Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
View metadata, citation and similar papers at core.ac.uk brought to you by CORE provided by Repositório Institucional da UFPB UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO – CAMPUS JOÃO PESSOA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA FERNANDA LUCENA DE FREITAS MELO RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA A PARTIR DO PROVIMENTO 63/2017 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA JOÃO PESSOA 2019 FERNANDA LUCENA DE FREITAS MELO RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA A PARTIR DO PROVIMENTO 63/2017 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito de João Pessoa do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial da obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Dr.ª Raquel Moraes de Lima JOÃO PESSOA 2019 Catalogação na publicação Seção de Catalogação M528r Melo, Fernanda Lucena de Freitas. Reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva a partir do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça / Fernanda Lucena de Freitas Melo. - João Pessoa, 2019. 60 f. Orientação: Raquel Moraes de Lima. Monografia (Graduação) - UFPB/CCJ. 1. Parentalidade socioafetiva. 2. Reconhecimento extrajudicial. 3. Provimento. I. Lima, Raquel Moraes de. II. Título. UFPB/CCJ AGRADECIMENTOS Diante desse ciclo que se encerra em minha vida, olho para trás e fico feliz com o caminho que percorri até aqui. Ao longo desses últimos cinco anos, amadureci o suficiente para ter certeza do tipo de profissional que quero me tornar. Pude aprender a exercer a minha futura profissão de forma digna e ética, sempre visualizando o respeito ao próximo. Portanto, aos professores que contribuíram com minha formação pessoal e acadêmica, meu mais profundo agradecimento. Em especial à minha orientadora, professora Raquel, que me auxiliou na elaboração deste trabalho com tamanha atenção e zelo, obrigada pelos ensinamentos, paciência e gentileza que contribuíram imensamente com o meu desempenho. Não poderia deixar de agradecer a Deus, por zelar por mim a cada momento, honro a Ele cada vitória em minha vida. Aos meus pais, que me incentivaram e nunca deixaram de confiar em mim, devo a vocês tudo o que sou, rogo a Deus em poder retribuir, algum dia, pelo menos uma parte do tanto que vocês fizeram e fazem por mim. Aos meus avós, irmãos, toda a família, amigos e namorado, por caminharem sempre junto a mim e me apoiarem em cada instante. Não teria chegado aqui sem o apoio de cada um de vocês, saibam que sempre terei profunda gratidão! RESUMO O presente trabalho tem como escopo uma análise objetiva acerca do reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva à luz do Provimento 63/2017 do CNJ. A partir da afirmação da afetividade enquanto valor jurídico determinante quando da configuração das relações de parentesco. Pretende-se demonstrar a reorganização na estrutura jurídica da família, de modo a atribuir à parentalidade socioafetiva posição jurídica de destaque, sobretudo no que concerne ao tratamento isonômico em relação aos demais tipos de filiação. A partir disso, estudar suas repercussões, sobretudo quanto ao seu reconhecimento e a devida inscrição no registro civil, atentando, sobretudo, ao movimento de desjudicialização por qual passa o Direito brasileiro. A pesquisa é qualitativa, realizada através de método dedutivo e técnica de pesquisa documental indireta. Assim, através do estudo acerca do reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva, pretende-se demonstrar a importância deste para milhares de pessoas que se encontram em situação de desamparo quanto à falta da constituição da socioafetividade em seus registros civis, e que encontram obstáculos nas vias judiciais passíveis de serem extintos a partir do trabalho cartorário diante dessa situação. No mesmo sentido, demonstra-se a importância da multiparentalidade e de seu reconhecimento jurídico. Nesse diapasão, é feita uma análise acerca do tratamento legal do tema, com foco no Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça que regulamentou a matéria de forma específica. A partir disso, trata-se das repercussões suscitadas no mundo jurídico relativas à referida norma administrativa. Palavras-chave: Parentalidade socioafetiva; reconhecimento extrajudicial; provimento. LISTA DE ABREVIATURAS ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ANOREG – Associação dos Notários e Registradores ARPEN – Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais CNJ – Conselho Nacional de Justiça CNPG – Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e União CPC – Código de Processo Civil ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família MP – Ministério Público RE – Recurso Extraordinário STF – Supremo Tribunal Federal SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7 2 FILIAÇÃO ........................................................................................................................... 10 2.1 DO PARENTESCO E DA FILIAÇÃO .............................................................................. 11 2.2 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA ........................................................................................... 15 2.2.1 Adoção à brasileira e filiação socioafetiva................................................................... 18 2.3 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE FILIAÇÃO .................................................. 20 3 MULTIPARENTALIDADE, RECONHECIMENTO JUDICIAL E RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA SOCIOAFETIVIDADE ....................... 23 3.1 O JULGAMENTO DO RE 898.060/SC E SUA IMPORTÂNCIA PARA O RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE ....................................................... 24 3.2 O RECONHECIMENTO JUDICIAL DA SOCIOAFETIVIDADE .................................. 27 3.3 O RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA SOCIOAFETIVIDADE .................... 32 4 PROVIMENTO 63/2017 DO CNJ E SUAS REPERCUSSÕES JURÍDICAS ............... 37 4.1 REQUISITOS IMPOSTOS PELO PROVIMENTO 63/2017 DO CNJ ............................. 37 4.1.1 Discussões referentes ao artigo 14 do Provimento e ao reconhecimento da multiparentalidade ................................................................................................................. 41 4.2 CRÍTICAS AO PROVIMENTO ........................................................................................ 43 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 52 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 56 7 1 INTRODUÇÃO A primazia da parentalidade biológica foi sendo desconstituída ao longo dos anos, conforme a verificação paulatina de que a origem da filiação não é capaz, por si só, de determinar o seu real sentido. Sobretudo diante da análise constante de casos em que crianças são abandonadas pelos pais biológicos e acolhidas por outros que cumprem papel decisivo na sua formação. A formalização efetiva da relação de parentesco somente é verificada, portanto, através da existência de uma relação real de afetividade. Ao eleger a afetividade como elemento constituidor da filiação, cumpre observar a constatação da multiparentalidade, haja vista ser plenamente possível a existência concomitante de paternidade biológica e afetiva, gerando os mesmos efeitos jurídicos, reciprocamente, entre pais e filhos. Ao longo dos anos, várias foram as discussões doutrinárias e jurisprudenciais nesse sentido. Foram diversas as reflexões acerca dos efeitos e consequências jurídicas a partir do reconhecimento da socioafetividade, bem como da possível prevalência dessa em relação à paternidade biológica. Ademais, discute-se também sobre a forma que se dará o procedimento de reconhecimento desse tipo de filiação, uma vez que o reconhecimento da parentalidade biológica é devidamente regulamentado pela codificação cível, mas esta não trata expressamente da socioafetividade. Coube à jurisprudência e aos atos normativos dos demais órgãos do Judiciário, portanto, o tratamento acerca da matéria e sua devida regulamentação. As mudanças experimentadas pelo Direito de Família nos últimos, a partir das evoluções no campo social, sobretudo após o advento da Constituição Federal de 1988, somente são concretizadas e passam a se tornar efetivas após serem expressas no registro civil do cidadão. Não poderia ser diferente, portanto, com o reconhecimento da parentalidade socioafetiva. Uma vez que o Código Civil disciplina que “a filiação prova-se pela certidão de nascimento”, resta evidente que a socioafetividade requer uma formalização registral para que os seus efeitos jurídicos sejam devidamente produzidos. Somado a isso, evidencia-se no cenário jurídico nacional um movimento geral de desburocratização e desjudicialização. Nesse contexto, o oficial de registro civil de pessoas naturais revela-se o profissional adequado para oficializar as questões relativas ao Direito de Família que não compreendam demandas litigiosas. Diante disso, revela-se importante o estudo do reconhecimento da parentalidade socioafetiva, sobretudo no âmbito extrajudicial, a partir da edição do Provimento n. 63 do 8 Conselho Nacional de Justiça, que admitiu o referido procedimento diretamente perante os oficiais de registro civil em todo o território nacional, cuja análise constitui o objetivo geral do presente trabalho. Tema este que envolve algumas críticas e discussões que serão explanadas no presente estudo. A base metodológica utilizada está no uso de pesquisa teórico-dogmática, sendo abordados estudos de doutrinadores e jurisprudências pertinentes ao tema, de matérias constitucionais e infraconstitucionais. Especificamente, quanto ao método de abordagem, foi utilizado o método dedutivo, que se coaduna como método que melhor se aplica para atingir os objetivos que aqui se pretendem. Quanto aos métodos de pesquisa, utilizou-se o método histórico, a partir da análise das alterações experimentadas pela socioafetividade e seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro ao longo dos anos. Quanto às técnicas de pesquisa, foi utilizada a pesquisa documental indireta, a partir da análise de livros, artigos, notícias que tratam sobre o tema para um melhor entendimento e tendo em vista uma abordagem do assunto de maneira fundamentada. Além da análise jurisprudencial para uma melhor compreensão acerca da aplicabilidade do tema nos casos práticos. Diante disso, como uma melhor forma de compreender o tema, no primeiro capítulo foi feita uma análise acerca dos conceitos do parentesco e da filiação, tendo em vista suas características, classificações e a importância prática de cada um nos estudos jurídicos. Assim como foi traçada uma análise histórica acerca do tratamento jurídico relacionado ao afeto e sua importância para o Direito de Família nos dias atuais. Ademais, observou-se o conceito de filiação socioafetiva, sua importância e desdobramentos no cenário jurídico atual. Por fim, foi realizado um exame acerca do tratamento jurídico do reconhecimento da filiação, sobretudo quanto à disciplina do tema no Código Civil. No segundo capítulo, foram observadas as repercussões do julgamento do Supremo Tribunal Federal no RE 898.060/SC quanto ao reconhecimento da multiparentalidade e a produção de seus efeitos jurídicos. Ademais, aproximou-se o conceito de multiparentalidade ao tema da discussão da parentalidade socioafetiva para uma posterior análise acerca do reconhecimento desta. A princípio, foi feito um exame quanto ao reconhecimento judicial da paternidade socioafetiva. Posteriormente, observou-se a importância do seu reconhecimento extrajudicial e a necessidade da sua normatização em todo o território nacional a partir do estudo do pedido de providências do IBDFAM direcionado ao CNJ cujo objetivo era a edição de provimento que regulamentasse o tema. 9 No terceiro capítulo, por fim, foram analisadas as disposições do provimento n. 63/2017 do CNJ, com enfoque individualizado em cada dispositivo, inclusive dando destaque às repercussões de cada um. Ademais, foram observadas as críticas direcionadas à norma administrativa em questão desde a sua edição. Diante disso, o presente trabalho busca fazer uma análise do conceito da filiação socioafetiva e de suas repercussões no cenário jurídico, sobretudo quanto ao seu reconhecimento e a inclusão devida em registros civis a partir do estudo do Provimento n. 63/2017 do CNJ que viabilizou o procedimento no âmbito extrajudicial em todo o território nacional. 10 2 FILIAÇÃO Ao tratar acerca de temas relacionados ao Direito de Família, é cediço mencionar a evolução histórica por qual passou esse ramo durante os últimos anos no Brasil. Partindo da Constituição Federal de 1988, a família passa a ser objeto de proteção estatal, haja vista que, conforme o próprio texto constitucional aduz, trata-se da base da sociedade. Acompanhando as mudanças refletidas na sociedade diante da transição de um Estado liberal para um Estado social, a família passa a ser detentora de diversas normas protecionistas, pautadas, sobretudo, na isonomia, uma vez que é característica do estado social a intervenção na vida privada do indivíduo para a sua proteção. 1 São reconhecidos, também, conforme as mudanças sociais, os arranjos familiares diversos daqueles pautados no casamento, de modo que a proteção estatal é estendida para os coniventes em união estável, assim como famílias monoparentais, conforme disposição do artigo 226 §§ 3° e 4° da Constituição de 1988. Em entendimento sobre o tema, Maria Berenice Dias aduz: “A família à margem do casamento passou a merecer tutela constitucional porque apresenta condições de sentimento, estabilidade e responsabilidade necessários ao desempenho das funções reconhecidamente familiares.”2 Frise-se que a doutrina e a jurisprudência já reconhecem outras entidades familiares além das mencionadas pelo texto constitucional, tais como a união homoafetiva3. Dentre os princípios do Direito de Família, destaca-se o da afetividade, ainda que não expresso no texto constitucional, em oposição ao modelo patrimonial e individualista anteriormente verificado. Em consonância com o referido princípio, tem-se o da igualdade entre os filhos, inscrito no art. 227 §6° da Constituição, que determina “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” assim como no art. 1.596 do Código Civil4. 1 “As Constituições brasileiras reproduzem as fases históricas que o país viveu, em relação à família, no trânsito do Estado liberal para o Estado social.” (LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 33) 2 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 58. 3 Em sede de julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo como entidade familiar. 4 “Em boa hora o constituinte acabou com a abominável hipocrisia que rotulava a prole pela condição dos pais.” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 78) 11 Nesse sentido, a diferenciação entre os diversos tipos de filiação serve, tão somente, para fins didáticos, persistindo como uma técnica jurídica5, uma vez que a Constituição conferiu tratamento isonômico em absoluto para os filhos, independente da origem da filiação. 2.1 DO PARENTESCO E DA FILIAÇÃO O parentesco pode ser conceituado como um conjunto de “relações jurídicas estabelecidas entre pessoas que mantêm entre si um vínculo familiar, sobretudo de afetividade” 6. O referido vínculo pode se manifestar através da consanguinidade, ou seja, entre as pessoas que mantêm um vínculo biológico entre si. Por afinidade, a partir das relações entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro. E por fim, pode ter natureza civil, decorrente de outra origem, que não a consanguinidade ou afinidade, e onde se insere a afetividade7, a adoção e as técnicas de reprodução assistida. A relação de parentesco remete à identificação das pessoas como pertencentes a um grupo social que as envolve num conjunto de direitos e deveres. Além disso, funda-se em sentimentos de pertencimento a determinado grupo familiar, em valores e costumes cultuados pela sociedade8. O seu estudo revela-se de extrema importância para vários ramos do Direito, haja vista que assegura direitos e impõe deveres recíprocos, assim como são observadas algumas proibições fixadas em razão de sua existência. Nesse sentido, sobre o conhecimento das relações de parentesco Orlando Gomes apud Carlos Roberto Gonçalves9: (...) reveste-se de grande importância prática, porque a lei lhe atribui efeitos relevantes, estatuindo direitos e obrigações recíprocos entre os parentes, de ordem pessoal e patrimonial, e fixando proibições com fundamento em sua existência. Têm os parentes direito à sucessão e alimentos e não podem casar uns com os outros, na linha reta e em certo grau da colateral. O parentesco é importante ainda em situações individuais regidas por outros ramos do Direito, como o processual e o eleitoral. 5 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 18ª ed. – São Paulo: Atlas, 2018. p.243. 6 TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 13 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 415. 7 Apesar de não haver menção expressa acerca da afetividade na legislação cível atual, o artigo 9° do Projeto de Lei 470 de 2013 do Senado Federal, denominado Estatuto das Famílias, admite que o parentesco resulte da consanguinidade, da socioafetividade e da afinidade. 8 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 205. 9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro- Vol. 6- Direito de Família – 15 ed. – São Paulo: Saraiva. p. 302. 