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Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco Revisiting the Terra sem Males’ Macalss in Pope Francis’ times Aloir Pacini1 Marina Garcia Lara1 DOI: http://dx.doi.org/10.20435/tellus.v22i47.779 Resumo: O presente trabalho tem como objetivo compreender a dinâmica em torno da Missa da Terra sem Males, celebrada na Catedral da Sé, em São Paulo, para relembrar a resistência dos povos indígenas aos conquistadores. A partir da análise de publicações, relatos, documentários, músicas e vídeos sobre a missa, o artigo busca fazer um diálogo antropológico entre o momento vivido há 42 anos e as reflexões sugeridas pelo Papa Francisco para os tempos atuais. Ademais, destaca-se a importância desse diálogo nos 50 anos da fundação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), especialmente em um contexto de pandemia, quando vivemos, intensa e conjuntamente, em busca de uma terra sem males. Palavras-chave: Guarani; Missa da Terra sem Males; Papa Francisco; pandemia. Abstract: This paper aims to understand the dynamics around the Terra sem Males’ Mass, celebrated at the Catedral da Sé in São Paulo, to remember the resistance of the indigenous peoples to the conquerors. Based on the analysis of publications, reports, documentaries, music, and videos about this mass, the article seeks to make an anthropological dialogue between the moment lived 42 years ago and the reflections suggested by Pope Francis for the current times. Furthermore, the importance of this dialogue is highlighted in the 50 years since the founding of the Indigenous Missionary Council (CIMI, Conselho Indigenista Missionário, in Portuguese), especially in a pandemic context, when we live, intensely and jointly, in search of a land without evils (terra sem males). Keywords: Guarani; Terra sem Males’ Mass; Pope Francis; pandemic. 1 Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA 1 INTRODUÇÃO 1.1 A Missa como gatilho da memória A Missa da Terra sem Males aconteceu no dia 22 de abril de 1979, no bojo de um Brasil que pressionava o Regime Militar para voltarmos à Democracia, e teve grande repercussão espiritual e social, mas atingiu também as estruturas da política estabelecida no poder. A Igreja Católica, articulada em torno da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, foi uma das instituições que mais colaborava para que tal Missa fosse celebrada. Uma polêmica foi gerada com o movimento ultraconservador Tradição, Família e Propriedade (TFP) no momento em que a Igreja Católica vivia tempos de grande perseguição no Brasil, porque se colocara contra o Regime Militar.2 Porque toda Missa verdadeira escandaliza necessariamente. A Missa é sempre uma ruptura, um Sacrifício, uma Passagem libertadora da Morte para a Vida: PÁSCOA. Os cristãos primitivos tinham uma consciência mais clara do risco que significava celebrar a Ceia Pascal do Senhor, aquela “memória perigosa”. (CASALDÁLIGA, 1980, p. 14). Em 12/10/1976, na Delegacia de Ribeirão Cascalheira (Mato Grosso), os policiais tinham martirizado barbaramente o jesuíta Padre João Bosco Burnier, na frente do bispo Dom Pedro Casaldáliga. O crime consta na Comissão da Verdade como provocado pela Ditadura Militar. O jesuíta atuava, no momento, como coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI-MT) e tinha parentes de alta patente no Exército brasileiro. O contexto de sua morte refere-se a um conflito específico em que os policiais foram expulsar os posseiros sem-terra onde plantavam seu roçado. No confronto, um policial foi morto. A comunidade estava alarmada com os gritos de duas esposas dos sem-terra que estavam sendo torturadas durante o dia todo na Delegacia de Polícia. O motivo da tortura- mascarada de “interrogatório”-, era obter informações sobre a localização de seus maridos e filhos, que haviam fugido no mato. O objetivo final, 2 Membros da TFP que provocaram o golpe militar e o sustentaram tiveram dificuldades de aceitar a Missa nova (Missa de Paulo VI, rito ordinário, Missa de 1969) porque preferiam a Missa em Latim, isso em tensão nas relações com Dom Paulo Evaristo Arns, porque criaram a hipótese de um Papa Herege, aqui atacaram a Missa da Terra sem Males como "sacrílega" e "blasfema". 166 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco certamente, seria um novo massacre por vingança. Dom Pedro Casaldáliga e o Padre João Bosco Burnier encorajaram-se para pedir que os policiais parassem com os atos brutais contra as mulheres. Contrariados, os policiais simplesmente exigiram que voltassem para a “sacristia” e que não interferissem em uma questão policial. Conforme Dom Pedro deixou documentado nos arquivos do CIMI-MT, enquanto testemunha ocular dos fatos diante da insensibilidade dos policiais, o Padre Burnier afirmou, categórico: “Amanhã estou indo à Cuiabá e vou denunciar vocês aos seus superiores.”3 Vendo-se desafiados em tempos em que a ditadura militar acobertava a tortura e a morte de civis, o policial Ezy Ramalho Feitosa4 deu uma coronhada que derrubou o Padre Burnier no chão. Em seguida, disparou um tiro em sua cabeça que o levaria à morte. O segundo contexto desse texto é o passado das Missões Guarani-jesuíticas no sul da América do Sul e o lugar de Sepé Tiaraju na luta contra a colonização. Sobre a pedra-ara das ruínas das Missões guaraníticas provocadas pelos exércitos de Espanha e Portugal, em 15/11/1978 aconteceu uma Romaria dos Mártires para São Miguel das Missões e o santuário de Caaró (RS). Ali celebraram a Missa dos trezentos e cinquenta anos dos três missionários jesuítas conhecidos como os Santos Mártires Riograndenses5: São Roque González, Santo Afonso Rodriguez e São João de Castilho. Com eles, celebrava-se o martírio de milhares de índios sacrificados pelos impérios “cristãos” de Espanha e Portugal, em destaque aparecia a figura do herói Guarani que ousou levantar-se contra os exércitos, Sepé Tiaraju, por muitos chamado São Seppé. As ruínas das Missões testemunham o intento missionário dos Guaranis6 com os jesuítas nos séculos XVII e XVIII, um 3 4 5 6 Isso mostra que o martírio foi uma reação à coragem do Padre Burnier de desafiar os policiais, o que desfaz a versão que se espalhou de que tinham confundido Dom Pedro, pois queriam matar na verdade era Dom Pedro. Burnier era na época o coordenador do Regional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI-MT), entidade anexa à CNBB que esse ano de 2021 completa 50 anos. Esse policial foi expulso da corporação e trabalhou como coveiro em Alto Paraguai (MT), onde era conhecido como Mata Padre; fez documentos falsos com o nome, Carlindo Rodrigues do Carmo, e constituiu família em Nortelândia (MT), onde faleceu em 05/02/2019. Como na época do martírio essa região pertencia à Província do Paraguai, houve um movimento grande para repatriar os mártires, pois o local do martírio era o Rio Grande do Sul e a devoção se espalhou por muitos lugares. Usaremos Guarani sempre com letra maiúscula em reconhecimento, no plural quando está dito num contexto geral e quando especificamos uma etnia dentro do povo maior colocamos Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 167 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA broto da República dos Guaranis, que mereceu os elogios insuspeitos de Voltaire e de Montesquieu. Essas Ruínas são também o testemunho constrangedor da barbárie dos cristianíssimos colonizadores ocidentais, nossos avós espanhóis e portugueses. Sepé Tiaraju, luzeiro na testa, “São Sepé” para a fé do Povo, corregedor da Missão de São Miguel e omais ilustre chefe guerreiro guarani, foi assassinado, juntamente com outros mil e quinhentos companheiros, pelos Exércitos de Espanha e de Portugal, irmanados na hora da barbárie. Nos campos de Caiboaté, dia 7 de fevereiro de 1756. Nessas Ruínas históricas e nesse Ano dos Mártires da Causa Indígena, nasceu a idéia da Missa da Terra-sem-males. Pensou-se, primeiro, numa Missa “missioneira” em torno às Missões dos Sete Povos Guarani. (CASALDÁLIGA, 1980, p. 10). Sepé Tiaraju era o corregedor de São Miguel na época e guiava milhares de Guaranis, que não aceitavam deixar os Sete Povos das Missões ou ficar sob o jugo dos portugueses como previa o Tratado de Madrid de 1750, porque tantas vezes os bandeirantes tinham atacado as Missões e levado seus parentes como escravos para São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Defendendo seu Pueblo foi martirizado com sua tropilha no dia 7/02/1756. Mesmo ferido na luta corporal, recebeu um tiro de dom Viana, Governador de Montevidéu. Sepé exigia que os dois exércitos não seguissem avante, pois São Miguel não os