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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ – DEPARTAMENTO DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO Gabriela Adorni Mazzotti PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO POR INTERMÉDIO DA HOLDING FAMILIAR Rio de Janeiro – 2016 GABRIELA ADORNI MAZZOTTI PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO POR INTERMÉDIO DA HOLDING FAMILIAR Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para aprovação no curso de pós- graduação em Direito Empresarial da Universidade Estácio de Sá, sob orientação do Professor Doutor Ivan de Oliveira Silva. NITERÓI - RJ 2016 Direito Empresarial Gabriela Adorni Mazzotti Planejamento Sucessório por Intermédio da Holding Familiar Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estácio de Sá como requisito para obtenção do grau de Especialista em Direito Empresarial. Aprovada em ________, de ______________ de 20_______. Examinador __________________________________ Prof. Dr. Ivan de Oliveira Silva NOTA FINAL: _________ RESUMO O presente trabalho tem como fundamento perquirir se a utilização da holding familiar enquanto instrumento de planejamento sucessório se traduz em vantagens para a preservação patrimonial da família, tendo sido utilizada, para tanto, a técnica da pesquisa bibliográfica. Inicialmente aborda-se o conceito de holding, demonstrando não se tratar de espécie societária, mas sim de uma especialidade do objeto social adotado, razão pela qual as normas acerca da constituição, relações entre os sócios e com terceiros, tributação e extinção se subsumem ao tipo social a ser escolhido, bem como à natureza jurídica simples ou empresária. Apresenta-se os tipos de holding existentes e qual melhor se adequaria para o planejamento sucessorio familiar. Demonstra-se como se dá a integralização do patrimônio social, a tributação correspondente e a forma pela qual os futuros herdeiros se tornam sócios. Segue-se com a apresentação das adversidades da sucessão, expondo suas peculiaridades legais e as consequências nefastas que a falta do planejamento sucessório podem representar sobre o patrimônio e as empresas familiares. Por fim, aborda-se a holding como instrumento hábil para se evitar os conflitos familiares, a elevada carga tributária incidente sobre a sucessão causa mortis, bem como o risco de falência dos negócios familiares devido à ausência da continuidade da administração nos ideiais fundados pelo ascendente falecido. Palavras-chave: Direito societário. Holding. Holding Familiar. Sucessão. ABSTRACT This writings searching the convenience of holding companys as device to sucessfully preserve the family patrimony and assets. The thecnique used was the bibliographic research. Initially was argued the concept of the holding company, establishing that doesn’t a sort of corporate, according the brazilian law, but a special characteristic of its social object. Therefore, the regulament to be follow by the company about the struture, the relationship among the partners or with strangers and the appurtenent taxes are submitted to the corporate type and the juridical natural that will be adopted. In sequence it explored the holding firm’s types and what kind of legal company suits to make a family sucession plan. We demonstrate how to complement the social equity, the corresponding taxation and the way the descendants become partners. Is presented the adversity of family sucession, exposing its legal singularities and the malefic consequences that the lack of a sucession plan represents to the family’s assets and companies. Lastly, the holding company is evaluated as an able resource to avoid family conflict, high taxation of the inheritance, and the bankruptcy derived of the no continuity of the management in the ideals founded by the deceased ascendant. Palavras-chave: Corporate law. Holding. Family holding company. Right of sucessions. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9 2. CONCEITO .............................................................................................................. 9 3. TIPOS DE HOLDING ............................................................................................ 10 3.1 Holding Familiar................................................................................................... 12 3.2 Natureza adequada para a Holding Familiar: sociedade empresária ou simples 13 3.3 Tipo Adequado de Sociedade para a Holding Familiar ....................................... 15 3.3.1 Sociedade em nome coletivo ........................................................................ 16 3.3.2 Sociedade Simples em sentido estrito .......................................................... 16 3.3.4 Sociedade limitada........................................................................................ 17 3.3.5 Sociedade em comandita por ações............................................................. 18 3.3.6 Sociedade anônima ...................................................................................... 19 4. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO POR INTERMÉDIO DA HOLDING PATRIMONIAL FAMILIAR ....................................................................................... 19 4.1 Da Constituição da Holding Familiar ................................................................... 21 4.1.2 Quadro social da holding ............................................................................. 23 4.1.3 Doação dos títulos societários aos herdeiros ............................................... 24 4.2 Tributação incidente na transferência patrimonial para a Holding Familiar......... 25 4.2.1 Outras vantagens fiscais da holding ............................................................. 29 5. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E A HOLDING FAMILIAR ............................. 29 6. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 36 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 38 Agradeço ao meu pai, pois sem ele esta jornada jamais se iniciaria. Agradeço ao meu professor orientador, pois foi ele o guia sábio que permitiu a conclusão deste trabalho. “Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos” (Benjamim Franklin) 9 1. INTRODUÇÃO A sucessão causa mortis se apresenta como entrave à perenidade dos negócios familiares e da preservação patrimonial dos bens e direitos auferidos em vida. A ausência de planejamento sucessório aliada à alta taxa tributária, à morosidade do procedimento de inventário e partilha regidos pelo Direito das Sucessões, e não raro às disputas entre os herdeiros, muitas vezes leva à falência de empresas bem sucedidas após o falecimento de seu fundador. O planejamento ainda em vida da forma em que se dará a sucessão é o caminho viável para se evitar este infortúnio. Neste sentido, a constituição da holding familiar se apresenta como alternativa especialmente eficaz para preparar a sucessão e garantir a hegemonia familiar na condução e continuidade dos negócios. Por intermédio dela será possível transferir o patrimonio das pessoas físicas para essa nova pessoa jurídica. Figurarão como sócios os membros da família, cujas relações passam a ser regidas pelo Direito Empresarial e pelo contrato ou estatuto social, que definirá todas as regras atinentes à participação social, auferimento de lucros e dividendos, administração da holding e suas controladas, forma de cessão de quotas, bem como disporá de cláusulas que protejam este patrimônio de terceiros, tais como cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade das participações societárias. A constituição da holding familiar evitará a necessidade do processo de inventário e partilha dos bens e direitos, haja vista que após a integralização do capital social da pessoa jurídica com os bens da família, a divisão será feita ainda em vida, por intermédio da doação das quotas sociais ou ações para os herdeiros. 2. CONCEITO Holding é o termo utilizado para designar a pessoa jurídica que tenha por finalidade administrar um patrimônio próprio, podendo este ser constituído de bens e direitos, participações societárias, propriedade intelectual, industrial ou investimentos. 