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View metadata, citation and similar papers at core.ac.uk brought to you by CORE provided by Universidade Federal de Mato Grosso do Sul: UFMS / SEER - Sistema... MOBILIDADE HUMANA E FUTURO DO TRABALHO: EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO MOBILIDADE HUMANA E FUTURO DO TRABALHO: EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO 1* HUMAN MOBILITY AND FUTURE OF THE LABOR: GLOBALIZATION EFFECTS Georgenor de Sousa Franco Filho Desembargador do Trabalho de carreira do TRT da 8ª Região, Doutor Honoris Causa e Professor Titular de Direito Internacional e Direito do Trabalho da Universidade da Amazônia (UNAMA), Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Resumo: Este texto aborda os diversos aspectos da mobilidade humana, apreciando as mais relevantes questões relativas ao deslocamento das pessoas, interna e externamente. É dada particular ênfase aos processos de migração interna e internacional, especialmente dos trabalhadores, situando as perspectivas para as relações do trabalho dentre os efeitos que podem decorrer da globalização. Palavras-chave: Mobilidade humana; Migração interna e internacional; Relações de trabalho; Globalização. Abstract: This paper discusses the various aspects of human mobility, enjoying the most relevant issues related to the displacement of people, internally and externally. Particular emphasis is given to the processes of internal and international migration, especially of workers, placing the prospects for labor relations among the effects that can arise from globalization. Keywords: Human Mobility; Internal and international migration; Labor relations; Globalization. Sumário: Introdução. 1. As migrações humanas. 2. Formas específicas de mobilidade humana. 3. Migração interna e internacional. 3.1. Migração no Brasil. 3.2. Migração internacional. 4. Trabalho e globalização: a situação dos estrangeiros. Conclusão. Referências. Conferência de abertura do X Congresso Sergipano de Direito e Processo do Trabalho, promovido pela Escola Judicial do TRT da 20ª Região e AMATRA-XX, em Aracaju (SE), a 13.11.2014. 1* Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 187 188 GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO Introdução O tema desta exposição destina-se a demonstrar os efeitos ou as consequências da atual globalização no mundo em que vivemos, sob dois enfoques principais: a mobilidade humana e o futuro do trabalho. Na primeira, pretendo destacar como está se processando, nos dias correntes, a circulação de pessoas, interna e internacional, vista por diversos ângulos da convivência social. No segundo, almejo indicar alguns pontos que podem ser identificados como opções para o futuro do trabalho no mundo que, corolário da globalização, estáchegando. Uma coisa é possível fixar, desde o início: as modificações introduzidas pela globalização atual, que vão de mudanças nos sistemas políticos, ideológicos e econômicos aos experimentos culturais, científicos e tecnológicos, são irreversíveis. No ambiente do trabalho, encontra-se a humanidade, como denominei um de meus livros, em uma rua sem saída2, cuja direção é seguir em frente, e enfrentar, corajosamente e com confiança, as adversidades que estão sendo e continuarão a ser encontradas na expectativa de que as dificuldades sejam superadas. Ademais, é importante, neste início, fixar que, se o número de autorizações para trabalhadores imigrantes regulares no Brasil, em 2013, foi de 62.387, menos que as 73.022 autorizações de 2012, nosso país, registra em torno sessenta mil a trezentos mil estrangeiros indocumentados3, ou seja, clandestinamente instalados. Lembremos que o Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815/80) está ultrapassado e que cresce a cada momento a entrada de latino-americanos (especialmente peruanos e bolivianos), africanos e chineses no território nacional, que permanecem à míngua de qualquer proteção. Com efeito, fixadas essas diretrizes iniciais, passemos ao tema específico desta exposição. 1. As Migrações Humanas Existem diversas formas de se examinar o fenômeno das migrações humanas. Em síntese inicial, quando tratamos de mobilidade humana significa que estamos verificando a possibilidade de o homem se deslocar de um lugar para outro, pouco importando as condições físicas. Trata-se, ao cabo, de circulação de pessoas. Existem diversas espécies migratórias: tribais, nacionais ou internas, internacionais, de classes ou individuais, e são diversas as suas causas: políticas, econômicas, religiosas, sociais, étnicas ou aventura. 2 V. o meu Globalização do trabalho: rua sem saída. São Paulo:LTr, 2001 3 Cf. revista No Mérito. Rio de Janeiro: XIX(51): 8-9, jun.2014 Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 MOBILIDADE HUMANA E FUTURO DO TRABALHO: EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO Do Homo sapiens da África, migrando para o Oriente Próximo, de lá para o Ocidente através da Europa, e para o Leste através da Ásia, e daí para a Austrália e, posteriormente, às Américas. Assim teria começado o deslocamento do ser humano. Hoje, costumamos situar a mobilidade humana conforme o processo migratório que se constata. Assim, a migraçãopermite que sejam identificadas duas situações: se acontece a saída da pessoa de um local para outro, estamos diante da emigração. A entrada da mesma pessoa em outra localidade é identificada como imigração. São as formas mais conhecidas e tradicionais de mobilidade humana. O que se constata, atualmente, é a existência de alguns tipos de mobilidade que antes já existiam, mas não atraiam a atenção dos estudiosos da forma como nos dias correntes. Temos a mobilidade urbana, que é a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano de uma cidade. Busca-se, através de políticas de transporte e circulação, a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas nas urbes, melhorando os transportescoletivos e utilizando meios alternativos que permitam inclusão social e sejam adequados ao meio ambiente, evitando tecnologias poluentes que causem danos ecológicos por vezes irreversíveis. Há cidades, especialmente na Ásia, onde é praticamente impossível a vida humana tal como costumamos ter no Brasil. Os índices poluidores são elevadíssimos e a temperatura global ascende a graus insuportáveis. Em São Paulo, v.g., em outubro deste ano de 2014, alcançou 41,5ºC em um dia, e caiu para menos de 18ºC no dia seguinte. Em nosso país, a Lei n. 12.587, de 2012,fixou as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, destacando-se a que prevê a integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros países sobre a linha divisória internacional, o que nos leva à circulação internacional de pessoas, tema que trataremosadiante. A mobilidade social significa a mudança de posição social sem que se altere o grupo ao qual pertencemos. É a vivência do homem na sociedade, onde se constata possibilidades de troca, ascensão ou rebaixamento de uma pessoa no meio em que vive. Esse tipo de mobilidade existiu no passado. No feudalismo, a sociedade estratificada de então possuía categorias próprias, cujos estratos eram dos clérigos, dos nobres e dos servos. Mudou essa visão na atualidade, onde passamos a adotar valores liberais e princípios democráticos. Em algumas culturas, especialmente nas orientais, a posição social decorre da descendência familiar ou algum tipo de papel político-religioso desempenhado. Em outras, ainda há a ascendência do homem sobre a mulher, movida essa Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 189 190 GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO discriminação geralmente por fatores religiosos, o que é facilmente constatável nas diversas celebrações litúrgicas orientais. Seria uma espécie demobilidade familiar, modificável em razão de sexo. Anoto que existe a mobilidade ascendente, representada pelo acúmulo de riqueza, apesar de, lentamente, começar a haver uma distribuição menos desigual dessa riqueza entre a população. A descendente é quando ocorre o inverso: a perda de seus recursos e seu consequente empobrecimento. Essa mobilidade social pode ser também horizontal ou vertical. A primeira refere-se às alterações no status social, como, v.g., o casamento modificando o estado civil das pessoas. A vertical, por sua vez, importa em modificar a classe social a que se pertence: alguém, desempregado e endividado, que recebe um grande prêmio em dinheiro e, de inopino, fica milionário. Outros dois tipos migratórios são os pendulares e a transumância. As migrações pendularesnão tem o caráter permanentedamigração,e,portanto, delanãose trata. São deslocamentos específicos, como aqueles que se realizam entre cidades para o trabalho (da cidade dormitório para a cidade do labor); ou em períodos de viagens de férias ou de trabalho eventual. A transumânciaé o deslocamento temporário de uma populaçãomotivadopor fatores econômicos ou sazonais, decorrentes de mudanças climáticas. É periódica e frequente no nordeste brasileiro(entre Zona da Mata e Sertão). Ademais, guarda semelhança com o refugiado ambiental, situação que está afligindo notadamente os moradores dos países insulares do Pacífico, face à elevação do nível dos oceanos e o iminente desaparecimento de suas pátrias. Tuvalu é um desses casos4. 