Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

PB (1)

O capital social e a análise institucional e de políticas públicas* Antônio Sérgio Araújo Fernandes** S U M Á R I O : 1. Introdução; 2. A genealogia do conceito de capital social; 3. A abordagem de Putnam ao caso italiano: o enfoque associacionista com base na explicação histórico-cultural; 4. A abordagem da autonomia inserida e a idéia de sinergia Estado-sociedade; 5. Considerações finais. S U M M A R Y: 1. Introduction; 2. The genealogy of the concept of social capital; 3. Putnam’s approach to the Italian case: the associationist perspective based on the cultural-historical explanation; 4. The embedded autonomy approach and the State-society synergy idea; 5. Concluding remarks. P A L A V R A S - C H A V E : capital social; desempenho institucional; políticas públicas. KEY WORDS: social capital; institutional performance; public policies. Este artigo discute o conceito de capital social, observando sua aplicação na avaliação do desempenho institucional e na elaboração de políticas públicas. O artigo busca mostrar como a produção de laços de confiança e fidelidade mútua facilita a cooperação social, aumentando o desempenho e a responsabilidade dos governos e das instituições democráticas. Para tanto, revisa o debate atual em torno do conceito de capital social com a apresentação de duas das principais teses que abordam este conceito pelo viés do desempenho institucional: o enfoque associacionista de Putnam e a abordagem da autonomia inserida. * Artigo recebido em set. 2001 e aceito em jan. 2002. Uma versão deste artigo foi apresentada no XXV Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração (XXV Enanpad), realizado entre 16 e 19 de setembro de 2001 em Campinas, SP. ** Doutorando em ciência política na Universidade de São Paulo (USP). E-mail: asaf@usp.br. RA P R i o d e Ja ne ir o 3 6( 3 ) : 3 75 - 9 8 , Ma io / J un . 20 0 2 376 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s Social capital and the institutional and public policy analysis This paper discusses the concept of social capital, looking at its application in institutional performance evaluation and in public policy design. The paper shows how building trust ties and mutual loyalty can facilitate social cooperation, enhancing the performance and responsibility of the government and democratic institutions. In order to do so, it reviews the current debate on the concept of social capital, presenting two of the main theses that deal with this concept from the institutional performance perspective: Putnam’s associationist approach and the embedded autonomy approach. 1. Introdução O conceito de capital social e sua aplicação constituem uma das mais difundidas linhas de análise no contexto atual das ciências sociais. A crença de que uma sociedade dotada de redes de confiança e solidariedade horizontais produz instituições sólidas é algo que está na agenda do dia para pesquisadores que se dedicam ao estudo das melhores condições na relação público-privado capazes de promover a boa governança. Segundo Putnam (1993:1), “capital social refere-se a aspectos da organização social, tais como redes, normas e laços de confiança que facilitam a coordenação e cooperação para benefícios mútuos. Capital social aumenta os benefícios de investimento em capital físico e capital humano”. Diante de uma definição tão fluida e abrangente, o capital social torna-se um conceito amplo e difuso, uma vez que redes de confiança e solidariedade podem referir-se desde a uma densa rede de organizações e associações civis (tais como ONGs, associações profissionais, de classe, religiosas, de bairros, entidades filantrópicas, cooperativas de produção, grupos em geral etc.) até às conexões sociais mais informais, como relações de amizade. Este artigo visa a discutir o conceito de capital social, observando sua aplicação na avaliação do desempenho institucional e na elaboração de políticas públicas. Tenta-se mostrar como a produção de laços de confiança e fidelidade mútua facilita a cooperação social, aumentando o desempenho e a responsabilidade dos governos e das instituições democráticas. A seção 2, a seguir, apresenta um resumo sobre a origem e o desenvolvimento do conceito de capital social, mostrando seu caráter amplo e suas diferentes dimensões e formas de tratamento, empregadas nos últimos anos dentro das ciências sociais. A seção 3 discute o trabalho de Putnam sobre a reforma institucional dos governos regionais na Itália, trazendo seu enfoque associacionista do significado de capital social, a partir de uma explicação de natureza histórico-cultural para sua existência. Putnam (1996) revela em seu estudo que há uma forte correlação entre modernidade econômica e desempenho institucional e que este desempenho correlaciona-se à natureza da vida cívica. A partir da constatação de que nas C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as regiões situadas no Norte da Itália existe maior engajamento cívico, e isto se deve fundamentalmente a uma maior quantidade de associações horizontais em comparação às regiões situadas no Sul, Putnam utiliza o conceito de capital social. A seção 4 traz a abordagem da autonomia inserida, contida fundamentalmente no trabalho de Evans e seus colaboradores acerca do conceito do capital social, visando a mostrar a importância da atuação dos governos na mobilização e produção do capital social na elaboração de políticas públicas. A idéia de sinergia entre Estado e sociedade é trazida para a agenda de discussão sobre o conceito de capital social, a partir da análise de alguns casos que mostram que uma boa combinação de autonomia inserida do Estado e ação da sociedade civil organizada pode aumentar as dotações sociais latentes e reformar as instituições, ampliando a democracia e tornando mais eficiente e responsável o funcionamento das políticas públicas. A seção 5 apresenta os comentários finais. 2. A genealogia do conceito de capital social De modo resumido, pode-se definir capital social como um conjunto de laços e normas de confiança e reciprocidade contidos numa comunidade que facilitam a produção de capital físico e capital humano. Nas palavras de um dos principais teóricos do capital social na atualidade, Robert Putnam (2000:19), “enquanto capital físico refere-se a objetos físicos e capital humano refere-se às propriedades dos indivíduos, capital social refere-se à conexões entre indivíduos — redes sociais e normas de reciprocidade e confiança que aumentam a produção de capital físico e capital humano. Neste sentido capital social está intimamente relacionado com o que muitos chamam de ‘virtude cívica’. A diferença é que ‘capital social’ chama a atenção para o fato de que virtude cívica é mais poderosa quando inserida numa densa rede de relações sociais recíprocas. Uma sociedade muito virtuosa, mas com indivíduos isolados, não é necessariamente rica em capital social”. O capital social, antes de ser um conceito inteiramente inovador, busca recriar antigas noções de civismo comunitário, tratadas originalmente por autores clássicos como Tocqueville. Para Tocqueville, um dos principais aspectos que asseguravam o bom funcionamento da democracia na América era o caráter associacionista dos cidadãos americanos. Embora achasse que fossem necessárias outras medidas para assegurar a democracia — tais como descentralização administrativa e autonomia do poder local, criação de leis que assegurem a igualdade de direito, liberdade de imprensa, eleições indiretas, justiça independente e separação entre Igreja e Estado —, o suporte maior da liberdade com igualdade para Tocqueville estava na ação cívica dos cidadãos e sua participação nos negócios públicos. E era através da criação e desenvolvimento de organizações e associações livres que estimulavam a cidadania que se podia assegurar a manutenção do espaço da palavra e da ação comunitária. 