havia de receber: – No dia 7 de fevereiro deu-se nossa primeira ação. Saiu dom José Joaquim Viana – este o nome do já mencionado Governador de Montevidéu – e com uns 400 homens foi em seguimento de uma tropilha de índios. Estes se iam retirando na direção de um mato, donde se levantou um grande vozerio de outros, que ali se achavam para fins de emboscada. Mas, disparando-se lhes uma descarga, cessaram as vozes e, pelo fato de já ser tarde, retiraram-se os nossos, depois de perdidos dois homens da nossa parte e oito do lado desses índios. Um deles, segundo asseguram o parecer verdadeiro de alguns e o teor de duas cartas em guarani, que se acharam, era o Capitão Sepé. (ESCANDÓN, 1983, p. 306). Como dito anteriormente, o povo presente na mencionada Romaria o chamava São Seppé,7 nome da cidade de São Sepé, município no Rio Grande do Sul, 7 o hífen para mostrar a vinculação profunda, sem plural, assim: Mbyá-Guarani; Guarani-Mbyá; Guarani-Ñandewa; Guarani-Kayowá etc. Categoria êmica, ou seja, nomenclatura própria do campo e empregada como categoria de análise, pois os Mbyá-Guarani da aldeia Alvorecer (Kò èju) na T. I. Inhacapetum, usaram no CD 168 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco banhada pelas águas do rio São Sepé, afluente do Vacacaí. Diferentes momentos, mas ambos vivendo e sofrendo o martírio, nos levam ao terceiro contexto que traz a atualidade desse texto que reflete o cuidado com a casa comum solicitado pelo Papa Francisco como solução para a pandemia que assola o Brasil, bem como nos leva a aprendermos com os indígenas os ensinamentos do respeito à natureza. 1.2 Contexto histórico da Missa: a Aty Guasu Diferentes contextos, diferentes mundos que se conectam. Não por acaso, a Missa da Terra sem Males foi um ato público e político que contou com a participação de cerca de 7 mil pessoas – dentre eles, cerca de quarenta bispos e muitos padres- que se deixaram comover com a mística “libertadora do Evangelho” e o compromisso com a mística Guarani. Dom Pedro Casaldáliga reflete sobre a complexidade das Missões entre os povos indígenas e o acontecimento dessa Missa Ameríndia: Os Povos Indígenas do Continente, além do mais, tão diversificados em sua cultura e em suas realizações, foram reduzidos, pelos Povos Conquistadores, a categoria anónima e arrasada de “Índios”. Conhecidos como Índios apenas, como Índios foram depredados e confinados aos manuais e as vitrines. Sua Memória, então, devia ser celebrada numa só Missa, una e comum, um Sangue só e uma igual Esperança: a Missa Ameríndia (CASALDÁLIGA, 1980, p. 11). Curt Unckel Nimuendajú recolheu um mito da terra sem males entre os Guaranis que toca as sensibilidades religiosas até os dias de hoje (NIMUENDAJÚ, 1987). O trabalho do antropólogo é diferente do historiador, procuramos nos distanciar da dinâmica causa e efeito e buscamos o simbólico das culturas nas falas nativas que buscam expressar um possível original ou o autêntico naquilo que estão vivendo. No documento da Missa, que atribui o conceito terra sem males aos Guaranis, não entraremos em discussão sobre o que possa ser autêntico na memória das pessoas. Simplesmente observamos a atualização daquilo que aconteceu no passado, e revelamos a relevância desses fatos no momento presente. Queremos compreender as reflexões nativas e percebemos que a memória é gravado em abril de 2004, na letra original do canto 02 o nome Oreruvixa karai seppé, traduzido assim Nosso chefe Seppé Tiaraju, talvez uma associação ao nome do jesuíta que tanto os auxiliou nos Pueblos das Missões, Anton Sepp. Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 169 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA seletiva, guarda o que mais foi emocionalmente forte naquela celebração, mesmo que tenha havido mestiçagens ou “casamentos” entre a cosmologia Guarani e a narrativa bíblica nesse imaginário dos fatos acontecidos. Podemos dizer que se trata de uma teologia índia, inculturada. A partir da concepção do mito cristão, na qual a nova terra, ou o novo céu que Deus Pai criara e dera a seus filhos para cuidar, era esperado que a sensibilidade católica criasse uma Missa de memória, perdão, denúncia e compromisso, foco deste escrito. A divulgação da Missa da Terra sem Males teve nomes de peso envolvidos: Dom Pedro Casaldáliga, Pedro Tierra (pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva) e os músicos Martin Coplas e Diana Pequeno, à qual temos acesso numa gravação em fita cassete pelas Edições Paulinas Discos (SÃO PAULO, 1980).8 O alcance dessa Missa não pode ser contabilizado, contudo, o interesse pelo tema aparece na internet, onde temos A Missa da Terra sem Males produzida em vídeo pela Verbo Filmes (1979), publicada pelo Armazém Memória. Em março de 2021, durante a escrita deste trabalho, o vídeo havia sido reproduzido quase 7 mil vezes. As imagens da Missa se mesclam com cenas filmadas nas aldeias Guaranis da antiga Missão Paraquaria, considerado nas falas daquele momento que foi levado avante pelo ideal inspirado por Deus aos jesuítas e aos Guaranis. A utopia possível da Terra sem males foi vivida especialmente nos Trinta Povos das Missões que prosperaram ou existiam em 1750 e que foram duramente abalados pelas políticas coloniais, construída pela luta dos indígenas e jesuítas oprimidos de uma época memorável. Conforme correspondência entre os governos locais e os reis de Espanha e Portugal, convém lembrar aqui que uma das causas dos jesuítas serem expulsos nas colônias portuguesas em 1759 e das colônias espanholas em 1768 seria a sua “insubmissão” aos reis. Os que não cederam aos poderes da época, morreram pelo caminho, ficaram presos no Castelo Sant’Angelo em Roma onde nem o próprio Padre Geral dos jesuítas podia receber a comunhão, pois a Congregação fora supressa pelo Papa da época. 8 A Biblioteca Digital Curt Nimuendajú disponibiliza a Missa da Terra sem Males (CASALDÁLIGA; TIERRA; COPLAS, 1980, p. 91), com textos, indicação do ritual, partituras das músicas e 21 fotografias de Cláudia Andujar representando Yanomami, Bóe (Bororo), Xikrin, Tapirapé e Yny (Karajá) e um bônus especial em arquivo sonoro: Diana Pequeno canta e recita um excerto da Missa, em gravação de 1982. Observe o detalhe no texto que está indicado a lápis as partes onde Diana Pequeno participa para abrilhantar o ritual, como o canto de abertura. 170 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco É importante termos uma compreensão do que era a Aty Guasu, o grande território tradicional dos Guaranis onde, em 1607, foi criada a Província Jesuítica do Paraguay que articulou a ação religiosa, social e cultural mais importante que pode ser nomeada como catequização9 dos povos nativos americanos em cerca de 80 Missões. Evidenciamos que as Missões Guaranis, iniciadas em 1610, marcaram também a experiência dos jesuítas nas Américas. Os jesuítas tinham conseguido que o título súdito do Rei de Espanha para os indígenas evitasse que fossem escravizados. Havia uma rede de comunicação entre as Missões numa espécie de cristandade primitiva, mas cada um desses Pueblos formava uma sociedade com gestão bastante autônoma, tinha território próprio para estâncias, ervais e do Pueblo, onde um cabildo10 com um ou dois jesuítas decidiam o ritmo da cidade e a produção para sua sobrevivência. Esse modelo de sobrevivência nas colônias espanholas era distinto do que encontramos no Brasil, muito mais baseada na escravidão. Um detalhe que pode ser observado na colônia do Brasil, acobertado pelos reis de Portugal era o ataque das muitas Bandeiras bem estruturadas com incremento forte de mamelucos paulistas11 que se juntavam frequentemente para atacar as Missões para a escravização dos indígenas Guaranis. Apesar de serem documentos coloniais com intencionalidade na sua divulgação que correspondia à Província jesuítica do Paraguai, os mapas a seguir são um auxílio importante para compreender dados relevantes da localização dos conflitos nas fronteiras que deram origem à Guerra Guaranítica de 1750 a 1756, onde surgiu o heroico Sepé Tiaraju. Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 171 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA Mapa 01: Paraquariae provinciae societas Jesu cum adiacentib novíssima descriptio Fonte: Site cartografiahistorica (1760). A dedicatória do mapa acima, ao Geral da Companhia de Jesus, Padre Vicente Carrafa (1585-1649) mostra que trata-se de uma cópia fiel da matriz produzida por integrantes da Companhia de Jesus, que tinham por costume dedicar alguns mapas aos Padres Gerais12 em exercício. Convém recordar que os mapas são desenhados a partir de outros mapas e em cada um o artista retira ou coloca alguns 12 Padre Geral é a forma como os jesuítas referem-se ao Superior de toda a Ordem ou Congregação que está em Roma, por muitos chamado Papa Negro, porque usa roupas pretas. 