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UNICAMP UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Filosofia e Ciências Humanas GIOVANNA AYRES ARANTES DE PAIVA O SISTEMA DA ONU E AS CRIANÇAS-SOLDADO: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS NAS ABORDAGENS SOBRE CRIANÇAS E CONFLITO S ARMADOS CAMPINAS 2016 Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272 P166s Paiva, Giovanna Ayres Arantes de, 1992O sistema da ONU e as crianças-soldado : convergências e divergências nas abordagens sobre crianças e conflitos armados / Giovanna Ayres Arantes de Paiva. – Campinas, SP : [s.n.], 2016. Orientador: Shiguenoli Myiamoto. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 1. Crianças-soldado. 2. Segurança internacional. 3. Nações Unidas. I. Miyamoto, Shiguenoli,1948-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título. Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: The UN system and the child soldiers : convergences and divergences in approaches to children and armed conflict Palavras-chave em inglês: Child soldiers International security United Nations Área de concentração: Paz, Defesa e Segurança Internacional Titulação: Mestra em Relações Internacionais Banca examinadora: Shiguenoli Myiamoto [Orientador] Julia Bertino Moreira Lidia Domingues Peixoto Prado Data de defesa: 23-02-2016 Programa de Pós-Graduação: Relações Internacionais UNICAMP UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 23/02/2016, considerou a candidata Giovanna Ayres Arantes de Paiva aprovada. Prof. Dr. Shiguenoli Myiamoto Profa. Dra. Julia Bertino Moreira Profa. Dra. Lidia Domingues Peixoto Prado A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna. AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto, pela sábia orientação durante o mestrado, pela paciência e disposição de ensinar e pela dedicação como orientador. À Profa. Dra. Suzeley Kalil Mathias por estar sempre à disposição, desde os meus anos de graduação, e pelas valiosas contribuições e sugestões durante o exame de qualificação. À Profa. Dra. Julia Bertino Moreira pela disponibilidade em participar da banca de qualificação e de defesa e pelas contribuições pertinentes e fundamentais para este trabalho. À Profa. Dra. Lidia Domingues Peixoto Prado, por aceitar compor a banca de defesa e pelas sugestões e comentários pertinentes. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento desta pesquisa. Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas”, em especial Giovana Vieira, Isabela Silvestre e Graziela de Oliveira, pela atenção e ajuda em todos os momentos do mestrado. À Camila Magalhães, funcionária da Unicamp, pelo esclarecimento de dúvidas e auxílio com questões burocráticas. Aos membros do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) pelas críticas construtivas, debates acadêmicos e amizades. À minha família, sobretudo meus pais e minha irmã, pelo apoio constante, incentivo à carreira acadêmica, amor e compreensão fundamentais para a realização deste trabalho. Ao João, pelo amor, incentivo, e por ler, pacientemente, os meus trabalhos acadêmicos. RESUMO Sobretudo a partir da década de 1990, a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a publicar uma série de documentos oficiais – como relatórios e resoluções – e a adotar ações específicas e inéditas a fim de incluir o emprego de crianças-soldado na agenda de seus diferentes órgãos. Diante desse cenário, buscamos avaliar em que medida há uma convergência ou uma divergência entre os trabalhos desenvolvidos pela Assembleia Geral, UNICEF, Conselho de Segurança e Secretariado sobre as crianças-soldado. Argumentamos que a concepção de Segurança Humana, os estudos das “novas guerras”, a ideia de que existe uma responsabilidade de proteger a criança e o estabelecimento de uma legislação internacional sobre o próprio conceito de criança e seu papel na sociedade são alguns fatores que fazem com que haja um padrão de ação nas diferentes medidas adotadas sobre o tema no âmbito das Nações Unidas. A partir de uma análise documental dos órgãos da ONU, apontamos também os impactos, consequências, limites, dificuldades e contradições do sistema das Nações Unidas em relação às crianças empregadas em conflitos armados. PALAVRAS-CHAVE: Crianças-soldado; Segurança internacional; Nações Unidas. ABSTRACT Especially since the 1990s, the United Nations (UN) began to publish a series of official documents – such as reports and resolutions – and to take specific and unprecedented actions to include the use of child soldiers on the agenda of its bodies. Given this scenario, we sought to evaluate whether there is a convergence or a divergence between the work of General Assembly, UNICEF, Security Council and Secretariat on child soldiers. We argue that the concept of Human Security, the study of "new wars", the idea that there is a responsibility to protect the child and the establishment of an international law on the very concept of child and their role in society are some factors that influence a pattern of action in the United Nations. From a documental analysis of UN bodies, we also point out the impacts, consequences, limits, difficulties and contradictions of the system of the United Nations concerning the treatment of children used in armed conflict. KEYWORDS: Child soldiers; International security; United Nations. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Organograma da ONU.............................................................................................40 Figura 2 – A maioria dos países onde 1 em 5 crianças morrem antes dos 5 anos sofreram com grandes conflitos armados desde 1999 ......................................................................................50 Figura 3 –Os países menos desenvolvidos possuem a maior proporção de crianças..............52 Figura 4 – Crianças que vivem nos países mais pobres correm maior risco de perder o ensino primário e secundário................................................................................................................52 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Partes beligerantes que assinaram planos de ação para acabar com o emprego de crianças-soldado........................................................................................................................64 Tabela 2 – Trabalhos desenvolvidos pela Assembleia Geral, UNICEF, Conselho de Segurança eSecretariado.............................................................................................................................68 Tabela 3 –Funções, medidas e documentos da Assembleia Geral, UNICEF, Conselho de Segurança e Secretariado sobre a proteção de crianças em conflitos armados...........................69 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACNUDH Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados CDC Convenção sobre os Direitos da Criança CS Conselho de Segurança CSPA Child Soldiers Prevenction Act DDR Desarmamento, Desmobilização e Reintegração DPKO Departamento de Operações de Paz MINURCA Missão das Nações Unidas na República Centroafricana MRM Monitoring and Reporting Mechanism OIT Organização Internacional do Trabalho OMP Operações de Manutenção da Paz OMS Organização Mundial da Saúde ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas ONUMOZ Operação das Nações Unidas em Moçambique PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento RENAMO Resistência Nacional Moçambicana TPI Tribunal Penal Internacional UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância UNMIBH United Nations Mission in Bosnia Herzegovina UNOMSIL United Nations Mission in Sierre Leone UNOSOM I United Nation Operation in Somalia I UNPROFOR UNTAES United Nations Peace Force United Nations Transitional Administration for Eastern Slavonia, Baranja and West Sirmiun SUMÁRIO Introdução................................................................................................................................13 Capítulo 1: A emergência dos estudos sobre as crianças-soldado.......................................17 1.1. O papel das crianças-soldado nos conflitos armados..........................................................17 1.2.A legislação internacional sobre a proteção das crianças....................................................27 1.3. A inclusão das crianças-soldado no campo de Segurança Internacional.............................31 Capítulo 2: As abordagens dos órgãos da ONU frente ao emprego de crianças-soldado...36 2.1. O funcionamento dos órgãos da ONU.................................................................................39 2.2.Assembleia Geral.................................................................................................................43 2.3.UNICEF...............................................................................................................................46 2.4.Conselho de Segurança........................................................................................................55 2.5.Secretariado.........................................................................................................................59 Capítulo 3: O estabelecimento de uma abordagem global sobre as crianças-soldado.......67 3.1. Convergências e divergências entre os órgãos da ONU.....................................................67 3.2.Impactos e consequências da inclusão de crianças-soldado na agenda da ONU.................72 3.3.Dificuldades e contradições nas medidas de proteção das crianças-soldado.......................80 Conclusões................................................................................................................................87 Referências bibliográficas.......................................................................................................91 13 Introdução O emprego de crianças em conflitos armados não é algo recente tampouco inédito. Nos séculos passados, houve relatos de crianças empregadas em conflitos como na Guerra Civil Americana, “Guerra do Paraguai”, Primeira Guerra Mundial e Segunda Guerra Mundial. Entretanto, somente no final do século XX a utilização de crianças como soldados passou a ganhar destaque nas discussões sobre conflitos armados e Segurança Internacional. Isso se deve ao fato de que, nesse contexto, a proliferação de conflitos – sobretudo os intraestatais – suscitou um maior debate sobre a pluralidade de atores estatais e não-estatais que desempenhavam funções relevantes durante as hostilidades. À luz dos estudos das “novas guerras” e de parte da bibliografia específica sobre crianças e conflitos armados, as crianças passam a ser reinterpretadas como atores fundamentais para a dinâmica dos conflitos armados, dado que são passíveis de serem recrutadas e treinadas com armas leves e pequenas e cumprem diversas funções junto às partes beligerantes. Nessa conjuntura, o termo crianças-soldado ganha destaque como forma de designar crianças que atuam ativamente em conflitos armados juntamente com forças armadas nacionais ou grupos não-estatais. Esse termo também desperta a atenção da sociedade internacional para a contradição existente entre o papel da criança e o papel do soldado. A criança foi construída socialmente como um ser que merece proteção especial, o que pode ser observado nos diversos documentos internacionais de proteção da criança como a Declaração dos Direitos da Criança (1959), os Protocolos Adicionais I e II da Convenção de Genebra (1979) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). Essa legislação reforça que, sobretudo em conflitos armados, as crianças devem se ver livres de quaisquer ameaças que prejudiquem suas vidas. Nesse sentido, o emprego das crianças-soldado é visto como uma ameaça à vida e ao bem-estar da criança, pois desrespeita seus direitos básicos como o acesso à saúde e educação, expondo-as a uma situação de extrema violência. A Organização das Nações Unidas (ONU), principal organização internacional responsável pela paz e segurança, liderou esforços para proteger as crianças do recrutamento ao incluir esse tema na agenda de seus principais órgãos e estabelecer uma legislação internacional que destaca o emprego de crianças-soldado como um crime de guerra. Dado que o sistema da ONU é complexo e formado por diversos órgãos com funções distintas, a pergunta que guia este trabalho é: em que medida há uma convergência ou uma divergência na atuação desses órgãos da ONU no que concerne ao emprego de crianças-soldado? 14 Argumentamos que há uma convergência, isto é, um padrão de ação nas medidas da ONU, pois elas são guiadas por aspectos em comum. Tais aspectos são: 1) as supostas causas do emprego de crianças-soldado; 2) o foco na Segurança Humana; e 3) uma concepção universal do papel da própria criança na sociedade. Dessa forma, o recrutamento de crianças é entendido como algo típico dos anos de 1990 e século XXI, facilitado pela proliferação de armas leves e subdesenvolvimento econômico em “Estados Fracos”; a Segurança Humana reforça que há uma responsabilidade de proteger o bem-estar e a vida da criança; e a existência de uma concepção internacional da criança e um consenso internacional de como protegê-la legitima as intervenções e as ações da ONU sobre crianças em conflitos armados. Com base nesses aspectos, a Organização passou a incluir o emprego de criançassoldado na sua agenda, elevando o tema à esfera da Segurança Internacional. Não somente o Conselho de Segurança, mas vários órgãos que compõem as Nações Unidas mobilizaram-se para incluir a questão em seu espectro de ações. Diante da pluralidade de órgãos no sistema da ONU e da impossibilidade de analisar todos eles, selecionamos alguns para serem estudados: a Assembleia Geral, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Conselho de Segurança (CS) e o Secretariado. Esses órgãos foram escolhidos, pois desempenham funções essenciais no tratamento do tema de crianças em conflitos armados e têm autonomia para tomar decisões que geram implicações relevantes para todo o sistema das Nações Unidas. A UNICEF é um caso especial que não pode ficar de fora dessa análise, porque, desde sua criação, possui um trabalho voltado especificamente para a criança e produz estudos essenciais para nossa análise. Os documentos oficiais produzidos por esses órgãos – como relatórios, resoluções, estudos – fornecem as informações necessárias para analisar suas respectivas abordagens, medidas e ações adotadas, e constituem uma fonte primária da opinião dos órgãos, por isso essa análise documental é relevante neste estudo. Em um primeiro momento, buscamos analisar a forma pela qual os órgãos das Nações Unidas selecionados articulam suas ações no que concerne ao emprego de crianças em conflitos armados. Posteriormente, procuramos avaliar quais os impactos que essas ações do sistema da ONU provocam para a proteção e libertação de crianças-soldado e para a punição daqueles que as empregam. Além disso, pretendemos apontar as dificuldades e contradições que o sistema da ONU ainda enfrenta ao tratar da questão. Esse segundo momento é igualmente relevante em nosso estudo, pois a análise documental não abarca toda a realidade. É necessário verificarmos em que medida os documentos, a legislação internacional e as ações 15 enunciadas pela ONU geram, de fato, um impacto nas crianças-soldado e nas partes em conflito que as utilizam. Portanto, a análise dos impactos, consequências e contradições nos ajudam a avaliar, de forma mais precisa e concreta, os resultados do trabalho de todo o sistema das Nações Unidas. Desenvolver reflexões sobre o modo como a ONU aborda o tema das criançassoldado permite enxergar a complexidade dessa Organização, o funcionamento de seus órgãos e o que guia suas ações, mas também possibilita ver além da abordagem das Nações Unidas, reconhecendo suas limitações, dificuldades e contradições, enfatizando perspectivas alternativas que explicam o recrutamento de crianças-soldado, contudo não são tão exploradas nos estudos sobre o tema. Dessa forma, buscamos contribuir para o desenvolvimento dos estudos sobre as crianças-soldado e para o entendimento da articulação do sistema das Nações Unidas no tratamento do emprego de crianças-soldado. O Capítulo 1 analisa como o emprego de crianças em conflitos deixou de ser algo considerado aceitável e passou a ser mais um tema abrangido pelos estudos de Segurança Internacional e pelo sistema da ONU. Nos séculos XX e XXI, a utilização de crianças-soldado ganhou destaque internacional e os estudos das “novas guerras” buscaram analisar as causas e consequências do recrutamento de crianças, sobretudo, nos conflitos intraestatais. Nessa época, também se desenvolveu uma bibliografia específica sobre as crianças-soldado que objetiva problematizar o papel das crianças nos conflitos. Porém, observamos que a participação de crianças como soldados não é algo recente, dado que em muitas guerras tradicionais tal fato era considerado até mesmo um ato de heroísmo. Diante disso, estudamos como o estabelecimento de uma legislação internacional sobre a proteção das crianças contribuiu para uma concepção de criança incompatível com o papel de soldado. Dessa forma, o emprego de crianças-soldado passou ser combatido como algo que ameaça diretamente os direitos e a vida da criança, sendo inserido nos estudos de conflitos armados e Segurança Humana e incluído na agenda da ONU. Este capítulo é significativo para nosso trabalho, pois mostra que o trabalho que é desenvolvido pelas Nações Unidas no final do século XX é fruto de uma série de reinterpretações e novas formas de enxergar tanto a Segurança quanto a criança. Essa confluência de fatores apresenta um novo cenário no qual a ONU vê um terreno fértil para tomar medidas específicas e inéditas contra o recrutamento de crianças-soldado. O Capítulo 2 tem como objetivo analisar as abordagens que diferentes órgãos das Nações Unidas conferem ao recrutamento de crianças-soldado. Para isso, analisamos o trabalho da Assembleia Geral, da UNICEF, do Conselho de Segurança e do Secretariado. 16 Esses órgãos possuem relevância no sistema da ONU por tomarem decisões sobre as medidas, mecanismos, planos de ação e recomendações que são feitos sobre as crianças-soldado. A UNICEF, em especial, foi selecionada para este trabalho por produzir estudos que servem como base para os demais órgãos da ONU implementarem medidas de proteção da criança e erradicação do uso de crianças-soldado. Nosso propósito é traçar um panorama geral e amplo das ações, medidas e documentos publicados no âmbito desses órgãos selecionados. O Capítulo 3 analisa, primeiramente, em que medida os órgãos da ONU estudados no Capítulo 2 convergem ou divergem em suas ações e abordagens. Posteriormente, exploramos quais são as consequências de se tratar o emprego de crianças-soldado como um tema global na agenda de Segurança da ONU, ou seja, de que forma as ações da ONU impactaram a proteção da criança em conflitos armados e a utilização de crianças como soldados. Ainda buscamos identificar e problematizar quais as contradições no próprio sistema da ONU e na abordagem que a Organização confere ao tema. Por fim, as Conclusões trazem reflexões sobre o trabalho desenvolvido e buscam contribuir para o debate acerca do trabalho das Nações Unidas de proteção da criança, sobretudo, no que concerne ao emprego de crianças-soldado. 17 Capítulo 1: A emergência dos estudos sobre as crianças-soldado O objetivo deste capítulo é analisar a forma pela qual as crianças participaram como atores nos conflitos armados e foram incluídas nos estudos de Segurança Internacional, sobretudo na década de 1990 e anos 2000, época em que o tema das crianças-soldado ganhou maior repercussão no cenário internacional. A fim de tornar nossa análise mais clara, dividimos este capítulo em três partes. Primeiramente, o subitem 1.1 (O papel das crianças-soldado nos conflitos armados) mostra como os novos estudos sobre os conflitos armados da década de 1990 conferem destaque ao papel da criança durante as hostilidades, tratando-a como um ator que é essencial para a lógica do conflito, pois seu emprego é barato e conveniente para as partes beligerantes. É relevante mostrar que a participação ativa de crianças em conflitos armados – apesar de só ter ganhado maior relevância recentemente – não é algo inédito tampouco novo. Pelo contrário, as crianças participaram de conflitos desde séculos passados, atuando em guerras tradicionais caracterizadas, principalmente, por embates interestatais. Contudo, os estudos clássicos sobre esses conflitos não destacavam o papel desempenhado pela criança, em parte pelo fato de que o próprio conceito de criança não era bem estabelecido nessa época. O subitem1.2 (A legislação internacional sobre a proteção das crianças) explora o estabelecimento de um conceito universal e abrangente de criança, através de documentos internacionais. Dessa forma, esse subitem busca explicar o modo pelo qual o emprego de crianças em conflitos armados deixou de ser algo aceitável, como era nos séculos anteriores, e passou a ser algo incompatível com o bem-estar da criança. Por fim, o subitem 1.3 (A inclusão da crianças-soldado no campo de Segurança Internacional) aborda o alargamento do conceito de Segurança, que passa a abranger a Segurança Humana – possibilitando os estudos focados no indivíduo como objeto referente da Segurança e explicitando como questões de Direitos Humanos, incluindo o emprego de crianças-soldado, passaram a ser incluídas na agenda de Segurança Internacional da ONU. 1.1 O papel das crianças-soldado nos conflitos armados Os estudos que abordam a realidade do cenário internacional no pós-Guerra Fria percebem as crianças como atores fundamentais para o funcionamento dos conflitos. A 18 criança que participa das hostilidades passa a ser chamada de criança-soldado que, de acordo com a definição da UNICEF, é: [...] qualquer pessoa menor de 18 anos que é ou foi recrutada ou usada por uma força armada ou grupo armado em qualquer função, incluindo crianças, meninos e meninas, usados como combatentes, cozinheiros, carregadores, espiões ou com propósitos sexuais (UNICEF, 2007a, tradução nossa)1. A definição da UNICEF é ampla e destaca que a criança-soldado não é só aquela que porta a arma na linha de batalha, mas compreende todas as crianças que desempenham algum tipo de função junto às partes beligerantes. Dessa forma, quando nos referimos às crianças-soldado, adotaremos essa definição que abarca as diversas funções que crianças – meninos e meninas – podem desempenhar em um conflito armado. Os autores que abordam as chamadas “novas guerras”2 trazem contribuições importantes a respeito do modo pelo qual as crianças são utilizadas nesses contextos. Autores como Mary Kaldor (2001), Herfried Münkler (2005), Mark Duffield (2001), Martin Van Creveld (1991) e Irène Herrmann e Daniel Palmieri (2003), dialogam a respeito das características desses conflitos nos quais a utilização de crianças pelas partes beligerantes tornou-se lucrativa e conveniente. Especialmente Kaldor, Münkler e Duffield desenvolvem um raciocínio acerca da complexidade dos atores envolvidos nas “novas guerras” e de questões econômicas e sociais que ajudam a entender como as crianças são utilizadas nesses conflitos. Mary Kaldor (2001) desenvolve o conceito de “novas guerras” para designar mudanças na forma de se fazer a guerra, argumentando que, nas décadas de 1980 e 1990, desenvolveu-se um novo tipo de violência organizada que transformou a natureza da guerra e suas características. De acordo com a autora, as “novas guerras” diferenciam-se dos conflitos tradicionais por aspectos típicos da década de 1990 como a revolução nas tecnologias de 1 2 No original: “[...] any person below 18 years of age who is, or who has been, recruited or used by an armed force or armed group in any capacity, including but not limited to children, boys and girls, used as fighters, cooks, porters, spies or for sexual purposes”. Estudiosos das “novas guerras” por vezes tentam estabelecer uma total ruptura dos conflitos contemporâneos com os conflitos tradicionais, no modelo clausewitziano, em que os Estados constituíam os principais atores do cenário internacional e o conflito era estabelecido dentro de fronteiras bem definidas. Por um lado, ainda reconhecemos a importância dos Estados como atores membros de organizações internacionais, responsáveis pelos processos de paz e por interesses políticos e econômicos por trás das guerras. Por outro, reconhecemos que não é possível ignorar as transformações pelas quais o cenário internacional passou desde o fim da Guerra Fria e que os Estados não são os únicos atores nas guerras, visto que grupos não-estatais também detêm formas de violência e alimentam diversos conflitos. A discussão baseada em diferentes autores e perspectivas é necessária, pois uma visão simplista da guerra é perigosa, já que esta envolve uma pluralidade de atores que estão conectados, formando uma rede de relações profundas e assimétricas. 19 informação e comunicação – que se refletem através da maior presença de agentes internacionais nos conflitos, como ONGs, jornalistas estrangeiros e soldados mercenários –; a maior violência sofrida pela população civil; uma distinção pouco clara entre combatentes e não-combatentes, âmbito estatal e não-estatal e tempos de guerra e tempos de paz (KALDOR, 2001). O argumento defendido pelos autores que estudam as “novas guerras” é que a maior disponibilidade de armas leves no pós-Guerra Fria e o desenvolvimento de novas táticas de guerra viabilizaram o emprego de crianças nos conflitos armados. Eles argumentam que as armas utilizadas nesses conflitos são baratas, leves e fáceis de serem manejadas de modo que até as crianças podem utilizá-las sem muito treinamento e, devido às novas táticas de guerra que tornam os civis os principais alvos da violência, as crianças seriam constrangidas a unirse às partes beligerantes como única forma de sobrevivência. Münkler (2005) explora o aspecto econômico ao argumentar que as “novas guerras” são baratas na sua preparação e condução, pois o predomínio das armas leves, a utilização de combatentes quase sem nenhuma formação e o financiamento mediante o roubo e o comércio de mercadorias ilegais tornam a privatização do conflito algo economicamente atrativo. As milícias e unidades dos senhores da guerra, por exemplo, podem ser mais baratas que tropas regulares, pois no lugar de exércitos utilizam até mesmo crianças. Desse modo, as guerras tornam-se rentáveis, visto que o conflito se alimenta dele próprio e perpetua-se no tempo. O autor defende que as “novas guerras” são, portanto, resultado de uma racionalidade econômica utilitária vinculada a empresários, políticos e à população armada (MÜNKLER, 2005). Duffield (2001) corrobora essa mesma linha argumentativa ao enfatizar que as “novas guerras” são “guerras em rede” (network wars), ou seja, são sustentadas por redes econômicas formadas por atores estatais e não-estatais. O autor ressalta a complexidade do mercado internacional e do comércio transfronteiriço e a ideia de que há diversos atores agindo racionalmente para criar uma rede de relações econômicas – como redes transnacionais de comércio ilegal de armas e redes de exploração de matérias-primas de alto valor comercial – que sustente a guerra e a torna lucrativa. Kaldor (2001) ainda ressalta que, ao contrário das guerras tradicionais em que as táticas eram calculadas militarmente, no contexto das “novas guerras”, as táticas consistem em espalhar o medo na população civil através de práticas que desrespeitam o Direito Internacional como assassinato sistemático, limpeza étnica, destruição de cidades, de 20 monumentos históricos e religiosos e abuso sexual de civis. Essas ações intimidam e fragilizam a população civil, fazendo com que as “novas guerras” sejam, na verdade, uma mistura de guerra, crime e violação de Direitos Humanos. Diante desse cenário, a criança, desemparada pela falta de uma estrutura estatal que garanta proteção, é alvo fácil da violência e se vê obrigada a juntar-se às partes beligerantes. Parte da bibliografia acerca das crianças-soldado corrobora essa perspectiva (BENNET, 2000; COX, 2003; GURANATNA, 1998; SINGER, 2002). Singer (2002), por exemplo, converge com essa abordagem ao ressaltar que as sociedades em que as crianças estão inseridas as obrigam a tomar parte nos conflitos, deixando-as sem escolha e sem oportunidade de mudarem o meio em que vivem. O autor argumenta que muitas crianças são conduzidas ao conflito por pressões externas, geralmente de natureza econômica. Tais condições estruturais obrigariam as crianças a participar de organizações armadas: A razão para a nova presença de crianças no campo de batalha é a combinação de duas forças: mudanças nas tecnologias das armas (particularmente a proliferação de armas leves, simples, baratas e pequenas, como a AK-47) e a quebra da ordem global, especialmente com a propagação de senhores da guerra e Estados falidos. Essa dinâmica tornou possível uma nova modalidade de guerra, na qual líderes imorais conseguem converter crianças vulneráveis em tropas de baixo custo, que lutam e morrem por suas causas (SINGER, 2002, tradução nossa).3 Por um lado, não podemos negar que, na década de 1990 e anos 2000, realmente houve diversos conflitos que atingiram a população civil e causaram graves violações aos Direitos Humanos, haja vista o genocídio em Ruanda (1994) e na Bósnia-Herzegovina (19921995). De fato, as crianças estão entre os civis que sofreram as consequências desses conflitos e muitas foram constrangidas por esse ambiente de violência disseminada e fácil acesso às armas a tomar parte no conflito (MÜNKLER, 2005). Também ressaltamos que muitas tropas – sejam de forças armadas nacionais ou de grupos não-estatais – recrutam e transformam crianças em verdadeiros soldados, que passam por um treinamento militar e até mesmo uma doutrinação para se tornarem fiéis à parte beligerante a qual estão associadas. Por outro lado, não ignoramos que há outros aspectos não explorados pelos autores das “novas guerras” e por parte da bibliografia específica sobre crianças-soldado que ajudam a entender a recorrente participação de crianças nos conflitos típicos dos anos 1990 e 3 No original: “The reason for the new presence of children on the battlefield is the combination of two forces: changes in weapons technology (particularly the proliferation of light, simple, and cheap small arms, such as the AK-47), and the breakdown of global order, especially with the spread of warlordism and failed states. This dynamic has made possible a new mode of war, where immoral leaders seek to convert vulnerable, disconnected children into low-cost and expendable troops, who fight and die for their own causes”. 21 2000. Fatores como a taxa de mortalidade, a taxa de natalidade, a faixa etária média da população, a expectativa de vida e até mesmo fatores culturais – como a concepção do que é a criança – podem influenciar no maior ou menor emprego de crianças-soldado nos conflitos (HONWANA, 2005; TABAK, 2014; WESSEELS, 2006). Em Serra Leoa, por exemplo, os dados de 2013 da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que a expectativa de vida ao nascer era de 46 anos; a probabilidade de morrer entre os 15 e 60 anos era de 444 por 1000 para homens, e 423 por 1000 para mulheres; a idade média da população era de 19 anos; 42% da população era menor de 15 anos e apenas 4% da população era maior de 60 anos (WHO, 2015). Esses dados mostram que há países em que a grande quantidade de população jovem e a baixa expectativa de vida faz com que os menores de 18 anos sejam os principais integrantes dos grupos armados ou forças armadas. Ou seja, nem sempre a utilização de crianças dá-se por fatores ligados às tecnologias de guerra ou devido à passividade da criança que é forçada a participar do conflito. Wessels (2006) chama a atenção para a necessidade de contextualizar o emprego de crianças-soldado, evitando recair na dicotomia vítima/perpetrador que, muitas vezes, está presente nas análises sobre esse tema: ora a criança é vista somente como a vítima de uma situação de pobreza extrema e de conflitos armados que a obriga a tomar parte no conflito, ora é vista como um perpetrador da violência que age sem escrúpulos. Vale lembrar que o recrutamento de crianças-soldado pode ocorrer de forma forçada – por exemplo, quando as partes beligerantes sequestram crianças ou as obrigam a participar das hostilidades – ou de forma voluntária – quando a própria criança busca as partes beligerantes, pois enxerga no conflito uma forma de vingança, de sobrevivência ou mesmo por afinidade ideológica com uma das partes em conflito. Peter Singer (2002) defende a passividade da criança diante do recrutamento, ressaltando que as sociedades em que as crianças estão inseridas as obrigam a tomar parte nos conflitos, deixando-as sem escolha e sem oportunidade de mudarem o meio em que vivem. O autor argumenta que muitas crianças são conduzidas ao conflito por pressões além de seu controle, geralmente de natureza econômica. Tais condições estruturais obrigariam as crianças a participar de organizações armadas. O Relatório Machel – um dos principais estudos acerca das crianças e conflitos armados, que será visto detalhadamente mais adiante – destaca que as escolhas da criança não são verdadeiramente escolhas livres, pois a ação de juntar-se a uma das partes beligerante não é voluntária, mas sim influenciada por uma junção de fatores como pressões culturais, econômicas ou políticas (MACHEL, 1996). 22 No entanto, existe o argumento de que a criança não seria necessariamente constrangida a se juntar aos conflitos armados, visto que ela teria certo grau de discernimento para perceber os benefícios que tomar parte no conflito pode gerar. Honwana (2005) traz uma importante contribuição no sentido de enfatizar o conceito de tactical agency ou agency of the weak, originalmente utilizado por Michel de Certau. Tal conceito refere-se à situação da criança-soldado na qual sua possibilidade de escolha encontra-se severamente limitada e ela acaba agindo em uma posição de fraqueza, mas sem perder a possibilidade de tomar iniciativa a fim de achar estratégias para lidar com a situação e buscar oportunidades de melhoria ou, ao menos, de sobrevivência. Para os meninos envolvidos em conflitos armados, isso pode significar enganar os seus superiores, mentir, esconder a verdade, realizar roubos não autorizados. Para as meninas envolvidas no conflito – e muitas vezes negligenciadas nos estudos sobre o tema – isso significa desenvolver mais as relações com os soldados que detêm o poder militar, a fim de melhorar a sua própria segurança e, consequentemente, obter acesso a mais conforto material. Entretanto, Honwana não considera que isso seja motivo para responsabilizar legalmente as crianças por seus atos durante os conflitos armados. O argumento da autora é útil, então, para enfatizar que há um discernimento e um poder de ação da criança mesmo durante o conflito armado. Participar ativamente de um conflito na função de criança-soldado é um incentivo à violência e uma forma da própria criança, juntamente aos grupos ou forças armadas, estabelecer recompensas imediatas através da violência. As crianças-soldado, uma vez recrutadas, podem ser levadas a participar do crime e dos benefícios do crime, percebendo como ele traz vantagens como uma espécie de licença para roubar, explorar o trabalho, explorar civis e espalhar o medo (KEEN, 2000). Desse modo, a compreensão dos motivos que levam as crianças-soldado a participarem dos conflitos implica em enxergar a criança em seus respectivos contextos e sociedades. É necessário compreender que, de fato, existem casos de crianças sequestradas e forçadas a se tornarem soldados, entretanto também existem motivos para que as próprias crianças enxerguem no conflito uma maneira de viver. Por fim, ainda fazemos a ressalva de que nem todos os fatores apontados como “novos” nas “novas guerras” são de fato inéditos. A utilização de crianças pelas partes beligerantes esteve presente na história dos conflitos armados em várias ocasiões, porém, muitas vezes, foi ignorada pelas narrativas de guerra. As chamadas “novas táticas de guerra” tampouco mostram-se como algo intrinsicamente ligado aos anos de 1990, visto que o amplo uso da violência que acaba afetando a população civil pode ser verificado em outros conflitos 23 ao longo da história. Münkler (2005) traça um paralelo entre as “novas guerras” e a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), alegando que ambas possuem certas características em comum como violência dirigida à população civil; guerras que não podem ser resolvidas militarmente de maneira rápida; guiadas pelo princípio do bellum se ipse alet (a guerra se alimenta de si mesma); participação de empresários da guerra; e o fato de que essas guerras findam não com um tratado de paz, mas com um processo de paz. Münkler estabelece mais uma continuidade que uma ruptura das “novas guerras” em relação às guerras de séculos passados 4. O autor inicia sua análise afirmando que: Tendo em vista a falta de transparência, a complexidade das razões do conflito e dos motivos da violência, prefiro recorrer ao conceito, impreciso mas aberto, de novas guerras, conceito que tenho perfeitamente claro que não é na verdade tão novo, mas que, em mais de um sentido, é o retorno a algo muito antigo. (MÜNKLER, 2005, p. 32, tradução nossa)5. Logo, o termo “novas guerras” funciona mais para chamar a atenção para fatores que ganham destaque nos conflitos dos anos de 1990 que para designar fatores que são realmente novos – no sentido de inéditos – nos conflitos armados. Tanto nos conflitos clássicos dos séculos XVIII, XIX e parte do XX, quanto nos conflitos mais recentes da década de 1990 e anos 2000, as crianças participaram ativamente como atores durante as hostilidades. Entretanto, a literatura sobre os conflitos armados nem sempre fez referência ao papel desempenhado pelas crianças junto às partes beligerantes. Os estudos clássicos sobre os conflitos armados concentram-se mais na relevância dos Estados e dos exércitos regulares como principais atores. O contexto dos séculos XVIII, XIX e XX reflete a consolidação de um modelo de Estado que se consagrou como forma máxima de autoridade política pela Paz de Vestefália, em 1648. A centralização territorial do Estado e a detenção do monopólio da violência levou à criação de um exército profissional Apesar de estudado por acadêmicos, o conceito de “novas guerras” não é unanimidade entre eles. Érico Esteves Duarte (2011) e Bart Schuurman (2010) são alguns dos que criticam a ideia de “novas guerras”. Schuurman critica não tanto os teóricos desses novos conflitos, pois admite que eles forneceram “contribuições importantes para o estudo do conflito armado contemporâneo” (SCHUURMAN, 2010, p. 54), mas critica o fato de alguns dos estudiosos do tema descartarem as ideias de Clausewitz e considerarem os conflitos recentes algo totalmente inédito. Como Schuurman (2010) e Duarte (2011) apontam, o conceito de “novas guerras” parece estabelecer uma ruptura com as guerras tradicionais e com o modelo de Estados territoriais, e inaugurar um tipo de guerra inédita ou com características essencialmente novas. Irène Herrmann e Daniel Palmieri (2003) ressaltam que tais conflitos seriam recentes, resultados da época que os engendra, mas não inovadores. 5 No original: “En vista de la falta de transparencia, de lo intrincado de las razones del conflito y de los motivos de la violencia, prefiero recurrir al concepto, impreciso pero aberto, de nuevas guerras, concepto que tengo perfectamente claro que no es en realidade tan nuevo, sino que, en más de um sentido, es el retorno de algo muy antiguo”. 4 24 subordinado à autoridade estatal e destinado a proteger o território contra ameaças externas. Assim, a concepção westfaliana de pluralidade de centros autônomos manteve-se majoritariamente ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, refletindo na guerra armada a principal forma de garantir a integridade das unidades soberanas (TILLY, 1996). Tradicionalmente, a literatura acerca dos conflitos nesses séculos é predominada por visões de militares que abordam as estratégias e táticas de guerra, enfatizando os fatores militares e políticos durante o conflito armado. A análise minuciosa da estratégia, da liderança do exército, das características do general, da definição de táticas, da preocupação com tecnologias de guerra e da relação entre o político e o militar são assuntos recorrentes nos estudos das guerras interestatais (BEAUFRE, 1998; CLAUSEWITZ, 1979; FULLER, 2002; LIDDELL HART, 1982). Nessa perspectiva, o cenário internacional é caracterizado por estar constantemente à sombra da guerra, de forma que a preocupação principal de um Estado – interpretado como um ator racional – é sua própria segurança, ou seja, sua sobrevivência como um Estado soberano que depende de suas capacidades militares para garantir sua integridade (ARON, 2002). Dado que o Estado é visto como um ator racional que busca atingir seus objetivos políticos e utiliza a guerra como um meio para alcançar seus interesses, a principal forma de guerrear dá-se pelo embate entre dois exércitos regulares, sob a liderança de seus comandantes. Sabemos que entre aqueles que iam para as linhas de batalhas encontravam-se muitas crianças, ou seja, menores de 18 anos que atuavam ativamente como militares. Entretanto, as narrativas sobre essas crianças que iam para a batalha são ofuscadas por uma concepção de guerra e de Segurança que ressalta mais a lógica estatal e as estratégias do exército, por isso não há muito espaço para a reflexão sobre a criança como um ator nesse contexto. É importante lembrarmos também que, nessa época, ainda não existia uma concepção bem definida da criança como uma categoria humana que tem direito à proteção especial. Esse ideal de proteção da criança só aparece no século XX e ganha cada vez mais força com o estabelecimento de documentos internacionais e com o alargamento dos estudos sobre Segurança Internacional que passam a abranger não só o Estado como objeto referente da Segurança, mas também o próprio ser humano, conforme será visto mais adiante. Logo, é compreensível que os estudos clássicos da guerra não problematizem a participação da criança 25 no conflito armado, dado que tal fato era visto como algo natural e a criança era enxergada como mais um componente de um exército6. Mesmo tendo consciência desses fatos, não ignoramos a participação das crianças nos conflitos de séculos passados. O estudo de exemplos de crianças atuando em conflitos tradicionais é útil para ilustrar as diversas funções sociais que as crianças desempenhavam. Na Guerra Civil Americana (1861–1865)7, por exemplo, já havia relatos de participação de crianças. No decorrer do conflito, alguns meninos mentiam sobre sua idade, alguns eram recrutados nas escolas e outros eram trazidos ao recrutamento pelos próprios pais. Nessa época, a sociedade interpretava a participação das crianças na guerra como um gesto de nobreza e sacrifício em nome de um objetivo maior. Segundo Susan Hull (apud ROSEN, 1995, p.6), depoimentos de 1905 retratam que as crianças se portavam com “paciência e alegria” na guerra e aquelas que morriam em decorrência dos conflitos eram lembradas como "meninos- soldados cristãos”, que morreram tendo “feito as pazes com Deus”. Portanto, a experiência com a batalha não era enxergada como um fator destruidor da vida das crianças, mas como algo que as enobrecia e, aquelas que sobreviviam, eram consideradas cidadãs de respeito. No decorrer da “Guerra do Paraguai” (ou guerra da Tríplice Aliança), também há casos de crianças usadas na linha de batalha. De acordo com Ana Barreto, inicialmente, o paraguaio Solano López havia decretado o recrutamento da população masculina que deveria servir ao exército nacional. O primeiro decreto recrutava homens entre 18 e 60 anos, porém, devido à faixa etária da população, essa idade declinou para 16, 14 e até 10 anos. “As famílias não reagiam porque o governo, por meio da imprensa, convence a população de que deveria entregar seus filhos. Além disso, quem se queixava da guerra era preso” (MILAN, 2011). Dentre os 4.500 paraguaios, cerca de 3.500 eram crianças de 6 a 15 anos, chamados de niños combatientes, que foram essenciais na luta do exército paraguaio. O dia da batalha de Acosta Ñu, 16 de agosto de 1869, é celebrado no Paraguai como o Dia das Crianças em homenagem às crianças que morreram na guerra (CHIAVENATO, 1979). 6 7 Durante o século XIX e começo do século XX não havia uma legislação abrangente sobre a proteção da criança e até mesmo uma definição do que era considerada uma criança e qual era o seu papel na sociedade. Por isso, práticas como o trabalho infantil e a participação da criança em conflitos armados – que atualmente são condenáveis – não eram vistas como inaceitáveis. Mesmo não tendo informações sobre os números de criançassoldado em conflitos armados desses séculos – até mesmo pela falta de definição do que era uma criançasoldado nessa época – os casos que serão relatados neste capítulo demonstram como a participação de menores de 18 anos nas hostilidades, de fato, ocorria. Apesar de a Guerra Civil Americana não ser um ideal de guerra clássica, visto que não é uma guerra entre Estados, seu exemplo é útil para ilustrar como as crianças desempenharam um papel relevante nas hostilidades no século XIX e como os conflitos armados nem sempre seguem à risca os estudos dos conflitos tradicionais. 26 Embora essa ideia do envolvimento da criança no conflito armado do século XIX possa parecer muito distante da concepção que se tem da infância atualmente, no começo do século XX ainda havia casos de crianças envolvidas diretamente nos conflitos armados. Durante a Primeira Guerra Mundial, as crianças continuaram a ser alistadas. Segundo David Rosen (2005), o mais jovem australiano a morrer na Primeira Guerra Mundial, o soldado James Martin, alistou-se aos 14 anos e morreu meses mais tarde perto de Gallipoli. Albert Cohen é conhecido por ser o soldado mais jovem a participar a Primeira Guerra, ao alistar-se aos 13 anos e morrer aos 15. Depoimentos da época demonstram que muitos jovens eram movidos por um sentimento de patriotismo, encarando a guerra mais como uma aventura: Entre as pessoas em todo o mundo que saudaram a declaração de guerra em 1914 com entusiasmo, muitos eram meninos menores de idade, alguns com apenas 12 anos de idade, de praticamente todos os países aliados envolvidos. Todos sabiam que a 'guerra estaria terminada no Natal’, e esta seria uma oportunidade para uma grande aventura (ANZAQ, [2015], tradução nossa)8. Mesmo após a guerra, o exército britânico criou em 1939, ano da Segunda Guerra Mundial, o Army Technical Foundation College a fim de preparar os meninos para assumir as funções de um soldado, algo que significava fazer parte de um grupo bem treinado e altamente qualificado, para o qual a sociedade britânica dispensava honra e respeito. Portanto, junto com o espírito nacionalista existia certo status ao se juntar àqueles que faziam a guerra (ROSEN, 2005). Os laços entre a infância e o conflito também se fizeram presentes na Segunda Guerra Mundial. Um exemplo é a Juventude Hitlerista que preparava os jovens para as forças militares. Há relatos de que as crianças que integravam o grupo chegaram a participar ativamente na batalha quando as Forças Aliadas invadiram a Alemanha. As crianças podiam ingressar no Povo Jovem aos 10 anos e na Juventude Hitlerista aos 14. Elas eram atraídas pelo ideal de “morte pela pátria” e por discursos nacionalistas, dessa forma, os confrontos da guerra eram motivo de “orgulho e alegria”. Encarando a guerra como algo natural, os que a abandonassem poderiam ser considerados desertores (KNOPP, 2005). 8 No original: “Amongst the people across the world who greeted the declaration of War in 1914 with enthusiasm were many underage boys, some as Young as 12 years old from just about all the allied countries involved. Everyone knew that the ‘War would be over by Christmas’ and here was an opportunity for great adventure”. 27 Não só do lado alemão, mas também do lado judeu houve casos de participação de crianças. Especialmente as histórias de crianças judias durante o Holocausto revelam que participar diretamente no confronto podia ser uma forma de as crianças sobreviverem ao buscarem proteção em grupos armados. Sob tais condições, o pensamento convencional de que crianças que participam dos conflitos armados são vítimas de seus recrutadores não é sempre verdade. Nesse contexto, participar ativamente do conflito pode ser visto como uma forma de sobrevivência. Durante o Holocausto, por exemplo, a sobrevivência de muitas crianças judias dependia de conseguir se juntar à resistência armada contra os alemães e seus aliados (ROSEN, 2005). Isso demonstra como as crianças e os jovens desempenharam um papel importante na resistência partidária contra os alemães. Eles formaram o núcleo das unidades guerrilheiras urbanas e tornaram-se componentes importantes de muitos grupos armados. A resistência armada foi uma das poucas zonas de relativa segurança para as crianças, oferecendo esperança de sobrevivência face à certeza da morte. Todos esses relatos demonstram que, muito antes do século XX, a participação de crianças em guerras já ocorria. Porém, somente no pós-Guerra Fria esse assunto ganhou mais destaque no cenário internacional, em parte devido ao estabelecimento de uma concepção de criança que a tornou incompatível com o papel de soldado e em parte pelo alargamento dos estudos de Segurança que tornou viável incluir o tema na agenda de Segurança Internacional da ONU. 1.2 A legislação internacional sobre a proteção das crianças Temos consciência de que o conceito de criança foi moldado ao longo de anos e o que se entende por esse termo atualmente pode ter um significado muito distinto daquele de décadas e até mesmo séculos passados. Nos dias de hoje, a criança é considerada uma categoria humana que deve desfrutar de cuidados e proteção especiais, principalmente durante conflitos armados, evitando-se, assim, seu emprego como criança-soldado. Porém, essa concepção é recente e foi estabelecida, sobretudo no século XX. Se durante a Guerra Civil Americana, a “Guerra do Paraguai” e até mesmo no decorrer da Primeira Guerra Mundial não havia uma legislação de proteção da criança, a situação começava a dar sinais de mudança antes mesmo da Segunda Guerra Mundial. A Declaração de Genebra de 1924 anunciava a necessidade de garantir uma proteção especial às crianças, no entanto consistia mais em um documento que expressava a 28 intenção – e não a obrigação – de protegê-las (LEAGUE OF NATIONS, 1924). Somente com o término da Segunda Guerra Mundial e a posterior criação da ONU, em 1945, e da UNICEF, em 1946, a proteção da criança foi reforçada. Em 1948, as Nações Unidas haviam garantido na Declaração Universal dos Direitos Humanos os direitos e liberdades dos seres humanos sem nenhuma distinção (ONU, 1948), e na Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, complementou essa ideia, reafirmando alguns meios básicos para garantir o desenvolvimento da criança, tais como alimentação, saúde, proteção e assistência, além de conclamar a sociedade internacional a reconhecer e ajudar a garantir tais direitos. Segundo a Declaração: [...] a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma proteção e cuidados especiais, nomeadamente de proteção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento. (ONU, 1959, Preâmbulo, grifo nosso). Esse documento ressalta, sobretudo, a passividade da criança devido à sua incompletude física e intelectual e, justamente por isso, sua necessidade de maior proteção. Tal proteção especial foi reafirmada através de dois instrumentos: o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966. O primeiro garantia que “[...] qualquer criança [...] tem direito às medidas de proteção que exija a sua condição de menor” (ONU,1966a, art.24) e o segundo assegurava que “Os Estados devem também estabelecer limites de idade, sob os quais fique proibido e punido por lei o emprego assalariado da mão-de-obra infantil.” (ONU, 1966b, art. 10). A Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1973, também reforçou essa ideia, visando instituir um instrumento geral sobre a matéria a fim de abolir totalmente o trabalho infantil (OIT, 1973). A Declaração sobre Proteção de Mulheres e Crianças em Situação de Emergência ou de Conflitos Armados, de 1974 (ONU, 1974), e os Protocolos Adicionais I e II da Convenção de Genebra, assinados em 1977, proibiam a participação de menores de 15 anos nas hostilidades e dedicavam especial atenção à proteção das crianças no artigo 77 do protocolo adicional I (ONU, 1977a; 1977b), principalmente em épocas de guerra. Convergindo com a Convenção de Genebra, em 1989, a ONU adotou a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) que, em seu artigo 38, estabelece que os Estados devem se comprometer a não incorporar crianças com menos de 15 anos nas forças armadas (UNICEF,1989). Ademais, o documento determina no mesmo artigo que os Estados “[...] devem tomar todas as medidas possíveis na prática para assegurar proteção e assistência às crianças afetadas por um conflito armado” e “No caso de incorporação de pessoas de idade superior a 15 anos e inferior a 18 anos, os Estados Partes devem incorporar prioritariamente 29 os mais velhos” (UNICEF, 1989, art.38). A Convenção destaca-se, sobretudo, por sinalizar maior possibilidade de autonomia e participação da criança ao determinar que: Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança. (UNICEF, 1989, art. 3, grifo nosso). Além disso, cita que: 1 – Os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular seus próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a ela, e tais opiniões devem ser consideradas, em função da idade e da maturidade da criança. 2 – Com tal propósito, proporcionar-se-á à criança, em particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais de legislação nacional. (UNICEF, 1989, art. 12). Essa abordagem garante maior poder de participação da criança na sociedade, estabelecendo que ela deve participar na determinação de quais são seus interesses, contrastando com a concepção da criança somente como vítima e passiva que consta na Declaração dos Direitos da Criança. O documento ainda estipula que “criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo” (UNICEF, 1989, art.1). Essa definição estabelece um padrão de 18 anos, mas dá margem para lembrar que cada país tem sua própria legislação e direito de definir o que se entende por criança. Os anos de 1990 e 2000 também trouxeram mudanças significativas para a proteção da infância devido a publicação de documentos que conferiram maior atenção às crianças. O Estatuto de Roma, de 1998, estabeleceu como crime de guerra “Recrutar ou alistar crianças com idade inferior a quinze anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-las para participar ativamente nas hostilidades” (ICC, 1998, p. 8, tradução nossa)9, ou seja, o emprego de crianças-soldado passou a ser, oficialmente, um crime de guerra. Outro documento importante é a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, de 1999, sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a Ação Imediata para sua Eliminação, que reconhece o recrutamento de crianças em conflitos armados como uma das piores formas de trabalho infantil (OIT, 1999). O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados, que 9 No original: “Conscripting or enlisting children under the age of fifteen years into the national armed forces or using them to participate actively in hostilities”. 30 passou a ter validade em 2002, também merece destaque, pois recomenda aos Estados que menores de 18 anos não sejam recrutados à força, tampouco participem das hostilidades (ONU, 2000). Os Princípios de Paris (UNICEF, 2007a) e os Compromissos de Paris (UNICEF, 2007b) reforçam o Protocolo e endossam a prevenção do recrutamento de crianças em conflitos armados e o combate à impunidade daqueles que não respeitam os direitos das crianças. Nota-se que o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados diverge da Convenção sobre os Direitos da Criança, visto que propõe que a idade de recrutamento seja elevada para 18 anos em todos os países. Observamos que, no século XX, começava a se desenvolver uma legislação de maior proteção da criança em situações de conflitos armados, contrastando com a visão de séculos atrás. Porém, as medidas de proteção das crianças, ressaltadas nos documentos citados, não conseguem aplicar padrões universais do que é a criança e abranger com efetividade todas as situações pelas quais ela passa, principalmente, em conflitos armados. O próprio conceito de criança é problemático no sentido em que categoriza por critério de idade processos que, muitas vezes, são culturais, psicológicos e sociais. Portanto, a imagem da criança reforçada nesses documentos tornou-se cada vez mais incompatível com sua participação em conflitos armados. Rosen (2005) resume essa contradição entre o papel da criança e o papel do soldado ao afirmar que: As imagens estão gravadas em nossas mentes: um jovem rapaz, vestido com uma camiseta, shorts, chinelos de dedo, segurando uma AK-47, um boné puxado para baixo sobre os olhos; uma criança com dinamites amarradas ao peito; uma criança de 12 anos de idade camuflada. As imagens nos perturbam porque misturam dois pressupostos fundamentais e inquestionáveis da sociedade moderna: a guerra é ruim e deve ser encerrada; as crianças são inocentes e devem ser protegidas. Então, a nossa lógica emocional nos diz que algo que está claramente e profundamente errado quando as crianças são soldados. Em todo o mundo, as organizações humanitárias estão usando o poder dessas imagens para fazer avançar o argumento de que as crianças não devem portar armas e que os adultos que as recrutam devem ser responsabilizados e processados por crimes de guerra (ROSEN, 2005, p.1, tradução nossa)10. 10 No original: “The images are burned into our minds: a young boy, dressed in a tee shirt, shorts, flip -flops, holding an AK-47, a cap pulled down over too-old eyes; a child with sticks of dynamite strapped to his chest; a tough-talking twelveyear old in camouflage. The images disturb us because they confound two fundamental and unquestioned assumptions of modern society: war is evil and should be ended; children are innocent and should be protected. So, our emotional logic tells us, something is clearly and profoundly wrong when children are soldiers. Throughout the world, humanitarian organizations are using the power of these images to drive forward the argument that children should not bear arms and that the adults who recruit them should be held accountable and should be prosecuted for war crimes”. 31 Assim, fez-se necessário separar o mundo da criança do mundo da guerra. Para isso, a proteção da criança foi elevada a um patamar superior, sendo até mesmo incluída na agenda de Segurança Internacional, acompanhando os estudos de alargamento da Segurança. 1.3 A inclusão da criança no campo da Segurança Internacional Apesar de a criança fazer-se presente nos conflitos armados ao longo da história, somente nos séculos XX e XXI a criança-soldado ganhou destaque nos estudos sobre conflitos armados e Segurança Internacional. Argumentamos que isso se deve ao fato de que essa época foi marcada pelo desenvolvimento dos estudos sobre Segurança Humana que possibilitou tratar o emprego de crianças-soldado – e outros temas relacionados aos Direitos Humanos – na esfera da Segurança Internacional. A mudança na interpretação do que é a Segurança é um fator que explica como o emprego de crianças-soldado pode ser percebido na agenda de Segurança Internacional. Buzan (1991) argumenta que a agenda de Segurança sofreu mudanças no pós-Guerra Fria devido às reconfigurações da estrutura de poder. A predominância de uma comunidade de Segurança entre os poderes capitalistas do centro, em que o uso da força não é esperado entre seus membros, fez com que outras questões ganhassem mais relevância na área de Segurança. A desintegração da União Soviética e a inexistência de uma ameaça clara aos países Ocidentais proporcionou que outros fatores até então obscurecidos ou ignorados pelo contexto da Guerra Fria fossem reinterpretados nesse contexto e designados como ameaças. Desse modo, temas como terrorismo, narcotráfico, crime organizado, extrema pobreza e imigração passaram a ser considerados “novas ameaças” que não são estritamente estatais, mas são ameaças que perpassam o âmbito não-estatal, envolvendo diversos atores (MC SWEENEY,1999). Principalmente após o fim da Guerra Fria, a existência de "Estados fracos" e Estados que violam os Direitos Humanos levou a uma a percepção de outros problemas de Segurança – como os conflitos intraestatais que geram consequências para a população civil – que extrapolam a lógica da guerra estatal (KOLODZIEJ, 1995). Diante dessa nova interpretação das ameaças, questiona-se até que ponto a concepção tradicional de Segurança – que tem como objeto referente o Estado e dispõe de meios militares como principal forma de combater as ameaças – é apropriada para responder a desafios que ganham destaque na ordem do pós-Guerra Fria. Como resposta à incorporação 32 de novas fontes de ameaça, a ideia de ampliar e aprofundar os estudos de Segurança ganha força, visto que novos níveis de análise são necessários para se entender como fatores além do militar podem ser vistos como ameaças. De acordo com Paris (2001) ampliar o escopo da Segurança significa considerar ameaças não-militares como escassez e degradação ambiental, disseminação de doenças, superpopulação, movimentos de refugiados em massa, nacionalismo, terrorismo e catástrofes nucleares. Já o movimento de aprofundar a concepção de Segurança envolve considerar a Segurança de indivíduos e grupos, ao invés de focar estritamente em ameaças externas a Estados. Dessa forma, houve um movimento a fim de ampliar a agenda de Segurança para além do aspecto político-militar, que passou a abranger cinco setores interligados entre si: 1) militar – que é um setor de Segurança mais tradicional, ligado à percepção que os Estados têm das intenções dos outros Estados e suas capacidades ofensivas e defensivas; 2) político – relaciona-se à estabilidade organizacional dos Estados, sistemas de governo e ideologias que conferem legitimidade aos governos; 3) econômico – relaciona-se ao acesso à recursos, finanças e mercados necessários para alcançar níveis aceitáveis de bem-estar e poder estatal; 4) societal – habilidade das sociedades de reproduzir padrões tradicionais de linguagem, cultura, religião, identidade nacional e costumes; 5) ambiental – manutenção da biosfera local e planetária da qual dependem todos os empreendimentos humanos (BUZAN, 1991, p. 433). Recorrendo a uma perspectiva construtivista e questionando o conceito de Segurança, Krause (1996) ressalta esse entendimento mais amplo da Segurança no sentido em que: Segurança não é mais uma condição ‘objetiva’, mas uma ‘construção social com diferentes significados em diferentes sociedades’; uma ameaça à segurança é muitas vezes ‘uma questão de percepção’ e ‘percepções de risco mudam’ (1996, p. 245, tradução nossa)11. Desse modo, Krause aponta que a Segurança está relacionada a uma questão de percepção de novas fontes de ameaça e consequente incorporação de novos níveis de análise. Seguindo essa tendência de enxergar a Segurança além da perspectiva estatal, emerge o conceito de Segurança Humana que tem como objeto referente não o Estado, mas o indivíduo, baseada na ideia de que o que ameaça a vida dos cidadãos em diferentes partes do mundo são as ameaças cotidianas. Logo, a Segurança seria garantida através do desenvolvimento 11 No original: “Security is no longer an 'objective' condition but 'a social construct with different meanings in different societies'; a 'security threat is often a matter of perception' and 'perceptions of risk change'" 33 social, econômico e humano e da garantia dos Direitos Humanos. Assim, o conceito de Segurança Humana pode ser definido como a ausência de ameaça aos valores humanos fundamentais, incluindo a segurança física do indivíduo, a proteção das liberdades básicas, necessidades e interesses econômicos, Direitos Humanos, enfim, são pré-condições para um desenvolvimento humano sustentável (DUFFIELD, 2005). A maior preocupação com questões relativas aos Direitos Humanos nesse contexto está intimamente ligada com a emergência dos estudos de Segurança Humana. No campo das Relações Internacionais, a concepção de Direitos Humanos ganhou maior destaque depois da Segunda Guerra Mundial. Os crimes cometidos contra a humanidade e o posterior julgamento pelo Tribunal de Nuremberg reforçaram a importância de se estabelecer padrões universais de direitos fundamentais que deveriam ser respeitados para evitar novas violações em escala mundial. Seguindo esse ideal, em 1948, a ONU publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, que designa o genocídio como um crime contra o Direito Internacional (ONU, 1948). Mais recentemente, o entendimento dos Direitos Humanos passou a abranger questões como o direito das pessoas idosas, direito à verdade, direito a um ambiente limpo, direito à água e saneamento, e direito à alimentação, ou seja, temas variados que possuem relação com o bem-estar dos seres humanos. Com essa expansão da área abrangida pelos Direitos Humanos, as Nações Unidas ainda criaram o cargo de Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, em 1993, e o Conselho de Direitos Humanos, em 2006 – sucessor da Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ONU, [2015a]). Levando em conta todos esses fatores e a maior ênfase aos Direitos Humanos, o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de 1994, traçou as bases formais da Segurança Humana. Esta é garantida quando o indivíduo se torna livre do medo (freedom from fear) – que envolve a segurança física no sentido de se ver livre de guerras e conflitos – e das necessidades (freedom from want) – uma abordagem mais ampla que envolve se ver livre de uma série de fatores que impedem que os seres humanos tenham todas suas necessidades básicas atendidas (KERR, 2003). A Segurança Humana abrange sete categorias interdependentes: segurança econômica, segurança alimentar, segurança em matéria de saúde, segurança ambiental, segurança pessoal, segurança da comunidade e segurança política. O PNUD ainda considera como ameaças do século XXI questões como crescimento descontrolado da população, disparidades de oportunidades econômicas, 34 migração internacional excessiva, deterioração do meio ambiente, produção e tráfico de entorpecentes e terrorismo internacional (PNUD, 1994). Países como África do Sul (como observador), Áustria, Canadá, Chile, Costa Rica, Eslovênia, Grécia, Irlanda, Jordânia, Mali, Noruega, Países Baixos, Suíça e Tailândia fazem parte da Rede de Segurança Humana (Human Security Network), que foi fundada em 1998, e constitui um grupo multilateral de Estados que se foca na promoção de estratégias políticas para a Segurança Humana e alertam para a importância desse conceito em situações de conflito e pós-conflito em que os civis estão mais vulneráveis e em que o Estado não tem condições de garantir os direitos básicos tampouco a segurança dos indivíduos (HUMAN SECURITY NETWORK, [2015]). Nesse sentido, a Segurança Humana é entendida como algo essencial durante e após um conflito armado, como forma de assegurar que as necessidades materiais básicas e a dignidade humana sejam garantidas. Há uma estreita relação entre a Segurança Humana e as questões de desenvolvimento e subdesenvolvimento socioeconômico. De acordo com a definição do PNUD, o desenvolvimento humano: [...]procura olhar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capacidades [...] o foco é transferido do crescimento econômico, ou da renda, para o ser humano. O conceito de desenvolvimento humano também parte do pressuposto de que, para aferir o avanço na qualidade de vida de uma população, é preciso ir além do viés puramente econômico e considerar outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana (PNUD, 2012). A ideia de desenvolvimento humano, assim como a de Segurança Humana, reivindica uma abordagem centrada nas necessidades do indivíduo, não só necessidades econômicas, mas todas aquelas que possam garantir o bem-estar do ser humano. De acordo com Oliveira (2011): “[...] a segurança humana seria capacidade de desfrutar dos benefícios do desenvolvimento humano num ambiente seguro e, o desenvolvimento humano seria um dos meios de se criar a segurança humana”. Portanto, um dos fatores fundamentais para se atingir a Segurança Humana seria o combate ao subdesenvolvimento e a garantia das condições de desenvolvimento humano. A emergência dos estudos de Segurança Humana também desperta debates sobre as consequências de se incluir variados temas na agenda de Segurança. As definições de Segurança Humana tendem a ser excessivamente amplas, dificultando focar o que é essencial para garantir a proteção do indivíduo. Devido a tal amplitude, vários temas passam a ser abarcados pela Segurança Humana, desde a segurança física ao bem-estar psicológico. Vale 35 lembrar ainda que Buzan (1991) aponta que categorizar algo como uma questão de Segurança pode justificar ações de emergência e medidas excepcionais, incluindo o uso da força. Dessa forma, percebemos que as concepções mais amplas da Segurança também teriam aspectos problemáticos, pois poderiam ser fontes para justificar o uso da força e a supressão das liberdades, assim como intervenções em assuntos internos de outros Estados. Apesar de autores como Baldwin e McSweeney argumentarem que podem existir repostas não militares a problemas de Segurança, é necessário considerar que o conceito de Segurança foi, de forma recorrente, associado ao uso da força e, portanto, o alargamento da Segurança poderia ter consequências negativas e justificar medidas autoritárias. Por isso, McSweeney (1999) aponta que seria necessária uma redefinição das formas de respostas apropriadas às novas ameaças em que nem sempre o uso da força seria a mais adequada. Ademais, é questionável a delimitação de quais ameaças afetam a vida dos seres humanos e quais devem ser combatidas com mais urgência. A escolha pode ser arbitrária ou servir a interesses políticos com justificativas humanitárias, legitimando ingerências em outros países (ALKIRE, 2003; PARIS, 2001). Logo, o conceito de Segurança Humana é relevante para ampliar o estudo da Segurança e enxergar que existem outras fontes de ameaças não tradicionais que afetam a vida dos indivíduos no cotidiano. Entretanto, o mesmo conceito também pode ser visto como excessivamente vago e manipulável, podendo abarcar diferentes ameaças de acordo com vontades políticas e com uma visão particular do que seria uma vida segura (DIAS; MOTA; RANITO, 2011). Os desdobramentos e consequências de se adotar uma abordagem baseada na Segurança Humana – ou seja, definir novas ameaças e colocar o objeto referente da Segurança no indivíduo, não mais no Estado – podem ser percebidos no trabalho desempenhado pela ONU sobre as crianças-soldado que é guiado por essa concepção de Segurança e será abordado a seguir. 36 2. A atuação dos órgãos da ONU no combate ao emprego de crianças-soldado Acompanhando a emergência dos estudos sobre Segurança Humana, a ONU também incorporou novos temas à sua agenda de Segurança Internacional, sobretudo temas relacionados à proteção do indivíduo. A proliferação de conflitos armados, majoritariamente intraestatais que atingem diretamente os civis, desperta a atenção da sociedade internacional para a questão de como garantir a proteção da população civil que sofre com esses conflitos. A resposta para essa questão é dada na forma de intervenções legitimadas pela “responsabilidade de proteger”12 a população. Essa responsabilidade de proteger carrega em si os princípios da Segurança Humana, ou seja, de proteger o indivíduo contra um Estado que não garante os direitos básicos (SLAUGHTER, 2011). Isso pode ser notado principalmente a partir da década de 1990, q u a n d o s e assiste a uma onda de intervenções em diversos países da África e da ex-União Soviética legitimadas pela proteção da população civil que vinha sofrendo constantes violações. Alguns exemplos são a United Nations Peace Force (UNPROFOR), em 1992; United Nations Mission in Bosnia Herzegovina (UNMIBH), em 1995; United Nations Transitional Administration for Eastern Slavonia, Baranja and West Sirmium (UNTAES), em 1996; Operação das Nações Unidas em Moçambique (ONUMOZ), em 1992; United Nation Operation in Somalia I (UNOSOM I), em 1993; Missão das Nações Unidas na República Centroafricana (MINURCA), em 1998 e United Nations Mission in Sierre Leone (UNOMSIL), em 1999 (UN, [2015a]). De acordo com Puig (2009, p.79), “entre 1987 e 1994, o CSNU quadruplicou o número de resoluções aprovadas em suas sessões, triplicou a autorização de novas operações de paz e aumentou de um para sete o número anual de sanções econômicas”. 12 A “responsabilidade de proteger” (responsability to protect ou R2P) possui três ideias centrais: 1) o Estado possui a responsabilidade de proteger as populações contra genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e limpeza étnica; 2) a comunidade internacional tem a responsabilidade de encorajar e apoiar Estados a cumprir suas responsabilidades; 3) a comunidade internacional tem a responsabilidade de usar meios diplomáticos, humanitários e outros para proteger as populações desses crimes. Se um Estado falha em proteger suas populações, a comunidade internacional deve estar preparada para tomar ações coletivas para proteger a população, de acordo com a Carta das Nações Unidas (UN, [2015]). O termo ganhou destaque, sobretudo na década de 1990, com a guerra do Kosovo e o genocídio de Ruanda, como forma de responder às violações aos Direitos Humanos. A Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania, nomeada pela ONU, passou a enfocar a “responsabilidade de proteger” e não mais o “direito de intervenção” como forma de ressaltar a ligação entre as necessidades humanas e os Direitos Humanos e a intervenção humanitária (RESPONSABILITY TO PROTECT, [2015]). 37 O Conselho de Segurança ainda autorizou Operações de Manutenção da Paz (OMP) maiores e mais complexas que incluem também civis, polícia e militares e respondem a variados objetivos como manter a segurança, monitorar os Direitos Humanos, construir instituições de governança, coordenar eleições no país, reformar o setor de segurança e desarmar, desmobilizar e reintegrar ex-combatentes (BELLAMY et al., 2004). Assim, as OMP passaram a abarcar também a construção e garantia de uma paz duradoura no pósconflito e ganharam ainda mais legitimidade de estender seus mandatos e interferirem nas sociedades dos países em que se fazem presentes. Conforme Puig ressalta: No interior das Nações Unidas, as respostas às questões humanitárias que se evidenciavam nas “novas guerras” necessitavam de respaldo jurídico dentro dos princípios da Carta de São Francisco. Foi a partir dessa necessidade que o CSNU enquadrou o comportamento de países que desrespeitavam o direito humanitário no interior de suas fronteiras como ‘ameaças à paz e segurança internacionais’, o que justificaria a invocação do Capítulo VII para impor sanções e até mesmo autorizar o emprego da força militar para lidar com essas situações (PUIG, 2009, p.85). A inclusão do emprego de crianças-soldado como mais um tema tratado pela Conselho de Segurança é fruto dessa tendência de ampliação da agenda do CS, que passa a abarcar violações aos Direitos Humanos como ameaças. Desse modo, o recrutamento de crianças-soldado é entendido como mais um tema recorrente na agenda da década de 1990 que viola os direitos da criança e que, portanto, merece atenção especial, sendo incluído na esfera da Segurança. De fato, o emprego de crianças-soldado entrou para a agenda de Segurança Internacional e, consequentemente, ganhou maior repercussão, quando o Conselho de Segurança passou a publicar resoluções específicas intituladas “Crianças e Conflitos Armados”. Anteriormente a 1999 – ano em que a primeira resolução desse tipo foi publicada – o CS só abordava o tema da proteção da criança de forma marginal, quando tratava de conflitos específicos que atingiam a população civil13. Mesmo assim, isso não significa dizer que os esforços por parte do sistema da ONU para tratar das crianças-soldado tiveram início somente em 1999. Sobretudo a partir do início da década de 1990, houve um processo de inclusão da proteção da criança-soldado na agenda dos órgãos da ONU. 13 Em algumas resoluções do CS anteriores a 1999, a questão da proteção dos civis nos conflitos aparecia sem muitos detalhes como nas seguintes resoluções sobre Angola: 811 (1993), 851 (1993), 864 (1993), 1008 (1995) e 1075 (1996); sobre Bósnia-Herzegovina: 941 (1994) e 1016 (1995); sobre Somália: 746 (1992) e 751 (1992); e sobre Ruanda: 812 (1993), 912 (1994), 925 (1994), 929 (1994), 935 (1994), 955 (1994), 965 (1994) e 978 (1995). Porém, nenhuma dessas resoluções abordava a questão específica da proteção das crianças durante os conflitos. 38 Ao longo dos anos de 1990, UNICEF, Assembleia Geral, Conselho de Segurança e Secretariado tomaram iniciativas e desenvolveram mecanismos para monitorar o emprego de crianças como soldados em vários países como Afeganistão, Chade, Colômbia, Costa do Marfim, Iraque, Líbia, Mianmar, Nigéria, República Democrática do Congo, entre outros (OFFICE..., [2015a]). Assim, o tema passou a ser considerado um problema de Segurança Internacional e tratado de forma global. Durante a década de 1990, as forças do governo em Angola, El Salvador, Etiópia, Guatemala, Mianmar, Moçambique, Sri Lanka e Sudão, entre outros, utilizaram crianças recrutadas. Na década de 1980, o exército etíope sequestrou meninos de 15 anos das aldeias e dos bairros mais pobres das cidades. As forças da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), por exemplo, praticaram sistematicamente o recrutamento forçado. A Renamo possuía pelo menos 10 mil crianças-soldado, algumas com até mesmo 6 anos de idade. Uma vez recrutadas, as crianças passavam por diferentes graus de doutrinação. Enquanto no início de 1980 os grupos rebeldes em El Salvador ofereceram instrução primária, geralmente o treinamento oferecido é menos benevolente. Crianças indígenas no Peru, que foram forçadas a se juntar a grupos de guerrilheiros, foram submetidas a longos períodos de doutrinação política forçada. O mesmo aconteceu em Serra Leoa, em 1995, quando a Frente Revolucionária Unida invadiu aldeias para capturar crianças e forçá-las a assistir ou participar da tortura e execução de seus próprios parentes (UNICEF, 1996). Diante dessa conjuntura, os órgãos da ONU começaram a destacar que medidas mais efetivas deveriam ser tomadas como forma de proteger as crianças nos conflitos armados e que o emprego de crianças-soldado deveria ser erradicado. Dado que o bem-estar da criança é ameaçado quando ela é recrutada para atuar no conflito armado, o trabalho da ONU passou a focar-se no combate àqueles que empregam crianças. Dessa forma, a Segurança é entendida nos termos da Segurança Humana, ou seja, como a defesa do bem-estar da criança, e o inimigo a ser combatido não é a criança-soldado, já que ela é vista apenas como a parte passiva que é obrigada a juntar-se às partes beligerantes, mas sim aquele que emprega a criança-soldado, ou seja, os grupos não-estatais e forças armadas nacionais. O objetivo deste capítulo é analisar a forma pela qual os diversos órgãos das Nações Unidas abordam o emprego de crianças-soldado pelas partes beligerantes. A partir dessa análise poderemos avaliar em que medida os trabalhos desses órgãos são convergentes ou divergentes e se há um padrão na forma pela qual o sistema das Nações Unidas lida com a proteção da criança em conflitos armados. 39 Muitos estudos sobre a atuação da ONU frente ao emprego de crianças-soldado analisam com especial atenção as medidas tomadas pelo Conselho de Segurança (TABAK, 2014; WATCHLIST; COALITION..., 2008; WATCHLIST, 2013). Apesar da relevância do CS no sistema das Nações Unidas, destacamos que também é necessária a análise de outros órgãos da ONU que lidam com o tema para estabelecer um estudo mais amplo. Desse modo, dividimos o capítulo em cinco subitens: o 2.1 apresenta a organização e função dos órgãos da ONU e delimita aqueles que estarão em nossa análise – a Assembleia Geral, a UNICEF, o Conselho de Segurança e o Secretariado. A partir disso, cada subitem apresentará os documentos e ações de cada um desses componentes da ONU no que se refere à abordagem ao tratamento da criança-soldado. O subitem 2.2 analisa as funções e abordagens da Assembleia Geral; o 2.3 apresenta o estudo feito sobre a UNICEF; o 2.4 é destinado à análise sobre o Conselho de Segurança e o 2.5 encerra o capítulo com o estudo do Secretariado das Nações Unidas. 2.1 O funcionamento dos órgãos da ONU O sistema das Nações Unidas é composto de diversos órgãos que desempenham funções distintas. Porém, esses órgãos atuam de forma complementar e em diálogo uns com os outros, formando um conjunto dinâmico como pode ser visto na tabela abaixo: Figura 1 – Organograma da ONU 40 41 Fonte: ONU, [2015b]. Podemos observar que os principais órgãos da ONU são auxiliados por seus respectivos órgãos subsidiários, programas e fundos, comissões, agências especializadas, institutos, departamentos e escritórios que desenvolvem trabalhos complementares sobre temas diversos. Apesar de termos selecionado órgãos como Assembleia Geral, UNICEF, Conselho de Segurança e Secretariado para nossa análise, sabemos que existem outros componentes do sistema da ONU que também desempenham funções relacionadas à proteção da criança em conflitos armados – como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco)14, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)15, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur)16, o Conselho de Direitos Humanos17, o Departamento de Operações de Paz (DPKO)18 e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh)19. No entanto, damos preferência para a análise de órgãos maiores como a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança e o Secretariado que, por si só, já englobam outras agências, programas e departamentos, possibilitando uma análise sistêmica das Nações Unidas. Também ressaltamos que existem diversas ONGs – como Child Soldiers International20, Invisible Children21, War Child22 - que produzem relatórios, estudos e pressionam o sistema das Nações Unidas para tomar medidas mais efetivas de proteção às crianças, porém nosso foco não é estudar o papel das ONGs, mas sim das Nações Unidas em 14A Unesco foi criada em 1945 e trabalha com políticas holísticas que são capazes de abordar as dimensões sociais, ambientais e econômicas do desenvolvimento sustentável que perpassam temas como acesso à educação de qualidade, proteção de patrimônio e apoio à diversidade cultural, e proteção da liberdade de expressão (UNESCO, [2015]). 15 O PNUD trabalha em mais de 170 países e territórios, almejando alcançar a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades e da exclusão. O trabalho do PNUD consiste em desenvolver políticas, capacidade de liderança, habilidades, capacidades institucionais de parceria a fim de sustentar os resultados do desenvolvimento (UNDP, [2015]). 16 O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados foi criado em 1950 pela Assembleia Geral. Seu objetivo principal é salvaguardar os direitos e o bem-estar dos refugiados e conduzir e coordenar a ação internacional para protegê-los (UNHCR, [2015]). 17 O Conselho de Direitos Humanos foi criado em 2006 e é um órgão inter-governamental responsável por fortalecer a promoção e proteção dos Direitos Humanos e fornecer respostas a situações de violações a tais direitos. É constituído por 47 Estados-membros da Organização, que são eleitos pela Assembleia Geral da ONU (OHCHR, [2015a]). 18 O DPKO foi criado formalmente em 1992, quando Boutros-Ghali era o Secretário-Geral. A função central do DPKO consiste em prover estratégia política e operacional e apoiar as missões de paz da ONU (DPKO, [2015]). 19 O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos é o principal oficial de Direitos Humanos das Nações Unidas. Ele lidera os esforços da ONU em direção ao estabelecimento amplo dos Direitos Humanos, empoderando indivíduos e apoiando Estados no fortalecimento desses direitos (OHCHR, [2015b]). 20 Disponível em: <http://www.child-soldiers.org/> Acesso em: 23 set. 2015. 21 Disponível em: <http://invisiblechildren.com/> Acesso em: 23 set. 2015. 22 Disponível em: <https://www.warchild.org.uk/about/our-approach>Acesso em: 23 set. 2015. 42 seus diferentes órgãos. Ainda assim, os estudos produzidos por essas ONGs podem nos ser úteis mais adiante para uma análise complementar sobre as crianças-soldado. Começaremos nossa análise pela Assembleia Geral por ser um órgão que possui uma posição central como chefe deliberativo, formulador de políticas e representante das Nações Unidas. Composta por todos os 193 Estados Membros da ONU, a Assembleia fornece um fórum único para a discussão multilateral de todo o espectro de questões internacionais abrangidas pela Carta da ONU. O órgão ainda tem o poder de fazer recomendações aos Estados sobre questões internacionais da sua competência e traçar metas específicas para alcançar a paz, a Segurança, o desenvolvimento, a erradicação da pobreza e a salvaguarda dos Direitos Humanos. O trabalho da Assembleia Geral ganhou destaque no que concerne às criançassoldado quando este órgão designou o mandato do Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados, após a publicação, em 1996, do relatório de Graça Machel intitulado “Impacto do conflito armado sobre as crianças” (conhecido como Relatório Machel) (MACHEL, 1996). Posteriormente, o trabalho da UNICEF será abordado, pois este é o primeiro componente da ONU desenvolvido especificamente para tratar de questões que afetam a vida das crianças. Dessa forma, o tema das crianças-soldado ganha espaço na agenda da UNICEF a partir da década de 1990, quando o Fundo passa a considerar que o emprego de crianças como soldados é mais uma ameaça à criança e promove estudos sobre a relação da pobreza e a utilização de crianças-soldado. O Conselho de Segurança não pode faltar em nossa análise, visto que somente a partir do momento em que o tema foi incluído nas atribuições do CS emergiram mais ferramentas e mecanismos a fim de erradicar o emprego de crianças-soldado. Vale destacar que o CS possui grande relevância no sistema das Nações Unidas, pois tem como função manter a paz e a Segurança internacionais e é “o único órgão da ONU que tem poder decisório, isto é, todos os membros devem aceitar e cumprir as decisões do Conselho” (ONU, [2015c]). As resoluções do CS, portanto, expressam a opinião formal das Nações Unidas e designam as ações que devem ser tomadas a respeito de diversos assuntos. A partir de 1999, o órgão emitiu diversas resoluções exclusivas sobre o tema “Crianças e Conflitos Armados” e criou o Grupo de Trabalho sobre Crianças e Conflitos Armados que, por sua vez, possui relevância no combate ao emprego de crianças-soldado em diversas regiões do mundo (WATCHLIST, 2014). 43 O trabalho do Secretariado também será analisado, pois este órgão “presta serviço a outros órgãos das Nações Unidas e administra programas e políticas” (ONU, [2015d]). Além disso, o Secretário-Geral pode fazer recomendações ao trabalho do Conselho de Segurança, produzir relatórios sobre crianças e conflitos armados e ainda ser auxiliado por seu Representante Especial para Crianças e Conflitos Armados que, por sua vez, administra o Escritório do Representante Especial. Apesar de esses órgãos serem analisados em subitens separados, lembramos que seus trabalhos estão conectados. Por exemplo, o Representante Especial do Secretário-Geral relata anualmente à Assembleia Geral e ao Conselho de Direitos Humanos os desafios enfrentados pelas crianças nos conflitos a fim de manter um senso de urgência entre os principais decisores, bem como a garantir o engajamento político e diplomático dos Estados e de todo o sistema da ONU (UN, 2006a). Todas nossas análises desses componentes do sistema da ONU são feitas com base em documentos que cada órgão publica periodicamente – resoluções, relatórios, estudos – e que estão disponíveis em seus respectivos sites oficiais. Escolhemos tais documentos, pois eles constituem fontes primárias que expressam as decisões, medidas e ações tomadas em diferentes âmbitos e retratam o trabalho do sistema da ONU. 2.2 Assembleia Geral A Assembleia Geral foi criada em 1945 e, de acordo com a Carta das Nações Unidas, suas funções abrangem: • eleger os membros não permanentes do Conselho de Segurança e os membros de outros conselhos e órgãos das Nações Unidas e, por recomendação do Conselho de Segurança, nomear o Secretário-Geral; • discutir e fazer recomendações sobre os princípios gerais de cooperação para a manutenção da paz e da Segurança internacionais e sobre quaisquer questões no âmbito da Carta ou que afetem os poderes e funções de qualquer órgão das Nações Unidas; • promover estudos e fazer recomendações para incentivar a cooperação política internacional, o desenvolvimento e a codificação do direito internacional, dos 44 Direitos Humanos e das liberdades fundamentais, e a colaboração internacional nos âmbitos econômico, social, humanitário, cultural, educacional e de saúde (UN, [2015b]). Entre todas essas funções e temas abarcados pela Assembleia Geral, a proteção das crianças não deixa de aparecer como uma questão relevante na agenda do órgão. Antes mesmo da década de 1990, a Assembleia Geral já publicava resoluções sobre questões como “crianças refugiadas e deslocadas” (UN, 1980); “tortura e tratamento desumano a crianças em detenção na África do Sul” (UN, 1987); “uso de crianças no tráfico ilícito de drogas e reabilitação de crianças viciadas em drogas” (UN,1988); além de solicitar à Comissão de Direitos Humanos que reveja a Convenção sobre os Direitos da Criança, convidando os demais órgãos das Nações Unidas – bem como agências intergovernamentais e não- governamentais – a intensificar seus esforços de modo a disseminar a compreensão dos direitos das crianças (UN, 1978); solicitar à UNICEF que amplie os serviços básicos para as crianças em países em desenvolvimento (UN, 1975); e proclamar a Declaração sobre Proteção de Mulheres e Crianças em Emergência e Conflitos Armados (ONU, 1974 ). A partir de 1990, observamos uma continuidade do tratamento de temas relativos à criança como o “uso instrumental de crianças em atividades criminosas” (UN, 1990); “condição das crianças de rua” (UN, 1993); “medidas internacionais eficientes para a prevenção de venda de crianças, prostituição e pornografia infantis” (UN, 1995); e “crianças e adolescentes migrantes” (UN, 2015d). Além disso, cabe ressaltar iniciativas tomadas pela Assembleia Geral como forma de reforçar a proteção das crianças. Uma delas foi o documento intitulado World Summit for Children, de 1990, que resultou de um encontro de chefes de Estado que se comprometeram com um conjunto de metas para melhorar o bem-estar das crianças até o ano de 2000. Foi a primeira vez que uma conferência da ONU fixou uma agenda ampla para uma gama de metas em saúde, educação e nutrição. O principal resultado desse encontro foi a assinatura conjunta de uma Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento da Criança e um Plano de Ação que compreende um conjunto detalhado de metas de desenvolvimento humano relacionadas à criança (UNICEF, 1990). Dando continuidade a uma série de compromissos de alto nível sobre questões relativas às crianças, foi realizada a Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Criança, em 2002, na qual diversos governos comprometeram-se com metas 45 específicas para crianças e jovens. Ademais, a Sessão contou com a participação de uma variedade de personalidades como artistas, acadêmicos, mais de 1.700 delegados, representando ONGs de 117 países, celebridades culturais e desportivas e – pela primeira vez na história de reuniões da ONU – mais de 400 crianças na função de delegados e participantes ativos em cada reunião formal. A Sessão resultou no documento A World Fit for Children, que se trata de uma revisão dos progressos alcançados no que concerne à proteção da criança desde 1990 e define a visão da Assembleia do que seria um mundo adequado para as crianças: acesso à educação básica de qualidade e ampla oportunidade de desenvolver suas capacidades individuais em um ambiente seguro. O documento ainda ressalta a necessidade de acabar com o recrutamento e utilização de crianças em conflitos armados, garantir a sua desmobilização e desarmamento efetivo e implementar medidas eficazes para a sua reabilitação, recuperação física e psicológica e reinserção social (UN, 2002a). Ainda vale destacar que os anos de 2001 a 2010 foram declarados como a Década Internacional de Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do Mundo. Tal iniciativa conclama organismos do sistema das Nações Unidas, organizações intergovernamentais, ONGs e sociedade civil a prestarem maior apoio para implementação dos compromissos assumidos no documento A World Fit for Children e manter o Secretário-Geral informado das ações tomadas para a implementação dessas iniciativas (UN, 2003a). Todos os esforços no âmbito da Assembleia Geral mostram que esse órgão da ONU destacou a preocupação com a proteção da criança, tratando de temas diversos como saúde, educação e violência. Além disso, notamos que a proteção da criança em conflitos armados ganhou destaque especial nos anos de 1990 e 2000, sobretudo através da resolução A/RES/48/157 que requisitou ao Secretário-Geral que designasse um especialista para tratar do impacto dos conflitos armados nas crianças, assim como para buscar meios de prevenir o envolvimento de crianças nos conflitos (UN, 1994). No mesmo ano, a Assembleia Geral instituiu o mandato de Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados (OFFICE..., [2015b]), cargo relevante que possibilita um estudo mais aprofundado da situação das crianças-soldado e o que motiva seu recrutamento. De acordo com a Assembleia Geral, um dos fatores que viabiliza o recrutamento de crianças é a pobreza crônica, visto que ela impede que as necessidades básicas da criança, seus direitos e sua proteção sejam garantidas. Ainda segundo a Assembleia, a pobreza deve ser combatida em todas as frentes com ações como prestação de serviços sociais básicos para a criação de oportunidades de emprego, disponibilização de microcrédito para investimento 46 em infraestrutura e alívio da dívida para práticas de comércio justo (UN, 2002b). Em uma situação de maior desenvolvimento socioeconômico, as crianças teriam mais oportunidades e, consequentemente, seriam menos vulneráveis a se tornarem soldados como forma de sobrevivência. Podemos perceber que a Assembleia Geral possui um papel central em conclamar os Estados-membros das Nações Unidas a reforçarem a proteção da criança, aderindo aos documentos internacionais que estabelecem compromissos com o bem-estar da criança. Ademais, a Assembleia propõe iniciativas como a promoção da Década Internacional de Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do Mundo e da Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Criança, constituindo uma forma de chamar a atenção dos Estados e da sociedade civil para as ameaças que afetam a vida das crianças. A Assembleia Geral também assume o papel de solicitar aos outros organismos da ONU que produzam relatórios e tomem decisões referentes à criança como solicitar trabalhos da UNICEF, solicitar relatórios ao Secretário-Geral e sugerir temas ao Conselho de Segurança23. No que concerne à criança-soldado, a Assembleia Geral destaca-se pela iniciativa de estabelecer um Representante Especial especificamente para o tema das crianças em conflitos armados e de ter inaugurando o Escritório do Representante Especial do SecretárioGeral para Crianças e Conflitos Armados, possibilitando que o Secretariado das Nações Unidas se juntasse aos esforços de proteção da criança. Além disso, é relevante o entendimento da Assembleia de que a pobreza deve ser combatida em diversas frentes para que o bemestar da criança seja garantido e para que a mesma não se envolva nos conflitos armados. Nesse sentido, o documento A World Fit for Children é de especial importância por citar explicitamente que o recrutamento de crianças-soldado deve ser erradicado. 2.3 UNICEF A UNICEF foi criada pelas Nações Unidas em 1946 como uma forma de oferecer comida, roupas e saúde às crianças europeias afetadas pela fome e por doenças decorrentes do pós-Segunda Guerra Mundial. Em 1953, seu mandato foi prolongado e a UNICEF consolidou-se como mais um componente permanente da ONU. Inspirada pela Declaração 23 Por exemplo, a Assembleia Geral convidou o grupo de trabalho da Comissão de Direitos Humanos para elaborar um projeto de protocolo facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relacionado ao envolvimento de crianças em conflitos armados (UN, 1996). 47 dos Direitos da Criança, de 1959, tal Fundo passou a expandir sua área de atuação para as necessidades mais gerais da criança como o acompanhamento do desenvolvimento físico com base em técnicas simples e de baixo custo tais como terapia de reidratação oral, aleitamento materno e imunização. Em 1987, através do estudo Adjustment with a Human Face, a UNICEF destinou maior espaço à discussão dos efeitos econômicos e sociais globais sobre as crianças e solicitou um debate internacional acerca da proteção de crianças e mulheres (UNICEF, 2015a). O trabalho desse órgão da ONU também foi influenciado pelos documentos de proteção à criança como a Convenção sobre Direitos da Criança (1989), o Relatório Machel (1996) e, mais recentemente, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados (2002) e os Princípios e Compromissos de Paris (2007). Apesar de todos esses documentos, a UNICEF ainda se deparava com casos de recrutamento de crianças-soldado que persistiam em diversos países como Mianmar, República Democrática do Congo, Afeganistão, Iraque, entre outros (UNICEF, 2003). Somente a partir da década de 199024 a UNICEF passou a abordar o tema das crianças-soldado, visto que os impactos dos conflitos armados dessa época, assim como os problemas de saúde e desenvolvimento, também foram considerados fatores que afetavam negativamente o bem-estar e a vida das crianças. Além disso, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio de 200025, assinados por 191 países, estabeleceram a redução da mortalidade infantil como uma das metas. Dessa forma, o trabalho da UNICEF consiste em identificar os fatores que levam à mortalidade infantil e a relação ente eles. Assim como fome, extrema pobreza e doenças podem ser considerados fatores que levam as crianças à morte, os conflitos armados e seus impactos também aparecem nos estudos da UNICEF como algo que ameaça a vida da criança (UNICEF, 2004a). 24 O ano de 1996 é especialmente importante nesse sentido, pois marca os 50 anos da UNICEF e o órgão estabelece um paralelo entre o contexto de conflitos da década de 1990 e o contexto de criação da UNICEF (pós-Segunda Guerra Mundial). Dessa forma, a UNICEF lança uma Agenda Anti-Guerra que consiste em uma série de ações para ajudar a conter a violência contra a criança. A Agenda almeja o fim do recrutamento de menores de 18 anos através da adoção do Protocolo Facultativa à Convenção dos Direitos da Criança, a proibição da fabricação, utilização, armazenagem e venda de todas as minas terrestres antipessoais, o fortalecimento dos processos de julgamento de crimes de guerra e apoio para a educação para a paz (UNICEF, 1996). 25 Os demais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio são: erradicar a extrema pobreza e a fome; alcançar educação primária universal; promover a igualdade de gêneros e o empoderamento da mulher; melhorar a saúde maternal; combater HIV/AIDS, malária e outras doenças; garantir um ambiente sustentável; e desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento (UN, [2015]). 48 A partir de 1996, a UNICEF passou a publicar os relatórios The State of the World’s Children e, desde 2004, tem publicado o estudo Progress for Children. Ambos os documentos estabelecem os fatores que colocam a vida das crianças em perigo e inserem a criança na agenda global de desenvolvimento. O relatório Progress for Children de 2005 segue incluindo as crianças nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e na Declaração do Milênio, lembrando que elas são centrais nesse processo, visto que são consideradas seres frágeis na sociedade e suas necessidades são prioritárias (UNICEF, 2005). Aspectos como desnutrição, educação de crianças e adolescentes, saúde maternal, doenças, tráfico de crianças, entre outros, são temas recorrentes nesses relatórios assim como o impacto dos conflitos armados (UNICEF,1998; 1999; 2004b, 2005, 2007c; 2009; 2011a). No documento The State of the World’s Children, produzido pela UNICEF em 1996, argumenta-se que o uso de crianças como soldados – apesar de não ser algo inédito, visto que durante séculos as crianças foram envolvidas em campanhas como militares – tem aumentado nas últimas décadas. De acordo com os dados do documento, em vinte e cinco países, milhares de crianças com menos de 16 anos de idade têm lutado em guerras e, só em 1988, elas somavam cerca de 200 mil (UNICEF, 1996). A explicação que o documento propõe para essa escalada no uso de criançassoldado é a proliferação de armas leves. O estudo publicado no âmbito da ONU argumenta que, no passado, as crianças não foram particularmente eficazes como combatentes, pois as armas de guerra eram demasiadamente pesadas, assim, o adulto levava vantagem por sua capacidade física. No entanto, com a disseminação de armas como a AK-47 e a M-16, ou seja, armas leves e baratas, as crianças tornaram-se combatentes úteis. De acordo com o estudo, desde a sua introdução, em 1947, cerca de 55 milhões de fuzis AK-47 foram vendidos. Em um país africano, por exemplo, eles não custam mais de 6 dólares cada (UNICEF, 1996). Ademais de serem capazes de usar armas letais, segundo o relatório, as crianças têm outras vantagens como soldados. Elas são mais fáceis de se intimidar e mais manipuláveis, além de menos propensas que os adultos a fugir e não exigem salários. A criança, muitas vezes, encontra-se sozinha e sem família. Nessas circunstâncias, uma unidade militar pode ser uma espécie de refúgio. Em Uganda, em 1986, o Exército de Resistência Nacional empregava 3 mil crianças, muitas menores de 16 anos, incluindo 500 meninas, a maioria órfãs e que enxergaram no exército um substituto para suas famílias (UNICEF, 1996). O documento ainda ressalta que muitas crianças se juntaram a grupos armados no Camboja, na década de 1980, como a melhor maneira de garantir alimentação e proteção. Da 49 mesma forma, na Libéria, em 1990, crianças a partir dos 7 anos foram vistas em combate, porque, segundo o diretor da Cruz Vermelha da Libéria "aqueles com armas poderiam sobreviver." No país, um quarto dos combatentes nas várias facções em conflito eram crianças, cerca de 20 mil no total. De fato, a Frente Patriótica Nacional da Libéria teve sua própria 'unidade de meninos pequenos’, na faixa etária de 6 a 20 anos. Em Mianmar, os pais entregavam seus filhos para o exército rebelde Karen, visto que os guerrilheiros forneciam roupas e duas refeições por dia (UNICEF, 1996). A UNICEF também reforça que as crianças podem ter razões para participar ativamente de um conflito. Assim como os adultos, o estudo defende que as crianças podem ser convencidas por ideais de justiça social – como foi frequente no caso da América Central ou do sul da África –, crença religiosa e identidade cultural a engajar-se nos conflitos. Em termos mais pessoais, elas também podem buscar vingança pela morte de seus parentes (UNICEF, 1996). A utilização das crianças como soldados seria mais um fator que prejudica a vida da criança, visto que aquelas que são recrutadas como soldados são privadas de educação, proteção e serviços essenciais de saúde. Além disso, a UNICEF defende que o conflito aumenta o risco de as crianças serem expostas a abuso, violência – frequentemente violência sexual – e exploração. Mesmo as crianças que são capazes de permanecer com suas famílias em suas próprias casas podem enfrentar um risco maior de exclusão devido à destruição da infraestrutura física, restrições nos sistemas de saúde e de educação e insegurança pessoal decorrente do conflito ou de seus resquícios – tais como minas terrestres26 (UNICEF, 2006). Conforme os dados da UNICEF, devido aos conflitos na última década, 2 milhões de crianças foram mortas, 6 milhões ficaram gravemente feridas ou permanentemente incapacitadas e 12 milhões ficaram desabrigadas. Estima-se ainda que entre 80% e 90% das pessoas que morreram ou foram feridas em conflitos são civis, a maioria crianças (UNICEF, 2002). O gráfico abaixo, produzido pela própria UNICEF, traça uma relação entre a mortalidade infantil e conflitos armados. Figura 2 – A maioria dos países onde 1 em 5 crianças morrem antes dos 5 anos sofreram com grandes conflitos armados desde 1999 26 O Landmine and Cluster Munition Monitor relatou 4191 novas vítimas de minas, bombas de fragmentação e outros explosivos remanescentes de guerras em sessenta Estados em 2010. Analisando apenas as mortes de civis nos últimos quatro anos, a cada ano, crianças constituem quase metade do número total de vítimas em Estados como Afeganistão, Camboja, Sudão, Laos, Paquistão e Iêmen (OFFICE..., [2015]). 50 Fonte: UNICEF, 2006, p. 14 No gráfico, é possível observar que Serra Leoa e Angola destacam-se como os países que apresentam elevada mortalidade de crianças menores de 5 anos e ambos os países passaram por diversos conflitos armados. Portanto, o que o gráfico pretende mostrar é uma relação direta entre a violência que o país presencia e a mortalidade das crianças. Dessa forma, fica mais visível como os conflitos armados afetam diretamente a sobrevivência da criança. Entretanto, a UNICEF não explica o fato de que Níger, Mali e Guiné Equatorial, apesar de apresentarem significativas taxas de mortalidade infantil, não passaram por grandes conflitos armados. A UNICEF ainda relaciona o conflito armado com outros fatores que também são fontes de ameaça à criança, sobretudo a pobreza. Dessa forma, o órgão é responsável por traçar uma estreita relação entre conflitos armados, pobreza e mortalidade infantil. Ao defender o argumento de que a relação do conflito com a pobreza potencializa o risco que a criança corre em um cenário de violência, a UNICEF reforça a necessidade de se intervir nos considerados “Estados Frágeis”27, ou seja, aqueles Estados incapazes de garantir o bem-estar 27 O termo “Estados Frágeis”é utilizado nos relatórios da UNICEF.O Fund for Peace, uma instituição de pesquisa, desenvolve um estudo em que traça um índice de “Estados Frágeis” com base em critérios sociais, econômicos, políticos e militares. No ano de 2014, Sudão do Sul, Somália e República Centro Africana (FFP, 2014a) lideravam o ranking que, em 2013, foi encabeçado por Somália, República Democrática do Congo e Sudão (FFP, 2013). Porém, em 2014, o Fund for Peace renomeou o “Failed States Index” que passou a se 51 de seus cidadãos, incluindo as crianças. Nessa conjuntura, a defesa dos direitos da criança e o objetivo de erradicar o emprego de crianças-soldado acabam sendo usados como fatores que explicam medidas extraordinárias em nome da proteção da criança em situações de conflito. A UNICEF defende que a pobreza, a instabilidade prolongada, a ganância e um vácuo de liderança geram o cenário de muitas guerras, não por acaso mais de metade dos países mais pobres do mundo estão envolvidos em crises em curso ou incipientes. Os conflitos desenvolvidos em países nessas situações seriam influenciados por uma mistura de reivindicações territoriais locais, proliferação de armas leves, disputas por terra e recursos naturais como pedras preciosas, petróleo e, na Ásia, o ópio (UNICEF, 2000). Diante desse contexto, a UNICEF defende que "Experiências em dezenas de conflitos confirmam que medidas extraordinárias foram tomadas e podem ser tomadas para proteger as crianças" (UNICEF, 1996, tradução nossa)28. A UNICEF corrobora esse argumento com base em dados produzidos por análises estatísticas dos indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relacionados à saúde da criança e à educação que mostram uma diferença cada vez maior entre as crianças que crescem em países com menor nível de desenvolvimento em “Estados Frágeis”, em relação aos países mais desenvolvidos. As crianças mais pobres estariam mais ameaçadas e mais suscetíveis a perderem a suas infâncias e tornarem-se adultos excluídos dos seus direitos básicos (UNICEF, 2006)29. Os gráficos a seguir mostram que, de acordo com a UNICEF, os países mais pobres são aqueles com maior porcentagem de crianças em sua população e essas crianças vivem mais ameaçadas, com direitos básicos negados como o acesso à educação. Figura 3 – Os países menos desenvolvidos possuem a maior proporção de crianças chamar “Fragile States Index”. A organização acredita que o termo Failed States (Estados Falidos) “desvia a atenção do objetivo do índice, que é encorajar discussões que apoiam um aumento na segurança humana e a melhora dos meios de subsistência” (FFP, 2014b). O problema de avaliações como essa é que elas acabam agrupando em uma mesma classe Estados com histórias e características muito distintas, como se os problemas de cada aparelho estatal fossem os mesmos, o que muitas vezes não é verdade. 28 No original: “Experiences in dozens of conflicts confirm that extraordinary actions have been taken and can be taken to protect and provide for children”. 29 O trabalho da UNICEF é viabilizado por um grupo de monitoramento e avaliação, estabelecido em 2010, o Child Protection Monitoring and Evaluation Reference Group (CP MERG) em parceria com a ONG Save the Children que objetiva melhorar a qualidade do monitoramento, avaliação e pesquisa sobre a proteção da criança através de conhecimentos compartilhados e desenvolvimento de padrões e ferramentas a fim de identificar grupos vulneráveis, determinar fatores de risco e mecanismos de proteção e assegurar a prestação de contas (CPMERG, [2015]). 52 Fonte: UNICEF, 2006, p. 12. Figura 4 – Crianças que vivem nos países mais pobres correm maior risco de perder o ensino primário e secundário Fonte: UNICEF, 2006, p.14. 53 É possível notar que 49% da população dos países considerados “menos desenvolvidos” era menor de 18 anos em 2004. Ou seja, uma significativa parte da população em países mais pobres é composta por crianças. Essas mesmas crianças desses países são as que dispõem da menor rede de educação primária e secundária. Isto é, os gráficos apresentados ressaltam que, além das crianças concentrarem-se majoritariamente nos países mais pobres, elas estão constantemente ameaçadas pela pobreza, subdesenvolvimento e falta de acesso à educação. O órgão da ONU ainda ressalta que as crianças dos lugares mais pobres têm duas vezes mais probabilidade de morrer antes do seu quinto aniversário em comparação com as crianças das famílias mais ricas; as crianças de famílias mais pobres têm menor probabilidade de atingir os padrões mínimos de aprendizagem do que as dos mais ricos; e na maioria dos países da África Subsaariana, as meninas das famílias mais pobres permanecem mais desfavorecidas em termos de participação escolar; o progresso para as crianças, na educação, por exemplo, tem sido mais lento em “Estados Frágeis” afetados por conflitos; e crianças e jovens que vivem em países afetados por conflitos tem maior probabilidade de serem pobres, desnutridos, sem acesso à educação primária e estar em más condições de saúde em geral. Globalmente, a UNICEF estima que 230 milhões de crianças vivam atualmente em países e áreas afetadas por conflitos. Estas crianças são, muitas vezes, testemunhas e vítimas da violência, ou são forçadas a ingressar em grupos armados. Como o acesso à saúde, nutrição, água potável e saneamento é limitado, elas também são mais vulneráveis a doenças. Deslocadas das suas casas ou forçadas a fugir dos seus países, elas são suscetíveis a estar fora da escola, de sofrerem exploração, violência e abuso (UNICEF, 2006). Dessa forma, a UNICEF ressalta que pobreza e conflitos armados estão entre as maiores ameaças à infância e as crianças de hoje são desproporcionalmente representadas entre os pobres, uma vez que os países menos desenvolvidos tendem a ter populações mais jovens, e as famílias de renda pobre tendem a ter mais filhos do que os mais ricos. Em suma, a UNICEF conclui que, dada a conjuntura ameaçadora na qual as crianças pobres vivem, a comunidade internacional deve prevenir e resolver conflitos armados e se envolver com os países com fraca estrutura institucional para proteger as crianças e as mulheres e proporcionar serviços essenciais. Ou seja, diante de um cenário de pobreza e conflitos armados, a UNICEF reforça a responsabilidade de proteger as crianças dessa conjuntura que ameaça suas vidas. Tal situação ocorre nos chamados “Estados Frágeis” que são caracterizados por instituições 54 fracas, com altos níveis de corrupção e instabilidade. Esses Estados, muitas vezes, não têm os recursos para apoiar adequadamente uma administração pública eficiente. Como o governo é incapaz de fornecer serviços básicos para seus cidadãos, o padrão de vida nesses países pode degenerar de forma aguda e crônica. Essas falhas de governança resultam em crianças cada vez mais excluídas dos serviços essenciais. As crianças que vivem em países que não são capazes de implementar estratégias nacionais de desenvolvimento e atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estarão entre aquelas com maior risco de não desfrutar dos benefícios de tais Objetivos (UNICEF, 2006). A UNICEF ainda cita como exemplos o Haiti – o país tem visto uma nova deterioração no bem-estar infantil em meio à turbulência política dos últimos anos – e a Somália – seu progresso no desenvolvimento humano foi igualmente limitada pela falta de uma administração nacional desde 1991 (UNICEF, 2006). É importante ressaltarmos também que o recrutamento das chamadas criançassoldado é apenas uma parte da questão que inclui de forma mais geral uma série de ameaças às crianças, conforme pode ser verificado nos relatórios The State of the World’s Children. Desse modo, a ameaça à infância seria multidimensional, habitando a área da saúde, desenvolvimento humano e a integridade física da criança em meio a um conflito armado (UNICEF, 2005). A UNICEF defende o argumento de que a criança se encontra cada vez mais ameaçada por questões ligadas aos conflitos armados e subdesenvolvimento econômico. Portanto, a utilização de crianças em conflitos armados seria uma ameaça existencial à própria integridade da criança, que é uma categoria humana que recebe proteção especial – conforme já foi mostrado nos documentos que, ao longo dos anos, construíram a concepção atual de infância e seus direitos básicos que devem ser garantidos. Ademais, as crianças-soldado não reintegradas à vida civil podem tornar-se uma ameaça a futuros processos de paz – isto é, crianças não desmobilizadas podem se tornar adultos envolvidos em crimes e atividades que violam os direitos dos demais civis (UNICEF, 2010). De modo geral, os relatórios e o trabalho da UNICEF convergem em ressaltar a sobrevivência da criança, com foco mais geral em questões de saúde, bem-estar e desenvolvimento, mas não ignoram o impacto dos conflitos armados. A UNICEF desempenha um papel primordial ao traçar a relação entre subdesenvolvimento e crianças-soldado, estabelecendo que o primeiro gera ameaças às crianças e uma delas é a viabilização do emprego de crianças como soldados. A UNICEF, então, reforça a ideia de que a comunidade internacional tem a responsabilidade de interferir nos chamados “Estados Frágeis” em nome 55 da proteção das crianças que habitam esses países e da erradicação do emprego de criançassoldado. 2.4 Conselho de Segurança O Conselho de Segurança passou a abordar a questão da proteção de crianças em conflitos armados pela primeira vez em 1999, quando publicou a resolução 1261, intitulada “Crianças e Conflitos Armados”. Tal resolução não se refere especificamente a um determinado país, mas ao problema das crianças envolvidas em conflitos armados como uma questão global. Além disso, o CS solicitou ao Secretário-Geral que submetesse um primeiro relatório sobre crianças e conflitos armados como um tema que afeta a paz e a Segurança. A partir disso, mais resoluções com esse foco foram publicadas e o CS passou a tomar medidas contra as partes beligerantes que empregam crianças nos conflitos e a trabalhar para que o recrutamento de crianças não ocorra mais em diversos países. Nesse sentido, destacam-se cinco iniciativas estabelecidas pelas resoluções do CS: 1) estabelecer as “6 graves violações contra os direitos das crianças”: recrutamento ou uso de crianças em conflitos armados, morte e mutilação de crianças, violência sexual contra crianças, ataques a escolas e hospitais, rapto de crianças e negação de assistência humanitária a crianças 30. 2) identificar e listar os grupos armados ou forças armadas nacionais que empregam ou empregaram crianças nos conflitos armados ou que cometeram graves violações contra os direitos das crianças (conhecido como o mecanismo Naming and Shaming ou “lista da vergonha”); 3) estabelecer um mecanismo de identificação e monitoramento dessas partes listadas (conhecido como Monitoring and Reporting Mechanism – MRM); 4) articular um grupo de trabalho para lidar com os impactos dos conflitos sobre as crianças, o Grupo de Trabalho do Conselho de Segurança sobre Crianças e Conflitos Armados (Working Group of the Security Council on Children and Armed Conflict); 30 Dessas seis violações, somente negação de assistência humanitária a crianças não é um motivo para listar as partes beligerantes na “lista da vergonha”. Todas as demais já constituem um indicativo de que a parte pode ser listada e, se não obedecer ao plano de ação designado, poderá sofrer sanções (OFFICE..., [2015]). 56 5) autorizar o uso de sanções contra as partes listadas que não respeitarem os planos de ações para impedir a violação dos direitos da criança. A resolução 1314, de 2000, ressalta que o ataque deliberado a civis, inclusive crianças, é uma ameaça à paz e à Segurança e solicita ao Secretário-Geral que continue apresentando relatórios ao Conselho de Segurança sobre as violações contra crianças, listando as partes em conflitos armados que recrutam ou utilizam crianças a fim de iniciar um diálogo com tais partes para impedi-las de recorrerem a essa prática (UN, 2000; 2001;2003a). Essa lista constitui a chamada “lista da vergonha” que é uma forma de explicitar para toda a sociedade internacional quem são as partes beligerantes que violam os direitos das crianças e, assim, pressioná-las. O Conselho de Segurança também requisitou ao Secretário-Geral para desenvolver, em caráter de urgência, um mecanismo de monitoramento e relatório sistemático das violações cometidas contra crianças durante os conflitos armados em todo o mundo. Esse mecanismo foi estabelecido em 2005, por meio da resolução 1612, e ficou e conhecido como Monitoring and Reporting Mechanism (MRM) que tem como objetivo fornecer informações sistemáticas e precisas sobre violações cometidas contra crianças em conflitos armados. Essas informações são usadas para promover a responsabilização e o comprometimento das partes em conflito com as normas internacionais de proteção à criança (UN, 2005a). Anteriormente, somente as partes que recrutavam e usavam crianças como soldados eram listadas, entretanto, em 2009 e 2011, o Conselho de Segurança decidiu listar também forças armadas e grupos armados que matam, mutilam, cometem violência sexual contra crianças e atacam escolas e hospitais (OFFICE..., [2015c]). Dessa forma, este mecanismo exerce um papel importante ao listar e explicitar quem é o inimigo que deve ser combatido, em que países ele está presente e como age. Uma parte beligerante só será excluída da lista se houver informações verificadas pela ONU de que as graves violações contra as crianças, pela qual a parte foi listada, cessaram por um período de pelo menos um ciclo de relatórios. Como parte desse processo, os atores em conflito, sejam estatais ou não-estatais, devem entrar em diálogo com as Nações Unidas para preparar e implementar um plano concreto de ação a fim de cessar e prevenir as violações graves cometidos contra crianças (UN, 2005a). Uma vez que uma parte é retirada da lista, o monitoramento e os relatórios da situação em curso ainda continuam se o Secretário-Geral acreditar que tais violações podem 57 ressurgir. A parte retirada da lista ainda deve garantir o acesso contínuo e sem entraves às Nações Unidas para o monitoramento e verificação da conformidade com os compromissos por um período mínimo de um ciclo de relatórios (UN, 2005a). Contudo, o MRM e o Conselho de Segurança em nenhum momento eximem os governos nacionais da responsabilidade de prover segurança às crianças de seus países: Os governos têm uma responsabilidade chave pelas crianças e são, portanto, os principais responsáveis por fornecer prevenção e respostas adequadas e garantir mecanismos de responsabilização por violações graves contra crianças (MONITORING AND REPORTING MECHANISM, [2015], tradução nossa)31. Nessa passagem, podemos notar que a responsabilidade final e, consequentemente, o sucesso ou fracasso das ações tomadas ainda perpassa a esfera estatal e recai sobre os Estados em que há casos de crianças sendo utilizadas em conflitos armados. Em última instância, o Estado é responsável por suas crianças. Já em 2005, através da resolução 1612, foi determinada a criação de um Grupo de Trabalho do Conselho de Segurança sobre Crianças e Conflitos Armados que monitora o recrutamento de crianças-soldado em países pré-definidos e produz relatórios sobre o progresso na implementação de planos de ação para acabar com as violações contra as crianças. Ademais, o Grupo de Trabalho faz recomendações às partes envolvidas nos conflitos e às Nações Unidas. Portanto, através dessa resolução de 2005, o CS reiterou as demais resoluções sobre crianças e conflitos armados como as de 1999, 2000, 2001, 2003 e 2004, e reforçou que a proteção das crianças deve ser um aspecto relevante de qualquer estratégia para resolver conflitos: O envolvimento sistemático do Conselho de Segurança na questão das crianças e conflitos armados representa um elemento-chave da estratégia do Escritório do Representante Especial. Com seis resoluções do Conselho de Segurança dedicadas especificamente à questão das crianças e os conflitos armados, desde 1999, a questão está agora firmemente na agenda do Conselho, em que se reconhece que ela representa uma ameaça legítima para a paz e a segurança internacionais (UN, 2005b, tradução nossa)32. No original: “Governments hold the key responsibility for children in the country and are therefore the key actor responsible to provide prevention and appropriate responses, and to ensure accountability mechanisms for grave violations against children.” 32 No original: “The systematic engagement of the Security Council on the issue of children and armed conflict represents a key element of the advocacy strategy of the Office of the Special Representative. With six Security Council resolutions dedicated specifically to the issue of children and armed conflict since 1999, the issue is now firmly on the agenda of the Council, where it is recognized that it presents a legitimate threat to international peace and security”. 31 58 O Grupo de Trabalho ainda abarca funções como: • fazer recomendações ao Conselho de Segurança sobre possíveis medidas para promover a proteção das crianças afetadas por conflitos armados, nomeadamente através de recomendações sobre mandatos adequados de missões de paz e recomendações sobre as partes envolvidas no conflito; • rever os relatórios dos países listados e adotar conclusões com recomendações relativas a situações específicas; • analisar os progressos no desenvolvimento e implementação de planos de ação para impedir violações contra crianças; • atender a solicitações, conforme o caso, de outros organismos do sistema das Nações Unidas. Ademais, em 2006, o Grupo de Trabalho estabeleceu uma série de medidas que podem ser tomadas em resposta às violações contra as crianças: • reuniões com representantes de Estado dos países em que as violações são cometidas e pedido de informação adicional aos representantes; • advocacia para a responsabilização por crimes contra as crianças; • solicitação de contribuições a doadores internacionais; • solicitação de atenção especial ao programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração de crianças-soldado; • pedido de informações adicionais ao Secretário-Geral ou a outros órgãos da ONU; • carta ao Secretário-Geral solicitando mandatos para missões de paz reforçadas e que as necessidades das crianças sejam consideradas nos processos de paz; • envio de informações relevantes à comissão de sanções (UN, 2006b). Na resolução 1539 do Conselho de Segurança (2004), este manifestou pela primeira vez a sua intenção de considerar a imposição de sanções contra as partes em conflito que violam os direitos das crianças. Estas sanções foram incorporadas às práticas do CS e incluem embargos a armas, congelamento de bens e proibição de viajar. A intenção de impor sanções tem sido reafirmada nas resoluções posteriores como a 1612 (2005), 1882 (2009), e 1998 (2011) (UN, 2004; 2005b; 2009a; 2011). 59 Entretanto, há certas condições para se impor as sanções: estas só podem ser adotadas contra indivíduos quando há um comitê de sanções existente no país e quando o comitê está capacitado para tomar ações na ocorrência de violações contra crianças. Seguindo esses critérios, foram sancionadas duas pessoas na Costa do Marfim e 14 indivíduos na República Democrática do Congo por violações graves cometidas contra crianças. Diante disso, o Conselho de Segurança propôs mais esforços para fortalecer o regime de sanções como a cooperação mais estreita entre o Grupo de Trabalho e os relatórios periódicos produzidos pelo Representante Especial para os comitês de sanções. O CS ainda recomenda que os mandatos de todos os comitês de sanções existentes devam incluir violações contra crianças (OFFICE..., [2015d]). Dessa forma, notamos que as práticas empregadas pelo CS se destacam por terem incorporado formalmente a questão do emprego de crianças-soldado no âmbito da Segurança Internacional. A abordagem que o órgão emprega ao tratar do tema envolve medidas mais rígidas como a imposição de sanções, entretanto estas foram relativamente pouco empregadas. Ainda assim, ressaltamos que o fato de o CS abarcar o tema nas suas resoluções conferiu maior urgência ao combate às partes beligerantes que empregam crianças-soldado. Desse modo, a proteção da criança ganha destaque como mais um dos assuntos relacionados aos Direitos Humanos que possui espaço na agenda de Segurança do CS. 2.5 Secretariado No que concerne à proteção das crianças em conflitos armados, o Secretariado das Nações Unidas desempenha seus trabalhos através do Secretário-Geral – cuja função consiste em “levar à atenção do Conselho de Segurança qualquer assunto que em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e segurança internacional” (ONU, [2015e]) – e do Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados que auxilia o SecretárioGeral com estudos e monitoramento específico sobre as condições das crianças envolvidas nos conflitos armados. O papel do Representante Especial é reforçar a proteção das crianças afetadas por conflitos armados, promover a coleta de informações sobre a situação das crianças e promover a cooperação internacional para melhorar a sua proteção. A moçambicana Graça Machel foi designada para esse cargo e, em 1996, publicou o estudo conhecido como Relatório Machel (MACHEL, 1996). 60 Tal relatório possui destaque nos estudos sobre crianças-soldado por fornecer uma ampla análise dos fatores que levam as crianças a serem utilizadas nos conflitos armados, ressaltando que elas podem ser sequestradas e forçadas a se juntar a grupos armados ou ser alistadas pelas forças nacionais de alguns países que aceitam menores de 18 anos. Mesmo quando é proibido recrutar menores de 18, a lei nem sempre garante a proteção. Em alguns países, o registro de nascimentos é inadequado ou inexistente e a idade da criança acaba sendo estipulada com base em seu desenvolvimento físico, fazendo com que muitos menores de idade acabem entrando para as forças armadas. O estudo também aponta que uma das razões básicas para as crianças se juntarem aos grupos armados é a condição econômica: a fome e a pobreza podem até levar os pais a entregarem suas crianças ao serviço militar, tendo em vista que, com a persistência do conflito, as condições sociais e econômicas degradam-se, assim como as oportunidades educacionais. Sob essas circunstâncias, o recrutamento de crianças seria uma alternativa para as partes beligerantes conseguirem mais mão de obra (MACHEL, 1996). O estudo aborda dois pontos que constantemente são citados pela ONU como justificativas para uma maior proteção à criança em conflitos armados: uma suposta mudança nas táticas utilizadas nos conflitos e a proliferação de armas leves e baratas. De acordo com Machel: [...] o comércio internacional de armas tornou os rifles de assalto baratos e acessíveis de modo que até as comunidades mais pobres agora têm armas letais capazes de transformar qualquer conflito local em um massacre sangrento. Em Uganda, uma AK-47 pode ser adquirida pelo preço de uma galinha e, no norte do Kênia, ela pode ser comprada pelo preço de uma cabra (MACHEL, 1996, p.10, tradução nossa) 33. O Relatório Machel defende que o comércio mal regulamentado e, muitas vezes, ilícito de armas pequenas e leves tem um impacto sobre a intensidade e duração dos conflitos armados e sobre as crianças, o que prejudicaria os processos de paz e dificultaria a prestação de assistência humanitária. Além disso, a utilização de armas pequenas e leves é apontada como a responsável pela maioria das mortes relacionadas aos conflitos, corroborando os estudos das “novas guerras” que também apontam esses fatores como determinantes para a utilização de crianças em conflitos armados. 33 No original: “[…] the international arms trade has made assault rifles cheap and widely available so the poorest communities now have access to deadly weapons capable of transforming any local conflict into a bloody slaughter. In Uganda, an AK-47 automatic machine gun can be purchased for the cost of a chicken and, in northern Kenya, it can be bought for the price of a goat". 61 Dez anos depois da publicação do Relatório Machel, foi publicada uma revisão de tal documento com o título Machel Study 10-Year Strategic Review: Children and Conflict in a Changing World. Esse estudo foi financiado pelos governos de Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, França, Noruega e Suécia, e foi co-organizado pelo Escritório do Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados e UNICEF. Além desses dois órgãos das Nações Unidas, mais de 40 agências da ONU, ONGs e instituições acadêmicas contribuíram para o relatório, juntamente com as crianças de quase 100 países (OFFICE...; UNICEF, 2009). Os resultados iniciais do estudo, que objetiva servir como uma ferramenta política e plataforma de ação para crianças e conflitos armados, foram apresentados à Assembleia Geral em outubro de 2007, como parte do relatório anual do Representante Especial. Nesse documento, reforça-se o argumento de que a mudança nos conflitos armados, as armas leves e a proliferação de grupos armados e do terrorismo tornam cada vez mais viável e lucrativo o emprego de crianças. Porém, um fator que diferencia esse estudo do Relatório Machel é o maior foco sobre as crianças como atores nos processos de paz, visto que a participação delas é enxergada como um direito humano, bem como um meio para garantir outros direitos, inclusive a sobrevivência, a proteção e o desenvolvimento. Nesse sentido, a criança seria mais do que apenas uma vítima do conflito, seria um ator cujo envolvimento no pós-conflito é determinante para a reconstrução da paz. O estudo de revisão do Relatório Machel também é relevante, pois faz um balanço das ações tomadas pela ONU após 1996 e reconhece a necessidade de outros órgãos da ONU reforçarem suas respectivas agendas sobre crianças e conflitos armados. Ainda assim, o documento admite a dificuldade de coletar dados e informações sobre as crianças recrutadas e ressalta a necessidade de mais esforços por parte das Nações Unidas e da sociedade civil para proteger as crianças. Entre as recomendações que o estudo faz, estão: adesão internacional aos padrões e normas de proteção da criança; acabar com a impunidade das agressões contra as crianças; priorizar a segurança das crianças; reforçar o MRM; garantir às crianças acesso a serviços básicos e apoiar iniciativas de reintegração das crianças. O trabalho que o Escritório vem desenvolvendo corrobora esse documento e o Relatório Machel, pois destaca que o caráter e as táticas dos conflitos armados estão mudando, o que resultaria em ameaças crescentes às crianças que se tornaram cada vez mais vulneráveis às novas táticas de guerra e a algumas características dos conflitos recentes como a ausência 62 de campos de batalha bem delimitados, diversificação das partes em conflito e aumento do uso de práticas terroristas. Ademais, o Escritório considera que uma característica marcante da mudança na natureza dos conflitos é o ataque deliberado a infraestruturas de educação assim como ataques com uso de ácido e gás contra garotas a caminho da escola, além de tiroteios e uso de bombas nas dependências escolares (OFFICE...., [2015e]): Nos anos recentes, os órgãos das Nações Unidas de proteção das crianças notaram com preocupação que o caráter e as táticas do conflito armado estão criando ameaças sem precedentes às crianças. A ausência de zonas de batalha claras e combatentes identificáveis, o aumento do uso de táticas de terror por alguns grupos armados e certos métodos usados por forças de segurança têm tornado as crianças mais vulneráveis. As crianças estão sendo usadas como homens-bomba e escudos humanos, enquanto as escolas continuam a ser atacadas, afetando em particular a educação das meninas com fins militares. As crianças estão sendo mantidas em detenção por associação com os grupos armados. Além disso, ataques aéreos resultaram em mortes de crianças e tiveram um sério impacto sobre sua saúde psicossocial. A utilização das escolas para fins militares coloca as crianças em risco de ataque e dificulta o direito das crianças à educação (UN, 2000, tradução nossa)34. De acordo com o relatório de 2014, o recrutamento e utilização de crianças em conflitos continuou a prevalecer em diversos países. Mais de 4.000 casos foram documentados pelas Nações Unidas em 2013 (UN, 2013) e o Escritório do Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados admite que os conflitos contemporâneos se caracterizam por maior ataque à população civil e utilizam as crianças como uma estratégia de guerra, considerando-as como uma arma de violência (OFFICE..., [2015f]). O Escritório ainda ressalta que qualquer estratégia para conter o recrutamento de crianças deve incorporar iniciativas para controlar as armas que alimentam o conflito, visto que haveria "uma clara ligação entre armas e a noção de poder que contribui para moldar a identidade de uma criança-soldado” (OFFICE..., [2015g], tradução nossa)35. A fim de combater essas ameaças às crianças, o Secretário-Geral pode fazer recomendações ao Conselho de Segurança que envolvam reafirmar o compromisso do CS em No original: “In recent years, United Nations child protection actors have noted with concern that the evolving character and tactics of armed conflict are creating unprecedented threats to children. The absence of clear front lines and identifiable opponents, the increasing use of terror tactics by some armed groups and certain methods used by security forces have made children more vulnerable. Children are being used as suicide bombers and human shields, while schools continue to be attacked, affecting girls’ education in particular, and to be used for military purposes. In addition, children are being held in security detention for alleged association with armed groups. Furthermore, drone strikes have resulted in child casualties and have had a serious impact on the psychosocial health of children. The use of schools for military purposes puts children at risk of attack and hampers children’s right to education”. 35 No original: “There is a clear link between weapons and the notion of power that contributes to shaping the identity of a child soldier”. 34 63 lidar com agressores de direitos da criança, solicitar ao Grupo de Trabalho sobre Crianças e Conflitos Armados para incluir mecanismos adequados para lidar com esses agressores e implementar planos de ação (UN, 2013). Do mesmo modo, o Conselho de Segurança também pode solicitar informações regulares ao Representante Especial, realizando consultas àqueles que violam os direitos das crianças, e pode requisitar ao Secretário-Geral que produza novos relatórios que possam ser usados como fonte de estudo para dar embasamento às ações tomadas pelo CS como aconteceu em 2004, quando, através da resolução 1539, o CS requisitou ao Secretário-Geral que desenvolvesse um mecanismo de relatório e monitoramento, o MRM. O Secretário – conjuntamente com o Escritório do Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados, o Departamento de Operações de Paz e a UNICEF– desenvolveu ferramentas, guias e materiais de treinamento e um sistema de informações necessário para fortalecer o MRM (UNICEF, 2011b). Desde 2000, o Secretário-Geral produz anualmente relatórios intitulados “Crianças e Conflitos Armados” nos quais publica uma lista das partes beligerantes que cometem violações contra as crianças. As partes listadas são convidadas a aderirem a planos de ação para colocar fim a tais violações. O plano de ação inclui exigências como a suspensão das violações aos direitos da criança; cooperação entre a parte listada e as Nações Unidas para combater as violações graves cometidas contra as crianças; fornecimento de informações verificáveis sobre as medidas tomadas para garantir a responsabilização dos culpados; implementação de uma estratégia de prevenção à violações aos direitos das crianças; e designação de um membro da hierarquia militar responsável pelo cumprimento dos critérios do plano de ação. Nos relatórios anuais sobre Crianças e Conflitos Armados, o Secretário-Geral ainda tem o poder de fazer recomendações ao Conselho de Segurança como a adoção de sanções, pelo CS, contra líderes políticos e militares desses grupos que empregam crianças como soldados (UN, 2003b). Entretanto, o Secretário-Geral não deixa de chamar atenção para o impacto desses regimes de sanções sobre as crianças. O Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários realiza e coordena as avaliações de campo para monitorar e avaliar as implicações humanitárias das sanções e disponibiliza informação oportuna e abrangente sobre o impacto destas medidas de coação. Ademais, o Secretário-Geral incentiva a participação ativa da UNICEF e do Escritório do Representante Especial nessas missões de avaliação. Isso 64 permite que o Secretário conceda ao Conselho de Segurança informações mais apuradas sobre aspectos relevantes para a proteção das crianças (UN, 2006c). Portanto, o Secretário-Geral incentiva o Conselho de Segurança a desenvolver uma abordagem coordenada e integrada para minimizar as consequências que as sanções possam ter sobre população civil, afinal as sanções políticas e econômicas impostas podem acabar dificultando as relações econômicas e políticas de determinado país ou região, fazendo com que os civis sofram com esse impacto. O Secretariado também influencia o Departamento de Operações de Paz a incorporar questões relativas às crianças, incluindo os direitos da criança. Os relatórios do Secretário-Geral mostram que, nos países onde há missões de paz, tem-se incluído cada vez mais questões de proteção infantil como um aspecto relevante. O Secretário-Geral ainda fez pressão para que o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração fosse incorporado a qualquer acordo de paz e que se fortalecesse o foco nas necessidades das crianças-soldado. O Acordo de Paz de Lomé, em Serra Leoa, concluído em julho de 1999, foi o primeiro a prever que atenção especial seria dada às necessidades das crianças-soldados nos processos de DDR existentes (UN, 1999). Também foi implementada a campanha Crianças, Não Soldados (Children, Not Soldiers) iniciada por Leila Zerrougui, Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados, em parceria com a UNICEF, que visa por fim ao recrutamento e uso de crianças por forças de segurança nacionais até 2016. A campanha abrange oito países: Afeganistão, Chade, Iêmen, Mianmar, República Democrática do Congo, Somália, Sudão e Sudão do Sul (OFFICE..., [2015h]). Até o ano de 2015, 23 partes listadas assinaram planos de ação, incluindo 11 forças armadas nacionais e 12 grupos armados não-estatais. Destes, 9 partes cumpriram integralmente o seu plano de ação e foram posteriormente retiradas da lista, conforme a tabela abaixo mostra: Tabela 1 – Partes beligerantes que assinaram planos de ação para acabar com o emprego de crianças-soldado País Partes beligerantes que assinaram planos de ação para acabar com o emprego de crianças-soldado Afeganistão Afghan National Security Forces (ANSF) – 30 jan 2011 65 Chade Armée Nationale Tchadienne (ANT) – 15 jun 2011 Retiradas em 2014 após o cumprimento plano de ação. Costa do Marfim Forces Armées des Forces Nouvelles (FAFN) – nov 2005; Front de libération du Grand Ouest (FLGO) – set 2006; Mouvement Ivoirien de Libération de l’Ouest de la Côte d’Ivoire (MILOCI)set 2006; Alliance patriotique de l’ethnie Wè (APWé) – set 2006; Union patriotique de résistance du Grand Ouest (UPRGO) – set 2006. Partes retiradas após o cumprimento plano de ação Filipinas Moro Islamic Liberation Front (MILF) – jul 2009 Iêmen Yemeni Government Forces (YGF) – 14 maio 2014 Mianmar Tatmadaw Kyi – 27 jun 2012 Nepal Unified Communist Party of Nepal Maoist (UCPN-M) – 16 dez 2009 Retirada em 2011 após o cumprimento do plano de ação República Centro Africana Armée Populaire pour La Restauration de La Démocratie (APRD) – 19 out 2011; Convention des patriotes pour la justice et la paix (CPJP) – 20 nov 2011 República Democrática do Congo Forces Armées de la République Démocratique du Congo (FARDC) – 04 out 2012 Somália Transitional Federal Government (TFG) – 3 jul 2012 e 6 ago 2012 Sri Lanka Tamil Makkal Viduthalai Pulikal (TMVP) – 01 dez 2008 Retirada em 2011 após o cumprimento plano de ação Sudão Sudan People’s Liberation Army (SPLA) – 2 nov 2009 (Constituído como um grupo armado antes da independência do Sudão do Sul); Sudan Liberation Army Minnawi (SLA Minnawi) – 11 jun 2007; Sudan Liberation Army Free Will (SLA/Free Will) – jun 2010; Sudan Liberation Army Abu Gasim (SLA/Abu Gasim) – 15 ago 2008 Sudão do Sul Sudan People’s Liberation Army (SPLA) – 12 mar 2012 (Signed as the country’s armed forces following independence in 2011); Novo comprometimento com o plano de ação assinado em 24 junho de 2014 66 Uganda Uganda People’s Defence Force (UPDF) – ago 2007 Retirada em 2008, após o cumprimento plano de ação Fonte: OFFICE..., [2015i] Nos anexos do relatório do Secretário-Geral de 2015, por exemplo, conferese especial atenção aos casos de Afeganistão, Chade, Costa do Marfim, Iraque, Israel e Estado da Palestina, Líbano, Líbia, o grupo armado Lord’s Resistence Army (que atua na República Democrática do Congo, República Centro Africana e Sudão do Sul), Mali, Mianmar, República Centro Africana, República Democrática do Congo, Somália, Sudão, Sudão do Sul, República Árabe da Síria e Iêmen (UN, [2015c]). Pelo que podemos observar nos relatórios do Secretário-Geral, seu trabalho consiste em listar as partes que recrutam crianças, fazer recomendações ao Conselho de Segurança e ressaltar pontos que o CS não dá tanta ênfase como o impacto que as sanções podem trazer às próprias crianças e a necessidade de proteção das crianças não só durante, mas após o conflito, levando em consideração os mandatos das operações de paz da ONU, que são requisitados a incluírem um processo de desarmamento, desmobilização e reintegração da ex-criança-soldado. O Secretário-Geral e o Representante Especial são relevantes por cobrarem e coordenarem os demais órgãos da ONU. Ademais, a função de coletar informações é igualmente importante, visto que, juntamente com os estudos produzidos pela UNICEF, as informações levantadas formam um guia que direciona as ações da ONU em determinados países que aparecem frequentemente nos relatórios, assim como explicita a correlação entre pobreza, proliferação de armas, impunidade e o recrutamento de criançassoldado. Tais dados possibilitam que o Conselho de Segurança e o Secretariado formulem planos de ação, ferramentas e medidas que, de acordo com os relatórios e estudos das Nações Unidas, seriam as formas mais apropriados de se romper essas correlações que sustentam a utilização de crianças como soldados. 67 Capítulo 3: O estabelecimento de uma abordagem global sobre as crianças-soldado Este capítulo tem como objetivo analisar convergências e divergências nas abordagens e nas ações que os diferentes órgãos da ONU conferem ao tema das criançassoldado. Também pretendemos identificar possíveis desdobramentos e consequências das ações adotadas pelos órgãos das Nações Unidas, além de contradições na forma como a ONU desempenha seus trabalhos em relação às crianças-soldado. Dividimos o presente capítulo em três subitens: o 3.1 analisa se há convergências ou divergências entre os órgãos da ONU estudados no Capítulo 2. O modo pelo qual as Nações Unidas dividem e coordenam as fases do trabalho de proteção da criança e erradicação do emprego de crianças-soldado é um fator relevante que implica em consequências para as próprias crianças e para as partes beligerantes que as empregam. Assim, o subitem 3.2 destinase a analisar as consequências que as medidas adotadas pelas Nações Unidas trouxeram para a proteção das crianças. O subitem 3.3 encerra o capítulo, ressaltando contradições no sistema da ONU quanto ao tratamento das crianças-soldado na agenda global. 3.1 Convergências e divergências entre os órgãos da ONU Cada um dos componentes da ONU estudados no Capítulo 2 produziu estudos, resoluções e relatórios com o foco na situação da criança durante conflitos armados. O esquema abaixo mostra com mais clareza e de forma resumida os documentos sobre as crianças que Assembleia Geral, UNICEF, Conselho de Segurança e Secretariado produziram: Tabela 2 – Trabalhos desenvolvidos pela Assembleia Geral, UNICEF, Conselho de Segurança e Secretariado Assembleia Geral Resoluções sobre a situação da criança 68 Estudos e relatórios relativos à situação da criança em conflitos armados Unicef Conselho de Segurança Resoluções específicas sobre "Crianças e Conflitos Armados" Resoluções do Secretário-Geral específicas sobre "Crianças e Conflitos Armados" Secretariado Elaboração própria com base nos dados oficiais das Nações Unidas36. Na tabela abaixo, é possível visualizar um panorama mais amplo das ações e documentos mais relevantes produzidos por cada órgão da ONU, de acordo com suas respectivas funções: Tabela 3– Funções, medidas e documentos da Assembleia Geral, UNICEF, Conselho de Segurança e Secretariado sobre a proteção de crianças em conflitos armados 36 Dados disponíveis em: <http://www.un.org/en/ga/documents/index.shtml>; <http://www.unicef.org/>; <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/>; < http://www.un.org/en/sections/aboutun/secretariat/index.html> 69 Assembleia Geral Funções Medidas relativas à proteção da criança Discutir e fazer recomendações sobre os princípios gerais de cooperação para a manutenção da paz e da Segurança internacionais Realização do encontro World Summit for Children (1990) Promover estudos e fazer recomendações para incentivar a codificação do direito internacional e dos Direitos Humanos Conclamar os Estados Membros das Nações Unidas a reforçarem a proteção da criança UNICEF Conselho de Segurança Produzir estudos e relatórios sobre a situação da criança em todo mundo referente à saúde, educação, qualidade de vida e envolvimento em conflitos armados Realização da Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Criança (2002) Promoção da Década Internacional de Cultura de Paz e Não Violência para as Crianças do Mundo (2001-2010). Publicação de estudos e relatórios sobre a situação mundial da infância Produzir resoluções sobre “Crianças e Conflitos Armados” “6 graves violações contra os direitos das crianças” Identificar e listar os grupos armados ou forças armadas nacionais que empregam ou empregaram crianças ou que cometeram graves violações contra os direitos das crianças Estabelecimento do mecanismo Naming and Shaming ou “lista da vergonha” Monitorar as partes listadas Autorizar o uso de sanções contra as partes listadas que não Estabelecimento do Monitoring and Reporting Mechanism (MRM); Criação do Grupo de Trabalho do Conselho de Segurança sobre Crianças e Conflitos Armados; Documentos relevantes sobre a proteção da criança em conflitos armados Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento da Criança (2000) A World Fit for Children (2002) Resolução A/RES/48/157 The State of the World’s Children (publicado periodicamente desde 1996) Progress for Children (publicado periodicamente desde 2004) Resoluções sobre “Crianças e Conflitos Armados” 70 respeitarem os planos de ação estabelecidos Solicitar relatórios ao Secretário-Geral, quando necessário Analisar os progressos no desenvolvimento e implementação de planos de ação Produzir relatórios anuais sobre “Crianças e Conflitos Armados” Produzir estudos e monitoramento específico sobre as condições das crianças envolvidas nos conflitos armados Secretariado Uso de sanções contra as partes listadas que não respeitarem os planos de ações para impedir o recrutamento de crianças. Listar as partes beligerantes que violam os direitos das crianças Lançamento da campanha “Crianças, Não Soldados”, em parceria com a UNICEF Relatório Machel (1996) Machel Study 10-Year Strategic Review: Children and Conflict in a Changing World Relatórios “Crianças e Conflitos Armados” Reforçar a proteção das crianças afetadas por conflitos armados, promover a coleta de informações sobre a situação das crianças afetadas pela guerra e promover a cooperação internacional para melhorar a sua proteção Fazer recomendações ao Conselho de Segurança, quando necessário Elaboração própria com base nos dados oficiais das Nações Unidas37. As divergências entre esses órgãos referem-se mais às respectivas funções desempenhadas e focos de abordagem: alguns órgãos focam-se em como proteger as crianças das ameaças multidimensionais que estão expostas (fome, pobreza, doenças, conflitos 37 Dados disponíveis em: <http://www.un.org/en/ga/documents/index.shtml>; <http://www.unicef.org/>; <http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/>; < http://www.un.org/en/sections/aboutun/secretariat/index.html> 71 armados, etc), enquanto outros direcionam seus trabalhos para a questão de como combater as partes beligerantes que empregam as crianças-soldado, ou seja, que mecanismos utilizar para punir aqueles que utilizam crianças e como prevenir o recrutamento. Podemos observar que o Conselho de Segurança desempenha um papel central de elaborar mecanismos e ações a serem tomadas. Porém, o foco do CS não é tanto como proteger as crianças, mas sim como combater as partes beligerantes que empregam crianças em conflitos armados. O Secretariado converge com o CS no sentido em que também compartilha essa preocupação em pressionar as partes que utilizam crianças. As medidas e abordagens adotadas por esses dois órgãos reforçam-se mutuamente ao insistirem no mesmo aspecto: nomear e intimidar os recrutadores de crianças-soldado. O Secretariado lista nos anexos de seus relatórios aqueles que empregam crianças e pode solicitar ao CS, quando achar necessário, que tome medidas mais efetivas contra violações aos direitos das crianças. O Conselho de Segurança, por sua vez, segue tomando medidas contra as partes listadas pelo Secretariado e pode solicitar que este órgão desenvolva mais estudos, relatórios e pesquisas sobre o emprego de crianças-soldado. Sendo assim, ambos os órgãos se complementam e se fortalecem, tomando medidas mais rígidas e precisas. Os trabalhos da UNICEF e da Assembleia Geral convergem em focar mais a proteção da criança, abordando medidas relacionadas ao bem-estar e direitos da criança como saúde, educação, alimentação e proteção contra violência e exploração. Entretanto, há uma diferença importante entre esses dois componentes das Nações Unidas: enquanto a Assembleia Geral assume o papel de fazer recomendações aos demais órgãos da ONU, a UNICEF desempenha a função de produzir estudos que respaldem e confirmem as ações que Assembleia Geral, CS e Secretariado praticam. O trabalho da UNICEF é significativo, visto que possibilita estabelecer ligações entre os fatores que afetam a vida da criança e como eles determinam ou influenciam o recrutamento de crianças. Para o sistema das Nações Unidas, é importante identificar quais aspectos ameaçam as crianças, de que forma afetam negativamente as crianças e como devem ser combatidos. Com base nos dados e estudos divulgados pelo Fundo das Nações Unidas, é estabelecido um cenário geral da situação das crianças em todo o mundo. Desse modo, a UNICEF e a Assembleia Geral complementam o trabalho do CS e do Secretariado na medida em que contribuem para formar um panorama dos motivos que causam o recrutamento de crianças. Juntos, os trabalhos dos órgãos da ONU formam um cenário para legitimar medidas mais rígidas naqueles países mais subdesenvolvidos, dado que a pobreza é indicada pela 72 UNICEF como um dos fatores que ameaça a criança e contribui para seu emprego como soldado. Esse panorama estabelecido pelos órgãos da ONU gera um padrão em suas ações, pois elas são guiadas pela ideia de mudança na natureza dos conflitos e de Segurança Humana, ou seja, que é legítimo adotar medidas mais rígidas e com caráter intervencionista em prol da proteção do ser humano, especialmente da criança. Assim, percebemos que existe uma convergência de ações entre os órgãos das Nações Unidas estudados que reforçam o mesmo argumento desenvolvido pelos estudiosos das “novas guerras”: que o aumento de criançassoldado é algo característico dos conflitos recentes e é provocado pelo excedente de armas leves do pós-Guerra Fria. 3.2 Consequências e impactos do tratamento da criança-soldado na agenda da ONU Conforme vimos no Capítulo 2, os órgãos das Nações Unidas tomaram uma série de medidas no que concerne à proteção de crianças em conflitos armados. Diante disso, apontaremos algumas consequências e impactos que as ações da ONU geraram. Primeiramente, destacamos a ampla legislação internacional de proteção da criança estabelecida no âmbito da ONU – como a Declaração dos Direitos da Criança (1959), os Protocolos Adicionais I e II da Convenção de Genebra (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), entre outros – que representa um esforço significativo de conclamar os Estados a reforçarem que a criança merece proteção especial, principalmente durante conflitos armados, e que, portanto, a utilização da criança como soldado é algo inaceitável. O ex-Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, reiterou que: Desde 1990, por meio da Convenção sobre os Direitos da Criança, de seus dois protocolos facultativos, da Declaração do Milênio e seus objetivos associados, de ‘Um mundo para a criança’ e de outras iniciativas internacionais, regionais e nacionais, nós nos comprometemos com uma concepção de infância que traz profundas implicações e que se manterá por décadas, e até mesmo por séculos. Mais do que em qualquer outra época, esse compromisso nos dá uma visão clara do que deve ser uma infância segura, saudável e ativa. (UNICEF, 2005, p. 89). Entretanto, a assinatura e ratificação dos documentos internacionais depende da vontade política de cada Estado de estabelecer uma legislação interna de proteção da criança e de participar dos padrões internacionais de direitos das crianças. 73 Segundo o relatório da Child Soldiers International de 2012, que analisou as legislações e práticas de mais de 100 países, o emprego de crianças em conflitos ainda persiste mesmo com o Protocolo Facultativo que estabelece 18 anos como a idade mínima para recrutamento. De acordo com o estudo, isso ocorre devido a fatores como o desconhecimento da legislação existente; estruturas de comando fracas e falta de disciplina nas forças armadas; mecanismos informais de recrutamento que não são identificados, tampouco registrados nos relatórios das Nações Unidas; existência de incentivos para alcançar quotas de recrutamento ou sanções por não conseguir alcançá-las; baixas taxas de registro de nascimento e falta de procedimentos para verificação da idade daqueles que são recrutados; e falta de investigação quando violações da idade mínima de recrutamento ocorrem. Todos esses fatores constituem brechas para que forças armadas continuem utilizando crianças (CHILD SOLDIERS INTERNATIONAL, 2012a). Apesar de a Convenção sobre os Direitos da Criança ter tido grande aceitação internacional, seu Protocolo Facultativo – que constitui um dos principais documentos sobre o recrutamento de crianças – não alcançou uma adesão tão ampla. Ainda há países que não o assinaram ou não o ratificaram38. Em 2015, o Protocolo havia sido ratificado por 162 países (OFFICE...[2015j]), diferentemente da Convenção sobre os Direitos da Criança que é “[...] o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal”. 195 países a ratificaram, incluindo Somália e Sudão do Sul que o fizeram em 2015, porém os EUA ainda não a ratificaram (UNICEF, [2015b]) Notamos que, em última instância, o estabelecimento de padrões universais contra o recrutamento de crianças ainda esbarra na disposição interna de cada Estado de aderir a tais normas. A existência de uma legislação internacional sobre proteção e recrutamento de crianças-soldado é relevante no sentido em que demonstra que essa é uma questão que desperta preocupação global. Entretanto, isso não é suficiente para fazer com que as normas estabelecidas sejam firmemente aplicadas e que os Estados realmente sintam a necessidade ou a obrigação de pertencer a esse conjunto de documentos. Além de analisar essas consequências do estabelecimento da legislação internacional sobre a criança, buscamos analisar o impacto que as sanções impostas pelo Conselho de Segurança geraram na efetiva proteção da criança. De fato, o Capítulo VII da 38 A implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança por seus Estados Partes é monitorada pelo Comitê sobre os Direitos da Criança que é um órgão constituído por 18 peritos independentes. O Comitê também acompanha a implementação do Protocolo Facultativo sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados (OHCHR, 2015). 74 Carta da ONU autoriza o Conselho de Segurança a tomar uma ampla gama de medidas, incluindo o uso da força, em nome de manter ou restabelecer a paz. Com o fim da Guerra Fria, o CS adotou sanções de forma recorrente em diversos países como nas repúblicas da exIugoslávia (resolução 713 em setembro de 1991); na Somália (resolução 733 em janeiro de 1992), na Líbia (resolução 748 em março de 1992); e o Iraque foi submetido a sanções abrangentes (resolução 661 em agosto de 1991) (DAPONTE, 2000; LOPEZ, 2012). A aplicação de sanções baseia-se na suposição de que a pressão imposta pela sanção – ou pela ameaça dela – pode gerar uma mudança de conduta (CRAVEN, 2002). No entanto, nem sempre as tentativas de coerção econômica são suficientes para deter as práticas de grupos armados ou forças nacionais, já que possuem diversos meios para manter seu funcionamento – incluindo o tráfico – como forma de contornarem as dificuldades formais impostas pelas sanções (GARFIELD; GIBBONS, 1999). Segundo Lisa Martin (1993), as sanções são usadas para demonstrar a determinação e seriedade com que um assunto é tratado pela comunidade internacional. Mesmo quando as sanções têm pouco impacto econômico, elas ainda podem ser consideradas bem-sucedidas se as mensagens simbólicas são retransmitidas às partes sancionadas. Baldwin (1997) argumenta que as sanções têm uma dupla função: uma simbólica, no sentido de transmitir a mensagem de que a comunidade internacional está disposta a tomar medidas mais rígidas sobre determinado tema; e uma função estratégica, de atingir objetivos políticos e econômicos, dificultando as ações daqueles que são sancionados. Levando em conta essas duas funções, as sanções previstas na gama de ações do CS – que incluem o embargo de armas – podem reduzir a capacidade operacional de grupos envolvidos em violações contra as crianças, minimizando o impacto dos conflitos sobre elas, e incentivando uma resolução pacífica. Uma vez impostas, as sanções também podem ajudar a induzir mudanças de comportamento, particularmente quando combinadas com alterações na liderança (e, portanto, de interesses políticos e metas). Em sua função simbólica, as sanções funcionam como forma de enviar uma forte mensagem de não-tolerância de violações contra as crianças. A sanção é aplicada como um meio de reforçar a proteção da criança em conflitos armados e pressionar as partes beligerantes que empregam crianças. Dessa forma, sua legitimação perante a comunidade internacional ganha força, visto que há uma crença no dever ético e moral de proteger as crianças, estabelecendo seus direitos básicos que estão previstos na legislação internacional – como direitos à saúde, educação e segurança. 75 Em seu relatório anual de 2012 ao Conselho de Segurança, o Secretário-Geral declarou que "A ameaça de sanções envia um forte sinal às partes que cometem graves violações, e tem contribuído para uma maior conformidade com a agenda do Conselho de Segurança sobre as crianças e conflitos armados” (UN, 2012). Posto que as sanções têm caráter simbólico e estratégico, consideramos que, no que concerne ao aspecto simbólico, as sanções cumprem a função de passar a mensagem de que o sistema da ONU se preocupa com as crianças recrutadas em conflitos armados. Porém, quanto aos objetivos estratégicos, a aplicação de sanções mostra resultados mais tímidos, uma vez que ainda são pouco aplicadas – indivíduos de apenas dois países sofreram sanções devido ao recrutamento de crianças-soldado – e seus resultados para a proteção da criança ainda são difíceis de serem mensurados (ECKENFELS-GARCIA; KOLLER, 2015; CLAWSON, 1993). Outra consequência que as medidas tomadas pelo sistema das Nações Unidas trouxeram para a proteção das crianças em conflitos armados foi a libertação de criançassoldado dos grupos dos quais participavam. De acordo com os dados da UNICEF, mais de 100 mil crianças foram libertadas e reintegradas nas suas comunidades desde 1998 em mais de 15 países afetados por conflitos armados. Em 2010, a UNICEF apoiou a reintegração de 11.400 crianças anteriormente associadas às forças e grupos armados, juntamente com outras 28 mil crianças vulneráveis afetadas pelo conflito (UNICEF, 2010). No entanto, os esforços para libertar as crianças-soldado e facilitar sua recuperação e reintegração, muitas vezes, ficam aquém das necessidades. Em algumas situações em que as crianças estão ativamente envolvidas em conflitos armados não há programas formais para libertá-las e apoiar a sua reintegração. Onde existem tais programas, as crianças-soldado não podem acessá-los sempre ou recebem assistência insuficiente para o complexo processo de reintegração (CHILD SOLDIERS INTERNATIONAL, 2015a). O número de crianças libertadas, contudo, não é o ponto mais relevante. Mais do que isso, importa verificar como as crianças estão sendo reintegradas na vida civil. Nesse sentido, o sistema das Nações Unidas começou a adotar iniciativas para pensar o pós-conflito, ou seja, como reintegrar as crianças-soldado à sociedade. O programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) é considerado pela ONU parte integrante dos processos de construção e manutenção da paz. Em muitos países, o programa está previsto nos próprios mandatos das Operações de Manutenção da Paz (OMP) e foi desenvolvido como 76 um modo de conferir identidade civil aos ex-combatentes associados às partes beligerantes de um conflito, a fim de evitar que voltem a participar das hostilidades (DKPO, [2015]). O programa possui três fases principais: o desarmamento – que consiste na coleta, documentação, controle e descarte de armas pequenas, munição, explosivos e armas leves; desmobilização – referente à libertação formal e controlada de combatentes de forças armadas e grupos armados e que inclui uma fase de reinserção que, por sua vez, ocorre quando excombatentes adquirem estatuto civil e ganham emprego e renda sustentável; e a reintegração – processo econômico e social a longo prazo em que o combatente é finalmente reintegrado à sociedade civil. Todas essas etapas constituem um processo político a curto, médio e longo prazo que conta com a participação dos ex-combatentes, governos, partes beligerantes, população local e organismos da ONU (UNDDR, [2015]). A princípio, o programa destinava-se somente aos combatentes adultos, porém passou a abranger as crianças-soldado. O DDR, então, emerge como uma ferramenta útil para desarmar, desmobilizar e reintegrar as crianças que participaram do conflito. Entretanto, a fase específica de reintegração da criança em sua sociedade é complexa. Assim como ocorre com ex-combatentes adultos, desarmar e desmobilizar as crianças não garante um retorno automático à vida civil. A reintegração consiste em completar a transição da criança-soldado à sociedade civil, levando em consideração as opções que as esperam nas suas respectivas realidades. Mesmo com o desenvolvimento do DDR direcionado a crianças, vemos que a libertação e reintegração de crianças-soldado é um processo à longo prazo e, como tal, exige um esforço maior do Departamento de Operações de Paz para que seus efeitos sejam realmente sentidos pelas crianças e pelas comunidades em que essas crianças estão inseridas. O julgamento daqueles que recrutaram crianças também é uma consequência importante das medidas mais rígidas adotadas pelas Nações Unidas. Recrutar menores de 15 anos foi considerado um crime de guerra em 1998 (ICC, 1998). Sobretudo o Escritório do Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados, juntamente com Tribunal Penal Internacional, tem reforçado os processos de julgamento dos recrutadores como forma de garantir justiça às crianças. O Tribunal Penal Internacional (TPI), regido pelo Estatuto de Roma, é uma organização internacional independente, e não faz parte do sistema das Nações Unidas. Foi estabelecido para ajudar a pôr fim à impunidade para os autores dos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional. Na década de 1990, após o fim da Guerra Fria, os tribunais, como o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e o Tribunal para Ruanda, foram o resultado de um consenso de que a impunidade é inaceitável. 77 No entanto, eles foram criados para julgar os crimes cometidos apenas dentro de um prazo específico e durante um conflito em particular. Diante disso, houve concordância de que era necessário um tribunal independente e permanente que foi estabelecido com a criação do TPI (ICC, [2015]). O Tribunal Especial para Serra Leoa, por exemplo, teve jurisdição sobre crimes específicos cometidos contra as crianças, tais como o recrutamento de crianças. Mais casos também foram julgados como o de Thomas Lubanga, acusado de recrutamento e uso de crianças com idade inferior a 15 anos. Sobre o caso Lubanga, o Escritório Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados afirma que: A experiência da primeira testemunha no caso Lubanga ilustra as dificuldades em equilibrar a participação com a proteção das crianças em processos de justiça. Em janeiro de 2009, uma ex-criança-soldado, sob o pseudônimo Dieumerci, foi chamada pelo Gabinete do Procurador para testemunhar contra Thomas Lubanga, líder da milícia em que ela havia sido recrutada. Ao assumir o posto, Dieumerci testemunhou que na quinta série, juntamente com outras crianças em idade escolar, foi sequestrado por soldados e levado para um acampamento militar. Conforme a audiência prosseguia, Dieumerci assustou-se e retratou inteiramente seu testemunho. Duas semanas depois, Dieumerci repetiu seu testemunho inicial, explicando que ele se sentiu ameaçado e assustado com a presença do arguido, seu ex-recrutador e comandante, na sala do tribunal. Quando chamado uma segunda vez, Dieumerci testemunhou atrás de uma tela. O réu não era mais capaz de fazer contato visual ou intimidar a testemunha. Este incidente demonstra a necessidade de medidas de proteção para as crianças que são testemunhas e também destaca a necessidade de familiarizar tais crianças antes do julgamento com os procedimentos a serem seguidos (OFFICE..., 2011, p. 16, tradução nossa)39. Os mecanismos estabelecidos para julgar aqueles que violam os direitos da criança assumem duas formas:  Cortes ou tribunais judiciais, como o Tribunal Especial para a Serra Leoa, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda e o Tribunal Penal Internacional; 39 No original: “The experience of the first witness in the Lubanga case illustrates the difficulties in balancing participation with the protection of children in justice processes. In January 2009, a former child soldier given the pseudonym Dieumerci, was called by the Office of the Prosecutor to testify against Thomas Lubanga, leader of the militia into which he had been recruited. Upon taking the stand, Dieumerci testified that when in fifth grade he, along with other school children, was kidnapped by soldiers and taken to a military camp. As the hearing progressed, Dieumerci became frightened and eventually recanted his testimony entirely. Two weeks later, Dieumerci took the stand again and repeated his initial testimony, explaining that, the first time he gave evidence before the court, a lot of things went through his mind; in particular, he felt threatened and scared by the presence of the defendant, his former recruiter and commander, in the courtroom. When called a second time, Dieumerci gave evidence from behind a screen. The defendant was no longer able to make eye contact or to intimidate the witness. This incident demonstrates the need for protective measures for children who give evidence and also highlights the need to familiarise child witnesses prior to the trial with the layout of the courtroom, the persons likely to be present and the procedures to be followed”. 78  Comissões de verdade e reconciliação mais informais, como no caso da Libéria. Através desses dois mecanismos de justiça, as crianças também se tornaram mais participativas nos processos de julgamento, atuando como testemunhas através de sessões fechadas que as protejam. Os tribunais ainda proporcionam assistência às vítimas sob a forma de reabilitação física, educação e apoio psicossocial. Dessa forma, a justiça para a criança defendida pelas cortes, tribunais e comissões não inclui somente a punição dos agressores, mas a restauração dos direitos da criança (OFFICE..., [2015j]). Além de promover justiça para as crianças, existem iniciativas do Escritório do Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados para que as crianças associadas a grupos armados – muitas vezes vistas como ameaças à segurança nacional – não sejam detidas. As crianças que são colocadas em detenção, por vezes, são mantidas em condições que não cumprem as normas mínimas estabelecidas em vários instrumentos jurídicos internacionais sobre justiça juvenil. Estas crianças são frequentemente detidas por longos períodos de tempo sem serem concedidas garantias jurídicas. Quando privadas de sua liberdade, as crianças são particularmente vulneráveis a abusos. Como resultado, essas crianças são frequentemente julgadas sem assistência jurídica e sem um claro entendimento das acusações apresentadas contra elas. Apesar da intenção de fortalecer o julgamento devido ao recrutamento de crianças, a Child Soldiers International chama atenção para o fato de que ainda é necessário que os Estados aumentem a cooperação com o TPI em investigações e julgamentos de tais crimes, incluindo identificação e localização de testemunhas, prisão de indivíduos em seus seus territórios e cooperação na implementação de reparações às vítimas. Ou seja, há a necessidade de que os próprios Estados cooperem com a proteção das crianças e não sejam cúmplices dos violadores dos direitos das crianças (CHILD SOLDIERS INTERNATIONAL, 2012a). Além disso, mesmo com os esforços do TPI, os casos de condenação por recrutar crianças-soldado são pouco expressivos. Thomas Lubanga foi condenado a 14 anos de prisão, no entanto, Mathieu Ngudjolo Chui – líder do grupo Front des nationalistes et intégrationnistes (FNI) na República Democrática do Congo, também acusado de recrutar menores de 15 anos – foi absolvido (ICC, [2015]). Merece destaque o fato de que o CS ou um Estado Parte podem denunciar o recrutamento ao Promotor do Tribunal ou o próprio Promotor pode instaurar uma investigação sobre tal crime (ICC, [2015], art. 13). 79 Percebemos que as medidas adotadas pelo sistema das Nações Unidas realmente colocam o foco na criança e a inserem nas agendas de Segurança Internacional e desenvolvimento global, fazendo com que a proteção das crianças se torne um assunto de maior urgência. O ex-Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, ainda acrescenta que: O recrutamento forçado e o uso de crianças como soldados é um dos mais assustadores abusos aos direitos humanos no mundo hoje. Milhares de crianças estão sendo exploradas. Todos os dias, elas são forçadas a suportar e a provocar violência, algo que nenhuma criança deve experimentar. Isto é inaceitável. O recrutamento e uso de crianças em guerras é uma violação ao direito internacional. Também é uma violação aos nossos mais básicos padrões de decência humana. Todo o Sistema das Nações Unidas e eu estamos determinados a acabar com este abuso (ONU, 2009)40. Essa passagem reforça que o emprego de crianças-soldado não é somente reproduzido como um problema no campo da Segurança Internacional, mas também como uma verdadeira emergência internacional que carrega em si uma forte demanda por respostas urgentes em forma de intervenções internacionais, visto que a sobrevivência da criança e seu futuro estariam ameaçados (TABAK, 2014). Dessa forma, todas as iniciativas da ONU sobre essa questão podem ser lidas com uma forma de alimentar essa ideia de que impedir o recrutamento de crianças é uma emergência internacional. Assim, a intervenção em prol de proteger as crianças-soldado é retratada como uma prática inquestionável, obrigatória e urgente (TABAK, 2014). No entanto, percebemos que, apesar da urgência com que o assunto é tratado no âmbito da ONU, o impacto de tais medidas na proteção da criança e efetiva reintegração da criança-soldado na vida civil ainda é tímido. Concluímos que, de fato, existem consequências e impactos das ações das Nações Unidas e que isso cria um senso de urgência nas ações adotadas no âmbito da ONU, chamando a atenção dos Estados para a necessidade de garantir mais proteção para as crianças e reintegrar as crianças-soldado à sociedade. Todavia, o resultado de tais medidas ainda é pequeno se comparado ao tom de emergência que as Nações Unidas conferiram ao tema. Principalmente no que concerne ao emprego de crianças-soldado, as ações adotadas enfrentam resistência de alguns Estados em colaborar com o padrão de normas e documentos internacionais estabelecidos – como a idade mínima de recrutamento que o Protocolo Facultativo estabelece – e de colaborar com as investigações e processos dos violadores de direitos das crianças. Dessa forma, as Nações Unidas conseguem passar a mensagem de que 40 Discurso durante o evento da “Campanha ‘Mão Vermelha’”, Nova York. 80 há uma preocupação internacional cada vez maior com assuntos que envolvem o bem-estar da criança e que o recrutamento de menores de 18 anos é desaconselhável, porém, em termos práticos, a Organização admite dificuldades de reintegrar as crianças na sociedade e evitar que mais crianças-soldado sejam recrutadas (DPKO; OSRSG; UNICEF, 2012). 3.3 Dificuldades e contradições nas medidas de proteção das crianças-soldado Após analisarmos os trabalhos dos diferentes componentes da ONU, suas convergências e divergências e os impactos e consequências que as medidas das Nações Unidas geram, cabe agora analisarmos as contradições e dificuldades que o sistema da ONU enfrenta ao estabelecer um padrão de atuação de proteção da criança e combate ao emprego de crianças-soldado. Primeiramente, notamos a dificuldade da Organização de lidar com diferentes concepções de criança – que perpassam as legislações internas de cada país. Por um lado, a Organização não pode suprimir as legislações internas e a autonomia de cada Estado de estabelecer os padrões que considera aceitáveis sobre a criança – ou seja, qual deve ser a idade mínima de recrutamento, a partir de que idade o ser humano é considerado um adulto, quais são os deveres e direitos da criança, a partir de que idade pode-se dirigir, votar e responder judicialmente por crimes –, por outro lado, há um esforço de estabelecer padrões de proteção da criança que demandam consensos globais sobre esses fatores, principalmente sobre o que é a criança. Diante dessa dificuldade de se estabelecer um padrão universal frente a uma diversidade tão grande de concepções que cada Estado apresenta, a ONU parece priorizar a proteção de crianças e, consequentemente, o combate ao emprego de crianças-soldado em regiões consideradas menos desenvolvidas, dado que a pobreza e o subdesenvolvimento são considerados ameaças constantes às crianças. Nesse sentido, chama a atenção o rigor que os órgãos das Nações Unidas adotam quando se trata de países subdesenvolvidos que empregam crianças como soldados ou que não aderem aos padrões internacionais de proteção da criança, em contraposição com uma postura mais conivente quando se trata de países mais desenvolvidos que fazem o mesmo. Quando se trata das questões referentes às crianças em conflitos armados em países de menor desenvolvimento socioeconômico, sobretudo na África, o argumento defendido em âmbito internacional modifica-se de modo a elevar a proteção da criança ao nível da Segurança – ou 81 seja, há uma exacerbação do discurso de proteção da criança – que faz com que aqueles países ou grupos armados que empregam crianças e que estão em situação de subdesenvolvimento econômico sejam vistos como inimigos que devem ser combatidos. No continente africano, por exemplo, há uma legislação própria de proteção da criança, a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança41, que estabelece que uma criança é todo ser humano com idade inferior a 18 anos e reconhece os seus direitos, liberdades e deveres, sendo que qualquer costume, tradição, prática cultural ou religiosa que é inconsistente com esses direitos é desencorajado. A Carta ainda estabelece claramente no art. 22 que as crianças não devem ser recrutadas como soldados, nem devem tomar parte direta nos combates. Mesmo com esse documento, que converge com a legislação internacional já estabelecida sobre a criança, frequentemente os países africanos são apontados como reduto de recrutamento de crianças, haja vista casos como os de Serra Leoa, Libéria, Costa do Marfim, Sudão, Sudão do Sul e República Democrática do Congo (COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS, [2015]). Não só a África, mas também os grupos armados terroristas ganham destaque. Na literatura, Singer (2005) afirma que as crianças estão cada vez mais presentes também nesses grupos e são utilizadas em operações para atacar alvos muito além das linhas de batalha. Isso ocorre devido ao fato de que as crianças constituem soldados baratos e fáceis de recrutar. Singer ainda ressalta que vídeos de treinamento da Al Qaeda revelam que garotos recebem instruções de fabricação de bombas e fixação de armadilhas explosivas. Além disso, o primeiro militar dos EUA a morrer no Afeganistão foi baleado por um franco-atirador de 14 anos de idade e pelo menos seis meninos com idades entre 13 e 16 anos foram capturados pelas forças dos EUA no Afeganistão e levados para as instalações na Baía de Guantánamo, em Cuba (SINGER, 2005). Ademais, o autor enfatiza que as forças britânicas detiveram mais de 70 jovens iraquianos durante suas operações no Iraque, enquanto as forças dos EUA detiveram 7 jovens iraquianos no ano após a invasão. Os militares dos EUA consideraram estas crianças como ameaças de "alto risco", afirmando que elas foram capturadas enquanto estavam "ativamente engajadas em atividades contra as forças dos EUA." Outro aspecto que chama atenção no terrorismo contemporâneo é o crescimento de atentados suicidas, particularmente no Oriente Médio. Nessas situações, as crianças também estão presentes. Grupos islâmicos radicais como 41 O documento foi assinado e ratificado por 41 países africanos, 9 países assinaram, mas ainda não o ratificaram e apenas 4 países (República Democrática do Congo, Sudão, Sudão do Sul e São Tomé e Príncipe) não o assinaram (COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS, [2015]). 82 a Jihad Islâmica e Hamas recrutaram crianças a partir dos 13 anos para serem homens-bomba e crianças a partir dos 12 para contrabandear armas e explosivos. Pelo menos trinta ataques com bombas suicidas foram realizados por jovens desde que o conflito Israel-Palestina se desencadeou novamente em 2000 (SINGER, 2005, p. 107). Singer explica que os fatores que levaram os grupos palestinos a usar crianças foram a estratégica e a tática. A estratégia, no sentido em que ter crianças participando da violência foi uma maneira de atrair as câmeras de televisão necessárias para manter a causa palestina nas telas do mundo. A tática, no sentido em que as tropas israelenses tinham uma ordem permanente para não disparar contra crianças com idade inferior a 12 anos. Então, atiradores palestinos começaram a trabalhar em conjunto com as crianças, utilizando-as para intimidar as tropas israelenses (SINGER, 2005). Rosen (2005, p. 92) ainda ressalta que uma lista longa e crescente de crianças e jovens se juntou ao Hamas e outros grupos militantes palestinos para cometer atos de terrorismo e suicídio. Em janeiro de 2003, duas crianças – uma das quais foi inicialmente identificada como tendo 8 anos – atacaram um assentamento israelense na Faixa de Gaza e foram baleadas e feridas. Dez dias antes, três jovens de 15 anos foram baleados e mortos durante a tentativa de atacar um outro estabelecimento. O fluxo constante de ataques e atentados suicidas tem valorizado o ideal de martírio pessoal em nome do nacionalismo palestino. Nos relatórios da ONU, há amplo destaque aos grupos islâmicos que cometem violações contra as crianças como Moro Islamic Liberation Front (MILF) nas Filipinas, Talibã no Afeganistão, Mouvement pour l’unicité et le jihad en Afrique de l’Ouest (MUJAO) no Mali, Estado Islâmico, Al Shabaab na Somália e Al-Qaeda no Iêmen (OFFICE..., [2015a]). Com efeito, quando observamos as principais partes em conflito que recrutam crianças, grupos da África e Oriente Médio chamam a atenção pela recorrência de casos envolvendo crianças. Não negamos a preocupação que esses casos despertam, contudo ressaltamos a necessidade de se olhar para a proteção de crianças – e seu emprego em forças armadas e grupos armados – de forma mais ampla, dado que o envolvimento de crianças em atividades militares não ocorre somente durante conflitos armados, mas pode estar presente na sociedade através de uma cultura que incentive e veja como natural o fato de crianças empunharem armas ou envolverem-se em atividades militares antes dos 18 anos. Assim, buscamos explicitar que existem casos que não recebem tanta atenção internacional, sobretudo da ONU, mas consistem em incentivos – ou conivência – à participação de crianças como soldados. 83 O Reino Unido – que é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU – possui a menor idade de recrutamento na Europa: 16 anos (THE GUARDIAN, 2013). Nos relatórios da Child Soldiers International, o Reino Unido aparece ao lado de Chade, Índia, Mianmar, República Democrática do Congo e Tailândia, pois todas essas regiões têm em comum o recrutamento de menores de 18 anos em suas forças armadas (CHILD SOLDIERS INTERNATIONAL, 2015b). O Reino Unido somente ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à participação de crianças em conflitos armados em 2003, fazendo uma ressalva que reserva o direito de utilizar menores de 18 anos em certas circunstâncias que considera justificada. Esta política tem sido criticada pelo Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança – o órgão responsável pela supervisão da aplicação do Protocolo Facultativo. O Comitê tem pressionado o Ministério da Defesa a fim de que o Reino Unido aumente a idade de recrutamento para 18 anos (TAYLOR, 2014). O argumento para resistir às demandas do Comitê da ONU sobre Direitos da Criança é que existiria uma necessidade de se recrutar menores de 18 anos, a fim de competir em um mercado de trabalho cada vez mais acirrado (CHILD SOLDIERS INTERNATIONAL, 2012b). Já os Estados Unidas – também membro permanente do Conselho de Segurança – publicou até mesmo o Child Soldiers Prevenction Act (CSPA), em 2008, que visava impedir que o país fornecesse assistência militar a nações que têm "forças armadas governamentais ou grupos armados apoiados pelo governo, incluindo paramilitares, milícias, ou forças de defesa civil, que recrutam e usam crianças-soldado”. Tal documento exige que a Secretaria de Estado publique uma lista de governos que recrutam e usam crianças como soldados ou que apoie grupos armados que usem crianças-soldado. Os países que forem citados ficam sujeitos a restrições em matéria de assistência de segurança para treinamento e equipamento militar (UNITED STATES OF AMERICA, 2008a). Entretanto, o presidente dos EUA tem o poder de revogar essas restrições se achar que é necessário fazê-lo. Desse modo, o presidente pode voltar a prover assistência a um país se considerar que este implementou medidas que incluam um plano de ação que restrinja o uso de crianças-soldado e a implementação de políticas e mecanismos que previnam e proíbam uma possível reincidência do recrutamento de crianças42. O presidente ainda tem autorização 42 Em 2013, por exemplo, os Eua retiraram as sanções contra Chad, Sudão do Sul e Iêmen (UNITED STATES OF AMERICA, 2013). 84 para prover assistência em educação militar, treinamento e material não-letal, desde que o governo do país em questão esteja tomando medidas para desmobilizar, reabilitar e reintegrar as crianças-soldado e desde que a assistência proporcionada pelos EUA vá diretamente para programas ligados ao apoio da profissionalização militar. O Child Soldiers Accountability Act, também de 2008, e complementar ao CSPA, torna um crime federal o ato de recrutar soldados menores de 15 anos de idade e permite aos EUA processar qualquer indivíduo em solo estadunidense que tenha recrutado menores de 15 anos. O documento ainda prevê penas de 20 anos ou mais e a deportação ou a negação de entrada nos EUA para quem infringir a lei (UNITED STATES OF AMERICA, 2008b). Contraditoriamente ao CSPA, os EUA não ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 1989) e ainda são um país em que menores de 18 anos podem ser condenadas à prisão perpétua. Conforme o relatório da Anistia Internacional lembra, nos Estados Unidos uma pessoa menor de 18 anos não pode votar, comprar álcool e cigarro, tampouco assumir cargos públicos, porém essa mesma pessoa pode ser sentenciada a morrer na prisão por seus atos. De acordo com o relatório This is where I’m going to be when I die, da Anistia Internacional: Diante de um consenso legal e moral, praticamente universal, de que a prisão perpétua sem a possibilidade de libertação nunca deve ser usada contra as crianças, os EUA são o único país no mundo que impõe esta sentença. Mais de 2.500 pessoas estão presas nos EUA sem a possibilidade de libertação, por crimes cometidos quando eram menores de 18 anos. Indivíduos que tinham apenas 11 anos quando cometeram o crime enfrentaram essa sentença nos EUA (AMNESTY INTERNATIONAL, 2011, p. 1, tradução nossa) 43. Os EUA possuem mecanismos legais nacionais destinados a combater o emprego de crianças-soldado. Porém, quando analisamos a conduta interna do país em relação às suas crianças e sua concepção de infância, percebemos que há uma noção de que a criança tem certa responsabilidade por seus atos e consciência de suas ações, visto que ela pode ser até mesmo julgada e condenada a penas que se esperaria para um adulto. O país possui uma rigidez ao condenar as crianças judicialmente, porém não apresenta tanta preocupação em aderir aos padrões de proteção da criança. 43 No original: “In the face of a virtually universal legal and moral consensus that life imprisonment without the possibility of release should never be used against children, the USA is the only country in the world imposing this sentence.More than 2,500 people are serving life impriso nment without the possibility of release in the USA for crimes committed when they were younger than 18 years old. Individuals as young as 11 at the time of the crime have faced this sentence in the USA.” 85 Os EUA votaram contrariamente a todas as resoluções da Assembleia Geral referentes à Declaração sobre os Direitos da Criança. Na resolução 63/241, adotada pela Assembleia Geral em 24 de dezembro de 2008, sobre a implementação da Convenção, os EUA foram o único país a votar contrariamente, 159 países votaram “sim” e nenhum se absteve (UN, 2009). Tal posicionamento do país chama atenção, pois, em matéria de proteção das crianças, as resoluções costumam ter um alto índice de aprovação e e os EUA destoam dessa tendência. No âmbito da Assembleia Geral, apenas uma resolução gerou um maior número de votos contrários, que foi a resolução 58/245, adotada pela Assembleia Geral em 23 de dezembro de 2003, que determinava que as atividades do mandato do Representante Especial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados deveriam ser apoiadas por um financiamento orçamentário regular, devido à instabilidade financeira do Escritório do Representante Especial. 115 votaram favoravelmente e 20 votaram contrariamente (UN, 2004). Em suma, o estudo dos casos dos EUA e Reino Unido é relevante, pois mostra como o tema é abordado de formas diferentes dependendo do país onde ocorrem as violações contra as crianças. Existe, pois, uma contradição nas legislações internas de alguns países e as atitudes que tomam em âmbito internacional: na esfera doméstica são mais complacentes com o envolvimento de crianças em atividades militares, mas na esfera internacional condenam o recrutamento de crianças e a sua exploração. Também existe uma contradição do próprio sistema da ONU, pois ele direciona a atenção internacional para casos específicos de recrutamento de crianças-soldado que ocorrem em alguns países, elevando o tratamento do tema à esfera da Segurança, mas não confere o mesmo tratamento emergencial para todos os casos, sobretudo quando se trata de países que não estão envolvidos em conflitos armados e são mais desenvolvidos economicamente e que possuem maior influência internacional. Outro aspecto problemático é a insistência dos órgãos da ONU em afirmar que o recrutamento de crianças é causado pelas mudanças nas táticas de guerra e proliferação de armas leves. A prevalência de uma perspectiva como essa é o que fortalece o argumento da ONU de que, atualmente, o recrutamento de crianças-soldado é uma nova ameaça e, como tal, deve ser combatida como um problema de Segurança Internacional e não somente como um crime de guerra, sobretudo em países que não possuem uma estrutura estatal bem preparada para combater a utilização de crianças-soldado. 86 A explicação dada pela ONU é contraditória e insatisfatória, porque, em primeiro lugar, não explica o recrutamento de crianças em conflitos do passado, quando não existiam armas leves e, em segundo lugar, não leva em conta que o fluxo de armas leves que alimenta diversos conflitos no mundo vem de muitos países desenvolvidos, envolvendo uma rede complexa de atores, além do tráfico de armas e meios paralelos de enriquecimento que são fundamentais para a continuidade desses conflitos. Existe, pois, uma necessidade de entendimento de que os fatores mais profundos que possibilitam o emprego de crianças-soldado vão além da disponibilidade de armas. Eles estão inseridos em uma lógica maior do conflito que perpassa o tráfico, o comércio ilegal e o roubo. Essas atividades, muitas vezes, inserem-se na lógica dos próprios países industrializados. Observamos que colocar o foco na abundância de armas leves nos países que passam por conflitos suscita algumas perguntas não respondidas pelas Nações Unidas como: quem fornece as armas?; de que modo?; através de que meios?; a troco de que?; e por quem essas armas são usadas? Respondendo a essas perguntas, tem-se a visão mais completa de um cenário internacional em que, de fato, proliferam vários conflitos armados intraestatais, mas que envolvem redes de relações econômicas, comerciais e políticas que abarcam diversos países. Portanto, o emprego de crianças-soldado é mais bem compreendido levando em conta os variados fatores que desencadeiam um conflito armado e não somente explicações com base no subdesenvolvimento e na disponibilidade de armas em um país. Trata-se, então, de olhar para além dos lugares em que os conflitos que empregam crianças acontecem, para além daqueles países listados nos relatórios do Secretário-Geral e compartilhar as responsabilidades pelo recrutamento de crianças-soldado. A maior dificuldade que a Organização enfrenta é envolver igualmente e de forma equilibrada os países membros da ONU – e até mesmo grupos não-estatais – para que assumam responsabilidades de proteção da criança e erradicação do recrutamento de menores de 18 anos nos diferentes contextos de cada Estado, ou seja, em países desenvolvidos, subdesenvolvidos, que passam ou não por conflitos, mas que ainda sim empregam crianças. 87 Conclusões Enxergamos que a emergência do emprego de crianças-soldado como um tema de preocupação global é fruto mais de um contexto que favorece a relevância da Segurança Humana do que de fatores realmente novos que propiciam o emprego de crianças-soldado. Neste trabalho, destacamos que o emprego de crianças como soldados não é algo recente, tampouco fruto de supostas mudanças na natureza e na tecnologia dos conflitos. Propusemos que o tema só ganhou notoriedade recentemente, devido ao estabelecimento de uma concepção universal sobre a criança, desenvolvimento da Segurança Humana e estudos sobre as “novas guerras” que explicariam o uso de crianças-soldado a partir da década de 1990. Com base nesses fatores, as Nações Unidas puderam estabelecer os alicerces para seu trabalho no combate ao emprego de crianças-soldado. Ao fim desta pesquisa, reafirmamos que a ONU não é um sistema homogêneo. A Organização é formada por uma emaranhada rede de agências, fundos e órgãos que desempenham diferentes funções. Ainda assim, há uma interligação e uma coerência entre suas abordagens. Percebemos que há uma divisão de tarefas entre os órgãos da ONU, em que a UNICEF propicia a base para a implementação de medidas mais rígidas, o Secretariado pode solicitar ações ao CS e a Assembleia Geral funciona como um fórum internacional único para a discussão e votação de temas relativos à proteção da criança. Argumentamos que, apesar de diversos órgãos passarem a tratar de questões referentes à proteção das crianças, as abordagens adotadas por esses diferentes órgãos convergem, dado que ressaltam os mesmos fatores como causas do recrutamento de criançassoldado e são amparadas pelos estudos e relatórios da UNICEF que embasam as decisões de órgãos como Conselho de Segurança, Secretariado e Assembleia Geral. Essa convergência nas abordagens é relevante, pois fortalece o discurso da ONU, respaldando ainda mais suas ações. Notamos uma necessidade de existir uma convergência que torne a justificativa e as ações da ONU mais coerentes, de modo a convencer a comunidade internacional da emergência de um novo problema de Segurança. Esse convencimento torna-se mais efetivo na medida em que há uma maior adesão internacional à legislação de proteção da criança e na medida em que os impactos das ações da ONU são percebidos, ou seja, quando mais crianças são libertadas e reintegradas e mais crimes de recrutamento de crianças são julgados. Para a ONU, é relevante que os resultados alcançados por suas ações sejam apresentados através de 88 relatórios e estudos, pois isso reforça a necessidade de proteção das crianças e legitima suas ações. No entanto, não deixamos de ressaltar que as ações e medidas tomadas no âmbito das Nações Unidas geram debates, questionamentos, dificuldades e contradições. Concluímos que as bases utilizadas pelo sistema da ONU para respaldar suas ações contra aqueles que recrutam crianças são questionáveis e a abordagem da Segurança Humana traz consigo a ideia de designar os aspectos que mais ameaçam a vida do indivíduo e a escolha desses aspectos pode ser arbitrária ou direcionada a atender determinados interesses. Ademais, o fato de se tratar a questão como um problema global força os países a aderirem ao padrão de ação estabelecido pela agenda da ONU, entretanto faz com que particularidades de cada país sejam tratadas da mesma forma como se todos os casos de recrutamento de crianças derivassem dos mesmos fatores. Isso obscurece particularidades históricas e sociais, fazendo com que seja mais difícil enxergar o que realmente leva ao recrutamento de crianças em diferentes sociedades e como combater essas causas diversas. O que mais chama a atenção nas explicações que a ONU estabelece em relação ao uso de crianças-soldado é o foco no subdesenvolvimento, não somente como uma dificuldade a ser superada, mas como uma verdadeira ameaça a ser combatida. Os estudos da UNICEF reforçam isso e são amparados pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e pela Agenda de Desenvolvimento. Portanto, além dos conflitos armados, surge um significativo fator econômico-social como forma de explicar a origem do recrutamento de crianças e a ideia de que, combatendo o subdesenvolvimento, grande parte das ameaças às crianças também seria enfrentada. Em última instância, o foco está nas condições de desenvolvimento das crianças. Contudo, ao ressaltar demasiadamente o subdesenvolvimento como o que ameaça a vidas das crianças e o que as leva a serem recrutadas, outros fatores acabam menosprezados como a utilização de crianças como soldados em países desenvolvidos, a alta taxa de natalidade somada à baixa expectativa de vida em alguns países que faz com que o número de crianças na população seja abundante, e a própria concepção de criança que essas sociedades desenvolveram. Não ignoramos o impacto do subdesenvolvimento para a qualidade de vida da criança e que o acesso à educação e saúde, de fato, são aspectos relevantes que oferecem mais oportunidades de desenvolvimento, porém o que questionamos é o foco no subdesenvolvimento como uma ameaça fundamental que constrange a criança a juntar-se às partes em conflito. O foco nesse aspecto faz com que casos de recrutamento de crianças que 89 não ocorrem em Estados subdesenvolvidos – os chamados “Estados Frágeis” – pareçam menos importantes e menos preocupantes. Assim, cria-se uma distinção entre casos de criançassoldado que precisam ser urgentemente combatidos e casos que não são elevados a esse nível de urgência, aparentando serem menos alarmantes. Entretanto, ambos constituem violações aos direitos das crianças. Notamos, então, que nem todos os episódios de emprego de crianças como soldados são tratados igualmente perante o padrão internacional de leis e normas de proteção da criança. Tal disparidade leva a uma visão do recrutamento de crianças como algo exclusivo dos países mais pobres. Não negamos que a abordagem das Nações Unidas, focada no emprego de crianças-soldado como um problema de Segurança Internacional, trouxe impactos significativos como a libertação e reintegração de crianças-soldado e julgamentos de recrutadores de crianças. Com efeito, observamos que os documentos da ONU analisados neste trabalho assumem compromissos relevantes e inéditos com a erradicação do recrutamento de crianças-soldado e com a proteção da criança. Contudo, no plano prático, ou seja, quando analisamos de perto os impactos que as diversas medidas estabelecidas pela ONU geram, vemos que não são proporcionais ao discurso estabelecido. Mesmo que haja casos de aplicação de sanções contra aqueles que recrutaram crianças e julgamentos desse crime de guerra, ainda são casos isolados e os resultados apresentados são tímidos. Há, portanto, uma contradição entre o discurso que a ONU estabelece por meio de seus documentos e a prática, ou seja, os resultados que podem ser verificados. É válido ressaltar que o combate ao recrutamento de crianças-soldado envolve a proteção da criança de forma mais ampla, isto é, as posturas de cada Estado em âmbito interno e externo no que concerne ao tema. Apesar de nosso foco ser a ONU, a atuação individual de cada país no âmbito das Nações Unidas é uma questão que, inevitavelmente vem à tona. Assim como a ONU é formada por diversos órgãos, não podemos esquecer que esses órgãos também são formados por diversos países e suas ações são as expressões das políticas adotadas por cada um desses membros. Isso desperta o debate para as convergências e divergências das posturas de cada Estado no âmbito doméstico e internacional quanto à proteção das crianças e prevenção do recrutamento de crianças-soldado. Nesse sentido, novos questionamentos surgem, como: de que modo conciliar posições divergentes no plano internacional?; qual a forma de fazer com que os Estados assumam compromissos no âmbito da ONU se suas próprias legislações, práticas e costumes internos não convergem com o trabalho proposto pelas Nações Unidas? 90 Ao fim, após traçarmos um panorama geral da atuação da ONU, o que questionamos aqui não é a relevância de combater as constantes violações aos direitos das crianças. Questionamos a forma com que o tema é tratado na agenda da ONU e as ideias centrais que respaldam a abordagem e as ações das Nações Unidas. 91 Referências bibliográficas ALKIRE, S. A Conceptual Framework for Human Security. Centre for Research on Inequality, Human Security and Ethnicity, CRISE Queen Elizabeth House, University of Oxford, 2003. AMNESTY INTERNATIONAL. The Convention on the Rights of the Child. Disponível em: <https://www.amnesty.org/en/documents/ior51/009/1994/en/> Acesso em: 28 maio 2015. . This is where I’m going to be when I die. Children facing life imprisonment without the possibility of release in the USA, 2011. Disponível em: <http://www.amnesty.nl/sites/default/files/public/1111_rap_usa.pdf> Acesso em: 02 jun. 2015. ANZAC. Boy Soldiers. Disponível em: <http://www.anzacs.net/BoySoldiers.htm> Acesso em: 20 jan. 2015. ARON, R. Paz e Guerra entre as Nações. 1ªed. Brasília. Editora Universidade de Brasília, 2002. BALDWIN, D. A. The concept of security. 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