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Protestantismo em Revista é licenciada sob uma Licença Creative Commons. Análise da educação sexual do Brasil e Portugal A partir de documentos oficiais Analysis of the sexual education of Brazil and Portugal from official documents Teresa Cristina Barbo Siqueira * Aristóteles Mesquita de Lima Netto * Resumo Este estudo teve como objetivo investigar documentos oficiais que regem a Educação Sexual no Brasil e em Portugal. A importância dessa temática encontra-se na necessidade de aprofundar as discussões e estudos no âmbito da Educação Sexual. Foram investigadas leis, parâmetros e outros documentos pertinentes à temática. Esta é uma pesquisa de caráter documental norteada por um levantamento bibliográfico e reflexões referentes ao nível em que se encontra a construção da Educação Sexual no Brasil e Portugal. A pesquisa refere-se aos documentos que perpassam o âmbito da sexualidade e da Educação Sexual em espaços escolares no Brasil: Constituição Federal (1988); Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996); Estatuto da Pessoa com Necessidades Especiais (Lei nº 13.146/2015) e Parâmetros Curriculares Nacionais – Orientação Sexual. Foram analisados também documentos de Portugal: Educação Sexual e Planejamento Familiar (Lei nº 3/1984); Garantia do Direito à Saúde Reprodutiva (Lei nº 120/1999) e Regime de Aplicação da Educação Sexual em Meio Escolar (Lei nº 60/2009). A pesquisa apontou para questões contemporâneas dos aspectos históricos da Educação Sexual. A análise direcionou-se para avanços e limitações acerca da realidade da atual Educação Sexual nos espaços escolares e para influências da constituição sexual do ser humano em sua globalidade. Sugere-se a necessidade de mais estudos, pesquisas e diálogos continuados para que sejam estabelecidos padrões de pesquisas e possíveis apropriações do que foi positivo e benéfico em determinado país com vistas à implementação em outro. Palavras-chave Educação sexual. Brasil. Portugal. Política Pública. Documentos Oficiais. Abstract This study aimed to investigate official documents that govern Sexual education in Brazil and in Portugal. The importance of this theme is the need to deepen the discussions and studies in the field * * Teresa Cristina Barbo Siqueira. Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação - Mestrado e Doutorado em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC - GO. E-mail: teresacbs@terra.com.br Aristóteles Mesquita de Lima Netto. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC – GO. E-mail: aristotelesnetto@hotmail.com Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 177 of sex education. Laws were investigated, parameters and other relevant documents to the subject. This is a documentary character search guided by a bibliographic survey and reflections concerning the level of the construction of Sexual Education in Brazil and Portugal. The research refers to documents that pertain to the scope of sexuality and sex education in school spaces in Brazil: the Federal Constitution (1988); Statute of the child and adolescent (Law 8,069/1990); Guidelines and Bases for national education (Law 9,394/1996); Status of Person with disabilities (Law No. 13,146/2015) and national curriculum Parameters – Sexual orientation. Also Portugal documents: sex education and family planning (Law No. 3/1984); Guarantee of the right to reproductive health (Law No. 120/1999) and the implementation of school-based sex education (Law No. 60/2009). The research pointed to contemporary issues of historical aspects of sex education. The analysis led to advances and limitations concerning the reality of current sex education in schools and to influence the sexual constitution of human beings in their entirety. It is suggested the need for more studies, research and continued dialogue to be established standards of research and possible appropriations than was positive and beneficial in a country with a view to implementation in another. Keywords Sex Education. Brazil. Portugal. Public Policy. Official Documents. Introdução A presente pesquisa foi construída a partir dos estudos e discussões referentes à Educação Sexual no Brasil e em Portugal. Utilizamos como referencial epistemológico a dialética. Nossa opção pela dialética se faz pertinente devido à complexidade dos referenciais teóricos no campo da Educação Sexual, para assim compreender que por meio da reflexão e do diálogo poderemos aprofundar os movimentos emancipatórios do homem, principalmente nos espaços escolares uma vez que estes possuem particularidades e demandas específicas. Nunes (1987) visualiza a sexualidade como dimensão humana e discute a diversidade dos comportamentos e a pluralidade nas relações sociais. Apresenta ainda como a diversidade pode dificultar as ações no campo educacional. Sendo assim, aumenta-se a necessidade de potencializar e estimular crianças, adolescentes e até adultos quanto ao entendimento dos significados das expressões sexuais, tanto para o próprio sujeito como na sociedade na qual está inserido. Temos como objetivo a compreensão, análise e interpretação dos documentos existentes tanto no Brasil quanto em Portugal referentes à Educação Sexual, não em um olhar comparativo, pois as construções culturais e históricas perpassam por uma vastidão de particularidades em cada um desses Estados nacionais, mas sim em um olhar reflexivo com o objetivo de identificar os avanços (ou sua inexistência) em cada um desses países. Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 178 Assim, nosso objetivo visa contribuir para possíveis estudos, análises e reflexões acerca da Educação Sexual como política educacional, principalmente para o Brasil. O levantamento documental ocorreu por duas modalidades de busca: a primeira foi a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e a segunda consistiu na procura dos documentos oficiais nos sites dos ministérios da Educação em ambas as nações escolhidas. Utilizamos os seguintes descritores: sexualidade; educação sexual; orientação sexual; sexualidade nos espaços escolares. A partir deles, levantamos os documentos oficiais que deliberam sobre sexualidade e Educação Sexual em ambas as nações, pautando as escolhas na fidedignidade documental e em outras informações pertinentes, a depender da extração necessária. Foucault (1988) e Nunes (1987) representam nossos eixos teóricos principais. Fundamentamos a escrita nos pressupostos desses autores, pois acreditamos que ambos foram precursores de uma real e possível Educação Sexual, menos alienante e coercitiva. Em suas obras vimos princípios de reescrita teórica de uma sexualidade real e dinâmica, diferente das linhas higienistas. Furlani (2007, p. 271) evidencia que “no contexto da Educação Sexual em todos os níveis, repensar os gêneros, as sexualidades, as políticas de identidade e o currículo escolar tem sido um exercício produtivo de articulação teórica entre os Estudos Culturais e os Estudos Feministas”. O homem busca incessantemente respostas para diversas perguntas nesse âmbito e para o entendimento da atual sexualidade devemos compreendê-la por meio da educação. A partir desse olhar surge a Educação Sexual como meio necessário para estudo e análise da sexualidade humana. Para facilitar a conceituação da referida temática, trazemos Reis e Maia (2007), as autoras defendem que: [...] a educação sexual deve ser compreendida na sua totalidade; propostas de intervenções que sejam educativas e que devem ser oferecidas a todas as faixas etárias do desenvolvimento e trabalha conjuntamente em nossa sociedade, também com uso de novas tecnologias da educação nas diferentes instituições sociais favorecendo um diálogo entre a escola, a igreja, os meios de comunicação de massa, a literatura, as políticas públicas governamentais e, sobretudo, a família que é um espaço poderoso de divulgação de crenças, valores e repressão sexual, mas também um espaço de possibilidade de diálogo, reflexão e emancipação da autonomia (REIS; MAIA, 2007, p. 202). Devemos assimilar que falhas e equívocos estão presentes em todos os contextos que envolvem relações humanas, porém é preciso ainda reconhecer que alguns países evoluíram significativamente, enquanto outros ainda se encontram no início no que se refere a conceitos sexuais. Nessa ótica, trazemos informações concernentes à introdução das diretrizes da Educação Sexual em algumas nações (MOIZÉS, 2010): Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 179 Quadro 1: História da implantação da Educação Sexual País Ano de Introdução Proposta de Aplicação Espanha 1996 Programa de educação afetivo-sexual UheinBare. França 1973 Educação Sexual como projeto educativo (a partir do 1º Ciclo). Inglaterra 2000 Educação para Sexualidade e Relações, pelo Departamento para Educação e Emprego. Portugal 1984 Lei nº 3/84, como Educação Sexual e Planejamento Familiar. Suécia 1956 Educação Sexual centrada na sexualidade e nas relações pessoais pelo Conselho para a Educação Sueca. Estados 1991 Unidos Brasil Promoção da saúde sexual pelo Conselho de Educação e informação sobre sexualidade. 1996 Abrange processos formativos por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), pela LDB 9.394/96. Nota: Moizés (2010), adaptado pelo autor. A partir dos estudos de Moizés (2010) notamos severa discrepância da implantação da Educação Sexual em uma perspectiva temporal. Devemos ressaltar que a implementação de pleitos jurídicos não corresponde necessariamente à real atenção às questões educacionais no âmbito sexual. Os movimentos vêm ocorrendo lenta e gradualmente, pois ainda apresentamos inúmeros comportamentos repressores diante de questões que envolvem a sexualidade humana e suas ramificações. A exposição do quadro acima objetiva demonstrar, mesmo que numa pequena amostra, o nivelamento da ocorrência da Educação Sexual. Podemos observar que o início da Educação Sexual nas nações explicitadas esteve intimamente vinculado aos órgãos da Educação. Em Portugal e Estados Unidos fica evidente a relação com questões higienistas e notamos a extrema importância que essa base evoca na constituição da sexualidade. Outra questão relevante é o quanto a década de 1990 foi promissora para os avanços da Educação Sexual. Numa reflexão crítica, faz-se pertinente olhar para Educação Sexual e para a sexualidade pura como produtos das relações intra e interpessoais, pois quando coisificamos (transformamos pessoas em dados ou números) deixamos de lado a singularidade, a subjetividade e a identidade. Faz-se necessário estabelecer análises críticas e desenvolver estudos específicos das representações sexuais no campo da socialização, e o homem deve ser o objeto central de qualquer análise, e não os comportamentos e consequentes sintomas. Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 180 Quadro 2: Análise da Constituição Federal de 1988. Leis brasileiras que abordam a questão da sexualidade. ARTIGO REGÊNCIA ARTIGO NA ÍNTEGRA DO ARTIGO 227º DIRETRIZES DELIMITADAS E ABORDAGEM LEGAL Da Família, §4º A lei punirá severamente o - Atribui pena severa para aqueles da Criança, abuso, a violência e a que cometerem abuso, violência e do exploração sexual da criança e exploração sexual de crianças e Adolescente, do adolescente. adolescentes; do Jovem e do Idoso 229º Da Família, Os pais têm o dever de - Compete aos pais toda e qualquer da Criança, assistir, criar e educar os responsabilidade de gerir seus do filhos menores, e os filhos filhos. Contudo, compete aos filhos Adolescente, maiores têm o dever de ajudar maiores atender seus pais e se do Jovem e a amparar os pais na velhice, responsabilizar por eles quando se do Idoso carência ou enfermidade. fizer necessário. Nota: Dados da pesquisa documental (NETTO, 2015).1 O Artigo 227º é um dos mais importantes e fundamentais no tocante às responsabilidades dos genitores, da sociedade e do Estado Nacional. Como consequência foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para estabelecer os direitos e deveres das crianças e dos adolescentes e garantir a eles todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. O ECA apresenta três (3) eixos orientadores: violência contra a criança e o adolescente; uso de drogas; violência praticada pela criança e o adolescente. O referido artigo também estabelece o plano nacional da juventude, relacionado à prática de políticas públicas. Nestas passagens identificam-se pontos extremamente relevantes e norteadores. Contudo, as incoerências afetaram e afetam nosso avanço no campo da emancipação, pois o caráter ortodoxo referente às doutrinas higienistas, que tendem a moldar modelos por meio das questões epidemiológicas e sanitárias, deixam a real liberdade de expressão retida aos campos do desejo e não da prática. 1 Os termos que fazem referência à sexualidade e à Educação Sexual nos quadros de análise foram destacados em negrito para otimizar e facilitar a compreensão do leitor. Em relação aos documentos selecionados nesta pesquisa, esclarecemos que diversos outros poderiam ter sido selecionados. Contudo, a escolha destes se deu pelo fato de estarmos pesquisando os espaços escolares. Logo cabe ressaltar que qualquer outro pesquisador poderá selecionar estes ou outros documentos e poderá atingir as mesmas considerações ou não. Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 181 Nota-se, porém, o caráter opressor no Artigo 229° por obrigar o zelo, tanto dos pais aos filhos quanto dos filhos aos pais, quando se fizer necessário. Resumidamente, temos uma lei maior que apresenta nuanças de igualdade e liberdade. Porém, é totalmente doutrinadora e coercitiva em face do diferente. Em consequência, não respeita as especificidades. Quadro 3: Análise do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) e do Estatuto da Pessoa com Necessidades Especiais (Lei nº 13.146/2015) LEI ARTIGO REGÊNCIA ARTIGO NA ÍNTEGRA DIRETRIZES DO ARTIGO DELIMITADAS E ABORDAGEM LEGAL Lei 7º Do Direito à A criança e o adolescente - São direitos da criança e 8.069/ Vida 1990 Saúde e à têm direito à proteção à ao adolescente: políticas vida e à saúde, mediante a sociais públicas de proteção efetivação sociais de políticas à vida e saúde, para que possibilitar nascimento e públicas permitam o nascimento e o desenvolvimento adequado desenvolvimento sadio e às condições humanas harmonioso, em condições básicas. dignas de existência. Lei 86º 8.069/ Da Política de A política de atendimento Atendimento Compete à União, dos direitos da criança e do Estados, ao Distrito Federal adolescente far-se-á através e aos Municípios, por meio 1990 de um conjunto articulado de ações governamentais e de ações governamentais e não não governamentais, União, Distrito dos estados, Federal e Municípios. Lei 8.069/ 1990 87º Da Política de São Atendimento linhas governamentais, da desenvolvimento o de do políticas de atendimento ao dos direito das crianças e dos adolescentes. de ação política de atendimento: da - Políticas de atendimento as crianças III- serviços especiais de adolescentes. e aos Tais ações prevenção e atendimento devem atender, médico e psicossocial às principalmente, vítimas de: Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 182 vítimas de negligência, negligência, maus-tratos, maus-tratos, exploração, exploração, abuso, abuso, crueldade e crueldade e opressão. opressão. Lei 240º 8.069/ Dos Crimes Produzir, em Espécie 1990 reproduzir, - Representa dirigir, fotografar, filmar ou qualquer registrar, por qualquer explore cena meio, de crime ação a que se imagem da sexo criança ou adolescente no explícito ou pornográfica, que diz respeito a questões envolvendo criança ou sexuais. adolescente: Cabe pena de reclusão de quatro a oito Pena: reclusão de quatro a anos e multa. oito anos e multa. Lei 241º 8.069/ Dos Crimes Vender ou expor à venda - em Espécie Representa crime fotografia, vídeo ou outro comercializar a imagem da registro que contenha cena criança ou adolescente no 1990 de sexo explícito pornográfica ou que diz respeito a questões envolvendo sexuais. criança ou adolescente: Cabe pena de reclusão de quatro a oito Pena: reclusão de quatro a anos e multa. oito anos e multa. Lei 2º Dos 9.394/ Princípios 1996 Fins A educação, e família e dever do da - A educação tem como Estado, objetivo desenvolver o da inspirada nos princípios de sujeito como cidadão e, Educação liberdade e nos ideais de consequentemente, Nacional solidariedade humana, tem qualificá-lo para o trabalho, por finalidade o pleno respeitando-se desenvolvimento caráter do solidário. educando, seu para exercício o o preparo - Compete à família e ao da Estado realizá-la. cidadania e sua qualificação para o trabalho. Lei 13.146 nº 18º Do Direito à É Saúde assegurada atenção - Fica assegurada total integral à saúde da pessoa atenção à saúde da pessoa com deficiência em todos Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 183 /2015 os níveis de complexidade, com deficiência em por intermédio do SUS2, qualquer nível; garantindo acesso universal - Cabe ao SUS toda atenção, e igualitário. bem como garantir acesso §4º As ações e os serviços de universal e igualitário; saúde pública destinados à - Os serviços realizados pessoa