10 A holding não é uma espécie societária, haja vista que o rol das sociedades (simples ou empresárias) encontra-se exaustivamente definindo pelo Código Civil, não sendo admitida a criação de novas espécies ou a figura híbrida advinda de mais de um tipo societário, salvo por manifestação do legislador. Assim, a holding é, na verdade, a característica da sociedade que adota como objeto o controle de outras sociedades e/ou de um patrimônio. Conforme ensina Oliveira (2015, p. 7) a expressão holding deriva do verbo inglês to hold, cujo significado é controlar, manter, guardar. Entretanto a holding não surgiu em solo pátrio importada pelas multinacionais, como muitos crêem, em verdade ela é fruto da previsão legal trazida pela Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), que no § 3º do artigo 2º, assim dispõe: “Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. [...] § 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.” Em que pese o fato de a norma citada abordar especificamente as sociedades por ações, há muito restou pacificado no direito pátrio a sua aplicação às sociedades contratuais (MAMEDE, G. e MAMEDE. E., 2016, p. 13). Portanto, a holding deverá assumir um dos tipos societários previstos no Código Civil, podendo ter natureza de sociedade simples ou de sociedade empresária, tudo a depender do exame em concreto das necessidades a serem atendidas com a criação desta pessoa jurídica. 3. TIPOS DE HOLDING A doutrina divide as holdings em tipos, conforme seu objetivo seja apenas o controle de outras sociedades (holding pura) ou, para além desse controle também desenvolva atividades empresariais em sentido estrito, tais como a produção e circulação de bens e serviços (holding mista). Entretanto, não há um consenso nesta divisão, sendo certo que alguns autores ainda incluem outros tipos ou subtipos. 11 Gladstone Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2016, p. 12), por exemplo, destacam que as holdings se dividem em: i) holding pura, como sendo aquela cujo objetivo é deter quotas ou ações de outra sociedade; ii) holding de controle, caso a sociedade apenas detenha quotas ou ações suficientes para exercer o controle de outras sociedades; iii) holding de participações, se a sociedade titularize quotas ou ações de outras sem deter o controle social; iv) holding de administração, caso esta funcione como um centro de comando das sociedades controladas; v) holding de organização, que não exerceria coordenação administrativa, mas se constituiria para dar conformação a um plano estrutural, fiscal ou mesmo para acomodação de novos sócios; vi) holding mista, caso o objeto seja a realização de atividade produtiva ao mesmo tempo em que detém participação societária em outra sociedade controlada; vii) holding patrimonial, a sociedade constituída com o único objetivo de ser titular de um patrimônio e gerir este patrimônio; e viii) holding imobiliária, se o patrimônio da sociedade for constituído por bens imóveis, podendo aliená-los ou locá-los como atividade principal. Trazendo classificação menos extensa, Djalma de Pinho Rebouças de Oliveira (2015, p. 18), traça quatro tipos de holding, que denomina de “tipos clássicos”, a saber: i) holding pura, cujo objetivo é a participação em outras sociedades; ii) holding operacional, aquela que desenvolve a produção e circulação de bens e serviços; iii) holding mista, a sociedade cujo objeto seja desenvolver atividades operacionais de comércio e indústria, mas também realize serviços para suas afiliadas, tornandose centro de planejamento destas; iv) holding híbrida, sociedade constituída para fins específicos e delimitados, podendo ser de reestruturação fiscal ou operacional, dentre outros. Ressalte-se que estas tipologias não encontram definição legal, sendo uma construção doutrinária, haja vista que holding é apenas uma denominação para o objeto da sociedade que controle outras e/ou um patrimônio. 12 3.1 Holding Familiar A denominada holding familiar é a alcunha dada a determinada sociedade constituída com o objetivo de ser uma holding de qualquer dos tipos já elencados, mas que é composta pelos membros de uma família visando proteger o patrimônio e os interesses desta família da ingerência de terceiros e da possível deterioração futura em situações que envolvam desde conflitos familiares internos até a abertura da sucessão causa mortis. Com a constituição da holding familiar, o casal ou qualquer dos ascendentes destinará o patrimônio, inclusive suas quotas ou ações de outras empresas para a nova sociedade, que se torna a controladora e titular deste patrimônio. O controle permanece nas mãos do(s) ascendente(s), e os futuros herdeiros passam a ter quotas ou determinada quantidade de ações desta nova sociedade holding, de forma que se tornam sócios em relação à parcela patrimonial que constitui a nova empresa familiar. Pode haver a doação de todas as quotas/ações, ressalvando o usufruto vitalício e o direito de comando ao(s) ascendente(s), ou de parcela delas, estipulando-se no contrato social ou estatuto que a distribuição das demais se fará entre os sócios quando do falecimento de seu titular. Desta forma, os conflitos familiares que surjam em relação aos bens e negócios não mais se sujeitarão às regras do Direito de Família, mas sim àquelas afetas ao Direito Empresarial, pois os parentes são agora sócios com a obrigação de atuar para o bem da sociedade, por força da affectio societatis e do princípio da preservação da empresa. Ademais, a retirada ou as relações pessoais de qualquer dos sócios não interferirá na holding, posto que o contrato social ou estatuto poderá ser elaborado de maneira que proteja a sociedade da entrada de terceiros, garantindo que o controle do patrimônio permaneça com a família. 13 3.2 Natureza adequada para a Holding Familiar: sociedade empresária ou simples A finalidade da holding familiar é a administração e controle do patrimônio e o planejamento da sucessão, incluídos os aspectos fiscais, negociais e o interesse em se evitar o surgimento de conflitos familiares que redundem em disputas intermináveis sobre os bens, o que em muitos casos leva à destruição do patrimônio. Com o olhar voltado para o objetivo dessa holding, devemos nos assegurar que ela será constituída sob a espécie societária que melhor atenda às suas finalidades. No ordenamento jurídico brasileiro as sociedades são divididas em duas espécies, conforme sua natureza jurídica: sociedades simples e sociedades empresárias. O artigo 982 do Código Civil dispõe expressamente que: Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. Portanto, a primeira escolha necessária será sobre a natureza empresária ou simples da sociedade a ser constituída, com a ressalva de que se o tipo empresarial escolhido vier a ser a sociedade anônima ela será empresária, por força de determinação legal. Em lado oposto, a cooperativa será sempre considerada sociedade simples, ainda que desenvolva elemento de empresa. A sociedade empresária será registrada na Junta Comercial, enquanto que a sociedade simples se registrará no Cartório de Registro das Pessoas Jurídicas. Aqui se faz exceção à cooperativa, que por força da sua lei de regência (Lei 5.764/71) deve ser registrada na Junta Comercial. A sociedade simples poderá adotar os seguintes tipos societários, conforme disciplina o Código Civil: i) sociedade simples em sentido estrito; ii) 14 sociedade em nome coletivo; iii) sociedade em comandita simples; iv) sociedade limitada ou v) sociedade cooperativa. À sociedade empresária fica reservada a escolha entre os tipos sociais seguintes: i) sociedade em nome coletivo; ii) sociedade em comandita simples; iii) sociedade em comandita por ações; iv) sociedade limitada; ou v) sociedade anônima. A primeira diferença entre as sociedades empresárias e as simples está na natureza da atividade desenvolvida. Enquanto a sociedade empresária desenvolverá atividade negocial de empresa, ou seja, realizará atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, conforme preceitua o artigo 966 do Código Civil, a sociedade simples