisa foi realizada em face dos dados obtidos junto à Divisão de Recursos Humanos – DIVRH, da Superintendência Regional de Ensino de Uberaba-MG, não tendo sido utilizado como critério de nominação, a situação profissional (efetivos ou contratados) dos mesmos. A produção dos dados ocorreu mediante a proposição de questionário escrito para os professores graduados em filosofia e atuantes nas escolas de ensino médio da rede pública em Uberaba-MG. Dos onze professores identificados pela DIVRH da SER/Uberaba, somente sete aceitaram o convite e participarem da pesquisa respondendo por escrito um questionário de roteiro misto (GIL, 2010) que lhes foi proposto também por escrito. A proposição do questionário possibilitou-nos não só construir um importante diálogo com as diferentes impressões e percepções que os sujeitos possuem das variáveis da pesquisa, como, sobremaneira, permitiu-nos alcançar esses modos de expressão da subjetividade, das crenças e dos valores que constituem os aspectos mais particularizados da realidade desses sujeitos, sem que corrêssemos o risco da exposição dos pesquisados à influência do pesquisador e sem que o processo final resultasse num acúmulo de informações que, muitas vezes, não oferecem uma clara visão da perspectiva do sujeito, inviabilizando os procedimentos de análise. A opção que assumimos pela análise temática como técnica de pesquisa inscrita no âmbito da metodologia da análise de conteúdo se respalda pelo fato de que, constituindo-se como uma operação de classificação de elementos por diferenciação e, seguidamente, pelo reagrupamento desses elementos segundo o seu gênero, esse procedimento pareceu-nos, ante a realidade do que propomos, a alternativa mais adequada à análise do conteúdo dos valores, das opiniões, das atitudes e das crenças produzidas por meio de dados qualitativos. Quanto ao processo de codificação, a criação dos núcleos de sentido ocorreu em função da expressão dos sentidos implícitos nas unidades de registro. No que tange às questões fechadas e de classificação de valor, desenharam-se como unidades de sentido os dados cuja presença ou frequência de aparição configuraram as impressões acerca da realidade estudada. 267 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 268 Acompanhando os pressupostos metodológicos apresentados por Bardin (2010), a condução da análise dos dados envolveu as seguintes etapas: (i) na pré-análise foi estabelecido o primeiro contato com os documentos e a constituição do corpus, a sistematização das ideias iniciais dispostas pelo quadro referencial teórico e a pormenorização dos indicadores para a interpretação dos dados produzidos por meio dos questionários; (ii) na exploração do material foram realizados os recortes dos textos em unidades de registros, sua codificação em unidades de sentido e a agregação das informações nas unidades temáticas a priori, obedecendo ao processo de classificação disposto no instrumento da pesquisa; (iii) na etapa de inferência e interpretação foram designados e assimilados os conteúdos semânticos potenciais contidos nas unidades de contexto. A produção de dados, cuja análise apresentamos neste texto sob a forma de notas, foi realizada conforme a descrição a seguir. Quanto aos recursos didáticos no ensino de filosofia em nível médio, foram construídas as seguintes unidades de registro intermediárias: exposição oral dos conteúdos; exposição dialogada dos conteúdos; sensibilização dos temas; problematização dos temas; construção de diálogos em torno das diferentes perspectivas de um tema e/ou problema; debates e júri simulado; livro didático; leitura dos textos filosóficos; elaboração de textos filosóficos; construção de portfólios de leitura e aprendizagem; cinema, música e literatura e livros paradidáticos. Essas, por seu lado, foram inseridas no questionário na forma de uma questão de classificação, onde os professores sujeitos da pesquisa indicaram, de acordo com o uso que fazem destes recursos, a seguinte ordem de recorrência: 2 para o que mais utilizam, 1 para o que utilizam eventualmente e 0 para o que não utilizam. Tendo em conta a frequência de aparição dos recursos didáticos, conforme a recorrência 2/1/0, a unidade de sentido - Como ensinar?, evidenciou que as aulas de filosofia têm se orientado, basicamente, na problematização dos temas a serem abordados, na exposição oral ou oral dialogada dos conteúdos e na leitura de textos filosóficos. O uso de recursos primários como os livros didático e paradidáticos tem sido eventual ou não tem se concretizado. O uso de recursos alternativos como a linguagem cinematográfica, musical ou literária, a construção de portfólios de leitura e aprendizagem, os debates e júri simulado ocorrem eventualmente ou não ocorrem. Chamou-nos atenção o fato de que tanto a sensibilização dos temas, como a elaboração de textos filosóficos ocorrem apenas de modo eventual, ou não ocorrem. No tocante ao problema do planejamento das aulas, construídas as seguintes unidades de registro intermediárias: o Conteúdo Básico Comum – CBC/ Filosofia; o livro didático e outras orientações teórico-metodológicas. Essas, por sua vez, foram apresentadas no questionário na forma de uma questão de múltiplas alternativas, possibilitando aos sujeitos pesquisados indicarem uma ou mais opções dentre as unidades teórico-metodológicas utilizadas para o planejamento das aulas de filosofia. A construção da unidade de sentido Forma e conteúdo do ensino: planejamento indicou que, quanto planejamento das aulas, os professores respondentes Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 do questionário têm se valido do CBC/Filosofia2 e do livro didático; nenhum professor pesquisado indicou o uso de outras orientações teórico-metodológicas durante o planejamento das aulas. Quanto à discussão sobre as unidades teórico-metodológicas que orientam o fazer pedagógico em sala de aula, foram construídas as seguintes unidades de registro intermediárias: temas, problemas e história da filosofia. No questionário respondido pelos professores sujeitos da pesquisa, essas unidades foram inseridas na forma de uma questão objetiva em que foi solicitado ao professor respondente assinalar apenas uma classe e indicar, na classe assinalada, o/s conteúdo/s privilegiado/s nas atividades de ensino. A construção da unidade de sentido levou em consideração o critério da frequência de aparição das unidades teórico-metodológicas e seus respectivos conteúdos. A unidade de sentido - O que ensinar? sinalizou a recorrência do uso dos temas e da história da filosofia como orientação sobre o conteúdo a ser ensinado; nenhum professor pesquisado indicou o uso dos problemas da filosofia como orientação teórico-metodológica para o ensino da filosofia. 1. Em que pese à liberdade do professor de escolher os procedimentos de ensino com os quais se identifica e que julga serem os mais apropriados para o desenvolvimento de determinados conteúdos, a opção dos professores respondentes do questionário pela exposição oral ou oral dialogada dos conteúdos da filosofia, coloca em destaque uma importante questão: a centralização do ensino nas tradicionais práticas de oralidade como instrumento de transmissão dos conteúdos. Trata-se de uma questão que tem se demonstrado indispensável aos estudos da didática, justamente porque coloca sob suspeita uma relação de ensino e aprendizagem baseada mais na assimilação e reprodução do conhecimento do que propriamente não sua crítica e reelaboração. Convém ilustrar que, desde a proposição das teorias pedagógicas modernas, o foco do debate sobre o ensino foi deslocado para o aluno com o objetivo de evidenciar o processo da aprendizagem como espaço de interlocução autônoma e emancipatória do sujeito que aprende. Parece-nos claro que abordar as questões relativas aos procedimentos de ensino não seja algo simples. Pelo contrário, destacamos a sua complexidade por compreendermos não só o movimento de circularidade intencional entre professor e aluno, mas, sobremaneira, que o uso de determinadas práticas de ensino se relaciona de forma direta com as concepções que se tenham formadas sobre o que significa ensinar. No caso específico da filosofia, o sentido do ensino como prática fundada sobre a exposição oral nos alerta para uma prática instrutiva e propedêutica, como a que orientou o fazer filosófico em toda a história da educação brasileira. A trans2 Partindo das disposições do Parecer CNE/CEB nº 38/2006, da Resolução CNE/CEB nº 04/2006 e das orientações para o ensino de filosofia, publicadas no terceiro volume das Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Ciências humanas e suas tecnologias (BRASIL, 2006), a Secretaria de Estado de Educação do Governo de Minas Gerais, a par do trabalho de seus consultores, apresentou em 2007 uma proposta de Conteúdo Básico Comum – CBC com o objetivo de oferecer parâmetros para o ensino de filosofia no ensino médio. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 269 missão dos conhecimentos concernentes a uma tradição filosófica pré-existente enfatiza uma conduta pedagógica ajustada à clássica ideia do mestre, aquele a quem se remete a responsabilidade de tornar o conteúdo ensinado acessível àquele que aprende. Nessa perspectiva, o ensino da filosofia “apresenta exemplarmente o discurso docente como um pensamento que se exercita diante dos alunos [expressando] uma crença didática muito antiga e arraigada na classe docente, segundo a qual o aluno aprende a filosofar ouvindo o mestre” (RODRIGO, 2009, p. 72). Não defendemos aqui o desuso da exposição oral ou oral dialogada dos conteúdos filosóficos. Ao contrário, registramos a sua validade como forma de demonstrar o envolvimento pessoal do professor ao apresentar os seus modos de contextualizar e elaborar esse conhecimento. Em vista disso, a exposição oral e oral dialogada dos conteúdos pode ser utilizada como recurso de exemplificação das formas de organização do pensamento e, consequentemente, de orientação da aprendizagem. Destacamos ainda que, mesmo quando acompanhada de procedimentos fundamentais ao seu ensino, como, por exemplo, a problematização dos conteúdos e o uso do texto filosófico, o recurso da aula expositiva ou expositiva dialogada carece de aproximar-se o quanto for possível do sentido mais profundo do fazer filosófico: a busca. Nesse contexto, o que se destaca não é outra coisa senão uma determinada concepção de filosofia a ser ensinada. Assim, à medida que corroboramos em Deleuze e Guattari (2005) uma concepção de filosofia como teoria da multiplicidade, o fazer filosófico, como o próprio ato de filosofar, deve alinhar-se ao sentido da busca como expressão da postura crítico-reflexiva e de inserção criativa no mundo, através do pensamento. Acerca disto, Marcondes (2004, p. 55-56) assim se pronuncia: O buscar nos transforma, faz-nos mudar de atitude em relação ao que sempre fomos, revela as nossas insatisfações, nos impulsiona a atingir uma nova visão das coisas. [...] Nesse sentido não podemos ensinar a filosofia, já que não se trata de algo pronto ou acabado, de um conteúdo informativo que pode ser transmitido e reproduzido. Mas pode-se ensinar a filosofar no sentido de motivar ou impulsionar para a busca. Nesse ponto, destacamos de modo problemático o uso eventual ou o não uso tanto dos recursos considerados primários, como os livros didático e paradidático, quanto das linguagens alternativas da literatura, da música e do cinema como apoio metodológico para o fazer filosófico. Entretanto, destacamos de modo ainda mais contundente o fato de que tanto a sensibilização dos temas como a elaboração de textos filosóficos ocorrem apenas de modo eventual, ou não ocorrem. Notamos: quando o professor de filosofia assume a prerrogativa do ensino como prática de oralidade, mas não identifica o ponto de partida do processo de ensino-aprendizagem com a sensibilização do aluno, o que se cria é um intenso desinteresse pelo fazer filosófico (RODRIGO, 2009). A didática centrada 270 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 no professor que exercita o seu pensamento diante do aluno não cumpre a tarefa de despertar o interesse pelo fazer filosófico como experiência concreta de pensamento. O interesse do aluno do ensino médio pelo fazer filosófico precisa ser construído. Referimo-nos a um processo que se orienta de forma projetiva, como criação de atos de reconhecimento: estabelecer relações entre o saber filosófico, as experiências e as referências culturais levadas à sala de aula pelo próprio aluno. Construir interesses é despertar virtualidades, relações intensas que ligam pontos, criam conexões entre pessoas, entre coisas, entre problemas; é provocar o que está entre como o que se põe à análise e compreensão em sua articulação com diferentes percepções. O espaço da sensibilização como construção de interesses é precisamente o momento em que o problema filosófico é posto em perspectiva. A sensibilização é a ação provocativa capaz de mover inquietações e suscitar no aluno a intrusão do signo que força e introduz o pensamento no ato de pensar (DELEUZE, 2006). Sua ação resulta das diferentes formas de experimentação do signo como corpo impregnado de sentido. Sensibilizar é dar origem ao movimento crítico-criativo do pensamento como experiência de singularidade, de associações subjetivas que ligam o sujeito às suas percepções, experiências, conhecimentos e valores: algo que, como temos notado, exige a reinvenção dos modos de ser professor. 2. Ao encontro desses apontamentos, verificamos a existência de uma realidade que, consonante a esse cenário, nos chama a atenção tanto para o distanciamento entre a formação específica em filosofia e a preparação didático-pedagógica essencial ao exercício do ensino quanto para a reprodução dos modelos construídos ao longo da formação inicial. Há, portanto, uma primeira questão: a dicotomia entre o que ensinar e como ensinar. Nesse aspecto, não é raro que os cursos de licenciatura em filosofia privilegiem a formação de especialistas em prejuízo da formação de professores. A despeito da importância do fazer filosófico como exercício do pensamento no ensino médio, temos observado uma hierarquização dos objetos de estudo da filosofia e, em consequência disso, a estratificação por grau de importância dos temas e dos problemas centrais da filosofia e de sua história em detrimento das questões pedagógicas relacionadas ao ensino. Segundo Rodrigo (2009, p. 71), “o trabalho docente costuma parecer muito modesto aos olhos do pesquisador ou do especialista, uma postura elitista que não se sustenta quando leva em conta sua relevância para a consolidação de um projeto democrático de acesso ao saber”. Há, ainda, uma segunda questão: a tendência de se reproduzirem, nas práticas de ensino, o modelo do mestre: aquele que toma para si, como dever do ofício, a tarefa de dar transparência às ideias no plano epistemológico, tornando o conhecimento acessível ao discípulo. O risco que aqui notamos diz respeito à reprodução da ideia de que a filosofia consiste em um trabalho intelectual muito difícil e, por isso, inacessível àqueles que não são especialistas. A esse respeito, alerta Silveira (2007, p. 80): “[...] essa maneira de conceber a filosofia constitui uma outra forma de preconceito, igualmente conservadora, cujo resultado é sua Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 271 banalização, sua desqualificação”. Não se trata, portanto, de liquidar a história das ideias ou a tradição do filósofo, mas, ao contrário, de torná-las acessíveis na medida em que a sensibilização dos problemas que nos cercam evidencia o sentido da busca e o desejo pelo conhecimento. O aspecto problemático dessas questões toma contornos bastante claros exatamente porque dimensionamos o ensino da filosofia no ensino médio sobre duas formas teóricas: pensar sem pressupostos (DELEUZE, 2006) e criar conceitos (DELEUZE; GUATTARI, 2005). A experiência como acontecimento singular, é aquilo que, ao acontecer ao sujeito, transforma-lhe. É uma película de intensidade, como a condição de encontro com um signo que atravessa seu pensamento, suas ideias e faz com que já não possa mais ser o mesmo. Segundo Deleuze e Guattari (2005, p. 143), “pensar é experimentar, mas a experimentação é sempre o que se está fazendo – o novo, o notável, o interessante que substituem a aparência de verdade e são mais exigentes que ela”. Sobre esse sentido, destacamos que não há maneira de pensar que não seja igualmente a maneira de realizar uma experiência flexiva de tempo e modo. A experiência do pensamento é a experiência de fazer filosofia. É, portanto, o próprio fazer filosófico como ato concreto, permeado pela intencionalidade, pelos desejos, pelos discursos e pela singularidade dos sujeitos. Por seu lado, a criação de conceitos decorre de um processo de existencialização do pensamento. Em outras palavras: a atividade de criação de conceitos não se produz de modo abstrato, mas na forma imanente e consonante com que as relações se tecem na própria imanência. A filosofia cria conceitos a partir da posição sempre nova dos problemas, e o modo como se articulam os novos problemas constitui seu estatuto pedagógico. Em suma, o que está em jogo é a produção de conceitos sempre novos e capazes de responder ao apelo de problemas reais. A esse respeito, Deleuze e Guattari (2005, p. 16) afirmam: Os conceitos têm sua maneira de não morrer, e todavia são submetidos a exigências de renovação, de substituição, de mutação, que dão à filosofia uma história e também uma geografia agitadas, das quais cada momento, cada lugar se conservam, mas no tempo, e passam, mas fora do tempo. 