12 A lei regula tanto as relações de parentesco, no seu aspecto mais restrito e pessoal, como disciplina os vínculos mais distantes e que igualmente interessam à ordem social. Os direitos processuais, por exemplo, assenta normas relativas ao parentesco, vedando a oitiva de testemunhas ligadas por laços de parentesco. No Direito Penal, o parentesco entre o autor do delito e a vítima pode ser causa de agravamento ou de isenção da pena quando o crime é cometido contra cônjuge, na constância da sociedade conjugal, ou entre ascendente ou descendente. No direito administrativo e constitucional existem restrições de parentesco para a ocupação de cargos de administração, e as inelegibilidades eleitorais10. Enfim, várias são as consequências jurídicas provenientes das relações de parentesco, em diversos campos do Direito. Cumpre ressaltar que o conceito de parentesco não se confunde com a noção de família, uma vez que, os cônjuges, por exemplo, não são parentes entre si, mas constituem uma família. O termo filiação, por sua vez, tem origem do latim filiatio, que tem como significado procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace 11. É o vínculo que se estabelece entre os ascendentes e descendentes de primeiro grau, independente da origem, consanguínea, por adoção, pela posse do estado de filho (socioafetividade), ou técnicas de reprodução assistida. Sob o aspecto do Direito, a filiação é um fato jurídico do qual decorrem inúmeros efeitos. A filiação compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que têm como sujeitos os pais com relação aos filhos. Portanto, sob esse prisma, o direito de filiação abrange o poder familiar, em que os pais exercem em relação aos filhos menores, bem como os direitos protetivos e assistenciais em geral12. Antes do advento da Constituição Federal de 1988, os filhos eram catalogados, tendo como base a circunstância de ter sido gerado ou não durante a constância do matrimônio, haja vista que este era o centro das relações familiares à época. Eram classificados em legítimos, ilegítimos e legitimados. Na vigência do Código Civil de 1916, os filhos legítimos eram concebidos na constância do casamento, de acordo com a presunção pater is est, segundo a qual, se atribui ao marido a paternidade do filho concebido durante o matrimônio. A filiação legitimada era a 10 MADALENO, Rolf. Direito de Família – 8 ed.- Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.638. LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 216. 12 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 18ª ed. – São Paulo: Atlas, 2018, p.249. 11 13 resultante do casamento dos pais, estando o filho concebido, ou depois de havido o filho13. Os ilegítimos não eram concebidos durante o casamento e, por isso, sofriam uma série de restrições, inclusive não se admitia o reconhecimento dos filhos incestuosos e adulterinos, o que lhes impedia de concorrer à sucessão ou a percepção de alimentos. Em crítica ao tratamento discriminatório, Clóvis Bevilaqua apud Maria Berenice Dias14: A falta é cometida pelos pais e a desonra recai sobre os filhos, que em nada concorreram para ela. A indignidade está no fato do incesto e do adultério, e a lei procede como se ela estivesse nos frutos infelizes dessas uniões condenadas. O que ocorria era a prevalência dos interesses da instituição do matrimônio em detrimento dos direitos de personalidade e patrimoniais dos filhos que acabavam sendo prejudicados pela conduta ilícita de seus pais, uma vez que o adultério era considerado crime à época. Ao longo do século XX, o tratamento discriminatório dos filhos foi sendo mitigado com o advento de algumas leis, como a Lei do Divórcio, Lei 6.515/77, até que foi totalmente extinto a partir da Constituição Federal de 1988. A norma retrata verdadeira mudança de paradigmas, envolvente da concepção de família. A desigualdade entre filhos, particularmente entre filhos legítimos, ilegítimos e adotivos, era a outra e dura face da família patriarcal que perdurou no direito brasileiro até praticamente os umbrais da Constituição de 1988, estruturada no casamento, na hierarquia, no chefe de família, na redução do papel da mulher, nos filhos legítimos, nas funções de procriação e de unidade econômica e religiosa. A repulsa aos filhos ilegítimos e a condição subalterna dos filhos adotivos decorriam naturalmente dessa concepção15. Em consonância com o novo tratamento constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 27, extingue os pressupostos antes exigidos para o reconhecimento da filiação, e eleva o referido instituto a direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercido sem restrições por quaisquer filhos. O princípio da proibição do tratamento discriminatório promove, assim, a concretização da dignidade humana e se alia à proteção integral da criança e adolescente, ambos dispostos no texto constitucional. Além disso, afasta o caráter patriarcal da família, proporcionando a todos os filhos, inclusive os adotivos, os mesmos direitos e garantias. 13 FUJITA, Jorge Siguemitsu; Filiação – 2 ed. – São Paulo: Atlas, 2011. p.22 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.654. 15 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 218. 14 14 Para fins didáticos, a filiação é classificada, no que tange à sua natureza, em jurídica, biológica e socioafetiva. A filiação jurídica é o vínculo paterno-filial reconhecido pela lei16. O Código Civil, em seu artigo 1.597, determina as hipóteses de presunção de paternidade dos filhos havidos na constância do casamento. O dispositivo está amparado na velha máxima latina mater semper certa est et pater is est quem nuptiae demonstrant, que pode ser resumida da seguinte forma: a maternidade é sempre certeza, a paternidade é presunção que decorre da situação de casados17. Parte da doutrina critica o referido dispositivo legal por não acompanhar a evolução social direcionada pela Constituição, sobretudo quanto à pluralidade dos núcleos familiares18. A presunção de paternidade foi então superada pela busca da verdade biológica, o que implica na segunda classificação doutrinária da filiação e, por sua vez, se estabelece através da consanguinidade. A evolução científica permitiu a concretização da referida busca da verdade biológica através do exame pericial de DNA que indica uma verdade quase absoluta acerca da paternidade biológica. Por muito tempo, a filiação biológica se sobrepunha em relação às demais, mas com o advento do novo tratamento constitucional direcionado à família, sobretudo em relação à primazia de sua proteção integral em todos os arranjos familiares e o alargamento do tratamento legal para além da instituição do matrimônio, a essência da família passa a concentrar-se nas relações pessoais e afetivas de seus integrantes. Todas essas mudanças se refletem na identificação dos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma nova linguagem que melhor retrata a realidade atual: filiação social, filiação socioafetiva, estado de filho afetivo19. O direito deu um salto à frente do dado da natureza, construindo a filiação jurídica com outros elementos. A verdade real da filiação surge na dimensão cultural, social e afetiva, donde emerge o estado de filiação efetivamente constituído20. 16 FUJITA, Jorge Siguemitsu; Filiação – 2 ed. – São Paulo: Atlas, 2011. p.63. TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 13 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.423. 18 “Todavia, de modo inexplicável, o legislador-codificador manteve uma presunção de paternidade (art. 1.597) somente para os filhos nascidos de pessoas casadas, ignorando a existência da pluralidade de núcleos familiares, protegida, de forma expressa, pela Constituição Federal.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das famílias – 7 ed.- São Paulo: Atlas, 2015. p. 540.) 19 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.657. 17 20 LÔBO, Paulo. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: Uma distinção necessária. Jus Navigandi. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/4752/direito-ao-estado-de-filiacao-e-direito-a-origemgenetica/2> Acesso em 19/03/2019. 15 Não obstante a filiação socioafetiva ainda não ser reconhecida expressamente pela codificação legal cível, o instituto já é amplamente discutido e ratificado pela doutrina, jurisprudência e demais legislações. 2.2 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA A paternidade em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural. As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, implicaram no esvaziamento biológico da paternidade21. Nesse sentido, o aspecto determinante da filiação deixa de ser sua origem e passa a ser a construção de vínculos psicológicos, sobretudo diante dos avanços científicos e sociais que permitiram a utilização de técnicas de reprodução humana assistida e extirparam a marginalização dos outros tipos de filiação diferentes da biológica. No atual estágio da sociedade, não mais interessa a origem da filiação. Popularizaram os métodos de reprodução assistida homóloga e heteróloga, a doação de óvulos e espermatozoides, a gravidez por substituição. E isso sem falar ainda na clonagem humana. Ditos avanços ocasionaram uma reviravolta nos vínculos de filiação. A partir do momento em que se tornou possível interferir na reprodução humana, a procriação deixou de ser um fato natural para subjugar-se à vontade do homem22. Segundo os ensinamentos de João Baptista Villela, que inaugurou a discussão do tema em 1979, a consanguinidade tem, de fato, e de direito, um papel absolutamente secundário na configuração da paternidade. Não é a derivação bioquímica que aponta para a figura do pai, senão o amor, o desvelo, o serviço com que alguém se entrega ao bem da criança23. Os estudos de Villela ressaltaram a relevância da configuração da paternidade a partir da afetividade, de modo a atribuir valor jurídico ao afeto e a viabilizar a elaboração de teses jurídicas no sentido do reconhecimento dos filhos socioafetivos. A máxima popular, consagrada há muito tempo na sociedade, que afirma que “pai é quem cria” toma proporções maiores e se legitima juridicamente. 21 VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. Ano XXVII, n. 21 (nova fase), maio 1979. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1156> Acesso em 15/03/2019. 22 BARBOZA, Heloisa Helena. Direito à identidade genética. Juris poiesis. Edição temática: Biodireito, 2004. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/208.pdf> Acesso em 15/03/2019. 23 VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. Ano XXVII, n. 21 (nova fase), maio 1979. Disponível em: < https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1156> Acesso em 18/03/2019. 16 O real valor jurídico está na verdade afetiva e jamais sustentada na ascendência genética, porque essa, quando desligada do afeto e da convivência, apenas representa um efeito da natureza, quase sempre fruto de um indesejado acaso, obra de um indesejado descuido e da pronta rejeição. Não podem ser considerados genitores pessoas que nunca quiseram exercer as funções de pai ou de mãe, e sob todos os modos e ações se desvinculam dos efeitos sociais, morais, pessoais e materiais da relação natural de filiação24. Nesse diapasão, a perspectiva afetiva da paternidade é evidenciada como elemento essencial da relação de filiação, haja vista que os vínculos consanguíneos são demasiadamente frágeis para evidenciar o que efetivamente é capaz de informar uma relação de paternidade. O Código Civil menciona, indiretamente, a filiação socioafetiva em alguns de seus dispositivos. O inciso V do artigo 1.597 ao presumir concebidos na constância do casamento os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido, de tal forma que o cônjuge será reconhecido como pai, e não aquele que forneceu o material genético para a concepção da criança. No artigo 1.603, quando confere absoluta prevalência ao termo de nascimento como prova de filiação, e nesse sentido a jurisprudência vem construindo a base jurídica da filiação socioafetiva, ao negar a desconstituição das adoções à brasileira25. Sobre o tema, disserta Luiz Edson Fachin: Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação psicoafetiva, aquele, enfim que, além de emprestar o nome de família, o trata como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social. E no fundamento da posse de estado de filho é possível encontrar a verdadeira paternidade, que reside no serviço e no amor que na procriação. Esse sentido da paternidade faz eco no estabelecimento da filiação e, por isso, reproduzindo a modelar frase do Professor João Batista Villela, é possível dizer que, nesse contexto, há um nascimento fisiológico e, por assim dizer, um nascimento oficial26. Destaca-se, então, o conceito de posse de estado de filiação, referente à situação jurídica em que o indivíduo goza do status de filho em relação a outro indivíduo, sem que a referida situação se corresponda com a realidade. Segundo Maria Berenice Dias27 “A tutela da aparência acaba emprestando juridicidade a manifestações exteriores de uma realidade que não existe”. 24 MADALENO, Rolf. Direito de Família – 8 ed.- Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.660. Ibidem. p. 662. 26 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica afetiva - Belo Horizonte: Del Rey, 1996. 27 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.677. 25 17 A posse do estado de filho se caracteriza, então, pela convivência familiar, pelo efetivo cumprimento pelos pais dos deveres de guarda, educação e sustento do filho, pelo relacionamento afetivo, tal qual o comportamento habitual entre pais e filhos, de um modo geral, verificado na sociedade. O estado de filiação compreende um conjunto de circunstâncias que solidificam a presunção da existência de relação entre pais e filhos, capaz de suprir a ausência do registro do nascimento. Em outras palavras, a prova da filiação dá-se pela certidão do registro do nascimento ou pela situação de fato. Trata-se de conferir à aparência os efeitos de verossimilhança, que o direito considera satisfatória28. Ratificando esse entendimento, o inciso II do artigo 1.605 do Código Civil estabelece que, na falta ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito, quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos, dentre os quais pode ser destacado a posse do estado de filho. Apesar de não haver menção expressa acerca do estado de filiação na legislação pátria, a noção do referido instituto deu-se a partir do conceito de posse do estado de casado, disposto na codificação civil nos artigos 1.545 e 1.54729. Nesse diapasão, aplica-se o conceito analogicamente para as relações paterno-filiais. A posse do estado de filho tem três requisitos, não cumulativos, delineados pela doutrina. O tratamento (tractatio), relativo ao fato de que, entre si e perante a sociedade, as partes se relacionam como se fossem unidas pelo vínculo de filiação, ou seja, como pais e filhos. É possível considerá-lo como o principal requisito para a configuração do estado de filho, vez que se encontra consubstanciado na própria relação vivenciada com o pai, na medida em que este revela os sentimentos que nutre pelo filho através da preocupação com o seu bem-estar, cuidando de sua saúde, promovendo a sua educação, e também zelando a todo instante pela boa formação do filho30. A fama (reputatio) que representa uma repercussão desse tratamento, quando o conhecimento de vínculo ultrapassa o âmbito familiar, constituindo o reconhecimento geral pela sociedade da referida situação. 28 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 237. Art. 1.545. O casamento de pessoas que, na posse do estado de casadas, não possam manifestar vontade, ou tenham falecido, não se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante certidão do Registro Civil que prove que já era casada alguma delas, quando contraiu o casamento impugnado. Art. 1.547. Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados. 30 CORRÊA, Vanessa Ribeiro. A filiação entre a verdade biológica e afetiva. Revista da Faculdade de Direito de Campos. Ano 11, n° 2 e Ano 111, n° 3, 2001/2002. Disponível em <https://core.ac.uk/download/pdf/16013538.pdf> Acesso em 19/03/2019. 29 18 Com tom complementar e acessório, há o nome (nominatio), presente quando o filho utiliza o sobrenome do seu suposto pai. Alerte-se que é levado em conta não somente o nome registral civil, mas também o nome social, especialmente nos casos em que o filho é conhecido pelo nome do pai perante a comunidade onde vive, ou vice-versa31. Frise-se que não há exigência da constatação das mencionadas características de forma conjunta, uma vez que não há comando legal nesse sentido e em caso de dúvida, o estado de filiação deve sempre ser favorecido. A filiação socioafetiva tem como base fática para seu estabelecimento a posse do estado de filiação. A configuração da posse do estado de filho torna-se, nesse sentido, indispensável para o reconhecimento judicial da parentalidade socioafetiva. Partindo dessa premissa, observa-se o conteúdo referente ao Enunciado 519 da V Jornada de Direito Civil: “O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais.” Nesse diapasão, a jurisprudência acolhe o reconhecimento judicial da socioafetividade a partir da configuração da posse do estado de filho. O Superior Tribunal de Justiça ressalta que “não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontra caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo32”. 2.2.1 Adoção à brasileira e filiação socioafetiva A chamada adoção à brasileira consiste em expressão popular para designar a adoção feita sem o devido processo judicial, em desobediência aos trâmites legais, caracterizando um procedimento irregular, tipificado como crime de parto suposto, constante no artigo 242, do Código Penal. Ainda que contrária à lei, a situação se repete, assim como não é repelida pela sociedade, chegando a ser considerada um “ato nobre”. Em relação ao tema, discute-se acerca da desconstituição da chamada adoção à brasileira, uma vez que se trata de um procedimento ilegal, mesmo após a convivência entre as partes e a configuração de vínculos afetivos e ser observada a posse do estado de filho. 