não desenvolve elemento de empresa (atividade econômica organizada), apesar de praticar atividade econômica. Segundo Fábio Ulhôa Coelho (2002, p. 23), a característica da sociedade empresária é a organização dos fatores de produção na busca pelo lucro. Assim, organiza a força de trabalho, a matéria-prima, o capital e a tecnologia, que são os fatores de produção, com a finalidade de produzir bens e serviços e alcançar o lucro. Essa organização dos fatores de produção é o denominado elemento de empresa, característica essencial da natureza empresarial. A sociedade simples, por sua vez, mesmo ao desenvolver a atividade econômica, não utiliza os fatores de produção, razão pela qual não pode ser considerada empresária. Com bastante clareza, o ilustre doutrinador Fábio Ulhôa Coelho, em parecer fornecido ao Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil no ano de 2003, discorre sobre a sociedade simples: “Assim, não é empresário quem explora atividade de produção ou circulação de bens ou serviços sem alguns desses fatores de produção. O comerciante de perfumes que leva ele mesmo, à sacola, os produtos até os locais de trabalho ou residência dos potenciais consumidores explora atividade de circulação de bens, fá-lo com intuito de lucro, habitualidade e em nome próprio, mas não é empresário, porque em seu mister não contrata empregado, não organiza mão-de-obra. O feirante que desenvolve seu negócio valendo-se apenas das forças de seu próprio trabalho e de familiares (esposa, filhos, irmãos) e alguns poucos empregados, também 15 não é empresário porque não organiza uma unidade impessoal de desenvolvimento de atividade econômica. [...]. Eles não são empresários porque não desenvolvem suas atividades empresarialmente, não o fazem mediante a organização dos fatores de produção.” (COELHO. 2003) Portanto, temos que na sociedade simples há um trabalho prestado direta e pessoalmente pelo sócio ou sócios. O elemento caracterizador é essa pessoalidade na prestação dos serviços ou venda de produtos. A par dessas hipóteses, existem aquelas criadas por exceção legal, tais como a cooperativa, os que exercem profissão intelectual, científica, artística ou literária, quando não constituírem elemento de empresa, e o produtor rural que não se registrar junto à Junta Comercial, pois se o fizer tornar-se-á empresa. A sociedade empresária, caso torne-se insolvente, submete-se ao regime otimizado da Lei 11.101/05, que disciplina a recuperação judicial e extrajudicial e a falência. A sociedade simples não tem direito à recuperação e, em caso de quebra submete-se ao procedimento da insolvência civil previsto no Código de Processo Civil, o que se torna uma desvantagem. Entretanto, caso a sociedade a ser constituída seja do tipo holding pura, essa desvantagem praticamente inexiste, vez que esse tipo societário terá praticamente apenas obrigações fiscais incidentes sobre as receitas oriundas de seus investimentos e patrimônio (MAMEDE, G. e MAMEDE. E., 2016, p. 103). Certo é que a holding familiar poderá ser constituída sob qualquer das espécies assinaladas: sociedade empresária ou sociedade simples, devendo a escolha considerar o caso concreto em análise para redundar na escolha mais acertada. 3.3 Tipo Adequado de Sociedade para a Holding Familiar Superada a questão em torno da natureza empresária ou simples da sociedade, cumpre esclarecer qual tipo societário, dentre os elencados pelo Código Civil, melhor se adequaria à formação da Holding Familiar. Os tipos societários mais utilizados no Brasil são a Sociedade Limitada e a Sociedade Anônima. Entretanto, outros também podem se mostrar adequados à constituição da holding. 16 No presente estudo trataremos apenas das sociedades personificadas, ou seja, daquelas que ao serem constituídas dão origem a uma pessoa jurídica, posto ser esta a finalidade da holding familiar. Via de consequência, serão naturalmente afastadas da análise as Sociedades em Comum e as Sociedades em Conta de Participação. 3.3.1 Sociedade em nome coletivo Essa modalidade de sociedade é contratual e composta exclusivamente por pessoas físicas, sendo administrada por um sócio ou por todos conjuntamente. Não permite a administração por pessoa não sócia. Pode ser de natureza simples ou empresária. A responsabilidade dos sócios é solidária e ilimitada pelas obrigações contraídas pela pessoa jurídica, não existindo limitação da responsabilidade entre as obrigações sociais e o patrimônio pessoal dos sócios, o que se torna uma desvantagem. As decisões relacionadas à cessão de quotas, ainda que em favor dos outros sócios, em princípio devem ser tomadas por manifestação favorável de todos os sócios, ainda que tenham mínima participação social, por força do que dispõe os artigo 997 e 999 do Código Civil. Entretanto, o contrato social pode dispor de maneira diversa. 3.3.2 Sociedade Simples em sentido estrito A sociedade simples em sentido estrito, ou comum, será sempre contratual e sua existência se inicia com o registro no Cartório de Registro das Pessoas Jurídicas de sua sede. Ela pode ser composta tanto por pessoas físicas quanto jurídicas ou mesmo uma mistura de ambas. Tal qual a sociedade em nome coletivo, demanda voto unânime para que haja cessão de quotas entre os sócios ou para terceiros, de forma que ainda que o sócio tenha uma participação ínfima venha a divergir, a cessão não terá efeito, salvo se o contrato social dispuser de maneira diversa. 17 Também nessa sociedade a administração deve ser exercida exclusivamente por sócio. A responsabilidade pelas obrigações sociais é solidária e ilimitada, sendo essa a maior desvantagem ao se utilizar esse tipo societário. 3.3.3 Sociedade em comandita simples É composta por duas espécies diversas de sócios: o sócio comanditário, que é aquele que somente investe na sociedade, e não detém responsabilidade nenhuma pelas obrigações sociais, e o sócio comanditado, que irá administrá-la e representá-la perante terceiros, tendo responsabilidade pessoal em caso de inadimplemento da sociedade. É sociedade exclusivamente contratual. Devido à forma de sua composição social e tipo de responsabilidades, não se mostra adequada ao objetivo perseguido pela holding familiar. 3.3.4 Sociedade limitada Na sociedade limitada os sócios somente responderão solidariamente com seu patrimônio pessoal pela integralização do capital social. Estando o capital social realizado, a responsabilidade de cada sócio fica limitada ao valor de suas quotas. A sociedade limitada é regida pelo Código Civil, mas pode ter regência supletiva pela Lei 6.404/76 caso o contrato social assim preveja expressamente. Pode ser empresária ou simples. A administração poderá ser feita por sócios ou por não sócios, podendo o administrador ser designado no contrato social ou em ato separado. A escolha do administrador sócio requer a aprovação de mais da metade do capital social, conforme preceitua o art. 1076, II c/c 1071, II, do Código Substantivo. Caso o administrador seja não sócio, a aprovação exigirá a unanimidade de votos se o capital não estiver integralizado, ou pelo menos dois terços após a integralização, nos exatos termos do art. 1061 do mesmo diploma. (MAMEDE, G. e MAMEDE. E., 2016, p. 25). 18 Nas sociedades limitadas, respeitado o quorum legal ou o que foi disposto no contrato social, as decisões tomadas nas reuniões ou assembléias vinculam todos os sócios, inclusive os ausentes e aqueles que votaram em sentido contrário, pois estes devem atuar em favor da sociedade, cujo interesse se sobrepõe aos interesses individuais de seus membros. Considerando que a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de sua respectiva quota, e que sua conformação legal permite maior rigor quanto às disposições contratuais acerca da cessão de quotas a terceiros, impedindo que pessoas estranhas à sociedade venham dela participar, esta espécie societária se mostra bastante adequada à holding familiar, vez que a espectativa desta é a proteção patrimonial, mantendo-o na família, evitando o risco de dissipação nas mãos de terceiros. 