com deficiência devem devem assegurar: VI- respeitar especificidades, Respeito as a à identidade de gênero e a especificidade, à identidade orientação sexual do sujeito de gênero e à orientação com quadro de deficiência. sexual da pessoa com - É direito deste público a deficiência; VII- atenção sexual, inclusive o Atenção sexual e direito à fertilização reprodutiva, incluindo o assistida. direito à fertilização assistida. Fonte: Dados da pesquisa documental (NETTO, 2015). Iniciaremos abordando a ECA (BRASIL, 1990) que é produto da Constituição, visto que foi criado, como já comentado, por exigência do Artigo constitucional nº 227. A Lei 8.069/1990 atende diversas áreas no trato com a criança e o adolescente, mas se faz pertinente ressaltar que focamos os artigos relacionados à nossa proposta. Acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes, três (3) artigos chamaram nossa atenção: 7º, 86º e 87º, os quais se direcionam à realização de políticas públicas, tanto curativas quanto remediativas. Os artigos mais relevantes e relacionados diretamente às questões da sexualidade e da Educação Sexual são o 240º e o 241º. Eles estabelecem como crime a exploração e o abuso sexual de menores de dezoito (18) anos de idade (BRASIL, 1990). São artigos pertinentes, pois enquadram como crime os atos contra o corpo e o psicológico das crianças e dos adolescentes. Contudo, fica claro que o caráter punitivo se faz necessário devido às questões sociais e culturais da ausência de orientação e Educação Sexual, visto que o sujeito pode nem ter consciência do abuso propriamente dito. Dessa forma, reforça-se o caráter remediativo e curativo e se evidencia a necessidade da Educação Sexual ser realmente incorporada às políticas públicas no cotidiano escolar. 2SUS se refere ao Sistema Único de Saúde implantado no Brasil Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 184 A Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), como no caso do ECA, também foi criada por exigência da Constituição e complementa os direitos básicos à educação no Brasil, potencializa e delibera sobre a criação de documentos específicos e órgãos que agem, fiscalizam e pesquisam no âmbito educacional e suas ramificações, como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A lei estabelece parâmetros curriculares, sendo o 10º parâmetro referente à orientação sexual. Logo, o que mais se aproxima das variáveis da Educação Sexual. Em linhas gerais, a LDB, no que representa a Educação Sexual, apenas possibilita a elaboração dos Parâmetros de Orientação Sexual, os quais serão analisados de forma específica à frente. Para análise das leis gerais, abordamos também a mais recente: a Lei da Inclusão (Lei 13.146/2015), também denominada Estatuto da Pessoa com Necessidades Especiais, que entrou em vigor no mês de janeiro do corrente ano (2016). Ela tem como objetivo atender às falhas e lacunas existentes na Constituição de 1988, com caráter de garantir os direitos das pessoas com necessidades especiais. De certa forma, legitima a obrigatoriedade do trato ao diferente, com olhar de direito e não discriminatório. O 18º artigo aborda o direito à saúde, estabelecendo respeito à identidade de gênero, à orientação sexual e às questões reprodutivas (BRASIL, 2015). Com a implementação dessa lei, asseguram-se aos sujeitos com deficiência as variantes e singularidades sobre a sexualidade, o que representa extremo avanço numa nação completamente estruturada por leis e parâmetros de cunho higienista. Isso significa que poderão ser desenvolvidas ações específicas e direcionadas às pessoas com necessidades especiais. Assim, as unidades de ensino deverão inserir atividades de interação no campo da sexualidade para todos, independentemente da necessidade especial de qualquer indivíduo. Quadro 4: Análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Orientação Sexual (2010). OBJETIVOS ANÁLISE DOS PARÂMETROS Respeitar a diversidade de valores, - Deve-se respeitar toda e qualquer diversidade no que crenças e comportamentos tange à sexualidade, inclusive as formas de atração; relativos à sexualidade; Reconhecer como culturais as socialmente construções - Há o entendimento de que questões de atribuição características masculina e feminina foram e são atribuídas socialmente; atribuídas ao logo, busca-se eliminar e/ou reduzir ao máximo as masculino e ao feminino Identificar e sentimentos respeitando expressar e os discriminações atribuídas às questões de gênero. seus - Corrobora que os sujeitos devem conseguir identificar e desejos, possivelmente expressar questões referentes a sentimentos e sentimentos e desejos, respeitando o outro. desejos do outro; Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 185 Proteger-se de relacionamentos - Otimiza ações que protejam possíveis relações e/ou sexuais coercitivos ou relacionamentos de exploração e coerção. exploradores; (...) prevenção e tratamento das - Defende a elaboração e potencialização de ações públicas doenças sexualmente solidárias voltadas à prevenção e ao tratamento da Aids. transmissíveis/Aids; Evitar uma gravidez indesejada, - As crianças e os adolescentes devem ser orientados sobre a procurando orientação e fazendo gravidez indesejada e sobre a utilização, a esse respeito, de uso de métodos contraceptivos; Consciência crítica e métodos contraceptivos. tomar - Defende-se a elaboração de meios para instaurar o decisões responsáveis a respeito de pensamento crítico e a construção de possíveis ideias sua sexualidade. responsáveis sobre a sexualidade do próprio sujeito. Nota: Dados da pesquisa documental (NETTO, 2015). Os parâmetros curriculares nacionais representam a referência para elaborar as matrizes (questões básicas) para o ensino nacional (BRASIL, 2010). Foram criados para difundir os itens básicos para a reforma do currículo nacional e, consequentemente, possibilitar aos profissionais da educação ações de reflexão, estudos e novas buscas no campo epistemológico e metodológico. Cabe ressaltar a necessidade reflexiva dos profissionais da área da educação em relação ao currículo; ele deve ser visto como transitório e incompleto, em constante transformação e plausível de equívocos, aspectos que fortalecem a necessidade de que seja aberto e dinâmico. Mesquita e Siqueira (2015, p. 5) afirmam que: “o currículo é entendido como práticas escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, políticas, culturais articulando vivências e saberes dos estudantes e contribuindo para o desenvolvimento de suas identidades”. As autoras apresentam a necessidade do dinamismo e da articulação que se deve propor na construção do currículo, questão que fortalece a necessidade de discussão da sexualidade e da Educação Sexual por meio da dialética nos currículos escolares. As autoras reforçam: “[...] a discussão sobre o currículo trata tanto de epistemologia quanto de subjetividade e poder. Os sujeitos escolares devem aprender algumas coisas para se tornarem alguma coisa diferente do que eram antes da escola” (MESQUITA; SIQUEIRA, 2015, p. 6). Quadro 5: Análise da Lei Nº 3/1984 – Educação Sexual e planejamento familiar. ARTIGO REGÊNCIA ARTIGO NA INTEGRA DO ARTIGO 1º Direito educação DIRETRIZES DELIMITADAS E ABORDAGEM LEGAL à 1- O Estado garante o direito à - Estado responsável pelo direito à educação sexual, como educação sexual como componente Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 186 sexual e de componente acesso do direito fundamental à educação; ao fundamental à educação. - Proteção à família; planejamento 2- Incumbe ao Estado, para - O Estado tem a incumbência de familiar proteção da família, promover, promoção pelos meios divulgação necessários, dos métodos dos métodos de a planejamento familiar. de planejamento familiar. 2º Educação sexual 1. O dever fundamental de dos proteger jovens a família e O Estado deve garantir a o Educação Sexual dos jovens por desempenho da incumbência de meio da escola, de organizações cooperar com os pais na sanitárias e dos meios de direito de educação dos filhos competem comunicação social; ao estado a garantia da Educação Sexual dos jovens através da escola, das sanitárias e organizações dos meios de comunicação social. 3º Objeto do 1. [...] prática planejamento salutares familiar de métodos - Todos o planejamento informação sobre o planejamento de familiar e ao exercício de uma familiar maternidade têm e e o paternidade maternidade exercício e da paternidade responsáveis. 2. [...] prevenção responsáveis; do aborto e da defesa da saúde e -Objetiva-se da qualidade de Conteúdo do 1. O prevenção de dos abortos e a defesa da saúde e da vida qualidade de vida. familiares. 4º a planejamento familiar - Previsão de aconselhamento planejamento postula ações de aconselhamento genético e conjugal, fornecimento familiar genético e conjugal, [...] de de meios de contracepção e de infertilidade e prevenção de tratamento da infertilidade. doenças de transmissão sexual e o rastreio do cancro genital. 16º Formação Os currículos de formação dos - Os profissionais da área devem profissional profissionais envolvidos de em saúde ter currículo científico voltado à ações de Educação Sexual, contracepção e Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 187 planejamento familiar devem tratamento de infertilidade. incluir o ensino de conhecimentos científicos adequados educação sexual, sobre contracepção e tratamento da infertilidade. Nota: Dados da pesquisa documental (NETTO, 2015). A primeira lei portuguesa específica na área da sexualidade e da Educação Sexual se encontra na Constituição portuguesa. A Lei 3/1984 (PORTUGAL, 1984) visa atender às questões sexuais e acentuar o olhar para a Educação Sexual como instrumento de ações preventivas, principalmente nas questões reprodutivas e das DST. Observamos que a referida lei tem caráter higienista, com ampla força dos métodos de promoção de saúde e epidemiológicos, criados e recorrentemente atualizados por uma escola positivista. Faz-se importante frisar que Portugal, como a Europa na década de 1980, período de elaboração da mencionada lei, vivenciava ditaduras extremistas e democracias extremamente conservadoras de direita, o que de certa forma representa a leitura e as determinações existentes no corpo textual e jurídico da lei em questão. Ao aprofundarmos a análise, notamos que do 1º ao 4º artigo a Lei 3/1984 direciona um pleno manifesto higienista de caráter comportamentalista, ao focar questões de direcionamento de consciência do povo e utilizar o planejamento familiar como carrochefe do olhar positivista radical em face da necessidade do controle dos comportamentos sexuais da nação lusitana (PORTUGAL, 1984). A referida lei objetivou formar profissionais a partir de um único olhar, o higienista, além de exercer controle sobre a família. Novamente voltando a Chauí (1992), como na análise das leis brasileiras, observamos que em Portugal se fez o mesmo, isto é, o uso da informação como uma ferramenta de imposição sexual e comportamentos sexuais aceitos ocorreu, o que podemos chamar de doutrina pela saúde. Já o 16º, a Lei 3/1984 se refere a questões profissionais, com olhar voltado à estruturação do sistema educacional português para atender à formação específica na área da sexualidade e da Educação Sexual, o que de certa maneira foi fundamental para os avanços de pesquisas, estudos e até novos olhares ao trato da temática como um todo (PORTUGAL, 1984). Verificamos que essa primeira lei representa um marco histórico para os avanços da Educação Sexual, independente do seu caráter higienista. Graças a ela o tema foi posto em pauta e consequentemente se expandiu para campos de discussão, fortalecendo reflexões e produzindo inovações. Quadro 6: Análise da Lei Nº 120/1999– Garantia do direito à saúde reprodutiva. Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 188 ARTIGO REGÊNCIA ARTIGO NA ÍNTEGRA DIRETRIZES DELIMITADAS E DO ARTIGO 1º Âmbito ABORDAGEM LEGAL O presente conceder diploma maior visa - Promoção de uma vida sexual e eficácia aos reprodutiva saudável, por meio dispositivos legais que garantam de planejamento familiar da acesso ao a promoção à uma vida sexual e Educação Sexual; reprodutiva saudável, gratificante e mais - Reforço responsável, planejamento ao familiar e aos consagrando medidas no âmbito métodos contraceptivos; da Educação Sexual, do reforço - Ênfase no combate às DST; HIV do acesso familiar ao e planejamento e vírus das hepatites B e C. aos métodos contraceptivos, tendo em vista, nomeadamente, a prevenção de gravidezes indesejadas e o combate às doenças sexualmente transmissíveis, designadamente as transmitidas pelo HIV e pelos vírus das hepatites B e C. 2º Educação Nos estabelecimentos de ensino - Implementação de programas Sexual básico e secundário implementado um será para promoção da saúde e da programa sexualidade humana para a promoção da saúde e da estabelecimentos sexualidade humana, no qual básico será proporcionada e de secundário, nos ensino com o adequada desenvolvimento de uma atitude informação sobre a sexualidade individual responsável quanto à humana, o aparelho reprodutivo sexualidade e a uma futura e a fisiologia da reprodução, maternidade SIDA e outras e paternidade doenças conscientes. sexualmente transmissíveis, os métodos contraceptivos e o planejamento da família (...) 10º Proibição do Fica vedada aos estabelecimentos aborto Fica de saúde oficiais [...] interrupção estabelecimentos vedada de Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> aos saúde 189 voluntária da gravidez. oficiais a interrupção da gravidez. Fonte: Dados da pesquisa documental (NETTO, 2015). Após quinze (15) anos da criação da Lei da Educação Sexual e Planejamento Familiar, a Assembleia da República Portuguesa sancionou a Lei 120/1999, que reforça as garantias à saúde reprodutiva (PORTUGAL, 1999). Pelo próprio nome, faz-se notório o caráter higienista (e consequentemente fica explicitado no decorrer desta análise). Verificamos que apesar da lei de 1984 apresentar predominância higienista, anseios de emancipação foram vistos. Contudo, na lei em análise neste momento voltou-se ao fortalecimento da doutrina pela saúde. O 1º e 2º artigos da Lei 120/1999 deliberam sobre o viés profilático e de proteção à reprodução, por meio da inserção da saúde pela informação nos meios de ensino, agora focando a multidisciplinaridade (PORTUGAL, 1999). Contudo, ao abrirem tal possibilidade, os higienistas possibilitaram espaço para outras áreas do conhecimento, entre elas as humanas e sociais, além da perspectiva do respeito à subjetividade, ao tratarem o indivíduo pela sua faixa etária e sua singularidade. Outra questão interessante refere-se à criação de associações de estudantes para discutir questões da Educação Sexual, mas, como de praxe, a óptica positivista retorna ao reforçar a discussão do ideal reprodutivo como temática central da Educação Sexual. Já o 10º artigo proíbe o aborto em território português. Quadro 7: Análise da Lei Nº 60/2009 – Regime de aplicação da educação sexual em meio escolar. ARTIGO REGÊNCIA ARTIGO NA ÍNTEGRA DIRETRIZES DELIMITADAS E DO ARTIGO 1º ABORDAGEM LEGAL Objeto e 1 - A presente lei estabelece a - Aplicação da Educação Sexual âmbito aplicação da Educação Sexual nos estabelecimentos do ensino nos estabelecimentos do ensino básico e secundário, tanto na rede básico e do ensino secundário. pública quanto na rede privada. 2 - A presente lei aplica-se a todos os da rede como aos estabelecimentos pública, bem estabelecimentos da rede privada e cooperativa com contrato de associação, de todo o território nacional. Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 190 2º Finalidades Constituem finalidades da - Valorização da sexualidade e da Educação Sexual: afetividade entre as pessoas a) A valorização da sexualidade e (respeitando a pluralidade). afetividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das concepções existentes na sociedade portuguesa; 7º Projeto Educação de 1 - O diretor de turma, o - Os responsáveis pelas turmas professor Sexual na educação turma educação responsável para a sexual, pela (docentes) devem elaborar, no saúde bem e início do ano escolar, o projeto de como Educação Escolar da turma. todos os demais professores da turma envolvidos na educação sexual no âmbito transversalidade, da devem elaborar, no início do ano escolar, o projeto de educação sexual da turma. 8º Pessoal 1 - Cada agrupamento de escolas - Cada agrupamento de escolas e docente e escola não agrupada deve escolas não agrupadas devem designar um professor- designar um professor- coordenador da educação para a coordenador da educação para saúde e Educação Sexual. saúde e Educação Sexual; 2 - Cada agrupamento de escolas - Formação e escola não agrupada deverá ter multidisciplinar de de equipe educação uma equipe interdisciplinar de para saúde e Educação Sexual; educação para a Educação Sexual, saúde com e - O Ministério da Educação deve uma fornecer formação básica para os dimensão adequada ao número professores-coordenadores, no de turmas existentes, coordenada intuito de que estes exerçam suas Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 191 pelo professor-coordenador. funções; 4-[...] educação para a saúde e - Cada turma deve ter seu Educação Sexual é garantida professor responsável pela pelo Ministério da Educação, a educação para saúde e Educação formação necessária ao exercício Sexual. dessas funções. 