Ética
e
Profissão
Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser
Profª. Gessiane Keila Ignatowicz Pasquali
2017
Copyright © UNIASSELVI 2017
Elaboração:
Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser
Profª. Gessiane Keila Ignatowicz Pasquali
Revisão, Diagramação e Produção:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográica elaborada na fonte pela ”iblioteca Dante “lighieri
UNI“SSELVI – Indaial.
362.850981
L685e Leyser, Kevin Daniel dos Santos
Ética e proissão / Kevin Daniel dos Santos Leyser;
Gessiane Keila Ignatowicz Pasquali: UNIASSELVI, 2017.
280 p. : il.
ISBN 978-85-515-0102-3
1.Ética Proissional.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
aPresentação
Caro acadêmico, antes de apresentarmos o conteúdo deste livro,
gostaríamos de nos apresentar a você.
O autor prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser possui graduação em
Psicologia com licenciatura plena, ”acharelado e Formação pela Universidade
Comunitária Regional de Chapeć
, em Filosoia com licenciatura plena
pela Universidade Comunitária Regional de Chapeć
, em Teologia
com ”acharelado pela Faculdade de Educação Teoĺgica Logos
. É
especialista em Psicopedagogia e Práticas Pedaǵgicas e Gestão Escolar pela
Faculdade de “dministração, Ciências, Educação, Letras F“CEL
.
Mestre em Educação pela Universidade Regional de ”lumenau FUR”
. Trabalha há
anos no Ensino Superior, atualmente ́ professor
na F“MEG/UNI“SSELVI em Guaramirim SC e no Centro Universitário
Leonardo da Vinci/UNI“SSELVI em Indaial SC . Faz parte do grupo de
pesquisa em Filosoia da Educação EDUCOGIT“NS . Tem experiência na
área de Filosoia, com ênfase em epistemologia, pragmatismo e educação na
área de Psicologia, com ênfase em psicoterapias fenomenoĺgico-existenciais,
processos cognitivos, aprendizagem socioemocional e educação na área de
Teologia, com ênfase em ilosoia, psicologia e epistemologia da religião. Na
E“D, publicou Filosoia Geral e da Religião Psicologia Geral e da Religião
Filosoia Política Epistemologia da Teologia no prelo e Educação Comparada
e Integral no prelo .
“ autora profª. Gessiane Keila Ignatowicz Pasquali possui graduação
em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá
, especialização
em Psicologia Clínica Psicanalítica
, Psicopedagogia
e ́ mestranda
em Saúde Coletiva pela Universidade Regional de ”lumenau FUR” . Trabalha
como psićloga da Prefeitura Municipal de Indaial e professora da Faculdade
Metropolitana de Guaramirim. Tem experiência na área de Psicologia, com
ênfase em Psicologia do Desenvolvimento Humano, atuando principalmente
nos seguintes temas envelhecimento, adolescência e promoção de saúde.
O presente Livro de Estudos tem como objetivo sistematizar os
elementos básicos da disciplina de Ética e Proissão, o qual proporcionará um
contato com os principais t́picos, autores, obras, normas e regulamentações
da área, aĺm dos instrumentos necessários, não apenas para acompanhar a
disciplina ofertada, mas tamb́m para os estudos autônomos posteriores.
Na primeira unidade, Introdução à Ética, introduzimos a natureza da
moralidade, deinições e delimitações da investigação sobre o comportamento
moral. “qui, apresentamos os conceitos e o vocabulário da Ética Filośica.
III
Distinguimos os diferentes campos de investigação do comportamento e
raciocínio moral. “ssim como delimitamos o campo da abordagem ilośica
à moral, a ́tica normativa e a metática.
“ partir destes pressupostos prosseguimos apresentando as principais
teorias ilośicas da ́tica normativa. Primeiro exploramos as teorias
consequencialistas da moralidade. “qui abordamos questões como o egoísmo
psicoĺgico e ́tico, o utilitarismo de ato e de regras, e a teoria da ́tica do
cuidado de Gilligan. Depois, analisamos as teorias não consequencialistas da
moralidade. Nesse t́pico apresentaremos o não consequencialismo de ato e
de regras, a teoria do comando divino, a ́tica do dever de Kant e os deveres
Prima Facie de Ross.
Finalizando a primeira unidade deste Livro de Estudos você tamb́m
terá uma leitura complementar, que introduz o campo da ”iótica e sua
relevância atual para os proissionais na área da saúde.
Na segunda unidade, Raciocínio Ético e a Psicologia, introduzimos
mais uma teoria ́tica, a Ética da Virtude, que teve seu ressurgimento na
contemporaneidade e cujos elementos essenciais se encontram nos antigos
gregos e no pensamento oriental. “ṕs este primeiro t́pico, focamos nos
modelos de raciocínio ́tico para resolução de conlitos ́ticos e tomada
de decisão ́tica. Nos últimos três t́picos dessa unidade utilizamos vários
exemplos práticos, casos e situações, nos quais exploramos as possibilidades
do uso das teorias ́ticas anteriormente analisadas para a aplicação do
raciocínio, resolução e tomada de decisão ́tica. “ proposta ́ que, antes
mesmo de adentrarmos nos quesitos das normas ́ticas especíicas da
proissão, enquadradas no ćdigo de ́tica proissional ou nas diversas
resoluções, o proissional de saúde, de modo amplo e de psicologia, de modo
estrito, possam compreender a centralidade das teorias ́ticas e a essencial
importância de raciocinar eticamente na prática proissional.
“ terceira e última unidade deste Livro de Estudos tem como proposta
apresentar o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo e as principais
Resoluções que normatizam sua atuação. Para isso, inicialmente ́ feito um
breve resgate hist́rico da consolidação da psicologia como proissão no ”rasil
at́ sua regulamentação em
, a posterior criação dos Conselhos Regionais
e do Conselho Federal de Psicologia em
e o atual funcionamento do
Sistema Conselhos de Psicologia.
