Rev Bras Anestesiol. 2017;67(1):35---41
REVISTA
BRASILEIRA DE
ANESTESIOLOGIA
Publicação Oficial da Sociedade Brasileira de Anestesiologia
www.sba.com.br
ARTIGO CIENTÍFICO
Comparações dos efeitos de sevoflurano e propofol
sobre isquemia-reperfusão aguda e danos ao DNA
em coelhos
Sema Oncul ∗ , Lale Karabiyik, Erdem Coskun, Ela Kadioglu e Ozlem Gulbahar
Gazi University Faculty of Medicine, Department of Anesthesiology and Intensive Care, Ancara, Turquia
Recebido em 29 de maio de 2015; aceito em 17 de agosto de 2015
Disponível na Internet em 10 de novembro de 2016
PALAVRAS-CHAVE
Genotoxicidade;
Estresse oxidativo;
Propofol;
Sevoflurano;
Lesão de isquemia
reperfusão
∗
Resumo
Justificativa e objetivos: Comparar os efeitos da anestesia com sevoflurano e propofol sobre
o dano oxidativo ao DNA que ocorre na isquemia de extremidade inferior e é causada pela
aplicação de torniquete.
Métodos: Foram alocados aleatoriamente em dois grupos iguais 14 coelhos da raça Nova Zelândia. Grupo S (n = 7) recebeu inalação de sevoflurano (2,5-4%) e Grupo P (n = 7) recebeu perfusão
de propofol (1-2 mg·kg−1 ·min−1 ), logo após um torniquete pneumático foi colocado na extremidade inferior direita. Amostras de sangue foram coletadas antes da colocação do torniquete
(fase basal), após 120 minutos de isquemia, 15 minutos após a isquemia e 120 minutos após a
isquemia. Os níveis de malondialdeído (MDA) foram analisados para determinar a peroxidação
de lipídios e eletroforese em gel de célula única (EGCU) foi usada para determinar o dano ao
DNA.
Resultados: Aos 15 minutos após a isquemia, os níveis de MDA no Grupo P (8,15 ± 2,61 M)
foram superiores aos da fase basal (6,26 ± 3,19 M, p = 0,026) e dp Grupo S (4,98 ± 0,77 M,
p = 0,01). O dano causado ao DNA foi semelhante nos dois grupos, embora tenha sido maior do
que na fase basal (momento da cauda 0,63 ± 0,27, intensidade da cauda 3,76 ± 1,26) no Grupo
P no 15 minutos de reperfusão (momento da cauda 1,05 ± 0,45, p = 0,06; intensidade da cauda
5,33 ± 1,56, p = 0,01). O aumento no momento da cauda e a intensidade da cauda voltaram aos
níveis normais nos dois grupos duas horas após o término da isquemia.
Conclusão: Como o estresse oxidativo e o efeito genotóxico desaparecem nos estágios finais da
reperfusão, concluímos que não há superioridade tanto de sevoflurano quanto de propofol em
práticas de anestesia para procedimentos cirúrgicos de extremidades que envolvem o uso de
torniquete.
© 2016 Publicado por Elsevier Editora Ltda. em nome de Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Este é um artigo Open Access sob uma licença CC BY-NC-ND (http://creativecommons.org/
licenses/by-nc-nd/4.0/).
Autor para correspondência.
E-mail: serdenish@yahoo.com (S. Oncul).
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2016.10.001
0034-7094/© 2016 Publicado por Elsevier Editora Ltda. em nome de Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Este é um artigo Open Access
sob uma licença CC BY-NC-ND (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
36
S. Oncul et al.
KEYWORDS
Genotoxicity;
Oxidative stress;
Propofol;
Sevoflurane;
Ischemia reperfusion
injury
Comparisons of the effects of the sevoflurane and propofol on acute ischemia
reperfusion and DNA damages in rabbits
Abstract
Background and objectives: The aim of this study was to compare the effects of sevoflurane
and propofol anesthesia on oxidative DNA damage that occurs in low-extremity ischemia and is
caused by tourniquet application.