3.3.5 Sociedade em comandita por ações Caracteriza-se, a sociedade em comandita por ações, por ter o capital social dividido em ações, sendo regida pela Lei 6.404/76, especialmente pelos artigos 280 e 284, bem como pelo Código Civil. É sociedade estatutária ou institucional, ou seja, sua constituição demanda a subscrição de todo o capital social por, no mínimo dois acionistas, a realização de dez por cento, no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro e o depósito da parte do capital realizada em dinheiro. A constituição poderá ser feita por subscrição pública, em que os fundadores buscam recursos junto a investidores, ou por subscrição particular, em que os fundadores fornecerão todo o recurso necessário para o início da companhia. Nos mesmos moldes da sociedade em comandita simples, possui duas classes de sócios, o comanditado, que a administra, e o sócio comanditário, seu investidor. Somente o acionista pode administrar esta sociedade, vez que na qualidade de diretor, o sócio comanditado tem responsabilidade subsidiária e ilimitada pelas obrigações da empresa, nos exatos termos do art. 1091, CC/02. 19 3.3.6 Sociedade anônima Neste tipo societário o capital social se divide em ações. A responsabilidade dos sócios fica restrita à integralização das respectivas ações. Uma vez realizada pelo acionista, ele não terá qualquer responsabilidade pelo inadimplemento da sociedade. Não há aqui sequer a responsabilidade subsidiária. A sociedade anônima, é estatutária e independentemente de seu objeto, será sempre sociedade empresária, por expressa determinação legal, conforme explanado alhures. Poderá ser companhia aberta ou fechada, caso negocie ou não suas ações no mercado aberto (bolsa de valores). Ressalte-se que a cessão das ações não depende da anuência dos demais sócios, o que permite a livre circulação destas ações e, de consequência, a livre alteração do quadro societário. Entretanto, o estatuto da companhia fechada poderá prever direito de preferência àqueles que já são acionistas, para que, em igualdade de condições, adquiram as ações disponíveis em detrimento de terceiros. Cumpre ressaltar que os custos envolvidos na constituição e manutenção da sociedade anônima são mais elevados do que das modalidades contratuais, vez que há exigência legal de publicação do ato constitutivo e dos balanços anuais no Diário Oficial ou em jornal de grande circulação. Não obstante, esta sociedade institucional, principalmente do tipo companhia fechada, pode ser adequada para a constituição da holding familiar, a depender da necessidade apresentada em concreto. 4. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO POR INTERMÉDIO DA HOLDING PATRIMONIAL FAMILIAR A sucessão causa mortis traz consigo diversas preocupações a serem enfrentadas pelos familiares, desde a divisão patrimonial propriamente dita e o adimplemento da respectiva carga tributária, até questões de continuidade na administração das empresas que passam agora aos herdeiros. O planejamento sucessório não é tema normalmente discutido entre as famílias brasileiras, que vêem como tabu o falar da morte dos entes familiares de da 20 divisão patrimonial daí decorrentes. Esta atitude acaba por fazer com que surjam conflitos que por vezes levam à cisões familiares irreparáveis e dificuldade na realização do inventário e partilha, inclusive pelos altos custos envolvidos nesse processo. Observa-se que a continuidade dos negócios familiares fica ameaçada frente à sucessão hereditária quando ausente um planejamento que disponha concretamente acerca do papel de cada herdeiro dentro da empresa ou grupo empresarial, a fim de assegurar que não haja desagregação após o falecimento do fundador (OLIVEIRA, 2016, p. 25). Há que se considerar ainda a problemática decorrente da herança recebida pelo filho ou filha casada em regime de bens que, em um momento de dissolução da sociedade conjugal em vida ou pelo falecimento, acabam por vir a pertencer à pessoa estranha à família, que poderá se mostrar despreparada para dar continuidade aos negócios (OLIVEIRA, 2016, p. 25). Para bem ilustruar a problemárica apresentada, citamos alguns dado: o número de empresas familiares em nosso país é de aproximadamente 90%, enquanto o índice mundial varia em torno de 75%. E mais: entre os trezentos maiores grupos empresariais privados no Brasil, duzentos e sessenta e cinco são de origem familiar (CARVALHO, 2016). Importante, assim, que seja elaborado um plano sucessório, de modo a preservar o patrimônio familiar e a continuidade das empresas ou empresa pertencente à família. O Direito Sucessório não dispõe de recursos para evitar tais conflitos, haja vista que regramento neste sentido se apresentaria impossível, vez que os relacionamentos pessoais familiares tem cunho afetivo e íntimo. O Direito Empresarial, por seu turno, ao dispor sobre as sociedades o faz com limitações e regras específicas que disciplinam as relações entre os sócios, afstando a afetividade para dar lugar à obrigação de atuarem a bem da sociedade, por força dos deveres contratuais, apresentando-se como instrumento de prevenção dos conflitos e permitindo a objetiva e resolução dos mesmos. Como bem acentuam Gladstone Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2016, p. 68), as “relações que estavam submetidas ao Direito de Família passam a estar submetidas ao Direito Societário, no qual há instrumentos mais eficazes para a regência do comportamento do indivíduo.” 21 Neste sentido a constituição da holding patrimonial familiar tem como seus principais objetivos permitir a continuidade dos negócios da família, evitar o conflito entre os herdeiros, ao passo que cada herdeiro será sócio quotista ou acionista e perceberá os rendimentos daí decorrentes, independentemente de cargo ou função na empresa ou grupo empresarial, e proporcionar a diminuição da carga tributária incidente tanto nas operações envolvendo o patrimônio próprio, como alienação de imóveis, por exemplo, quanto sobre a transmissão de patrimônio decorrente da sucessão, conforme restará esplanado a seguir. 4.1 Da Constituição da Holding Familiar A constituição da holding familiar tem por especial função a reunião e proteção do patrimônio ao concentrar os bens de um ou alguns membros da mesma família sob uma pessoa jurídica. O objetivo da desta modalidade de holding é exatamente afastar os conflitos familiares das deliberações a serem tomadas nas empresas em que a família participe ou controle. Gladstone Mamede e Eduarda Cotta Mamede argumentam que: “As eventuais disputas familiares se dão no âmbito da holding, devendo ali ser decididas, respeitadas as já aludidas normas do Direito Empresarial, mas igualmente as regras que estejam dispostas no ato constitutivo (contrato social ou estatuto social) ou, até, em acordos parassociais (acordo de quotistas ou acordo de acionistas). Seguindo esses parâmetros, a controvérsia terá que resolver-se no âmbito da holding; a decisão tomada será a decisão da holding que atua sobre as sociedades controladas como um indivíduo: a pessoa jurídica controladora.” (MAMEDE, G. e MAMEDE. E., 2016, p. 69) Sua criação ocorre pela previsão de uma cláusula no contrato ou estatuto social da sociedade que disponha que o objeto social será a administração de bens móveis e imóveis próprios, o controle, a participação e a administração de outras sociedades. Necessário que a holding adote o seu objeto social conforme as atividades que desenvolverá. Para tanto mister que defina seu enquadramento na 22 Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), que é o instrumento de padronização dos códigos de atividade econômica e critérios de enquadramento utilizados no país pela Receita Federal e demais órgãos da administração tributária. Esta escolha delimita o campo de atuação da sociedade e terá reflexos tributários, conforme se demonstrará no item 3.2. As opções disponíveis no CNAE que mais se adequam ao perfil da holding patrimonial familiar são: i) código 6462-0 – Holdings de Instituições NãoFinanceiras; e iii) código 6810-2 – Atividades Imobiliárias de Imóveis Próprios. 