Tendo como referência os Princípios Fundamentais do Ćdigo de
Ética, seus
artigos são analisados, bem como as principais resoluções
vigentes que são apresentadas divididas por temáticas que vão desde o
registro proissional at́ questões especíicas da avaliação psicoĺgica. Por
último, o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzido pelo
psićlogo decorrente de avaliação psicoĺgica ́ detalhado quanto à inalidade
e estrutura dos mesmos.
IV
Desejamos uma boa jornada a todos, rumo à ediicação da educação e
sucesso frente aos desaios intelectuais, ́ticos e pessoais proporcionados pelo
estudo da Ética e Proissão.
Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser
Profª. Gessiane Keila Ignatowicz Pasquali
UNI
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades
em nosso material.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o
material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato
mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação
no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,
apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes – ENADE.
Bons estudos!
V
VI
sumário
UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO À ÉTICA ........................................................................................... 1
TÓPICO 1 - A NATUREZA DA MORALIDADE .............................................................................
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 DEFINIÇÃO DE TERMOS-CHAVE: ÉTICO, MORAL, ANTIÉTICO, IMORAL ...................
. C“R“CTERÍSTIC“S DO ”OM, M“U, CERTO, ERR“DO, FELICID“DE
OU PR“ZER ....................................................................................................................................
. O “MOR“L E O NÃO MOR“L ...................................................................................................
3 ABORDAGENS DO ESTUDO DA MORALIDADE ....................................................................
4 A MORALIDADE E SUAS APLICAÇÕES .....................................................................................
. “ ÉTIC“ E “ ESTÉTIC“ ................................................................................................................
. ”OM, M“U, CERTO E ERR“DO US“DO EM UM SENTIDO NÃO MOR“L .....................
. “ MOR“L E “S ”O“S M“NEIR“S OU ETIQUET“ ................................................................
. “ QUEM OU O QUE SE “PLIC“ À MOR“LID“DE? .............................................................
. QUEM É MOR“LMENTE OU ETIC“MENTE RESPONSÁVEL? ..........................................
5 DE ONDE VEM A MORALIDADE? ................................................................................................
. “ “V“LI“ÇÃO DE POSIÇ6ES O”JETIV“S E SU”JETIV“S ...................................................
. UM“ SÍNTESE E POSSÍVEL RESPOST“ P“R“ “ ORIGEM D“ MOR“LID“DE ..............
6 MORALIDADE COSTUMEIRA E MORALIDADE REFLEXIVA .............................................
7 MORALIDADE, LEI E RELIGIÃO ...................................................................................................
. “ MOR“LID“DE E “ LEI .............................................................................................................
. MOR“LID“DE E RELIGIÃO .......................................................................................................
8 A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO MORAL DE KOHLBERG ..........................................
. DEFINIÇÃO DE ET“P“S MOR“IS .............................................................................................
9 POR QUE OS SERES HUMANOS DEVEM SER MORAIS? ......................................................
RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................................
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................
TÓPICO 2 - TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE ....................................
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 O EGOÍSMO PSICOLÓGICO ..........................................................................................................
3 O EGOÍSMO ÉTICO ...........................................................................................................................
. PRO”LEM“S COM O EGOÍSMO ÉTICO INDIVIDU“L E PESSO“L ..................................
. O EGOÍSMO ÉTICO UNIVERS“L ...............................................................................................
. . Problemas com o Egoísmo Ético Universal ...........................................................................
. . Vantagens do Egoísmo Ético Universal .................................................................................
. EGOÍSMO ÉTICO R“CION“L DE “YN R“ND .......................................................................
4 O UTILITARISMO ..............................................................................................................................
. O UTILIT“RISMO DE “TO ..........................................................................................................
. . Crítica ao utilitarismo de ato ...................................................................................................
. O UTILIT“RISMO DE REGR“S ...................................................................................................
. . Crítica ao utilitarismo de regras .............................................................................................
. UTILIT“RISMO DE PRÁTIC“S ...................................................................................................
. “ “NÁLISE CUSTO-”ENEFÍCIO OU “”ORD“GEM FIM JUSTIFIC“ OS MEIOS ........
VII
3
3
3
7
9
10
11
17
18
21
22
22
26
28
30
34
35
35
36
38
45
5 DIFICULDADE COM AS TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS EM GERAL .......................
6 A ÉTICA DO CUIDADO ....................................................................................................................
RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................................
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................
54
56
58
60
TÓPICO 3 - TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE .........................
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DE ATO ..................................................................
. INTUICIONISMO ...........................................................................................................................
. CRÍTIC“S “O NÃO CONSEQUENCI“LISMO DE “TO ........................................................
3 TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DE REGRAS ..........................................................
. TEORI“ DO COM“NDO DIVINO .............................................................................................
. “ ÉTIC“ DO DEVER DE K“NT ..................................................................................................
. . Dever ao inv́s da inclinação ...................................................................................................
. . Crítica à Ética do Dever de Kant .............................................................................................
4 DEVERES PRIMA FACIE DE ROSS ................................................................................................
. CRÍTIC“S À TEORI“ DE ROSS ...................................................................................................
5 CRÍTICAS GERAIS ÀS TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS .......................................
LEITURA COMPLEMENTAR ..............................................................................................................
RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................................
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................
61
61
62
65
72
73
77
85
88
UNIDADE 2 - RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA ............................................................... 89
TÓPICO 1 - A ÉTICA DA VIRTUDE ..................................................................................................
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 DEFINIÇÃO DE TERMOS ................................................................................................................
3 A ÉTICA NICOMAQUEIA DE ARISTÓTELES ............................................................................
. O C“RÁTER E O FLORESCIMENTO HUM“NO ....................................................................
. “V“LI“NDO “ CONCEPÇÃO “RISTOTÉLIC“ DE FLORESCIMENTO ...........................
. “”ORD“GENS CONTEMPORÂNE“S “O FLORESCIMENTO ...........................................