Methods: Fourteen New Zealand rabbits were randomly allocated into two equal groups. Group
S (n = 7) received sevoflurane (2.5---4 percent) inhalation and Group P (n = 7) received a propofol
infusion (1---2 mg·kg−1 ·min−1 ), after which a pneumatic tourniquet was placed on the right lower
extremity. Blood samples were collected prior to tourniquet placement (baseline), 120 min after
ischemia, 15 min after ischemia and 120 minutes (min) after ischemia. Malondialdehyde (MDA)
levels were analyzed to determine lipid peroxidation, and single cell gel electrophoresis (SCGE)
was used to determine DNA damage.
Results: At 15 min after ischemia, the MDA levels in Group P (8.15 ± 2.61 M) were higher than
baseline (6.26 ± 3.19 M, p = 0.026) and Group S (4.98 ± 0.77 M, p = 0.01). DNA damage was
similar in both groups, although DNA damage was higher than baseline (tail moment 0.63 ± 0.27,
tail intensity 3.76 ± 1.26) in Group P at the 15th minute of reperfusion (tail moment 1.05 ± 0.45,
p = 0.06; tail intensity 5.33 ± 1.56, p = 0.01). The increase in tail moment and tail intensity
returned to normal levels in both groups 2 hours after the termination of ischemia.
Conclusion: Given that oxidative stress and genotoxic effect disappear in the late stages of
reperfusion, we conclude that neither sevoflurane nor propofol can be considered superior to
the other in anesthesia practices for extremity surgeries involving the use of a tourniquet.
© 2016 Published by Elsevier Editora Ltda. on behalf of Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
This is an open access article under the CC BY-NC-ND license (http://creativecommons.org/
licenses/by-nc-nd/4.0/).
Introdução
O uso de torniquetes proximais é frequente em cirurgias
de membros para proporcionar um campo operacional sem
sangramento. Quando o oxigênio é reintroduzido no tecido
isquêmico após a desinsuflação do torniquete, a presença
maciça de radicais livres de oxigênio provoca a peroxidação
lipídica da membrana. Esse processo desencadeia a oxidação
dos ácidos graxos poli-insaturados, destrói as estruturas da
membrana e produz metabolitos tóxicos, como o malondialdeído (MDA).1,2 Esse processo desempenha um papel
significativo na patogênese da lesão de reperfusão. O MDA
é um aldeído de baixo peso molecular e um produto intermédio da peroxidação lipídica que tem sido frequentemente
usado como um marcador da formação de radicais livres.
A formação de radicais de oxigênio induzida pela lesão
de isquemia/reperfusão (I/R) causa dano oxidativo no DNA
e desempenha um papel significativo na patogênese da
lesão de reperfusão.3,4 A quantidade de informação existente sobre o dano oxidativo causado ao DNA em lesões de
reperfusão induzida por torniquete é limitada, embora as
drogas anestésicas e o estresse relacionado à cirurgia sejam
conhecidos por causar danos celulares.5
Sevoflurano e propofol são agentes voláteis e intravenosos comumente usados em anestesia. Alguns estudos clínicos
e experimentais sem I/R mostraram que sevoflurano provoca danos reversíveis no DNA,5,6 embora estudos diferentes
in vivo e in vitro tenham mostrado que propofol diminui o
dano causado ao DNA ou não causa dano ao DNA.7---9
Ensaios genotóxicos são comumente usados para monitorar danos no DNA. O teste do cometa (ou single cell gel
electrophoresis assay --- SCGE) tem sido amplamente usado
em estudos in vitro e in vivo por ser um método sensível e
simples para medir as quebras de cadeia simples e de cadeia
dupla, sítios lábeis alcalinos, lesões oxidativas e reparos do
DNA.10,11
No presente estudo comparamos os efeitos de sevoflurano e propofol em danos causados ao DNA em um modelo de
isquemia de extremidade inferior induzida por torniquete.
Para o objetivo do estudo, o fator de estresse cirúrgico foi
eliminado, os níveis de MDA foram medidos para determinar
a peroxidação lipídica e o SCGE foi usado para determinar o
dano no DNA.
Métodos
O Comitê de Ética local forneceu a aprovação para o
estudo. O estudo foi conduzido no Laboratório de Pesquisa
Experimental da Universidade de Gazi de modo semelhante
ao modelo de I/R aguda descrito por Hardy et al.12 Usamos
14 coelhos da raça Nova Zelândia, de sete meses e 3,5 kg em
média. Os padrões descritos no Guide for the Care and Use
of Laboratory Animals foram aplicados durante o estudo.13
Uma linha arterial e outra venosa foram inseridas nas
orelhas externas de todos os sujeitos testados durante a
amostragem e para infusão de solução salina isotônica, respectivamente. Amostras de sangue foram colhidas na fase
basal e pressão arterial invasiva foi monitorada (fig. 1).