377 378 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s Segundo Whitehead (1999:18), Tocqueville foi o primeiro teórico de importância a apresentar a sociedade civil como uma contrapartida indispensável para uma democracia estável e vigorosa, em vez de uma alternativa a ela. Nas palavras de Tocqueville (2000:131-5), “os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos se unem sem cessar. Não apenas têm associações comerciais e industriais que todos participam, mas possuem além destas mil outras: religiosas, morais, graves, fúteis, muito e muito particulares, imensas e minúsculas (...) Nada merece mais atenção em minha opinião do que as associações morais e intelectuais na América. (...) Nas sociedades aristocráticas, os homens não têm necessidade de unir-se para agir, porque são fortemente mantidos juntos. Cada cidadão rico e poderoso forma ali como que a cabeça de uma associação permanente e necessária que é composta de todos aqueles que fazem concorrer para a execução de seus desígnios. Nos povos democráticos, pelo contrário, todos os cidadãos são independentes e frágeis; quase nada podem sozinhos se nenhum dentre eles seria capaz de obrigar seus semelhantes a lhe emprestar seu concurso. Por isso, caem todos na impotência se não aprendem a se ajudar livremente. (...) São as associações que, nos povos democráticos, devem tomar o lugar dos particulares poderosos que a igualdade de condições fez desaparecer ”. De acordo com Putnam (2000:19), o termo capital social foi inventado independentemente, no mínimo, seis vezes no século XX. Na década de 1910, L. J. Hanifan (1916) invocou a idéia de capital social para explicar a importância do envolvimento da comunidade para o sucesso das escolas nos EUA. O conceito é redescoberto nos anos 1950 por sociólogos canadenses ao caracterizarem membros de clubes como arrivistas suburbanos. Em 1961, Jane Jacobs (1961:138), ao procurar explicar o caráter associativo das vizinhanças na grande cidade americana, emprega também o termo capital social. Segundo Coleman (1990:300), na década de 1970, Loury (1977;1987) introduziu o conceito de capital social como relações de confiança que melhoram o uso dos recursos individuais. Loury, apesar de não desenvolver o conceito de capital social em detalhes, utiliza o termo capital social como uma parte de recursos das relações de família e da organização da comunidade social que são úteis para o desenvolvimento cognitivo ou social de um jovem ou uma criança. Esses recursos são distintos para diferentes pessoas e podem constituir uma importante vantagem para o desenvolvimento de seu capital humano.1 Ainda segundo Coleman (1990:300), esse sentido do termo capital social empregado por Loury também é usado de forma similar por Bourdieu (1980; 1985) e Flap e De Graaf (1986). De acordo com Portes (1998:3), a primeira análise contemporânea sobre capital social foi produzida por Pierre Bourdieu, que definiu o conceito como “o agregado de recursos atuais ou potenciais que es- 1 A idéia de conexões informais como um elemento importante na promoção de mobilidade, tal qual é observada em Loury, é também encontrada no trabalho de Granovetter (1974), que mostra como a influência de contatos fora do círculo imediato da família e dos amigos próximos funciona como um sistema informal de referência de empregos. C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as tão ligados por posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de aquiescência ou reconhecimento mútuo” (Bourdieu, 1985:248). Este conceito foi analisado de modo mais completo e sistemático por Coleman (1988; 1990), um dos primeiros estudiosos em ciências sociais a se debruçar mais detidamente sobre o conceito de capital social. De acordo com Coleman (1988:98; 1990:302), o capital social possui o seguinte significado: “Capital social é definido pela sua função. Não é uma entidade simples, mas uma variedade de diferentes entidades tendo duas características em comum: elas todas consistem em alguns aspectos da estrutura social, elas facilitam certas ações dos atores — sejam pessoas, sejam atores corporativos — dentro da estrutura. Como outras formas de capital, capital social é produtivo, tornando possível a realização de certos fins que na sua ausência não seriam possíveis. Como capital físico e capital humano, capital social não é completamente fungível, mas pode ser específico de certas atividades. Uma dada forma de capital social que é valiosa por facilitar certas ações pode ser prejudicial para outras. Diferente de outras formas de capital, capital social é próprio da estrutura de relações entre atores e no meio de atores”. O que Coleman (1988:106-7; 1990:314-5) tenta mostrar esquematicamente em seus trabalhos é que entre duas ou mais comunidades com a mesma quantidade de recursos instrucionais (capital humano) e materiais (capital físico), o que as distingue no que tange ao desempenho de seus membros é a existência de capital social, isto é, a existência de laços de confiança e reciprocidade estabelecidos que tornarão possíveis a mobilização dos indivíduos para a ação coletiva. O capital social de uma associação, grupo ou comunidade amplia sua capacidade de ação coletiva e facilita a cooperação mútua necessária para a otimização do uso de recursos materiais e humanos disponíveis. Nas palavras de Coleman (1988:101), “tanto quanto capital humano e capital físico facilitam a atividade produtiva, capital social também o faz. Por exemplo, um grupo dentro do qual existe grande fidelidade e confiança está hábil a realizar muito mais do que um grupo comparável sem fidelidade e confiança”. Portes (1998:9-15) em recente artigo que analisa as origens e aplicações do conceito de capital social na sociologia moderna, constata que na pesquisa empírica sobre a temática do capital social há três funções ou concepções básicas acerca desse conceito.2 Uma dessas funções refere-se ao capital social como fonte 2 De acordo com Woolcock (1998:161), apesar de o capital social ter sido invocado em numerosos estudos desde o final dos anos 1970, a mais extensiva pesquisa empírica e avanços teóricos coerentes neste tema têm vindo a partir do final dos anos 1980 e 1990, a partir de duas literaturas distintas dentro da chamada “nova sociologia do desenvolvimento econômico”, conhecida também como estudos de empreendimentos étnicos (no nível microssociológico) e estudos institucionalistas comparativos (no nível macrossociológico). A primeira vertente está mais precisamente associada com os trabalhos de Ivan Light, Alejandro Portes e Roger Waldinger, enquanto a segunda tem como referência principal os estudos de Robert Bates, Alice Amsdem, Peter Evans e Robert Wade. 379 380 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s de apoio familiar, isto é, a importância que os recursos intelectuais dos pais exercem como forma de capital familiar útil em facilitar resultados cognitivos e comportamentais positivos nos jovens e nas crianças. A influência dos estudos de Coleman sobre educação é evidente nesta função de capital social. Outra função refere-se ao capital social como fonte de benefícios através de redes extrafamiliares. Esta função está mais próxima da definição de Bourdieu, para quem o apoio dos pais no desenvolvimento das crianças é uma fonte de capital cultural, enquanto capital social refere-se ao espólio ganho pelas pessoas que participam de redes sociais. A última função do capital social, segundo Portes (1998:10), trata do capital social como fonte de controle social. Como exemplo desta função, existe uma série de estudos com foco no reforço de regras e normas. O capital social criado por laços de confiança na comunidade é útil para parentes, professores, autoridades policiais e demais atores sociais que buscam disciplina e promovem complacência sobre os membros que estão sob sua coordenação. Ainda segundo Portes (1998:10), quando a função de controle social do capital social é discutida com foco central na lei própria de coletividades como cidades ou nações, esta abordagem é associada principalmente a escritos de cientistas políticos. Isto pode ser observado, por exemplo, nos estudos de Putnam sobre o caso da Itália (que será observado aqui) e no seu último e mais recente trabalho, Bowling alone, que trata do caso americano.3 Neste artigo busca-se observar o capital social nessa função, tentando analisar como esse conceito pode ser aplicado no caso da avaliação institucional e de elaboração de políticas públicas locais ou regionais. 