. “ ESTRUTUR“ D“S VIRTUDES EM “RIST2TELES ..............................................................
4 O AUTOCULTIVO MORAL CONFUCIANO ..............................................................................
. OS “N“LECTOS CONFUCI“NOS .............................................................................................
. H“RMONI“ CONFUCIONIST“ .................................................................................................
. “ ÉTIC“ CONFUCIONIST“ DOS P“PÉIS ................................................................................
5 ANÁLISE CONTEMPORÂNEA DA ÉTICA DA VIRTUDE ......................................................
. “NÁLISE DE “L“SD“IR M“CINTYRE D“ ÉTIC“ D“ VIRTUDE .....................................
. DESV“NT“GENS OU PRO”LEM“S ..........................................................................................
6 QUEM É A PESSOA VIRTUOSA IDEAL? .....................................................................................
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................................
RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................................
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................
TÓPICO 2 - MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO .........................................................................
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 O RELATIVISMO ÉTICO ..................................................................................................................
. “V“LI“ÇÃO CRÍTIC“ DO REL“TIVISMO ÉTICO .................................................................
. RELEVÂNCI“ DO REL“TIVISMO ÉTICO P“R“ “S PROFISS6ES DE
S“ÚDE MENT“L ...........................................................................................................................
3 O HEDONISMO ÉTICO ....................................................................................................................
. “V“LI“ÇÃO CRÍTIC“ DO HEDONISMO ÉTICO ..................................................................
VIII
91
91
91
92
102
108
110
112
113
116
119
121
121
122
125
. “ RELEVÂNCI“ DO HEDONISMO ÉTICO P“R“ “S PROFISS6ES DE
S“ÚDE MENT“L ........................................................................................................................... 127
4 O UTILITARISMO .............................................................................................................................. 128
. “V“LI“ÇÃO CRÍTIC“ DO UTILIT“RISMO ............................................................................
. RELEVÂNCI“ DO UTILIT“RISMO P“R“ “S PROFISS6ES DE S“ÚDE MENT“L .........
5 A TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT ................................................................................ 133
. “ “V“LI“ÇÃO CRÍTIC“ D“ TEORI“ ÉTIC“ FORM“LIST“ DE K“NT ...........................
. RELEVÂNCI“ D“ TEORI“ ÉTIC“ FORM“LIST“ DE K“NT P“R“ “S PROFISS6ES DE
S“ÚDE MENT“L ...........................................................................................................................
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 140
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 142
TÓPICO 3 - MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS .... 143
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 143
2 SITUAÇÕES QUE REQUEREM HABILIDADES DE SOLUÇÃO DE
PROBLEMAS ÉTICOS ....................................................................................................................... 143
3 O RELATIVISMO ÉTICO .................................................................................................................. 145
4 O UTILITARISMO .............................................................................................................................. 145
. “V“LI“ÇÃO CRÍTIC“ DO PONTO DE VIST“ UTILIT“RIST“ EM REL“ÇÃO “O
CONFLITO ÉTICO .........................................................................................................................
5 A TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT ................................................................................ 146
. “V“LI“ÇÃO CRÍTIC“ DO PONTO DE VIST“ K“NTI“NO EM REL“ÇÃO “O CONFLITO
ÉTICO ...............................................................................................................................................
6 A ÉTICA SITUACIONAL DE FLETCHER ..................................................................................... 148
. “ “V“LI“ÇÃO CRÍTIC“ D“ ÉTIC“ SITU“CION“L ............................................................
7 O CONTEXTUALISMO ÉTICO DE WALLACE ............................................................................ 152
. “V“LI“ÇÃO CRÍTIC“ DO CONTEXTU“LISMO ÉTICO ......................................................
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 159
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 161
TÓPICO 4 - UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA ................
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 O PROPÓSITO DO MODELO .........................................................................................................
3 O MODELO ..........................................................................................................................................
. P“SSO “V“LI“ÇÃO INICI“L D“S CONSIDER“Ç6ES ÉTIC“S IMPLIC“D“S ..........
. P“SSO REUNIR INFORM“Ç6ES ...........................................................................................
. P“SSO “V“LI“ÇÃO SECUNDÁRI“ D“S CONSIDER“Ç6ES ÉTIC“S
IMPLIC“D“S ..................................................................................................................................
. P“SSO DELI”ER“Ç6ES MET“ÉTIC“S REL“TIV“S À RELEVÂNCI“ D“S
CONSIDER“Ç6ES ÉTIC“S .........................................................................................................
. P“SSO DELI”ER“Ç6ES MET“ÉTIC“S REL“TIV“S À RESOLUÇÃO
DO DILEM“ ÉTICO .......................................................................................................................
. P“SSO “V“LI“ÇÃO TERCIÁRI“ D“S CONSIDER“Ç6ES ÉTIC“S GER“R OPÇ6ES .............................................................................................................................
. P“SSO ESTIM“R “S CONSEQUÊNCI“S DE C“D“ OPÇÃO ..........................................
. P“SSO TOM“R UM“ DECISÃO .............................................................................................
. P“SSO DOCUMENT“R “ JUSTIFIC“ÇÃO E O PROCESSO DE TOM“D“
DE DECIS6ES .................................................................................................................................
RESUMO DO TÓPICO 4 .......................................................................................................................
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................
IX
163
163
163
164
170
171
171
171
173
174
UNIDADE 3 - O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO ...... 175
TÓPICO 1 - A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS ÓRGÃOS DE CLASSE ...........
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 A PROFISSIONALIZAÇÃO DO PSICÓLOGO NO BRASIL ....................................................
. “SPECTOS HIST2RICOS D“ CONSOLID“ÇÃO D“ PSICOLOGI“ COMO
PROFISSÃO NO ”R“SIL ..............................................................................................................
. “ REGUL“MENT“ÇÃO D“ FORM“ÇÃO E D“ PROFISSÃO DE PSIC2LOGO
NO ”R“SIL ......................................................................................................................................