31 TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 13 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 449. 32 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp. 1.189.663. Rio Grande do Sul. 2010. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data de julgamento: 06/09/2011. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21082296/recurso-especial-resp-1189663-rs-2010-0067046-9stj/inteiro-teor-21082297?ref=juris-tabs> Acesso em 20/03/2019. 19 O enfoque da discussão se dá, geralmente, quando ocorre o fim de algum relacionamento, e algum dos genitores do menor decide demandar judicialmente pela percepção de alimentos, representando o incapaz. Como forma de vingança e com intenção de livrar-se da obrigação alimentar, o adotante decide ingressar com alguma medida judicial para desconstituir a parentalidade, alegando, em tese, que não é o pai biológico. Diante da importância revelada pelas relações de afeto quando da constituição da parentalidade, não é possível ignorar o vínculo afirmado. Ainda que se trate de uma situação não reconhecida juridicamente, a produção de efeitos jurídicos, emocionais e patrimoniais é patente. A partir da constatação da voluntariedade do ato, a jurisprudência33 não admite a anulação do registro de nascimento, considerando-o irreversível. Não sendo detectado qualquer vício de vontade, é descabida a anulação, haja vista que a codificação cível não autoriza a ninguém vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, de acordo com o artigo 1.604. Não obstante o dispositivo legal excepcionar a possibilidade de anulação por erro ou falsidade, não se pode aceitar a alegação de falsidade do registro levada a efeito pela própria pessoa. Segundo Maria Berenice Dias,34, a adoção à brasileira também constitui uma filiação socioafetiva. Existe um viés ético na consagração da filiação socioafetiva, o que justifica a vedação às tentativas processuais de desconstituição do registro de nascimento, quando de forma espontânea uma pessoa registra como seu filho alguém que sabe não ser o pai consanguíneo. A filiação socioafetiva da adoção à brasileira pressupõe o estabelecimento de laços de afeto desenvolvidos entre o que promoveu o registro e a pessoa registrada como filho, sem que necessariamente tenha ciência da veracidade ou falsidade do registro de filiação, pois a filiação socioafetiva se estabelece justamente em função desse elo de afeto desencadeado entre os dois polos de amor de uma filiação que nasceu do coração35. 33 Ação negatória de paternidade. Registro. Exclusão da paternidade biológica. Erro à época. Inocorrência. Art. 1.604 do CC. Paternidade socioafetiva. Prevalência. Apelação a que se nega provimento. 1. Não pode o pai vindicar estado contrário ao que consta do registro do nascimento, quando não provado o erro nem falsidade do registro. Art. 1.604 do CC de 2002. 2. Constatada a existência de paternidade socioafetiva, não pode a filiação, devidamente registrada, ficar a mercê da instabilidade das relações emocionais dos envolvidos. (TJMG, AC 1.0183.10.009301-6/001. 2.ª Câmara Cível. Rel. Des. Marcelo Rodrigues. Data de julgamento: 14/01/2014. Disponível em <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/118762907/apelacao-civel-ac10183100093016001-mg/inteiro-teor-118762967> Acesso em 21/03/2019). 34 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 833. 35 MADALENO, Rolf. Direito de Família – 8 ed.- Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 661. 20 A partir da observância da socioafetividade, todos os efeitos jurídicos decorrentes da filiação se aplicam. A manutenção da paternidade no registro civil se faz imperativa a partir da observância do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, se for o caso, bem como da dignidade humana, além do princípio da solidariedade, norteador das configurações familiares. Ademais, cumpre observar o mandamento constitucional inscrito no artigo 227 que aduz ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança o direito à “convivência familiar”, ressaltando a “absoluta prioridade”. Imperioso destacar que o registro da paternidade é entendido como um ato declaratório, o que corresponde com a realidade fática. Ao registrar um filho, sabendo que não existem vínculos biológicos, ainda que indevidamente, impede posterior anulação, haja vista não tratar-se de falsidade do ato, sobretudo por ser voluntário. Inquestionável a vontade de quem assim age em assumir a paternidade, não podendo ser aceito arrependimento posterior. Imperativo prestigiar a posse de estado de filho de que desfruta o registrado, na medida em que se constituiu uma filiação socioafetiva36. Paulo Lôbo aduz que é situação de venire contra factum proprium (vedação ao comportamento contraditório), violadora da boa-fé37. O referido entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça38 ao decidir que “em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado”. 2.3 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DE FILIAÇÃO A paternidade do filho extramatrimonial se opera via reconhecimento voluntário ou por sentença judicial, em ação investigatória de paternidade. Ou seja, o que estabelece a filiação resultante do relacionamento de pai e mãe não casados é o ato de reconhecimento. O reconhecimento, voluntário ou forçado de filiação constitui direito personalíssimo, assim como indisponível e imprescritível, de acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente, 36 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 833. 37 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p.251. 38 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 1.088.157. Paraíba. 2009. Relator Ministro Massami Uyeda. Data de julgamento: 23/06/2009. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6062250/recurso-especial-resp-1088157-pb-2008-0199564-3/inteiroteor-12198378> Acesso em 21/03/2019. 21 em seu artigo 27. Quando o pai ou a mãe, ou ambos, em conjunto ou sucessivamente, reconhecem voluntariamente o filho, cumprem o dever legal de fazê-lo. O reconhecimento voluntário é ato livre, pessoal, irrevogável e de eficácia erga omnes. Na classificação dos atos jurídicos, constitui ato jurídico em sentido estrito, uma vez que seus efeitos são predeterminados pela lei, não podendo ser estipulados livremente pelas partes. Além de personalíssimo, o ato de reconhecimento voluntário tem como características a voluntariedade, irrevogabilidade, incondicionalidade39. Trata-se também de um ato unilateral e formal. O artigo 1.609 do Código Civil disciplina as hipóteses de reconhecimento voluntário de filhos, que poderá ser feito no registro de nascimento, por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado no cartório de registro das pessoas naturais, por testamento e por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento de filho não seja o objeto único e principal do ato que o contém. A Lei n. 8.560/92, que regulamenta a investigação de paternidade, estabeleceu mais um procedimento para reconhecimento de paternidade, segundo o qual o oficial de registro civil de menor apenas com a maternidade estabelecida deverá remeter ao juiz certidão integral do registro e os dados do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação. Se este admitir a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento, a ser averbado pelo oficial do Registro Civil junto ao assento de nascimento. Se, porém, negá-la, ou não atender à notificação, os autos serão remetidos ao Ministério Público para que este promova a ação de investigação da paternidade. Ocorre que, a partir da verificação de dados coletados no Censo Escolar de 2009, fornecidos pelo Ministério da Educação, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), constatou-se a existência de 4.869.363 (quatro milhões oitocentos e sessenta e nove mil trezentos e sessenta e três) alunos para os quais ainda não existia informação sobre o nome do pai. Nesse contexto, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento n. 12 de 2010, determinando a identificação perante as Corregedorias-Gerais dos Tribunais de Justiça daqueles estudantes que não possuem paternidade estabelecida, para que, de posse da informação, o juiz competente providencie notificação de cada mãe, para, querendo, fornecer os dados do suposto pai. Esse projeto denominado de “Pai Presente” foi estendido aos filhos maiores de idade pelo Provimento n. 16/2012, que podiam comparecer pessoalmente perante o Oficial de Registro de Pessoas 39 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 254. 22 Naturais para indicar o nome do suposto pai, sendo tomadas as providências da averiguação oficiosa segundo os termos dos respectivos provimentos do CNJ40. Segundo Tartuce41, diante da vedação de qualquer forma de discriminação, por óbvio, não pode constar referência alguma a respeito da natureza da filiação, ou seja, se o filho é havido ou não do casamento. Na verdade, a possibilidade de distinção não deveria ser sequer cogitada. Nesse sentido, o artigo 5° da Lei 8560/92 determina que no registro de nascimento não seja feita qualquer referência à natureza da filiação. Nesse contexto, o reconhecimento voluntário da paternidade independe da prova da origem genética, privilegiando o princípio da afetividade, norteador das configurações familiares pós Constituição de 1988. É característica fundamental do reconhecimento voluntário a irrevogabilidade do ato. Tendo em vista que, depois de realizado, passa a integrar o âmbito de tutela jurídica do filho reconhecido, convertendo-se em inviolável direito subjetivo deste. O reconhecimento certifica o estado de filiação e, como tal, é indisponível. Extingue-se com sua exteriorização. O interesse protegido é o do filho, sendo inadmissível o arrependimento posterior de quem reconhece42. Ao lado do caráter moral, o reconhecimento de filiação gera efeitos patrimoniais. Os filhos reconhecidos equiparam-se em tudo aos demais, no atual estágio de nosso ordenamento, gozando de direito hereditário, podendo pedir alimentos, pleitear herança e propor ação de nulidade de partilha. Se o filho reconhecido falecer antes do autor da herança, seus herdeiros o representarão e recolherão os bens, por direito de transmissão, se a morte tiver ocorrido antes da partilha. O direito sucessório que se estabelece é recíproco entre pais e filhos43. 40 MADALENO, Rolf. Direito de Família – 8 ed.- Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 750. TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 13 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 467. 42 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 261. 43 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 18ª ed. – São Paulo: Atlas, 2018, p. 302. 41 23 3 MULTIPARENTALIDADE, RECONHECIMENTO JUDICIAL E RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA SOCIOAFETIVIDADE Ainda que carente de regulamentação específica, a socioafetividade esteve presente no cotidiano das famílias brasileiras desde sempre. Sob a égide do Código Civil de 1916, era reconhecida a posse do estado de filho, em favor de quem utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho (tractatio) e fosse reconhecida a condição de descendente pela comunidade (reputatio) 44 . Nesse contexto, enquanto vínculo de filiação, a socioafetividade teve seu reconhecimento efetivo através da doutrina e da jurisprudência. Frise-se que a partir das mudanças observadas nos novos arranjos familiares, o Direito de Família passa a assumir um caráter sentimental, afastando do intuito meramente patrimonialista persistente quando da criação deste ramo. A afetividade ganha espaço no ordenamento jurídico ao ponto de ser consagrada como um princípio fundamental, ainda que não expresso no texto constitucional. A família passa a identificar-se a partir da solidariedade, deixando de lado o caráter individualista persistente nos dois últimos séculos45. A ideia de filiação há muito tempo não implica mais necessariamente nos laços consanguíneos entre pais e filhos, sobretudo diante das mais variadas modalidades de famílias que se apresentam hodiernamente. Pessoas que não compartilham do mesmo DNA constituem uma relação de afetividade mútua, o que já é suficiente para inserir tal vínculo no âmago de uma estrutura familiar. O Código Civil de 2002 reconhece, ainda que de uma forma tímida, o parentesco afetivo a partir da disposição do art. 1.593 que regulamenta: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.” Em complemento ao dispositivo, foram elaborados enunciados nas Jornadas de Direito Civil com o objetivo de reconhecer no parentesco civil a parentalidade socioafetiva. Nesse sentido, o Enunciado 103 da I Jornada de Direito Civil: O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho46. 44 TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 13 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 27. LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 18. 46 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciado 103 I Jornada de Direito Civil. 2002. Disponível em < https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadascej> Acesso em 08/01/2019. 45 24 A partir de uma interpretação garantista e tendo em vista a observância ao princípio da proteção integral ao interesse do menor, expresso na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, faz-se necessária a valorização da coexistência entre a parentalidade afetiva e a consanguínea, o que constitui um verdadeiro avanço para o ordenamento jurídico pátrio. Surge, então, a ideia da multiparentalidade e das suas repercussões no tocante ao reconhecimento do vínculo afetivo enquanto elemento constitutivo da parentalidade. 3.1 O JULGAMENTO DO RE 898.060/SC E SUA IMPORTÂNCIA PARA O RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE A multiparentalidade consiste no fato de o filho possuir dois pais ou mães reconhecidos pelo direito, o biológico e o socioafetivo, em função da valorização da filiação socioafetiva47. Os casos mais comuns são os padrastos e madrastas que também se tornam pais/mães pelo exercício das funções paternas e maternas, ou em substituição a eles. A multiparentalidade é comum, também, nas reproduções medicamente assistidas, que contam com a participação de mais de duas pessoas no processo reprodutivo, como por exemplo, quando o material genético de um homem e de uma mulher é gestado no útero de urna outra mulher48. Ante as diversas discussões levadas ao Judiciário quanto ao questionamento sobre a prevalência ou não da paternidade socioafetiva em detrimento da biológica, o Supremo Tribunal Federal, a partir do reconhecimento da repercussão geral 622 e no âmbito do Recurso Extraordinário 898.060/SC, admitiu a possibilidade da multiparentalidade, tendo em vista a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar49. 47 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro- Vol. 6- Direito de Família – 15 ed. – São Paulo: Saraiva. 2018. p. 306. 48 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões- ilustrado – São Paulo: Saraiva, 2015. p. 470. Disponível em < https://pt.scribd.com/document/385321952/Dicionario-de-Direito-de-Familia-eSucessoes-Rodrigo-Pereira-2015-pdf?doc_id=385321952&download=true&order=461864201> Acesso em 25/03/2019. 49 MIN. LUIZ FUX. Voto do relator. Supremo Tribunal Federal. RE 898.060. Santa Catarina. 2016. Disponível em < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/re898060.pdf> Acesso em 08/01/2019 25 Foi firmada a seguinte tese pela Suprema Corte: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com efeitos jurídicos próprios”. Trata-se de mais um passo nos avanços ao reconhecimento do valor jurídico do afeto, registrando juridicamente uma situação de fato vivenciada e possibilitando ao filho uma rede de afetos e proteção50. Além disso, pôs fim à discussão acerca da hierarquia entre a parentalidade afetiva e a biológica, de modo que as concebeu em patamar de igualdade, não havendo mais que se falar em prevalência de uma em detrimento a outra. Em seu voto, o ministro relator Luiz Fux menciona o fim da distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos na qual se apoiava o Código Civil de 1916, ressaltando que o instituto da filiação à época do Código adotava critérios com base na centralidade do casamento, ignorando, assim, os critérios biológicos e, sobretudo, o afetivo. Hodiernamente, o relator destaca a constitucionalização do Direito de Família, especialmente no que tange à observância à dignidade humana, além da importância do direito à busca da felicidade, implícito na Constituição Federal de 1988, em seu art. 1°, inciso III51, e sua importância no âmbito familiar, conforme se infere do seguinte trecho: O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei52. Nesse sentido, sobrelevando a vontade do indivíduo de acordo com a persecução à felicidade e à dignidade humana, faz-se mister a tutela jurídica dos arranjos familiares pautados nas diversas formas que pode manifestar a parentalidade, seja pela presunção decorrente do matrimônio, ainda persistente no Código Civil de 2002, seja pela origem biológica ou pela afetividade. O relator faz uma análise quanto ao Direito Comparado acerca do instituto da pluriparentalidade, apontando o conceito de dupla paternidade (dual paternity), elaborado pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, nos Estados Unidos, desde a década de 1980, cujo principal objetivo é a observância ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração de paternidade. 50 ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo – 2 ed.- Salvador: JusPodivm. 2017. p. 285. 51 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana 52 MIN. LUIZ FUX. Voto do relator. Supremo Tribunal Federal. RE 898.060. Santa Catarina. 