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Primórdios de uma Sinologia Imperial

2019

Em 1879, o Império brasileiro decidiu enviar uma missão à China, buscando conhecer mais profundamente essa civilização e, se fosse possível, encetar relações comerciais e diplomáticas com o milenar gigante asiático. Esse importante episódio da história das relações internacionais no Brasil revela que, no século 19, intelectuais brasileiros estavam vividamente interessados em adquirir algum conhecimento sobre a civilização chinesa, pelos mais diversos motivos. Em nossa apresentação, discutiremos as raízes e a organização dessa missão a China, descrita em 'A China e os Chins' (1888), livro do diplomata Henrique Lisboa (1849-1920), que nos traz o primeiro trabalho pioneiro de uma iniciativa sinológica brasileira.

PRIMÓRDIOS DE UMA SINOLOGIA IMPERIAL: A PRIMEIRA MISSÃO BRASILEIRA À CHINA (1880) André Bueno E EDIÇÃO ESPECIAL 2023 1 2 PRIMÓRDIOS DE UMA SINOLOGIA IMPERIAL: A PRIMEIRA MISSÃO BRASILEIRA À CHINA (1880) 帝国汉学的开端:巴西驻华第一个外交使团 André Bueno EDIÇÃO ESPECIAL 2023 3 Essa é uma reprodução de ‘Primórdios de uma sinologia imperial: a primeira missão brasileira à China’, que integrou o programa PNAP 2018-2019 da Fundação Biblioteca Nacional. O trabalho original foi lançado em forma de Dossiê, que pode ser encontrado nessa ligação: http://bndigital.bn.gov.br/dossies/o-brasil-encontra-o-extremooriente-a-primeira-missao-brasileira-a-china-1880/introducao/ E o texto final pode ser encontrado nessa ligação: https://www.gov.br/bn/pt-br/atuacao/pesquisa-eeditoracao/programa-nacional-de-apoio-a-pesquisa/pnap2018/primordios-de-uma-sinologia-imperial-um-estudo-da-missaobrasileira-na-china-1879-1881 Um perfil da pesquisa pode ser encontrado aqui: https://www.gov.br/bn/pt-br/atuacao/pesquisa-eeditoracao/programa-nacional-de-apoio-a-pesquisa/pnap2018/andre-perfil.pdf A presente versão, produzida pelo autor, destina-se somente para divulgação. 4 Sumário Apresentação ............................................................................. 7 Os chineses no Brasil ................................................................ 9 O surgimento da sinologia ...................................................... 12 O orientalismo brasileiro ......................................................... 17 Primeiros trabalhos sinológicos .............................................. 20 Questões históricas .................................................................. 24 Macau e a experiência portuguesa .......................................... 28 Relatos do cotidiano ................................................................ 32 Observações antropológicas .................................................... 34 Os elementos culturais; religiosidades e pensamento ............. 37 O parecer sobre a migração ..................................................... 39 A questão sinológica – a herança da visão modelar ................ 42 5 6 Apresentação Quando Henrique Lisboa desembarcou na China em 1880, ele tinha uma missão clara: conhecer a Civilização chinesa. Algum tempo antes – mais exatamente nos congressos agrícolas de Recife e Rio de Janeiro em 1878, as discussões sobre a vinda maciça de chineses eram o tema principal desses encontros. País agrário e escravocrata, o Brasil discutia intensamente se valeria a pena trazer os coolies (ou cules, em português) chineses para substituir, mesmo que temporariamente, a mão de obra escravizada africana. Esse debate se disseminou entre as mais diversas camadas da sociedade, atingindo um grande público leitor, como Czepula (2017) evidenciou. Muito se falava sobre os chineses, mas pouco se sabia ao certo sobre o gigante asiático: baseados em grande parte em referências indiretas, os brasileiros tinham uma noção pouco aprofundada sobre a China. O governo do Império do Brasil entendeu que era necessário enviar uma missão especial, para negociar um tratado e conhecer mais sobre o país. Foi a primeira iniciativa oficial, em nossa história como nação independente, de tentar estabelecer um conhecimento sinológico próprio, baseado na observação direta e numa apreciação crítica aprofundada. A história dessa missão é permeada de embates, conflitos e uma questão epistemológica arraigada à própria formação cultural brasileira. São esses elementos que gostaríamos de discutir aqui, de maneira a conhecer o que seria o primórdio de uma sinologia imperial brasileira. Para isso, faremos o seguinte roteiro: em primeiro lugar, vamos conhecer um pouco mais sobre a história das relações entre Brasil e China, que se desenvolvem há séculos, mas que somente agora têm sido um pouco mais exploradas; segundo, vamos analisar as condições em que se estabeleceu o debate sobre os chins - como os chineses eram conhecidos na época e as noções de orientalismo que permeavam a sociedade 7 brasileira. Por fim, analisaremos o relato da viagem de Henrique Lisboa, presente no livro A China e os chins (1888), seu desenrolar e desdobramentos. Em nossa conclusão, discutiremos a herança intelectual construída a partir dessa visão sínica. 8 Os chineses no Brasil Recentemente, os estudos sobre as relações entre o Brasil e a China têm crescido bastante. Esse campo riquíssimo de nossa história foi analisado, de forma inconstante, por iniciativas isoladas de pesquisadores brasileiros, em grande parte devido as nossas tradições acadêmicas eurocêntricas. O contexto político do século 20 vivenciou uma atenção pontual sobre as questões culturais asiáticas: havia um interesse latente, mas as variações políticas do contexto brasileiro reorientavam constantemente os interesses de nossa intelectualidade (Bezerra de Menezes, 2012). Nossa relação com a civilização chinesa se construiu de maneira muito especial. Ela se iniciou no tempo do império colonial português, quando indivíduos de todas as partes transitavam entre Portugal, Brasil, Goa e Macau (RussellWood, 1998). O trabalho de Moura (2014) nos mostra uma vasta relação de brasileiros que viveram e atuaram no extremo oriente; ao menos três chegaram a ser governadores de Macau, a cidade que durantes séculos foi a ponte entre o Ocidente e a China. Dois brasileiros, Lucas de José Alvarenga e José Guimarães e Freitas, nos legaram importantes livros de história sobre a cidade (Alvarenga, 1828; Freitas, 1828). Gilberto Freyre (2003) revelou um panorama riquíssimo das relações de hibridismo cultural com a Ásia que permearam a construção de nossa civilização. Seja nos hábitos e costumes, na vestimenta, na arte e na alimentação, estamos refertos de elementos vindo dos muitos Orientes pelos quais portugueses e brasileiros trafegaram. Os estudos de Leite (1999) e Bandeira (2018) revelam subsídios de uma marcante presença chinesa espalhada nas mais diversas expressões de arte brasileira, como o barroco mineiro ou a porcelana. Recentemente, Paulina Lee (2018) fez uma relação mais completa desses trânsitos e apropriações em nossa cultura. 