Parâmetros hemodinâmicos da pressão arterial invasiva,
frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação
periférica de oxigênio (SpO2 ) (Nihon Cohden, Life Scope
Isquemia-reperfusão e danos ao DNA durante anestesia
37
aplicação de 200 mmHg de pressão (manguito pediátrico
n◦ 2, De Royal, Powell, TN, EUA). O torniquete foi aplicado
por 120 minutos.
Amostras de sangue foram coletadas como amostras de
referência, 1 min antes da desinsuflação do torniquete (ADT)
e 15 e 120 min depois da desinsuflação do torniquete (DDT-15
e DDT-120, respectivamente).
Determinação do malondialdeído
Figura 1 Infusão de propofol, cateterismo intravenoso e
intra-arterial.
BSM-5135K, Japão) e índice bispectral (BIS) (Bispectral Index
Monitor Model 2000, Aspect Medical Systems, Inc., Newton, MA, EUA) foram registrados em intervalos de 15 minutos
(min) durante o procedimento. Após a depilação, sondas
pediátricas foram usadas para monitorar o BIS (Aspect Medical Systems, Inc., Norwood, EUA). Durante o estudo, o BIS foi
mantido a 50 ± 10% e 5 mL.kg-1 .h-1 de solução salina isotônica foram infundidos durante o procedimento.
Os coelhos foram aleatoriamente distribuídos em dois
grupos de sete cada. No Grupo S, a anestesia foi induzida
com sevoflurano a 7-8% via inalação e o Grupo P recebeu infusão de 1-2 mg.kg-1 .min-1 de propofol (figs. 1-2). Um
nível adequado de indução foi determinado pelo desaparecimento de movimentos oculares e do reflexo da córnea,
além de manter o BIS < 60%. A anestesia foi mantida
por meio da inalação de sevoflurano a 2,5-4% no Grupo S
e por meio da infusão de propofol (1-2 mg.kg-1 .min-1 ) no
Grupo P. Uma mistura de gás foi administrada via máscara
facial com a uma taxa de fluxo de 4 L.min-1 (Dameca, Dinamarca). A respiração espontânea foi mantida para atingir
uma saturação de O2 de ≥ 95%. Ambos os grupos foram
completamente contidos por bandagem elástica a partir
da extremidade direita e um torniquete foi colocado com
Um dos métodos mais usados para indicar a presença de
radicais livres de oxigênio é a determinação do MDA como
um índice de peroxidação lipídica. Durante o estudo, descobrimos que a redução dos níveis de MDA avaliada sobre
as reações do ácido tiobarbitúrico (TBA) era uma indicação
indireta da redução dos radicais livres de oxigênio. O nível
plasmático de MDA foi medido com o método colorimétrico
com base na reação do TBA com o MDA.14
Método SCGE (teste do cometa)
O teste do cometa seguiu os protocolos descritos por Singh
et al.15 e Tice et al.16 com algumas modificações. O método
SCGE examina o dano no DNA e seus mecanismos de reparo
em diferentes condições experimentais. Os linfócitos normais têm um núcleo arredondado de aspecto claro em seu
interior e menos denso nas laterais. Adquire bordas de aparência irregular juntamente com o início da migração de
fragmentos de DNA para fora do núcleo. Os linfócitos assumem a forma de um cometa à medida que o dano aumenta;
logo, o nome ‘‘teste do cometa’’. A depender da gravidade
do dano, o aspecto microscópico da célula estende-se do
centro para a periferia. A intensidade da cauda, quanto à fluorescência, ao comprimento e ao momento, foi avaliada com
o uso de um sistema informatizado de análise de imagem.
Análise estatística
A análise dos dados foi feita com o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para Windows, versão
15.0. As alterações relacionadas ao tempo intragrupos e de
acordo com os valores de controle foram comparadas com
o teste t pareado e o teste de Wilcoxon e as comparações
entre os grupos foram feitas com os testes t de Student e U
de Mann-Whitney. Os dados foram expressos em média ± DP
e um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.
Resultados
MDA
Figura 2
BIS.