3. A abordagem de Putnam ao caso italiano: o enfoque associacionista com base na explicação histórico-cultural O estudo de Putnam sobre capital social no caso italiano provocou um dos mais fecundos debates no contexto atual da ciência política. Antes de tratar direta- 3 Em seu mais recente trabalho, Putnam (2000:90), ao tentar mostrar o declínio nas últimas três déca- das do engajamento cívico (capital social) nos EUA, considera uma série de variáveis para criar um índice de capital social. Isto faz ampliar sobremaneira o alcance deste conceito. Estas variáveis, que definem o que representa capital social para Putnam em seu estudo, vão desde aspectos da vida organizacional da comunidade (associações de pais e mestres, clubes e organizações cívicas em geral), medidas de engajamento político (participação eleitoral, número de filiados a partido político), medidas de voluntarismo comunitário (existência de organizações filantrópicas, serviço voluntário etc.), medidas de sociabilidade informal (tais como o número de visitas a amigos ou número de horas que um indivíduo se entretém em casa sozinho) a medidas de confiança social (como a percepção dos cidadãos quanto à honestidade e à confiança mútua). Este índice de capital social é cruzado com dados dos estados americanos referentes a educação e bem-estar das crianças; produtividade e segurança das vizinhanças; prosperidade econômica; saúde e felicidade; cidadania e desempenho do governo. O resultado do trabalho mostra uma forte correlação positiva entre capital social e o desempenho destes estados com relação a estes indicadores socioeconômicos. C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as mente da abordagem de Putnam ao capital social na Itália e da discussão atual sobre esse enfoque, é importante observar, ainda que de modo bastante resumido, o campo teórico-metodológico adotado pela perspectiva neo-institucional, que, na busca de uma nova forma de tratamento da questão do Estado, permitiu o desenvolvimento da análise do conceito de capital social, tanto no caso italiano, com Putnam, quanto no tratamento crítico a este, qual seja, a abordagem da autonomia inserida. Segundo Limongi (1994:3), a corrente denominada em ciência política novo institucionalismo é dividida em subcorrentes, que possuem um único aspecto comum, o fato de encarar o estudo dos processos políticos tendo como variável explicativa as instituições, o que faz esta corrente diferenciar-se do “velho institucionalismo”, que tinha até então como modelos dominantes na ciência política norte-americana o comportamentalismo e o pluralismo. Há uma grande dificuldade na delimitação das fronteiras da abordagem neo-institucional. Ao mesmo tempo, também torna-se difícil supor a existência de um único novo institucionalismo. Na tentativa de resumir, prefere-se estabelecer aqui uma distinção entre os neo-institucionalistas que adotam o individualismo metodológico — e, portanto, são adeptos da chamada escolha racional —4 e os autores que não são adeptos da escolha racional, considerados neo-institucionalistas históricos e neo-institucionalistas sociológicos.5 O que é identificado aqui como novo institucionalismo histórico é uma corrente que tem referências pioneiras nos trabalhos de Skocpol, Evans e Rueschmeyer (1985). São considerados neo-institucionalistas sociológicos os autores que seguem a linha de estudos encaminhada por March e Olsen (1989; 1984). Esses autores, na tentativa de fazer muito mais uma complementaridade do que um contraponto teórico-metodológico à abordagem da rational choice, desenvolvem um pensamento que procura entender as instituições como fruto de proces- 4 De acordo com alguns estudiosos que já fizeram trabalhos tentando delimitar as diferenças entre as correntes neo-institucionalistas, tais como Lowndes (1996), Rhodes (1996), Kato, (1996), Hall e Taylor (1996), Immergut (1998) e Ostrom (1991), a corrente denominada escolha racional, que é conhecida também no campo da ciência política como escolha pública, vê como causa dos problemas de ação coletiva de que sofrem as instituições as inconciliáveis interações políticas não-cooperativas entre os indivíduos. As instituições são compostas por atores individuais que tomam decisões e agem por auto-interesse, a partir de escolhas pessoais. Estas preferências individuais podem constituir efeitos coletivos ou decisões coletivas. A perspectiva analítica da economia neoclássica e a linguagem da teoria dos jogos são trazidas para a arena pública, onde políticos e burocratas auto-interessados competem tal qual num mercado, procurando maximizar votos, apoio e transferências de renda (rent seeking). 5 Um excelente artigo que traz uma revisão do estado da disciplina no novo institucionalismo histórico foi publicado por Thelen (1997). A autora, a partir de uma extensa revisão bibliográfica, busca mostrar as diferenças, interseções e fronteiras existentes entre a abordagem histórico-institucional e as demais correntes institucionalistas. 381 382 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s sos culturais, respondendo à necessidade de reassegurar normas, valores e crenças adquiridos ao longo do tempo. As instituições não são vistas simplesmente como um jogo de escolhas individuais a priori ou como puros sistemas de regras de incentivo e punição, mas também como processos altamente dinâmicos e sensíveis a estímulos do ambiente circundante, que possibilitam a manutenção da ordem na vida política. Neste sentido, March e Olsen (1989; 1984) vão criticar a abordagem da escolha racional, considerando-a reducionista e utilitária. Apesar da crítica à escolha racional, os problemas concernentes ao oportunismo, oriundos de dilemas da ação coletiva, e à incerteza não são totalmente abandonados, mas complementados com importantes argumentos sobre os processos históricos e culturais e os incentivos de cunho social que influenciam o comportamento institucional e dos atores para a mobilização coletiva. Um outro trabalho seminal, considerado muito importante e que “inaugura” a abordagem rotulada como neo-institucionalista histórica é o livro Bringing State back in, organizado por Skocpol, Evans e Rueschmeyer (1985). Nesse trabalho, os autores propõem, de forma inovadora, repensar o papel do Estado na sua relação com a economia e a sociedade, tratando os Estados como atores autônomos, capazes de alcançar metas políticas. Isso requeria, portanto, romper ou transcender a agenda de pesquisa vigente na época, de cunho “sociocêntrico”, que tinha como principais correntes o estrutural-funcionalismo, o pluralismo e o neomarxismo. Esta agenda de pesquisa estava centrada na discussão apenas do papel da sociedade como determinante das ações do Estado, que não era tomado como um ator independente, dotado de autonomia. Para Skocpol (1985:9), pensar a autonomia do Estado é concebê-lo como organização que formula e persegue metas que não são simplesmente reflexos de demandas e interesses de grupos sociais, classes ou sociedades. Para explicar os fatores determinantes da autonomia e capacidade do Estado é necessário adotar uma perspectiva weberiana acerca do Estado em ação e utilizar uma abordagem histórica de investigação. Neste sentido, os estudos histórico-comparativos entre países são importantes, pois permitem avaliar a capacidade de autonomia dos Estados a partir de alguns indicadores, como integridade territorial, grau de centralização e descentralização de autoridade, meios financeiros, quadro de funcionários, ambiente e comportamento dos principais atores econômicos e sua relação com o Estado. Um importante aspecto destacado por Skocpol para entender o desempenho dos governos é o efeito da ação cívica. Para Skocpol (1985:22), a força da ação social influencia o desempenho do Estado. Neste sentido, a cultura política e os formatos institucionais ganham importância muito grande na análise do desempenho dos governos. A expressão das classes e dos grupos sociais está condicionada à cultura política que delineia as formas de ação cívica e à estrutura institucional existente nos estados. Torna-se necessário, portanto, entender os Estados como atores e como estruturas institucionais com efeitos na política. C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as Foi com base nesta orientação teórico-metodológica do novo institucionalismo, trazida em grande parte por March e Olsen (1989; 1984) — numa dimensão sociológica —, bem como por Skocpol, Evans e Rueschmeyer (1985) — numa dimensão histórica —, que Putnam (1996) dirigiu um estudo sobre o caso da Itália, buscando compreender as razões históricas para o desempenho das instituições em diferentes regiões do país. Putnam (1996) estudou empiricamente durante mais de 20 anos o processo de descentralização do governo italiano, que se inicia a partir de 1970, analisando comparativamente o caráter da mudança e do desempenho institucional entre os governos das várias regiões do país. Seu estudo revela que há uma forte correlação positiva entre modernidade econômica e desempenho institucional e que o desempenho institucional tem forte correlação positiva com a natureza da vida cívica. Utilizando para seu estudo das 20 regiões italianas uma metodologia comparativa a partir de análise fatorial e regressão múltipla, entre 1976 e 1989, Putnam realizou mais de 700 entrevistas com conselheiros regionais, três baterias de entrevistas com líderes comunitários (banqueiros, líderes rurais, prefeitos, jornalistas, líderes sindicais e empresariais) e seis sondagens eleitorais junto à população entre 1968 e 1988. Para criar um índice de desempenho institucional, estabeleceu 12 variáveis: estabilidade do gabinete; presteza orçamentária; serviços estatísticos e de informação; legislação reformadora; inovação legislativa; creches; clínicas familiares; instrumentos de política industrial; capacidade de efetuar gastos na agricultura; gastos com saneamento local; habitação e desenvolvimento urbano; sensibilidade da burocracia. Um dado curioso sobre esses indicadores é que Putnam tentou avaliar o que chama de “produtos” e não os “resultados” dos indicadores. Sua intenção foi trazer o foco mais para o modus operandi das políticas do que para os