1 O enquadramento no CNAE 6462-0 – Holdings de Instituições NãoFinanceiras – possibilita à sociedade participação no capital social de um grupo de empresas com atividades preponderantemente não-financeiras, podendo ou não exercer funções de gestão e administração dos negócios nas referidas pessoas jurídicas. A escolha por este objeto social não inclui nos negócios do ente a gestão de bens imóveis próprios, de forma que eventuais alienações não se beneficiarão da redução da tributação, vez que não se classificarão como mercadoria daquela sociedade. Doutro norte, a classificação enquanto “Atividades Imobiliárias de Imóveis Próprios” (CNAE 6810-2), inclui no objeto social, como atividade primária, o controle e administração de determinado patrimônio e a alienação de bens imóveis de seu ativo, de modo que tais operações serão efetuadas sob tributação reduzida. Independentemente da espécie societária escolhida, a constituição da sociedade dependerá da subscrição e integralização do capital social, ou seja, do montante de bens e direitos que serão investidos pelos sócios para constituir a pessoa jurídica e permitir que ela realize seu objeto social. Uma vez formalizado o contrato social ou estatuto da nova pessoa jurídica, no qual haverá a discriminação da subscrição das quotas ou ações de cada um dos sócios, no caso os ascendentes ou um deles, estes deverão transferir para a sociedade o valor correspondente às suas participações, integralizando o capital. A integralização não precisa ser feita imediatamente na assinatura do contrato social ou no ato de fundação da pessoa jurídica, haja vista que é permitida 1 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE). Classificação Nacional das Atividade Econômicas. Disponível em http://concla.ibge.gov.br/busca-online-cnae.html?view=estrutura. 23 a transferência dos bens na forma e prazo estipulados pelo contrato ou estatuto, podendo ser feita a certo termo da data de assinatura ou mesmo parceladamente. 4.1.2 Quadro social da holding A holding patrimonial constituída para fins de planejamento sucessório, por evidente terá seu quadro social preenchido pelos membros da família, mais precisamente pelos ascendentes e seus descendentes. Ocorre que o artigo 977 do Código Civil veda aos cônjuges casados sob o regime de comunhão universal de bens e regime de separação obrigatória (legal) contratar sociedade entre si ou entre ambos e terceiros. Portanto, caso os cônjuges sejam casados sob esses regime não poderão figurar conjuntamente no quadro societário da Holding Patrimonial. A solução seria que apenas um dos ascendentes figurasse como sócio, em conjunto com os demais herdeiros, ou ainda, constituir a sociedade apenas entre os herdeiros, figurando os ascendentes como usufrutuários vitalícios. O artigo 1.390 do Código Civil permite que haja a constituição do usufruto sobre um patrimônio inteiro ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte os frutos e e utilidades, o que permite que o instituto seja aplicada à quotas ou ações. Assim, possível instituir o usufruto, que resultará na divisão da propriedade títulos sociais: de um lado, haverá o herdeiro proprietário das quotas ou ações da empresa, denominado nu-titular e, de outro lado, o usufrutuário destes títulos, o ascendente a quem caberá a posse e administração das quotas ou ações. Outro aspecto relevante a considerar é que o herdeiro menor poderá figurar como sócio desde que observadas as seguintes condições legais: i) esteja ele devidamente representado ou assistido; ii) o capital social já esteja totalmente integralizado, posto que na sociedade limitada, até a integralização, a responsabilidade pelas obrigações sociais é solidária entre os sócios; e iii) o menor não seja administrador, vez que este responde pessoalmente pela prática de ato ilícito da sociedade, o que representa um risco ao menor e ao seu patrimônio pessoal. 24 4.1.3 Doação dos títulos societários aos herdeiros Ao constituir a pessoa jurídica, o ascendente disporá sobre a doação das quotas sociais ou ações para os demais herdeiros, que assim passam a ser sócios da holding familiar. A distribuição dessas quotas ou ações ensejará a incidência do Imposto sobre Doação (ITCMD), cuja base de cálculo será o valor das quotas de cada sócio. Considerando que a doação de ascendente para descendente ou de um cônjuge ao outro constitui adiantamento da legítima, nos termos do artigo 544 do Código Civil, caso o patrimônio doado exceda a parcela disponível do doador, haverá a necessidade de futura colação em processo de inventário. Caso ambos os cônjuges doem todos os seus bens para a constituição da holding familiar, deve ser estabelecida cláusula de usufruto vitalício para os detentores do patrimônio, para que não se caracterize estado de insolvência, o que tornaria nulo o contrato, nos termos do artigo 548 do Código Civil.2 Atente-se, ainda, para a necessidade de se obter a autorização do cônjuge meeiro não-sócio nas transferências dos bens imóveis, para a validade do ato, nos termos exatos do artigo 1647, II do Diploma Civilista. Além da cláusula de reserva de usufruto vitalício, o doador poderá estipular outras cláusulas restritivas, tal como a cláusula de reversão dos bens ao seu patrimônio (no caso patrimônio da pessoa jurídica), caso sobreviva ao donatário. Também poderá estipular a doação com encargo, de forma que constará cláusula resolutória da doação caso o encargo estipulado não seja cumprido. Ademais, é importante que as quotas doadas sejam gravadas com as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, protegendo o patrimônio da ingerência de terceiros. A cláusula de inalienabilidade torna os bens por ela gravados indisponíveis, não podendo ser objeto de cessão gratuita ou onerosa. Referida cláusula, quando imposta por ato de liberalidade, implica na incomunicabilidade dos bens ou direitos gravados, conforme expressa disposição do artigo 1.911 do Código Civil. 2 Lei 10.406/02 – Artigo 548. Nula é a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador. 25 Quanto à incomunicabilidade, há de se abrir um parênteses: na atual sistemática do Código Civil, em regra os bens recebidos a título de doação ou herança são excluídos da comunhão. O único regime em que há esta comunicabilidade é o de Comunhão Universal de Bens, motivo pelo qual somente haverá a necessidade de apor tal cláusula quando diante de tal regime. Registre-se que a cláusula de incomunicabilidade apenas impede a imediata entrada do bem na comunhão, o que não obstaculizaria uma eventual participação do outro cônjuge sobre o bem/patrimônio, já que este pode ser objeto de uma futura doação, por exemplo. No entanto, na hipótese ora tratada, como sobre o bem recairá também a cláusula de inalienabilidade, resta, de fato, inviabilizada tal possibilidade O doador poderá estipular que a inalienabilidade e incomunicabilidade se estenda ou não aos frutos e rendimentos do bem gravado. Caso nada estabeleça, se entende que os mesmos são de livre alienação e transferência. A finalidade da cláusula de impenhorabilidade é impedir que os bens doados (quotas ou ações) possam ser utilizados para garantia de dívidas particulares dos donatários, protegendo o patrimônio da holding. Assim, a holding familiar será constituída pelo ascendente e seus herdeiros, e a integralização do capital será feita com a transferência dos bens e direitos da pessoa física para a pessoa jurídica que se forma, de forma que haverá a distribuição patrimonial ainda em vida por intermédio da distribuição das quotas ou ações, evitando-se os conflitos e transtornos do processo de partilha e inventário causa mortis. 4.2 Tributação incidente na transferência patrimonial para a Holding Familiar Consoante explanado anteriormente, para a constituição da pessoa jurídica necessária a transferência patrimonial a fim de compor seu capital social. A preocupação a ser considerada no momento desta cessão será a possível incidência de tributos. Preceitua o artigo 113 do Código Tributário Nacional que a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador, sendo este a situação específica 26 descrita em lei como necessária e suficiente para a caracterização tributária (art. 116, CTN). A doutrina conceitua o fato gerador como a previsão legal abstrata que impõe a incidência da norma tributária, fazendo nascer a respectiva obrigação (HARADA, 2014, p. 540). Em caso de transmissão patrimonial possível a incidência da espécie tributária imposto sob três diferentes ângulos: i) imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR); ii) imposto sobre transmissão de bens inter vivos (ITBI); e iii) imposto causa mortis e sobre doação (ITCMD). O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador o auferimento de renda ou proventos, conforme disciplina o art. 43 do CTN, in verbis: Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. Surge, assim, o seguinte questionamento: a constituição do capital social da pessoa jurídica é fato gerador do imposto sobre a renda para a sociedade ou para os sócios? A resposta será: depende. Caso a transmissão dos bens seja feita pelo mesmo valor já constante da Declaração de Bens e Direitos da pessoa física, não restará configurado o fato gerador, posto que não houve ganho ou aumento de capital ou renda, não se gerou lucro. O que se verificou foi apenas a substituição do bem ou direito com o qual se integralizou o capital, pelas quotas ou ações da sociedade. Neste sentido o entendimento jurisprudencial está pacificado. Por todos, confira-se o julgado do Tribunal Federal Regional da 1ª Região: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL POR INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. 1. A mera transferência de imóvel de propriedade comum dos sócios para integralização de capital de empresa de sua propriedade não constitui fato gerador do Imposto de Renda, porquanto não representa operação lucrativa. 2. Remessa improvida. 27 (TRF-1 - REO: 1584 MG 94.01.01584-8, Relator: JUIZ EUSTÁQUIO SILVEIRA, Data de Julgamento: 09/09/1997, QUARTA TURMA, Data de Publicação: 13/10/1997 DJ p.84507) Portanto, a princípio não haverá incidência de Imposto sobre a Renda na integralização do capital social da holding familiar, salvo se a transferência se fizer por valor maior do que aquele constante na Declaração de Bens, sendo certo que a diferença será tributada como ganho de capital. Quato ao ITBI, imposto de competência municipal, sendo o seu fato gerador a transmissão por ato oneroso de bens imóveis inter vivos, tampouco poderá incidir no momento da integralização de capital caso seja feita com bens imóveis, por expressa exceção legal contida no § 2º do artigo 156 da Constituição da República: Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: […] II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; […] § 2º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; Entretanto, em relação a este imposto fica uma ressalva: caso a atividade preponderante da holding seja a gestão imobiliária, a incorporação de imóveis ao patrimônio da sociedade constituirá fato gerador, conforme a parte final do § 2º do artigo 156 da Constituição. A apuração quanto a administração imobiliária ser atividade preponderante, para além da classificação CNAE, se faz pela aferição da origem das receitas da holding. Caso as receitas oriundas de aluguel ou venda de imóveis integralizados ultrapassem 50% (cinquenta por cento) do seu faturamento total, ela 28 se enquadrará como holding de gestão imobiliária, independentemente do objeto social constante do seu contrato social ou estatuto. Portanto, ainda que o enquadramento da sociedade no CNAE não reflita como seu objeto social o gerenciamento e administração de imóveis ou atividade imobiliária, poderá haver ação fiscalizatória municipal apurando a realidade de auferimento preponderante da renda advinda de tais atividades, o que ensejará a incidência do tributo. A análise da incidência do ITBI na holding familiar cujo objeto seja administração imobiliária pode aparentar oneração da carga tributária em comparação com as operações realizadas pela pessoa física. Entretanto, mesmo com a incidência do ITBI a constituição da holding é vantajosa, uma vez que ao comparar a tributação sobre os rendimentos auferidos pela empresa com a tributação sobre a renda da pessoa física, o valor pago de ITBI será compensado em poucos meses com a redução siginificativa do recolhimento do Imposto sobre a Renda. O ITCMD é imposto de competência estadual, e no Rio de Janeiro a Lei 7.174/15 dispõe sobre suas alíquotas e hipóteses de incidência, sendo estas a transmissão causa mortis e a doação de quaisquer bens ou direitos, nos termos do artigo 2º da norma citada. Ocorre que a transferência dos bens da pessoa física para a constituição de capital da pessoa jurídica em vida não é hipótese de doação, de forma que não se caracteriza o fato gerador deste imposto. Vale a pena citar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que deixa explícito o caráter diferenciado da integralização de capital da pessoa jurídica: MANDADO DE SEGURANÇA - AUMENTO DE CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZAÇÃO POR INCORPORAÇÃO IMOBILIARIA. A INCORPORAÇÃO DE IMOVEL DE SOCIO A PESSOA JURIDICA E FORMA SUI GENERIS DE ALIENAÇÃO E NÃO SE CONFUNDE COM NENHUMA DAS HIPOTESES PREVISTAS NO DECRETO-LEI NO. 1.641/78. NÃO SE ASSEMELHA A COMPRA E VENDA, ADJUDICAÇÃO, DOAÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, ETC. EM QUALQUER DESTES HIPOTESES E PRESENTE O LUCRO, NA INTEGRALIZAÇÃO POSTA EM EXAME NÃO IMPROVIDO. RESULTA VANTAGEM OU GANHO. RECURSO 29 (STJ - REsp: 22821 PE 1992/0012466-6, Relator: Ministro GARCIA VIEIRA, Data de Julgamento: 24/06/1992, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 31.08.1992 p. 13636) Assim, resta evidenciado que não se caracteriza como transferência patrimonial a integralização do capital social da pessoa jurídica com os bens da pessoa física, não se configurando nenhuma hipótese de incidência tributária. 4.2.1 Outras vantagens fiscais da holding Uma vez que os herdeiros tornam-se sócios, participam da distribuição de lucros e dividendos da pessoa jurídica, conforme a proporção de suas quotas ou ações, devidamente estipuladas no contrato social ou estatuto. Conforme estipula o artigo 10 da Lei nº 9.249/95, os lucros e dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica. A holding propiciará ainda benefícios no recolhimento relativo ao Imposto sobre a Renda das receitas auferidas com a gestão patrimonial, posto que a alíquota para a pessoa jurídica é de 11,33% , enquanto para a pessoa física a tributação chega a 27,5%. Em relação à alienação de bens imóveis, a alíquota aplicável para a holding será de 6,75% sobre o ganho de capital, enquanto a venda feita pela pessoa física está sujeita a uma alíquota de 15% sobre o ganho de capital. Estes diferenciais tributários refletem ainda mais os benefícios fiscais obtidos com a constituição da holding para fins de adminstração e proteção do patrimonio familiar, que se iniciam muito antes do momento da sucessão. 5. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E A HOLDING FAMILIAR A sucessão hereditária redunda em inúmeros problemas, que vão desde a indisponibilidade total dos bens que constituem o monte hereditário por 30 anos, até que se ultime a partilha, perpassam pelos desentendimentos familiares, desgostos e brigas por bens singulares, o elevado custo do processo de inventário e partilha e do tributo incidente causa mortis, e a fragmentação do patrimônio antes produtivo, que muitas vezes acaba reduzido a nada por falta de gestão unificada. Gladstone Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2016, p. 160), elucidam com bastante clareza a problemática da sucessão em relação aos negócios, empresas e patrimônio familiares ao apontarem que a formação de novos núcleos familiares pela sucessão das gerações acabam por impactar o bloco de controle familiar, desfazendo a coesão de direcionamento das empresas, levando, inclusive à falência das mesmas. Diante destes fatos, o planejamento sucessório se mostra como solução para, ainda em vida, se elaborar o plano estratégico de preservação patrimonial, garantindo a continuidade dos rendimentos e que estes beneficiem a família, os herdeiros. A holding familiar se mostra como meio adequado para se evitar os conflitos familiares, a elevada carga tributária incidente sobre a sucessão causa mortis, bem como o risco de falência dos negócios familiares devido à ausência da continuidade da administração nos ideiais fundados pelo ascendente falecido. Com o falecimento da pessoa, seus bens móveis e imóveis, obrigações e direitos, são transmitidos aos seus herdeiros, imediatamente e sem necessidade de nenhum ato por parte dos sucessores, de pleno direito, por força do princípio da saisine, que encontra-se expresso no artigo 1.784 do Código Civil. A fim de disciplinar esta transmissão existe um conjunto normativo próprio, denominado direito sucessório (DINIZ, 2011). Dentre outras normatizações especiais, o direito das sucessões impõe as formas em que será feita a formalização da transmissão da herança aos sucessores, que se dará por procedimento de inventário em uma das três formas seguintes: i) na forma tradicional (art. 610 a 658 do Código Civil); ii) na forma de arrolamento sumário, caso todos os herdeiros sejam maiores, capazes e concordantes (art. 659, Código Civil); e iii) pelo arrolamento comum, caso os bens a serem inventariados não ultrapassem o valor de um mil salários mínimos vigentes, 31 independentemente da qualidade dos herdeiros e existência de divergências (art. 664 do Diploma Civilista).3 O ativo e o passivo do falecido deixam de ser singularmente considerados e passam a constituir uma massa patrimonial denominada espólio, não mais podendo ser objeto de alienação ou de ônus sem a autorização judicial. Durante o processo de inventário será nomeado um inventariante, que ficará responsável pela administração do espólio, incluindo o gerenciamento e continuidade dos negócios da família. As desavenças entre os herdeiros muitas vezes se inicia com a necessidade da escolha do inventariante, posto que cada um se julgará mais apto a ocupar este posto, e acabará por criticar aquele que vier a ser encarregado deste ônus, podendo impugnar judicialmente o ato. O procedimento de inventário envolve diversas fases, que se iniciam com a petição inicial e a nomeação do inventariante, as primeiras declarações, em que deverá ser especificado todo o ativo e passivo que constitui o monte hereditário, as citações de todos os herdeiros, as impugnações feitas por estes em relação às primeiras declarações, as avaliações dos bens por perito judicial, as últimas declarações, o recolhimento dos impostos, as eventuais colações caso tenha ocorrido antecipação da legítima e o pagamento de dívidas, caso existam. Veja-se que ainda não se chegou à partilha, entretanto os custos até o momento já se mostrarão elevados. Os herdeiros terão que encontrar fundos particulares para fazer frente aos impostos, às custas judiciais, aos honorários advocatícios, aos honorários periciais. A partilha, por sua vez, se inicia com a conclusão do inventário, e abre o prazo legal de quinze dias para que cada herdeiro formule seu pedido de quinhão, dentro dos limites do que foi inventariado. O juiz decidirá sobre a partilha de modo a atribuir a cada herdeiro sua quota-parte, observando o valor, natureza e qualidade dos bens, de forma mais igulitária possível. A finalização desta fase se dá com a expedição do formal da partilha o qual valerá como instrumento hábil a permitir a transmissão dos bens do nome do de cujus para o de cada herdeiro. Havendo bens imóveis, por exemplo, o formal poderá 3 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. (2016), p. 612. 32 ser levado ao Cartório de Registro de Imóveis e, com o devido pagamento dos emolumentos, haverá a transmissão da propriedade. Dois pontos importantes devem ser considerados em relação à sucessão causa mortis, legislada pelo direito das sucessões: i) o procedimento de inventário e partilha consome anos, e quanto maior a quantidade de bens envolvidos, maior o tempo necessário para a tramitação e finalização do processo; e ii) os herdeiros deverão fazer frente às despesas processuais e tributárias sem disporem dos bens que compõe o espólio, salvo se obtiverem a competente autorização judicial por intermédio de procedimento apartado, denominado alvará judicial, caso justifiquem ao juiz a necessidade de venda de bens para fazer frente às despesas, o que consumirá ainda mais tempo. Face a todos estes entraves é que a constituição de uma pessoa jurídica que se torne proprietária de todos os bens e direitos da família, mais especificamente dos ascendentes, se mostra atrativa. A partir da integralização do capital social, a pessoa jurídica será a proprietária dos bens e direitos. Também se tornará a controladoras dos negócios, da demais empresas que a família possua e das participações sociais da família. A pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas que a compõem. Sendo ente personificado independente, o falecimento de algum de seus sócios não interfere no ativo de propriedade da pessoa jurídica. Este falecimento será tratado pelas normas do Direito Societário em relação à sucessão das quotas de que o de cujus era titular. A estipulação da forma como se fará a sucessão das quotas sociais encontra-se normatizada no artigo 1.028 do Código Civil: Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: I - se o contrato dispuser diferentemente; II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. Conforme se extrai da leitura do artigo legal acima transcrito, além das previsões legais já estabelecidas, o contrato social poderá dispor a destinação das quotas pertencentes ao sócio falecido, podendo determinar que sejam repartidas entre os herdeiros, ou que estes sejam condôminos das mesmas, por exemplo. 33 Caso a opção seja pela liquidação das quotas, a pessoa jurídica pagará aos beneficiários o valor das mesmas, que será apurado em balanço especialmente verificado para este fim. Doutro norte, em se optando pela transmissão das quotas aos herdeiros do sócio falecido, cada um destes arcará com o ITCMD correspondente à sua parcela de benefício, sem que isso impacte de qualquer maneira nos bens e propriedades da pessoa jurídica. Cumpre lembrar que o herdeiro que não desejar os títulos poderá fazer a cessão dos mesmos aos outros sócios, nos termos do artigo 1.057 do Código Civil: Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. Conforme dispõe a Lei Subjetiva, o contrato social poderá dispor a forma e o quorum exigido para a cessão para os próprios sócios, podendo exigir a aprovação unânime ou que a anuência não seja necessária. Em relação à alienação de quotas à terceiros, o contrato social poderá vedá-la ou exigir qualquer quórum de aprovação, desde que respeitado o mínimo de um quarto do capital social estabelecido na lei civil. No que tange à continuidade das relações negociais e adminsitração das empresas, observa-se que, uma vez constituída a holding familiar, ela passará a ser a administradora e gestora dos negócios. Não será mais a pessoa física que terá participação societária em empresas ou será a controladora de empresas, mas sim a holding. Com a constituição da holding será especificado seu objeto social, e nele constará a forma de adminstração e gerenciamento dos negócios dos quais ela é a controladora, garantindo que com a superveniencia do falecimento do patriarca ou matriarca, os negócios continuarão a ser conduzidos na forma como restou estabelecido pelo contrato social e pactos sociais adjetos. Não se verificará interrupção dos negócios e fica afastado o risco de perecimento do patrimônio construído. 34 A holding familiar, para fins de planejamento sucessório, tem como função principal titularizar as quotas e ações de outras empresas, acomodando o empresário controlador e seus herdeiros em sua estrutura social, permitindo o treinamento destes e a busca pelo sucessor do fundador, diminuindo o risco da perda do bloco do controle familiar quando da sucessão, haja vista a centralização das decisões de controle na holding, bem como a separação entre os problemas da família e da(s) empresa(s) controlada(s). Os herdeiros não se relacionarão mais enquanto familiares, pois “os membros da família se tornam membros da holding, ou seja, tornam-se sócios, e assim titulares de suas quotas ou ações” 4 , portanto assumem os direitos e obrigações decorrentes das relações sociais estipuladas em lei e no contrato social ou estatuto que criou a sociedade, tendo como obrigação inarredável atuar para o bem da sociedade. Sobrevindo o falecimento a sucessão não se dará nos bens, direitos e obrigações, mas sim nas quotas sociais. A par da possibilidade de ser realizada a sucessão das quotas em decorrência do evento morte, há a possibilidade de distribuição do capital social ainda em vida, por intermédio da doação quotas sociais aos herdeiros. Esta doação poderá abranger a totalidade das quotas, ficando apenas os herdeiros como sócios, desde que haja inclusão de cláusula de reserva de usufruto vitalício, de forma a garantir que o doador não fique privado de renda que lhe garanta a subsistência, pois isto redundaria em nulidade da doação por força do artigo 548 do Código Civil. A cláusula de reserva de usufruto permite que o doador continue na posse e administração das quotas doadas, que reverterão completamente ao patrimônio dos donatários com o falecimento do doador, como já debatido anteriormente. A doação poderá abranger apenas a parte disponível do patrimônio, ou mesmo a parte indisponível, sendo que neste caso caracterizará adiantamento da legítima aos herdeiros. Ressalte-se que o impedimento de disposição da legítima se dá contra a distribuição de bens aos herdeiros em quantidade menor do que a obrigação legal, 4 MAMEDE, G. e MAMEDE, E. Holding e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. 8 ed. rev e atual. – São Paulo: Atlas, 2016. 35 qual seja, 50% do patrimônio existente no momento da liberalidade. Respeitado esse mínimo, o patrimônio pode ser totalmente distribuído. Neste particular, é importante que seja verificado o regime de bens estabelecido entre o casal, caso a doação esteja sendo feita por apenas um dos cônjuges, a fim de que fique assegurado o direito de meação do outro, quando existir.5 Nunca é demais lembrar que a distribuição desigual da legítima enseja ação de anulação ou reparação pelo herdeiro que foi prejudicado, pelo que as doações devem ser criteriosas, a fim de evitar futuros conflitos familiares. Conforme explanado anteriormente, as doações das quotas ou ações, ainda que com reserva de usufruto, estão sujeitas à tributação do ITCMD pelo valor integral no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, por força da nova disposição legal trazida pela Lei 7174/2015, que revogou a norma anterior relativa a este imposto.6 Assim, no momento em que for efetuada a doação, incidirá o imposto sobre doação, cuja alíquota é de 4,5% (quatro e meio por cento) à 5% (cinco por cento), conforme artigo 26 da Lei 7174/15, senão vejamos: Art. 26 O imposto é calculado aplicando-se, sobre o valor fixado para a base de cálculo, considerando-se a totalidade dos bens e direitos transmitidos, a alíquota de: I – 4,5% (quatro e meio por cento), para valores até 400.000 UFIR-RJ; II - 5% (cinco por cento) para valores acima de 400.000 UFIR-RJ. Mesmo com a incidência do referido tributo, a constituição da holding familiar como instrumento sucessório redunda em benefícios para a família, assegurando a continuidade dos negócios e perenidade da rentabilidade dos mesmos, vez que durante sua existência a tributação existente para a renda e ganho de capital da pessoa jurídica é significativamente menor do que a da pessoa física, o que redundará em vantagem fiscal. 5 O Código Civil estabelece que somente é herdeiro o cônjuge que não seja meeiro do outro. Há direito de meação no regime de comunhão universal de bens, no regime de comunhão parcial para os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, e no regime da separação total de bens imposta pela lei. Em todos estes casos deverá ser observada a reserva da meação do cônjuge para a disposição patrimonial. 6 A normativa anterior (Lei 1.427/89 - revogada) previa a tributação de 50% da base de cálculo no momento da doação e os outros 50% no momento da extinção do usufruto. 36 Para além do aspecto fiscal, a sucessão feita por intermédio da holding afasta o risco das intermináveis disputas entre os herdeiros, que redundam em processos de inventário e partilha morosos e burocráticos, o que pode levar à ruína do patrimônio então existente. 6. CONCLUSÃO Consoante se observou no decorrer deste trabalho, a construção do patrimônio familiar demanda esforço incansável e sua manutenção requer planejamento estratégico a fim de garantir a perenidade para as futuras gerações. A ausência de planejamento sucessório acaba por afetar as empresas familiares, resultando em problemas estruturais decorrentes tanto das disputas entre os herdeiros quanto da pulverização do patrimônio e do controle societário entre os novos núcleos familiares que se formam ao longo das gerações. Essa fragmentação leva à impossibilidade de se continuar os negócios familiares face à ausência de unidade quanto às tomadas de decisões e de um planejamento coorporativo uno. Neste sentido a criação da holding familiar se apresenta como solução legal viável para centralizar a gerência das empresas familiares, dando-lhes coesão em relação às metas, forma de organização, processos funcionais, tornando-se o cerne de propagação da cultura empresarial da família para todas as controladas, não apenas para o presente, mas para o futuro. Além dos aspectos societários, a holding pode resultar ainda em vantagem fiscal por permitir tributação mais amena em comparação com aquela incidente para a pessoa física, especialmente no que tange ao imposto sobre a renda e nos impostos decorrentes de venda e aluguéis de imóveis. A holding pode evitar disputas futuras entre os herdeiros por este ou aquele bem do patrimônio dos ascendentes, vez que a pessoa jurídica será composta pelo(s) ascendente(s) e seus herdeiros, e a integralização do capital será feita com a transferência dos bens e direitos da pessoa física para a pessoa jurídica, que se torna a proprietária destes. 37 Os herdeiros tornam-se sócios, cada qual com sua porção do capital social representada pelas quotas ou ações, o que afasta a fragmentação patrimonial, haja vista que a unidade será mantida sob o controle da pessoa jurídica. No que tange à sucessão causa mortis, a constituição da holding evitará lento e burocrático procedimento de inventário e partilha, que além do tempo despendido, tem custos elevados tanto no que diz respeito às custas judiciais e emolumentos cartorários, quanto em relação aos tributos incidentes. Podemos concluir que, para o núcleo familiar que tem participações em diversas empresas, possui empresa familiar, ou é detentor de considerável patrimônio, a holding se mostra como solução adequada para o planejamento sucessório com vistas a garantir a perpetuidade dos negócios. 38 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei 5.764/71, de 16 de dezembro de 1971. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5764.htm. Acesso em 22/09/2016 BRASIL. Lei 6.404/76, de 15 de dezembro de 1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6404compilada.htm. Acesso em 20/09/2016 BRASIL. Lei nº 9.249/95, de 26 de dezembro de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9249.htm. Acesso em 25/09/2016 BRASIL. Lei 10.406/02, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. Disponível em http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em 22/09/2016. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 22821 PE 1992/0012466-6. Recorrente: Fazenda Pública Nacional. Recorrido: Paulo Roberto da Fonte Maciel. Relator: Ministro Garcia Vieira. Data de Julgamento: 24/06/1992. Lex: Diário da Justiça de 31/08/1992, p. 13636. BRASIL. Tribunal Regional Federal (1. Região). Remessa Ex Officio: 1584 MG 94.01.01584-8, Recorrente: Fazenda Pública Nacional. Recorrido: Antônio Amado Vieira. Relator: Juiz Eustaquio Oliveira. Data de Julgamento: 09/09/1997. Lex: Jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, Diário da Justiça de13/10/1997, p.84507. CARVALHO, Anderson Tonnera. Como tornar uma empresa familiar sustentável? O desafio da sucessão familiar e a busca pela profissionalização da gestão. Revista Visão Jurídica, 121ª edição, Editora Escala: 2016. 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