Aplicação da máscara da mistura de gás e sonda do
Os níveis de MDA não apresentaram diferença estatisticamente significativa em comparação com os valores basais
no Grupo S. No Grupo P, os níveis de MDA em DDT-15 foram
superiores aos valores basais (8,15 ± 2,61 M; p = 0,026).
Ao mesmo tempo, esse valor foi significativamente superior ao do Grupo S (4,98 ± 0,77 M) em DDT-15 (p = 0,01)
(tabela 1, fig. 3).
38
S. Oncul et al.
Níveis de MDA (M) [média ± DP (min-max)]
Tabela 1
Tempo (min)
Grupo S
(n = 7)
Grupo P
(n = 7)
p-valor
Basal
5,10 ± 1,94
(1,53---7,24)
5,40 ± 1,36
(3,43---7,12)
4,98 ± 0,77b
(4,22-6,12)
6,40 ± 3,00
(2,76-12,16)
6,26 ± 3,19
(3,32-13,05)
8,32 ± 3,86
(4,55-14,28)
8,15 ± 2,61a
(5,45-13,39)
7,09 ± 2,91
(3,88-11,37)
0,425
ADT
DDT-15
DDT-120
0,083
0,01
0,0672
ADT, antes da desinsuflação do torniquete; DDT, depois da
desinsuflação do torniquete.
a p = 0,026, comparação com a fase basal.
b p = 0,01, comparação com o Grupo P.
14
Níveis de MDA (µM)
12
∗
10
8
6
4
2
0
Basal
ADT
Grupo S
DDT-15
DDT-120
Grupo P
Figura 3 Níveis de MDA (média ± DP) (*p = 0,026, comparação
com valores basais; † p = 0,01, comparação com o Grupo P.
ADT: antes da desinsuflação do torniquete; DDT: depois da
desinsuflação do torniquete).
Avaliação de danos no DNA
Não houve diferença significativa nos níveis basais, ADT, DDT15 e DDT-120 entre os grupos (tabela 2). Os aumentos no
momento da cauda (p = 0,031) e na intensidade da cauda
(p = 0,029) no Grupo S em ADT foram estatisticamente significativos em comparação com os valores basais (tabela 2). Os
aumentos no momento da cauda (p = 0,006) e na intensidade
da cauda (p = 0,01) do Grupo P em DDT-15 foram superiores
aos valores basais (tabela 2). Não houve diferença significativa entre os grupos S e P em todos os tempos mensurados.
Discussão
Nossos achados indicam que não há superioridade de sevoflurano ou de propofol quanto à prevenção do estresse
oxidativo e da genotoxicidade que resultam de lesões de
I/R induzidas por torniquete.
Um torniquete proximal é frequentemente usado em
cirurgia de membros para fornecer um sítio cirúrgico sem
sangramento. O garroteamento provoca alterações metabólicas que dependem do tempo de insuflação do torniquete e
da técnica anestésica.17 Um intervalo de tempo entre 1-3 h
de insuflação é considerado seguro. Portanto, optamos por
um período de 2 h de aplicação do torniquete no presente
estudo.
A isquemia/reperfusão resulta na produção de espécies
(tóxicas) reativas de oxigênio (ERO) nos órgãos. A isquemia
reduz a atividade das enzimas de defesa celular contra as
ERO e a reperfusão e a introdução de oxigênio perturba ainda
mais o delicado equilíbrio dos oxidantes/antioxidantes.18 A
mensuração dos níveis de MDA é o marcador mais sensível
para determinar o grau de peroxidação lipídica.19,20 A sensibilidade atinge seu nível mais alto entre o quinto e o 20◦
minutos após a desinsuflação do torniquete.2 Em nosso
estudo, o aumento observado nos níveis de MDA foi maior
no grupo propofol 15 min após a desinsuflação do torniquete
do que no grupo sevoflurano. Observamos que a supressão da
peroxidação lipídica foi melhor no grupo sevoflurano durante
o período inicial de reperfusão em comparação com o grupo
propofol.
Budic et al. demonstraram que a anestesia venosa total
com propofol e técnicas de anestesia regional proporcionou
uma melhor defesa antioxidante e reduziu a disfunção endotelial em comparação com a anestesia geral inalatória com
sevoflurano durante a aplicação do torniquete em cirurgia
pediátrica de extremidades.19,20 Arnaoutoglou et al. relataram que propofol pode ter propriedades antioxidantes em
cirurgias ortopédicas que requerem a aplicação de torniquete, mas o uso de sevoflurano requer estudos adicionais.21
Alguns autores demonstraram que as concentrações plasmáticas de propofol conseguem inibir a peroxidação lipídica
na variação em que é clinicamente usado em anestesia.22
Braz et al., entretanto, usaram doses clínicas de propofol
(concentração plasmática: 2-4 g.mL-1 ) em cirurgias eletivas sem I/R e mostraram que propofol não diminui a
peroxidação lipídica.7 Esses e vários outros autores acreditam que apenas as concentrações mais elevadas de propofol
podem mostrar atividade de eliminação de radicais livres.7,23
Semelhantemente ao estudo realizado por Braz et al., descobrimos que propofol não diminuiu a peroxidação lipídica;
porém, ao contrário de outros estudos, não fizemos cirurgia,
e sim isquemia por 120 min. Embora os níveis plasmáticos de
propofol não tenham sido medidos em nosso estudo, aumentos nos níveis de MDA foram observados no 15◦ minuto de
reperfusão no grupo propofol.
A formação de radicais de oxigênio induzida por isquemia/reperfusão causa rupturas nos filamentos de DNA e
desempenha um papel importante na patogênese da reperfusão. A eletroforese em gel de célula única (teste do
cometa) é um método simples, sensível e rápido para estimar danos no DNA.10 Muitos estudos mostraram que o dano
induzido pela I/R ao DNA pode ser investigado em leucócitos periféricos de humanos com o uso do teste do cometa
alcalino modificado.3,24 Após a isquemia, danos genotóxicos
foram detectados em leucócitos periféricos de humanos, o
que essencialmente leva à libertação de quantidades substanciais de radicais de oxigênio e outros agentes reativos.10
Em nosso estudo, usamos esse método para analisar o dano
causado por agentes anestésicos ao DNA.
Há poucos estudos sobre o dano oxidativo ao DNA devido à
I/R induzida por torniquete. Esses estudos avaliaram os efeitos da isquemia ocasionada pelo torniquete sobre a indução
de dano ao DNA com o teste do cometa em leucócitos
periféricos.3,24 Willy et al. observaram que os efeitos no
DNA foram mais acentuados aos 5-30 min após a liberação do
Momento da cauda, comprimento da cauda e intensidade da cauda, em 50 células [média ± DP (min-max)]
Tempo (min)
Basal
ADT
DDT-15
DDT-120
Grupo S (n = 7)
Grupo P (n = 7)
p-valor
Momento da
cauda
Comprimento
da cauda
Intensidade
da cauda
Momento da
cauda
Comprimento
da cauda
Intensidade
da cauda
Momento da
cauda
Comprimento
da cauda
Intensidade
da cauda
0,75 ± 0,27
(0,36-1,17)
1,12 ± 0,38a
(0,77-1,86)
1,51 ± 1,70
(0,51-5,34)
1,12 ± 0,68
(0,65-2,63)
25,19 ± 1,88
(22,93-28,81)
30,34 ± 9,79
(24,98-52,23)
34,46 ± 24,90
(23,61-90,89)
29,13 ± 9,51
(21,99-49,89)
4,55 ± 1,37
(2,43-6,76)
6,14 ± 1,48a
(4,41-8,62)
7,47 ± 5,96
(3,52-20,76)
6,15 ± 3,35
(3,83-13,53)
0,63 ± 0,27
(0,29-1,17)
1,80 ± 1,72
(0,58-5,32)
1,05 ± 0,45a
(0,50-1,90)
1,06 ± 0,56
(0,51-1,89)
25,25 ± 3,55
(22,10-32,87)
35,10 ± 18,05
(23,66-71,39)
27,69 ± 7,73
(21,77-44,36)
26,22 ± 5,28
(21,11-36,68)
3,76 ± 1,26
(1,73-6,07)
7,53 ± 4,23
(3,53-14,43)
5,33 ± 1,56a
(3,33-8,42)
5,45 ± 2,09
(3,38-8,85)
0,422
0,971
0,285
0,328
0,551
0,427
0,506
0,505
0,377
0,881
0,492
0,646
Isquemia-reperfusão e danos ao DNA durante anestesia
Tabela 2
ADT, antes da desinsuflação do torniquete; DDT, depois da desinsuflação do torniquete.