resultados destas, encontrar no caminho e desenvolvimento de determinada política sua eficácia, em vez de comumente associar eficácia aos resultados desta política. Importava, portanto, verificar não a taxa de mortalidade, mas a concepção e o funcionamento do sistema de saúde, não o nível de poluição atmosférica, mas a concepção e o funcionamento da política ambiental. Assim, como pode ser observado nas palavras de Putnam (1996:79), “devemos estar atentos para não responsabilizar os governos por coisas que fogem ao seu controle. Queremos avaliar os ‘produtos’ e não os resultados — os serviços de saúde e não as taxas de mortalidade; a política ambiental e não a qualidade do ar; os programas de desenvolvimento econômico e não os lucros das empresas. A saúde, a qualidade do ar e os lucros certamente são importantes, mas a razão para excluí-los de nossa avaliação é simples: os resultados sociais são influenciados por muitas coisas além do governo. A saúde depende de fatores que fogem ao controle direto de qualquer governo democrático, como regime alimentar e estilo de vida. A qualidade do ar é influenciada pelas condições climáticas e demográficas e pela indústria, além da política governamental. Os lucros dependem da capacidade 383 384 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s empresarial, do empenho dos trabalhadores, das condições econômicas mundiais e assim por diante” (aspas do autor). Em sua investigação, Putnam constata que certas regiões da Itália (notadamente aí as regiões situadas no norte) contêm padrões e sistemas dinâmicos de engajamento cívico, isto é, seus cidadãos são atuantes e imbuídos de espírito público, as relações políticas são igualitárias e a estrutura social está firmada na confiança e colaboração. Já outras regiões (notadamente aí as regiões situadas ao sul) padecem de uma política verticalmente estruturada, a vida social é caracterizada pela fragmentação, isolamento e uma cultura dominada pela desconfiança.6 Os argumentos de Putnam (1996) para evidenciar as distinções de comunidade cívica7 — que efetivamente caracterizam a diferença de desempenho institucional e econômico das regiões italianas — buscam respostas na história do país, há quase um milênio, quando se estabeleceram em diferentes regiões da Itália dois regimes políticos contrastantes e inovadores: uma poderosa monarquia no Sul e um conjunto de repúblicas comunais no Centro e no Norte, que por longo tempo acumularam diferenças regionais sistemáticas nos modelos de engajamento cívico e solidariedade social. Ressalte-se que este aspecto do estudo de Putnam tem gerado grande polêmica e diz respeito à natureza metodológica de seu trabalho. Ao tratar da história complexa e milenar da Itália de forma rápida (em apenas um capítulo) para explicar as diferenças de civismo nas várias regiões do país, Putnam incorre em inferências imprecisas que levantam o clamor e o protesto de historiadores italianos.8 De acordo com Tarrow (1996:392), “sua imagem do norte medieval e das cidades estados como um protótipo de republicanismo é telescópica, para dizer o mínimo”. Na tentativa de explicar este estoque de participação cívica acumulado historicamente no Norte italiano, que legou, geração após geração, uma organização social baseada em ações coordenadas entre indivíduos através de regras de cooperação e confiança recíproca, fazendo aumentar o desempenho das instituições e a eficiência da sociedade, Putnam adota o conceito de capital social. Foram a presença de capital social nas regiões do norte da Itália e a ausência 6 Há um importante estudo realizado por Banfield (1958), que adota uma perspectiva sociopsicológica, sobre o caso do Sul da Itália. O autor conclui que a identidade social dos habitantes de Montegrano, pequena cidade situada ao sul da Itália, não vai além dos limites da família imediata. Esta forma de identidade social encontrada em Montegrano foi denominada por Banfield “familismo amoral”. 7 Para uma discussão do conceito de comunidade cívica em suas versões unitária — que segue a orientação de Aristóteles, Maquiavel e Rousseau — e pluralisrta — que segue a orientação de Tocqueville —, ver Fernandes (2000). 8 Algumas das principais críticas à abordagem da história italiana adotada por Putnam para demonstrar as diferenças de comunidade cívica entre as regiões podem ser encontradas, entre outros, em Pasquino (1994), Bagnasco (1994), Cohn (1994) e Sabetti (1996). C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as deste nas regiões do sul italiano que explicara a diferença de desempenho econômico e institucional dos governos locais na Itália. Putnam (1996:106-13) traz como evidência de sua pesquisa o fato de que a existência de capital social nas regiões mais cívicas da Itália está correlacionada com a existência de associações civis.9 Nas regiões consideradas mais cívicas, como a Emília–Romana, os cidadãos participam ativamente de todo o tipo de associações locais: clubes desportivos, entidades de recreação, grêmios literários, grupos orfeônicos, organizações de serviços sociais e assim por diante. Além disso, acompanham com interesse os assuntos cívicos veiculados na imprensa local e, por fim, compareceram às urnas nos cinco principais referendos ocorridos no país entre 1974 e 1987 (sobre divórcio, financiamento público dos partidos, terrorismo e segurança pública, escala móvel dos salários e energia nuclear), com uma média de participação do eleitorado de aproximadamente 90% e baixa taxa de votação preferencial (pessoal). Já nas regiões consideradas menos cívicas, como a Calábria, verifica-se uma quase inexistência de associações cívicas e uma escassez de meios de comunicação locais, além de um índice alto (90%) de voto preferencial (que caracteriza um voto de clientela), com baixa taxa de participação nos referendos acima citados. Segundo Putnam (1996:103-4), as associações civis contribuem para a eficácia e a estabilidade do governo democrático, não só por causa dos seus efeitos internos sobre o indivíduo, mas também pelos seus efeitos externos sobre a sociedade. No âmbito interno, as associações incutem em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade, senso de responsabilidade comum em relação a empreendimentos coletivos, bem como espírito público. No âmbito externo, a articulação e agregação de interesses são intensificadas com uma densa rede de associações secundárias. Como observa Abu-El-Haj (1999a:71; 1999b:90), “Putnam defendeu a noção de complementaridade entre a burocracia de Estado e as iniciativas coletivas emanadas do associacionismo horizontal. Para Putnam, por um lado, a confiança interna em associações provocaria um intenso engajamento cívico. Por outro lado, a normalização do espaço público reproduziria e intensificaria a generalização das iniciativas coletivas. A reciprocidade mútua das instâncias públicas e privadas aumentaria o potencial transformador, valorizando o bem-estar geral da sociedade”. É importante ressalvar que nem toda e qualquer associação secundária, dotada internamente de capital social, necessariamente contribui para o acúmulo de civismo do todo social, ou seja, para o desenvolvimento de capital social 9 O índice de comunidade cívica construído por Putnam para medir o grau de engajamento cívico nas diferentes regiões da Itália tem como variáveis, além do número de associações, o número de leitores de jornal e a participação dos cidadãos nos cinco referendos realizados entre 1974 e 1987. Além disso, ele utiliza como índice de clientelismo o voto preferencial entre as eleições de 1953 e 1979. 