. “ CRI“ÇÃO DO SISTEM“ CONSELHOS .................................................................................
3 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP) .........................................................................
. PLENÁRIO .......................................................................................................................................
. DIRETORI“ .....................................................................................................................................
. SECRET“RI“S ................................................................................................................................
. CONGRESSO N“CION“L DE PSICOLOGI“ CNP ..............................................................
. “SSEM”LEI“ DE POLÍTIC“S, D“ “DMINISTR“ÇÃO E D“S FIN“NÇ“S “P“F ........
. GRUPOS DE TR“”“LHO .............................................................................................................
. COMISS6ES PERM“NENTES .....................................................................................................
4 CONSELHOS REGIONAIS (CRPs) .................................................................................................
5 CREPOP .................................................................................................................................................
RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................................
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................
TÓPICO 2 - CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO ......................................
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 A ÉTICA PROFISSIONAL E O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL
DO PSICÓLOGO .................................................................................................................................
. ”REVE HIST2RICO DOS C2DIGOS DE ÉTIC“ PROFISSION“L
DO PSIC2LOGO ............................................................................................................................
3 O ATUAL CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO ......................................
. PRINCÍPIOS FUND“MENT“IS ..................................................................................................
. D“S RESPONS“”ILID“DES DO PSIC2LOGO ........................................................................
. DISPOSIÇ6ES GER“IS ..................................................................................................................
4 CÓDIGO DE PROCESSAMENTO DISCIPLINAR ......................................................................
RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................................
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................
TÓPICO 3 - RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA ............................
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 REGISTRO PROFISSIONAL ............................................................................................................
3 TÍTULO DE ESPECIALISTA .............................................................................................................
4 PRECONCEITO E ORIENTAÇÃO SEXUAL .................................................................................
5 PSICOTERAPIA ...................................................................................................................................
. USO D“ HIPNOSE COMO RECURSO “UXILI“R DE TR“”“LHO DO PSIC2LOGO ....
. SERVIÇOS PSICOL2GICOS RE“LIZ“DOS POR MEIOS TECNOL2GICOS DE
COMUNIC“ÇÃO “ DISTÂNCI“ ...............................................................................................
6 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA ..........................................................................................................
. “ “V“LI“ÇÃO PSICOL2GIC“ P“R“ O”TENÇÃO D“ CNH .............................................
. “V“LI“ÇÃO PSICOL2GIC“ P“R“ REGISTRO E PORTE DE “RM“ ................................
. PSIC2LOGO COMO PERITO E “SSISTENTE TÉCNICO ......................................................
7 TESTES PSICOLÓGICOS ..................................................................................................................
8 REGISTRO DOCUMENTAL E PRONTUÁRIO ............................................................................
X
177
177
177
178
180
182
183
187
188
188
189
192
194
195
197
197
197
202
202
215
218
219
221
221
222
224
225
226
227
229
233
235
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 238
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 240
TÓPICO 4 - PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS ..............................................
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................
2 DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS ..................................................................................................
3 PRINCÍPIOS NORTEADORES NA ELABORAÇÃO DOCUMENTAL ...................................
. PRINCÍPIOS TÉCNICOS D“ LINGU“GEM ESCRIT“ ...........................................................
. PRINCÍPIOS ÉTICOS .....................................................................................................................
. PRINCÍPIOS TÉCNICOS ...............................................................................................................
4 MODALIDADES DE DOCUMENTOS ...........................................................................................
5 CONCEITO/ FINALIDADE/ ESTRUTURA ...................................................................................
. DECL“R“ÇÃO ...............................................................................................................................
. “TEST“DO PSICOL2GICO .........................................................................................................
. REL“T2RIO/L“UDO PSICOL2GICO .......................................................................................
. P“RECER PSICOL2GICO ............................................................................................................
6 VALIDADE DOS CONTEÚDOS E GUARDA DOS DOCUMENTOS ....................................
LEITURA COMPLEMENTAR ..............................................................................................................
RESUMO DO TÓPICO 4 .......................................................................................................................
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................
XI
241
241
241
242
245
245
251
254
260
262
263
UNIDADE 1
INTRODUÇÃO À ÉTICA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta disciplina tem por objetivos
• deinir e explicar termos concernentes à ́tica e à moralidade e entender as
abordagens do estudo da moralidade
• deinir a teoria consequencialista da moralidade e descrever suas principais abordagens
• descrever as teorias não consequencialistas da moralidade e identiicar
seus principais conceitos
• descrever as teorias da ́tica da virtude e compará-las com as outras teorias ́ticas.
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três t́picos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.
T2PICO
- “ N“TUREZ“ D“ MOR“LID“DE
T2PICO
- TEORI“S CONSEQUENCI“LIST“S D“ MOR“LID“DE
T2PICO
- TEORI“S NÃO CONSEQUENCI“LIST“S D“ MOR“LID“DE
1
2
TÓPICO 1
UNIDADE 1
A NATUREZA DA MORALIDADE
1 INTRODUÇÃO
“ moralidade reivindica nossas vidas. Faz reivindicações sobre cada um
de ńs que são mais fortes do que as reivindicações da lei e tem prioridade sobre
o interesse pŕprio. Como seres humanos que vivem no mundo, temos deveres
e obrigações básicas. Há certas coisas que devemos fazer e certas coisas que não
devemos fazer. Em outras palavras, há uma dimensão ́tica da existência humana.
Como seres humanos, experimentamos a vida em um mundo de bem e mal e
entendemos certos tipos de ações em termos de certo e errado. “ pŕpria estrutura
da existência humana dita que devemos fazer escolhas. “ ́tica nos ajuda a usar
nossa liberdade de maneira responsável e a compreender quem somos. E a ́tica dá
direção em nossa luta por responder às perguntas fundamentais que questionam
como devemos viver nossas vidas e como podemos fazer escolhas certas.