9 O Brasil foi a primeira colônia em todas as Américas a receber oficialmente uma leva de trabalhadores vindos da China. O juiz João Rodrigues de Brito, em 1807, já propusera a vinda de mão de obra chinesa para o Brasil (Brito, 1821:58). Um movimento inédito, ocorrido em 1814, se deu em função do interesse de Dom João VI em começar uma plantação de chá no Rio de Janeiro (Sacramento, 1825). Em torno de quatrocentos trabalhadores foram trazidos, iniciando um cultivo que não foi bem sucedido. Esse episódio – bastante citado, mas cujos detalhes precisam ainda ser melhores explorados – significou um marco na relação com a China, embrionando a ideia de transformar a mão de obra chinesa livre numa alternativa ao trabalho escravo, o que seria avidamente explorado pelos países americanos posteriormente (Andrade, 1835; Moura, 2012). Esses chineses se disseminaram na sociedade brasileira, sendo gradualmente assimilados. O termo 'chim' se difundiu, indicando os asiáticos que transitavam no Brasil, nas mais diversas regiões. Mesmo assim, isso não implicou na construção de um conhecimento mais aprofundado sobre a China. A chegada da corte portuguesa no Brasil, em 1808 (Wilcken, 2005), renovou a intenção de europerizar os costumes e hábitos da sociedade colonial. Ásia e na África foram lidos, consequentemente, pelos interesses da metrópole lisboeta. Passado quase meio século, quando o Brasil já era um império independente, a China voltou novamente a fazer parte das pautas políticas. A ideia de usar trabalhadores chineses e indianos em substituição ao trabalho escravo afro-americano se disseminara rapidamente, tendo sido implementada nos Estados Unidos, nos países Latino-americanos e na colônia de Cuba (Hui, 1992; Chou, 2002). A sociedade brasileira estava vivamente interessada na questão. Os primeiros estudos foram 10 feitos já na década de 60, quando Quintino Bocayuva estimulou a discussão sobre a viabilidade desse modelo de trabalho para o Brasil (Bocayuva, 1868). Uma extensa relação de trabalhos foi escrita nesse sentido, tais como os estudos de Xavier Pinheiro (1868), Galvão & Macedo (1870) e Moreira (1870), dentre outros. Todos eles se baseavam, porém, em leituras de relatórios, notícias e apontamentos de viagens feitas por estrangeiros. Nossos intelectuais se limitavam a observar a implantação dos trabalhadores chineses em outros países, mas continuavam sabendo pouco sobre a China – e mesmo assim, de forma indireta. Durante décadas, a questão se arrastou, até que em 1878, a realização de dois congressos agrícolas, visando debater o futuro da lavoura, evidenciou a questão de forma contudente, tornando necessário estabelecer um novo paradigma para o debate. Esse conhecimento sobre os chineses precisava se desenvolver – e os primeiros traços de uma sinologia começavam a se delinear no contexto intelectual brasileiro. 11 O surgimento da sinologia Antes de continuarmos, precisamos definir melhor o surgimento da própria sinologia no século 19, e quais eram seus objetivos fundamentais. O conhecimento sobre o oriente foi construído, desde o século 16, em função dos interesses dos impérios. Portugal foi o primeiro país a produzir uma literatura significativa sobre a China (Aresta, 1997:8-9; Loureiro, 2002:7-10). Mateo Ricci (1552-1610) e Michelle Ruggieri (1543-1607), sob o patrocínio dos jesuítas portugueses, escreveram o primeiro dicionário ocidental de língua chinesa, em português (Ricci e Ruggieri, 2001). O estabelecimento da cidade de Macau significou, ainda, um sucesso único para os portugueses, que puderam monopolizar durante séculos o comércio entre a Europa e a China. Todavia, esse início auspicioso não se transformou em um aprofundamento acadêmico (Aresta, 1997:16-7; Cunha, 2010:22-3). A fórmula da convivência e da adaptação se impôs sobre a realidade desse centro de cruzamento cultural, privilegiando o aspecto material (Fok, 1997:60-67). Charles Le Blanc (2007:19-34) propôs que, nessa época, o conhecimento da China era dominado pelos jesuítas, os únicos a estudar a cultura e a língua chinesa em função de suas práticas missionárias. De fato, eles estavam fortemente presentes na educação das colônias portuguesas, por meio das missões, e o Colégio de São Paulo em Macau fora fundado com esse propósito (Santos, 1994; Seabra, 2011). Os conflitos com outras ordens religiosas (principalmente domicianos e franciscanos) prejudicou bastante o desenvolvimento dessas missões na China, culminando com a Querela dos ritos (WaleyCohen, 2002:65-103; Rule, 2004: 3-8), que solapou decisivamente os sucessos obtidos pelos jesuítas. Isso não significa que as produções cessaram. Para citarmos 12 alguns exemplos mais notáveis, os livros de Confúcio, traduzidos para o latim, foram disseminados pela Europa (Couplet e Intorcetta, 1687; Meynard, 2015); para o francês, o padre Mailla (1669-1748) fez a tradução do livro “Esboços e detalhes de um espelho da compreensão” (Tongjian Gangmu), importante obra de história chinesa escrita pelo sábio Neo Confucionista Zhuxi (1030-1200), e a primeira fonte historiográfica chinesa transcrita na Europa (Mailla, 1777); o padre Amiot (1718-1793) fez a primeira tradução da “Arte da guerra de Sunzi” (Sunzi Bingfa), que se tornou um sucesso no velho mundo (Amiot, 1772). A França, o grande centro cultural europeu do século 18, foi gradualmente absorvendo e difundindo o conhecimento produzido sobre a China (Frèches, 1975:24-46). O livro Lettres édifiantes et curieuses de Chine par des missionnaires jésuites (1702-1776) (Vissière, 1979), trouxe um extenso material produzido por esses missionários, que abastecia e inspirava as concepções iluministas francesas. Mesmo assim, as nações europeias dependiam dos jesuítas para dialogar com a China. A missão inglesa de Lorde Macartney (1793), que visava estabelecer um acordo de abertura dos portos, precisou requisitar dois chineses que estudavam com os mesmos jesuítas para servirem de intérpretes, usando ora o francês, ora o latim, como ligação entre o inglês e o chinês (Peyrefitte, 1997:161-62). Os ingleses não alcançaram êxito na empreitada; as missões holandesa (1795) e russa (1806) também não foram bem sucedidas. A China conseguira manter um relativamente eficaz sistema de fechamento, concentrando suas relações com o ocidente através de Macau. Essas relações não foram sempre tranquilas, mas mantiveram-se efetivas e funcionais durante dois séculos, o que apontava para um modelo satisfatório de coexistência. A tomada temporária de Macau pelos ingleses em 1808 (Freitas, 1826; Alvarenga, 1828 e Andrade, 1835), durante as 13 guerras napoleônicas, ligou o alarme sobre as iniciativas europeias de aprofundar suas relações com a China. Ademais, a associação entre imperialismo e ciência era uma ideia comum entre os países europeus do século 19. Concebia-se, com bastante coerência, que os métodos de dominação seriam facilitados pelo conhecimento do outro, em todos os seus âmbitos - culturais, humanos, biológicos e geográficos. Até então, os estudos chineses eram uma novidade nas academias europeias, por causa do monopólio religioso das missões, e um campo que fora praticamente dominando pelos portugueses, espanhóis e franceses. Foi Abel Rémusant (17881832) que cunhou o termo 'sinologia' pela primeira vez, em 1814 (Bourgeat, 1814:73), como um estudo aprofundado da língua e da cultura chinesa. Por isso, quando a Inglaterra embarcou na primeira Guerra do Ópio (1839-1842), fez uma aposta perigosa, que acabou se revelando um sucesso inesperado. O conhecimento que os ingleses tinham da China em grande parte provido pela missão de Macartney - só não era menor do que o dos chineses sobre os europeus. Deliberadamente ignorando as outras civilizações, a China do século 19 era dominada por uma dinastia de origem mongol, os Qing (ou Manchus), que vinham instituindo um confucionismo arcaizante cujo objetivo era reforçar o controle social interno, restringindo iniciativas reformadoras e modernizantes. O contato pontual com os estrangeiros, feito por Macau, satisfazia os interesses do governo. O país tinha uma economia rica e pujante, com uma produção industrial significativa (Frank, 1998:108-17) e considerada a maior do mundo até o final do século 18 (Maddison, 2006:261-3), mas estrangulada pelas restrições na abertura de mercado, e gradativamente prejudicada pelo atraso tecnológico. No campo militar, a obsolescência do exército Qing, e a inexistência de uma marinha moderna, revelaram que os pés do gigante se tornaram de barro. Essa postura custou caro ao império asiático, que se 14 viu inicialmente obrigado a conceder Hong Kong (1842); e depois, a encetar uma carreira de conflitos desastrosos que redundadaram em concessões para diversos outros países europeus e para o Japão Meiji. Por outro lado, milhares de chineses começaram a sair do país em busca de oportunidades de trabalho e de melhoria de vida, promovendo a grande movimentação de coolies chins que modificaria o panorama social do continente americano, chegando a países como Cuba, México, Peru e Estados Unidos. Macau, frente à rápida ascensão de Hong Kong, buscou readaptar suas atividades