385 386 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s numa dada sociedade. Um exemplo disto é o caso da máfia. A máfia é uma organização associativa que vende a seus consumidores proteção contra a violência em troca de coberturas para violações da lei. Do ponto de vista interno, a máfia em si é uma espécie de holding familiar, dotada de capital social, pois existem normas de reciprocidade, laços de confiança, fidelidade e redes entre as famílias. Do ponto de vista externo, a máfia é uma organização que destrói as instituições públicas através das práticas de corrupção, aliciamento, coação física através de violência contra servidores públicos e cidadãos, ou mesmo contra concorrentes de mercado, para assegurar seu oligopólio. De acordo com Putnam (1996:157) a presença das organizações mafiosas na Itália prevalece nas regiões menos cívicas do país, onde predomina uma estrutura de relações tipicamente verticais de autoridade e dependência, baseadas no clientelismo e no mandonismo, havendo pouca ou nenhuma solidariedade horizontal entre os cidadãos. A máfia é um exemplo do que pode ser chamado de capital social negativo.10 Uma crítica à hipótese de Putnam de que um maior grau de associativismo implica melhor desempenho institucional é desenvolvida por Levy (1996: 49). A autora questiona o estudo de Putnam afirmando que existe um gap entre os vários tipos de associações e as organizações que efetivamente exercem ação política ativa. Para Levy, a arena política é exercida por grupos de interesse específicos, o que conduz a demandas mais particularistas. Além disso, outras variáveis influenciam o engajamento cívico, como a definição da agenda com a manipulação da média que influencia os ciclos eleitorais, fazendo com que determinadas questões entrem no processo de tomada de decisão e outras não. Assim, as associações como variável independente do processo de desempenho institucional são apenas uma parte da explicação da cidadania ativa e do capital social no caso italiano (Levy, 1996:49). Numa abordagem histórico-cultural, o trabalho de Putnam (1996) deixa como conclusão uma pergunta central a ser respondida. Se Putnam (1996) afirma 10 Sobre isso é importante observar os possíveis efeitos perversos na produção de capital social quando as comunidades se apresentam muito fechadas em si mesmas. Nesse caso há a produção de capital social, mas também há o surgimento de espaços de intolerância e discriminação. Putnam (2000:355-7) mostra que o capital social nos EUA pode ter reforçado a estratificação social e diferenças raciais e de classe, uma vez que desigualdades sociais e normas discriminatórias podem estar inseridas no capital social. Para desenvolver tal argumento ele cita o exemplo de escolas integradas racialmente e escolas de vizinhança. Em ambas as propostas buscou-se produzir capital social, porém, ao mesmo tempo, podem ter sido produzidas, como efeito perverso, divisões sociais de raça e classe. Este aspecto também é notado por Portes (1998:15), que aponta quatro conseqüências negativas do capital social: exclusão de pessoas de fora dos grupos; excesso de clamor pelos membros do grupo; restrições sobre liberdades individuais; ambição inferior nivelando as normas do grupo. C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as que a comunidade cívica e, conseqüentemente, a existência de capital social têm causas históricas, como pode ele, ao mesmo tempo, defender a idéia de reforma institucional? De acordo com seu pensamento, na Itália, cada governo regional estaria fadado ao destino histórico traçado por sua comunidade. Generalizando, não haveria chance para qualquer país do Terceiro Mundo, ou mesmo para qualquer cidade ou região não-cívica em qualquer parte do planeta vir a tentar tornar-se cívica, isto é, obter capital social, caso um governo com forte propósito para isso o desejasse, pois o determinismo histórico-cultural já os teria condenado.11 Diante disso é que Putnam deixa uma questão ao final de seu trabalho: se governos são capazes de criar capital social. Nas suas próprias palavras (Putnam, 1996:192-3), “a comunidade cívica tem raízes históricas. Esta é uma afirmação deprimente para os que vêem a reforma institucional como estratégia de mudança política. O presidente da Basilicata não pode transferir seu governo para a Emília, e o primeiro-ministro do Azerbaijão não pode transferir seu governo para o Báltico. Uma teoria da mudança que dê prioridade ao ethos pode ter conseqüências desastrosas (...)Pode acabar solapando as iniciativas de mudança por acreditar-se que as pessoas estão inapelavelmente enredadas num ethos. Mais de um regionalista italiano declarou-nos em particular que a divulgação de nossos resultados pode indeliberadamente prejudicar o movimento da reforma regional. Um competente presidente de uma região não-cívica e partidário da reforma regional exclamou ao ouvir nossas conclusões: ‘isso é aconselhar o desespero! O que vocês estão me dizendo é que nada que eu venha a fazer melhorará nossas perspectivas de êxito. O destino da reforma já estava traçado há séculos’ (...) Criar capital não será fácil, mas é fundamental para fazer a democracia funcionar”. Ao deixar como uma de suas conclusões esta questão — se os governos são capazes de criar capital social —, Putnam abre um campo de pesquisa que vai procurar debater sob quais circunstâncias e condições as instituições públi- 11 Para explicar o aspecto relativo ao determinismo histórico-cultural como argumento que explica as diferenças regionais na Itália no acúmulo de capital social, Putnam (1996:189-90) toma como referência de análise o trabalho de Notrh (1993) e sua idéia de rota-dependência no processo de mudança institucional. Para North (1993:121-31), as instituições eficientes ao longo do tempo adquirem estabilidade, o que as faz conservar sua estrutura normativa, tornando qualquer caminho de mudança dependente desta estrutura preestabelecida. Putnam (1996:189-90), para ilustrar o argumento de as distinções históricas entre o Norte e o Sul da Itália determinarem o desempenho atual de suas instituições, utiliza a idéia similar desenvolvida por North (1993:146-51), da distinção no Novo Mundo entre os EUA e a América Latina. Como no caso italiano, os EUA têm um desempenho econômico melhor do que a América Latina porque os norte-americanos foram herdeiros da tradição comunitária horizontal britânica, enquanto os latino-americanos descendem da estrutura de relações verticais ibéricas, baseadas no autoritarismo centralizado, no familismo e no clientelismo. 387 388 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s cas são capazes de estimular civismo através da elaboração e implementação de políticas que visem ao desenvolvimento econômico e social.12 4. A abordagem da autonomia inserida e a idéia de sinergia Estadosociedade Dentro do grupo de discussão do capital social,13 um dos principais estudos, que representa não só crítica, mas também complementaridade à teoria de Putnam, é o trabalho organizado por Evans (1997b).14 Evans e seus colaboradores, com base na análise de casos de políticas realizadas por países em desenvolvimento, sustentam a idéia do papel central das instituições na formação de capital social, através de uma sinergia na relação entre Estado e sociedade civil, quando na implementação de programas de desenvolvimento social.15 A abordagem de Evans é centrada na autonomia de Estado. Em seu livro publicado em 1995, Embedded autonomy (Autonomia inserida), Evans trabalha com esse conceito,16 a partir de evidências colhidas de uma análise comparativa do processo de desenvolvimento industrial em seis países: Zaire, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Brasil e Índia. Segundo Evans (1995:50), a autonomia inserida para o Estado em ação, isto é, para o Estado como ator na elaboração de políticas públicas, representa a existência da combinação da burocracia weberiana com uma intensa conexão com a estrutura social circundante. Em outras palavras, a melhor medida da relação entre Estado e capital privado, visando ao desenvolvimento in- 12 Putnam (1995), ao discutir as razões pelas quais afirma que o capital social nos EUA está declinando (como mobilidade social e territorial e transformações demográficas e tecnológicas), aponta como uma das saídas para este contexto de erosão das vizinhanças e das redes associacionistas de confiança e solidariedade explorar criativamente o potencial que as políticas públicas podem impingir na formação de capital social (Putnam, 1995:75-6). 13 O grupo “Social Capital and Public Affairs Project” foi fundado pela Carnegie, Ford and Rockfeller Foundations na American Academy of Arts and Sciences sob a direção de Robert Putnam e com a participação de importantes e prestigiados cientistas sociais que estudam a questão dos governos na implementação de políticas de desenvolvimento econômico e social, tais como Peter Evans, Elinor Ostrom, Judith Tendler, Guillermo O’Donell, entre outros. 14 O livro organizado por Evans em 1997, com todos os artigos dos colaboradores, foi publicado inicialmente em 1996 numa edição da revista World Development (v. 24, n. 6). 15 Hirschman (1987:29), em importante trabalho que analisa diversas experiências de cooperativas, associações e movimentos de base realizando produção comunitária agrícola e manufatureira na América Latina, introduz a idéia de energia social, que significa a bagagem de ativismo cívico dos membros das comunidades que se renova a cada novo projeto de ação coletiva visando à mudança social. 