Não houve diferença significativa entre os grupos.
a p < 0,05, comparação com a fase basal.
39
40
torniquete e que, depois, diminuíram durante 2 h, mas não
retornaram aos valores basais pré-isquemia; isso sugere que
a I/R induz efeitos genotóxicos em leucócitos de humanos,
provavelmente em resposta ao estresse oxidativo durante a
reperfusão.3
Alguns estudos demonstraram que materiais genéticos
podem ser danificados com o uso de anestésicos halogenados, avaliados com a metodologia de eletroforese em gel
de célula única.5,6,25 Karabiyik et al. usaram esse método
para avaliar danos no DNA de pacientes que receberam
anestesia com sevoflurano e isoflurano. Os autores concluíram que ambos os agentes causam danos reversíveis
no DNA, mas que não existe uma diferença significativa
entre os fármacos a esse respeito.6 Propofol difere dos
anestésicos voláteis por não apresentar efeitos mutagênicos
in vitro ou in vivo.7,9 Braz et al. usaram uma versão alcalina
da eletroforese em gel de célula única e relataram que propofol não induz danos ao DNA em leucócitos.7 Além disso,
propofol não induziu permuta de cromatídeos irmãos (SCE)
em linfócitos de crianças8 e não aumentou as aberrações
cromossômicas em pacientes de cirurgia cardíaca.9
De acordo com Alleva et al., é difícil avaliar in vivo se a
principal causa do dano celular é devida aos anestésicos ou
ao estresse cirúrgico. Esses autores avaliaram a genotoxicidade em pacientes submetidos à anestesia com sevoflurano
e não encontraram alterações significativas no DNA após
15 min de indução da anestesia antes da cirurgia.5 Em um
estudo recente, Braz et al. relataram que os pacientes
submetidos a pequenas cirurgias sob anestesia geral com
sevoflurano e isoflurano inalatórios ou com propofol não
apresentaram quebras nos filamentos de DNA ou sítios álcali-lábeis em linfócitos periféricos.26 De forma semelhante,
eliminamos o fator de estresse cirúrgico em nosso estudo
e nossos resultados também foram contrários aos de outros
estudos. Em nosso estudo, os níveis de intensidade e de
momento da cauda (indicadores de danos no DNA) aumentaram gradualmente em ambos os grupos em comparação com
os níveis basais. No grupo sevoflurano, o dano causado ao
DNA aumentou aos 120 minutos de isquemia; em contraste,
o dano causado ao DNA foi mais acentuado no início do
período de reperfusão e esse aumento foi paralelo ao
aumento dos níveis de MDA. Esses achados podem indicar a
incapacidade de propofol de suprimir o estresse oxidativo
de modo eficiente. No grupo sevoflurano, o aumento
do dano causado ao DNA antes da reperfusão ratifica a
propriedade genotóxica de sevoflurano. A diferença entre
os grupos desapareceu aos 120 minutos de reperfusão.
Conclusões
Este estudo de I/R experimental mostrou que sevoflurano
pode controlar a peroxidação lipídica melhor do que propofol. Doses mais elevadas de propofol (em comparação
com a dose clínica) podem ser necessárias para evitar a
peroxidação lipídica. Devido à falta de diferença entre os
dois anestésicos em estágios tardios de reperfusão, acreditamos que não há superioridade tanto de sevoflurano quanto
de propofol para prevenir a genotoxicidade relacionada ao
estresse oxidativo em cirurgias de extremidades que envolvem o uso de torniquete. Sabe-se que todos os anestésicos
têm efeitos secundários nocivos; portanto, é importante
S. Oncul et al.
escolher de forma apropriada um agente que tenha o efeito
colateral menos tóxico. A esse respeito, podemos dizer que
mais estudos sobre a genotoxicidade relacionada ao estresse
oxidativo são necessários.
Limitações
A avaliação dos danos causados ao DNA a partir de amostras
do tecido local (músculo etc.) e a mensuração dos níveis
plasmáticos de propofol permitiriam mais estudos informativos. Essas podem ser consideradas como as limitações de
nosso estudo.
Financiamento
Universidade de Gazi --- Projetos de Pesquisa em Ciência.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
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