2016. Disponível em < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/re898060.pdf> Acesso em 08/01/2019 26 A ideia de que, ante a existência de mais de um tipo de parentalidade, apenas uma deve prevalecer, já não deve mais ser aceita no cenário atual. A filiação há de ser reconhecida como um direito da personalidade, inerente à existência do indivíduo, de modo que o fato de impor a este que somente um aspecto de sua existência deve prevalecer em detrimento a outro se revela inconstitucional e fere, sobretudo, o princípio norteador de todo nosso ordenamento jurídico, qual seja, o da dignidade humana. Nesse sentir, observa Maria Berenice Dias: Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos ou apenas afetivos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los. Não há outra forma de preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo no que diz com o respeito à dignidade e à afetividade53. A decisão do Supremo Tribunal Federal em sede do Recurso Extraordinário em estudo configura-se como um grande avanço no cenário jurídico, tendo em vista a adequação do Direito aos diferentes tipos de realidades práticas experimentadas pelos indivíduos, de modo a amparar os arranjos familiares carentes de regulamentação pela legislação. Nesse sentido, os ensinamentos de Tartuce: O importante aqui é que, na linha do que já havia feito com o reconhecimento das uniões homoafetivas, o STF reitera seu papel no campo do direito de família: não fechar os olhos para realidade, acolhendo todas as diferentes formas de família que já existem na prática e que não se enquadram necessariamente nos modelos fechados que constam das nossas leis e dos nossos códigos. A tese aprovada na análise da Repercussão Geral 622 representa um passo largo e decidido rumo à consagração de um 54 direito de família efetivamente plural e democrático no Brasil . Limitando a aplicabilidade do instituto, observa o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Marco Aurélio Bellizze, em sede de Recurso Especial 1.674.849/RS, diante de matéria similar, que a multiparentalidade não é uma regra a ser seguida pelo Judiciário, mas tão somente uma hipótese, conforme trecho do seu voto: A possibilidade de se estabelecer a concomitância das parentalidades socioafetiva e biológica não é uma regra, pelo contrário, a multiparentalidade é uma casuística, passível de conhecimento nas hipóteses em que as circunstâncias fáticas a justifiquem, não sendo admissível que o 53 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.683. 54 TARTUCE, Flávio. STF: Repercussão Geral 622: Multiparentalidade e seus efeitos. JusBrasil, 2016. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622multiparentalidade-e-seus-efeitos> Acesso em: 08/01/2019. 27 Poder Judiciário compactue com uma pretensão contrária aos princípios da afetividade, da solidariedade e da parentalidade responsável55. A tese fixada na Repercussão Geral 622 deve ser aplicada com sapiência aos casos concretos, evitando-se abusos em reconhecimento de filiações sem vínculos familiares, com objetivos puramente patrimoniais, diferenciando efetivamente o vínculo biológico de vínculo parental ou paternidade jurídica56. Em análise ao tema, Rolf Madaleno57 lembra que no corpo do acórdão está enunciado pelo Ministro Luiz Fux, ser escopo da multiparentalidade o direito à busca da felicidade, não se aferindo deste preceito que, uma flagrante e exclusiva caça ao tesouro seja a consagração filosófica e constitucional da dignidade que pode ser reconhecido em qualquer uma das espécies de filiação. Uma vez reconhecida a multiparentalidade, cumpre observar que a socioafetividade ganha um espaço mais amplo no ordenamento jurídico, e o seu reconhecimento faz-se necessário, sobretudo no que concerne à produção de efeitos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes da filiação. Para tanto, a alternativa adequada e que permite maior publicidade para os atos da vida civil é a averbação no registro civil desses indivíduos, segundo disposição legal de Código Civil, em seu art. 10, inciso II que determina: “Far-se-á averbação em registro público dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação”. 3.2 O RECONHECIMENTO JUDICIAL DA SOCIOAFETIVIDADE A partir da vedação do tratamento discriminatório em relação à origem da filiação, evidencia-se o reconhecimento da possibilidade da investigação da paternidade socioafetiva, assim como ocorre com a biológica. Nesse sentido, Zeno Veloso apud Maria Berenice Dias58: Se o genitor, além de um comportamento notório e contínuo, confessa, reiteradamente, que é o pai daquela criança, propaga esse fato no meio em que vive, qual a razão moral e jurídica para impedir que esse filho, não tendo sido registrado como tal, reivindique, judicialmente, a determinação de seu estado? 55 MIN. MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Voto do Relator. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1674849 RS 2016/0221386-0. Rio Grande do Sul. 2018. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/574626052/recurso-especial-resp-1674849-rs-2016-02213860/relatorio-e-voto-574626080?ref=juris-tabs> Acesso em 10/01/2019. 56 CARVALHO, Dimas Messias de. Multiparentalidade – Equiparação ou prevalência da filiação socioafetiva com relação à biológica? In: PEREIRA, Cunha Rodrigo; DIAS, Maria Berenice. Famílias e sucessões: Polêmicas, tendências e inovações. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018. p.220. 57 MADALENO, Rolf. Direito de Família – 8 ed.- Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.660. 58 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 732. 28 A partir do reconhecimento da possibilidade jurídica do estabelecimento da parentalidade de origem socioafetiva, essa situação há de ser formalizada no Registro Civil de Pessoas Naturais, sendo este a instituição em que é estabelecido, mantido e publicado o estado civil dos cidadãos brasileiros59. O registro civil revela-se de extrema importância para o próprio indivíduo e para a sociedade como um todo, uma vez que garante a segurança necessária quanto às principais informações pessoais, das quais decorrem diversos direitos e obrigações60. Quando do registro da filiação de um indivíduo, este deve se aproximar da realidade o máximo possível. Assim, se for o caso de um filho que dispõe de pai socioafetivo, além do registral, não há que se falar em detrimento do registro de um em relação a outro, pois isso não corresponderia à realidade fática do referido indivíduo. Corroborando esse entendimento, as lições de Belmiro Welter: Quando se cuida de ação de estado, de direito da personalidade, indisponível, imprescritível, intangível, fundamental à existência humana, como é o reconhecimento das paternidades genética e socioafetiva, não se deve compreender o ser humano com base no direito registral, que prevê a existência de um pai e uma mãe, e sim na realidade da vida de quem tem, por exemplo, quatro pais (dois genéticos e dois afetivos), atendendo sempre aos princípios fundamentais da cidadania, da afetividade, da convivência em família genética e afetiva e da dignidade humana, que estão compreendidos na condição humana tridimensional61. O afastamento do pedido de registro no assentamento civil revela o caráter meramente patrimonial da demanda que busca o reconhecimento da multiparentalidade, sendo esta uma das principais polêmicas que envolvem a questão, conforme aponta Tartuce: Há, ainda, o generalizado receio de que a posição adotada pelo STF possa gerar demandas mercenárias, baseadas em puro interesse patrimonial. Argumenta-se que a corte teria abe rto as portas do Judiciário para filhos que somente se interessam pelos pais biológicos no momento de necessidade ou ao se descobrirem como potenciais herdeiros de fortunas. Nesse particular, competirá aos juízes e tribunais separar, como sempre, o joio do trigo, empregando os mecanismos disponíveis na ordem jurídica 59 LIMA, Márcia Fidelis. Os atos registrais da filiação socioafetiva e os avanços do provimento n. 63 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. In: PEREIRA, Cunha Rodrigo; DIAS, Maria Berenice. Famílias e sucessões: Polêmicas, tendências e inovações. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018. p. 430. 60 CASSETTARI, Cristiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: Efeitos jurídicos- 3ª ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2016, p. 85. 61 WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.222. 29 brasileira para se evitar o exercício de uma situação jurdícia subjetiva em descompasso com seu fim axiológico-normativo62. No sentido do reconhecimento da parentalidade socioafetiva, a Lei 11.924, de 17 de abril de 2009, alterou o art. 57 da Lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos, para admitir que: O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2 o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. Nesse sentido, o processo de reconhecimento da socioafetividade passou por algumas mudanças nos últimos anos. Para tanto, inicialmente, os indivíduos deveriam recorrer ao Judiciário para proceder com a averbação do nome do pai ou mãe socioafetivos em seu registro civil. Não necessariamente a partir de uma ação declaratória ou investigatória de paternidade, podendo dar-se de forma incidental, como diante de uma ação de alimentos, por exemplo. É o que leciona Cristiano Cassettari ao aduzir que o referido mandado de averbação, portanto, deve ser expedido pelo juiz, obrigatoriamente, sempre que for reconhecida uma parentalidade socioafetiva ou uma multiparentalidade, isso, independentemente da ação judicial proposta, que não precisa ser, necessariamente, a declaratória ou investigatória, pois o reconhecimento pode ser também incidental, ou seja, em uma ação que não tenha o objetivo de reconhecer isso, mas que ele é fundamental para a concessão do direito. Como exemplo, cita-se a ação de alimentos63. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão sobre o tema, reconheceu, em ação de investigação de paternidade, a parentalidade socioafetiva entre as partes, sob a alegação de que o ativismo judicial e a peculiar atuação do juiz de família impõem, em afago à solidariedade humana e veneração respeitosa ao princípio da dignidade da pessoa humana, que se supere a formalidade processual, determinando o registro da paternidade, com base na observância da posse do estado de filho64. 62 TARTUCE, Flávio. STF: Repercussão Geral 622: Multiparentalidade e seus efeitos. JusBrasil, 2016. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622multiparentalidade-e-seus-efeitos> Acesso em: 08/01/2019 63 CASSETTARI, Cristiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: Efeitos jurídicos- 3ª ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2016. p. 266. 64 TJRS. Apelação Civil 70008795775. 7.ª Câmara de Direito Privado, Rel. José Carlos Teixeira Giorgis. Data de julgamento: 23/06/2004. Disponível em < https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21946449/apelacao-civelac-70048610422-rs-tjrs/inteiro-teor-21946450?ref=juris-tabs> Acesso em 08/01/2019 30 A ação judicial mais adequada é a chamada Declaratória de Reconhecimento de Filiação Socioafetiva, sendo considerada imprescritível pela doutrina65. Fala-se ainda acerca da propositura da Ação Investigotária de Paternidade tendo em vista o reconhecimento da socioafetividade. Ambas devem ser aceitas para a declaração do vínculo e posterior averbação em registro civil, não importa o nome adotado, em atenção, inclusive, ao princípio processual da instrumentalidade das formas. A demanda se constituirá com base nas evidências de que há, de fato, afetividade entre as partes. Todavia, este implica em um dos maiores problemas da referida ação, uma vez que nem sempre as partes conseguem juntar provas suficientes a demonstrar a configuração da socioafetividade, de tal forma que a burocratização excessiva acaba sendo prejudicial à demanda. O problema se agrava, sobretudo, diante das camadas mais carentes da população, em que o acesso a Justiça torna-se mais árduo, e a dificuldade em formar um acervo probatório satisfatório, maior. Não há que se falar de procedimento de adoção, uma vez que são considerados institutos diversos. Em se tratar de paternidade socioafetiva e multiparentalidade, tem-se que estas divergem do conceito de adoção unilateral, tendo em vista que não há rompimento de vínculos jurídicos com o outro genitor, mas uma situação de igualdade entre ambos (pai afetivo e biológico). Frise-se que as principais características do reconhecimento é a imprescritibilidade, como mencionado acima, inclusive, é possível que seja realizado post mortem. Aliás, a possibilidade da adoção póstuma, mesmo que não tenha iniciado o respectivo processo, tratase do reconhecimento da filiação socioafetiva. Deste modo, é juridicamente possível a ação declaratória de filiação socioafetiva ser proposta após o falecimento de quem desempenhou as funções de pai66. Além disso, é irrevogável, de modo que não é possível posterior ajuizamento de ação negatória de paternidade, salvo em caso de vício de consentimento. Por fim, é incondicionado, não há que se falar em termo ou condição ao ato. Os principais defensores da judicialização para o reconhecimento da socioafetividade invocam, principalmente, a segurança jurídica na qual se envolve a maioria das demandas judiciais, sobretudo quando faz-se necessária a verificação do melhor interesse da criança e adolescente, a análise individual de cada caso permite um exame mais exato para tanto. 65 CASSETTARI, Cristiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: Efeitos jurídicos- 3ª ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2016, p. 76. 66 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 733. 31 Nesse diapasão, ante a carência de legislação que regulamente a multiparentalidade, faz-se necessária a análise individual de forma específica. Foi o que restou demonstrado no julgamento do Recurso Especial 1.674.849/RS, acima mencionado, em que foi negado o direito ao reconhecimento da multiparentalidade, tendo em vista que, se assim o fosse feito, haveria lesão à proteção do melhor interesse da criança, conforme demonstrado através de estudo social. É o que se infere da ementa do julgado: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. FILHO HAVIDO DE RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE QUANDO ATENDER AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APLICAÇÃO DA RATIO ESSENDI DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGADO COM REPERCUSSÃO GERAL. SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE DA GENITORA SOBRE O DA MENOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. O propósito recursal diz respeito à possibilidade de concomitância das paternidades socioafetiva e biológica (multiparentalidade). 2. O reconhecimento dos mais variados modelos de família veda a hierarquia ou a diferença de qualidade jurídica entre as formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico (ADI n. 4.277/DF). 3. Da interpretação não reducionista do conceito de família surge o debate relacionada à multiparentalidade, rompendo com o modelo binário de família, haja vista a complexidade da vida moderna, sobre a qual o Direito ainda não conseguiu lidar satisfatoriamente. 4. Apreciando o tema e reconhecendo a repercussão geral, o Plenário do STF, no julgamento do RE n. 898.060/SC, Relator Ministro Luiz Fux, publicado no DJe de 24/8/2017, fixou a seguinte tese: "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais." 5. O reconhecimento de vínculos concomitante de parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem salientado pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade responsável e primar pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um processo em que se discute, de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho. 6. As instâncias ordinárias afastaram a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade na hipótese em questão, pois, de acordo com as provas carreadas aos autos, notadamente o estudo social, o pai biológico não demonstra nenhum interesse em formar vínculo afetivo com a menor e, em contrapartida, o pai socioafetivo assiste (e pretende continuar assistindo) à filha afetiva e materialmente. Ficou comprovado, ainda, que a ação foi ajuizada exclusivamente no interesse da genitora, que se vale da criança para conseguir atingir suas pretensões. 7. Ressalva-se, contudo, o direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, da menor pleitear a inclusão do nome do pai biológico em seu registro civil ao atingir a maioridade, 32 momento em que poderá avaliar, de forma independente e autônoma, a conveniência do ato. 8. Recurso especial desprovido67. No entanto, a judicialização do reconhecimento da socioafetividade envolve, dentre outros problemas, uma excessiva burocratização, como destacado acima, uma demanda significativa de tempo, como a maioria dos demais pleitos judiciais, além de maiores gastos financeiros para as partes. Não há dúvidas de que o Direito brasileiro encontra-se em um movimento de desjudicialização, sobretudo após o Código de Processo Civil de 2015 que deu importante destaque aos meios alternativos de resolução de conflitos, tais quais a mediação e a conciliação. O Direito de Família não poderia ir em direção contrária e a possibilidade do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva é um dos principais marcos para a desburocratização desse ramo do direito. 