2 DEFINIÇÃO DE TERMOS-CHAVE: ÉTICO, MORAL,
ANTIÉTICO, IMORAL
Na linguagem comum, frequentemente utilizamos as palavras ́tica e
moral e antítico e imoral de forma intercambiável. Isto ́, falamos da pessoa ou
ato como ́tico ou moral. Por outro lado, falamos de ćdigos de ́tica, mas apenas
raramente mencionamos ćdigos de moralidade. “lguns reservam os termos moral
e imoral somente para o reino da sexualidade e usam as palavras ́tica e antítica
ao discutir como as comunidades proissionais e de neǵcios devem se comportar
em relação a seus membros ou ao público. Mais comumente, entretanto, ńs não
usamos nenhuma destas palavras com tanta frequência quanto usamos os termos
bom, mau, certo e errado. O que signiicam todas essas palavras, e quais são as
relações entre elas?
Ética vem do termo grego ethike, que prov́m de ethos, que por sua vez
deriva de duas matizes distintas, uma que designa costumes normativos e outra
que designa constância do comportamento, hábito ou caráter. Na verdade, o
termo ethos ́ uma transposição metaf́rica de um termo que denota a morada dos
animais V“Z,
. Os gregos antigos, ao fazerem essa transposição, queriam se
referir ao mundo humano, quanto aos seus costumes e o pŕprio agir humano que
constituiria sua morada e simultaneamente seu caráter.
Moral vem do latim moralis, que signiica costumes ou hábitos, mas com
uma maior amplitude de sentido. Termo este que foi usado para traduzir para
3
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
o latim o termo grego ethike - Ética V“Z,
. “ ́tica, contudo, normalmente
́ entendida como pertencente ao caráter individual de uma pessoa ou pessoas,
enquanto a moralidade parece apontar para as relações entre os seres humanos. No
entanto, na linguagem comum, se chamarmos uma pessoa de ́tica ou moral, ou
um ato de antítico ou imoral, realmente não faz qualquer diferença signiicativa.
Na ilosoia, no entanto, o termo Ética tamb́m ́ usado para se referir a uma área
especíica de estudo a área da moral, que se concentra na conduta humana e
valores humanos.
Quando falamos de pessoas como sendo morais ou ́ticas, geralmente
queremos dizer que elas são pessoas boas, e quando falamos delas como sendo
imorais ou antíticas, queremos dizer que elas são pessoas más. Quando nos
referimos a certas ações humanas como sendo morais, ́ticas, imorais ou antíticas,
queremos dizer que elas estão certas ou erradas. “ simplicidade dessas deinições,
contudo, termina aqui, pois, como deinimos uma ação certa ou errada ou uma
pessoa boa ou má? Quais são os padrões humanos pelos quais tais decisões podem
ser tomadas? Estas são as questões mais difíceis que constituem a maior parte do
estudo da moralidade, e serão discutidas em mais detalhes em t́picos posteriores.
O importante ́ lembrar aqui que moral, ́tica, imoral e antítico signiicam
essencialmente o bom, o certo, o mau e o errado, com frequência dependendo se
algúm está se referindo às pŕprias pessoas ou às suas ações.
2.1 CARACTERÍSTICAS DO BOM, MAU, CERTO, ERRADO,
FELICIDADE OU PRAZER
Parece ser um fato empírico que o que os seres humanos consideram ser
bom envolve de alguma forma felicidade e prazer, e tudo o que eles consideram ser
mau envolve a infelicidade e a dor de alguma forma. Essa visão do que ́ bom tem
sido tradicionalmente chamada de "hedonismo". Enquanto uma ampla variação
de interpretação ́ dada a essas palavras de simples prazeres sensoriais a prazeres
intelectuais ou espirituais e da dor sensorial à profunda infelicidade emocional , ́
difícil negar que tudo o que ́ bom envolve, pelo menos, algum prazer ou felicidade,
e o que ́ mau envolve alguma dor ou infelicidade.
Um elemento envolvido na realização da felicidade ́ a necessidade de
tomar a visão de longo alcance em vez da visão de curto alcance. “s pessoas podem
sofrer alguma dor ou infelicidade a im de alcançar algum prazer ou felicidade no
longo prazo. Por exemplo, podemos suportar a dor de ter nossos dentes perfurados
a im de manter os dentes e gengivas saudáveis para que possamos desfrutar do
comer e da boa saúde geral, que resulta de ter dentes saudáveis. Da mesma forma,
as pessoas podem engajar-se em trabalhos muito árduos e at́ mesmo dolorosos
por dois dias a im de ganhar dinheiro que lhes trará prazer e felicidade para uma
semana ou duas.
“ĺm disso, o termo bom deve ser deinido no contexto da experiência
humana e das relações humanas e não apenas em um sentido abstrato. Por
4
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
exemplo, conhecimento e poder em si mesmos não são bons a menos que um ser
humano obtenha alguma satisfação deles ou a menos que contribuam de alguma
forma para relacionamentos morais e signiicativos do homem. Eles são, de outra
forma, não morais.
E quanto às ações que levarão algum bem a uma pessoa, mas que causarão
dor a outra, como aqueles atos de um sádico que obt́m prazer de maltratar
violentamente outro ser humano? Nossa declaração original era de que tudo o que
́ bom trará alguma satisfação, prazer ou felicidade a algúm, mas essa airmação
não necessariamente funciona no sentido inverso – que tudo o que traz satisfação
a algúm ́ necessariamente bom. Certamente, há "prazeres maliciosos".
William Frankena
, p.
airma que tudo o que ́ bom tamb́m
provavelmente envolverá "algum tipo ou grau de excelência". Ele continua dizendo
que "o que ́ mau em si ́ assim por causa da presença de dor ou infelicidade ou de
algum tipo de defeito ou falta de excelência". “ excelência ́ uma importante adição
ao prazer ou à satisfação, na medida em que torna experiências ou atividades
melhores ou piores do que seriam de outra forma". Por exemplo, o prazer ou a
satisfação obtida ao ouvir um concerto, ver um bom ilme, ou por ler um bom livro
́ devido, em grande medida, à excelência dos criadores e apresentadores desses
eventos compositores, artistas, diretores, atores e escritores . Outro exemplo, talvez
mais profundo, da importância da excelência ́ que se algúm obtiver satisfação ou
prazer de testemunhar um caso judicial bem conduzido e de ver e ouvir o juiz e
os advogados cumprirem bem suas funções, essa satisfação será aprofundada se o
juiz e os advogados tamb́m são pessoas excelentes, isto ́, se são seres humanos
bondosos, justos e compassivos, aĺm de inteligentes e capazes.