16 Segundo Woolcock (1998:162), em estudo que analisa as distintas abordagens sobre o capital social, inclusive a abordagem da autonomia inserida, a idéia de inserção vem originalmente de Karl Polanyi, mas foi introduzida na sociologia contemporânea por Granovetter (1985). C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as dustrial, se dá quando se combina uma forte tradição burocrática entre os agentes públicos (meritocracia, carreiras de longo prazo, senso de dever e lealdade) com uma relação, não de captura, porém de cooperação e confiança junto ao setor privado. Isto significa manter a autoridade de Estado com instituições dotadas de burocracias fortes, ao mesmo tempo que se estabelecem laços e redes com o setor privado para alcançar, em conjunto, metas de desenvolvimento econômico. Assim, o Estado é dotado de autonomia (autonomy), na medida em que exerce a autoridade através de um rígido aparato burocrático, e possui inserção (embeddedness) no setor privado no momento em que estabelece laços e normas informais de confiança que asseguram cooperação para o alcance de objetivos de política econômica.17 Nas palavras do próprio Evans (1995:59): “A autonomia está inserida num conjunto concreto de laços e redes sociais que comprometem e provêm canais institucionais para negociação e renegociação de metas e políticas. (...) Inserção, como é usada aqui, implica um conjunto concreto de conexões que ligam o Estado íntima e agressivamente a grupos sociais particulares com quem o Estado compartilha o projeto de transformação. (...) Autonomia ou inserção podem produzir resultados perversos um sem o outro. Sem autonomia a distinção entre inserção e captura desaparece”. Na análise dos casos, Evans (1995) estabelece uma tipologia da capacidade de autonomia inserida dos estados no desenvolvimento de programas de transformação industrial. O Zaire seria o tipo predatório, no qual o Estado, ao combinar violência repressiva e relações com setores específicos de mercado, forma uma típica configuração rent-seeking. O governo carecia de uma política de transformação industrial, e sua agenda foi conduzida por segmentos particulares de um setor da sociedade civil, que dirigiu todas as energias do Estado para reprimir grupos de oposição. Péssimo desempenho econômico, combinado com uma também ruim estrutura interna de organização de Estado, é a expressão do Estado predatório no Zaire. Japão, Coréia do Sul e Taiwan formam o segundo tipo de Estado, definido como desenvolvimentista. Nestes três países, com pequenas variações em cada um, o Estado teve um papel central no desenvolvimento industrial, através da implementação de políticas que possibilitaram a provisão de novos capitais, bem como a racionalização e estruturação industrial. Teve fundamental importância a inserção, com a formação de redes entre empresas e setor público, bem como a autonomia dos Estados, que tiveram uma postura de rigor com o setor 17 De acordo com Woolcock (1998:164), o sentido no qual “inserção” e “autonomia” são empregados no nível micro e no nível macro não é o mesmo. Inserção no nível micro refere-se a laços intracomunidade, enquanto no nível macro refere-se a relações de Estado-sociedade. Autonomia no nível micro refere-se a redes extracomunidade, enquanto no nível macro refere-se a capacidade e credibilidade institucional. 389 390 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s empresarial, diminuindo a proteção do mercado interno e, ao mesmo tempo, estimulando a competitividade internacional das indústrias locais. O Brasil e a Índia são considerados tipos intermediários. No caso brasileiro, encontra-se alguma coisa de autonomia inserida, onde se localizam as ilhas de excelência do serviço público (como o BNDES), que viabilizaram a provisão de um número razoável de projetos setoriais de transformação industrial. Ao mesmo tempo, o caso brasileiro mostra certas relações de captura do serviço público por grupos privados e oligarquias tradicionais, tornando as relações entre setor público e privado individualizadas, em vez de institucionalizadas. Na Índia, a despeito de toda a caracterização que sempre se fez do Estado indiano como predatório, Evans (1995:67) considera que o aparato burocrático parece mais próximo do tipo ideal weberiano do que no Brasil. Apesar disso, os latifundiários na Índia tiveram um papel de captura e controle do Estado que não tornou possível a concretização de um projeto de transformação industrial tal como ocorrera no Brasil. Unindo o conceito de autonomia inserida à abordagem histórico-cultural do capital social desenvolvida por Putnam, Evans (1997b) e os autores que participam do trabalho vão mostrar, através das evidências obtidas com a análise dos casos, como o estabelecimento de uma relação de sinergia entre Estado e sociedade pode produzir capital social. Ao caracterizar esta relação de sinergia capaz de produzir capital social, Evans (1997a:180) procura definir os tipos de sinergia, afirmando que ela pode ser de complementaridade ou inserção (embeddedness). Sinergia como complementaridade significa a idéia já conhecida, oriunda das disciplinas da economia institucional e da administração pública, de parceria público-privado. Sinergia como inserção baseia-se na idéia de laços que conectam cidadãos e funcionários públicos e cruzam a divisa público-privado. Sobre sinergia como inserção, discorre Evans (1997a:180): “Podem redes que ultrapassam as fronteiras entre público e privado ser repositórios do desenvolvimento de valioso capital social mais do que instrumento de corrupção e rent seeking? A despeito das dificuldades que a sabedoria convencional cria, a evidência que tem sido apresentada nestes artigos sugere que a permeabilidade das fronteiras público-privado deve ser admitida como uma inescapável parte de muitos programas de desenvolvimento bem-sucedidos”. Complementaridade e inserção não são excludentes e geralmente devem ser combinadas. Casos de co-produção são evidências deste aspecto. O caso, apresentado por Ostrom (1997:87-118), de infra-estrutura urbana comprova isto, com a construção, em Recife, de uma rede condominial de saneamento básico num bairro pobre da periferia da cidade. Neste projeto a inserção e parceria do governo com a comunidade foi grande, desde a contribuição dos cidadãos para modificações do projeto original até a construção e manutenção das linhas de suprimento de água. O trabalho de Lam (1997:11-48) sobre os sistemas de irrigação em Taiwan também é um bom exemplo de co-produção e da combina- C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as ção de complementaridade e inserção. Lam procura mostrar como uma profunda conexão entre os fazendeiros e os funcionários dos institutos agrícolas de Taiwan formaram um time de produção, com completa divisão de atribuições na operação do sistema de irrigação, estabelecendo um projeto partilhado de trabalho cooperado entre servidores e fazendeiros. Evans levanta uma outra questão importante na análise das origens das relações sinérgicas, que é a da relação entre dotes sociais e construtibilidade. Neste caso, busca saber se a possibilidade de sinergia depende primariamente dos dotes socioculturais de uma comunidade ou da aplicação de arranjos institucionais. Nas palavras de Evans (1997a: 189-90), “se sinergia é um resultado que depende da existência a priori de configurações sociais e culturais historicamente enraizadas em culturas e sociedades particulares, daí ela pode estar bem fora do alcance da maioria dos grupos. A perspectiva da ‘construtibilidade’ é mais otimista. Sinergia torna-se uma possibilidade latente na maioria dos contextos, esperando para ser trazida à vida pelos empreendimentos institucionais (...) Se possibilidades para construção existem, elas deverão ser exploradas (...)” (aspas do autor). O caso apresentado por Heller (1997:48-84), mostrando como a mobilização da classe operária em Kerala provocou uma intervenção de Estado na Índia que gerou reformas redistributivas, demonstra que o ativismo comunitário latente foi uma útil fundação para a subseqüente mobilização de classe diante de um governo democrático que permitiu a negociação com os grupos sociais, estabelecendo a relação de sinergia entre Estado e sociedade civil. O artigo de Buroway (1997:150-77) traz uma análise emblemática no sentido de entender como a existência de dotes sociais sem construtibilidade acabou por destruir capital social. Em seu estudo, Buroway faz uma análise comparativa da Rússia pós-socialista com a China Popular e mostra, no caso russo, como o governo, ao desmantelar a antiga associação de carpinteiros, após a venda da indústria estatal de reflorestamento para empresas estrangeiras, produziu efeitos perversos do ponto de vista econômico. Ao contrário da Rússia, no caso chinês a manutenção de relações entre o aparato de Estado e as pequenas empresas locais dos municípios e vilas rurais acabou produzindo uma boa base de sustentação para a transição de um regime de economia orientada pelo mercado. Fox (1997: 119-149), ao analisar como se deu o aumento de densidade da sociedade civil na zona rural do México num contexto de regime autoritário, mostra que, a despeito de existir uma vasta riqueza de associações horizontais no país, instituições públicas coercitivas dominadas por corrupção e clientelismo reprimiram e derrubaram estas iniciativas. Como considera Evans (1997a: 197-9), as tentativas de sinergia podem falhar ou ser bem-sucedidas, e um dos aspectos que contribuem