172 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco dados que considera relevantes, ou seja, são representações da realidade que merecem estudos aprofundados, mas não correspondem exatamente ao que é o chão da região das Missões dos povos Guaranis. O mapa acima representa as Missões Jesuítas na margem esquerda do rio Paraguay que abrange sumariamente a Aty Guasú que, pelo Tratado de Tordesilhas, ocupava a bacia do rio Paraná e Uruguay, pertencentes aos reinos de Espanha, segundo o mapa a seguir. Mapa 02: Fronteira do Brasil na América do Sul por ocasião da Guerra Guaranítica de 1756. São Borja, 20 de fevereiro de 1759. AGS. M. P. y D. IV-36. Estado. Legajo 7399-14. De uma carta de Pedro de Ceballos a Don Ricardo Wall 13 A fronteira sul do Brasil na América do Sul aparece no mapa acima com a linha divisória primeira entre a coroa portuguesa e espanhola (Tordesilhas, 1492) e, por ocasião do Tratado de Madrid em 1750, pendendo para dar ao Brasil mais que o dobro do seu território. A Guerra Guaranítica tumultua um pouco essa https://i.pinimg.com/originals/f0/62/5c/f0625ce202a51bb8eb57a9aa4a63b252.jpg 13 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 173 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA fronteira sul do Brasil que se torna mais incerto com o Tratado de Santo Ildefonso (01/10/1777) que volta atrás em alguns aspectos, mas sem solução estável, pois as fronteiras dos impérios estavam sendo negociadas desde o início da invasão europeia, e os Guaranis das Missões e os jesuítas representavam um problema para a livre negociação. Os demais Tratados continuarão de muitas formas segundo os interesses dos países que vão se tornando repúblicas em torno do Brasil. Cada época mostra nos mapas das fronteiras os diferentes interesses como documentos históricos, para termos uma ideia da complexidade do momento da Guerra Guaranítica na fronteira sul do Brasil. Apesar de não ser um tema aprofundado neste trabalho, é importante destacar que a sobrevivência de trinta Missões Guaranis no centro-sul da América do Sul é um fato histórico que foi abortado no Tratado de Madri (1750) e na Guerra Guaranítica que seguiu até 1756. Mapa 03: Trinta Missões Guaranis na margem esquerda do rio Paraguay e nas bacias do rio Uruguay e baixo Paraná Fonte: McNaspy, (1976, p. 36). 174 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco É possível notar no mapa acima que a Missão de São Miguel é a mais adentrada nesse momento na região do Tape, por isso foi a primeira a ser atacada pelo exército de Portugal/Brasil. Para compreender o contexto da Guerra Guaranítica, os Guaranis da região dos Sete Povos das Missões estavam ligados aos jesuítas e à Espanha. Os Guaranis recusavam-se a deixar suas terras no território que hoje é o Rio Grande do Sul e a se transferir para o outro lado do rio Uruguay, conforme ficara acertado no acordo de limites entre Portugal e Espanha de 1750. As tropas espanholas e portuguesas juntaram-se para fazer cumprir as decisões vindas das Metrópoles quanto à transmigração dos 7 Povos das Missões no Rio Grande do Sul para o outro lado do rio Uruguai, ou ficarem submissos ao Imperador do Brasil, o que os indígenas não aceitaram, e foi inevitável a Guerra (1754-1756). 1.3 As Missões Guaranis conectadas com os Mbyá-Guarani atuais Vamos retoma o caminho e dar um passo além. As Missões Guaranis estavam no território da Aty Guaçu que em grande parte eram dos Guaranis e outras etnias menores, também no outro lado do Uruguay, hoje Uruguai, Argentina e Paraguai. Os jesuítas começaram os Sete Povos em território tradicional de etnias que na margem esquerda do Uruguay estavam, e não era fácil deixar o lugar de seus antepassados. Mesmo sabendo que os exércitos imperiais eram muito equipados com armas de fogo e canhões, preferiram morrer que submergir sem uma resistência a essa invasão, mesmo depois da morte de Sepé Tiaraju. As pesquisas mostram que os Mbyá-Guarani são atualmente os que reivindicam essa conexão histórica com as Missões, por isso estão espalhados nesses lugares tradicionais em territórios regularizados ou não como Terra Indígena, como é o caso da aldeia Alvorecer (Kò èju) na T. I. Inhacapetum que estava habitada por cerca de 200 Guaranis e Guarani-Mbyá e que fazem a venda de seus artefatos no Sítio Arqueológico de São Miguel. Os Mbyá-Guarani da aldeia Kò èju mencionaram no dia 22/06/2021, quando estávamos em viagem de campo pela região das Missões, sobre a importância da Cruz com duas hastes horizontais que foram fincadas na praça central de cada uma das Missões Guaranis. Assim contemplam a cosmovisão Guarani de que existe uma terra além, a Terra sem males e, já nessa terra, galgam outros mundos possíveis, espirituais. Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 175 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA As romarias da terra em São Gabriel (RS)14 onde Sepé Tiaraju fora martirizado, os esforços da Igreja Católica pela declaração de santidade dos três beatos mártires riograndenses (desde 1934), o que finalmente aconteceu em 1988, e as devoções e peregrinações para Caaró (RS) onde esses jesuítas foram martirizados formam o contexto histórico da Missa da Terra sem Males. Por outro lado, haviam as chamadas Missas missioneira, crioula, ou mesmo gauchesca que se espalharam pelo Rio Grande do Sul até os nossos dias, em torno do nativismo ou movimentos farroupilhas que possuem nas Missões dos Sete Povos Guaranis uma referência mítica, porque ali a gauchada pensa que sua origem fora trocada, vilipendiada no Tratado de Madrid de 1750. Esses movimentos locais ganharam dimensões nacionais nessa Missa do 22 de abril de 1979 no centro financeiro do país, muito próximo dos Guaranis Ñandeva e Kaiowá no Mato Grosso do Sul que estavam sendo espoliados de seu território com o aval do Regime Militar (ver adiante caso de Tupã-y). Impressiona que até os dias de hoje os Guaranis afirmam diante da morte sistemática imputada pelos fazendeiros: Nossa mãe-terra precisa que a defendamos, nem que seja com a nossa vida, é uma prova de amor.15 A moradora da Terra Indígena Yvy Katu, representante da Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, Leila Rocha Lopes foi incisiva na compreensão do martírio ou do sacrifício a que são chamados, e foi lembrando de Marçal Tupã-y (Guarani-Ñandeva), Dorvalino Rocha, Xurite Lopes, Nísio Gomes, Clodiode de Caarapó (o agente de saúde Aquileu Rodrigues de Souza). Diante da plateia, mostrou sua visão holística, a conexão com os antepassados e com a mãe-terra em uma fala pública no Sínodo para a Amazônia: Ñanderu está do nosso lado, vivendo com a gente, cuidando de nós. Mesmo quando a gente morre, estamos conquistando um pouquinho da terra para nós cuidar. [...] Ñanderu está do nosso lado, vivendo com a gente, cuidando de nós. Mesmo quando a gente morre, estamos conquistando um pouquinho da terra para nós cuidar. Nós não temos mais para onde ir. [...] Deus em As quatro primeiras Romarias tinham sido realizadas em São Gabriel (RS) https://cdhpf.org.br/ artigos/romarias-da-terra-resgate-e-analise-dos-40-anos/ 15 Essa fala informal de Leila Rocha Lopes, liderança Guarani-Ñandeva, foi ouvida por Aloir Pacini nos espaços da Casa Comum por ocasião do Sínodo para a Amazônia em Roma (09/10/2019), que narrava a resistência histórica de seu povo e os conflitos fundiários que enfrentam. Tratase de um modo de enfrentar específico: parece que estão dispostos a morrerem, não saem de seus territórios tradicionais mesmo que isso os leve à morte violenta nessa terra, talvez por causa da sua dimensão espiritual que remete para outros mundos espirituais. (PACINI, 2018). 