272 Quando afinado com essa perspectiva, o fazer filosófico no ensino médio inclui no horizonte de seu plano a forma do conceito (filosofia), a função do conhecimento (ciência) e a força da sensação (arte). Para Deleuze e Guattari (2005), a filosofia, a ciência e a arte constituem as três potências do pensamento quando “traçam planos sobre o caos” (DELEUZE; GUATTARI, 2005, p. 260). Este traço sobre o caos, conforme sugerem os filósofos, diz respeito à busca pela criatividade como função criadora própria do pensamento como “gênese do ato de pensar no próprio pensamento” (DELEUZE, 2006, p. 203). Destarte, parece-nos claro que quando assumimos esta orientação, a apropriação e o uso de diferentes linguagens e recursos de ensino se demonstra Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 fundamental para a promoção do encontro com aquilo que nos força a pensar e nos aproxima da atividade criativa com a qual identificamos a filosofia. Esse encontro pode se dar com o uso de uma música, de um poema, de um trecho de filme ou, ainda, no contato com uma obra de arte. O importante, reiteramos, é que o fazer filosófico se revele como acontecimento: deslocamento de intensidades que permitam o encontro com um signo, um de-fora que força, que invade o pensamento e abre as fissuras que colocam em evidência os diferentes modos de pensar a si mesmo e o mundo. 3. A proposta curricular da SEE/MG disciplina os conteúdos programáticos da filosofia em campos de investigação considerados, pelo documento, “grandes áreas de questionamento e da pesquisa filosóficas” (CBC/Filosofia, 2007, p. 14). São elas: Ser humano, Agir e Poder, e Conhecer, que, por seu lado, correspondem fundamentalmente às disciplinas de antropologia filosófica, ética, filosofia política, e teoria do conhecimento. Em cada um desses campos de investigação são orientados os temas a serem desenvolvidos, bem como os objetivos a serem alcançados, e as habilidades que se supõe construir no acesso aos conhecimentos aí circunstanciados. Sobre a organização do CBC/Filosofia, destacamos como pontos problemáticos: (i) a relação desproporcional entre o volume de conteúdos e a carga horária da disciplina de filosofia; (ii) a perspectiva unilateral que aborda o conhecimento filosófico somente a partir dos temas da filosofia. Quanto ao primeiro item, vale destacar que, cumprindo o disposto no Art. 3º da Resolução nº 1/20093, a carga horária destinada à disciplina de filosofia no atual currículo do ensino médio4 cumpre apenas o mínimo correspondente a um módulo-aula semanal que integraliza, ao final do ano letivo, o total de trinta e três horas e vinte minutos, situação se repete também com as disciplinas de sociologia e artes. Há, portanto, uma clara disparidade na relação carga horária/conteúdo quando identificamos a orientação de dezesseis temas básicos e nove temas complementares para serem distribuídos ao longo de pouco mais de cem horas de carga horária (considerando a integralização dos três anos do ensino médio). Esse problema se desdobra, ainda, de outra forma: a desproporcionalidade entre o repertório de conteúdos orientados pelo CBC/Filosofia e a realidade da carga horária insuficiente, tenciona o professor a selecionar, entre os temas, aqueles que serão trabalhados com os alunos. Contudo, não se nota no documento qualquer indicação de critérios para que essa seleção seja realizada de modo coerente, significativa e com o mínimo de prejuízo da relação de ensino e aprendizagem. 3 Considerando o Parecer CNE/CEB nº 22/2008, a Resolução nº 1, de 15 de maio de 2009, disciplina a implementação das disciplinas de filosofia e sociologia no currículo do ensino médio, conforme a edição da Lei nº 11.684/2008, que alterou a Lei nº 9.394/1996 e dispõe que “os sistemas de ensino devem zelar para que haja eficácia na inclusão dos referidos componentes, garantindo-se, além de outras condições, aulas suficientes em cada ano e professores qualificados para o seu adequado desenvolvimento”. 4 Cf. Resolução SEE Nº 2.742, de 22 de Janeiro de 2015. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 273 Quanto ao segundo item, parece-nos questionável, a partir dos argumentos que seguem, a proposição teórica que sustenta a opção de organização temática dos conteúdos da filosofia. A análise e discussão de temas parecem mais adequadas à faixa etária à qual se destina o programa, pois tornam mais fácil estabelecer relações entre a reflexão filosófica e a experiência do aluno. Países que têm tradição no ensino da filosofia no nível médio propõem programas temáticos, como é o caso da França e de Portugal. A História da Filosofia é uma das disciplinas filosóficas, juntamente com a Ética, a Teoria do Conhecimento, a Metafísica, a Estética e outras. Um programa temático possibilita que várias disciplinas sejam contempladas, num nível introdutório, incluindo a própria História da Filosofia, sem, no entanto, privilegiá-la (CBC/Filosofia, 2007, p. 13). Cumpre, então, questionar: a organização do ensino da filosofia em eixos temáticos é, de fato, o que determina a aproximação entre “a reflexão filosófica e a experiência do aluno”? Não seriam as diferentes abordagens didático-metodológicas adotadas pelo professor as responsáveis por mediar esse fazer como experiência filosófica significativa, tendo em conta “a faixa etária à qual se destina o programa”? Em que medida a orientação dos conteúdos de forma temática afirma o fazer filosófico como atitude de perceber, problematizar, refletir, conceituar e argumentar? (CBC/Filosofia, 2007). Quanto ao livro didático, a recorrência dos questionários apontou para a adoção do livro “Filosofando: Introdução à Filosofia”, das autoras Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. No que concerne o livro indicado, a opção por uma abordagem temática alinhada à história da filosofia é indicada pelas autoras logo na introdução do material: “[...] optamos pela abordagem temática dos assuntos, sem, no entanto, descuidar da necessária referência à história da filosofia, que permite estabelecer o fio condutor da exposição dos temas” (ARRUDA; ARANHA, 2013, p. 4, grifo nosso). Dessa afirmação, destacamos a expressão “fio condutor”, haja vista que sua incursão elucida uma compreensão linear da história da filosofia, o que, para nós, compromete a construção de uma perspectiva da história das ideias e dos conceitos como processo marcado de rupturas e continuidades. O conteúdo programático se encontra organizado em trinta e um capítulos distribuídos nas seguintes unidades: o homem, o conhecimento, a moral, a política, as ciências e a estética. Há, também, uma unidade introdutória dedicada à experiência filosófica e às origens históricas da filosofia. As unidades temáticas correspondem aos estudos realizados no campo da antropologia filosófica, da teoria do conhecimento, da filosofia da ciência, da ética, da filosofia política e da estética. Os capítulos contêm uma proposta de sensibilização geralmente enleada às diferentes linguagens da arte, um texto básico elaborado pelas autoras, um texto complementar extraído dos grandes autores e exercícios. Em todos os capítulos evidencia-se um traço comum: a ausência de uma articulação clara entre a cena 274 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 artística, o texto autoral e o texto filosófico. Há, ao que parece, um amálgama entre os temas e as áreas da pesquisa filosófica o que, em certa medida, contribui para que o livro seja notado mais como uma bricolagem de leituras filosóficas pouco coordenadas do que como um recurso que favoreça a forma orgânica de elaboração de problemas. Chamou-nos atenção o fato de que os questionários apontam para o eventual ou não uso desse material, mesmo quando a sua a indicação é realizada trienalmente pelo professor atuante na disciplina, e que a distribuição dos exemplares para alunos e professores ocorre por meio do Programa Nacional Livro Didático – PNLD37. A prefiguração desse dado assinala tanto uma relação conflitiva entre as dimensões pedagógica e filosófica da prática docente quanto certo descompasso no que diz respeito ao reconhecimento das funções pedagógicas que o livro didático pode desempenhar. Acerca dessa conjuntura, destacamos como hipóteses: (i) a deficiência pedagógica da formação do professor de filosofia; (ii) o fato de que os livros de filosofia foram inseridos no PNLD somente a partir do triênio ano de 2012-215. 