econômicas, tornando-se via de exportação de trabalhadores chineses para as Américas (Teixeira, 1976; Corvo, 1989; Basto da Silva, 1998). Com isso, a cidade vivenciou uma grande movimentação econômica, que só voltaria a decair em função de pressões internacionais. Por causa delas, o Visconde Januário Correia de Almeida decretou, em 27 de dezembro de 1873, a abolição do tráfico de coolies. A lei entrou em vigor três meses após essa data, ou seja, no dia 27 de março de 1874, fazendo com que essa atividade fosse drasticamente reduzida (Corvo, 1989:53-4). Mesmo assim, os negociantes de Macau continuariam a exportar trabalhadores, usando os mais diversos artifícios e expediente legais para manter suas atividades. Concomitantemente, esse foi um período de grande desenvolvimento da sinologia, que se viu de braços dados com o imperialismo europeu. A Inglaterra criou sua cadeira de língua chinesa em 1876 na universidade de Oxford, assumida pelo eminente sinólogo James Legge (1815-1897). Um grande trabalho de tradução dos clássicos da literatura chinesa foi iniciado, tanto na Inglaterra como na França (Frèches, 1975:5862). Em breve, Itália, Alemanha e Rússia seguiriam essa tendência. Como podemos observar, as iniciativas acadêmicas de âmbito sinológico eram bastante recentes quando suscitaram as discussões sobre a vinda de trabalhadores chineses para o Brasil; e nossa sociedade possuía particularidades que 15 tornaraim a questão da vinda dos chins ainda mais complexa. 16 O orientalismo brasileiro Para entendermos como os intelectuais brasileiros liam a China, precisamos retomar também o importante conceito de Orientalismo, redefinido de forma basilar pelo trabalho de Edward Said, em seu livro Orientalismo, a invenção do oriente pelo ocidente (1998). Nele, Said preconizava que o orientalismo era essencialmente um movimento intelectual interessado em normatizar as relações de conhecimento entre a Europa e o Oriente, através de uma grade de leitura teórica culturalmente hierarquizada. A homogenização dos asiáticos, aliada a difusão de preconceitos, tornava-os um único sujeito, cuja dominação era justificável por sua suposta inferioridade cultural e intelectual. É praticamente impossível negar que essa pesada carga de racismo e preconceito dominavam o pensamento imperialista no século 19; mas como Irwin bem apontou (2008), o orientalismo não pode ser entendido como um movimento único, mas um conjunto de iniciativas variadas, interessadas em produzir um conhecimento legítimo sobre a diversidade asiática. Essa consideração é pertinente, tendo em vista que o acesso à natureza e as origens das culturas asiáticas ainda era restrito tanto em extensão como em metodologia. Lembremos que, durante um tempo significativo, a visão predominante do oriente era a religiosa, dos missionários, com fins de conversão; agora, havia abordagens multifacetadas, calcadas tanto nas visões econômicas e políticas quanto nas iniciativas humanas, literárias e antropológicas. Ademais, o orientalismo se projetou como um sistema de leitura da alteridade. Gasquet (2016), por exemplo, mostra como a Argentina criou uma concepção de orientalismo dimensionado pela questão da alteridade, que se projetava tanto para os asiáticos quanto para sua própria dimensão interna – as 17 regiões ao sul, por exemplo, eram entendidas como um “oriente”; o Uruguai era a “banda oriental” por ser o outro lado do rio Prata; e a região entre os rios Paraná e Uruguai fora chamada de “Mesopotâmia argentina”. No caso do Brasil imperial, o orientalismo adquiriu matizes próprias, que Maffra e Stallaert (2016) denominaram de “orientalismo crioulo”. Esse orientalismo pode ser compreendido a partir da necessidade de examinar como as heranças asiáticas perpassaram a formação da cultura e da sociedade brasileira desde os tempos coloniais, conforme já havíamos apontando anteriormente. O Brasil império formouse com base em um projeto nacional de características complexas. A sociedade brasileira construíra-se de modo bastante distinto: enquanto delineava-se um mito de “harmonia das três raças” - portuguesa, africana e indígena - na literatura romântica (como se pode ver na poesia indigenista de Gonçalves Dias), convivia-se com a escravidão e a imposição da religiosidade católica como oficial, excluindo naturalmente as diferenças culturais que não fossem balizadas por uma orientação eurocêntrica. A consideração de Edward Said é pertinente nesse caso: os brasileiros, calcados na superfície desse orientalismo, eram reticentes quanto as possíveis influências asiáticas em seu imaginário social e cultural (embora convivessem com chineses e outros povos do Oriente Médio), tendendo a negar - fosse por desconhcimento, ou por atitude - quaisquer influências orientais mais profundas em nossa civilização. Por outro lado, essa situação não implicava que os brasileiros recusassem sistematicamente a existência do outro. Sendo o movimento orientalista uma forma de produção de conhecimento - ou mesmo, de fascínio modístico - nossos acadêmicos começaram a se preocupar em entender algo sobre a Ásia, mesmo que por vias indiretas. O exemplo máximo da 18 iniciativa orientalista (dentro da acepção proposta por G. Irwin (2007)) é o imperador Pedro II, orientalista e classicista renomado, que dominava diversos idiomas como hebraico e sânscrito, e passava o tempo fazendo traduções de clássicos das literaturas orientais. O soberano realizou uma expedição ao Oriente médio, deixando uma rica documentação sobre suas viagens (Berdiaga, 1999). José Abreu, o Barão de Marajó, também realizou uma viagem ao Egito, comparando o Amazonas ao Nilo - um exemplo rico das visões de mundo encetadas por essa elite pensante (Abreu, 1874-76). Portanto, os intelectuais brasileiros, mesmo que eurocentrados, não ignoravam a importância de realizar leituras nesses outros campos; e quando a questão chinesa estoura em 1878-79, vários estudos sobre os chins já estavam em andamento. Enviar uma missão a China não era um projeto estranho aos âmbitos públicos e acadêmicos; mas suas implicações não poderiam escapar ao debate político. Como Chan (2009) demonstrou, as visões orientalistas contaminaram, em certa medida, os expedientes sinológicos. Os estudiosos da China buscavam conciliar, cuidadosamente, o seu fascínio por essa civilização com a consciência de servir ao Estado. Essa condição estava igualmente presente nos meios brasileiros; o orientalismo tão específico da cultura brasileira se impunha, efetivamente, como condição essencial da produção de conhecimento sobre os chins. A sinologia brasileira era inevitavelmente orientalista, numa acepção muito própria; e isso iria influenciar decisivamente o projeto da missão brasileira. 19 Primeiros trabalhos sinológicos Os já citados estudos de Bocauyva (1868), Pinheiro (1869) e Galvão & Macedo (1870) sobre a imigração chinesa baseavamse em dados e informações colhidas em outros estudos, que muitas vezes os autores não indicam - o que nos permite entender, em alguns casos, serem elas simples suposições dos proponentes. No ano seguinte aos Congressos Agrícolas de 1878 (Anais, 1878), os debates sobre a imigração tomaram a corte, e uma possível missão à China começou a ser discutida: mesmo assim, críticos como Joaquim Nabuco (1983: 178-193) e José do Patrocínio continuaram a se basear em visões de segunda mão, mantendo a estratégia de construir elucubrações teóricas próprias, com fins de vencer os debates públicos (Czepula, 2017: 104-9). Foi Salvador Mendonça (1841-1913) quem recebeu a tarefa de produzir o primeiro estudo direto sobre os imigrantes chineses que residiam nos Estados Unidos, e verificar a viabilidade econômica de importá-los para o Brasil. Os resultados foram apresentados no livro Trabalhadores Asiáticos (1879) dando um parecer bastante positivo para a imigração chinesa (p.225). Mendonça colheu seus dados na América do Norte, lidando com grupos de chineses já inseridos nesse contexto cultural, o que não propiciava ainda uma ideia exata de seus hábitos e práticas sociais. Apesar