Tudo o que ́ bom, então, provavelmente conterá algum prazer, felicidade
e excelência, enquanto o que ́ mau será caracterizado por seus opostos dor,
infelicidade e falta de excelência. “s reivindicações acima indicam apenas que
provavelmente haverá alguns destes elementos presentes. Por exemplo, uma boa
pessoa realizando uma ação correta pode não estar particularmente feliz e pode
at́ perceber o que ele ou ela está fazendo como algo doloroso de qualquer modo,
os destinatários da ação correta podem estar felizes, e a ação correta pode tamb́m
envolver a excelência.
Há dois outros atributos de "bom" e "mau" que podem somar à nossa
deinição. Estes são harmonia e criatividade no lado "bom" e disćrdia, ou
desarmonia, e falta de criatividade no lado "mau". Se uma ação ́ criativa ou pode
ajudar os seres humanos a tornarem-se criativos e, ao mesmo tempo, ajudar a
conseguir uma integração harmoniosa de tantos seres humanos quanto possível,
então podemos dizer que ́ uma ação certa. Se uma ação tem o efeito oposto, então
podemos dizer que ́ uma ação errada.
Por exemplo, se uma pessoa ou um grupo de pessoas pode terminar uma
guerra entre duas nações e criar uma paz honrosa e duradoura, então uma ação
certa ou boa foi realizada. Esta ação pode permitir que os membros de ambas as
nações sejam criativos e não destrutivos e podem criar harmonia entre os dois
5
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
lados e dentro de cada nação. Por outro lado, causar ou iniciar uma guerra entre
duas nações terá exatamente o efeito oposto. Lester “. Kirkendall
enfatiza
esses pontos e tamb́m acrescenta à discussão anterior a necessidade de colocar
ênfase primária no que ́ bom ou excelente na experiência e nos relacionamentos
humanos
Sempre que uma decisão ou uma escolha deve ser feita com relação
ao comportamento, a decisão moral será aquela que trabalha para a
criação de coniança e integridade nos relacionamentos. Deve aumentar
a capacidade dos indivíduos para cooperar, e aumentar a sensação
de autorrespeito no indivíduo. “tos que criam desconiança, suspeita
e mal-entendidos, que constroem barreiras e destroem a integridade,
são imorais. Eles diminuem o senso de autorrespeito do indivíduo e,
ao inv́s de produzir uma capacidade de trabalhar juntos, separam as
pessoas e rompem a capacidade de comunicação KIRKEND“LL,
,
p. .
Dois outros termos que devemos deinir são amoral e não moral.
2.2 O AMORAL E O NÃO MORAL
“moral signiica não possuir um sentido moral, ou estar indiferente ao
certo e ao errado CORTIN“ M“RTÍNEZ,
. Este termo pode ser aplicado
a poucas pessoas. Certas pessoas que tiveram lobotomias pŕ-frontais tendem a
agir amoralmente aṕs a operação. Isto ́, elas não têm nenhum senso de certo e
errado. E há alguns seres humanos que, apesar da educação moral, permaneceram
ou se tornaram amorais. Encontramos tais pessoas entre certos tipos de criminosos
que não conseguem perceber que izeram algo de errado. Eles tendem a não ter
qualquer remorso, arrependimento ou preocupação com o que izeram.
Um exemplo de uma pessoa amoral ́ Gregory Powell, que, com Jimmy
Lee Smith, matou gratuitamente um policial em um campo de cebola ao sul de
”akersield, Calif́rnia. Uma boa descrição dele e de sua atitude pode ser encontrada
na obra The Onion Field, de Joseph Wambaugh
. Outro exemplo ́ Colin
Pitchfork, outro personagem da vida real. Pitchfork violentou e matou duas jovens
na Inglaterra e foi descrito por Wambaugh na obra The Blooding
. Neste livro,
Wambaugh tamb́m cita vários psićlogos falando sobre a personalidade amoral,
psicopatoĺgica, sociopatoĺgica, que ́ deinida como uma pessoa caracterizada
por instabilidade emocional, falta de bom senso, comportamento perverso e
impulsivo muitas vezes criminoso , incapacidade de aprender com experiência,
sentimentos amorais e associais e outros defeitos śrios de personalidade"
,
p.
. Robert D. Hare
descreve ausência do senso de consciência, culpa
ou remorso na psicopatia, que conduzem a atos nocivos que são cometidos sem
desconforto ou vergonha. “ amoralidade, então, ́ basicamente uma atitude que
alguns – felizmente, apenas alguns – seres humanos possuem.
6
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
DICAS
SUGESTÃO DE FILME
A obra The Onion Field, de Joseph Wambaugh, foi levada às telas do cinema no filme
“Assassinato a sangue frio”, de 1979.
Tudo isso não signiica que os criminosos amorais não devem ser culpados e
punidos por seus erros. Na verdade, essas pessoas podem ser ainda mais perigosas
para a sociedade do que aqueles que podem distinguir o certo do errado, porque
geralmente eles são moralmente ineducáveis.
“ palavra não moral signiica completamente fora do domínio da moral
SHER,
. Por exemplo, objetos inanimados, como carros e armas, não são
nem morais nem imorais. Uma pessoa usando o carro ou arma pode usá-lo
imoralmente, mas as coisas em si são não morais. Muitas áreas de estudo por
exemplo, matemática, astronomia e física são em si mesmas não morais, mas
porque os seres humanos estão envolvidos nessas áreas, a moralidade tamb́m
pode estar envolvida. Um problema de matemática não ́ nem moral nem imoral
em si mesmo. No entanto, se ele fornece os meios pelos quais uma bomba de
hidrogênio pode ser explodida, então questões morais certamente sobrevirão.