5 - Cada turma ter um professor responsável pela educação para a saúde e Educação Sexual. 10º Gabinetes informação apoio de 1 - Os agrupamentos de escolas e - As escolas devem disponibilizar e escolas não agrupadas dos 2.º e aos alunos um gabinete de 3.º ciclos do ensino básico e do informação e apoio no âmbito da ensino secundário devem educação para saúde e Educação disponibilizar aos alunos um Sexual. gabinete de informação e apoio no âmbito da educação para a saúde e Educação Sexual. 13º Avaliação 13º - Existência de pleitos jurídicos. 1 - O Ministério da Educação deve garantir o acompanhamento, supervisão e coordenação da educação para a saúde e Educação Sexual nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, sendo responsável pela produção de relatórios de avaliação periódicos baseados, nomeadamente, questionários realizados em nas escolas. Fonte: Dados da pesquisa documental (NETTO, 2015). Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 192 Mediante sua Assembleia da República, Portugal estabeleceu o regime de aplicação da Educação Sexual em Meio Escolar pela homologação da Lei nº 60/2009 (PORTUGAL, 2009). De certa forma, ela explicita maiores contribuições de outras áreas do conhecimento, se comparada às outras duas leis que a antecederam. Logo, evidencia-se que os lusitanos não acomodaram e, em espaço de tempo considerável, otimizaram leis que complementaram e expandiram o marco inicial que representou a Lei 3/84, fato que demonstra reflexões, avaliações e acompanhamento das mudanças sociais de uma nação. O artigo 1º refere-se à aplicação da Educação Sexual e exige a aplicação das leis às instituições que ainda protelavam sobre as determinações legais da sexualidade e reforça a obrigatoriedade da Educação Sexual nas instituições públicas e privadas. Já o artigo 2º representa um dos maiores avanços para o trato da Educação Sexual emancipatória, pois delibera sobre a afetividade inserida na perspectiva de pluralidade e assim contribui para o melhoramento no lidar com os relacionamentos afetivo-sexuais. O dado artigo foca a igualdade, direcionada pela informação para o sexo responsável, explicita sobre o abuso sexual e proteção, principalmente aos desfavorecidos, e por último busca a eliminação da discriminação sexual (PORTUGAL, 2009). O 7º estabelece que cada turma escolar deverá ter projeto próprio elaborado antes do começo das aulas, o que demonstra uma forma mais singular e direcionada de lidar com a Educação Sexual. Já 8º artigo representa um dos maiores avanços desta lei, pois estrutura e delibera sobre a figura do professor-coordenador, ao exigir que toda escola tenha um profissional responsável pela introdução, supervisão e real aplicação da Educação Sexual. O Estado é responsável por fornecer formação específica a esse profissional, que será vinculado ao Ministério da Educação, e não ao da Saúde, pleno avanço contra as estruturas pré-estabelecidas dos higienistas (PORTUGAL, 2009). O 10º artigo explicita as questões do gabinete de orientação nas unidades de ensino, em complemento às questões direcionadas pela Lei 120/99. Logo, a inserção do item avaliação, por via do 13º artigo, se faz importante, pois estabelece a necessidade do acompanhamento da aplicabilidade da lei e dos caminhos tomados após a entrada da sua vigência (PORTUGAL, 2009). Considerações Assim observamos que em Portugal as leis denotam linguagem mais direta, clara e menos contraditória. Isso não quer dizer que os documentos analisados não se façam contraditórios, pois principalmente em momentos de propostas emancipatórias encontrase no mesmo documento contradição, devido às posições higienistas. No Brasil, verificamos leis com linguagem extremamente técnica, em determinados momentos confusa e, principalmente, contraditória. De certa forma, as contradições e divergências numa mesma lei e com outras que a antecederam e/ou sucederam (mas ainda em vigor), Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 193 fazem o real imbróglio jurídico que nossa nação experiência. De forma clara, nossa extrema burocracia é reflexo de nossa falha constituição jurídica. Aprofundando nas questões da sexualidade e da Educação Sexual conseguimos identificar uma considerável discrepância acerca da representação legal no paralelo Brasil e Portugal. Os portugueses elaboraram sua primeira lei específica no campo da Educação Sexual em 1984, ao passo que o Brasil, em pleno século XXI, não apresenta nenhuma lei específica sobre sexualidade nem sobre Educação Sexual. Os Parâmetros Curriculares direcionam as questões a serem debatidas, apresentadas e otimizadas nos espaços escolares e o primeiro PCN no âmbito da Orientação Sexual foi registrado em 1997. A Constituição brasileira é originária de 1988 e nela identificamos muita pluralidade legal, mas acerca dos eixos de nossa proposta não encontramos referência direta. Em linhas gerais, Portugal possui três (3) leis no campo da sexualidade e da Educação Sexual, enquanto nós não temos nenhuma. Os Parâmetros Curriculares de Orientação Sexual são o único norteador direto sobre a questão em análise, contudo não são leis. Sobre a forma de lidar com a Educação Sexual e suas particularidades existe uma certa aproximação, pois as duas nações apresentam caráter higienista em seus documentos oficiais no campo da sexualidade acerca dos espaços escolares. De certa maneira observamos a forte influência da WAS, principalmente de sua Declaração de Direitos Sexuais de 1999 (WAS, 2010), em que identificamos a doutrina da saúde como manifesto. A