disso, Mendonça apresentava importantes informações históricas e culturais sobre a China, fornecendo importantes subsídios para os participantes da futura missão – e para os leitores brasileiros em geral. Francisco Almeida, em 1878, nos legou uma visão direta mesmo que passageira - da civilização chinesa. Seu objetivo era acompanhar, no Japão, a passagem do planeta Vênus, que ocorreria em 1878. Para isso, ele realizou uma longa viagem, descrita em seu livro Da França ao Japão: Narração de 20 viagem e descrição histórica, usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia (1879), no qual nos fornece relatos importantes das culturas asiáticas - mas sem esquecer da questão da emigração chinesa. Em Cingapura, por exemplo, ele encontra um representante brasileiro indicado como cônsul (e ao mesmo tempo, comerciante) que defendia o tráfico de coolies chins para o Brasil, em um esquema similar ao da escravidão, o que causara repulsa ao autor (1879:71-2). Na China, ele se impressiona com a decadência de Macau (p.80), o desenvolvimento rápido de Hong Kong e a aversão dos chineses aos cristãos. Almeida, aliás, reproduz um cartaz chinês que incitava o ódio aos cristãos - mas ele inverte a transcrição dos textos em relação ao original, o que passou desapercebido por todos os leitores de seu texto até os dias atuais (p.91-93). Em 1879, após intensos debates na câmara, o ministro João Sinimbu, da pasta de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, conseguiu fazer com que a missão para a China finalmente fosse aprovada. A proposta de vinda dos chins vinha sendo repetidamente rebatida, e ação dos opositores fez com que o adido chinês na Inglaterra, o Marquês Zeng, proibisse a vinda de chineses para o Brasil (Lesser, 2001, p.56-58). Mesmo assim, o projeto não foi encerrado; ao contrário, a missão justificava-se, agora, como uma forma mais direta de avaliação do contexto imperial chinês, e do estabelecimento de um acordo mais concreto entre as nações. Ficou definido que a viagem seria liderada por Eduardo Callado e Artur Silveira da Mota, nomeados plenipotenciários para negociar um acordo direto com o governo chinês. Esperava-se que o império brasileiro conseguisse certas vantagens, em um acordo desigual, tal como outras nações europeias haviam conseguido anteriormente. A viagem ficou definida para o final do ano, e faria uma parada na Europa em 21 busca de um intérprete, tendo em vista que não fora encontrado nenhum disponível no Brasil. Dois documentos fundamentais foram escritos sobre esta viagem; a primeira consiste nos cadernos diplomáticos, com os relatos feitos por Callado e Mota do encontro com os representantes chineses. Essa documentação foi recentemente publicada pelo Ministério das Relações Exteriores (CHDD, 2012), e se trata de uma importante fonte para sabermos os pormenores do processo de negociação. Uma análise mais aprofundada das negociações pode ser vista no trabalho de Fábio Dantas (2006) e no artigo de Kamila Czepula (2018). O segundo documento se trata, de fato, do primeiro trabalho de observação direta da sociedade chinesa, feita pelo diplomata Henrique Carlos de Ribeiro Lisboa (1849-1920), que compunha o quadro da missão. Henrique era filho de Miguel Maria Lisboa (1809-1881), barão de Japurá, eminente diplomata do império brasileiro. Teve uma educação erudita, e iniciou a carreira diplomática cedo. Estava servindo na Espanha, quando foi convocado a participar da missão chinesa como primeiro secretário geral, dirigindo-se ao encontro dos ministros Mota e Callado. Seu relato e reflexões sobre a missão estão em A China e os chins (1888), o primeiro livro a tratar diretamente sobre a China na literatura brasileira, constituindo verdadeira análise sobre essa civilização. Esse é o primeiro trabalho sinológico conhecido no país, e constitui uma rica e importante fonte de informações culturais e históricas. A análise contraposta das duas documentações mostram as dificuldades de aproximação do olhar brasileiro sobre a China. Callado e Mota, preocupados em concluir um tratado vantajoso para o império, são obrigados a lidar com as dificuldades criadas pela postura protecionista do império chinês. O vice-rei Li Hongzhang (1823-1901), que recebeu os brasileiros, insiste em reproduzir constantemente a ideia de poder e antiguidade 22 do império chinês, que o Brasil não compartilhava por ser um país recente na história (Czepula, 2018: 210). A surpresa dos enviados foi a de reconhecer que os chineses, por mais grave que estivesse sua situação política e econômica, não se sentiam facilmente dobrados pela presença estrangeira em seu país (CHDD, 2012:54-58). Dentro das limitações possíveis, a dinastia Qing tentava resistir às ingerências e ameaças externas, e as negociações não se processaram de maneira fácil. Callado e Mota tinham um conhecimento básico da realidade chinesa, mas foi Henrique Lisboa que a soube captar com maior profundidade. Sua imersão na vida cotidiana chinesa o levou a observar práticas, costumes e hábitos que o permitiriam construir, de forma mais adequada, uma imagem dos chineses para o público brasileiro. No seu relato de viajante, está presente também o antropólogo, que tenta perceber - e entender - as diferenças culturais entre as duas sociedades. O livro A China e os chins se constitui em um tipo específico de narrativa, que conciliava o relato de viagem com estudos etnográficos. No século 19, essas produções tinham um duplo fim, tanto científico como de entretenimento. Lisboa divide seu estudo em duas partes: na primeira, ele disserta sobre suas observações culturais e históricas, entremeadas por relatos diretos e alguns episódios pessoais pitorescos. Em um segundo momento, ele busca relacionar o conhecimento adquirido com a construção de um ponto de vista crítico sobre a emigração de chineses para o Brasil, tentando construir um olhar antropológico efetivo sobre as questões sinológicas. Analisemos, pois, alguns dos aspectos gerais de seu estudo. 23 Questões históricas Lisboa estava bem informado sobre a história das relações entre a China e o Ocidente. No capítulo 2, ele faz uma extensa análise dos encontros de civilizações, mostrando que o intercâmbio comercial era antigo, remontando a época do império romano, e atravessando a idade média. Depois, ele segue com uma extensa análise sobre a chegada dos portugueses na era moderna, iniciando um longo período histórico rico em termos culturais, mas permeado de profundos conflitos: Das narrações desses viajantes, consta que a China era governada por instituições análogas às da época presente e que os hábitos da sua população quase não diferiam dos atuais. Os estrangeiros que ali chegavam com fins pacíficos eram acolhidos com hospitalidade e carinho; obtinham todas as facilidades para viajar e comerciar no interior e podiam entregar-se livremente ao exercício do seu culto. Foi só quando os ocidentais se apresentaram em atitude hostil e pretenderam dar expansão ao espírito de conquista nascido do desenvolvimento da navegação e a uma ambição comercial, constrangida até esse tempo pelas dificuldades de transporte, foi só então que os plácidos e polidos filhos do Céu começaram a revoltar-se contra a intrusão de estrangeiros que, nenhuma compensação oferecendo às vantagens avidamente buscadas em tão longínqua navegação, bem mereciam, pela inferioridade da sua civilização, o título de bárbaros com que começaram a ser apelidados (Lisboa, 1888:345). Em seguida, ele vai relatando os eventos recentes e os conflitos que haviam reduzido o poder chinês, criando o ambiente para os tratados desiguais e as concessões para as nações europeias e americanas. Henrique Lisboa estava consciente de que o conhecimento produzido sobre a China ainda era insatisfatório e imperfeito. O choque com a realidade, e o desenrolar das questões políticas que envolviam China e os ocidentais, 24 contrastava com os textos produzidos pelos missionários. Como afirmamos anteriormente (Frèches, 1975 e Le Blanc, 2007), a história da sinologia moderna teve início com os missionários, que praticamente monopolizaram os estudos e traduções chinesas entre os séculos 16 e 19. Nesse longo período, as interpretações europeias sobre a China eram mediadas pelo conhecimento produzido por esses religiosos, o que criava uma dificuldade de compreensão mais exata sobre o país. Na pags.68-70, por exemplo, Lisboa consegue identificar que muitos do conhecimento sobre o país eram quase todos de origem religiosa, baseada em tentativas de missionação nem sempre bem sucedidas, o que reduzia sua isenção e validade: Aos primeiros passos que fez na China a propaganda cristã, convenceu-se de que já não ia haver-se com povos selvagens de fácil conversão. Ali encontraram os primeiros missionários uma nação solidamente organizada e em um estado de civilização moral e material em que nem sonhavam então os povos europeus. O monoteísmo puro, desprendido de misticismo supersticioso e os dogmas que fundam na razão e na prática do bem a missão da humanidade, na sua transitória existência terrestre, formavam desde tempos imemoriais a base do culto religioso desse povo inteligente e pensador. A generosa despreocupação com que os espíritos superiores encaram geralmente os erros alheios, permitiu que, sob o regímen ao mesmo tempo patriarcal e liberal que imperava na China nos primeiros tempos de cristianismo, se introduzissem aí o judaísmo, alguns cultos idólatras e, posteriormente, o maometismo. Essas crenças, toleradas pelas dinastias anteriores, tiveram, porém, desenvolvimento mais sensível depois da invasão dos tártaros ocorrida em 1640. Esses conquistadores perceberam depressa que as dissensões religiosas lhes forneceriam um poderoso auxílio para a consolidação do seu domínio e desde então aqueles diversos credos e o cristianismo, que já se havia também timidamente introduzido, receberam uma proteção interessada. Essas facilidades não produziram, contudo, os resultados que delas esperavam os missionários cristãos. Os 25 princípios filosóficos profundamente arraigados na população não permitiram que, mesmo ao amparo oficial, conseguisse a propaganda aumentar de modo sensível o número dos prosélitos. Nada adiantando pela discussão com entendimentos claros, inimigos do sofisma, e que nenhuma vantagem encontravam em trocar um culto velho de quarenta séculos e fundado numa moral sã [Confucionismo], por outro em que os ritos externos tanto se assemelhavam às detestadas práticas idólatras; não podendo tampouco apelar aí à força persuasiva da inquisição com suas intrigas desorganizadoras e seus autos de fé, procuraram os missionários outros meios de ação, limitando as suas diligências à conversão das classes mais ignorantes e miseráveis daquela sociedade. Apercebidos de algumas vantagens já então alcançadas pelo sistema de assimilação às superstições e aos costumes chineses adotados pela propaganda budista, resolveram os padres jesuítas imitá-lo, iniciando desde então as práticas que fazem ainda hoje desconhecer a sua religião aos viajantes católicos na China. Uma fantástica ornamentação de igrejas, vestimentas aparatosas e o rabicho usado pelos próprios padres europeus, a admissão do culto dos antepassados com suas supersticiosas cerimônias, e outras concessões desse gênero, pouco adiantaram, entretanto, os difíceis passos da propaganda cristã, produzindo, ao contrário, um pernicioso cisma entre os missionários (1888: 6870). Alternando entre uma sinofilia ou uma sinofobia (Étiemble, 1989), os intelectuais do século 19 perceberam que somente um estudo direto da China poderia proporcionar uma ideia mais exata de suas características históricas e culturais. Lisboa estava absolutamente ciente disso, mostrando uma consciência lúcida sobre o panorama dos estudos sinológicos na época. Mesmo assim, ele reconhecia a importância das ações jesuítas no intento de aprofundar a investigação sobre a China, e de participar de sua transformação social: Em outra direção, depois de atravessados vastos campos cultivados, cruzados de canais de irrigação cujas margens estão 26 semeadas de túmulos chineses, chega-se à povoação de Si-ka-uei, onde se acha instalado desde o século XVII um colégio de jesuítas, em que, coerentes com o seu sistema de transações, acolhem esses padres meninos cristãos ou não e dão-lhes uma educação europeia ou chinesa, segundo as indicações dos pais. Anexos a essa antiga instituição funcionam com não menos ordem e utilidade um seminário, um colégio especial para os filhos dos europeus residentes na China, um convento de irmãs Auxiliadoras que se dedicam à educação das meninas, um asilo de órfãos com suas correspondentes oficinas de trabalho, um hospício de loucos, um hospital de incuráveis e um observatório meteorológico. Este último estabelecimento é certamente um dos mais completos do mundo, e o governo dos Estados Unidos fez devida justiça à sua importância, ligando-o, por meio de uma subvenção, às suas instituições do mesmo gênero. O diretor do Observatório de Si-ka-uei, Mr. Déchevrens, inventou aí, há poucos anos, um instrumento destinado a medir a inclinação dos ventos, e tem prestado, com suas observações, relevantes serviços ao comércio e à navegação, anunciando em tempo os tufões que tantos desastres causam nas costas da China. Ali funciona também com êxito, há dez anos, um aparelho fotográfico que marca de dia ou de noite as variações das correntes magnéticas. A prosperidade da colônia jesuíta de Si-ka-uei, em que recebem profícua instrução mais de mil crianças e socorros de toda sorte os desamparados dessa região da China, demonstra mais uma vez o poder de organização dessa ordem fundadora das missões sulamericanas e o proveito que ainda poderiam dela retirar as sociedades novas, se o cioso ultramontanismo não tivesse astutamente conspirado com a por vezes irrefletida exaltação do espírito moderno, para exilar uma instituição cujas tendências tolerantes e progressistas eram um poderoso embaraço ao perpetuamento do obscurantismo. Mas, nesse refúgio afastado das lutas político-religiosas que ainda sustentam os últimos arquejos do fanatismo, vão prestando os jesuítas eminentes serviços à obra de lenta porém segura fusão das civilizações europeia e chinesa, aproveitando o que há de bom em cada uma para chegar, na possível aproximação, à verdade, que sempre paira impassível, a meia distância, entre as exagerações opostas (Idem, 164-5) 27 Macau e a experiência portuguesa Lisboa, revelando-se um hábil sinólogo, reconhecia a primazia e a importância que a experiência portuguesa representava na China, suas virtudes interculturais bem como, suas falhas e dificuldades. Nesse sentido, a experiência de Macau é descrita tanto em termos históricos como culturais. Ele tenta compreender as razões dos sucessos e fracassos portugueses na China, analisando no cap. 5 as dimensões dessa presença: Não são, porém, somente os janotas e as elegantes de Macau que lhe dão um cunho especial entre as cidades da China. As suas ruas escabrosas, com suas escadinhas que lembram as velhas calçadas lisbonenses; as suas casas de construção irregular, ornadas de balcões de madeira verde, estilo árabe, ou de janelas engradadas; as numerosas igrejas e os conventos empoeirados, residências de padres que circulam gravemente, como quem tem consciência da sua influência, vestindo amplas batinas e deitando a benção sobre os transeuntes; o contínuo repique dos sinos e o retumbar dos tambores da guarnição, tudo dá a Macau uma fisionomia que contrasta com a das outras cidades, onde predomina o espírito prático dos ingleses e em que a atividade comercial absorve todas as outras manifestações da vida. Mas o comércio de Macau está em constante decadência e não parece longe de limitar-se às necessidades locais. Em vinte anos, o número anual das saídas de navios do seu porto caiu de 1.000 a 200, sendo estes, pela maior parte, embarcações de cabotagem que transportam a Hong Kong o chá ainda exportado da colônia portuguesa no valor de dois mil e quinhentos contos. A sua importação é mais considerável, chegando à cifra de dez mil