2. Formas específicas de mobilidade humana Quando se cuida de mobilidade humana, devemos recordar algumas expressões que com ela possuem muita vinculação. Uma delas é diáspora, palavra oriunda do grego clássico que significa dispersão, e identifica o deslocamento, forçado ou não, de grandes populações ou grupos étnicos de uma para outras regiões. Na antiguidade, houve a diáspora dos hebreus, sobretudo após a destruição de Jerusalém em 70d.C.. O exílio, de origem latina, significa também banimento ou degredo, confundindo-se com expatriação. Existiu no Brasil colônia, significando que a pessoa é Cf. FRANCO NETO, Georgenor de Sousa. Os refugiados ambientais: o caso de Tuvalu. In: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade da Amazônia - UNAMA. Belém:4(4):197-223 passim, 2003. 4 Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 MOBILIDADE HUMANA E FUTURO DO TRABALHO: EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO retirada, voluntaria ou compulsoriamente, de seu país, a ele não podendo regressar enquanto persistirem as razões de sua retirada. No exílio encontra-se o Dalai Lama, do Tibete. Observe que não há banimento em nosso país, prática proibida pelo inciso XLVI do art. 5º da Constituição de 1988. O direito de asilo tanto pode ser diplomático como territorial. Ambos são asilos políticos. No primeiro, originado do asilo religioso ocorrido no interior das igrejas católicas romanas e que desapareceu com o Código de Direito Canônico de 1972, apessoa perseguida encontra-se no território do Estado em que está sofrendo o constrangimento. Hoje, é concedido nos locais das missões diplomáticas, nas aeronaves e navios de guerra em serviço e nosacampamentos militares, regulados, no Direito Internacional Americano, pela Convenção de Caracas de 1954, e, em outros países, pela Convenção de Viena de 1961, que reconhece invioláveis os locais das missõesdiplomáticas. Nessa espécie de asilo, não há falar em mobilidade de pessoas,porquanto permanecem no mesmo local, apenas no interior de uma área sob proteção diplomática. Diferentemente, no asilo territorial, existe o deslocamento espacial da pessoa perseguida por motivos políticos, de um país para outro. Corolário da soberania,qualquer Estado pode conceder asilo em seu território, classificando o delito praticado como entender, sem sofrer qualquer pressão externa. No Direito Internacional Americano, existe norma específica sobre o tema que éaConvenção de Caracas também de 1954. Todas, tanto as de Caracas como as de Viena (inclusive a de 1963, sobre relações consulares), foram ratificadas pelo Brasil. Costuma-se apontar quea pessoa que goza de asilo territorial seria refugiado. É verdade, porque refugiado é o gênero, e asilado é uma espécie. O refugiado tem tratamento muito específico no âmbito das Nações Unidas. Trata-se de uma pessoa que, perseguida por motivos de várias origens (raça, religião, nacionalidade, associação, opinião política, grupo social),com violação de seus direitos humanos fundamentais, é levada a deixar seu país de origem e a temer retornar com medo de represálias. Refugia-se, assim, em outro país que a acolhe. Em 1950, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Resolução n. 428 da Assembléia Geral da ONU), com a sigla em português ACNUR, destinado a apoiar e proteger refugiados de todo o mundo, proteção que geralmente surge através de repatriação involuntária, integração da pessoa ao local de refugio e reassentamento em outro país. A fim de proteger adequadamente os refugiados, foi aprovada, em 1951, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, que o Brasil ratificou, com regrasmínimas para proteção dessas pessoas. Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 191 192 GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO 3. Migração interna e internacional 3.1. Migração no Brasil No Brasil colônia, tivemos a vinda da mão de obra escrava da África nos séculos XVI a XIX, e muitas correntes migratórias surgiram com a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, em 1808, na verdade apenas à Inglaterra. O fluxomigratório brasileiroaolongo da história tem sido predominantemente de portugueses e espanhóis para todo o Brasil. Seguem-se italianos, japoneses e alemães, sobretudo para os Estados do Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Pará e Rio Grande do Sul. A eles devem ser acrescentados croatas, eslavos, poloneses, russos e ucranianos. São diversas as causas para a imigração: razões pessoais (reencontro de familiares, v. g., como busca de melhores condições de vida e de trabalho), ou ideológicas em seu sentido mais amplo (perseguições por motivos políticos ou religiosos). Foram as grandes motivadoras das migrações para as Américas nos séculos XIX e XX.Nesse rol, devem ser incluídos os que sofriam discriminações e perseguições em suas terras de origem: os judeus da Europa Oriental, os armênios do antigo Império Otomano.Recebeu a América, inclusive o Brasil, correntes de palestinos, sírios e libaneses, cristãos e muçulmanosvindos em busca de melhores condições de vida e que, na maioria, se dedicaram ao comércio. Importante marco migratório ocorreu em 1908, quando o navio KasatoMaru aportou no Brasil. Iniciou o ingresso dos orientais do Extremo. Primeiro, os japoneses, depois os chineses e os coreanos. Na década de 70, tivemos uma inversão migratória.Reduziram-se os ingressos de estrangeiros no Brasil, e predominou a emigração, com ênfase para o Sul em direção a Paraguai e Uruguai, e apareceram os brasiguaios. Nos anos 80, a recessão econômica conduziu os brasileiros para Estados Unidos e para Japão, e, nessa leva, surgiram os decasséguis, os filhos e netos dejaponeses que voltam temporariamente paraJapão, e que, no primeiro trimestre de 2013, eram 193 mil brasileiros 5. No Brasil, o Código Penal dedica os arts. 206 e 207 a cuidar de mobilidade, quando evidenciada a violação de direitos humanos. Assim, o art. 206 trata de aliciamento para emigração,quando esse recrutamento éfeito com fraude, destinada a levar o trabalhador para fora do Brasil. Hodiernamente, essaemigraçãoforçadaocorre com acentuada incidência envolvendo mulheres, que sãolevadasàprostituição, e crianças, retiradas do convívio familiar e irregularmente adotadas noexterior. Não há agravante para esse crime. 5 Cf. http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-03-27/em-cinco-anos-pelo-menos300-mil-brasileiros-que-viviam-no-exterior-retornaram-ao-brasil. Acesso em 28.10.2014. Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 MOBILIDADE HUMANA E FUTURO DO TRABALHO: EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO O art. 207 cuidada migração interna. Na letra do Código Penal, é crime aliciar trabalhador para levá-lo para local diferente daquele onde foi recrutado, incorrendo nessa pratica quem promove esse aliciamento com fraude ou cobrança de qualquer quantia do obreiro ou quando não lhe é assegurado retorno ao local de origem, típico caso do aviamento que ocorre na Amazônia brasileira. Agrava a pena quando o trabalhador vítima é menor de dezoito anos, idoso, indígena, portador de deficiência física ou mental ou se tratar de mulher gestante. 3.2. Migração internacional A imigração é a feita com a entrada em um país, com ânimo permanente outemporário, para trabalho ou residência, dealgumas pessoas ou de um grupo elevado. O oposto da imigração é a emigração,que ocorre quando a pessoa deixa seu local de origem para se estabelecer em outra região ou país. São osdois lados da migração: a saída (emigração) e a entrada (imigração). As razões das emigrações são, sobretudo, a situação politica na sua origem, as crises econômicas, as perseguições ideológicas e religiosas, os conflitos armados, os problemas ambientais. Esses fatos ocasionam grandes fluxos de mobilidade humana. Mas há razões individuais: o casamento com um estrangeiro, um local de repouso após a aposentadoria, a vontade de aventuras, dentre tantos outros. Sob o viés internacional, podemos encontrar váriasespécies de imigrantes. Onômade é o que se desloca entre diversos países sem fixar residência em qualquer deles, tipo os ciganos, que, no Brasil, são em torno de oitocentos mil. Osbanidos, expatriados ouexiladossão deslocados compulsoriamente de seus países de origem, e desenvolvem as atividades que lhes aprouver e lhes forem permitidas em outro. Os escravos são aqueles que migram também deforma compulsória, mas para desenvolver atividades em condiçõeshumilhantes e degradantes. Os asiladossão os que buscam outro país pormotivo de perseguição política. Os refugiados, às vezes confundidos com os asilados, mas que se deslocamtemporariamente em razãode guerras ou pormotivosambientais, e não apenas por questões politicas. Os deportados são os estrangeiros que se encontram em condições irregulares em outro país. Do século XVI até metade do século XX, nenhum país recebeu mais imigrantes que os Estados Unidos, valendo lembrar que, em 1997, estimava-se o ingresso de 2,5 milhões de imigrantes mexicanos, existindo atualmente número superior a cinco milhões. O movimento migratório igualmente é intenso na Europa. Cerca Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 193 194 GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO de quatro a oito milhões de imigrantes ilegais estão na União Europeia, buscando melhores salários e provocando problemas de desemprego entre os nacionais locais, em decorrência do incremento da concorrência nos países de destino: mais mão de obra, embora menos qualificada, a custo mais barato. A Europa, que, no passado, foi aberta a imigrantes, passa por processo de restrições de ingresso, sobretudo nos Países Baixos, França, Alemanha e Reino Unido, não se aplicando as leis restritivasque têm sido aprovadas aos nacionais comunitários a fim de não vulnerar as regras de livre circulação de pessoas adotadas na União Européia. É que oingresso elevado de estrangeiros na Europapoderá criar, a médio e alongo prazos, sérios problemas tanto no que respeita a saúde, higiene e segurança, como com relação ao crescimento elevado de trabalho informal, gerando dificuldadespara os sistemasassistencial e previdenciário (insuficiência no atendimento médico-hospitalar e crise nas aposentadoriasfuturas) e redução de recolhimento de tributos (inexistência de trabalhadores regulares). Está vigendo na Europa a chamada Diretiva do Retorno, aprovada pelo Parlamento de Estrasburgo a 18.6.2008, harmonizando as regras referentes à repatriação de imigrantes ilegais, considerada desumana pelo rigor com que trata os estrangeiros irregulares. A solução para os problemas dos trabalhadores estrangeiros migrantes pode estar na Convenção de Nova York sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, adotada pela Resolução 45/158, da AssembléiaGeral das Nações Unidas, em 18.12.1990. Lamentavelmente, porém, poucos Estados a ratificaram. No Brasil, somente pela Mensagem Presidencial n. 696, de 13.12.2010, foi encaminhada para apreciação do Congresso Nacionale nosso país ainda não se inclui nesse rol, deixando os migrantes que aqui ingressam ao sabor das autoridades do momento e da boa vontade da sociedade. 4. Trabalho e globalização: a situação dos estrangeiros Fixados esses parâmetros, quanto às diversas formas de mobilidade humana,resulta que esse deslocamento ocasionaconsequências no que se refere ao trabalho. Hoje bastante, e amanhã muito mais, não se poderá continuar a insistir na preservação do mercado de trabalho para os nacionais e no fechamento das fronteiras para os trabalhadores vindos de outros países. As questões são graves. Graças àglobalização e às novas tecnologias, cresceu o consumismo, passou-se a se produzir em série, exigimosmaisespecialidade dos Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 MOBILIDADE HUMANA E FUTURO DO TRABALHO: EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO profissionais, melhor acabamento dos produtos, mais agilidade no fornecimento, todos passamos a exigir omelhor e não um melhor. As facilidades de deslocamentosãomuitas. As rodovias e ferroviais (a Europa movimenta-se principalmente por ferrovias) melhoram de qualidade e de quantidade. Os vagões Maria Fumaça cederam lugar a trens-bala que,empoucosminutos, transportam milhares de pessoas deum local para o outro. As passagens aéreas estão, em todo o mundo, a um custo bastante acessível. Assim, existe mais facilidade de locomoção e, corolário, de mudar de ares. Ademais, independentemente das formas de deslocamento, é certo que o homem, por seu espírito naturalmente aventureiro, sai em busca de novas oportunidades. Ninguémolvide que a Internetfacilita informações sobre trabalho em outros países, e, graças a esse instrumento, o padrão médio de vida das pessoas aumentou razoavelmente. Hoje, existem mais de duzentos milhões de migrantes no mundo, como observado por SylvieMazzella6. Essa socióloga refere ao transnacionalismoque é o conjunto de processos que os migrantes constroem nos campos sociais ligando seu país de origem a seu país de acolhimento7. Inclua-se, neste aspecto, a inserção de costumes e tradições da terra distante que o migrante naturalmente conserva no novo destino. Nos Estados Unidos, 1/3dos empregos mais qualificados estão com migrantes8. Ademais, são preocupantes os aumentosverificados nas estatísticas de crimes nos países aonde chegam mais estrangeiros, geralmente tentando, sem conseguir, melhores condições de vida. Acresce um fenômeno facilmente constatável, decorrente, de um lado, dos grandes fluxos migratórios internos e externos e, de outro, de um desenvolvimento desorganizado e danoso ao meio ambiente. Vive-se, e desde o final do século XX, o fenômeno dapauperização urbana nas grandes cidades dos países industrializados, como anota François Mancebo, da Universidade de Reims 9(2013, p. 19), e que se confunde com a metropolização da pobreza, de que falou Viviani Forrester10. As estatísticas mais recentes são assustadoras. O trabalho forçado no mundo cresce aceleradamente: aproximadamente 21 milhões de pessoas são vítimas 6 MAZZELLA, Sylvie. Sociologiedesmigrations. Paris: PressesUniversitaires de France, 2014, p. 14. 7 MAZZELLA, S.. Idem, p. 22. KEELEY, Brian. Les migrations internationals: le visage humain de la mondialisation. Trad, Emmanuel Dalmanesche. Paris: OCDE, 2009, p. 14. 8 9 MANCEBO, François. Développement durable. 2ª ed., Paris: Armand Colin, 2013, p. 19. 10 FORRESTER, Viviani. Horror econômico. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 1997. Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 195 196 GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO desse tipo odioso de atividade, e, o pior, uma quarta parte, algo em torno de 5,5 milhões, são menores de dezoito anos 11. Alguns desses milhões são imigrantes. A questão se torna mais grave quando se constata, como Sylvie Mazzella, que não existe um regime internacional de migrações12(2014, p. 37), dai os dramas humanos enfrentados por migrantes que, chegam a outro lugar, desconhecendo a linguagem, os costumes, o modo de viver, sem acesso a educação e a saúde, sem transporte, segurançae moradia, com doenças e com fome. São assustadores os índices de fome no mundo: veja-se na África e não será preciso andar muito para ver em nossopaís mesmo. Nos semáforos de qualquer cidade brasileira é comum crianças pedirem comida. Há mais: as políticas assistencialistas não resolvem para o futuro, apenas minoram as carências do presente; a ameaça da desregulamentação dos direitos sociais preocupa o trabalhador desprotegido; as transnacionais buscam os países subdesenvolvidos e empregama mão-de-obra local, retribuindo-a indignamente (veja-se as denúncias da Organização Internacional do Trabalho de exploração do trabalho humano na Ásia); no Brasil, o FGTS serve para garantir a certeza da insegurança no emprego e não se presta para efetivamente garantir tempo, recursos ou o posto de trabalho. Na área trabalhista, a Europa vive com mais frequência o fenômeno da deslocalização internacional, mas nada impede que se cogite da deslocalização interna, como tenho sustentado desde 2013 13.Deslocalização significa a possibilidade de um trabalhador, queque era empregadode uma dada empresa que o dispensou regularmente, deslocalizar-sede uma região para outra, onde é novamente contratado pela mesma empresa para exercer atividade semelhante, porém com menos direitos que os que possuía anteriormente, operando-se, então, sua relocalização. Em circunstância que tal, o trabalhador não pode sofrer nenhuma espécie de prejuízos, donde as regrasque eram aplicadas no contrato anterior sobreviverão na nova relação jurídico-trabalhista estabelecida. É tema recente no Brasil e que precisa ser amiudadamente examinado. A tudo se acresça os novos tipos de trabalho. Há o e-commerce, e as compras passaram a ser, em grande parte, virtuais, movimentando, sobretudo à noite, muitos e muitos milhões de dólares.Compra-se e vende-se literalmente tudo e em qualquer parte do mundo pela Internet. Existem os call-centers e rara a pessoa que nunca foi chamada por alguém para receber a proposta de algum serviço, 11 Cf. Trabajo (número especial). Genebra: OIT, 2014. p. 14. 12 MAZZELLA, S.. Ob cit., p. 37. É o que defendemos em Deslocalização internacional e interna. Revista LTr. Legislação do Trabalho, São Paulo: v. 77, pp. 154ss, 2013; Jornal Trabalhista Consulex, Brasília: v. 30, pp. 4-8, 2013; Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, Belém: v. 91, p. 39-47, 2013, dentre outras. 13 Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 MOBILIDADE HUMANA E FUTURO DO TRABALHO: EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO por vezes indesejável. O tele-trabalho está ai para todos e são muitos milhões de tele-trabalhadores em todo mundo. A educação a distância (EAD), antes coisa inimaginável, é comum, em todos os graus de ensino, do fundamental à pós-graduação stricto sensu14. E muitas outras coisas virão e é certo que não existe aventureiro algum neste mundo que, em sã consciência, possa afirmar, com absoluta segurança, para onde caminha a humanidade. Conclusão Por fim, devo destacar três pontos fundamentais, intimamente ligados e indispensáveis à garantia dos direitos humanos do migrante. Primeiro, afastar definitivamente o espectro da xenofobia. As noçõesde fronteira não existem mais da forma absoluta do passado. Hoje, as facilidades de locomoção impedem o ódio ao estranho. Segundo, esquecer a discriminação que ainda é imposta ao estrangeiro. Trata-se de um ser humano, e que, por razões extremamente diversas, achegou-se até umgrupo diferente do seu, não havendo motivo razoável para tratá-lo de forma indigna, cruel, desumana ou degradante, afastando por corolário, qualquer espécie de racismo. Terceiro, e certamente de todos é o mais grave e preocupante problema. Valho-me da lição do geógrafo brasileiro Rafael Haesbaert da Costa, que, discorrendo sobre O mito da desterritorialização, analisa alarmantes questões do ‘fim dos territórios à multiterritorialidade, e conclui: Na verdade, seria mais correto afirmar que ogrande dilema deste novo século será o da desigualdade entre as múltiplas velocidades, ritmos e níveis de des-re-territorialização,especialmente aquela entre a minoria que tem pleno acesso e usufrui dos territórios-rede capitalistas globais que asseguram sua multiterritorialidade, e a massa ou os ‘aglomerados’ crescentes de pessoas que vivem na mais precáriaterritorialização ou, em outras palavras, mais incisivas, na mais violenta exclusão e/ou reclusão sócio espacial15(2011, p. 372). Esse exercício de convivênciaentre os homens, iniciado na pré-história e que continuará até o finaldostempos, impede que o ódio vença o amor, a agressão vença o carinho, a discriminação vença a igualdade, os homens destruam-se a si Acerca da aplicação das modernas tecnologias, especificamente sobre o podcast,v. FRANCO, Carolina M. dos S. de S.. As possibilidades do podcast como ferramenta midiática na educação. Dissertação de Mestrado. São Paulo:Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2008. 14 15 HAESBAERT DA COSTA, Rogério. O mito da desterritorialização: do ‘fim dos territórios’ à multiterritorialização. 6ª ed., Rio de Janeiro: Bertrand, 2011, p. 372. Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS - Edição Especial - p. 187 - 198 - jan./jun. 2015 197 198 GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO mesmo. Ainda é tempo de acreditar que apaz aproximará os seres humanos e a felicidade, pregada desde os filósofos gregos, trará a realização da humanidade. HaïbaOuaissi, Doutor pela Universidade Paris II, discorrendo sobre a renovação ou a revolução do futuro do trabalho, destacou que, em poucos anos, as relações e o ambiente de trabalho terão mudado de dimensão e vai-se trabalhar tanto dentro como fora da empresa com o desenvolvimento do mundo virtual, dentro e fora das fronteiras com a divisão global do trabalho, com e para além da formação adquirida por um primeiro emprego16(2014, p. 13). Esta é uma verdade que precisamos estar preparados para enfrentar, ainda que nossa visão de futuro não passe do dia de hoje e o amanhã represente apenas uma expectativa distante. Referências FORRESTER, Viviani. Horror econômico. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 1997. FRANCO, Carolina M. S. S.. As possibilidades do podcast como ferramenta midiática na educação. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2008. FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa.Globalização do trabalho: rua sem saída. 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