para o sucesso ou fracasso dos programas partilhados é o regime político. Um contexto político de igualdade e competitividade, não- 391 392 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s autocrático, representa um requisito mínimo que facilita a sinergia e, portanto, a formação de capital social. Mais um aspecto importante, além de todos os citados anteriormente, que Evans destaca para entender como se dá a relação sinérgica entre Estado e sociedade, tornando possível a produção de capital social, é a atitude do setor público em incorporar a construção de civismo comunitário como elemento do seu trabalho. Neste sentido, há que se destacar o livro de Tendler (1998), que analisa quatro programas desenvolvidos pelo governo do Ceará de 1986 a 1994: o programa de medicina preventiva; extensão para negócios e contratos públicos para pequenas empresas; empregos de emergência através da construção de obras públicas; e extensão rural para pequenos produtores. Tendler, através de suas evidências, comprova o contrário do que as tradicionais teorias da administração pública gerencial e da economia institucional pregam sobre descentralização e prestação de serviços públicos. Em sua pesquisa, ao contrário do que normalmente se pensa, o governo estadual assumiu a prestação de serviços dos municípios ou criou condições para que o governo municipal assumisse os serviços, e não simplesmente os entregou à competência do município. Além disso, em vez de entregar a prestação dos serviços a ONGs ou empresas privadas, como prescrevem os organismos multilaterais de financiamento, o próprio governo, através de seus funcionários, desenvolveu os programas, que tiveram como principais aspectos-chave de sucesso: Auto-estima do funcionalismo recuperada; incentivos e reconhecimento do governo ao serviço; maior desempenho, voluntarismo, poder de decisão e autonomia dos funcionários; espírito público e colaboração mútua por parte da comunidade. O trabalho de Tendler é mais uma prova de sinergia criando capital social a partir da combinação de complementaridade e inserção, nos termos de Evans: “o Governo levou a sociedade civil a se formar, ao mesmo tempo que a sociedade civil agiu independentemente do governo externo para contestar sua sensatez e suas ações ou para reivindicar um serviço melhor. Portanto, até onde a sociedade civil contribuiu para o bom desempenho ela não era necessariamente preexistente ou independente do governo” (Tendler, 1998:199). Um outro estudo importante sobre a produção de capital social no Brasil que tem de ser destacado aqui e que se insere na abordagem neo-institucionalista é o trabalho de Abu-El-Haj (1999b). Ao analisar o caso da reforma sanitária no Ceará, Abu-El-Haj (1999b) mostra como se dá a mobilização de capital social através de um consenso político entre a comunidade médica e o grupo político de empresários que assumiu o governo do estado. Este consenso assegurou uma aliança de confiança e reciprocidade entre os médicos e o governo, tornando possível a atuação livre e desimpedida dos médicos na implementação do Sistema Único de Saúde em todo o estado sem a penetração do clientelismo nesta área, algo que era muito comum na história política do Ceará. Além disto, Abu-El-Haj (1999b) também mostra que, apesar de existir esta aliança aparentemente paradoxal entre o empresariado e os médicos cearenses, a falta de institucionalização C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as (burocratização) da área da saúde no estado impede a continuidade da reforma sanitária, ficando esta, portanto, dependente da voluntariedade do grupo político que está no poder. Como considera Abu-El-Haj (1999b: 220): “Os dados levantados, tanto qualitativos como quantitativos, confirmam a elevada mobilização do capital social e o sucesso de sua mobilização num bloco de poder. O capítulo dedicado à avaliação do nível de institucionalização, no entanto, indica o fracasso da rotinização do consenso político em procedimentos administrativos. O caso cearense é típico de uma transição incompleta: aqui, os princípios políticos consensuais não se refletiam no cotidiano da atuação do estado”. O estudo de Abu-El-haj diz que, embora a mobilização do capital social fosse importante e tivesse tornado bem-sucedida a implantação do Sistema Único de Saúde no Ceará, o legado de ineficiência e carência de recursos humanos e materiais na área de saúde no estado impede a rotinização independente da política. Daí a implantação bem-sucedida do SUS no Ceará depender do grupo político que está no poder: caso estas lideranças saiam, nada garante que a política de saúde terá o mesmo desempenho. 5. Considerações finais Como foi visto neste artigo, são muitas as formas de mobilização e produção de capital social. Desde a existência de uma densa rede de associações horizontais, como se observa no enfoque de Putnam sobre a Itália, até alianças políticas entre grupos sociais relevantes para produzir políticas sociais, como é o caso da reforma sanitária no Ceará, apresentado por Abu-El-Haj, o capital social é algo diverso e depende do contexto político em que as forças sociais estão dispostas. Neste sentido, a aplicação do conceito de capital social na análise institucional e de políticas públicas requer uma abordagem microssociológica, pois generalizações neste campo temático podem não conter a precisão metodológica necessária para compreender claramente a emergência da cooperação mútua numa dada comunidade. Como consideram Coix e Posner (1998:688-90), a teoria do capital social “claramente não constitui uma resposta geral para a questão das origens do capital social (...) a teoria do capital social não especifica a lógica das microligações que torna a comunidade capaz de cooperar para realizar o bom governo”. Apesar do esforço de Putnam em tentar entender historicamente o processo de construção da comunidade cívica na Itália que tornou possível a produção de capital social, a busca das raízes da cooperação ou não-cooperação dependerá de um conjunto de relações políticas e sociais igualitárias e horizontais estabelecidas entre governo e sociedade num dado contexto. Disto depreende-se que não é só o background histórico de uma comunidade o principal fator que determina a existência de capital social. O capital social é também algo contingente (pode ser produzido ou destruído) e, neste sentido, os governos têm 393 394 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s um papel indispensável na criação ou na destruição de capital social. O trabalho de Evans e seus colaboradores mostra exatamente isto. A elaboração de políticas públicas pode ser conduzida visando a criar ou destruir capital social. Como observa Putnam (2000:413), “o governo pode ser o problema ou a solução. Muitos dos mais criativos investimentos em capital social na história da América foram resultado direto de política de governo”. Não se deve, portanto, prescindir da atuação do governo na produção de capital social, e isto é ainda mais decisivo em contextos sociais com déficits crescentes de cidadania. No que tange à questão da mudança e desempenho institucional, chegase à constatação de que a existência de capital social pode aumentar o desempenho das instituições, tornando-as mais eficientes e responsáveis. Isto foi o que se verificou no caso da reforma institucional no Ceará a partir da observação dos trabalhos de Tendler (1998) e Abu-El-Haj (1999b). Este aspecto, por exemplo, é também observado no trabalho de Gregory (1999), que mostra que a reforma da administração pública na Nova Zelândia, ao privilegiar apenas seus aspectos técnicos, com base em teorias da escolha pública e do new public management (que concebem o governo como um conjunto de agências produtoras de serviços), acabou por esquecer de dar atenção aos aspectos ligados à probidade e à ética administrativas. Para Gregory (1999:69-70), as reformas do setor público na Nova Zelândia devem dirigir-se para reconstruir instituições visando a produzir capital social. Segundo ele, o processo de reforma do setor público na Nova Zelândia, ao evidenciar os aspectos técnicos ligados à produtividade, tornou obscuros fatores como confiança, cooperação e boa vontade, elementos-chave para o desempenho ético e probo do servidor público. Um outro estudo interessante sobre a relação entre desempenho institucional e capital social é apresentado por Cusack (1999), que procura avaliar o conceito de capital social desenvolvido por Putnam através da análise das diferenças de desempenho institucional entre os diversos governos locais da Alemanha. Seu estudo tem como objetivo central mostrar que a existência de veto players no processo decisório governamental dificulta o bom desempenho dos governos locais. Sua principal conclusão é que o capital social maior dentro da cultura política da elite conduz a uma satisfação maior com o