contos, quantia quase totalmente representada pelas sete mil caixas de ópio introduzidas anualmente. Estas cifras, tão inferiores às que indicam o movimento comercial da maior parte dos outros portos abertos aos estrangeiros, mostram a decadência dessa cidade, que durante alguns séculos monopolizou as transações da Europa com a China. Essa triste situação de Macau é uma aproveitável lição para aqueles governos que descuidam de ocorrer às medidas indispensáveis para o desenvolvimento da riqueza comercial e 28 para a exaltação da nação que lhes confia os seus destinos. Se Portugal não houvesse, durante tantos anos, abandonado a sua afastada colônia; se lhe concedesse em tempo as facilidades comerciais de que precisava; se a não tivesse apenas considerado como fonte de uma insignificante renda e fizesse o reprodutivo sacrifício necessário para o melhoramento do seu porto, a muitos respeitos o primeiro dessa costa, não há dúvida [de] que seria hoje Macau o principal empório desse remunerador comércio, em benefício e para a glorificação da nação portuguesa. Mas, a estas reflexões do economista podem-se opor, e talvez com vantagem, as do moralista. A imensa riqueza comercial que, a custo de ingente trabalho e de uma vertiginosa ambição, atesouram anualmente Hong Kong e outros centros europeus na China, poderá por acaso compensar o ideal bem-estar em que vivem os modestos habitantes de Macau, à sombra dos seus pitorescos morros, no gozo de um clima privilegiado e embalados pelas gloriosas recordações do passado? [...] Com efeito, os moradores de Macau vivem sonhando com a sua mudança para Hong Kong e, em compensação, muitos residentes desta última cidade só almejam enriquecer para retirar-se a Macau. Alguns já aí se estabeleceram definitivamente, outros possuem na colônia portuguesa bonitas chácaras, onde vêm passar o verão, muito mais suave do que em Hong Kong (Lisboa, 1888: 101-2). Visão distinta e muito mais sutil do que aquela proporcionada por Francisco Almeida (1879), ao passar pela cidade alguns anos antes: Foi com amargura que lembramo-nos dos antigos feitos de que foi teatro a cidade, então florescente, de Macao, e dificilmente se reconhecem os filhos dos autores de tão grande empresa [...] hoje apenas habitada pelos descendentes de uma raça europeia, atrozmente degenerada pelo sangue indiano e chinês (Almeida, 1879:89) É bem provável que como Almeida passara rapidamente pela cidade, não tivera tempo ou interesse de fazer um juízo 29 diferente. Henrique teve essa possibilidade, podendo demorarse em suas impressões, e investigando com maior cuidado a situação da colônia. Isso se dera porque Macau estava ligada, de alguma maneira, aos projetos de emigração chinesa para o Brasil, já que a cidade era uma das principais exportadoras de coolies chins, pelo qual sua comunidade comercial fora muito criticada como uma continuadora da prática da escravidão (Teixeira, 1976:28-30). Lisboa apontava o perigo e os abusos de uma emigração descontrolada, nos moldes que havia sido feita para outros países; e dispunha de leituras para isso, como o relatório de Marques Pereira sobre a emigração de Macau (1861) ou mesmo, o já citado trabalho de Salvador Mendonça (1879). Manifestando uma preocupação humanística, e fazendo entender que a postura brasileira pretenderia, de alguma forma, ser diferente, ele relata: Outras ruínas que ainda causam mais triste impressão são os barracões onde, até 1874, eram armazenados os infelizes coolies destinados à exportação para Cuba e o Peru. Quantas lágrimas, quanto sangue não verteram aí essas desgraçadas vítimas da odiosa especulação, em cujos lucros participavam desde os insensíveis governantes de Portugal até os ávidos recrutadores, que, com falaciosas informações, iam seduzir nos confins de remotas províncias os futuros mártires das fazendas de Cuba ou do guano das Ilhas Chinchas? (Lisboa, 1888:108) Mesmo assim, o modelo de diálogo intercultural construído em Macau apontava para as possibilidades e problemas do contato com os chineses. Os habitantes nativos de Macau haviam se tornando experimentados intermediários entre europeus e chineses, estando fortemente presentes também no comércio de Hong Kong. Essas experiências apontavam para as especificidades da cultura de Macau, delineando uma experiência singular de hibridismo cultural: 30 A introdução de algumas palavras portuguesas nesta língua provém da preferência que se dá aos macaístas para os empregos comerciais. Verdadeira raça híbrida, os filhos de Macau conservam do português e do chin paciência, submissão e hábitos sóbrios, que não admitem a competência dos europeus. Desde Hong Kong até Pequim e o Japão encontra-se esse tipo original, a cuja vista fica-se em dúvida se é o europeu com cara de chin ou o chin disfarçado de europeu. Para chin, falta-lhe o traje e o rabicho; para europeu, sobram-lhe a cor, os olhos torcidos e os pômulos salientes. Levam, entretanto, os macaístas grandes vantagens sobre os estrangeiros estabelecidos na China. Conhecem o dialeto de Cantão, aprendem os outros com facilidade e estão afeitos aos hábitos chineses, o que os torna excelentes intérpretes e compradores; não ambicionam, como os europeus, reunir caudais para retirar-se do país; são modestos nas suas pretensões e só almejam viver e morrer na sua pátria querida, a China e Macau.Tomaram do chin a modéstia, a urbanidade; do português a perseverança, a frugalidade. São simpáticos, apreciados por chins e estrangeiros e respeitados mesmo pelos ingleses, que tiram grande utilidade dos seus serviços. Em Hong Kong, existem muitas casas de alto e baixo comércio dirigidas por macaístas. Em Queen’s Road, principal artéria da cidade, leem-se nas tabuletas das lojas os nomes de Ferreira, Guimarães, Pinto, merceeiros, ourives ou algibebe, ao lado da Stationery ou Dispensary de Smith ou Williams (idem, 25-6), 31 Relatos do cotidiano Para além de Macau, Lisboa empregou seu tempo em perceber os costumes e o cotidiano chinês. Ingleses e franceses já haviam produzido um bom número de livros sobre a história e os costumes dessa civilização: um deles, por exemplo, é o trabalho do grande escritor positivista Pierre Laffitte (18231903), intitulado Considérations générales sur l’ensemble de la civilisation chinoise (Laffitte, 1861), que teria uma boa recepção no Brasil por conta da influência positivista nos círculos intelectuais. Henrique cruzou suas leituras com a observação direta, e forneceu um quadro bastante vivo dessa cultura, conseguindo descrever suas práticas, costumes, identificando diferenças regionais – como no caso dos macauenses – ou entre os próprios chineses. Essas observações são eivadas de avaliações críticas lúcidas, que se afastam do preconceito generalizado do orientalismo brasileiro. Contra a acusação muito propalada pelos adversários da imigração chinesa – de que os chineses seriam viciados em ópio – Lisboa aponta, por exemplo, que o consumo de ópio na China ainda era reduzido em termos proporcionais a sociedade chinesa, entendida como mais saudável do que a europeia em seu consumo de álcool: Muito se tem exagerado sobre o uso do ópio na China. Pode-se comparar o seu abuso ao vício da embriaguez entre os ocidentais; geralmente reprovado, apenas afeta esse vício uma parte relativamente diminuta da população. O ópio ainda está menos generalizado na China do que as bebidas alcoólicas no ocidente, e os ébrios inveterados são, entre algumas raças europeias, muito mais numerosos do que os que chegam, na China, ao estado de bestialidade a que conduz o abuso daquela droga. Para demonstrar tal asserção, basta notar que a introdução anual do ópio na China é de 4½ milhões de quilogramas, o que, sendo o consumo médio de um fumador ordinário de 10 gramas diários, faz apenas subir o 32 número de consumidores a 1.260.000, sem levar-se em conta a redução que deve sofrer esse número pela exageração do vício entre os que duplicam ou mesmo triplicam aquela ração diária. Essa cifra está para a população de 400 milhões da China na razão aproximada de 3 por 1.000. Felizes os países ocidentais se o uso e abuso das bebidas alcoólicas alcançassem neles tão reduzida proporção! (Idem, 30-1) Igualmente, ao criticar o costume de enfaixamento dos pés (p.110-11), Lisboa alude ao uso do espartilho no Ocidente, entendendo-o como uma forma igualmente vil de estética. Tais comparações são importantes, pois demonstram a capacidade do autor de identificar, discutir e contrapor elementos simbólicos da cultura chinesa com os ocidentais, repensando o papel preponderante do eurocentrismo. Esse pensamento era consoante a diversas iniciativas da época em tentar compreender os chineses por outras perspectivas mais amplas, como a de José Fernandes Moreira, no Congresso Agrícola de 1879: Além disto, todos sabem que os chins formam uma nação que existe politicamente ha milhares de anos e não é uma raça tão corrupta, tão pervertida, como se quer fazer crer. Pode ter uma civilização diferente da nossa, mas é uma civilização própria e bem adiantada. Um país que teve um filósofo como Confúcio, até hoje respeitado, um país que tem governo regular há centenas de anos, quando uma tribo da América ainda não o tem, como pode ser chamado país degradado, aviltado, rebaixado, cujos filhos podem vir barbarizar-nos? (Congresso Agrícola, 1879:193) 33 Observações antropológicas Para isso, o olhar etnográfico se constituía uma condição fundamental para o estabelecimento do discurso sinológico. Lisboa foi capaz de identificar, também, que os chineses se constituíam em diferentes etnias, numa elaboração antropológica importante sobre essa civilização: Não são poucos os escritores que classificam os habitantes da China como pertencentes à raça mongólica. Essa é, mesmo, a opinião mais vulgarizada e de que os adversários da imigração chinesa no Brasil não duvidam tirar partido, acenando ao patriotismo o perigo da nossa futura mongolização. Não sei, realmente, qual seja a origem de tão crasso erro; talvez a casualidade de ter Marco Polo visitado a China e dado as primeiras notícias circunstanciadas daquele império justamente na curta época em que achava-se ele submetido aos descendentes mongóis de Gengis Khan. Mas poderia-se assim, com tanto fundamento, atribuir igual origem aos atuais habitantes da Europa oriental, até onde alcançou o domínio daqueles célebres conquistadores. Não encontro, na verdade, outra explicação para tal confusão, pois nem na aparência física nem no caráter e nos costumes assemelham-se os chins aos mongóis. Estes são de conformação mais robusta, de ombros quadrados e pescoço curto, o que os franceses chamam trapu, provavelmente por fazerem pouco exercício a pé, passando, à maneira dos gaúchos, quase toda a vida a cavalo. Os chins são, ao contrário, bem formados e esguios. Não têm tampouco os mongóis os olhos oblíquos e a escassez de barbas que caracterizam a raça chinesa. Além de tão notáveis distintivos físicos, distanciam-se ainda as duas raças pela diversidade de caráter e costumes próprios de povos nômades e pastores uns e sedentários e agricultores os outros. Mas, nem os mongóis nem os manchus, cujo tipo aproxima-se mais do chinês, interessam ao estudo que faz o objeto deste capítulo. Tratarei pois da raça chinesa. Pondo de parte as conjecturas antropológicas que fazem descender os chins de um neto de Noé e filho de Jafé, e só remontando às antigas tradições daquele império, verifica-se que tiveram eles por berço a região situada ao nordeste do Rio 34 Amarelo, donde desceram há mais de quatro mil anos para povoar as dezoito províncias, desalojando os antigos habitantes e enxotando-os pouco a pouco para as alcantiladas montanhas do sudoeste. Aí, nos limites das províncias de Kuei-tcheu e Kuang-si mantêm-se ainda hoje quase independentes os restos dessas tribos aborígenes, conhecidas pelo nome geral de Miao-tse, e cuja aparência física tem mais do tipo cochinchinês do que do chinês. Os Miao-tse formam a única exceção de consideração à homogeneidade histórica da raça que povoa a China. E digo histórica porque, se bem atribui-se aos chins a origem indicada, dá-se naquele império um fato pouco comum nas sociedades políticas em que se divide o mundo, e é que os habitantes das suas províncias oferecem tipos tão diversos como os que distinguem os povos, embora da mesma origem, que ocupam o continente europeu. Se se começar pelo norte, encontra- -se mais robustez, barba mais fornida, tez clara e mesmo alguns olhos azuis ou cabelos louros que contrastam com o título de raça de cabelos pretos de que tanto se ufanam os chins. À medida que se desce para o sul a aparência dos habitantes vai sofrendo sensíveis modificações, a tez escurece e as formas adelgaçam-se. Não é difícil conjecturar o motivo dessas diferenças numa população pertencente à mesma raça; a diversidade das latitudes, da topografia do solo e das ocupações a que se dedicam os habitantes de cada região as explicam suficientemente e são causas que produzem os mesmos efeitos em muitos países ocidentais. Mas, na China, ainda acrescem motivos especiais para distanciar o aspecto físico, o caráter e os costumes dos habitantes de províncias limítrofes ou mesmo de diversos distritos de uma só. A quase autonomia com que funciona, na prática, a administração das províncias ou das suas subdivisões; os hábitos sedentários da densa população que nem um instante pode furtar às ocupações de que tira difícil subsistência; a semelhança dos produtos agrícolas e industriais, que torna insignificante entre regiões vizinhas o movimento comercial, fator principal da fusão dos povos e aliás entregue na China, por antigos costumes, a uma casta especial e relativamente reduzida; e, finalmente, o apego ao solo natal imposto pelo tradicional culto dos antepassados, são poderosas razões para que povos da mesma origem se isolem pouco a pouco, transformando-se, de acordo com o meio especial em que cada um vive, para formarem raças bastante distintas pelo tipo, pelo caráter, pelos costumes e dialetos (Lisboa, 1888:237-9). 35 Lembremos que os discursos de imigração eram matizados por importantes questões racialistas, como defenderam Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e Nicolau Moreira. Lilian Schwarcz (1993) mostrou que as questões eugênicas eram contempladas no âmbito científico, e de certo modo orientavam a percepção que os estudiosos tinham sobre os asiáticos. Mesmo assim, Lisboa construiu uma visão favorável das habilidades e capacidades dos chineses, o que lhe permitia propor, com segurança, que eles poderiam contribuir como força de trabalho no quadro da sociedade brasileira. 36 Os elementos culturais; religiosidades e pensamento Reforçando o aspecto da investigação sinológica, Lisboa fornece-nos um quadro bastante elucidativo das questões religiosas e filosóficas chinesas, identificando com precisão a existência (e as disputas) do Taoísmo, Confucionismo e Budismo no capítulo 6. Aliado a isso, ele ainda descreve uma série de rituais e festividades, revelando uma ampla e profunda gama de informações sobre a civilização chinesa. Sua síntese sobre a visão das crenças chinesas é que já alcançaram os chins a meta a que ainda procuram chegar os europeus modernos, isto é: “deixar de lado as disputas e as questões especulativas para só cuidar do positivo, e fazer da religião um elemento de civilização e da filosofia a arte de viver em paz, a arte de saber mandar e obedecer” (Lisboa, 1888:121) A par dessa visão positiva, e talvez idealizada, Lisboa estava realmente decidido a aprofundar seus estudos na cultura chinesa, e começou o aprendizado da língua chinesa, fazendo um relato bastante cônscio sobre sua estrutura (p.134-141). Na época, dicionários e cursos como os de Joaquim Gonçalves (1829 e 1831) já podiam orientar bastante sobre como estudar chinês, e a missão brasileira foi acompanhada do intérprete francês Arnold Vissière (1858-1930), um dos maiores sinólogos e especialistas em ensino de língua chinesa na França. Lisboa começara, pois, seus estudos na língua chinesa, o que era considerado um elemento crucial na formação sinológica. Ele