Em resumo, então, a pessoa imoral viola conscientemente os padrões morais
humanos fazendo algo errado ou sendo má. “ pessoa amoral tamb́m pode violar
os padrões morais porque ele ou ela não tem senso moral. “lgo não moral não
pode ser bom nem ruim, nem fazer nada certo ou errado, simplesmente porque
não se enquadra no âmbito da moralidade.
3 ABORDAGENS DO ESTUDO DA MORALIDADE
Existem duas abordagens principais para o estudo da moralidade. “
primeira ́ cientíica ou descritiva HEGEN”ERG,
a . Esta abordagem ́
mais frequentemente utilizada nas ciências sociais e, como a ́tica, lida com o
comportamento e a conduta humanos. “ ênfase aqui, entretanto, ́ empírica.
Isto ́, os cientistas sociais observam e coletam dados sobre os comportamentos
e as condutas humanas e então extraem certas conclusões. Por exemplo, alguns
psićlogos, depois de ter observado muitos seres humanos em muitas situações,
chegaram à conclusão de que os seres humanos agem frequentemente em seu
interesse pŕprio. Esta ́ uma abordagem descritiva ou cientíica do comportamento
humano – os psićlogos observaram como os seres humanos agem em muitas
situações, descreveram o que observaram e tiraram conclusões. No entanto,
eles não fazem juízos de valor sobre o que ́ moralmente certo ou errado, nem
prescrevem como os seres humanos devem se comportar.
7
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
“ segunda abordagem principal para o estudo da moralidade ́ chamada
abordagem ilośica, e consiste em duas partes.
“ primeira parte da abordagem ilośica trata de normas ou padrões
e prescrições, denominada de Ética Normativa ou Prescritiva HEGEN”ERG,
a . Usando o exemplo de que os seres humanos agem frequentemente em
seu interesse pŕprio, os iĺsofos ́tico-normativos iriam aĺm da descrição e
conclusão dos psićlogos e quereriam saber se os seres humanos devem ou
deveriam agir em seu interesse pŕprio. Eles podem at́ ir mais longe e chegar a
uma conclusão deinitiva. Por exemplo, "dados esses argumentos e essa evidência,
os seres humanos devem sempre agir em seu interesse pŕprio" egoísmo . Ou eles
poderiam dizer "Os seres humanos devem sempre agir no interesse dos outros"
altruísmo , ou "os seres humanos devem sempre agir no interesse de todos os
interessados, o eu incluído" utilitarismo . Estas três conclusões não são mais apenas
descrições, mas prescrições. Ou seja, as airmações estão prescrevendo como os
seres humanos devem se comportar, não apenas descrevendo como eles, de fato,
se comportam. Outro aspecto da ́tica normativa ou prescritiva ́ que ela abrange
a realização de juízos de valor moral e não apenas a apresentação ou descrição
de fatos ou dados. Por exemplo, airmações como "o aborto ́ imoral" e "Maria ́
uma pessoa moralmente boa" podem não prescrever nada, mas envolvem os juízos
normativos de valor moral que todos ńs fazemos todos os dias de nossas vidas.
“ segunda parte da abordagem ilośica ao estudo da ́tica ́ chamada
de metática ou, às vezes, denominada de ́tica analítica HEGEN”ERG,
a
NERI,
. Em vez de ser descritiva ou prescritiva, essa abordagem ́ analítica
de duas maneiras. Primeiramente, os metaeticistas analisam a linguagem ́tica
por exemplo, o que signiicamos quando ńs usamos a palavra bom . Segundo,
analisam os fundamentos racionais dos sistemas ́ticos, ou a ĺgica e o raciocínio
de vários eticistas. Os metaeticistas não prescrevem qualquer coisa, nem lidam
diretamente com sistemas normativos. Em vez disso, eles "vão aĺm" um
signiicado-chave do preixo grego meta , referindo-se apenas indiretamente aos
sistemas ́tico-normativos, concentrando-se no raciocínio, nas estruturas ĺgicas e
na linguagem, e não no conteúdo.
Deve-se notar aqui que a metática, embora sempre usada por todos os
eticistas, at́ certo ponto, tornou-se o único interesse de muitos iĺsofos ́ticos
modernos NERI,
. Isto pode ser devido em parte à crescente diiculdade
de formular um sistema de ́tica aplicável a todos ou mesmo à maioria dos seres
humanos. Nosso mundo, nossas culturas e nossas vidas se tornaram cada vez mais
complicadas e pluralistas, e encontrar um sistema ́tico que subjaz às ações de todos
os seres humanos ́ uma tarefa difícil, se não impossível. Portanto, esses iĺsofos
sentem que poderiam fazer o que outros especialistas izeram e se concentrarem
na linguagem e na ĺgica, em vez de tentar chegar a sistemas ́ticos que ajudem os
seres humanos a viver juntos mais signiicativamente e eticamente.
8
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
Um dos principais objetivos da primeira e segunda unidades deste livro ́
um compromisso com uma síntese razoável das visões ́ticas. Isto ́, esta síntese
pretende ser uma união de posições opostas em um todo no qual nenhuma posição
se perde completamente, mas as melhores partes ou mais úteis de cada posição são
enfatizadas atrav́s de um princípio básico que se aplicará a todas. Há, ́ claro,
conlitos que não podem ser sintetizados – você não pode sintetizar as políticas de
genocídio do ditador alemão “dolf Hitler com qualquer sistema ́tico que enfatize
o valor da vida para todos os seres humanos, mas muitos podem ser.