desempenho do governo do que onde a distribuição do governo é mais difusa, isto é com maior número de veto players. Nas palavras do próprio Cusack (1999:20), “instituições trabalham melhor quando imersas numa cultura de cooperação”. Para finalizar, é importante observar que, apesar dos inúmeros problemas, Estado e sociedade juntos podem produzir civismo ou capital social. Neste sentido, nenhuma parte poderá prescindir da outra. Como afirma Putnam (2000:413) ao analisar o caso americano, “o papel das instituições locais e nacionais em restaurar a comunidade americana necessita ser complementar; nenhum deles sozinhos pode resolver o problema. Outro falso debate é se o governo é o problema ou a solução. A resposta acurada, julgando o registro histórico, é que ambos são importantes”. C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as Referências bibliográficas Abu-El-Haj, Jawdat. O debate em torno do capital social: uma revisão crítica. BIB — Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, (47):65-79, 1 sem. 1999a. ———. A mobilização de capital social no Brasil. O caso da reforma sanitária no Ceará. São Paulo, Annablume, 1999b. Bagnasco, Arnaldo. Regioni, tradizione civica, modernizzzione italiana: un commento alla rierca di Putnam. Stato e Mercato 40:93-104, apr. 1994. Banfield, Edward. The moral basis of a backward society. New York, Free Press, 1958. Bourdieu, Pierre. Le capital social. Notes provisairies. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 3:2-3, 1980. ———. The forms of capital. In: Richardson, J. G.(ed.). Handbook of theory and research for sociology of education. New York, Grenwood, 1985. p. 241-58. Burawoy, Michael. The State economic involution: Russia through a China Lens. In: Evans, Peter (ed.). State-society synergy — government and social capital in development. Berkeley, University of California, 1997. p. 150-77. Cohn, Samuel K. La storia secondo Robert Putnam. Polis 8:315-24, ago. 1994. Coix, Carles & Posner, Daniel. Social capital: explaining its origins and effects on government performance. Britsh Journal of Political Science, 28(4):686-93, Oct. 1998. Coleman, James S. Social capital in the creation of human capital. American Journal of Sociology, 94:95-120, 1988. ———. Foundations of social theory. Cambridge, Harvard University Press, 1990. Cusack, Thomas R. Social capital, institutional structures, and democratic performance: a comparative study of German local governments. European Journal of Political Research, 35:1-34, 1999. Evans, Peter. Embedded autonomy — states and industrial transformation. Princeton, Princeton University Press, 1995. ———. Government action, social capital and development. In: Evans, Peter (ed.). State-society synergy: government and social capital in development. Berkeley, University of California, 1997a. p. 178-210. ——— (ed.). State-society synergy: government and social capital in development. Berkeley, University of California, 1997b. Fernandes, Antônio Sérgio A. A comunidade cívica em Walzer e Putnam. Lua Nova (51):7196, 2000. Flap, H. D. & De Graaf, N. D. Social capital and attained occupational status. The Netherlands’ Journal of Sociology, 22:145-61,1986. 395 396 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s Fox, Jonathan. How does civil society thicken? The political construction of social capital in rural Mexico. In: Evans, Peter (ed.). State-society synergy: government and social capital in development. Berkeley, University of California, 1997. p. 119-49. Granovetter, Mark. Getting a job: a study of contacts and careers. Cambridge, MA, Harvard University Press, 1974. ———. Economic action and social structure, the problem of the embeddedness. American Journal of Sociology, 91, 1985. Gregory, Robert. Social capital theory and administrative reform: maintaining ethical probity in public service. Public Administration Review, 59(1), Jan./Feb. 1999. Hall, Peter & Taylor, Rosemary C. R. Political science and the three new institutionalisms. Political Studies, 44:936-57, 1996. Hanifan, Lyda Judson. The rural school community center. Annals of The American Academy of Political and Social Science, 67:130-8, 1916. Heller, Patrick. Social capital as a product of class mobilization and State intervention: industrial workers in Kerala, India. In: Evans, Peter (ed.). State-society synergy: government and social capital in development. Berkeley, University of California, 1997. p. 48-84. Hirschman, Albert O. O progresso em coletividade: experiências de base na América Latina. Rosslyn, Fundação Interamericana, 1987. Immergut, Ellen. The theoretical core of the new institutionalism. Politics and Society, 26(1), Mar. 1998. Kato, Junko. Institutions and rationality — three varieties of neo-institutionalists. Britsh Journal of Political Science, 26:553-82, 1996. Jacobs, Jane. The death and life of great American cities. New York, Random House, 1961. Lam, Wai Fung. Institutional design of agencies and coproduction: a study of irrigation associations in Taiwan. In: Evans, Peter (ed.). State-society synergy: government and social capital in development. Berkeley, University of California, 1997. p. 11-47. Levy, Margaret. Social and unsocial capital: a review essay of Robert Putnam’s ‘Making democracy work’. Politics & Society, 24(1):45-65, Mar. 1996. Limongi, Fernando. O novo institucionalismo e os estudos legislativos: a literatura norteamericana recente. BIB — Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro (37):3-38, 1 sem. 1994. Loury, Glenn. A dynamic theory of racial income differences. In: Wallace, P. A. & Le Mund, A. Women, minorities and employment discrimination. Lexington, MA, Lexington Books, 1977. ch. 8. ———. Why should we care about group inequality? Social Philosophy and Policy, 49:843-67, 1987. C ap i tal S o c ial e An ál is e I ns tit u c io na l e d e P o l íti c as P ú b l ic as Lowndes, Vivien. Varieties of new institutionalism: a critical appraisal. Public Administration, 74:181-97, Summer 1996. March, James & Olsen, Johan. The new institutionalism: organizational factors in political life. American Political Science Review, (78):734-49, 1984. ———. Rediscovering institutions: the organizational basis of politics. New York, Free Press, 1989. North, Douglass. Instituciones, cambio institucional y desempeño económico. México, Fondo de Cultura Económica, 1993. Ostrom, Elinor. Rational choice theory and institutional analysis: toward complementarity. American Political Science Review, 85:237-50, 1991. ———. Crossing the great divide. In: Evans, Peter (ed.). State-society synergy: government and social capital in development. Berkeley, University of California, 1997. p. 85-118. Pasquino, Gianfranco. La politica eclissata dalla tradizione civica. Polis, 8:307-13, ago. 1994. Portes, Alejandro. Social capital: its origins and applications in modern sociology. Annual Review of Sociology, 24:1-24, 1998. Putnam, Robert. The prosperous community: social capital and public life. The American Prospect, (13), Spring 1993. (Capturado em: http://epn.org/prospect/13/13putn.htlm.) ———. Bowling alone: America’s declining social capital. Journal of Democracy, 6(1):65-78, Jan. 1995. ———. Comunidade e democracia. A experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, FGV, 1996. ———. Bowling alone. The collapse and revival of American community. New York, Simon & Schuster, 2000. Rhodes, R. The institutional approach. In: Marsh, G. & Stoker, G. (eds.). Theory and methods in political science. London, Macmillan, 1996. Sabetti, Filippo. Path dependency and civic culture: some lessons from Italy about interpreting social experiments. Politics and Society, 24:19-44, Mar. 1996. Skocpol, Theda. Bringing the State back in: strategies of analysis in curent research. In: Skocpol, Theda; Evans, Peter & Rueschemeyer, Dietrich (eds.). Bringing the State back in. Cambridge University Press, 1985. p. 3-37. ———; Evans, Peter & Rueschemeyer, Dietrich (eds.). Bringing the State back in. Cambridge University Press, 1985. Tarrow, Sidney. Making social science work across space and time: a critical reflection on Robert Putnam’s Making democracy work. American Political Science Reviw, 90(2):38997, 1996. Tendler, Judith. O bom governo nos trópicos. uma visão crítica. São Paulo, Revan-Enap, 1998. 397 398 A ntô nio S é r gio A raú jo F e r nan d e s Thelen, Kathy. Historical institutionalism in comparative politics. Cuadernos del Cide (91), 1997. Tocqueville, Alexis de. A democracia na América. São Paulo, Martins Fontes, 2000. Whitehead, Michael Laurence. Jogando boliche no Bronx: os interstícios incivis entre a sociedade civil e a sociedade política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 14(41), nov. 1999. Woolcock, Michael. Social capital and economic development: toward a theoretical synthesis and policy framework. Theory and Society, 27:151-208, 1998.