fica surpreendido em saber que, ao contrário do que era vulgarmente divulgado na época - os chineses seriam incultos e ignorantes - eles buscavam, de fato, educar-se o quanto podiam, criando uma das maiores redes escolares do 37 mundo: Não há, com efeito, aldeia por mais insignificante que não tenha a sua escola. Aí aprendem os rapazes, desde a idade de 6 até 10 anos, a língua escrita, na medida das suas necessidades, um pouco de história e as regras do cerimonial familiar. Os mestres são remunerados por uma porcentagem das colheitas ou dos lucros industriais dos pais, obtendo- -se desse modo uma repartição equitativa das cargas da instrução, de cujos benefícios gozam igualmente os filhos de ricos e pobres. Não houve necessidade na China de decretar o ensino obrigatório; aí envergonham-se os pais de que os seus filhos não saibam tanto ou mais do que eles; nas próprias cidades flutuantes abundam barcos- -escolas e até os navegantes empenham-se em transmitir aos filhos aquelas noções que têm. À exceção da ralé dos centros populosos, que forma uma classe à parte, repudiada pelas outras, todos os chins sabem, pelo menos, ler e escrever os caracteres da língua escrita de uso geral e os especiais a cada profissão (Lisboa, 1888:126-7). Ainda hoje, a questão educacional – herdada da visão confucionista de aperfeiçoamento pessoal – é um dos pilares fundamentais do processo de desenvolvimento da China, sendo considerada um elemento central no desenvolvimento das ciências, mas também, na manutenção das tradições e valores culturais desta civilização. 38 O parecer sobre a migração Poderíamos nos estender nas avaliações que Lisboa fez das instituições políticas chinesas (capítulo 8) ou ainda, comentar sobre as passagens pitorescas do relato, que lhe imprimem vivacidade na narrativa. Todavia, a última parte do livro de Lisboa alinha todo o conhecimento produzido em torno do ponto crucial da missão: se trata de uma ampla análise da questão da emigração chinesa, sobre o qual seu parecer foi amplamente favorável, após a experiência de visitar o país. Tentando combater as críticas da intelectualidade brasileira, seu trabalho buscava responder aos principais pontos levantados contra a vinda desses migrantes, identificando seus aspectos positivos na composição da força de trabalho brasileira. Estabelecendo um amplo diálogo com o trabalho de Salvador Mendonça, Lisboa atravessa os impositivos das questões estatísticas, os problemas da racialidade e compara as experiências da Califórnia para sugerir, ao fim, que: Não creio porém que haja no Brasil quem sacrifique as conveniências da pátria, o seu rápido e certo progresso material e a resolução das dificuldades que oferece a substituição do trabalho escravo, ao interesse individual de uma determinada raça europeia; nem existe tampouco entre nós fração alguma de estrangeiros à qual possa fazer sombra a vinda dos chins. Infelizmente, ainda sobra no imenso império bastante espaço para que as duas raças possam concorrer independentes para o aumento da produção, para a exploração das suas enormes riquezas naturais. Lá onde o europeu não medra nem poderá medrar, que venha o chin emprestar a força da sua inteligência, da sua atividade e das demais qualidades econômicas que, na frase do sr. de Varigny, o tornam um trabalhador incomparável (Idem, 1888:308). 39 Notável que, embora suas opiniões fossem favoráveis aos chineses, suas considerações sobre os trabalhadores afrobrasileiros mantinham-se aferradas aos preconceitos próprios da época (Idem, 1888: 318-9). Seu relatório foi extensamente debatido nos meios políticos. Lisboa chegou mesmo a escrever para o grande adversário da imigração, Joaquim Nabuco (Lisboa, 1883) sobre as vantagens da vinda dos chineses. Nove anos depois da viagem, em 1888, ele publicou a versão em livro, que circulou em meio ao debate ainda aceso. Em 1883, Tang Jingxing (1832-1898) viera ao Brasil, sendo recebido na corte, a fim de entabular uma nova tentativa de envio de chins para o Brasil (Bessone et ali, 2010). Embora ele não tenha sido bem sucedido, o assunto despertara mesmo o interesse dos chineses: o erudito Kang Youwei (1858-1927) escreveu um projeto de emigração em massa para o Brasil, e Fu Yunlong (1840-1900), um dos mais importantes políticos do império e defensor da vinda dos chineses para o nosso país, visitou a corte imperial em 1889, encontrando com Pedro II (Mao, 2007). Pouco depois a República seria proclamada, adiando novamente a implantação de um programa nesse sentido (Lee, 2018: 43-7). No livro Os chins do Tertatos (1894), Lisboa continuaria a elaborar o projeto de emigração asiática para o Brasil: Convencido de que a aquisição de braços para o trabalho sem distinção de procedência é a mais urgente necessidade do Brasil, não combato a introdução de trabalhadores japoneses, limitandome a estudar as vantagens e dificuldades dessa introdução comparada com a dos chineses. Esforço-me, nesse estudo, por emitir um juízo correto e imparcial sem deixar-me influir pela justificada preferência que poderia merecer-me a imigração chinesa, há tantos anos estudada e aproveitada, posta em paralelo com a japonesa, só recentemente experimentada. (Lisboa, 1894:16) 40 Defensor tenaz da ideia, ele veria sua proposta se realizar de outra forma, quando se transferiu para o Japão, servindo como Cônsul por lá entre os anos de 1897 e 1900. Embora defendesse a vinda dos chineses, seriam os japoneses que cumpririam o papel da imigração asiática no Brasil, construindo a maior colônia nipônica do mundo no interior de São Paulo. A vinda dos japoneses acabou praticamente encerrando a questão da imigração chinesa para o Brasil. O modelo adotado seria, contudo, bem diferente do proposto no tempo do império: ao invés de trabalhadores temporários, vieram famílias inteiras, como colonos, da nação ‘mais europeia da Ásia’ – o que, de certo modo, era o que os próprios japoneses pretendiam (Fukuzawa, 1885). 41 A questão sinológica – a herança da visão modelar O trabalho de Henrique Lisboa foi basilar no desenvolvimento de uma visão cultural sobre a China no Brasil. Apesar da Sinologia não se tornar um campo de estudos acadêmicos contínuo no país, a abordagem de Lisboa ensejou a criação de uma visão modelar (Bueno, 2018), que colocava a China como uma espécie de campo de experiências a ser analisado (e no futuro, comparado) pelos brasileiros. Desde Lisboa, uma série de diplomatas, viajantes e intelectuais visitou a China, avaliando seus exemplos e propondo que algumas das práticas dessa civilização poderiam ser empregadas na solução dos problemas brasileiros. De forma pontual, diversos autores relataram a situação do país, pensando-o como um modelo a ser contraposto a nossa realidade (Leite, 1999: 261-8; Bueno, 2020). Um curioso livro, Cartas de um chinez do Brasil para a China (Mantua, 1923), aproveitava para criticar a realidade brasileira a partir de uma suposta visão chinesa – hoje sabemos que se trata de uma construção fantasiosa de um autor brasileiro, mas a sátira incorporava a ideia da China como um reflexo crítico a nossa sociedade. Do mesmo modo, personagens centrais da história chinesa, como Confúcio, entraram no imaginário brasileiro, cumprindo funções diversas no campo religioso e filosófico (Bueno, 2018b). Henrique Lisboa conseguiu, por fim, qualificar-se tal como um sinólogo, e seu livro marcou o início de uma experiência sinológica no Brasil, expressa na arguta observação antropológica e no domínio de conteúdos culturais acerca dessa civilização. Embora o projeto de estudar a China de forma institucional tenha se desarticulado com o fim da viagem – e do império –, a civilização chinesa continuaria a ser um objeto intrigante de estudos, e diversos pesquisadores brasileiros se 42 debruçariam sobre ela no futuro. 43 Referências ABREU, José Coelho da Gama e. Do Amazonas ao Sena, Nilo, Bósphoro e Danúbio: Apontamentos de Viagem. Tomos I-III. Lisboa: Typographia Universal, 1874-76. ALMEIDA, Francisco Antonio de. 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