informação é ferramenta primordial em ambos os países. Assim, a ideia é vender o ideal de salubridade sexual por meio do conhecimento, a base da proteção do povo para a qualidade de vida. Todavia, mesmo com força higienista, a última lei portuguesa (Lei 60/2009) estabeleceu a aplicação da Educação Sexual em meio escolar com traços e avanços para uma construção de emancipação sexual, e avanços também são observados no PCN de Orientação Sexual no Brasil (BRASIL, 2010). Num panorama mais amplo, o tema desse artigo se fez pertinente, pois existem reais aproximações no trato das questões da Educação Sexual nos dois países. Todavia, contradições também ficaram evidenciadas, principalmente devido à última lei da Educação Sexual portuguesa (60/2009), que apresenta caráter emancipatório, enquanto o Brasil ainda não tem nenhuma lei específica para o trato da temática em questão. No decorrer desta pesquisa constatou-se que os portugueses elaboram estudos sobre o tema e buscam discutir e refletir, mesmo que ainda em uma reflexão higienista. No Brasil existem alguns grupos de estudos e discussões, entre os de maior destaque estão: o GT 23 Gênero, Sexualidade e Educação - ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação); o LabEduSex (Laboratório de Educação Sexual) – UDESC (Universidade Estadual de Santa Catarina); o NUSEX (Núcleo de Estudos de Sexualidade) – UNESP (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) – Campus Araraquara. Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 194 Contudo, faltam propostas jurídicas emancipatórias, que possam nortear os trabalhos de Educação Sexual nos espaços escolares. Devemos ressaltar que desde 1922 há registro de discussões sobre sexualidade e Educação Sexual no Brasil, como já explicitado por César (2009), em menção ao inquérito promovido pelo Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo sobre Educação Sexual, reforçado pela proposta de lei da deputada federal Júlia Steimbruck, no enfoque da inserção da Educação Sexual como obrigatória em escolas fundamentais. Contudo se faz pertinente relacionar que o período de ditadura militar abafou e retardou as discussões referentes à Educação Sexual no Brasil. Assim, acreditamos que elevar as diretrizes estabelecidas no PCN de Orientação Sexual à lei, claro, com reformulações, discussões e aprofundamentos, poderá auxiliar as demandas da Educação Sexual nos espaços escolares (BRASIL, 2010). Equívocos e falhas como a exclusão de toda menção ou referência a questões da sexualidade e da Educação Sexual no último Plano Nacional da Educação – PNE3 (BRASIL, 2014) demonstram ponto negativo para avanços e discussões acerca da sexualidade de modo geral, principalmente nos espaços escolares, os quais representam a formação de base do indivíduo, mas propostas de avaliação como as evidenciadas no PCN de Orientação Sexual (BRASIL, 2010) devem ser ressaltadas e pontuadas positivamente. Na contemporaneidade, adolescentes não têm opção de não usar decote e roupas bem curtas, pois a manipulação do meio (mídia e seus agentes) dita que elas devem se vestir na moda para serem aceitas, amadas. Pela ausência da conscientização do próprio corpo e da própria escolha, elas obedecem à imposição dita “cultural”, mais especificamente da moda. Assim, fica nítido que tanto os pais quanto os professores, agentes dos espaços escolares, encontram-se em dificuldade e consequente enfrentamento ao status e às imposições socialmente estabelecidas. A resolução da questão não se encontra em criar uma didática sistematizada e, mais ainda, instrumentalizada, mas passa pela compreensão das limitações proporcionadas a todos os sujeitos direta e indiretamente envolvidos na constituição sexual da sociedade humana. Concluímos que o ambiente sexual criado é fomentado pelo capitalismo como manifesto político-econômico. Desta maneira, acreditamos que avanços como o Gabinete de Informação e o Professor Coordenador da Educação para a Saúde e Educação Sexual representam exemplos satisfatórios a serem implementados de forma experimental no Brasil. Assim, o eixo “tensão” que se refere a um dos centros de nossa pesquisa se faz 3 Logo se faz de fundamental relevância ressaltar que o governo em atenção à bancada evangélica limpou toda e qualquer menção às questões da sexualidade e similares na última atualização do PNE 2014-2014 (Plano Nacional da Educação), plano o qual é alterado em ciclos a partir das diretrizes estabelecidas pela LDB 9.394. Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp> 195 contemplado. A crítica destrutiva apenas externaliza as limitações em determinados campos do conhecimento. Todavia, utilizar a tensão como proposta de exemplo e reflexão se faz pertinente para avançar no âmbito da Educação Sexual, visto que experiências positivas e contínuas podem ser agregadas consideravelmente a qualquer nação, comunidade ou sociedade. Referências BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. 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Acesso em: 1º mar. 2016. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980. PORTUGAL. Lei da Educação Sexual e Planejamento Familiar. Assembleia da República, Lisboa,1984. ______. Lei que Estabelece o Regime de Aplicação da Educação Sexual em Meio Escolar. Assembleia da República, Lisboa, 2009. ______. Lei que Reforça as Garantias do Direito à Saúde Reprodutiva. Assembleia da República, 1999. WORLD ASSOCIATION FOR SEXOLOGY. Universal Declaration of Sexual Rights. 2008. Disponível em: <http://www.tc.umn.edu/~colem001/was/wdeclara.htm>. Acesso em: 20 nov. 2015. Protestantismo em Revista | São Leopoldo | v. 44, n. 02 | p. 176-195| jul./dez. 2018 Disponível em: <http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp>