ARTIGO
Tenacidade à Fratura Translaminar Dinâmica de um Laminado
Híbrido Metal-Fibra para Uso em Elevadas Temperaturas
José R. Tarpani, Maria C. A. Gatti
Departamento de Engenharia de Materiais, Aeronáutica e Automobilística, EESC-USP
Resumo: A tenacidade à fratura translaminar dinâmica do laminado híbrido metal-fibra titânio-grafite com matriz termoplástica foi
determinada sob as velocidades de impacto de 2,25 e 5,52 m/s, no intervalo de temperaturas de –196 a +180 °C, e comparada à de
laminados compósitos convencionais de fibras de carbono e resina epóxi. Constatou-se que o laminado híbrido exibe uma tenacidade
à iniciação da fratura inferior à dos compósitos tradicionais com fibras na forma de fita unidirecional, porém superior à dos laminados
convencionais com fibras na forma de tecido bidirecional. Os ensaios de impacto revelaram que, comparativamente ao desempenho
mecânico dos laminados carbono-epóxi, o emprego do laminado híbrido metal-fibra se justifica mais pela sua resistência à propagação
do que à iniciação da fratura dinâmica.
Palavras-chave: Impacto instrumentado Charpy, laminado híbrido metal-fibra, tenacidade à fratura dinâmica.
TÉCNICO
Translaminar Dynamic Fracture Toughness of a Hybrid Fiber-Metal Laminate Devised to
High-Temperature Applications
Abstract: The translaminar dynamic fracture toughness of titanium-graphite hybrid fiber-metal laminate with thermoplastic matrix has
been determined at the impact velocities of 2.25 and 5.52 m/s, within the temperature range from -196 to +180 °C, and compared to
that of conventional carbon-epoxy composite laminates. The hybrid laminate exhibits lower initiation fracture toughness than traditional
unidirectional tape composites though it is tougher than conventional woven fabric laminates. Impact tests revealed that, if compared to
the mechanical performance of conventional carbon-epoxy laminates, the fiber-metal laminate application must rely on its resistance to
dynamic fracture propagation rather than on fracture initiation.
Keywords: Dynamic fracture toughness, hybrid fiber-metal laminate, instrumented Charpy impact testing.
Introdução
CIENTÍFICO
Os tradicionais laminados compósitos de fibras de carbono e
resina epóxi, denominados de ora em diante simplesmente como
C-EPX, em que fibras contínuas de carbono reforçam uma matriz
epoxídica, satisfazem os atuais requisitos de projetos estruturais
de aeronaves subsônicas. Entretanto, aeronaves supersônicas
requerem materiais cujas propriedades mecânicas sejam mantidas
em elevadas temperaturas de serviço. A Companhia Aeroespacial
Boeing é uma das responsáveis pelo projeto americano HSCT
(High Speed Civil Transport), e desenvolveu juntamente à Agência
Aeroespacial Americana - NASA o laminado híbrido metal-fibra
(LMF) TiGra, formado por lâminas alternadas de liga de titânio
(Ti) e de compósito de matriz polimérica termoplástica PEEK
(poli-éter-éter-cetona) reforçado com fibras de grafite (Gra), de
modo a satisfazer os critérios mais severos do projeto HSCT em
que temperaturas de até 180ºC são previstas para fuselagens de
aeronaves se deslocando a velocidades de Mach 2,5[1].
Uma limitação amplamente reconhecida das estruturas
laminares é a sua baixa resistência a impactos transversais[2].
Entretanto, o desempenho dos laminados compósitos aeronáuticos
sob trincamento translaminar dinâmico não foi até o momento
devidamente apreciado, particularmente no caso dos LMF.
A partir dos conceitos da Mecânica da Fratura, é possível inferir
o grau de segurança que um componente estrutural possui contra
fraturas catastróficas em serviço. Um dos parâmetros da Mecânica
da Fratura Elásto-Plástica (MFEP) empregado na estimativa
da resistência dos materiais à fratura lenta (quase-estática), sob
condições de plasticidade à frente da trinca, é a integral-J[3], que
originou o critério de tenacidade à iniciação da fratura Jic. Uma
vez determinado experimentalmente, Jic deve ser validado de
modo a garantir que a zona plástica na ponta da trinca, englobando
a zona de processos de fratura, seja pequena quando comparada
às dimensões do componente. Caso esta condição seja satisfeita,
assume-se que a tenacidade Jic é uma verdadeira propriedade
do material, independentemente do tamanho e da geometria do
componente, sendo então designado JIc e garantindo uma condição
de deformação predominantemente plana no evento da fratura.
No presente trabalho, os conceitos da MFEP tradicional, por
intermédio da integral-J, é estendido ao regime de carregamento
dinâmico sob impacto Charpy de um laminado híbrido metal-fibra
do tipo TiGra possuindo defeitos translaminares, dando origem ao
critério de início da fratura rápida Jid.
É realizada uma comparação, numa base de propriedade
mecânica absoluta (i.e., por unidade de volume do corpo de
prova), da tenacidade à fratura Jid do LMF-TiGra e de laminados
convencionais C-EPX[4], sob duas taxas de carregamento e num
amplo intervalo de temperaturas.
Não obstante as velocidades de impacto aplicadas no presente
estudo sejam relativamente baixas, até 5,5 m/s (20 km/h), a
sua aplicabilidade num contexto da engenharia aeronáutica se
justifica em virtude da relativamente frequente ocorrência de
eventos envolvendo choques entre veículos circulando pela pista e
aeronaves estacionadas, entre aeronaves taxiando em solo, assim
como choques da cauda de aeronaves contra o solo, seja durante
sua a decolagem ou aterrissagem. Desta forma, os resultados
apresentados neste trabalho em termos de tenacidade à fratura
dinâmica podem ser potencialmente utilizados na qualificação
e/ou seleção de materiais de construção aeronáutica sob condições
factíveis de serviço[5,6].
Autor para correspondência: José R. Tarpani, Departamento de Engenharia de Materiais, Aeronáutica e Automobilística, Universidade de São Paulo,
Av. Trabalhador São-Carlense, 400, Parque Arnold Schimidt, CEP: 13566-590, São Carlos, SP, Brasil. E-mail: jrpan@sc.usp.br
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Polímeros, vol. 20, nº 4, p. 246-252, 2010
Tarpani, J. R.; Gatti, M. C. A. - Tenacidade à fratura translaminar dinâmica de um laminado híbrido metal-fibra para uso em elevadas temperaturas
Materiais e Corpos de Prova
Laminado híbrido metal-fibra TiGra
Placas do laminado híbrido TiGra foram confeccionadas na
Universidade de Liverpool-UK, a partir do empilhamento alternado
de 3 lâminas de Ti comercialmente puro e 2 laminados com
7 camadas de pré-impregnado (APC-2 da ICI-Fiberite®) de matriz
termoplástica PEEK (poli-éter-éter-cetona) reforçada com 60% em
volume de fibras unidirecionais (arranjo fita) de grafite (AS4 da
Hercules®)[7,8].
Um filme de PEEK puro com 0,15 mm de espessura foi colocado
em cada interface metal/compósito, sendo que as faces das lâminas
metálicas foram jateadas com areia de modo a eliminar possíveis
camadas de óxido e impurezas, bem como introduzir rugosidade
superficial para favorecer o ancoramento mecânico da fase
polimérica. Através de medidas realizadas numa superfície metálica
delaminada do TiGra, obteve-se um índice de rugosidade superficial
média (Ra) da ordem de 2,4 µm, que pode ter sido subestimado em
decorrência de eventuais resíduos de polímero PEEK na superfície
do metal.
A consolidação do produto final segundo um arranjo 3/2(0º)7
foi realizada por compressão a cerca de 400 °C em molde fechado,
seguida por resfriamento controlado e alívio de tensões residuais.
O LMF-TiGra, com espessura final de 5 mm e exibiu as seguintes
porcentagens em volume de seus componentes individuais:
20% de polímero PEEK, 25% de fibras de grafite, e 55% de Ti,
conforme estimativa realizada por análise computadorizada
de imagens de seções transversais e longitudinais de amostras
materialograficamente polidas.
A Figura 1 mostra uma vista em corte da seção longitudinal
do LMF-TiGra, assim como uma ampliação da região de interface
entre as fases metálica e do compósito do laminado híbrido TiGra.
Observa-se nesta vista ampliada a extensiva rugosidade criada na
superfície metálica por jateamento de areia durante o processo de
preparo das lâminas de Titânio visando favorecer a interação física
do polímero nos vários pontos gerados de ancoramento mecânico.
É possível ainda notar a presença de uma região rica em PEEK,
originada pelo filme de polímero termoplástico intencionalmente
alocado naquela posição, bem como confirmar a disposição
exclusivamente unidirecional das fibras de reforço de grafite, que
se mostram adequadamente distribuídas na matriz polimérica
termoplástica.
Por intermédio de análise dinâmico-mecânica e calorimetria
exploratória diferencial, a temperatura de transição vítrea (Tg) do
compósito PEEK/Gra, que corresponde a uma fração volumétrica
de 45% no laminado híbrido TiGra, foi determinada entre
160 a 185 °C[9]. O módulo de armazenamento (E’) do compósito
foi estimado em 44,2 GPa, enquanto que seu módulo de perda
(E”) alcançou o valor de 67,2 MPa. Neste mesmo trabalho, foi
demonstrado que a rota de fabricação empregada para a produção
do laminado TiGra, com a solidificação do polímero se dando
através de resfriamento controlado, produziu um compósito PEEK/
Gra com propriedades termo-mecânicas otimizadas com relação a
outros possíveis ciclos térmicos, tais como por resfriamento lento
(recozimento) ou rápido (têmperas em água e nitrogênio líquido). A
análise por calorimetria exploratória aferiu uma temperatura de fusão
cristalina (Tf) de 343 °C, precedida por um pico de cristalização (Tc)
ocorrendo a 173 °C, o qual indicou um teor mássico de cristalinidade
do polímero PEEK de 33%.
Polímeros, vol. 20, nº 4, p. 246-252, 2010
Figura 1. a) Corte da seção longitudinal do LMF-TiGra; e b) vista detalhada
das fases e interfaces presentes no laminado híbrido metal-fibra.
Corpos de prova (Cdps)
Os cdps foram extraídos por corte com jato d’água das placas
originais de TiGra, na forma de barras de flexão em três pontos nas
dimensões nominais de (5 × 10 × 55) mm3.
O entalhamento dos cdps foi realizado com um disco diamantado
com 0,5 mm de espessura sob baixa rotação e refrigeração com água,
seguindo procedimento adotado em diversos trabalhos publicado
na literatura científica sobre fratura translaminar em laminados
compósitos convencionais e híbridos metal-fibra submetidos a
carregamentos quase-estáticos, cíclicos e dinâmicos[10-14].
O posicionamento do entalhe foi de tal modo a provocar a
fratura translaminar dos laminados, exatamente como realizado em
recente trabalho pelos autores[4].
Considerando que as fibras de grafite e as lâminas de Ti foram
dispostas em uma única orientação (longitudinal-L, correspondente
à direção principal 0º), o entalhe Charpy foi posicionado
perpendicularmente àquela direção de máxima resistência mecânica
do LMF. Assim sendo, e seguindo-se a nomenclatura originalmente
estabelecida pela ASTM-E399[15], os cdps assumiram uma orientação
L(ongitudinal)-T(ransversal).
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Tarpani, J. R.; Gatti, M. C. A. - Tenacidade à fratura translaminar dinâmica de um laminado híbrido metal-fibra para uso em elevadas temperaturas
onde W é a largura do cdp, a o comprimento do entalhe, e σed é, no
caso dos materiais metálicos, o limite de escoamento dinâmico do
material[20] e Ped a carga de escoamento correspondente (Equação 3),
onde:
Procedimentos
Ensaio de impacto Charpy instrumentado
Os ensaios de impacto Charpy instrumentado foram realizados
em um sistema Instron-Wolpert® PW30 com fundo de escala máximo
de 300 J, integrado a um microcomputador que opera programas
computacionais destinados à leitura e ao tratamento dos dados para
interpretação dos resultados finais.
Maiores detalhes sobre o sistema Charpy Instron-Wolpert®
PW30 e acerca dos procedimentos de ensaio de tenacidade à fratura
translaminar de laminados compósitos aeronáuticos podem ser
obtidos no trabalho de Tarpani & Gatti[4].
Cdps do LMF-TiGra foram impactados nas temperaturas
de, respectivamente, –196, –70, 23 e 180 °C, e sob duas
diferentes velocidades de impacto do martelo, respectivamente de
2,25 e 5,52 m/s.
Ponto de iniciação do trincamento sob carregamento dinâmico
Para a determinação do ponto, em um diagrama de carga aplicada
(P) contra a deflexão na linha de carregamento (s) do cdp Charpy,
em que realmente se inicia o trincamento do espécime previamente
entalhado e submetido a um impacto translaminar, empregou-se
a metodologia analítica desenvolvida por Kobayashi et al.[16],
denominada Método da Taxa de Variação da Flexibilidade Elástica
(MTVFE). Ao leitor é sugerida a leitura de Tarpani & Gatti[4] de
modo a obter informações mais detalhadas a respeito do método.
Cálculo da tenacidade à fratura dinâmica na iniciação do
trincamento, Jid
Na determinação da tenacidade à fratura sob carregamento
dinâmico, Jid, empregou-se a Equação 1, desenvolvida para trincas
rasas[3,17,18]:
J id = 1, 46
Ei
B.b
(1)
onde Ei é a energia absorvida pelo cdp até o início de seu
trincamento (definida essencialmente como a área sob o diagrama
P-s, até aquele ponto de iniciação definido no item anterior), e B e b
são, respectivamente, a espessura e o ligamento original do cdp, ou
seja, eles compõem a seção transversal retangular íntegra do corpo
de prova, à frente do entalhe.
σed =
2,85 Ped W
( B.b )
2
(3)
Neste trabalho, o parâmetro σed foi determinado com base
em uma saída da linearidade inicial da curva polida de carga (P)
contra deflexão do cdp (s), da ordem de 5%. A Figura 2 plota a
curva P-s do TiGra ensaiado à temperatura de –70 °C e sob uma
velocidade de impacto de 2,25 m/s. Não obstante nesta temperatura
o polímero PEEK esteja operando muito abaixo de sua transição
vítrea (Tg), que é da ordem de 150 °C, a não-linearidade exibida
pela respectiva curva P-s denota efeitos de plasticidade devida à
presença do polímero termoplástico bem como da fase metálica
intrinsecamente dúctil.
Um programa computacional contemplando o MTVFE para
determinação do ponto de início de trincamento, assim como as
formulações providas nas Equações 1-3, foi elaborado em ambiente
Matlab®, possibilitando o polimento das curvas P-s originais e a
imediata geração e validação (ou não) dos resultados de tenacidade
segundo as duas abordagens-J em questão, a saber, de iniciação de
trincamento, Jid, e de carga máxima, Jmd.
Análise estatística
A análise estatística realizada neste trabalho teve como
referência o método t-Student, visto que o número de amostragem
foi pequeno (n << 30)[21].
O limite de confiabilidade empregado no estudo foi de 95%, e o
de significância de 5%, com 4 graus de liberdade, o que corresponde
a um valor tabelado t-Student de 2,13[22,23].
As análises realizadas foram bilaterais, empregando-se como
dados de entrada os valores de tenacidade J e o critério de validade,
os quais foram calculados de forma convencional em termos de
valores médios e correspondentes desvios-padrão, como funções,
respectivamente, da temperatura e da taxa de carregamento aplicada
no ensaio de impacto Charpy.
Cálculo da tenacidade à fratura dinâmica na carga máxima, Jmd
Uma maneira mais simples e direta de se estimar a tenacidade
à fratura dinâmica dos materiais admite que o defeito (trinca ou
entalhe) inicia seu crescimento exatamente no ponto de carga
máxima suportada pelo cdp[17]. Esta definição originou o critério Jmd,
determinado a partir da Equação 1, porém utilizando-se, desta feita,
a energia consumida pelo espécime até a carga máxima (Em).
Validação dos valores de tenacidade
Para se determinar a validade, ou não, dos resultados de tenacidade
à fratura elasto-plástica, de forma a que esta quantidade possa, ou
não, ser considerada uma propriedade intrínseca e verdadeira do
material, empregam-se os chamados critérios de validade (no presente
caso, fornecidos na unidade de milímetros) já bem estabelecidos na
literatura[19], tendo-se como base as dimensões do cdp. De modo
resumido, são estes os critérios de validação de Jid e Jmd (Equação 2):
Jid ( md )
B, b, W, a > 25
σed
248
(2)
Figura 2. Curvas de carregamento original (contendo as oscilações naturais
do processo de impacto) e polida segundo o Método da Média Móvel em
rotina Matlab® para o laminado híbrido TiGra carregado a uma velocidade
de 2,25 m/s sob uma temperatura de –70 °C. As curvas de carregamento de
quatro diferentes laminados convencionais C-EPX[4], ensaiados em idênticas
condições que o TiGra, são traçadas para fins de comparação. A nomenclatura
adotada para os compósitos C-EPX é: FT120 = Fita processada a 120 °C,
FT180 = Fita processada a 180 °C, TC120 = Tecido processado a 120 °C,
TC180 = Tecido processado a 180 °C.
Polímeros, vol. 20, nº 4, p. 246-252, 2010
Tarpani, J. R.; Gatti, M. C. A. - Tenacidade à fratura translaminar dinâmica de um laminado híbrido metal-fibra para uso em elevadas temperaturas
A análise estatística foi realizada em comparação com duas
médias para cada critério de tenacidade J, e sua respectiva validação
com base nas dimensões dos corpos de prova. Numa primeira
abordagem, utilizou-se como parâmetro a variação da temperatura
em cada ensaio realizado sob uma das duas taxas de carregamento
empregadas no estudo. Na segunda abordagem, adotou-se como
parâmetro a variação da velocidade de impacto para cada uma das
quatro temperaturas em que o laminado TiGra foi avaliado.
Resultados e Discussão
A Figura 3 apresenta os resultados de ensaios de tenacidade Jid
e Jmd do TiGra considerando-se as várias temperaturas e taxas de
carregamento empregadas no estudo. São plotados os valores médios
dos parâmetros J obtidos a partir de três ensaios para cada condição
experimental, com os respectivos desvios-padrão fornecidos na
forma de barras verticais.
A união dos pontos de dados por intermédio de linhas tracejadas
visa apenas indicar a tendência de comportamento dos resultados
experimentais obtidos, não devendo, em princípio, ser empregada
para fins de interpolação nem de extrapolação de dados.
Como linha de base são utilizados os resultados obtidos para
quatro laminados convencionais C-EPX[4].
A análise destes gráficos permite as seguintes observações,
as quais são divididas em quatro seções específicas de maneira a
facilitar a tarefa do leitor.
Comportamento geral
O laminado TiGra exibe valores de tenacidade à fratura Jid
muito inferiores aos dos laminados C-EPX fita (FT), porém
significativamente superiores aos dos C-EPX tecido (TC). Conforme
observado em trabalho anterior dos autores[4], uma das principais
razões é o número de interfaces passíveis de delaminação, sendo
27 para os FT, contra 18 interfaces no TiGra, e apenas 13 dos
TC, já que a delaminação constitui um poderoso mecanismo de
tenacificação nas estruturas laminadas.
A Figura 4 comprova a ocorrência de delaminações, dentre
outros mecanismos de fratura e tenacificação, num espécime de
TiGra impactado sob baixa temperatura.
Os valores Jmd do laminado TiGra são bastante próximo do
laminado C-EPX FT120, e notavelmente superiores aos dos C-EPX
TC. A rigor, o parâmetro Jmd já computa, no caso de materiais
mais tenazes, uma boa parcela de energia associada ao estágio de
propagação da fratura no material, e os resultados obtidos indicam
que os laminados TiGra e C-EPX FT já incorporam uma certa
parcela de crescimento de danos anteriormente à carga máxima.
Esta condição pode ser matematicamente expressa por uma razão
Jmd / Jid >> 1, conforme pode ser observado nas Figuras 5a (para
o TiGra) e 5b (especialmente para os laminados C-EPX FT). A
fragilidade intrínseca dos laminados C-EPX TC, em especial do
curado a 120 °C (TC120) é matematicamente representada por uma
razão Jmd / Jid ≈ 1, denotando o início do trincamento ocorrendo
exatamente na carga máxima suportada pelo corpo de prova.
Para o TiGra, além das delaminações, as quais se desenvolvem
especialmente nas interfaces metal/polímero (Figura 4) em virtude
da tipicamente baixa adesão aos substratos proporcionada pelos
termoplásticos apolares, contribuem para a sua tenacidade à fratura
a reconhecida ductilidade das fases polimérica termoplástica e
Figura 3. Resultados de tenacidade Jid e Jmd, para as diversas temperaturas de ensaio e velocidades de impacto: a) Jid a 2,25 m/s; b) Jid a 5,52 m/s; c) Jmd a
2,25 m/s; e d) Jmd a 5,52 m/s.
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Tarpani, J. R.; Gatti, M. C. A. - Tenacidade à fratura translaminar dinâmica de um laminado híbrido metal-fibra para uso em elevadas temperaturas
Figura 4. Aspecto de fratura de um espécime TiGra ensaiado a 2,25 m/s e –70 °C. As delaminações são indicadas por setas. Note a ocorrência de quebra e
arrancamento de fibras de reforço de grafite, além da deformação e trincamento das matrizes metálica (Titânio) e polimérica (PEEK).
metálica que compõem o laminado híbrido, enquanto que as fibras
são as principais responsáveis pela resistência mecânica deste
LMF.
A relativamente elevada razão Jmd / Jid do TiGra, variando no
intervalo de 2 a 3 para as duas taxas de carregamento averiguadas e
por todo e extenso intervalo de temperaturas amostrado nos ensaios
de impacto (Figura 5), sinaliza que o potencial de seleção deste
laminado estrutural para a indústria da construção aeronáutica se
justifica mais pela sua resistência à propagação do que à iniciação
da fratura dinâmica.
Há de se destacar que o laminado híbrido TiGra possui um
percentual de fibras de reforço na direção principal (0°) cerca de
20% inferior ao dos compósitos C-EPX[4]. Pode-se, portanto,
postular que o desempenho do TiGra perante os seus concorrentes
poderia ser significativamente melhorado caso se empregassem,
na sua confecção, a mesma fração volumétrica de fibras naquela
direção que a utilizada nos laminados C-EPX.
Efeito da temperatura de ensaio
Para uma velocidade de impacto de 2,25 m/s, a Figura 3 mostra
que um aumento na temperatura de ensaio causa um significativo
decréscimo em ambas as tenacidades Jid e Jmd do laminado TiGra,
indicando um enfraquecimento do mecanismo de tenacificação
deste material durante seu aquecimento. Em estudo anterior dos
autores[4], houve fortes indícios de que, para o laminado compósito
C-EPX TP, o mecanismo de tenacificação afetado pela temperatura
é o de delaminação, e a razão seria o surgimento de tensões
residuais entre lâminas ou camadas justapostas do laminado, cujas
fibras estão dispostas ortogonalmente entre si. Segundo o raciocínio
desenvolvido, estas tensões interlaminares resultariam basicamente
de variações dimensionais diferenciais induzidas termicamente,
podendo favorecer a delaminação caso provocassem tração na
direção da espessura do laminado. Arguiu-se, na ocasião, que
este favorecimento da delaminação, causando em ultima instância
à tenacificação do material, seria suprimido na medida em que a
temperatura é incrementada, reduzindo assim ambos os valores de
Jid e Jmd.
O mesmo fenômeno acima descrito pode estar ocorrendo
também no TiGra. Como neste laminado o reforço fibroso de grafite
está orientado em uma única direção (0°), elevados gradientes
de variação dimensional termicamente induzida provavelmente
250
Figura 5. Razão Jmd / Jid calculada para os laminados avaliados em diversas
temperaturas sob velocidade de impacto de: a) 2,25 m/s; e b) 5,52 m/s.
surjam nas interfaces metal/compósito, já que o coeficiente de
expansão/contração térmica do Ti é muito superior ao das fibras de
grafite, respectivamente +8,8 contra –0,8 µm.°C–1, incentivando a
ocorrência de delaminações nas mais baixas temperaturas de ensaio,
e, consequentemente, maiores valores de Jid e Jmd. Avaliações
mais rigorosas deverão ser conduzidas para confirmar, ou não, tal
hipótese.
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Tarpani, J. R.; Gatti, M. C. A. - Tenacidade à fratura translaminar dinâmica de um laminado híbrido metal-fibra para uso em elevadas temperaturas
Nos impactos a 5,52 m/s, o laminado TiGra pode ser considerado
praticamente insensível à variação da temperatura, donde pode-se
inferir que taxas mais elevadas de carregamento não favoreçam o
desenvolvimento do mecanismo tenacificador de delaminação, mas
sim e somente a fratura translaminar em modo I de abertura do
entalhe.
Resultados da análise estatística permitiram concluir que a
tenacidade elasto-plástica Jmd do laminado TiGra, o qual inclui certa
parcela do processo de propagação de danos, é o critério de fratura
mais provavelmente afetado pela variação da temperatura sob as
duas taxas de carregamento.
Das análises, concluiu-se também que para o laminado TiGra, a
razão entre tenacidades elasto-plásticas Jmd / Jid é mais influenciada
pela temperatura de ensaio sob a taxa de carregamento de 5,52 m/s
do que a 2,25 m/s.
Interessante observar que, à semelhança do TiGra, o laminado
C-EPX FT120 apresenta uma significativa tenacificação devida ao
aumento na velocidade de impacto. Esta similaridade de comportamentos
de fratura entre os laminados TiGra e C-EPX FT120 já foi abordada
no item anterior acerca do efeito da temperatura de ensaio, quando se
inferiu a possibilidade de as delaminações controlarem o mecanismo
de fratura de ambos os materiais. Analogamente, poder-se-ia agora
postular que a tenacificação sob mais elevadas taxas de carregamento
também seja fruto da facilitação da ocorrência de delaminação sob as
condições mais severas de impacto.
A análise estatística permitiu inferir que a tenacidade
elasto-plástica Jid do laminado TiGra é o critério de fratura mais
provavelmente afetado pela variação da velocidade de impacto nas
várias temperatura de ensaio empregadas.
Validação dos resultados de tenacidade
Efeito da taxa de carregamento
A Figura 3 indica um efeito benéfico do aumento da taxa
de carregamento na tenacidade Jid do laminado TiGra. Este
comportamento é tipicamente observado em materiais metálicos
de natureza dúctil, cujo processo de fratura é controlado por
deformação. Este fato é concordante com a massiva presença do
titânio (55% em massa), bem como do polímero PEEK (20% em
massa) no LMF.
Com relação ao critério de carga máxima Jmd, o TiGra apresenta
claramente uma sensibilidade positiva ao incremento na taxa
de carregamento em praticamente todo o intervalo avaliado de
temperaturas.
A Figura 6 mostra os resultados gráficos do processo de
verificação da validação dos valores de tenacidade Jid e Jmd
por intermédio da aplicação da Equação 2, que corresponde
matematicamente a uma inequação, visto definir uma desigualdade.
O eixo das abscissas representa os valores numéricos obtidos por
intermédio do termo situado do lado direito da Equação 2. Portanto,
o procedimento consiste na comparação destes valores calculados
com base nos resultados experimentais de, respectivamente, Jid e Jmd
com as dimensões significativas dos cdps ensaiados sob impacto,
a saber: espessura (B = 5 mm), ligamento (b = 8 mm), largura
(W = 10 mm), e comprimento do entalhe (a = 2 mm), que são
grafadas na Figura 6a.
Figura 6. Critérios de validade das tenacidades Jid e Jmd: a) Jid a 2,25 m/s; b) Jid a 5,52 m/s; c) Jmd a 2,25 m/s; e d) Jmd a 5,52 m/s. Note o comportamento tipo
lei de potência das nuvens de pontos de dados.
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Tarpani, J. R.; Gatti, M. C. A. - Tenacidade à fratura translaminar dinâmica de um laminado híbrido metal-fibra para uso em elevadas temperaturas
Desta forma, caso os pontos de dados assim calculados se
encontrem à esquerda do respectivo valor do critério de validação
aplicado à Equação 2, seja ele B, b, W ou a, os pontos de dados
Jid e Jmd estão automaticamente validados segundo aquele critério
em particular, visto que a condição imposta pela Equação 2 é
plenamente satisfeita. Caso contrário, ou seja, se os pontos de dados
estão localizados à direita do critério de validação empregado, o
requisito de dimensão mínima do corpo de prova não é satisfeito
para estabelecer Jid e Jmd como verdadeiras propriedades do material
naquela condição de ensaio, já que uma condição minimamente
admissível de predominância de deformação-plana à frente do
defeito não pode ser garantida.
Os valores médios das validades J obtidas a partir de três ensaios
para cada condição experimental são plotados, com os respectivos
desvios-padrão fornecidos na forma de barras horizontais.
Resultados previamente obtidos para quatro laminados C-EPX
são plotados como linha de base para os valores determinados para
o TiGra.
Observa-se na Figura 6a, b que, à exceção do comprimento
do entalhe (a = 2 mm), o laminado TiGra satisfaz plenamente
os critérios estabelecidos em termos de dimensões mínimas
necessárias do cdp para o desenvolvimento de uma condição de
deformação predominantemente plana à frente do entalhe. Desta
forma, conclui-se que a espessura (B), o ligamento (b) e a largura
do cdp (W) são suficientemente robustos para garantir Jid como uma
verdadeira propriedade do material. Nestas circunstâncias, Jid passa
a assumir a denominação JId.
Como esperado, os valores Jmd, por já embutirem em si uma boa
parcela do estágio de propagação da fratura (que, a rigor, é iniciada
em Jid) e, consequentemente, estarem associados a uma zona de
processos fratura mais ampla e difusa se comparada àquela vinculada
ao critério Jid, tendem a violar, com maior frequência e extensão, os
critérios de validade impostos em termos de dimensões dos cdps
Charpy ensaiados. Entretanto, mesmo para Jmd, é garantida para o
TiGra uma condição de deformação predominantemente plana à
frente do entalhe, de sorte que este critério pode ser considerado
uma propriedade intrínseca do material.
Em termos estatísticos, o processo de validação das tenacidades
elasto-plásticas Jid e Jmd do laminado TiGra é afetado pela variação
da temperatura de ensaio sob a taxa de carregamento de 2,25 m/s;
porém esta dependência tende a decrescer na medida que a
velocidade de impacto é incrementada para 5,52 m/s.
Verificou-se, também estatisticamente, que o processo de
validação da tenacidade elasto-plástica Jid do laminado TiGra é muito
provavelmente afetado pela variação da velocidade de impacto nas
várias temperatura de ensaio empregadas no estudo; por outro lado, o
processo de validação da tenacidade elasto-plástica Jmd do laminado
híbrido praticamente não depende da velocidade de carregamento
mecânico em quaisquer das temperaturas amostradas na pesquisa.
Conclusões
A tenacidade integral-J à fratura elasto-plástica dinâmica do
laminado híbrido metal-fibra Titânio-Grafite (TiGra) foi determinada
a partir de ensaios de impacto Charpy instrumentado e comparada à
de laminados convencionais carbono-epóxi (C-EPX). As principais
conclusões do presente estudo são:
• O laminado TiGra exibe valores de tenacidade real à fratura
Jid muito inferiores aos dos laminados C-EPX fita, porém
significativamente superiores aos dos laminados C-EPX tecido;
• OselevadosvaloresdetenacidadedecargamáximaJmd do TiGra,
relativamente à tenacidade real à fratura Jid do material, indicam
que o emprego do laminado-híbrido metal-fibra se justifica mais
pela sua resistência à propagação do que à iniciação da fratura
dinâmica;
252
• Observou-sequeastenacidadesJid e Jmd à fratura translaminar
do laminado TiGra são controladas pela intercedência de
delaminacões, as quais podem se desenvolver já no início do
processo de fratura em modo de abertura I do entalhe;
• Salvo o critério de validação de J com base no comprimento
do entalhe, o laminado TiGra satisfez plenamente os requisitos
quanto ao tamanho mínimo do corpo de prova para garantir
ambos Jid e Jmd como verdadeiras propriedades do material; e
• A metodologia desenvolvida pode ser de grande utilidade na
etapa de seleção de materiais de engenharia para os quais as
tenacidades à iniciação e à propagação de fratura sob cargas de
impacto de baixa velocidade, porém com elevada inércia, sejam
critérios do projeto estrutural aeronáutico.
Agradecimentos
Às agências de fomento FIPAI e CAPES, e à empresa MIB
(Materials Institute of Brazil) pelo suporte financeiro, ao Prof. J.W.
Cantwell da Universidade de Liverpool (UK) por disponibilizar
laboratórios e equipamentos para a confecção do LMF-TiGra, ao
Mestre em Ciência e Engenharia de Materiais D.S. Zanetti por
compartilhar seus resultados experimentais, e ao hoje Engenheiro
Aeronáutico G.A. Teti por sua assistência nos ensaios de impacto.
Os professores D. Spinelli e W.W. Bose do NEMAF-EESC-USP
são também reconhecidos por permitirem o uso do sistema
instrumentado de ensaios de impacto Charpy.
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Enviado: 22/02/10
Aceito: 13/04/10
DOI: 10.1590/S0104-14282010005000041
Polímeros, vol. 20, nº 4, p. 246-252, 2010