3.3 O RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA SOCIOAFETIVIDADE O reconhecimento jurídico da parentalidade socioafetiva demonstra-se incontestável no cenário jurídico atual, sobretudo após as importantes decisões dos Tribunais Superiores que reconheceram seu valor. Nesse sentido, a partir da ausência de legislação específica sobre o tema experimentada anteriormente à edição do Provimento do CNJ que cuida do assunto, alguns estados já regulamentavam, através de provimentos das corregedorias dos respectivos Tribunais de Justiça, o reconhecimento extrajudicial da socioafetividade. O principal fundamento é a autorização do reconhecimento voluntário de paternidade, perante o Oficial de Registro Civil pelo Código Civil, inscrita em seu art. 1.609. Nesse diapasão, mediante uma interpretação extensiva, a permissão abrange também as hipóteses de reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva, devendo esta ser tratada em condição de igualdade em relação às demais espécies de filiação. O provimento 009/2013 do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco foi o primeiro nesse sentido, permitindo que todos os cartórios de registro civil do estado recebam, sem necessidade de ação judicial, pedidos de reconhecimento de parentalidade socioafetiva, conforme observações de Cassettari. 68 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA . Recurso Especial nº 1674849/RS - 2016/0221386-0. Rio Grande do Sul. 2018. Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Data de Julgamento: 17/04/2018. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/574626052/recurso-especial-resp-1674849-rs-20160221386-0/relatorio-e-voto-574626080?ref=juris-tabs> Acesso em 14/01/2019. 68 CASSETTARI, Cristiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: Efeitos jurídicos- 3ª ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2016, p. 88. 67 33 O provimento considerou, dentre outros fatores, os Provimentos nº 12, 16 e 26 do Conselho Nacional de Justiça cujo objetivo é facilitar o reconhecimento voluntário de paternidade biológica, dos quais se originou o programa “Pai Presente”, tendo em vista a garantia ao direito à paternidade, constitucionalmente previsto, para as pessoas que não têm esse registro em seu assentamento civil. Além disso, o provimento também considerou a grande quantidade pessoas, crianças e adultos, sem registro de paternidade estabelecido, embora tenham relação de paternidade socioafetiva já consolidada. Percebe-se que o provimento em questão apenas autorizava o registro da socioafetividade de quem ainda não possuísse qualquer registro de paternidade em seu assentamento civil. Distante ainda, portanto, da ideia de multiparentalidade. No entanto, há de se ressaltar que o provimento é datado de 2013, enquanto a decisão do STF que reconheceu plenamente a multiparentalidade somente ocorreu em 2016. Portanto, ainda assim, o ato é bastante significativo e inovador no tocante à elevação da socioafetividade a um patamar de igualdade em relação às demais formas de manifestação da filiação. A iniciativa do Tribunal de Justiça de Pernambuco foi reiterada nos estados do Maranhão e do Ceará. Nesse sentido, Cassettari69 dispõe: O provimento pernambucano, que é de 2 de dezembro de 2013, foi transformado, in totum, pelas Corregedorias-Gerais de Justiça do Estado do Ceará, em 17 de dezembro de 2013, no Provimento 15/2013, e do Estado do Maranhão, em 19 de dezembro de 2013, no Provimento 21/2013. Em 2014, foi a vez das Corregedorias de Justiça dos estados de Santa Catarina e do Amazonas, e em 2016, do Rio Grande do Sul. Todos no sentido de reconhecer a paternidade socioafetiva daqueles que já se acham registrados, mas sem paternidade estabelecida. Surge, então, a necessidade de edição de uma regulamentação geral para orientação de todos os estados brasileiros quanto ao reconhecimento extrajudicial da socioafetividade, tendo em vista a desburocratização quanto ao procedimento, implicando na redução do custo emocional dos envolvidos. Ademais, configura-se importante na relevante e árdua missão de desafogar o Judiciário das inúmeras ações judiciais em trâmite. O papel do Conselho Nacional de Justiça, enquanto órgão administrativo mais elevado do Poder Judiciário, é decisivo no sentido da edição da referida regulamentação em âmbito 69 CASSETTARI, Cristiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: Efeitos jurídicos- 3ª ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2016. p.89. 34 nacional, conforme sua competência para edição de atos regulamentares constitucionalmente prevista, de acordo com o art. 103-B, §4°, inciso I70. Nesse diapasão, O IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), a partir de pedido de providências ao CNJ, em junho de 2015, elaborou petição cujo objetivo era a regulamentação de registro civil de paternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil de todo o país. A demanda revelou-se importante, sobretudo diante da edição dos provimentos anteriormente citados pelos tribunais de justiça de alguns estados do país, de modo que se faz necessária a padronização da regulamentação da matéria, além da sua extensão para todo o território brasileiro. Nesse sentido, as palavras do Min. João Otávio de Noronha, Corregedor Nacional de Justiça à época do recebimento do pedido de providências em análise: Por sua vez, a existência de diversos provimentos editados pelos Tribunais de Justiça dos estados da federação, sem a respectiva orientação geral por parte dessa Corregedoria Nacional de Justiça pode suscitar dúvidas e ameaçar a segurança jurídica dos atos de reconhecimento de paternidade registrados perante os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais71. Nesse diapasão, a ANOREG/BR (Associação dos Notários e Registradores) manifestou-se nos autos defendendo a regulamentação do reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva diretamente perante os oficiais de registro civil, assim como a uniformização e padronização das orientações já editadas pelos Tribunais de Justiça de alguns estados. Em sentido contrário, portanto, à ANOREG/DF que rechaçou a possibilidade do reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva. Verificada a possibilidade jurídica do pedido do IBDFAM, o Corregedor Nacional de Justiça, em sua decisão, atenta para o fato de que o reconhecimento extrajudicial há de ser feito através de escritura pública, e não documento particular, tendo em vista a comprovação efetiva de que a relação é constituída de afeto, sobretudo para evitar eventuais fraudes. Somado a isso, atenta ao fato de que deve ser ato personalíssimo, não devendo ser admitida a sua realização através de procuração. 70 Art. 103-B. (...) §4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; 71 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pedido de Providências n° 0002653-77.2015.2.00.0000. Ministro João Otávio de Noronha. Data de Julgamento: 14/03/2017. Disponível em <https://www.cnj.jus.br/pjecnj/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.se am?ca=3b54e7f20cae4e15f93b9c617b43ac1469121fb210986eab808255d0eb00a2bc4635ccd0d5247b21b166de0 ee7e3ec9f39b484d172d84d8e&idProcessoDoc=2126908> Acesso em: 17/01/2018. 35 Quanto à questão da multiparentalidade, o Ministro compartilha da tese de que não deve ser uma regra, mas verificada individualmente em vistas ao melhor interesse da criança, além disso, requer a vontade convergente e espontânea de todos os pais. Assevera ainda que teme por dispor sobre o tema, uma vez que não existe legislação cível atual que disponha sobre: Contudo, temerário seria se este Conselho Nacional de Justiça reconhecesse a possibilidade de registro em cartório de múltiplos vínculos de filiação quando a discussão ainda não se encontra madura no âmbito do Poder Judiciário e inexiste norma legal que autorize o múltiplo registro de pais no assento de nascimento. Extrapolaria este Conselho as suas atribuições previstas na Constituição Federal, no seu Regimento Interno e no Regulamento da Corregedoria Nacional de Justiça, além de violar frontalmente a separação entre os Poderes da Federação.72 Coerente observação do ministro quanto ao tema, no entanto, diante da edição do provimento ora requerido, há de se ter cautela para que tal análise individual da multiparentalidade não seja um empecilho à extrajudicialização do reconhecimento da socioafetividade, ou seja, que não seja uma exceção à regra do procedimento mais eficaz e desburocratizado. Não é possível ignorar o fato de que a parentalidade afetiva está intimamente ligada ao conceito de multiparentalidade, como explanado anteriormente, e conforme o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, não deve ser enfrentada de forma apartada diante da extrajudicialização. Diante disso, o Ministro aduz que impõe-se a edição de Provimento com o objetivo de esclarecer e orientar a execução dos serviços extrajudiciais quanto à matéria em análise. Para tanto, determinou a formação de grupo de trabalho para a elaboração de norma administrativa. A decisão remonta um grande avanço para a desburocratização do Direito de Família e, sobretudo, para a valorização e pleno reconhecimento da afetividade enquanto valor jurídico que permeia o cotidiano de várias famílias brasileiras. Em análise ao tema, Márcia Fidelis Lima enfatiza a importância da averbação da paternidade socioafetiva nos registros civis, sobretudo quando se trata de crianças ou adolescentes que necessitam de um documento que oficialize a relação para atos da vida civil, diante da necessidade de assistência e representação: 72 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pedido de Providências n° 0002653-77.2015.2.00.0000. Ministro João Otávio de Noronha. Data de Julgamento: 14/03/2017. Disponível em <https://www.cnj.jus.br/pjecnj/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.se am?ca=3b54e7f20cae4e15f93b9c617b43ac1469121fb210986eab808255d0eb00a2bc4635ccd0d5247b21b166de0 ee7e3ec9f39b484d172d84d8e&idProcessoDoc=2126908> Acesso em: 17/01/2018. 36 Como toda situação fática, a falta de um documento formal que comprove a relação, causa dificuldades para o convívio, mormente quando se trata de menor, que precisa de assistência/representação. O filho socioafetivo (de fato) é tratado diferente na escola porque o pai que vai na reunião de pais e nas festas da escola não consta ou não é o mesmo que está mencionado em seus documentos. O pai/mãe socioafetivo, que despende ao filho todo o amor, todo o cuidado, todos os deveres que às vezes nem o pai/mãe registral o faz, fica impedido de exercer, de direito, prerrogativas do Poder Familiar. Situações simples como: assinar contrato na escola, autorização de passeios escolares, protocolos de correspondências endereçadas ao filho menor, viagem sozinho com o filho (que depende da autorização de quem detém o Poder Familiar), todas essas situações fáticas, quando enfrentadas por um adulto (como na União Estável), já criam grande constrangimento e sofrimento. Quando se trata de criança ou adolescente a situação requer maior cuidado e se agrava ainda mais, podendo criar consequências que refletirão na vida adulta desse menor73. Ante o exposto, em dezembro de 2017 foi editado o Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça que regula, dentre outras matérias, o reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva, permitindo que este seja feito em todo o território nacional e não mais somente nos estados cujas corregedorias dos respectivos Tribunais de Justiça houvessem editado provimentos específicos sobre o tema. 73 INSTITUTO BRASILEIRO DO DIREITO DE FAMÍLIA. Especialistas avaliam Provimento que autoriza reconhecimento da socioafetividade em cartórios. IBDFAM. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6504/Especialistas+avaliam+Provimento+que+autoriza+reconhecimento+da +socioafetividade+em+cart%C3%B3rios> Acesso em 21/01/2019 37 4 PROVIMENTO 63/2017 DO CNJ E SUAS REPERCUSSÕES JURÍDICAS O Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça, segundo sua ementa, institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida. O provimento considerou, quanto à parentalidade socioafetiva, o cabimento da edição de normas básicas e uniformes para a realização do registro ou averbação, visando conferir segurança jurídica à paternidade ou à maternidade socioafetiva estabelecida, inclusive no que diz respeito a aspectos sucessórios e patrimoniais. Além disso, a ampla aceitação da parentalidade socioafetiva pela doutrina e jurisprudência, assim como a possibilidade de o parentesco resultar de outra origem, que não a consaguínea, além da proibição de discriminação relativa à filiação. Considerou também a possibilidade de reconhecimento voluntário da paternidade biológica perante o oficial de registro civil e, ante o princípio da igualdade jurídica da filiação, no mesmo sentido de haver o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva. Ademais, a necessidade de averbação, em registro público, dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação, conforme determina o Código Civil. Discorreu, ainda, acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede do julgamento do RE 898.060/SC, que admitiu a possibilidade de reconhecimento de paternidade socioafetiva concomitante à paternidade biológica. Além disso, considerou o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família, assim como a garantia do direito ao casamento civil às pessoas do mesmo sexo. O provimento, nesse sentido, passou a regulamentar a paternidade e maternidade socioafetiva a partir da Seção II, dos arts. 10 a 15, legitimando o seu reconhecimento extrajudicial e estabelecendo o procedimento a ser adotado para tanto. 4.1 REQUISITOS IMPOSTOS PELO PROVIMENTO 63/2017 DO CNJ O procedimento para o reconhecimento extrajudicial da socioafetividade requer a observância de alguns requisitos formais enumerados pelo Provimento 63 do CNJ, o que se faz necessário para evitar eventuais fraudes, sobretudo quanto à possível burla ao Cadastro 38 Nacional de Adoção. Além disso, a falta de alguns requisitos poderia abrir a possibilidade de regularização de sequestros e comércio de crianças, segundo assevera o Ministro Corregedor Noronha em decisão sobre o tema74. O art. 10 do Provimento legitima a possibilidade do reconhecimento da parentalidade socioafetiva pelos oficiais de registro civil de pessoas naturais, destacando, ainda, que a referida autorização se destina a pessoas de qualquer idade. Nesse ponto, surgem algumas críticas, uma vez que a afetividade se constitui após um período de convivência em que seja possível constatar a chamada “posse do estado de filho”. Como reconhecer a parentalidade socioafetiva em relação a um recém-nascido, por exemplo?75 Em contrapartida, não se afigura justo que uma legislação estipule um tempo mínimo de convivência, haja vista que o referido período não é capaz de indicar, por si só, a existência ou não de vínculos afetivos. Ademais, em defesa do provimento, alguns autores alegam ser possível a existência de um vínculo afetivo antes mesmo do nascimento de uma criança, uma vez que a posse do estado de filho pode, perfeitamente, ocorrer durante o período gestacional, pelo convívio social do casal76. Diante disso, o oficial de registro civil responsável haverá de colher outras informações que indiquem a configuração ou não da socioafetividade entre as partes. Nessa senda, o provimento aplica analogicamente regras adotadas para o instituto da adoção, dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente, diante da lacuna legislativa sobre o tema, ao determinar que somente poderão requerer o reconhecimento os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil. Cumpre ressaltar que a referida regra está, contudo, em dissonância com o previsto no provimento 16/2012 do CNJ, que dispõe sobre o reconhecimento espontâneo de filhos perante os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais, e admite o reconhecimento de paternidade biológica por maiores de 16 e menores de 18 anos, independentemente de assistência para sua realização77. 74 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pedido de Providências n° 0002653-77.2015.2.00.0000. Ministro João Otávio de Noronha. Data de Julgamento: 14/03/2017. Disponível em <https://www.cnj.jus.br/pjecnj/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.se am?ca=3b54e7f20cae4e15f93b9c617b43ac1469121fb210986eab808255d0eb00a2bc4635ccd0d5247b21b166de0 ee7e3ec9f39b484d172d84d8e&idProcessoDoc=2126908>Acesso em: 30/01/2019 75 DOMITH, Laira; ASSIS, Ana Cristina. O risco de desnaturação do conceito de socioafetividade pelo provimento 63 do cnj. Revista de Direito de Família e Sucessão. V.4, n.1, p. 1-20, jan./jun.2018. Disponível em < www.indexlaw.org/index.php/direitofamilia/article/download/4026/pdf> Acesso em 30/01/2019 76 LIMA, Márcia Fidelis. Os atos registrais da filiação socioafetiva e os avanços do provimento n. 63 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. In: PEREIRA, Cunha Rodrigo; DIAS, Maria Berenice. Famílias e sucessões: Polêmicas, tendências e inovações. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018. p. 438. 77 SALOMÃO, Marcos. A filiação socioafetiva pela posse do estado de filho e a multiparentalidade no provimento 63 do CNJ. Consultor jurídico. Disponível em <https://www.conjur.com.br/dl/marcos-salomaonorma-cnj-mostra.pdf > Acesso em 11/02/2019 39 Além disso, o pretenso pai ou mãe deverá ser pelo menos 16 anos mais velho que o filho a ser reconhecido. Assim como não poderão reconhecer a maternidade ou paternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes, no mesmo sentido do art. 42 do ECA, Lei 8.069/90. O referido artigo assevera, ainda, que o reconhecimento será irrevogável, somente podendo ser desconstituído mediante via judicial e a partir da observância de alguma hipótese de vício de consentimento. Confere, assim, a segurança jurídica necessária ao ato. Cumpre ressaltar que uma posterior anulação de filiação pode resultar em diversos prejuízos emocionais e patrimoniais a ambas as partes. Contribuindo com a desburocratização do procedimento, o provimento estabelece que o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante apresentação de alguns documentos. Dessa forma, os interessados podem comparecer ao cartório de registro civil mais próximo para proceder com o reconhecimento. Em seguida, o provimento atenta para a análise cautelosa que deve ter o registrador quando da verificação minuciosa dos documentos pessoais do requerente, bem como da coleta da assinatura em termo de reconhecimento de filiação socioafetiva. Durante todo o procedimento, é de suma importância uma atuação prudente do registrador para detectar se a relação, de fato, está envolvida pela afetividade que configura o vínculo de filiação, de modo a implicar no melhor interesse da criança, bem como sua proteção integral, se for o caso. Ademais, o art. 11 do provimento enuncia a coleta obrigatória das assinaturas, feita pessoalmente, do pai e da mãe registrais do reconhecido, caso este seja menor. Frise-se que é vedado que o referido ato seja feito através de procuração. Dessa forma, ante a impossibilidade de comparecimento de ambos no ato do reconhecimento, o caso há de ser apresentado ao juiz competente, conforme legislação local. A regra citada dá margem, portanto, ao reconhecimento da multiparentalidade, conforme explanação de Tartuce78: Constarão desse termo os dados do requerente do vínculo, os dados do campo "filiação" – e não campos "pai" e "mãe", como tradicionalmente se utilizava –, e do filho a ser reconhecido, devendo o registrador colher a assinatura do pai e da mãe biológicos do reconhecido, caso este seja menor (art. 11, § 3º). Percebe-se, portanto, que há necessidade de autorização dos últimos, caso existam no registro, o que já abre a 78 TARTUCE, Flávio. Anotações ao provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça – Parte II. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI280973,11049- Anotacoes+ao+provimento+63+do+Conselho+Nacional+de+Justica+Parte+II> Acesso em: 30/01/2019 40 possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade, na linha da recente decisão do STF que gerou a nova norma administrativa. A impossibilidade de anuência por procuração, porém, dividiu a opinião de alguns estudiosos que consideraram a regra discriminatória, uma vez que confere tratamento diferenciado entre o reconhecimento da parentalidade biológica e da socioafetiva: Entendemos que essa determinação, além de desarrazoada, é inconstitucional, haja vista que estabelece tratamento discriminatório no reconhecimento da filiação a depender de sua origem, se biológica ou socioafetiva, uma vez que o Provimento 16/2012 do CNJ, que dispõe sobre reconhecimento extrajudicial da paternidade biológica, não exige que a anuência da mãe ou do filho maior seja dada pessoalmente, bastando que seja apresentado documento escrito autêntico79. Aplicando analogicamente, mais uma vez, regra concernente à adoção, para o filho reconhecido maior de 12 anos, é exigido o seu consentimento para a realização do ato, no mesmo sentido do art. 45 § 2° do Estatuto da Criança e do Adolescente. Presume-se que com essa idade a criança já tenha condições de exprimir sua vontade quanto à referida questão. Em relação às pessoas com deficiência, o provimento determinou a observância das regras da tomada de decisão apoiada constantes no Código Civil. Nesse sentido, a pessoa com deficiência recorre a pelo menos duas pessoas de sua confiança para prestar-lhe apoio quando da tomada de decisão pelo reconhecimento extrajudicial da socioafetividade. Cumpre ressaltar que a pessoa com deficiência pode estar presente nos dois polos da relação, como pai reconhecedor ou filho reconhecido, de acordo com a autorização legal pelo Estatuto da pessoa com deficiência em seu art. 6°80. Reproduzindo a decisão do Ministro Corregedor Noronha, o reconhecimento pode ocorrer através de documento público, para que seja efetivamente verificada a relação de afetividade entre as partes, conferindo maior segurança ao ato. O provimento adicionou também a possibilidade de reconhecimento por documento particular de disposição de última vontade, hipótese válida, sobretudo, diante da possibilidade do reconhecimento post mortem pela via judicial. 79 SOUZA, Carlos. CNJ cria regras para reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetiva. Consultor jurídico. Disponível em < https://app.vlex.com/#WW/search/*/provimento+63+cnj/vid/698162553> Acesso em 05/02/2019 80 Art. 6°: A deficiência não afeta a capacidade civil da pessoa, inclusive para: III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotado, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. 41 O art. 12 do provimento remonta, mais uma vez, à atuação cautelosa exigida ao registrador diante do procedimento. Ao deparar-se com suspeitas de fraudes, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida acerca da configuração da posse do estado de filho, deverá se abster de praticar o ato, justificadamente, e encaminhar o caso ao juiz competente. O provimento é vago quanto aos demais atos a serem adotados pelo registrador para que possa ter a certeza da configuração da posse do estado de filho. Portanto, alguns autores defendem que, na prática, seria prudente a oitiva de testemunhas e, se for o caso, do exame da certidão de casamento ou instrumento que reconheça a união estável entre o pretenso registrador e a mãe ou pai biológico. Frise-se, porém, que este último não é requisito indispensável para a configuração da parentalidade socioafetiva, diante dos diversos arranjos familiares existentes na sociedade81. Havendo discussão judicial sobre o reconhecimento da paternidade ou de procedimento de adoção, o reconhecimento da filiação pela sistemática estabelecida pelo provimento não deverá ser realizado, conforme disposição do art. 13, haja vista tratar-se de questão prejudicial, por serem relevantes ao objeto do procedimento. Além disso, é dever do requerente declarar a existência da eventual ação judicial, sob pena de incorrer em ilícito cível e penal. Nesse sentido, a conduta do requerente há de ser pautada pela boa-fé, constituindo como obrigação abster-se de omitir informações relevantes ao ato. Ainda sobre as discussões judiciais, o art. 15 preconiza que o reconhecimento espontâneo da parentalidade socioafetiva não será óbice a eventual demanda judicial que verse sobre a verdade biológica, mais precisamente, as ações de investigação de paternidade. Frise-se que se trata de direito fundamental e, portanto, incondicionado, a busca a identidade genética. 4.1.1 Discussões referentes ao artigo 14 do Provimento e ao reconhecimento da multiparentalidade O artigo 14 do provimento merece análise pormenorizada, uma vez que trouxe em sua redação alguns pontos que levaram a discussões doutrinárias acerca da multiparentalidade e da possibilidade de seu reconhecimento extrajudicial pelo procedimento regulamentado pelo provimento em questão. 81 SOUZA, Carlos. CNJ cria regras para reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetiva. Consultor jurídico. Disponível em < https://app.vlex.com/#WW/search/*/provimento+63+cnj/vid/698162553> Acesso em 05/02/2019 42 Segundo o referido artigo da norma administrativa, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo filiação no assento de nascimento. Surge o questionamento quanto à determinação da realização de forma unilateral, de modo que, alguns estudiosos se posicionaram pelo entendimento de que a expressão significaria o não reconhecimento da multiparentalidade pela via extrajudicial, segundo exposição de Tartuce: Duas correntes se formaram nos principais fóruns de debates do seu conteúdo. Uma mais cética, à qual estava filiado, entendia que a norma não reconhecia a multiparentalidade pela via extrajudicial, diante do uso do termo "unilateral", o que supostamente atingia o vínculo em relação ao ascendente reconhecedor. A outra, mais otimista, concluía de forma contrária, ou seja, na linha de efetivação extrajudicial completa da decisão do STF82. Em nota de esclarecimento acerca do tema, a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN) se posiciona pela possibilidade do registro extrajudicial da multiparentalidade autorizado pelo Provimento 63 do CNJ. Em justificativa, aponta a menção expressa ao julgamento do RE 898.060/SC, que reconheceu a multiparentalidade e suas repercussões jurídicas, na parte introdutória de considerações da norma administrativa83. Além disso, em referência à redação do artigo 14, a associação entende que no registro será possível ter no máximo dois pais, um registral e um socioafetivo, e duas mães, no mesmo sentido, sendo quatro no total, não podendo esse número ser ultrapassado. Corroborando com o entendimento, a nota evidencia a redação do art. 11 §3° do provimento que determina a coleta obrigatória de assinaturas do pai e mãe biológicos, dando margem, portanto, ao reconhecimento da multiparentalidade como destacado acima. Em esclarecimento à expressão “unilateral”, a associação destaca que não é possível fazer o reconhecimento simultâneo de pai e mãe, de modo que um dos pais ou uma das mães devem ser registrais. Além disso, em caso de reconhecimento de mais de um registrador socioafetivo, e já havendo pais registrais, deverá o oficial realizar dois atos distintos. Ilustrando a situação, Marcos Salomão traz a seguinte hipótese: 82 TARTUCE, Flávio. Anotações ao provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça – Parte II. Migalhas. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI280973,11049Anotacoes+ao+provimento+63+do+Conselho+Nacional+de+Justica+Parte+II> Acesso em 09/02/2019 83 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS REGISTRADORES DE PESSOAS NATURAIS. Nota de esclarecimento acerca do provimento CNJ n° 63/2017. Disponível em < http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/2%20NOTA%20DE%20ESCLARECIMENTO%20PROVIMENTO %20CNJ%20N%C2%BA%2063%20(1).pdf> Acesso em 09/02/2019 43 Assim, hipoteticamente, se uma criança tiver apenas o nome da mãe no seu registro e comparecem ao cartório o pai socioafetivo e o pai biológico querendo reconhece-la ao mesmo tempo, para cada reconhecimento será lavrado um termo próprio84. A exigência que o reconhecimento deve ser realizado de forma unilateral, leva à conclusão da necessidade de ser individual, vedando o reconhecimento conjunto. Assim, se ocorrer posse do estado de filho em face de um casal, deve ser realizado um ato de reconhecimento da mãe e outro do pai, individualmente85. Ao fim do procedimento, o termo de reconhecimento da parentalidade socioafetiva é lavrado e averbado no registro civil do filho a ser reconhecido, de modo que nova certidão de nascimento é expedida, sem fazer qualquer menção à origem da filiação86. Colaborando, assim, para que todas as origens de filiação sejam tratadas de forma isonômica, sem nenhum tipo de discriminação. 4.2 CRÍTICAS AO PROVIMENTO Apesar das diversas inovações trazidas pelo provimento 63 do CNJ no tocante ao reconhecimento da parentalidade socioafetiva, que significa um grande avanço para o direito brasileiro, a norma administrativa, desde que foi publicada, vem dividindo opiniões de estudiosos, bem como de órgãos públicos acerca de sua legalidade e da ausência de mecanismos judiciais diante do procedimento. É temida a falta da atividade jurisdicional que alguns julgam ser necessária à realização do ato. Destaca-se a intervenção do Ministério Público, uma vez que, segundo a legislação processualista brasileira, este deverá atuar na defesa dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis, conforme art. 176 do CPC, assim como deverá ser realizada sua intimação como fiscal da ordem jurídica nos processos que envolvam interesse de incapaz. Também existem críticas quanto à falta de assistência jurídica exercida pelos advogados ou defensores públicos que supostamente deveriam acompanhar as partes quando 84 SALOMÃO, Marcos. A filiação socioafetiva pela posse do estado de filho e a multiparentalidade no provimento 63 do CNJ. Consultor jurídico. Disponível em <https://www.conjur.com.br/dl/marcos-salomaonorma-cnj-mostra.pdf > Acesso em 11/02/2019 85 CARVALHO, Dimas Messias de. Multiparentalidade – Equiparação ou prevalência da filiação socioafetiva com relação à biológica? In: PEREIRA, Cunha Rodrigo; DIAS, Maria Berenice. Famílias e sucessões: Polêmicas, tendências e inovações. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018. p.214. 86 SALOMÃO, Marcos. A filiação socioafetiva pela posse do estado de filho e a multiparentalidade no provimento 63 do CNJ. Consultor jurídico. Disponível em <https://www.conjur.com.br/dl/marcos-salomaonorma-cnj-mostra.pdf > Acesso em 11/02/2019 44 da realização do ato, como se exige, por exemplo, para homologação extrajudicial de divórcio consensual, de acordo com o art. 733 §2° do Código de Processo Civil. Ademais, observam-se reprovações quanto à ausência de estudos sociais elaborados por equipe interprofissional que acompanha as interações familiares e desenvolvem trabalhos de aconselhamento, orientação encaminhamento e prevenção, indicando uma avaliação multidisciplinar nas ações que envolvam interesses de menores. Questionando o afastamento da atividade jurisdicional no reconhecimento da socioafetividade e a dita priorização dos interesses dos adultos frente aos interesses de crianças, o Colégio de Coordenadores da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil ingressou, em março de 2018, com pedido de providências sob nº 000171140.2018.2.00.0000 junto ao CNJ para requerer a modificação ou revogação do Provimento 63/2017. Apontou-se, ainda, o risco de legitimação da prática ilícita de entrega para adoção ao viabilizar, por exemplo, que após o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, ocorra uma futura destituição do poder familiar de pai ou mãe registral através do pedido de adoção unilateral pelo companheiro do pai socioafetivo inicialmente reconhecido. O procedimento regulamentado pelo provimento em pauta viabilizaria, assim, burla direta ao Cadastro Nacional de Adoção, levando a uma legitimação da chamada adoção à brasileira. Em defesa da manutenção do provimento, o IBDFAM se manifestou nos autos e assinalou que a função atribuída aos cartórios através da norma administrativa é meramente certificatória de situação jurídica já consolidada. De fato, a norma administrativa apenas ratificou situação jurídica amplamente reconhecida, seja pela decisão do STF na tese de repercussão geral 62287, seja pelas práticas consolidadas em Tribunais de Justiça de vários estados que regulamentavam o reconhecimento extrajudicial da socioafetividade. Ademais, destaca-se que os profissionais cartorários são amplamente qualificados para a realização do referido procedimento, uma vez que já são incumbidos da certificação do nascimento, e para tanto, não há a necessidade do questionamento acerca da veracidade biológica, conforme exposto: Capilarizados de modo eficiente os serviços registrais, cuja titularidade é reservada a bacharéis em Direito e o acesso depende de concurso público, mais de que pertinente outorgar-lhes a prática de atos que não dependem de um juízo de convicção e de certificação sentencial. Cabe lembrar que é do registrador civil a competência certificatória dos principais atos da vida civil 87 A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. 45 da pessoa: seu nascimento e sua morte, sem ser questionada a veracidade da declaração de filiação biológica ou a própria ocorrência da morte. Não é exigido nem o teste de DNA para o estabelecimento da maternidade e paternidade, e nem a apresentação do defunto para que sua morte seja atestada88. Nesse diapasão, há de se destacar, mais uma vez, a necessidade do tratamento isonômico entre as diversas formas pelas quais se manifesta a filiação, em consonância com o Código Civil e a Constituição Federal que proíbem quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Portanto, o tratamento conferido à certificação da parentalidade socioafetiva não deve ser diferente do conferido à certificação da parentalidade biológica. Há de se ressaltar, além disso, a distinção fundamental entre a adoção e a paternidade socioafetiva, uma vez que o requerente no pedido de providências assinalado aproximou, de forma equivocada, os referidos institutos. A partir da adoção, extingue-se automaticamente o poder familiar, conforme previsão do art. 1.635 do Código Civil. Em contrapartida, através do reconhecimento da filiação socioafetiva, não há a perda do poder familiar, sobretudo diante da legitimação da multiparentalidade, que apenas adiciona o exercício, não o subtrai. Ao contrário da adoção, não há a substituição dos pais biológicos pelos socioafetivos, mas, sim, a inclusão dos últimos no assento de nascimento do filho. Enquanto a adoção rompe de maneira irrevogável o vínculo consanguíneo para constituir o parentesco civil, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva tão somente acrescenta, lado a lado, amor e ventre89. Contestando esse ponto, o IBDFAM ressalta que o risco de adoções irregulares é o mesmo para os casos de reconhecimento de paternidade biológica, uma vez que não se exige, para tanto, a prova pericial através do exame de DNA. Ademais, o processo legislativo há de ser pautado pela presunção de boa-fé90. Cumpre ressaltar, ainda, que o procedimento regulamentado pelo provimento não afasta, por completo, a atuação jurisdicional, haja vista que há menção expressa no corpo da norma administrativa sobre o controle judicial em caso de fraude ou erro, seja para a revogação do ato, seja para a recusa do registrador em praticá-lo. 88 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Manifestação pela manutenção do provimento 63/2017 em sua integralidade. IBDFAM. Disponível em <http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/manifesta%C3%A7%C3%A3o%20IBDFAM%20Prov_%2063%20 ao%20%20CNJ%20correcao%20Berenice%2002_05_2018.pdf> Acesso em 14/02/2019 89 BARANSKI, Julia. A parentalidade socioafetiva no provimento 63/2017 do CNJ. Consultor Jurídico. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2018-jun-19/tribuna-defensoria-parentalidade-socioafetivaprovimento-632017-cnj> Acesso em 19/02/2019 90 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Manifestação pela manutenção do provimento 63/2017 em sua integralidade. IBDFAM. Disponível em <http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/manifesta%C3%A7%C3%A3o%20IBDFAM%20Prov_%2063%20 ao%20%20CNJ%20correcao%20Berenice%2002_05_2018.pdf> Acesso em 19/02/2019 46 Em oposição à norma administrativa, alega-se também a sua inconstitucionalidade formal, tanto objetiva quanto subjetiva. Nesse sentido, o Ministério Público de alguns estados do Brasil, assim como a Coordenação do Proinfância (Fórum Nacional dos Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência) e o Grupo Nacional de Direitos Humanos impugnaram o provimento 63 do CNJ, no tocante ao reconhecimento da parentalidade socioafetiva, através de representações de inconstitucionalidade, investigações e recomendações aos oficiais de registro civil, por não concordarem com o afastamento da atividade jurisdicional no procedimento regulamentado em pauta. O Ministério Público do estado de Goiás, em março de 2018, encaminhou representação à Procuradoria Geral da República, arguindo a inconstitucionalidade do Provimento ao apontar que sua edição ultrapassou as atribuições do CNJ, em afronta a alguns dispositivos constitucionais. Destacou-se a violação à proteção integral às crianças ao afirmar que o provimento aborda a situação referente ao reconhecimento de menores de forma bastante simplificada, o que fere a concepção de que são titulares de direitos especiais 91. Em abril do mesmo ano, durante o V Congresso Nacional do Proinfância, foi aprovada a entrega de representação à Procuradoria Geral da República de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face do provimento do CNJ ora discutido, sendo aprovado o seguinte enunciado: Enunciado n° 7 - O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva regulado pelos arts. 10 a 15 do Provimento nº 63/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça é inconstitucional por violar o art. 1°, parágrafo único, o art. 2°, o art. 22, I, o art. 103-B, § 4°, I, e § 5º, o art. 127, “caput”, e o art. 227, “caput” e §§ 5° e 6°, da Constituição Federal92. No mesmo sentido do alegado pelo MP de Goiás, a Coordenação do Proinfância chama atenção para a simplificação excessiva de um procedimento extremamente complexo do ponto de vista técnico, uma vez que o procedimento exige, tão somente, a declaração de vontade das partes e a análise de alguns documentos. A preocupação é ratificada no seguinte trecho: A maior preocupação com a higidez de títulos de propriedade imobiliária do que com a situação existencial de crianças e adolescentes representa sinal 91 Assessoria de comunicação do MPGO. Filiação socioafetiva: MP-GO pede questionamento de provimento da Corregedoria Nacional de Justiça. Disponível em <http://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/filiacaosocioafetiva-mp-go-pede-questionamento-de-provimento-da-corregedoria-nacional-de-justica-2#.XGv3uaJKjIU> Acesso em 20/02/2019 92 Fórum Nacional dos Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. V Congresso do Proinfância. Rio de Janeiro. 2018. Enunciado 7. Disponível em < https://www.proinfancia.net/enunciados> Acesso em 20/02/2019. 47 claro de que ainda se vive, no Brasil, uma realidade marcada pelo patrimonialismo, herança de um assado colonial, com longo histórico de violações sistemáticas e institucionalizadas a direitos humanos93. Faz-se referência ao dispositivo constitucional que fixa a competência privativa da União para legislar sobre direito civil. A crítica é também dirigida ao caráter normativo primário do provimento, ao tratar de questão polêmica ainda não regulamentada pela legislação cível. Afirma, assim, que a edição do provimento foge das atribuições constitucionais designadas ao CNJ. Com base nos mesmos motivos apontados na referida representação de inconstitucionalidade, em julho de 2018, o Ministério Público do Rio Grande do Norte recomendou aos oficiais de registro civil da cidade de Mossoró que não realizem o reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva em que são partes crianças ou adolescentes. Segundo o órgão, a medida tem caráter emergencial, dado os efeitos jurídicos imediatos gerados nas vidas de crianças e adolescentes em decorrência do provimento do CNJ. 94 No mesmo sentido, o Ministério Público dos estados de Minas Gerais e da Bahia expediram, respectivamente, as recomendações 003/2018 e 04/2018 com o mesmo objetivo do não processamento do reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva. Em reunião com o então corregedor nacional de justiça, ministro Humberto Martins, o Grupo Nacional de Direitos Humanos, do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), pleiteou a revogação do art. 11 do provimento 63, dispositivo este que autoriza o reconhecimento de paternidade e maternidade socioafetivas perante os oficiais de registro civil. Em crítica à norma administrativa, dispõe-se que a partir do lançamento de um novo sistema nacional de adoção, em que dar-se maior transparência aos pretendentes à adoção, soa desarrazoada uma norma que autoriza a adoção à brasileira sem qualquer tipo de controle jurisdicional95. Há de se ressaltar, no entanto, que a competência para regulamentar a padronização de certidões de nascimento em todo o território nacional é atribuída ao CNJ pela Constituição 93 Fórum Nacional dos Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Proposta Coletiva de Representação por Inconstitucionalidade. Rio de Janeiro. 2018. Disponível em<https://athenas.mpto.mp.br/athenas/FileUploadController/get_public_file/1c33fcf5606c2b14fab58f7c0c4867 75/> Acesso em 20/02/2019 94 MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO NORTE. RECOMENDAÇÃO Nº. 0005/2018/12ª PmJMos. Mossoró – RN. 2018. Disponível em <https://www.mprn.mp.br/portal/files/20180720_RecomendacaoCartoriosMossoro.pdf> Acesso em 27/02/2019 95 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Riscos de processos de paternidade socioafetiva sem fiscalização do MP são discutidos em reunião no CNJ. Disponível em < https://www.mpba.mp.br/noticia/43990 > Acesso em 27/02/2019 48 Federal e pelo seu Regimento Interno, conforme assevera Tartuce em comentário às críticas ao provimento96. O texto constitucional no art. 103-B, em seu §4°, confere ao órgão o poder de expedir atos regulamentares, tendo em vista o controle da atuação administrativa do Poder Judiciário e de seus órgãos, incluindo os de serviços notariais. De acordo com o art. 8° do regimento interno do CNJ, é atribuição do corregedor nacional de justiça expedir recomendações, provimentos, instruções, orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares e dos serviços notariais e de registro97. Em discussão no Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade do CNJ, em sede da ADI 3.367, o poder regulamentar do órgão foi ratificado, sobretudo diante da indicação de que o Conselho reafirma o princípio federativo e não fere a separação de poderes. Nesse sentido, o voto do relator: Por outro lado, a competência do Conselho para expedir atos regulamentares destina-se, por definição mesma de regulamento heterônomo, a fixar diretrizes para execução dos seus próprios atos, praticados nos limites de seus poderes constitucionais, como consta, aliás, do art. 103-B, § 4º, I, onde se lê: “no âmbito de sua competência”. A mesma coisa é de dizer-se a respeito do poder de iniciativa de propostas ao Congresso Nacional (art. 103B, § 4º, inc. VII) 98. Ora, o provimento 63 nada mais é do que um ato normativo que aperfeiçoa as atividades dos serviços notariais e de registro, em obediência ao regimento interno e à Constituição Federal. Frise-se que o procedimento de reconhecimento extrajudicial da socioafetividade já vinha sendo feito em vários estados brasileiros, através de atos normativos expedidos pelas corregedorias dos tribunais de justiça. O provimento do CNJ veio padronizar o referido procedimento em todo o território nacional, de acordo com sua competência. A normatização das atividades notariais e registrais pelo Conselho surge a partir da necessidade de sua uniformização, aliada à capacidade dos serventuários para absorver funções antes reservadas estritamente ao judiciário, conforme o seguinte entendimento: 96 TARTUCE, Flávio. Anotações ao provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça – Parte II. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI280973,11049Anotacoes+ao+provimento+63+do+Conselho+Nacional+de+Justica+Parte+II> Acesso em 20/02/2019 97 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regimento Interno: Estabelecido pela Resolução nº 67 de 03/03/2009. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_67_03032009_18102018150005.pdf> Acesso em 21/02/2019 98 PELUSO, Cezar. Supremo Tribunal Federal. Voto do relator. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.3671. Brasília. 2005. Disponível em < http://www.stf.jus.br/noticias/imprensa/VotoPelusoADI3367.pdf> Acesso em 21/02/2019 49 Para além das atribuições expressas, aspectos institucionais explicam a fertilidade normativa sobre o notariado e os registros. Ao lado de um ambiente propício à uniformização (a atividade é delegada pelo Poder Judiciário dos estados, com grande discrepância regulatória em cada unidade da Federação), houve uma espécie de simbiose estrutural: a uma forte organização e consciência funcional do CNJ juntou-se a crescente capacidade dos notários e registradores para absorver funções antes reservadas ao espaço estritamente judicial99. Ademais, ainda que não exista legislação cível que trate do assunto, o referido ato regulamentar teve origem para adequar os casos práticos extrajudiciais ao precedente do Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do RE 898.060/SC. Diante da omissão do legislador, o provimento passa a elucidar as repercussões do julgado, de modo a não prejudicar aqueles que pleiteiam o reconhecimento da socioafetividade em razão da lacuna legislativa. Além disso, não há que se falar em simplificação excessiva do referido procedimento, mas de desburocratização e, sobretudo, o alívio da sobrecarga do Judiciário em transmitir aos registradores atribuição da qual são plenamente capazes de realizar. Frise-se que o Direito caminha para a extrajudicialização, tendo em vista procedimentos mais rápidos e efetivos, e alguns destes já são regulamentados pelo Código de Processo Civil. Os representantes do Proinfância assinalaram a reserva jurisdicional em matéria de adoção prevista na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em vigor no Brasil, e no mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente ao enunciar que o vínculo de adoção constitui-se por sentença judicial. Segundo a proposta de representação por inconstitucionalidade em discussão, a adoção também se enquadra em procedimento apto à formalização do vínculo de filiação socioafetiva100. No entanto, como já defendido anteriormente no presente trabalho, a adoção não se aproxima do procedimento regulamentado pelo provimento em comento, haja vista, sobretudo, que não existe a destituição do poder familiar ao ser reconhecido o vínculo de socioafetividade. Ao contrário, uma vez que o ato regulamentar faz expressa menção à multiparentalidade, o que ocorre é uma ampliação do poder familiar, tendo em vista a maior proteção do filho a ser reconhecido. 99 KUMPEL, Vitor; BORGARELLI, Bruno. Provimento reaviva debate sobre limites do CNJ em serventias extrajudiciais. ARPEN Brasil. Disponível em < http://www.arpenbrasil.org.br/artigo.php?id=276> Acesso em 21/02/2019 100 FÓRUM NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA INFÂNCIA. Proposta Coletiva de representação por inconstitucionalidade. Rio de Janeiro. 2018. Disponível em <http://blog.proinfancia.net/2018/04/proinfancia-entrega-representacao.html> Acesso em 21/02/2019 50 As garantias e direitos do indivíduo, enquanto filho, são estendidos, como por exemplo, a pluralidade de pais registrais pode ensejar a percepção de alimentos pelo pai biológico e pelo socioafetivo, sem quaisquer distinções, como assegurado pela Constituição. A representação de inconstitucionalidade em comento aduz que o tratamento isonômico entre os diversos tipos de filiação somente há de ser conferido após a propositura de ação judicial, com intervenção obrigatória do Ministério Público. No entanto, a referida proposta não atenta ao fato de que o reconhecimento espontâneo da paternidade biológica, conforme regulamentado pelo Código Civil e o provimento n° 16/2012 do CNJ101, não exigem a propositura de demanda judicial, uma vez que basta ao declarado pai a sua identificação e o reconhecimento inequívoco da paternidade para a formalização do vínculo. Cumpre salientar que o reconhecimento voluntário da filiação biológica, nos registros em que a paternidade não fora estabelecida, em qualquer momento e em qualquer esfera, não necessita de qualquer comprovação, trata-se de ato meramente declaratório. Ou seja, ao conferir à paternidade socioafetiva esse requisito, observa-se, de imediato, o tratamento discriminatório entre as referidas modalidades de filiação. E ainda, a configuração da parentalidade socioafetiva é observada muito antes da propositura da ação judicial, a partir dos laços de afinidade entre as partes, de tal modo que o seu reconhecimento extrajudicial é entendido como um ato meramente declaratório de situação fática já existente. Essa existência prévia ao registro é ratificada pelo conteúdo da Repercussão Geral 622 do STF, ao mencionar a “paternidade socioafetiva, declarada ou não”.102 Esse fato não pode ser ignorado diante do tratamento isonômico a ser conferido entre os diferentes tipos de filiação. Por fim, assinalou-se também a crítica quanto a não verificação efetiva da afetividade a partir do procedimento disciplinado pelo provimento, sobretudo nos casos em que os filhos reconhecidos são muito novos, o que pode resultar no risco de desnaturação do conceito de socioafetividade. O Provimento 63 do CNJ não se refere, em momento algum, a como deverá agir o tabelião em caso de recém-nascido, não impondo prazo mínimo para que pai, mãe e filho socioafetivos realmente experienciem este vínculo 101 Art. 6°: Sem prejuízo das demais modalidades legalmente previstas, o reconhecimento espontâneo de filho poderá ser feito perante Oficial de Registros de Pessoas Naturais, a qualquer tempo, por escrito particular, que será arquivado em cartório. Art. 7°: A averbação do reconhecimento de filho realizado sob a égide do presente Provimento será concretizada diretamente pelo Oficial da serventia em que lavrado o assento de nascimento, independentemente de manifestação do Ministério Público ou decisão judicial, mas dependerá de anuência escrita do filho maior, ou, se menor, da mãe. 102 LIMA, Márcia Fidelis. Os atos registrais da filiação socioafetiva e os avanços do provimento n. 63 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. In: PEREIRA, Cunha Rodrigo; DIAS, Maria Berenice. Famílias e sucessões: Polêmicas, tendências e inovações. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018. p. 437. 51 parental que será objeto de registro, motivo pelo qual receia-se que o conceito de socioafetividade possa acabar banalizado103. Nesse diapasão, o MP do Rio Grande do Norte, quando da recomendação aos oficiais de registro civil da cidade de Mossoró pela não aplicação da norma do CNJ, aduz, dentre outros motivos, que foi apurado em inquérito civil o reconhecimento da paternidade socioafetiva de crianças de idade tenra: CONSIDERANDO que, em Inquérito Civil instaurado no âmbito da 12ª Promotoria de Justiça de Mossoró (IC 06.2018.00000711-9) foi constatado que, após o Provimento 63/17 - CGNJ, já houve, em um dos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais de Mossoró, três casos do reconhecimento socioafetivo de paternidade ou maternidade de crianças, sendo todas elas de tenra idade, e, em dois desses feitos administrativos, os petizes tinham menos de um ano de idade e o reconhecimento se deu por pretendentes oriundos da região Sudeste do país, que se deslocaram até Mossoró para realizar o referido ato jurídico104. No entanto, o provimento é claro quanto à cautela exigida pelo registrador quando da realização do reconhecimento. Se os casos citados acima pareciam suspeitos, o dever do serventuário seria abster-se de praticar o ato e encaminhá-lo ao juiz competente, de acordo com o art. 12. Assim, o que realmente se observa nas situações em comento, é a inobservância pelo registrador de seu dever funcional, podendo ser apurada sua responsabilidade civil ou criminal, conforme autoriza a Constituição Federal105. 103 DOMITH, Laira; ASSIS, Ana Cristina. O risco de desnaturação do conceito de socioafetividade pelo provimento 63 do cnj. Revista de Direito de Família e Sucessão. V.4, n.1, p. 1-20, jan./jun.2018. Disponível em < www.indexlaw.org/index.php/direitofamilia/article/download/4026/pdf> Acesso em 27/02/2019 104 MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO NORTE. Recomendação nº. 0005/2018/12ª PmJMos. Mossoró – RN. 2018. Disponível em <https://www.mprn.mp.br/portal/files/20180720_RecomendacaoCartoriosMossoro.pdf> Acesso em 27/02/2019 105 Art. 236. (...) §1° Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. 