14 176 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco primeiro lugar, damos nome Ñanderu, está conosco na terra, ensinou como a gente deve viver. Mesmo que a gente for matado, não podemos matar. A gente sente muita saudade das pessoas que já partiu da terra. Eu já perdi muitos dos meus parentes, lideranças tradicionais que cuida dos remédios, da terra e Deus sabe onde eles estão agora. A gente não vê o Espírito que está aqui no nosso meio, mas ele defende o nosso povo. Eu amo meu povo, eu amo Deus do jeito que ele me ama. Eu amo o mato e o rio, quem não conhece o Deus verdadeiro, está matando o rio, a terra. Ele não sabe o que fala, porque temos um dono que cuida de nós, da nossa terra e um dia vai limpar dessa gente que mata. Ñanderu está vendo o índio, a raiz da terra. [...] A gente já passa comendo comida envenenada, bebendo água envenenada, trazendo doença pra nós. Ajuda nós construir água limpa, mato grande para viver na sombra... (Roma, 10/10/2019; transcrição Aloir Pacini). Forçoso é olhar para os dias atuais e compreender o que aconteceu no dia 10 de fevereiro de 1756, quando o corregedor de Concepción, Nicolau Neenguirú (Languiru), continuou no comando dos Guaranis e, na Batalha de Caiboaté, onde foram massacrados16: O sítio do Caaiabaté e suas vizinhanças era o lugar determinado, para onde tinham de encaminhar-se os índios que, depois do Capitão Sepé, saíram de seu Povo e dos demais. Diga-se, porém, que ainda não havia chegado a ele ou às suas imediações nem a metade dos ditos índios, quando ali já se encontravam os dois exércitos, prosseguindo sempre as suas marchas regulares e bem ordenadas. (ESCANDÓN, 1983, p. 307). Em longos traços, existe uma causa para tamanha tragédia que está sendo rememorada na Missa da Terra sem Males: o expansionismo do Império português que passou a exercer cada vez mais soberania para além de suas fronteiras. Os territórios das Missões jesuíticas situadas no atual Paraná, a leste ou ocidente do Rio Uruguay eram atacados pelos bandeirantes já no século XVII e seguinte. Na margem direita do rio Guaporé as Missões de Chiquitos e Mojos sofreram a mesma invasão, sobre o rio Cuiabá e também sobre a margem esquerda do baixo rio Paraguay durante a primeira metade do século XVIII. Esses acontecimentos podem ser acessados no filme “A Missão” dirigido por Roland Joffé (1986). A expulsão dos jesuítas das colônias portuguesas (1759) e espanholas (1769) levou posteriormente à supressão da Companhia de Jesus (jesuítas), acusados de 16 Entre mais de 1500 Guaranis mortos, apenas 4 soldados dos exércitos imperiais, conforme www. portaldasmissoes.com.br/site/view/id/1829/batalha-de-caiboate.html Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 177 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA regicídio pelo Marquês de Pombal. Os locais dos Sete Pueblos das Missões foram destruídos pela guerra, e isso foi associado à expulsão dos jesuítas, o que levou à decadência das Missões na região, e as sedes das fazendas das Missões foram entregues em forma de sesmarias para os comandantes dos Exércitos vencedores, em forma de prêmio pela conquista. 2 MISSÕES GUARANIS E A BUSCA PELA TERRA SEM MALES Nos tempos remotos, os jesuítas das Missões foram até o Pico do Monte Negro, o ponto mais alto do Estado do Rio Grande do Sul, a 1403 metros de altitude na borda do cânion e ali celebraram a Missa, a 45 quilômetros da sede do atual São José dos Ausentes para deixarem-se inspirar na forma de estabelecer as Missões com os Guaranis.17 Dada a necessidade de quarentena nesse tempo trágico que estamos vivendo na pandemia do Covid-19, cada um de nós pode celebrar como Teilhard de Chardin,18 em nossas casas, os altares domésticos, estendendo as mãos sobre alimentos, frutos da terra ou elementos da natureza que estão ao nosso alcance, consagrando-os para incorporar as forças espirituais e refletir nessa presença dos sábios indígenas em comunhão de mentes e corações com nossa história. Outra Missa sobre o mundo foi feita pelo Padre Pedro Arrupe em 23/08/1939 a 3.776 metros de Altura no monte Fuji-san (Japão) que entrou 18 vezes em erupção desde 1707.19 Nomeado Padre Geral, Arrupe defendeu publicamente a obra do Padre Teillard de Chardin, antropólogo e paleontólogo, pois era um esforço do apostolado da Companhia de Jesus, por isso atuava no Concílio Vaticano II com Karl Rahner e Henri de Lubac. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pico_do_Monte_Negro Teilhard de Chardin (1891-1955) jesuíta, cientista (paleontólogo e geólogo), filósofo e teólogo foi solicitado a calar-se pelo Papa da época em relação aos diálogos que fazia entre fé e ciência. Enviado ao deserto de Ordos, China, onde não podia celebrar a Eucaristia, ali escreveu a Missa sobre o Mundo em 1923; www.ihu.unisinos. br/78-noticias/541655-pierre-teilhard-de-chardin-a-sabedoria-do-teologo-da-noosfera 19 O Padre Arrupe estava em 6/08/1945 Hiroshima com cerca de 400 mil habitantes transformou-se de uma hora para a outra e, como era médico, transformou o noviciado da periferia Nagatsuka em hospital. Fez uma oração por aqueles que tiveram a crueldade selvagem de jogar a bomba atômica: Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem. E pôs-se ao trabalho dia e noite. Em Nagasaki Arrupe erigiu um monumento na colina onde 26 cristãos foram crucificados por ordem de Hideyoshi em 5/02/1597, entre eles os jesuítas Pablo Miki, Juan Soan e Diego Kisai, que foi inaugurado em 10/06/1962. Nas Missões Guaranis de Sepé Tiaraju também uma delas tinha esses mártires como padroeiros. 17 18 178 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco Depois do Concílio e a Congregação Geral dos jesuítas, Arrupe passou um mês no Brasil de Dom Helder Câmara para convencer a Companhia de Jesus a libertar o ser humano de toda forma de injustiça e servidão, por isso dizia: nossa Missão hoje é o serviço da fé e a promoção da justiça. Esse Padre Geral dos jesuítas veio a Utiariti (MT) em 1968 para dizer aos missionários que saíssem do Internato que colonizava mentes e corações dos indígenas para ficar sujeitos a eles nas suas aldeias (PACINI, 2015). Esse foi o início do Conselho Indigenista Missionário e da aplicação prática do conceito enculturação, o que desmontou o projeto de aculturação que vinha acontecendo com a cruz e a espada, e assim iniciou-se um caminho sem volta. A Missão era inculturar-se, ou seja, viver na cultura dos indígenas para aprender com eles a viver o Evangelho, pois ali já estava lá sendo vivido na forma de partilha. A compreensão dos que organizaram a Missa da Terra sem Males é que Ameríndia sofreu um passado de cativeiro e aconteceu um saque monumental de suas riquezas como veias abertas durante os 500 anos de colonização. Por isso a percepção atual é que os povos indígenas de todo o continente anseiam pela “terra sem males” e o bem viver em comunhão com a natureza e com outras etnias (os Wapichana nomeiam: kaimen, ver Pacini, 2019). Agora tornou-se mais urgente a proposta da mencionada Missa da Terra sem Males, sem pandemia, sem o capitalismo devastador e isso ficou explícito a partir da Encíclica Laudato Si´ (PAPA FRANCISCO, 2015), primeiro documento enviado para ser absorvido pela Igreja e pessoas de boa fé para o cuidado da casa comum, um aporte explicitamente indígena que foi captado como um ensinamento para a humanidade. Por isso os organizadores da Missa da Terra sem Males, mencionam que a memória do sangue derramado celebrada gera Esperança quando consegue ser Ameríndia, pelo carisma e sensibilidade dos artistas que a rezaram e cantaram, mas principalmente por causa da presença do Cristo Eucarístico que estamos olhando com mais detalhes através da arte, através de sua poesia e canto: Eu sou América, sou o Povo da Terra, da Terra-sem-males, o Povo dos Andes, o Povo das Selvas, Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 179 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA o Povo dos Pampas, o Povo do Mar... Do Colorado, de Tenochtitlan, do Machu-Pichu, da Patagônia, do Amazonas, dos Sete Povos do Rio Grande... (CASALDÁLIGA, 1980, p. 11). Os Mbyá-Guarani inseriram em sua linguagem mitológica o utópico tom político e escatológico desta Missa há quarenta anos na Catedral da Sé em São Paulo e continuam secularmente clamando desde as terras do Guayrá (do Mato Grosso e Paraná) até o Tape (no Rio Grande do Sul), pois são eles os principais filhos da grande nostalgia, os buscadores incansáveis da terra sem males. Assim pensavam os que rezavam naquele dia 22/04/1979 ou rezam hoje nessa pandemia. Vi isso acontecer na aldeia Pindó Poty em Porto Alegre: o êxodo comovente nesta peregrinação pela terra-sem-males que trouxe a tensa alegria da Esperança no novo céu e a terra nova que Ñanderu jurou dar a seus filhos (PACINI, 2021). A Missa da Terra-sem-males é uma missa de memória, remorso, denúncia e compromisso. Ela nos atira no rosto esta realidade fatal: de todos os continentes escravizados - Ásia, África e América - a América é o único que não retornará a seus filhos. Não se trata de sonhar o impossível sonho de uma América puramente índia. [...]