4. O uso de unidades temáticas para o ensino da filosofia faz incursão a uma abordagem sistêmica do pensamento e do conhecimento filosófico. Desse ponto de vista, a organização dos conteúdos filosóficos decorre dos processos de ordenamento e conferência de coesão às diferentes frações do saber filosófico, e do modo como essas partes de justificam pelas relações orgânicas que mantém entre si, por sua inscrição no todo. Segundo Rodrigo (2009, p. 43), essa forma de organização programática não só reduz o saber filosófico, como simplifica os produtos do pensamento “sem que o próprio pensamento seja recuperado do ponto de vista do movimento que o engendra”. Sob essa perspectiva, o ensino da filosofia não só reduz o fazer filosófico ao exercício de articulação e contextualização dos saberes num plano epistemológico maior, como, sobremaneira, coloca em risco a possibilidade de uma experiência filosófica como prática do pensamento e criação de conceitos. Nesse sentido, criticar os programas de disciplina calcadas na filosofia sistemática não significa ir contra a necessidade de sistematização do pensamento – uma exigência da filosofia e da própria razão humana –, mas contra uma forma de sistematização empobrecedora para produzir o desvirtuamento da atividade reflexiva (RODRIGO, 2009, p. 44). Por seu lado, a abordagem histórica do ensino da filosofia tem se constituído como um aspecto destacadamente problemático quando o que se coloca em questão é o fazer filosófico no ensino médio. Isso porque a sua adoção como matriz curricular para o ensino da filosofia no ensino médio, ao mesmo em que nega o currículo como pluralidade dos processos objetivos e subjetivos de cons275 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 trução do conhecimento, reduz o fazer filosófico à forma enciclopédica em que se baseavam os estudos filosóficos durante a escolástica medieval e a modernidade. Conforme nos apoiamos em Deleuze (1992, p. 170), compreendemos que a história da filosofia se constitui como “arte do retrato”5 e, por esse motivo, implica “não redizer o que o que disse um filósofo, mas dizer o que ele necessariamente subentendia, o que ele não dizia e que, no entanto, está presente naquilo que diz”. Por isso, notamos: (i) a história da filosofia não deve se inscrever no plano central do currículo, mas, ao contrário, nos pontos referenciais a partir do quais se torna possível identificar o modo como os filósofos, ao longo da tradição filosófica, elaboraram seus problemas; (ii) o uso da história da filosofia como parte do fazer filosófico no ensino médio, deve suscitar um processo didático-metodológico objetivamente orientado, posto que sua consideração não se revela como um processo linear, cumulativo e de expansão do conhecimento. Justificando essas perspectivas, Marcondes (2004, p. 61), sugere destacar a história da filosofia “como a história dos conceitos que inicialmente formulados pelos filósofos acabaram por ir além do âmbito da discussão filosófica e se incorporaram à nossa forma de pensar, à nossa visão de mundo”. Ora, se assumimos o ensino da filosofia e o fazer filosófico como experiência de pensamento e criação de conceitos, admitimos, por consequência, que esses modelos – pelo menos enquanto observados de modo paradigmático –, pouco dialogam com um programa de filosofia cuja orientação se presta à proposição de rizomas e à criação de espaços lisos de constituição do pensamento. É, pois, nesse contexto, que a forma do problema se torna referencial ao ensino da filosofia: partir do problema como aquilo que incomoda, que afeta, sensibiliza e força o pensamento. Segundo Gallo (2010, p. 163), esta abordagem abarca as duas anteriores, na medida em que permite tanto o acesso aos temas filosóficos mais relevantes quanto à história da filosofia. Mas também avança para além delas, pois toma a filosofia como uma ação, uma atividade, posto que se organiza em torno daquilo que motiva e impulsiona o filosofar, isto é, o problema. O ensino da filosofia como fazer filosófico voltado para a experiência do pensamento e criação de conceitos não deriva de outro ponto, senão da problematização, do modo singular como nos permitimos atravessar por aquilo que causa perplexidade e produz o ato de pensar no próprio pensamento. A esse respeito, assinalamos: “Deve-se então partir da realidade destes estudantes, de seu contexto, de sua experiência de vida, de suas inquietações. É preciso ser sensível a seus dilemas e interesses” (MARCONDES, 2004, p. 65). Trata-se de fazer nascer no pensamento o ato de pensar como matéria a ser reconhecida, e orientar-se pedagogicamente nesse sentido não significa ou5 276 Termo utilizado por Deleuze em Conversações (1992). Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 tra coisa senão movimentar-se didática e filosoficamente na tentativa de “suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempo, mesmo de superfície ou volume reduzidos” (DELEUZE, 1992, p. 218). Significa, por fim, dar ao aluno do ensino médio o direito aos seus próprios problemas e conferir-lhe autorização para criar os caminhos de descobertas que singularmente lhe pertence. Considerações finais Os sentidos atribuídos pelos professores participantes da pesquisa aos contextos em que foram questionados exibiram diferentes leituras para as questões que se inscrevem no campo da didática e para a relação que a filosofia mantém com a educação: nuances da contradição como negação do caráter absoluto da oposição, e evidência de que o modo como o homem se subjetiva e representa a si mesmo a partir das diferentes experiências tecidas no espaço/tempo de sua existência se modifica sempre e em função dos intensos movimentos de recomposição da realidade. Destacamos a forma fundamental dessas variações avaliando a importância de que o fazer filosófico seja continuamente posto em questão. Para tanto, há que considerar o duplo movimento entre ensinar e aprender como aquilo que é, essencialmente, acontecimento; devir. Dito de outro modo: reconhecer a aula de filosofia como plano de imanência, mapa dos seus próprios problemas e lugar de multiplicidade; espaços de imprevisilidade que se constituem entre pontos; superfície sobre a qual se deslocam os múltiplos processos de construção dos sentidos que sustentam o ato educativo. Trata-se, dessa forma, de pensarmos o fazer filosófico como o domínio das reflexões realizadas pelos próprios sujeitos que ali se inscrevem. Não como algo que se possa fazer de outro modo ou lugar, pois é intrínseco ao filósofo-professor. O ensino da filosofia não pode ser pensado senão por aqueles que a ele se dedicam. Assumir essa forma imanente significa admitir um movimento contínuo de questionamentos e ideias que conjuram hipóteses e ações, clareiam significados, reelaboram conceitos, interpretam situações e, bem frequentemente, inspiram outras versões de ensinar e aprender: subversões. Na apresentação da obra O que é a filosofia?, Deleuze e Guattari (2005, p. 9) lançam um profundo olhar sobre o ofício do filósofo e trazem à tona uma questão fundamental: “o que é isso que fazemos sob o nome de filosofia?” (DELEUZE; GUATTARI, 2005, p. 9, grifo nosso). Ao assumirmos com estes pensadores a dimensão problematizadora do fazer filosófico como uma “pedagogia do conceito”, assumimos, também, que o ensino da filosofia é um exercício de comprometimento do professor-filósofo para com os alunos e para com a própria filosofia. Comprometimento que se efetiva na vivência única e no interesse que a sala de aula possibilita. Trata-se de olhar as múltiplas subjetividades e singularidades que ali se encontram e ser um pouco de cada uma delas, numa relação pedagógica, afetiva e empática, como sugeriu Nietzsche nas conferências “Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino” (1872). 277 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 É, pois, nesse sentido, que nos apoiamos na formulação tardia de uma filosofia como arte de criar conceitos para conceber e afirmar o propósito de um fazer filosófico estético, criativo e postulante de uma intuição originária que amplie as reflexões sobre o saber e os seus sentidos. “Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia. É porque o conceito deve ser criado que ele remete ao filósofo como aquele que o tem em potência, ou que tem sua potência e sua competência” (DELEUZE, GUATTARI, 2005, p. 13). Referências ALMEIDA, Francis Silva de. Filosofia e fazer filosófico no ensino médio: ressonâncias e deslocamentos em Deleuze-Guattari. 2016. 172 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, 2016. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 5. ed. São Paulo: Moderna, 2013. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa/Portugal: Edições 70, 2010. BRASIL. Resolução nº 3, de 26 de junho de 1998. Brasília: Ministério da Educação. CEB, 1998. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1998/ pceb015_98.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2016. _______. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio. Brasília: Ministério da Educação. SEMTEC, 1999. _______. Ciências humanas e suas tecnologias. In: Orientações curriculares para o ensino médio. Brasília: Ministério da Educação. SEB, 2006. _______. Lei nº 11.684, de 2 de junho 2008. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 03 jun. 2008. 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(Coleção Explorando o Ensino; v. 14) GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas da pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. MARCONDES, Danilo. É possível ensinar filosofia? E, se possível, como? In: KOHAN, Walter Omar (Org.). Filosofia: caminhos para o seu ensino. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 54-68. MINAS GERAIS (Estado). Resolução nº 2.742, de 24 de janeiro de 2015. Belo Horizonte: SEE-MG, 2015. Disponível em: < http://srecaxambu.educacao.mg.gov.br/ index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=3543.>. Acesso em: 03 jan. 2016. RODRIGO, Lídia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino médio. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. SILVEIRA, Rene José Trentin. Teses sobre o ensino de Filosofia no nível médio. In: SILVEIRA, Rene José Trentin; GOTO, Roberto. Filosofia no ensino médio: temas, problemas e propostas. São Paulo: Ed. Loyola, 2007, p. 77-118. - Francis Silva de Almeida: Mestre em Educação pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Professor do curso de Pedagogia (EaD) da Universidade de Uberaba. E-mail: francis.almeida@uniube.br Currículo: http://lattes.cnpq.br/6092406184518622 279 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 265-279, 2018 Normas gerais para publicação em Evidência Evidência: olhares e pesquisa em saberes educacionais é uma revista científica de responsabilidade do ICSAH - Curso de Pedagogia/UNIARAXÁ - Instituto de Ciências da Saúde, Agrárias e Humanas do Centro Universitário do Planalto de Araxá – que trata de temas teóricos e práticos da educação, escritos por pesquisadores, docentes e discentes de Cursos de Graduação e de Pós-graduação na área da Educação, ou afins, com natureza de artigos de cunho científico, de resenhas de obras na área da Educação, de resumos de dissertações e teses, de entrevistas e de traduções consideradas relevantes. NORMAS EDITORIAIS 1. Evidência – olhares e pesquisa em saberes escolares, revista anual, publicará trabalhos de cunho científico em Língua Portuguesa, Espanhola, Francesa ou Inglesa na área da Educação. 2. O Conselho Editorial só aceitará trabalhos, ainda não publicados em outros veículos de comunicação. 3. Os textos impressos com identificação serão excluídos do processo de avaliação. A identificação do autor do trabalho dar-se-á pela carta de encaminhamento anexa aos textos enviados e pelo texto digital. 4. O autor deverá encaminhar à Secretaria Editorial três cópias impressas do trabalho e uma cópia digital em CD, ou cópia digital, via e-mail – ivanalodi@uniaraxa.edu.br. 5. Os trabalhos enviados à Revista devem ser acompanhados de uma carta de encaminhamento, constando endereço completo, telefone e endereço eletrônico do(s) autor(es) responsável(is), a área de conhecimento em que o artigo se enquadra, natureza do trabalho, dados gerais: nome completo, última titulação, Instituição e Curso a que pertence(m). 6. O autor deverá, também, enviar uma autorização de cessão dos direitos autorais do seu texto para a Revista Evidência – olhares e pesquisa em saberes escolares. 7. Evidência reserva para si o direito de proceder a alterações no texto no que diz respeito a erro de digitação e adequação às normas gramaticais, sem consulta a seu autor. Qualquer alteração sugerida no texto será efetuada pelo autor. 8. Serão enviados a cada um dos autores (03) três exemplares da revista. 9. Os trabalhos enviados à revista serão, preliminarmente, examinados pelo Conselho Editorial. Havendo necessidade de reformulação, serão encaminhados ao autor para as modificações necessárias, com prazo de 15 dias para devolução. Em seguida, serão encaminhados a 02 (dois) membros do Comitê Científico. Aqueles aceitos serão agrupados na seção em que melhor se enquadrarem, no número da revista que estiver sendo preparado ou em outro seguinte. 10. O artigo científico deve ter, no mínimo, 08 (oito) páginas e não deve exceder a 20 (vinte) páginas, incluindo tabelas, gráficos, figuras e referências. 281 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 281-283, 2018 10.1. O artigo deverá ter a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimento, conclusão e referências. 10.2. O título, conciso, deve ser preciso e informativo. 10.3. O artigo escrito em Língua Portuguesa deverá conter um resumo nesta língua e em Língua Inglesa (Abstract); o artigo escrito em Língua Espanhola, Língua Francesa ou Língua Inglesa deverá conter, além do resumo na língua de origem, um resumo em Língua Portuguesa, com, no máximo, 150 palavras. As duas versões do resumo deverão vir acompanhadas de três palavras-chave, em ordem alfabética. 11. A Resenha constitui um parecer crítico sobre qualquer obra na área da Educação. O autor deve, no máximo de (05) cinco laudas, descrever o assunto ou temas centrais do livro ou tese, bem como as contribuições que traz ao campo da Educação. Deverá enviar a obra resenhada para apreciação da resenha. 12. O resumo de dissertação ou de tese não deve exceder a 500 palavras e vir acompanhado de cinco palavras-chave, em ordem alfabética. 13. As colaborações não selecionadas pelo Conselho Editorial/Comitê Científico não serão devolvidas aos autores. E 14. Os artigos deverão ser encaminhados para publicação no seguinte endereço: UNIARAXA - Centro Universitário do Planalto de Araxá A/c da editora: Profa. Ms. Ivana Guimarães Lodi Av. Ministro Olavo Drummond, 5 - Bairro São Geraldo CEP 38180-084 - Araxá - Minas Gerais - Brasil NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS Os trabalhos digitados devem estar de acordo com os seguintes aspectos formais: 1. As páginas deverão ser configuradas da seguinte maneira: a) Papel: A4 b) Margens: Superior: 3 cm; Inferior: 2 cm; Esquerda: 3 cm; Direita: 2 cm Observação: uma página em texto corrido equivale a 33 linhas, sem citações em rodapé). 2. Fonte: Times New Roman ou Garamond a)Tamanhos da Fonte: Títulos: 20; Nome do autor, última titulação, instituição a que pertence: 12; Subtítulos e texto: 12; Nota de rodapé: 10; Citações literais com mais de 3 linhas: 10, com afastamento esquerdo de 3 cm. 3. Configuração de parágrafos: a) Alinhamento do texto: justificado b) Parágrafo: 1,25 282 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 281-283, 2018 4. Espaçamento: no texto, entre linhas 1,5; da margem superior ao título, dois espaços; do título para o nome do autor, dois espaços; do nome do autor para o corpo do texto, dois espaços; do corpo do texto para o subtítulo, dois espaços; do subtítulo para o corpo do texto, 1 espaço; citações literais, com afastamento: entre linhas simples, com dois espaços antes e dois depois. 5. Figuras: as ilustrações, quadros, tabelas e gráficos devem ser numerados, em algarismos arábicos, relacionados com suas respectivas legendas, apresentar dimensões não superiores a 9 cm de altura por 15 cm de altura, para fotos horizontais. Para as verticais, fazer a equivalência. Enviar cópias digitais, tipo JPEG, em anexo. 6. Citação de fonte: utilizar o sistema autor/data previsto na norma NBR 10.520 da ABNT. Araxá-MG, setembro de 2014. 283 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 281-283, 2018 Evidência olhares e pesquisa em saberes educacionais recebe artigos, em fluxo contínuo, para publicação. Os interessados devem encaminhar sua produção, de acordo com o regulamento e as normas estabelecidas. Evidência circula anualmente e é lançada, sempre, durante a Jornada de Educação do Uniaraxá, preferencialmente, no mês de maio, como tem ocorrido desde seu primeiro número. As normas para encaminhamento de artigos estão disponíveis na página eletrônica do Uniaraxá: www.uniaraxa.edu.br. Endereço para remessa: Centro Universitário do Planalto de Araxá - Uniaraxá Evidência - olhares e pesquisa em saberes educaionais A/c da editora, Profa. M.a. Ivana Guimarães Lodi Av. Ministro Olavo Drummond, 5 - Bairro São Geraldo CEP: 38180-084 - Araxá - MG Telefone: 34 - 3669-2037 Endereço eletrônico: ivanalodi@uniaraxa.edu.br.
O uso de tecnologias no Ensino Médio: o que dizem os artigos? OLIVEIRA, Camila Tenório Freitas de OVIGLI, Daniel Fernando Bovolenta SILVA, Monica Izilda da SIMÕES, Regin Maria Rovigati Resumo: O objetivo do artigo foi realizar um levantamento e sistematização das produções sobre tecnologias no Ensino Médio, dos últimos seis anos (2012 a 2017). Como metodologia, optou-se por um estudo de revisão bibliográfica, do tipo estado da arte, com um levantamento total de nove artigos, obtidos por meio da base de dados eletrônicos Scielo, os quais foram interpretados pela Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977). Os resultados foram sistematizados em quatro categorias: Tecnologia Para a Prática, Tecnologia para a Compreensão de Significados e Sentidos, Tecnologia Além de Conceito e Tecnologia Sistematizada na Prática Pedagógica. Em linhas gerais, os artigos discutiram a relação entre o aluno e o mundo, o impacto das tecnologias na sociedade atual e a ampliação do saber. Conclui-se que os professores precisam contribuir para a construção de sujeitos ativos no contexto de práticas e vivências pautadas no uso das tecnologias. Palavras chave: Ensino Médio; Sujeito ativo; Tecnologias. Abstract: This article aims to carry out a survey and systematization of the productions on technologies in High School in the last six years (2012 to 2017). A state-of-the-art bibliographic review study with a total of nine articles was chosen as methodology and it was obtained by means of Scielo electronic database. The data were interpreted by Content Analysis (BARDIN, 1977) and the results systematized into four categories: Technology for Practice, Technology for the Understanding of Meanings and Senses, Technology beyond Concept and Systematized Technology in Pedagogical Practice. In general terms the articles discussed the relationship between the student and the world, the impact of technologies in today’s society and the expansion of knowledge. We came to the conclusion that High School teachers need to contribute to the construction of active subjects in the context of practices and experiences guided by the use of technologies. Keywords: High School; Active subject; Technologies. 225 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 1. Introdução A virtualização da informação e da comunicação caracteriza-se como movimento que afeta direta e profundamente a dinâmica social (LÉVY, 1999). Este processo teve início nos anos 1970, ganhou força após a invenção do computador pessoal, em meados dos anos 1980, e perdura até os dias atuais. A sociedade está cada vez mais conectada com a linguagem midiática. A configuração que se tem hoje é de crianças e jovens constantemente conectados aos dispositivos com acesso à internet. Ponte (2000, p. 64) revela que as tecnologias de informação e comunicação “[...] representam uma força determinante no processo de mudança social, surgindo como a trave-mestra de um novo tipo de sociedade: a sociedade da informação”. A “evolução tecnológica invade nossa vida e nos ajuda a viver com as necessidades e exigências da atualidade, transformando o modo que compreendemos e representamos o tempo e o espaço à nossa volta” (KENSKI1, 2003). Nesta perspectiva, a escola e os meios tecnológicos necessitam caminhar em paralelo, “pois ambos retratam a realidade e a cotidianidade” (PORTO, 2006, p.45). Embora pareça, a inserção das tecnologias nas escolas não é novidade. Há 20 anos, em 1997, foi lançado, pelo MEC2, um programa denominado Programa Nacional de Informática na Educação - Proinfo que visava assegurar, por meio do desenvolvimento e implementação da informática, melhores condições para o avanço da educação pública. Nele buscava-se melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, possibilitar a criação de uma nova tecnologia cognitiva nos ambientes escolares mediante incorporação adequada das novas tecnologias da informação pelas escolas, propiciar uma educação voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico e educar para uma cidadania global numa sociedade tecnologicamente desenvolvida, onde a informação desempenhará um papel cada vez mais estratégico (BONILLA, PRETTO, 2000, sem paginação). O Proinfo previa ações para um contexto mais amplo que incluía livro didático, Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, TV Escola, Educação a distância, valorização do magistério, descentralização de recursos para escolas e avaliação da qualidade educacional. Também pretendia ampliar e oportunizar o uso das tecnologias nos ambientes escolares. Posteriormente, em 1998, os PCNs reafirmaram a necessidade do uso das tecnologias na educação, com vistas à formação de cidadãos com percepção de mundo, incluindo valores e possibilidades de atuação social, bem como possibilitar novas formas de comunicação e produção do conhecimento no contexto da Educação Básica. 1 226 A fonte não possui paginação. Portanto, em toda citação referente a essa obra não será possível informar o número da página. 2 Ministério da Educação. Possui um portal online que pode ser acessado por meio da seguinte plataforma: <http://portal.mec.gov.br/institucional>. Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 Mais recentemente, em 2012, com a promulgação das novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, a inserção das tecnologias coloca-se como premente neste nível de ensino, visto que o documento reforça a integração entre educação e as dimensões da tecnologia como base do desenvolvimento curricular. Frente ao breve panorama histórico acima apresentado, é que se delineou o presente artigo, cuja temática é Tecnologias Digitais no Ensino Médio, justificado pela inquietação das autoras acerca do desafio das escolas frente à inserção das tecnologias em seu meio e pela expressiva evasão escolar, devido ao baixo desempenho dos estudantes nas disciplinas atualmente ministradas, como pode ser visto no quadro 1. Quadro 1: Censo Escolar 2014 Ensino Médio Reprovação Abandono Aprovação 1° 16,5% 44.307 10,1% 27.121 73,4% 197.096 2° 10,0% 21.727 9,2% 19.989 80,8% 175.552 3° 7,8% 14.768 5,6% 10.603 86,6% 163.959 Fonte: Merrit (2014) Estes fatores foram determinantes, tanto para a investigação das tecnologias no Ensino Médio, quanto para a seguinte problematização: O que tem sido pesquisado sobre a inserção das tecnologias no Ensino Médio? Ao questionar o incentivo e a relevância do uso das tecnologias pelos jovens, foi estabelecido como objetivo geral o levantamento e a sistematização das produções sobre tecnologias no Ensino Médio, de forma a compreender os métodos utilizados para se aprender com tecnologias, a percepção da inserção das tecnologias no âmbito escolar e a discussão sobre os recursos tecnológicos com vistas à prática educacional. 