52 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS As mudanças vivenciadas pelo Direito de Família a partir da constitucionalização da sua proteção integral, da valorização do próprio indivíduo em razão da observância da dignidade humana em detrimento da objetificação do casamento, da filiação, do caráter patrimonial da família, da vinculação religiosa de seus efeitos, permitiram o reconhecimento da afetividade como valor jurídico e como principal norteador das interações familiares. Nesse diapasão, o texto constitucional extirpa todo e qualquer tratamento discriminatório relacionado aos filhos. Não há mais que diferenciar os legítimos dos ilegítimos uma vez que todos possuem os mesmos direitos e deveres. Acompanhando as mudanças sociais pautadas na diversidade de interações, relacionamentos e arranjos familiares, o ordenamento jurídico brasileiro passa a contemplar a multiparentalidade, sobretudo por tratar-se da realidade fática vivenciada por vários indivíduos. A tese de que a parentalidade socioafetiva deve ser privilegiada em detrimento da biológica perde o seu sentido, tendo em vista, principalmente, que uma não exclui a outra e, mediante a observação do melhor interesse da criança e do adolescente, a convivência pacífica e harmoniosa de ambas é a melhor alternativa para um ambiente familiar equilibrado. A jurisprudência já caminhava no sentido do reconhecimento da multiparentalidade, até que o Supremo Tribunal Federal fixou tese no sentido de admitir a coexistência da filiação socioafetiva e biológica, privilegiando, portanto, todos os aspectos da vida do indivíduo. Ademais, uma das grandes contribuições da referida decisão da Suprema Corte foi a consolidação da posição jurídica de que a socioafetividade constitui forma de parentesco civil. No entanto, há de se concluir que esta não é uma verdade absoluta, ou seja, nem sempre deve ser reconhecida a coexistência de ambos os vínculos, uma vez que o principal objetivo para tanto é o melhor interesse da criança. Ademais, conforme entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, devem ser eliminadas quaisquer demandas com interesses meramente patrimoniais. Frise-se que a melhor alternativa sempre será a convivência pacífica e harmoniosa dentro do âmago familiar. Eleva-se, então, a importância da parentalidade socioafetiva, ainda que não regulamentada pela codificação civil. A configuração da chamada posse do estado de filho é elemento essencial para o seu reconhecimento judicial a partir do qual, começam a surtir os efeitos relativos à filiação, tais quais os sucessórios, previdenciários e os demais que podem surgir em vários campos do Direito. 53 Uma das principais consequências decorrentes do reconhecimento da parentalidade socioafetiva é observada no assentamento ou averbação da filiação no registro civil do filho afetivo o que permite maior publicidade para os atos da vida civil. O Código Civil disciplina as hipóteses do reconhecimento judicial e extrajudicial do reconhecimento de filhos havidos fora da constância do matrimônio. Diante da premissa da vedação ao tratamento discriminatório entre os filhos exposto na Constituição Federal, há de se admitir também a investigação de paternidade socioafetiva. Contemplando, inclusive, a multiparentalidade, tendo em vista que, diante do referido ato registral do indivíduo, faz-se necessária a maior aproximação com a realidade fática possível, honrando todos os aspectos de seu íntimo e sua personalidade. Portanto, no âmbito judicial, o filho interessado no reconhecimento da paternidade socioafetiva deverá ingressar com ação declaratória de paternidade ou ação de investigação de paternidade e, a partir dessas, pleitear pela procedência de seu reconhecimento e consequente averbação no registro civil. Diante disso, todos os efeitos decorrentes da filiação serão legitimamente observados. Ocorre que, em se tratando de reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva, a via judicial acaba por ser demasiadamente burocrática, o que resulta numa demanda maior de tempo. Além disso, a produção de provas do referido processo pode ser um problema para as partes, uma vez que o vínculo afetivo se traduz no comportamento subjetivo, difícil, portanto, de ser retratado através de documentos ou outros meios probatórios. Somado a isso, é fato que o acesso ao Judiciário ainda é difícil para as camadas mais pobres da população. Nesse contexto, há de se ressaltar o movimento de desjudicialização pelo qual passa o Direito brasileiro, sobretudo após a vigência do Código de Processo Civil de 2015 que privilegiou em seu texto os meios alternativos de solução de demandas. A partir disso, surge a discussão acerca da viabilização do reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva, considerando, inclusive, que o reconhecimento voluntário de paternidade biológica já podia ser feito diretamente perante os oficiais de registro civil. Uma vez observada a vedação ao tratamento discriminatório, não deve subsistir diferença quanto ao assunto entre ambas. Ademais, há de ressaltar a necessidade de averbação, em registro público, dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação, conforme determina o Código Civil. Diante disso, e a partir da constatação de que várias corregedorias dos Tribunais de Justiça de diversos estados do país já editavam provimentos no sentido da possibilidade do reconhecimento da paternidade socioafetiva pela via extrajudicial, observa-se a necessidade 54 de regulamentação da matéria em âmbito nacional, tendo em vista a padronização do tratamento jurídico conferido ao procedimento. Com a edição do Provimento n. 63//2017 do CNJ, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva diretamente perante os oficiais de registro civil foi autorizado em todo o território nacional. Admitiu também o registro simultâneo de mais de um pai ou mãe, o que viabiliza a multiparentalidade. Além disso, o provimento se revela significativo ao ter como objetivo conferir segurança jurídica à paternidade ou à maternidade socioafetiva estabelecida, inclusive no que diz respeito a aspectos sucessórios e patrimoniais. O oficial de registro civil, nesse sentido, age conforme suas atribuições ao declarar formalmente situação fática já existente. O provimento ratificou situação jurídica amplamente reconhecida pela decisão do STF quanto à multiparentalidade e pelas práticas consolidadas em Tribunais de Justiça de vários estados. Em resposta ao temor quanto à eventual insegurança jurídica que o procedimento poderia revelar, por afastar a demanda do crivo jurisdicional, alegada, em sua maioria pelos representantes do Ministério Público de alguns estados brasileiros, o provimento exige uma série de requisitos para o procedimento do reconhecimento extrajudicial da socioafetividade. Com disposições similares às das regras de adoção, determina a irrevogabilidade do ato, bem como alerta para uma atuação prudente do registrador, que deve sempre fazer uma análise atenciosa de cada caso individualmente, sobretudo para evitar eventuais fraudes. Ademais, a atividade jurisdicional não foi completamente afastada diante do referido procedimento, uma vez que a proteção integral da criança e adolescente deve sempre ser observada com prioridade, de modo que, ao deparar com uma situação aparentemente duvidosa quanto à configuração da posse do estado de filho, é dever do registrador, segundo determinação do provimento, o encaminhamento do caso ao juiz competente. Ressalte-se que, havendo negligência por parte do oficial, este poderá responder civil ou criminalmente, conforme disposições constitucionais. Ao editar o referido provimento, o Conselho Nacional de Justiça agiu conforme suas atribuições, dentre as quais a competência para regulamentar a padronização de certidões de nascimento em todo o território nacional conforme a Constituição Federal e seu Regimento Interno. Há de se concluir, portanto, que não existiram vícios quanto à inconstitucionalidade formal subjetiva, uma vez que o CNJ atuou dentro de sua competência quando da edição do ato normativo. 55 A referida norma administrativa revela-se de suma importância uma vez que supre lacuna legislativa referente à regulamentação do tema, sobretudo após a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a viabilidade da multiparentalidade, legitimando-a e inserindo-a, de fato, no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, o provimento finalmente proporciona o tratamento isonômico exigido por comando constitucional, uma vez que, no ato do reconhecimento voluntário de paternidade biológica, não são exigidas quaisquer comprovações, sendo realizado através de mera declaração. Não poderia ser diferente, portanto, quando a origem da filiação é socioafetiva. 56 REFERÊNCIAS ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO MPGO. Filiação socioafetiva: MP-GO pede questionamento de provimento da Corregedoria Nacional de Justiça. Disponível em <http://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/filiacao-socioafetiva-mp-go-pede-questionamento-deprovimento-da-corregedoria-nacional-de-justica--2#.XGv3uaJKjIU> Acesso em 20/02/2019 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS REGISTRADORES DE PESSOAS NATURAIS. Nota de esclarecimento acerca do provimento CNJ n° 63/2017. Disponível em <http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/2%20NOTA%20DE%20ESCLARECIMENTO %20PROVIMENTO%20CNJ%20N%C2%BA%2063%20(1).pdf> Acesso em 09/02/2019 BARANSKI, Julia. A parentalidade socioafetiva no provimento 63/2017 do CNJ. Consultor Jurídico. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2018-jun-19/tribuna-defensoriaparentalidade-socioafetiva-provimento-632017-cnj> Acesso em 19/02/2019 BARBOZA, Heloisa Helena. Direito à identidade genética. Juris poiesis. Edição temática: Biodireito, 2004. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/208.pdf> Acesso em 15/03/2019. CARVALHO, Dimas Messias de. Multiparentalidade – Equiparação ou prevalência da filiação socioafetiva com relação à biológica? In: PEREIRA, Cunha Rodrigo; DIAS, Maria Berenice. Famílias e sucessões: Polêmicas, tendências e inovações. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018. CASSETTARI, Cristiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: Efeitos jurídicos- 3ª ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2016. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciado 103 I Jornada de Direito Civil. 2002. Disponível em < https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudosjudiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej> Acesso em 08/01/2019 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pedido de Providências n° 000265377.2015.2.00.0000. Ministro João Otávio de Noronha. Data de Julgamento: 14/03/2017. Disponível em <https://www.cnj.jus.br/pjecnj/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documento SemLoginHTML.seam?ca=3b54e7f20cae4e15f93b9c617b43ac1469121fb210986eab808255d 0eb00a2bc4635ccd0d5247b21b166de0ee7e3ec9f39b484d172d84d8e&idProcessoDoc=21269 08> Acesso em: 17/01/2018. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regimento Interno, estabelecido pela Resolução nº 67 de 03/03/2009. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_67_03032009_1810201 8150005.pdf> Acesso em 21/02/2019 CORRÊA, Vanessa Ribeiro. A filiação entre a verdade biológica e afetiva. Revista da Faculdade de Direito de Campos. Ano 11, n° 2 e Ano 111, n° 3, 2001/2002. Disponível em <https://core.ac.uk/download/pdf/16013538.pdf> Acesso em 19/03/2019. 57 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – 11 ed.- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. DOMITH, Laira; ASSIS, Ana Cristina. O risco de desnaturação do conceito de socioafetividade pelo provimento 63 do cnj. Revista de Direito de Família e Sucessão. V.4, n.1, p. 1-20, jan./jun.2018. Disponível em <www.indexlaw.org/index.php/direitofamilia/article/download/4026/pdf> Acesso em 30/01/2019 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica afetiva - Belo Horizonte: Del Rey, 1996. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Direito das famílias – 7 ed.- São Paulo: Atlas, 2015. FÓRUM NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA INFÂNCIA. Proposta Coletiva de representação por inconstitucionalidade. Rio de Janeiro. 2018. Disponível em <http://blog.proinfancia.net/2018/04/proinfancia-entrega-representacao.html> Acesso em 21/02/2019 FUJITA, Jorge Siguemitsu; Filiação – 2 ed. – São Paulo: Atlas, 2011. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 6- Direito de Família – 15 ed. – São Paulo: Saraiva. INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Manifestação pela manutenção do provimento 63/2017 em sua integralidade. IBDFAM. Disponível em<http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/manifesta%C3%A7%C3%A3o%20IBDFAM %20Prov_%2063%20ao%20%20CNJ%20correcao%20Berenice%2002_05_2018.pdf> Acesso em 14/02/2019 INSTITUTO BRASILEIRO DO DIREITO DE FAMÍLIA. Especialistas avaliam Provimento que autoriza reconhecimento da socioafetividade em cartórios. IBDFAM. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6504/Especialistas+avaliam+Provimento+que+autoriza+r econhecimento+da+socioafetividade+em+cart%C3%B3rios> Acesso em 21/01/2019 KUMPEL, Vitor; BORGARELLI, Bruno. Provimento reaviva debate sobre limites do CNJ em serventias extrajudiciais. ARPEN Brasil. Disponível em < http://www.arpenbrasil.org.br/artigo.php?id=276> Acesso em 21/02/2019 LIMA, Márcia Fidelis. Os atos registrais da filiação socioafetiva e os avanços do provimento n. 63 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. In: PEREIRA, Cunha Rodrigo; DIAS, Maria Berenice. Famílias e sucessões: Polêmicas, tendências e inovações. Belo Horizonte: IBDFAM, 2018. LÔBO, Paulo. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: Uma distinção necessária. Jus Navigandi. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/4752/direito-ao-estadode-filiacao-e-direito-a-origem-genetica/2> Acesso em 19/03/2019 58 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias – 4 ed. – São Paulo: Saraiva, 2011. MADALENO, Rolf. Direito de Família – 8 ed.- Rio de Janeiro: Forense, 2018. MIN. LUIZ FUX. Voto do relator. Supremo Tribunal Federal. RE 898.060. Santa Catarina. 2016. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/re898060.pdf> Acesso em 08/01/2019 MIN. MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Voto do Relator. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1674849 RS 2016/0221386-0. Rio Grande do Sul. 2018. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/574626052/recurso-especial-resp-1674849rs-2016-0221386-0/relatorio-e-voto-574626080?ref=juris-tabs> Acesso em 10/01/2019. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Riscos de processos de paternidade socioafetiva sem fiscalização do MP são discutidos em reunião no CNJ. Disponível em < https://www.mpba.mp.br/noticia/43990 > Acesso em 27/02/2019 MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO NORTE. Recomendação nº. 0005/2018/12ª PmJMos. Mossoró – RN. 2018. Disponível em <https://www.mprn.mp.br/portal/files/20180720_RecomendacaoCartoriosMossoro.pdf> Acesso em 27/02/2019 PELUSO, Cezar. Supremo Tribunal Federal. Voto do relator. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.367-1. Brasília. 2005. Disponível em < http://www.stf.jus.br/noticias/imprensa/VotoPelusoADI3367.pdf> Acesso em 21/02/2019 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões- ilustrado – São Paulo: Saraiva, 2015. Disponível em < https://pt.scribd.com/document/385321952/Dicionario-de-Direito-de-Familia-e-SucessoesRodrigo-Pereira-2015-pdf?doc_id=385321952&download=true&order=461864201> Acesso em 25/03/2019. ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo – 2 ed.- Salvador: JusPodivm. 2017. SALOMÃO, Marcos. A filiação socioafetiva pela posse do estado de filho e a multiparentalidade no provimento 63 do CNJ. Consultor jurídico. Disponível em <https://www.conjur.com.br/dl/marcos-salomao-norma-cnj-mostra.pdf > Acesso em 11/02/2019 SOUZA, Carlos. CNJ cria regras para reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetiva. Consultor jurídico. Disponível em < https://app.vlex.com/#WW/search/*/provimento+63+cnj/vid/698162553> Acesso em 05/02/2019 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial 1.088.157. Paraíba. 2009. Relator Ministro Massami Uyeda. Data de julgamento: 23/06/2009. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6062250/recurso-especial-resp-1088157-pb-20080199564-3/inteiro-teor-12198378> Acesso em 21/03/2019. 59 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1674849/RS 2016/0221386-0. Rio Grande do Sul. 2018. Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Data de Julgamento: 17/04/2018. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/574626052/recurso-especial-resp-1674849-rs2016-0221386-0/relatorio-e-voto-574626080?ref=juris-tabs> Acesso em 14/01/2019. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp. 1.189.663. Rio Grande do Sul. 2010. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data de julgamento: 06/09/2011. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21082296/recurso-especial-resp-1189663-rs-20100067046-9-stj/inteiro-teor-21082297?ref=juris-tabs> Acesso em 20/03/2019. TARTUCE, Flávio. Anotações ao provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça – Parte II. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI280973,11049Anotacoes+ao+provimento+63+do+Conselho+Nacional+de+Justica+Parte+II> Acesso em 20/02/2019 TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 13 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. TARTUCE, Flávio. STF: Repercussão Geral 622: Multiparentalidade e seus efeitos. JusBrasil, 2016. Disponível em: < https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622multiparentalidade-e-seus-efeitos> Acesso em: 08/01/2019. TJMG, AC 1.0183.10.009301-6/001. 2.ª Câmara Cível. Rel. Des. Marcelo Rodrigues. Data de julgamento: 14/01/2014. Disponível em <https://tjmg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/118762907/apelacao-civel-ac-10183100093016001mg/inteiro-teor-118762967> Acesso em 21/03/2019. TJRS. Apelação Civil 70008795775. 7.ª Câmara de Direito Privado, Rel. José Carlos Teixeira Giorgis. Data de julgamento: 23/06/2004. Disponível em < https://tjrs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21946449/apelacao-civel-ac-70048610422-rs-tjrs/inteiroteor-21946450?ref=juris-tabs> Acesso em 08/01/2019 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Vol. 5 – Direito de Família – 18ª ed. – São Paulo: Atlas, 2018. VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. Ano XXVII, n. 21 (nova fase), maio 1979. Disponível em: <https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1156> Acesso em 15/03/2019. WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.