. Sem retórica, cabe dizer que os conquistadores Ingleses, Espanhóis e Portugueses se lançaram sobre o Continente americano como uma malta de saqueadores, reduzindo a escombros três impérios riquíssimos e exterminando, num espaço de quatro séculos, cerca de noventa milhões de índios. A Missa da Terra-sem-males brotou em terra Guarani, ó Povo-aliança da América Índia. No centro do Continente, os Guarani foram duplamente submetidos. O conquistador português ou espanhol, converteu a terra guarani em campo de batalha até a destruição completa de tudo quanto representasse trabalho humano ou humana aspiração. Contra toda a violência, contra todo o sangue derramado, o Povo Guarani foi capaz de sonhar a Terra-sem-males. Não foi um “Céu-sem-males”, foi uma Terra-sem-males, a utopia possível. A utopia construída pela luta de todos os oprimidos. A pátria libertada de todos os homens. (TIERRA, 1980, p. 22-3). 180 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco Contra toda a violência, contra todo o sangue derramado, o povo Guarani foi capaz de continuar a sonhar a terra sem males. Eles buscam também o céu sem males, por isso, como num espelho trabalham aqui na terra para que também vivamos sem os males da ganância da idolatria, das drogas, da poluição entre outros. Uma utopia sempre possível quando nos damos as mãos, quando construída na luta de todos os oprimidos em forma de paz para mudar as mentes dos opressores, o que evitaria que o oprimido também deixasse o opressor habitar sua consciência. Convivendo com os Guaranis, conseguimos compreender que a pátria definitiva nos céus mostra como devemos realizar o nosso trabalho aqui na terra. Poderia ter sido um poema, uma cantata, mas nasceu missa. Porque é impossível separar a história dos Povos Indígenas da América da presença da Igreja entre eles. A mesma Igreja que abençoou a espada dos conquistadores e sacramentou o massacre e o extermínio de povos inteiros, nesta missa se cobre de cinza e faz sua própria e profunda penitência. A penitência por si só não conduz a nada, nem sequer alivia a responsabilidade histórica que a Igreja assumiu ao lado do branco colonizador. Contudo, a História marcha e a Igreja mantém um laço profundo com os oprimidos da América. Que esta penitência contribua para que este laço se converta em compromisso com a marcha do Povo a caminho de sua libertação. (TIERRA, 1980, p. 23). Interessante é a captação das memórias passadas, pois Pedro Tierra escreve 8 de outubro de 1979 um texto intitulado A Missa da Resistência Indígena (Tierra, 1980, p. 21-23) para falar que sua inspiração começou a brotar sobre as pedras da Missão de São Miguel, fundada na margem direita do Ibicuí, em junho de 1632 pelos Padres jesuítas Pedro Romero, Cristóbal de Mendoza e Pablo Benavides com os Guaranis e outras etnias, hoje Rio Grande do Sul. Tratam-se de terras de fronteira entre a América espanhola e portuguesa, já dividida milenarmente entre as etnias indígenas, com conflitos agravados agora pela ganância e o fogo dos conquistadores: O templo semidestruído de São Miguel é um monumento testemunho do massacre do Povo Guarani, testemunho da resistência e da grandeza dos Povos Indígenas de toda a América. As pedras escurecidas pelo fogo e pelos séculos narram com seu terrível silêncio a passagem dos bandeirantes, a devastadora passagem dos exércitos de Portugal e Espanha. A própria História da Resistência dos Povos Indígenas aos conquistadores gestou no sangue esta Missa da Terrasem-males. [...]. Neste poema vulcânico, a América mergulha suas raízes na terraTellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 181 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA -mãe-ameríndia e retira dela a seiva elementar que nutre o sonho e a marcha de seus filhos. (TIERRA, 1980, p. 21). 3 UMA DESCRIÇÃO DA MISSA DA TERRA SEM MALES Uma Missa é ritmo e música, por isso se faz necessário que um músico organize suas partes para levar as pessoas a rezarem mais profundamente. Apesar de não tratarmos de todas as partes da Missa aqui porque não se trata de uma análise estrutural, trazemos algumas descrições que nos permitem apreciar, com todos os sentidos, os detalhes a partir de uma parte: Dentro de nossa memória histórica se afloram, desde suas entranhas, ritmos, melodias e instrumentos, que fazem parte da longa caminhada de nossos povos por tantos séculos dizimados e massacrados. Desde sempre. Desde o fundo escuro das minas, dos canaviais, dos engenhos, hervatais e madeireiras. (COPLAS, 1980, p. 27). O acesso ao importante ritual só é possível através de gravações e descrições que foram feitas por pessoas que se empenharam em preparar a Missa, e também das que participaram. Entretanto, sabemos que o planejado nem sempre acontece da forma como foi idealizado, uma vez que as inspirações do momento também contam para que o ritual seja “conduzido” pelo Espírito Santo, segundo os liturgistas. O texto deixado com indicações de quais instrumentos foram utilizados – do que eram feitos, quem os iriam tocar e quais vozes conduziriam os cantos, estimula a imaginação de quem lê: Tentando mostrar as raízes culturais de ‘’Nuestra América’’, selecionei para a Missa da Terra-sem-males alguns dos ritmos mais importantes e populares que representam as diferentes regiões deste Continente Americano. A Missa da Terra-sem-males é estruturada em sete movimentos musicais [...] Tentarei, de algum modo, também, registrar os diferentes instrumentos empregados para expressar as modulações regionais já citadas. Quena é um instrumento fundamental, original da América Latina, pertencendo à Era Paleolítica. As primeiras quenas foram feitas de pedra e osso. Atualmente são feitas de taquara. É um instrumento de sopro, com afinação pentatônica. (COPLAS, 1980, p. 27). É possível perceber como Martin Coplas procura explicar, em síntese, os detalhes da riqueza musical que povoam as tradições indígenas nas Américas e 182 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco que serão trazidos para o ritual, o que é descrito com detalhes nas páginas 28 a 31. No mistério dito em palavras, com três estrofes dedicadas para a Trindade Santa, o autor faz circular de forma harmônica o que se faz presente na terra-sem-males encarnada, e é celebrado nos mitos e ritos com o canto de abertura para nunca mais sair da memória dos que participaram, na voz de Diana Pequeno: Em nome do Pai de todos os Povos, Maíra de tudo, excelso Tupã. Em nome do Filho, que a todos os homens nos faz ser irmãos. No sangue mesclado com todos os sangues. Em nome da Aliança da Libertação. Em nome da Luz de toda Cultura. Em nome do Amor que está em todo amor. Em nome da Terra-sem-males, perdida no lucro, ganhada na dor, em nome da Morte vencida, em nome da Vida, cantamos, Senhor! (COPLAS, 1980, p. 33). Escrita, cantada e rezada em português, a Missa da terra-sem-males é como um rito de passagem dos cristãos para uma vida de fé adulta, comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e fraterna com a participação dos indígenas, num momento preciso em que a Igreja no Brasil estava identificada com o processo de redemocratização e todos enchiam-se de esperança. A adesão foi grande, como disse, quase quarenta bispos participaram da mencionada Missa, no dia escolhido para desfazer o mito da descoberta do Brasil e apreciaram o texto recitado e musicado (em anexo) que ambienta e traduz uma Celebração Eucarística que, segundo a Igreja Católica é o momento de memória e atualização do mistério do martírio de Jesus Cristo, dos jesuítas e dos indígenas. Ao ler esta Santa Ceia, parece que dois momentos maiores tomaram conta dos que participavam de forma plena, como textos indigenistas: a “Memória Penitencial” e o “Compromisso Final”. Claro que aqui falamos de uma memória Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 183 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA possível da época, num diálogo entre américa ameríndia e a consciência coletiva de nossa civilização – colonizadora e missionária fazia-se presente e expurgava processos de exploração. O compromisso, alternando trágicas referências históricas com o grito coletivo da comunidade celebrante: “Memória, Remorso, Compromisso!” No decorrer do ritual da Missa é rememorado a morte do Cristo e sua ressurreição, sua Páscoa pessoal já completa, porém ficava o contraste com a Páscoa ameríndia, carregada de mortes até os dias de hoje e que precisa de atualização urgente. Toda a Missa, entretanto, foi traspassada de uma incontida Esperança como virtude teologal e um inevitável compromisso político e evangélico que parecia tornar acreditável e eficaz, aqui e agora, a Escatologia cristã: “A Missa invoca seus Santos: do lendário Montezuma até o missionário João Bosco, fuzilado, a meus pés20, pela Polícia Militar, na delegacia de Ribeirão Bonito.” (CASALDÁLIGA, 1980, p. 17). Diante dos fatos, o canto emocionado à Mãe de Guadalupe, padroeira da América Latina manifestada ao indígena São Juan Diego, definia aquele espírito eclesial na vontade de convocar e de congregar todos os povos do Continente, numa só marcha pela libertação: Morena de Guadalupe, Maria do Tepeyac, congrega todos os Índios na estrela do teu olhar, convoca os Povos da América que queres ressuscitar. (CASALDÁLIGA, 1980, p. 18). Ademais, o que importava era celebrar toda a Missa, comprometendo-se com o cuidado do bem viver na casa comum, ressaltado na causa dos povos indígenas, para viver e encontrar a terra-sem-males, ou melhor, construir dia após dia o bem viver nas relações de respeito para com a natureza, com as pessoas e com Deus, com paciência e perseverança. 20 Não é superficial a expressão “a meus pés”, pois ameaças podem ser percebidas até por gestos com as mãos em forma de armas, feitas por seguidores do atual presidente do Brasil. Além do mais, dentro do contexto do estímulo à violência sem justificação causal, fazemos memória ao massacre de quatro Chiquitanos, ocorrido no dia 11 de agosto de 2020 na comunidade San José de la Frontera por policiais do GEFRON: https://cimi.org.br/2020/09/ dois-massacres-ainda-sem-respostas/ 184 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco “Uirás” sempre a procura da Terra que virá, Maíra nas origens, no fim Marana-tha! (CASALDÁLIGA, 1980, p. 18). A mencionada Missa, que representa o sentido de sacrifício de Cristo pelos pecados para os católicos, nos parece ter no viés penitencial o intento de lavar das Américas os massacres de Cortez, Pizzarro, Valdívia, Raposo Tavares, Borba Gato e tantos outros já registrados. A análise do ritual mostra que a Igreja Católica fazia um esforço de retorno à prática de Jesus, inspirada pelo Concílio Vaticano II (1964-5). A percepção era que os humanos erram desde sempre e os cristãos não deixam de ser pecadores assim no mais, ou pelo fato de serem discípulos de Jesus Cristo. Com o governo atual do Brasil, vemos com mais clareza que somos herdeiros dos missionários de ontem que tiveram seus esforços de altruísmo, mas dentro de uma história de colonização, andaram nas brechas do sistema estabelecido do mercantilismo com seus pecados e méritos. Assim, Casaldáliga publica a carta escrita para os leitores do Mensageiro, o meio de comunicação de sua Prelazia, que deseja superar as polêmicas em torno da Missa (p. 15-8), dizendo: “Acredito na missão que foi a vocação de Jesus, que é essência da Igreja, no dizer do Vaticano II. E me sinto herdeiro dos missionários de ontem- de seus pecados e de seus méritos. O “nós” da “Memória Penitencial” da Missa é um nós eclesial, coletivo.” (CASALDÁLIGA, 1980, p. 15) Insistindo, os “nós” da Missa remetem ao coletivo eclesial em virtude dos erros cometidos ontem e hoje pela Igreja Católica também. Solo (C): Eu era a Terra livre, eu era a Água limpa, eu era o Vento puro, fecundos de abundância, repletos de cantigas. Todos: E nós te dividimos Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 185 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA em regras e em fronteiras. A golpes de ganância retalhamos a Terra. Invadimos as roças, invadimos as tabas, invadimos o Homem. (COPLAS, 1980, p. 46). Notamos que a música tem seu ritmo pautada pelos sons alcançados nas vozes e nos diferentes instrumentos musicais, auxílios valiosos para que chegasse na memória e no coração das pessoas como uma experiência espiritual relevante. Isso fez com que essas marcas auxiliassem para gravar e decorar tais canções, algo muito semelhante ao que os povos tradicionalmente fazem em relação aos mitos que são compostos com personagens típicos em cada cultura e são narrados com imagens, como mitemas, diria Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Ou seja, estamos trazendo essa compreensão de que os sons ritmados das músicas como estradas ou trilhos de um trem (ou partituras) auxiliaram a memória para fazer com que esses cantos fossem decorados e cantados de geração em geração: ou até mesmo fossem encenados na hora da narração, e, sobretudo, quando são ritualizados, porque ali são recordados e atualizados com mais facilidade na posteridade, sempre segundo os dons dos artistas. 4 SÃO SEPÉ TIARAJU E MARÇAL TUPÃ-Y: HERÓIS DA PÁTRIA América Ameríndia ainda na Paixão um dia tua morte terá Ressurreição! (Epílogo in Casaldáliga, 1980, p. 5; 13). Atendendo ao espírito da época de pressão contra a ditatura militar, a Missa da terra-sem-males queria ser revolucionária não só na forma de celebrar, mas também ao homenagear o herói indígena que passou para a história na Guerra Guaranítica contra os impérios de Portugal e Espanha, atribuindo-lhe o título de santidade, dado que foi morto, derramou seu sengue como Cristo, defendendo o seu povo. Apesar de não constar no rol oficial dos Santos da Igreja Católica, 186 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco desde o século XVIII, o povo do Rio Grande do Sul canonizou o cacique Guarani como São Sepé Tiaraju. Em 07/02/1756, esse índio deu a vida por seu povo e para que a terra ancestral pudesse permanecer com seu povo, ser sinal da Terra sem males, a casa comum para todos os povos. Em reconhecimento do seu martírio, já vimos que o povo da região deu o nome de São Sepé a uma cidade da região central do Rio Grande do Sul. Aqui ilustramos as relações entre o passado mais distante das Missões Guaranis, com o contexto do regime Militar (1 de abril de 1964 e que durou até 15 de março de 1985) em que os indígenas foram duramente combatidos no Brasil através da história pessoal do Guarani Marçal de Souza, o Marçal Tupã-Y (pequeno Deus), que nasceu no dia 24/12/1920 em Rincão Júlio (região de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul) também sofreu o martírio. Com 3 anos de idade, mudou-se para a aldeia Te’ýikue, na cidade de Caarapó e, órfão de pai e mãe aos 8 anos, fica na Nhanderoga, nome dado ao orfanato de crianças indígenas, na Missão Caiuá, área indígena de Dourados. Vítima de perseguições, em 1978 é expulso de Dourados pela Funai e volta a morar na aldeia Te’ýikue. A Missa da Terra sem Males o toca inspirando-o em sua Missão. Em 1980, Tupã-y foi escolhido representante indígena para falar ao Papa João Paulo II durante sua primeira visita ao Brasil, momento em que denunciou ao pontífice as condições nas quais viviam. Observamos que existem duas linguagens, uma espontânea e outra na carta que foi lida e entregue ao Papa João Paulo II em sua primeira visita ao Brasil (Manaus, Amazonas em 11 de julho de 1980): O Brasil não foi descoberto, não, Santo Papa, o Brasil foi invadido e tomado das mãos dos verdadeiros filhos da terra! (transcrição do vídeo). 21 Aqui, o escrito: “Nossas terras são tomadas, os nossos territórios são invadidos […] Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto não, o Brasil foi invadido e tomado dos indígenas” (cópia no Arquivo da Missão Anchieta). Tupã-y já estava ameaçado de morte, por isso ganha relevância essa fala: Trazemos à Sua Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte de nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam o nosso chão; 21 No vídeo de onde transcrevemos parte dessa fala de Marçal Tupã-y, podem ser vistas outras cenas mencionando outros lugares, também em maio de 1978, na XI Assembleia de Chefes Indígenas na aldeia São Marcos (MT), onde foram martirizados Rodolfo Lunkenbein e Simão Bororo. O salesiano Rodolfo Lunkenbein e o índio Simão Cristino Koge Kudugodu (Simão Bororo) foram martirizados ali próximo, na aldeia Meruri, no dia 15/07/1976. Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 187 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA aquela que para nós representa a nossa própria vida e a nossa sobrevivência nesse grande Brasil chamado um Brasil cristão.22 No mesmo ano, Tupã-y envolve-se na luta pela posse de terras na área indígena de Pirakuá, em Bela Vista. A demarcação é contestada pelo fazendeiro Astúrio Monteiro de Lima e seu filho Líbero Monteiro, que consideram a região parte de sua propriedade. Após diversas ameaças e agressões, no dia 25/11/1983, Marçal Tupã-y é assassinado a tiros na sua casa, na aldeia Campestre23. Os acusados do crime, Líbero Monteiro de Lima e Rômulo Gamarra, acabam absolvidos em julgamento realizado em 1993. Apesar dos acontecimentos da vida de São Sepé datarem mais de 250 anos, da Missa e do martírio de Marçal Tupã-y somarem décadas, alguns fatos de hoje parecem lembrar aquela tragédia, mostrada no filme “A Missão”, anteriormente citado. Ainda hoje, a maioria dos povos indígenas no Brasil não tem garantida a demarcação de suas terras e o respeito aos seus costumes tradicionais, uma saúde e educação escolar diferenciada e específica segundo suas culturas. No Brasil de hoje, o agronegócio e os grandes projetos de hidroelétricas como a Itaipu - que expulsou os Guaranis, as estradas e os arrendamentos que invadem seus territórios, o aparelhamento da FUNAI para não demarcar Terras Indígenas, os cortes em educação e saúde ameaçam a própria existência dos povos e comunidades indígenas, tanto na Amazônia, no Brasil, quanto na bacia do Paraguai. Além das ameaças supracitadas, a pandemia pelo coronavírus encontra uma letalidade maior entre os indígenas: entre os quase 300 mil brasileiros mortos em decorrência da covid-19, em 15 de março de 2021, o Brasil ultrapassava a marca de mil indígenas mortos.24 Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=QKMjXlnM8Xw&ab_channel=RedeTVT. Essa menção extemporânea e a do Irmão Vicente Cañas, podem ser consideradas atualizações, consequências ou efeitos da Missa da Terra Sem Males. Tupã-y foi um líder da etnia GuaraniÑandeva (que habita o oeste do Brasil, nas fronteiras com a Argentina, a Bolívia e o Paraguai). Martirizado, através de seu povo e a atuação de diversas ONGs, foi condecorado com a honra de Herói Nacional do Brasil pelo governo federal, como a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul declarou Sepé Tiaraju como Herói Guarani Missioneiro Rio-Grandense (Lei º 12.366 de 03/11/2005). 24 Jair Bolsonaro quer matar 30 mil!! - Bing video https://www.bing.com/videos/search?q= Bolsonaro+falou+que+precisava+eliminar+uns+30+mil&docid=608011; nós o colocamos num lugar de poder que levou à morte dez vezes mais; https://amazonia.org.br/2021/03/ brasil-ultrapassa-marca-de-mil-indigenas-mortos-em-decorrencia-da-covid-19/. 22 23 188 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco Nesse contexto, retomar nesses dias a memória de São Sepé Tiaraju, de Marçal Tupã-y é uma forma de recordar tantos índios e índias que ainda hoje arriscam a vida para que os povos autóctones deste continente possam viver livres e em seus territórios tradicionais. Quem vive um caminho de busca espiritual sente-se interpelado à solidariedade com os povos indígenas, fonte de sabedoria e de espiritualidade ecológica para toda a humanidade. 5 REFLEXÕES DO PAPA FRANCISCO No dia 9 de agosto de 2019, o Papa Francisco expressava em uma entrevista para La Stampa que o Sínodo para a Amazônia era filho do Laudato Si’, não era uma encíclica verde, mas social e guardiã da Criação, necessários para os tempos atuais porque a crise ambiental atual tem causas estruturais associadas a uma globalização sem limites da “cultura do descarte”. Por isso a Laudato Si’ convida a reconhecer a irmã-mãe terra como outra com quem temos uma relação de interdependência e da qual viemos. O Papa Francisco propõe na Querida Amazônia que sonhássemos, uma metáfora da força dos sonhos para os indígena. Os quatro sonhos como quatro níveis da vida da Amazônia, na Aty Guaçú, dos quais a Igreja pode e deve cuidar: [...] Deve encarnar-se a pregação, deve encarnar-se a espiritualidade, devem encarnar-se as estruturas da Igreja. Por isso, nesta breve Exortação, ouso humildemente formular quatro grandes sonhos que a Amazônia me inspira: 7. Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida. Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana. Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos. (FRANCISCO, 2020, p. 5). Cada um desses quatro sonhos corresponde a um capítulo do texto que serve para todos os biomas como os pampas de Sepé Tiaraju ou o Guayrá de Marçal Tupã-y, localizado na Amazônia como metáfora: a) Um sonho social (nº 8-27) Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 189 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA A promoção da justiça socioambiental como bem viver na Amazônia corresponde ao “cuidado da criação” e à “atenção aos últimos” que se entrelaçam num clima de escuta e de diálogo. b) Um sonho cultural (nº 28-40) A Amazônia enquanto tesouro de culturas pode ser representada pela poesia nº 31: Do rio, fazes o teu sangue […]. Depois planta-te, germina e cresce que tua raiz se agarre à terra mais e mais para sempre e, por último, sê canoa, barco, jangada, solo, jarra, estábulo e homem (Javier Yglesias, Llamado, 2007). O encontro intercultural com seus devidos cuidados pela manutenção da criatividade na formação das identidades se torna um estilo de relação no mistério que constitui a Igreja enquanto Católica para assumir a perspectiva dos “direitos dos povos e das culturas”. c) Um sonho ecológico (nº 41-60) Aqui também a profecia consegue dizer-se através da poesia número 47: Aqueles que pensavam que o rio fosse uma corda para jogar, enganava-se. O rio é uma veia muito subtil sobre a face da terra. […] O rio é uma corda onde se agarram os animais e as árvores. Se o puxarem demais, o rio poderia rebentar. Poderia explodir e lavar-nos a cara com a água e com o sangue (Juan Carlos Galeano, Los que creyeron, 2011). A abordagem da proteção da casa comum está envolta na tradição espiritual e relacional que recupera o olhar contemplativo em relação à natureza e à criação, pois assume o grito dos povos contra a degradação do meio ambiente. d) Um sonho eclesial (nº 61-110) Esse sonho é o mais complexo, porque vem de um sono agitado, cheio de 190 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco mártires, da colonização. A primeira parte desse sonho é dedicada à inculturação, sonho também do Padre Arrupe (nº 61-84) e da Missa da Terra sem Males. O Papa Francisco inicia uma revolução da ternura, um diálogo difícil nestes tempos de desumanização pela tirania do mercado, um injusto empobrecimento do Terceiro Mundo. Assim o Papa foi ao túmulo do Padre Arrupe, que indicou no Campo de Refugiados, um programa para os jesuítas e colaboradores em três palavras: servir, acompanhar, defender. Aqui as palavras fortes e proféticas levam a reconhecer que “é possível receber, de alguma forma, um símbolo indígena sem o qualificar necessariamente como idolátrico. Um mito denso de sentido espiritual pode ser valorizado, sem continuar a considerá-lo um extravio pagão” (QA 79). Na Amazônia parece mais fácil sonhar, amar e sofrer, algo que a Cúria Romana tem dificuldade de ver, mas alguém que veio dos pampas do sul da América do Sul parece que tem a arte do sono e do sonho até onde lhe é permitido: Isto permite-nos receber na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contacto íntimo com a natureza e estimular expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos. O Concílio Vaticano II solicitara este esforço de inculturação da liturgia nos povos indígenas, mas passaram-se já mais de cinquenta anos e pouco avançamos nesta linha (QA 82). O impulso profético e poético chega até o limiar do sonho, acordamos para “A inculturação do ministério”, o que vi ritualizado na Missa da Terra sem Males tanto tempo antes: A inculturação deve desenvolver-se e espelhar-se também numa forma encarnada de realizar a organização eclesial e o ministério. Se se incultura a espiritualidade, se se incultura a santidade, se se incultura o próprio Evangelho, será possível evitar de pensar numa inculturação do modo como se estruturam e vivem os ministérios eclesiais? A pastoral da Igreja tem uma presença precária na Amazônia, devido em parte à imensa extensão territorial, com muitos lugares de difícil acesso, grande diversidade cultural, graves problemas sociais e a própria opção de alguns povos se isolarem. Isto não pode deixar-nos indiferentes, exigindo uma resposta específica e corajosa da Igreja (QA 85). Na segunda parte (nº 85-110), o estado de vigília se impõe porque concretiza na sinodalidade e ministerialidade da Igreja, na Eucaristia, no Ecumenismo a Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 191 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA tarefa de todo dia. Por isso, a poesia e o ritual deram lugar à descrição normativa, a profecia abriu espaço para uma vigilância preocupada e parece que não morremos na praia, vamos chegar à terra sem males. Temos que ter a humildade de saber que o carisma fica além, mas o mistério se encarna no limite. Lamentamos porque o discurso sobre as comunidades “desprovidas da eucaristia” só conseguiu imaginar respostas mediadas pela linguagem elaborada na Europa do século XVI, não se abriu para a criatividade indígena em suas múltiplas celebrações. 6 A MISSA DA TERRA SEM MALES E A PANDEMIA PELO NOVO CORONAVÍRUS Assim nos parece que a pandemia é fruto da forma humana de explorar o planeta terra até o esgotamento no antropoceno. A multiplicação de pragas, vírus e bactérias acontecem nos ambientes onde os predadores foram eliminados, tornaram-se terreno propício para infestar-se de pragas e ameaçar todos os seres humanos. Por isso, o cuidado da casa comum está implicado na preservação da diversidade da vida na terra e no diálogo com os povos indígenas nas suas sensibilidades e aprendizados ancestrais que eles oferecem para a humanidade atual. Não podemos sair da Missa da Terra sem Males e da pandemia pelo novo coronavírus, o novo mal que assola nossa casa comum, da mesma forma como entramos, egoístas e capitalistas, como pontua o Papa Francisco. Assim, como num movimento do pêndulo da história, o que não é resolvido volta de outras formas para que a humanidade tenha a oportunidade de sanar a terra, sarar suas feridas, lavar dos males o planeta em vários tipos de dilúvio, de água, de fogo e de vento, como pensam os Guaranis, Wapichana e Chiquitano (PACINI, 2018; 2019). O Papa Francisco, que veio das águas do rio Paraguai, assumiu o pontificado (14/03/2013) e surpreendeu a todos com uma pauta associada à Missa da Terra sem Males. O pontífice convocou todos os povos da terra para cuidar da nossa casa comum (Laudato Si´, 2015). Encontrou-se com povos indígenas em Puerto Maldonado em 19/01/2018 para escutá-los antes do Sínodo para a Amazônia (2019), sintetizado no documento Querida Amazônia (2020). O Papa observa que os oprimidos das Américas que marcharam durante séculos e marcham hoje em busca da terra-sem-males serão libertados quando o opressor não mais oprimir. Assim, não basta somente criar relações mais igualitárias entre os que estão na 192 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco base da sociedade, é preciso também derrubar os poderosos dos seus tronos com cantou Maria, a Mãe de Jesus (cf. Evangelho de Lucas 1, 46-56). Dessa forma, percebemos que somente uma figura como a do Papa Francisco poderia convidar a todos para uma vida simples, sem esbanjamento nem ostentação, viver bem numa sobriedade feliz como os indígenas na casa comum, e ser ouvido. E mais, a terra sem males não seria somente o espaço geográfico pensado como casa comum e não propriedade privada de alguns poucos, mas também um tempo kairós,25 tempo de Páscoa após uma longa Quaresma. Sugestivo seria que os Estados Unidos da América, os países mais ricos e que mais degradaram o planeta, os chamados G7 e o G20, pudessem participar dessa Missa e viver seu espírito – não como opção, mas como uma obrigação pelo bem comum, ou mesmo pela subsistência dessa geração humana no planeta terra. CONSIDERAÇÕES FINAIS Destacamos as relações apontadas entre a Missa e sua historicidade no contexto histórico brasileiro e, ainda que as relações entre o passado e o presente sejam rapidamente mencionadas, demonstrar certa continuidade nos fenômenos é um ato político para os nossos tempos. Em outro momento, a Missa poderia ser revisitada também para tratar das estratégias de resistência, pela via do simbólico, e da tentativa de criação de uma relação de uniformidade histórica entre os povos Mbyá-Guarani em relação com as outras etnias Guarani, pois as mudanças que cada uma delas experimentou ao longo dos séculos devem ser consideradas. Em tese, não vivemos mais na época da Ditadura Militar – apesar de as atitudes dos governantes sugerirem o contrário. Entretanto, viver na suposta democracia não é suficiente para que os indígenas sejam reconhecidos no Brasil, pois dia a dia percebemos a reinvenção de atitudes fascistas e genocidas. O que está na raiz da Missa da Terra sem Males é o desejo de produzir crítica social e mudar a postura colonialista em relação aos povos indígenas, algo que não acontece por decreto. Descolonizar é preciso e esta história da resistência dos povos indígenas 25 Kairós (em grego καιρός), na mitologia grega é o deus do tempo oportuno, do momento certo, supremo. A partir do século V a.C., Íon de Quios lhe dedicou um hino que o celebra como o filho mais jovem de Zeus. Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 193 Aloir PACINI; Marina Garcia LARA do continente mostra uma agência, uma forma de estar neste mundo, buscando seu próprio rosto, sua identidade, a força da esperança libertadora. Marçal Tupã-y foi assassinado em 25/11/1983 na aldeia de Campestre, município de Antonio João, Mato Grosso do Sul, com 59 anos. Marçal, cinco dias antes de ser morto, havia recusado uma oferta de dinheiro para facilitar a retirada dos índios Kayowá da área Pirakuá. Segundo a liturgia católica, na Missa fazemos memória do protomártir Jesus de Nazaré, por isso também é Eucaristia, ação de Graças pelo bem que Ele fez. Talvez por isso Tupã-y foi condecorado com a honra de Herói Nacional do Brasil e, em 2009, um decreto do presidente da República inscreveu o nome de Sepé Tiaraju no Livro dos Heróis da Pátria.26 Parece que é chegado o momento de invocarmos santos e mártires passados e atuais: do mito Sepé Tiaraju, “luzeiro na testa, ‘São Sepé’ para a fé do Povo” (CASALDÁLIGA, 1980, p. 10), até os missionários jesuítas João Bosco Burnier e o Irmão Vicente Cañas junto aos Enawenenawe (martirizado em 07/04/1987), chegamos à tragédia da pandemia que nos assola. Na Missa feita com música, poesia e resiliência de terra-mãe-ameríndia, as Américas mergulham mais profundamente em suas raízes para fixá-las como árvores da vida a fim de retirar dela a seiva que nutre o sonho e a marcha de seus filhos. Parece que essa Missa da terra-sem-males é uma mesa santa que faz memória da partilha, denuncia e traz o perdão, para que, livres dos pecados passados, possamos assumir o compromisso e a responsividade (PACINI, 2021) com uma terra mais justa e fraterna, sem armas, mas com pão para todos, nessa casa comum: oikos. 26 Em Mato Grosso do Sul, onde vivem os Guarani-Kaiowá e os Guarani-Ñandeva, os conflitos fundiários compõem um quadro de graves violações de direitos humanos, que ganha contornos de genocídio que podem ser exemplificados e leva os indígenas a retomar seus territórios – chamados de tekoha. Marcos Veron, líder do povo Guarani-Kayowá, foi assassinado em janeiro de 2003 por jagunços e policiais, durante a madrugada, em um ataque covarde contra a aldeia Taquara, no município de Jutí (MS); Dorival Benitez, também Guarani-Kayowá foi morto a tiros em conflito com fazendeiros invasores da terra indígena Sombrerito, município de Sete Quedas (MS); Dorvalino Rocha também Guarani-Kayowá foi assassinado a tiros no dia 24 de dezembro de 2005 por seguranças da fazenda Fronteira, no município de Antonio João, MS. Dorvalino encontrava-se acampado às margens da rodovia MS-384, juntamente com todos os outros indígenas que haviam sido expulsos, por decisão judicial, da terra indígena Ñande Ru Marangatu, 15 dias antes do assassinato. Em 2015, entre agosto e setembro foram cinco comunidades Guarani-Kaiowá violentamente atacadas por pistoleiros, causando a morte de outra liderança, Simião Vilhalva no mesmo local que em que Marçal está sepultado. 194 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022 Revisitando a Missa da Terra sem Males em tempos do Papa Francisco REFERÊNCIAS CASALDÁLIGA, Dom Pedro. Memória e compromisso. In: CASALDÁLIGA, Dom Pedro; TIERRA, Pedro; COPLAS, Martin. Missa da Terra sem Males. n. 27. Rio de Janeiro: Tempo e Presença Editora, 1980. COPLAS, Martin. Por uma terra sem males. In: CASALDÁLIGA, Dom Pedro; TIERRA, Pedro; COPLAS, Martin. Missa da Terra sem Males. n. 27. Rio de Janeiro: Tempo e Presença Editora, 1980. ESCANDÓN, Juan de. História da Transmigração dos Sete Povos Orientais. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, 1983. FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato Si´- Sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus; Edições Loyola, 2015. FRANCISCO, Papa. 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Atualmente, é servidor público − cargo de professor adjunto IV do Departamento de Antropologia do Instituto de Ciências Humanas e Sociais, professor orientador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: pacinialoir@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9859-6129 Marina Garcia Lara: Mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Mato Grosso (PPGAS/UFMT). Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Pós-graduanda em Ciências Humanas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bacharela em Administração pelo Instituto Cuiabá de Ensino e Cultura (ICEC). Faz pesquisas em Antropologia das Religiões. Professora de Ensino Religioso, Filosofia e Sociologia do Ensino Médio (Cuiabá, MT). E-mail: profmarinalara@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6273-2010 Recebido em: 13/04/2021 Aprovado para publicação: 24/11/2021 196 Tellus, Campo Grande, MS, ano 22, n. 47, p. 165-196, jan./abr. 2022