1.1 Processo de Ensino e Aprendizagem a Partir do Uso das Tecnologias: uma síntese da revisão de literatura Imersos na atual conjuntura da sociedade, na qual os indivíduos são considerados nativos digitais, “[...] é de se esperar que a escola tenha que “se reinventar”, se deseja sobreviver como instituição educacional” (SOUSA et al., 2011, p.20), pois “não existe mais a possibilidade de considerar que o estudante já possui conhecimentos e informações suficientes, independente do grau de escolarização em que ele se encontra” (KENSKI, 2003, sem paginação). Para adaptar-se neste meio, faz-se necessário estar em permanente estado de aprendizagem. Em outras palavras, é primordial estar motivado a aprender e ser instigado a buscar novas informações. 227 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 (...) Encontra-se nesta perspectiva, a possibilidade para que professores da Educação Básica, e de outros mais variados níveis de ensino, possam rever concepções de sustentação de suas práticas cotidianas, terem acesso e apropriem-se de conhecimentos necessários para trabalharem com a produção de vídeos digitais na sala de aula ou outras interfaces nas diversas disciplinas escolares, com vistas a propiciar motivação e aprendizagem (SOUSA et. al., 2011, p. 22). Kenski (2003) aponta que ensinar e aprender com as novas tecnologias traz consigo dois enormes desafios: adaptar-se aos avanços tecnológicos constantes e orientar-se na direção do domínio e de apropriação crítica. Ela aponta que a escola é o local de acesso ao conhecimento e nela deve-se fazer presente, um processo de mediação, de forma que os alunos e professores se apropriem das tecnologias e as repensem com vistas à prática educacional. Nesta perspectiva, Moran (2012) sugere que a sala de aula seja um espaço de investigação no qual ensinar e aprender exige flexibilidade. Para atingir tal finalidade, faz-se necessário diminuir as distâncias entre as tecnologias e as escolas, bem como entre alunos e professores. É importante alertar para este cenário de investigação, visto que, segundo Valente (1999): [...] a promoção dessas mudanças pedagógicas não depende simplesmente da instalação dos computadores nas escolas. É necessário repensar a questão da dimensão do espaço e do tempo da escola. A sala de aula deve deixar de ser o lugar das carteiras enfileiradas para se tornar um local em que professor e alunos podem realizar um trabalho diversificado em relação ao conhecimento (VALENTE, 1999, p.17-18). Desta forma, o aluno passa a ser ativo no processo educacional, tendo a oportunidade de construir seu próprio conhecimento de maneira significativa e motivadora. Neste momento, a memorização passa a não existir, sendo substituída pelo uso crítico das tecnologias, pautado nas metodologias investigativas de ensino (PONTE et al., 2016). Estas metodologias se apropriam de uma aprendizagem em conjunto, colaborativa, em que “as competências são mais exercidas e distribuídas (simbolicamente, socialmente e fisicamente); e a competência do grupo sobressai à competência individual de seus membros” (LOPES, 2014, p.41). 2. Metodologia 228 A presente pesquisa é uma análise documental caracterizada por uma abordagem qualitativa, respeitando a análise dos dados quanto à sua riqueza em detalhes (BOGDAN e BIKLEN, 1994). Metodologicamente, apresenta-se como um estudo do tipo estado da arte o qual, de acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), faz-se predominantemente sobre documentação escrita. Quanto à análise Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 documental, estas “são capazes de oferecer um conhecimento mais objetivo da realidade” (GIL, 2008, p. 153). O percurso metodológico incluiu a realização de consulta ao banco de dados Scielo, a partir das coleções de periódicos do Brasil. Em um primeiro momento, investigando os índices, utilizamos as palavras-chave “tecnologia” e “Ensino Médio” e obtivemos um retorno de vinte artigos. Ao utilizar os termos “tecnologias” e “Ensino Médio”, surgiram nove produções e, por fim, ao pesquisar as palavras-chave “tecnologias” ou “tecnologia” e “Ensino Médio”, houve um retorno de vinte e seis artigos. Em função das inconsistências de busca evidenciadas pela plataforma Scielo, o total de artigos retornados, a partir da realização das buscas com os dois primeiros argumentos, não totaliza o obtido com o terceiro. Assim, optou-se por considerar apenas a busca realizada com as palavras-chave “tecnologias” ou “tecnologia” e “Ensino Médio”, cujo retorno foi de vinte e seis artigos. A partir da leitura dos resumos, foi possível identificar os trabalhos que iam ao encontro da questão norteadora: O que tem sido pesquisado sobre a inserção das tecnologias no Ensino Médio? Com isto, do total de artigos, foram selecionados nove para a pesquisa. Para o tratamento de dados, optou-se por utilizar a Análise de Conteúdo que, segundo Bardin (1977, p.42) é “um conjunto de técnicas de análises das comunicações” obtendo, a partir de uma sistematização, indicadores que permitam “a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção”. A análise foi feita com base na perspectiva de Fiorentini e Lorenzato (2006) e realizado o cruzamento de informações obtidas por meio da leitura integral dos artigos. Vale ressaltar que foram criadas categorias de análise que sistematizassem as informações. 3. Resultados Fazendo um panorama dos nove artigos selecionados sobre as tecnologias no Ensino Médio, percebe-se que há maior concentração de publicação nos periódicos paulistas, sendo quatro deles na revista “Ciência e Educação”, um na revista “Educação e Sociedade”, e um na revista “Trabalhos em Linguística Aplicada”. Quanto aos demais, dois foram publicados na revista gaúcha “Educação e Realidade” e um na revista paranaense “Educar em Revista”. Com base no recorte temporal selecionado, em 2012 foram publicados dois artigos; em 2013 um; em 2014 dois; em 2015 dois; em 2016 um; e, em 2017 um. Percebe-se, assim, que a evolução das pesquisas sobre esta temática mantém-se equilibrada nas publicações em periódicos ao longo dos anos, porém ainda de forma discreta. Em linhas gerais, os nove artigos discutiram acerca da relação entre o aluno e o mundo, na busca dos sentidos de sua identidade no contexto social; do impacto das tecnologias na sociedade atual, visto que estas estão reconfigurando as novas formas de se relacionar e aprender; da ampliação do saber, utilizando uma perspectiva colaborativista entre os sujeitos e, da compreensão das tecnolo229 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 gias além da técnica, pois não basta somente ter domínio de determinado recurso, mas sim explorá-lo em uma perspectiva educacional. Diante do cenário apresentado e baseando-se na proposta apresentada por Fiorentini e Lorenzato (2006), foram organizadas, em quadros, as informações acerca do referencial teórico, metodologia empregada e principais resultados, obtidas a partir da leitura integral dos textos, de forma a categorizá-las por meio do confronto das informações e relações pertinentes entre si. Nesta perspectiva, foram criadas quatro categorias: tecnologias para a prática, tecnologia para a compreensão de significados e sentidos, tecnologia além do conceito e tecnologia sistematizada na prática pedagógica. 3.1 Tecnologias para a prática Esta categoria reflete a aproximação do ensino à prática por meio das tecnologias. Para atingir tal finalidade, são utilizados recursos multimídias ou produções de materiais digitais, elaborados visando uma aula interativa e, ao mesmo tempo, motivadora. Entre os autores dos artigos pesquisados que colaboram com esta prática de ensino e aprendizagem, destacam-se Santos e Mortimer (2002), defendendo uma abordagem temática no ensino de ciências, a qual contribui para os alunos tornarem-se mais críticos e reflexivos, compreendendo não só o conceito, mas também a complexidade social; Carvalho e Gil-Pérez (2003), defendendo a criação de multimídia, visto que esta permite ao aluno a visualização dos conceitos e teorias por meio de animações; e Jenkins (2008), destacando que a mídia-educação se preocupa em estudar a mídia a partir de sua cultura específica, na qual os educadores são comprometidos com o desenvolvimento de habilidades críticas para o acesso, a avaliação, o uso e a produção de mensagens usando as mídias. 3.2 Tecnologia para a compreensão de significados e sentidos 230 Nesse contexto discute-se sobre o desinteresse dos alunos pelas disciplinas da Educação Básica, tendo em vista que as aulas denominadas expositivas não conseguem motivá-los na busca do conhecimento. Os autores Dayrell (1999), Dias (2009), Barlette (2009) e Martins (2009) ressaltam a necessidade dos alunos em conseguirem estabelecer relações com o que aprendem, sem reduzi-las a uma visão utilitarista, mas sim a uma aquisição ampla e com significados do conhecimento. Desta forma, o estabelecimento destas relações mostra-se de grande importância para que o interesse surja naturalmente, pois elas passam a fazer sentido para o aluno, passam a ter significado, o que faz uma grande diferença. Zanetic (1989) dialoga com Hall (1997) na busca de significados para os alunos, pois estes são tecidos a partir de uma prática na sala de aula. E as tecnologias, como defende Lima (2009), Nascimento, Santo e Nigri (2006), Rappoport (2009) e Vargas (2003), aparecem como uma das maneiras de aproximar o ensino da prática. Charlot (2000) corrobora com os autores e afirma que a produção dos Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 sentidos para os alunos se faz necessária, já que se não existir, impossibilitará o aluno de aprender. Cachapuz, Praia e Jorge (2002) e Gil-Pérez e Vilches (2011) contribuem a partir da defesa da formação de cidadãos cientificamente cultos, capazes de compreender as problemáticas da realidade e argumentá-las, debatê-las e assumir um posicionamento crítico. Numa perspectiva educacional, os autores propõem a construção de conceitos, competências, atitudes e valores, ou seja, a promoção de abordagens críticas às problemáticas que sejam familiares aos alunos, tornando o processo de ensino e aprendizagem mais significativo e relevante (DEBOER, 1991; YAGER, 1996). 3.3 Tecnologia além do conceito Esta categoria estuda as tecnologias dentro de um contexto social, destacando seus desafios quando inseridas na educação e suas potencialidades para o processo de ensino e de aprendizagem, que vão além da técnica. Contribuíram para esta categoria os autores Dourado e Oliveira (2009), Silva (2009), Charlot (2005), Costa (2007), Bauman (2008), Gauchet (2006), Machado (2004), Castells (2007) e Leffa (2006), refletindo sobre as transformações na sociedade provenientes das tecnologias. Em suma, após análise, é possível afirmar que as tecnologias não devem ser tratadas como radicalmente positivas ou negativas, mas sim analisadas de modo a compreender como elas moldam as práticas sociais na vida contemporânea. Dentro desta perspectiva encontram-se Souza (2014), Mellucci (2004) e Dayrell (1999/2007), refletindo acerca do que é ser jovem e ser aluno num contexto midiático no qual ficam evidentes as novas formas de interação e de sentidos. Eles apresentam os desafios da escola em não só usar as tecnologias como aparatos, mas na compreensão de como os jovens se identificam e se expressam nestes contextos. 3.4 Tecnologia sistematizada na prática pedagógica Nesta última categoria, há discussões e análises de autores sobre a prática pedagógica dos professores. Vale destacar aqui a investigação como metodologia, na busca da construção de conceitos por parte dos alunos, e a aprendizagem colaborativa, na qual os sujeitos aprendem com os seus pares. Goldenberg, Scher e Feurzeig (2008) defendem os softwares educativos, visto que estes permitem aos estudantes uma investigação acerca de determinado problema previamente estabelecido. Um software de Matemática, por exemplo, possibilita a criação de construções geométricas e sua manipulação com o auxílio do mouse. Em contraste a este recurso, espelha-se a insegurança (ou resistência) dos professores, visto que, segundo Penteado (2001), esses profissionais precisam assumir riscos, saindo da previsibilidade e certeza (zona de conforto) e adotando a zona de riscos (situações imprevisíveis, nunca experimentadas). 231 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 Nesta perspectiva, Miskulin e Piva Jr. (2007) sugerem que as práticas pedagógicas dos professores sejam planejadas e sistematizadas com antecedência, de modo a permitir o desenvolvimento das competências de análise e reflexão e o trabalho simultâneo com os colegas, visando construir uma aprendizagem colaborativa. É importante ressaltar que, apesar dos autores trazerem (ou indicarem) tutoriais, eles ressaltam que este método se limita apenas a uma versão computadorizada do que já ocorre em sala de aula, não dispondo, assim, de uma vantagem educacional. Para atingir tal vantagem, é necessário que o professor se aproprie destes recursos e extraia todo o potencial educativo que eles têm a oferecer. Considerações finais Pelo presente estudo foi possível concluir que apesar das discussões e pesquisas acerca da temática “Tecnologias no Ensino Médio” não ser recente, ainda se encontram tímidas as produções científicas relacionadas a este assunto. Tendo em vista as diferentes concepções sobre a inserção das tecnologias no processo de ensino e aprendizagem, onde uns as defendem e outros as negam, não há ainda uma segurança no meio escolar ao incluí-las em seus planos. Em meio a essa dualidade, percebe-se o aumento considerável de recursos tecnológicos, acompanhados de jovens cada vez mais ávidos para obtê-los e desvendá-los. Percebendo que a presença das tecnologias é irreversível, é importante enfatizar que elas, unicamente, não geram o conhecimento. Esta afirmação fica nítida na leitura dos artigos, nos quais foi possível constatar que o uso das tecnologias nos espaços escolares ainda não vai além de recursos para se aprender. É preciso uma compreensão deste uso no contexto social, político, pessoal e escolar para que seja possível extrair suas potencialidades visando à prática educacional. Vale ressaltar, ainda, que, por meio da análise dos artigos, ficou evidente a urgência das escolas em repensar seu papel na atual conjuntura da sociedade, pois não se percebe a separação dos jovens e dos recursos tecnológicos oferecidos no mercado. Da mesma forma observando os professores, agentes de grande importância no processo educativo, defende-se que eles devem assumir um papel de mediadores entre o conteúdo e a utilização das tecnologias pelos alunos, considerando também os espaços não formais nos quais as tecnologias vão além de aparatos e se configuram como um novo estado de cultura. Conforme análise das metodologias presentes nos artigos, todas as investigações foram realizadas por professores universitários, não havendo nenhuma de professores do Ensino Básico. Este quadro reforça a necessidade de políticas públicas que possam validar tais orientações a fim de colaborar com uma prática que auxilie na exploração e compreensão das novas tecnologias. Outro fator detectado foi a evidente defasagem de artigos oriundos das regiões norte e nordeste. Conforme análise há uma maior concentração das pesquisas na região sudeste, principalmente no estado de São Paulo. As demais se 232 Evidência, Araxá, v. 14, n. 14, p. 225-236, 2018 encontram espalhadas pelas outras regiões, com exceção da região norte. Estima-se que a falta de divulgação das pesquisas e práticas lá desenvolvidas de maneira nenhuma diminui a validade de suas excelentes experiências. Defende-se, nesta pesquisa, que as tecnologias devem ser encaradas como uma atual configuração social e, com isso, absorvidas pelas escolas. Faz-se necessária uma reestruturação das concepções que precisam ir ao encontro das identidades e desejos dos alunos. Neste sentido, ainda existe um grande caminho a ser explorado, percorrendo tanto as práticas pedagógicas com enfoque nas tecnologias, quanto os currículos que devem passar a orientar a inclusão das tecnologias no ambiente escolar, visando qualidade e desejo no processo de ensino e aprendizagem. Foram localizados poucos estudos sobre as percepções quanto ao uso das tecnologias, tendo como foco os alunos do Ensino Médio nos espaços não formais. Ressalta-se aqui Dayrell (2007, p.4), que afirma que “na realidade não há tanto uma juventude e sim jovens, enquanto sujeitos, que experimentam e sentem segundo determinado contexto sociocultural onde se inserem.” Acredita-se na importância de haver estudos que analisem as tecnologias além dos muros das escolas, pois estas indicaram a motivação dos alunos quando eles utilizam recursos tecnológicos. Portanto, conclui-se que as escolas precisam perceber as tecnologias com vistas à percepção dos alunos. Deste modo, elas estarão contribuindo para a construção de sujeitos ativos no contexto de práticas e vivências pautadas no uso das tecnologias. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Características da investigação qualitativa. In: Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. 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