O ponto, entretanto, ́ que um estudo completo da ́tica exige o uso das
abordagens descritiva, normativa e metática. É importante que os especialistas
em ́tica utilizem todos os dados e resultados válidos de experiências das ciências
naturais, físicas e sociais. Eles tamb́m devem examinar sua linguagem, ĺgica e
fundações, mas parece ainda mais crucial que os eticistas contribuam para ajudar
todos os seres humanos a viverem de forma mais signiicativa e ́tica. Se a ilosoia
não pode contribuir para este último imperativo, então a ́tica humana será
decidida ao acaso ou por cada indivíduo por si mesmo ou por pronunciamentos
religiosos não examinados.
Neste sentido, este t́pico compromete-se com uma síntese da ́tica
descritiva, normativa e analítica, com grande ênfase na disposição da utilidade da
́tica à comunidade humana. Isso signiica, de fato, colocar uma maior ênfase na
́tica normativa.
4 A MORALIDADE E SUAS APLICAÇÕES
“t́ agora, discutimos terminologias e abordagens para estudar a
moralidade, mas ainda temos de descobrir exatamente o que ́ moralidade. Uma
deinição completa de moralidade, assim como outras questões complexas, se
revelará à medida que prosseguirmos por esta primeira unidade. Neste t́pico, no
entanto, o objetivo ́ duplo fazer algumas distinções importantes e chegar a uma
deinição operacional básica da moralidade.
4.1 A ÉTICA E A ESTÉTICA
Há duas áreas de estudo em ilosoia que lidam com valores e juízos de
valor em assuntos humanos. “ primeira ́ a ́tica, ou o estudo da moralidade – o
que ́ bom, mau, certo ou errado – em um sentido moral. “ segunda ́ a est́tica,
ou o estudo dos valores na arte ou na beleza, o que ́ bom, mau, certo ou errado na
arte e o que constitui o belo e o não belo em nossas vidas. Pode haver, obviamente,
alguma sobreposição entre as duas áreas HERM“NN,
. Por exemplo,
pode-se julgar a pintura de Pablo Picasso, Guernica veja a Figura , do ponto de
vista artístico, decidir se ela ́ bonita ou feia, se constitui uma arte boa ou má em
termos de t́cnica artística. Pode-se tamb́m discutir sua importância moral nela
Picasso faz comentários morais sobre a crueldade e a imoralidade da guerra e a
9
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
desumanidade das pessoas em relação umas às outras. Essencialmente, no entanto,
quando dizemos que uma pessoa ́ atraente, e quando dizemos que um pôr do sol
́ bonito ou um cão ́ feio ou uma pintura ́ grandiosa ou seu estilo ́ medíocre,
estamos falando em termos de est́tica em vez de moral ou valores ́ticos.
FIGURA 1 - GUERNICA
FONTE: Guernica, de Pablo Picasso. Disponível em: <http://wallpapercave.com/guernicawallpaper>. Acesso em: 12 maio 2017.
4.2 BOM, MAU, CERTO E ERRADO USADO EM UM
SENTIDO NÃO MORAL
“s mesmas palavras que usamos em um sentido moral tamb́m são
frequentemente usadas em um sentido não moral. O uso est́tico descrito
anteriormente ́ um deles. E quando, por exemplo, dizemos que um cão ou uma
faca ́ bom/boa, ou que um carro tem um mau desempenho, muitas vezes usamos
esses termos de valor bom, mau, ruim etc. em nenhum sentido est́tico ou moral.
“o chamar um cão de bom, não queremos dizer que o cão ́ moralmente bom ou
mesmo bonito. Ńs provavelmente queremos dizer que não morde ou que late
apenas quando estranhos nos ameaçam ou que se desempenha bem como um cão
de caça. Quando dizemos que um carro tem um mau desempenho ou que uma
faca ́ boa, queremos dizer que há algo mecanicamente mas não moralmente ou
esteticamente errado com o motor do carro ou que a faca ́ aiada e corta bem.
Em suma, o que geralmente queremos dizer com tal airmação ́ que a coisa em
questão ́ boa porque pode ser usada para cumprir algum tipo de função. Isto ́,
está em "bom" funcionamento ou tem sido bem treinada.
É interessante notar que “rist́teles
“EC – “ntes da Era Comum
argumentou que ser moral tem a ver com a função de um ser humano e que, ao
desenvolver seu argumento, ele passou dos usos não morais para os usos morais
de bom e mau. Ele sugeriu que tudo o que ́ bom ou mau ́ assim porque funciona
bem ou mal. Ele então continuou dizendo que se pud́ssemos descobrir qual ́ a
função de um ser humano, então saberíamos como o termo bom ou mau pode ser
aplicado à vida humana. Tendo chegado à teoria de que a função adequada do ser
10
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
humano ́ a razão, ele concluiu que ser moral signiica essencialmente raciocinar
bem para uma vida completa “RIST2TELES,
. “o longo dos anos, muitas
questões foram levantadas sobre essa teoria KR“UT,
. “lguns duvidam
que “rist́teles realmente conseguiu identiicar a função dos seres humanos, por
exemplo, algumas religiões airmam que a função primária de um ser humano
́ servir a Deus. Outros questionam se ser moral pode estar diretamente ligado
apenas ao funcionamento, mas o ponto dessa discussão ́ que os mesmos termos
que são usados no discurso moral muitas vezes tamb́m são usados de forma não
moral, e nem “rist́teles nem ningúm realmente quis dizer que esses termos,
quando aplicados a coisas como facas, cães ou carros, têm algo diretamente a ver
com moral ou ́tica.
4.3 A MORAL E AS BOAS MANEIRAS OU ETIQUETA
“s boas maneiras, ou a etiqueta, ́ uma outra área do comportamento
humano aliada à ́tica e à moral, mas distinções cuidadosas devem ser feitas entre
as duas esferas. Não há dúvida de que moral e ́tica têm muito a ver com certos
tipos de comportamento humano. No entanto, nem todo comportamento humano
pode ser classiicado como moral. “lguns destes são não morais e alguns são
sociais, tendo a ver com boas maneiras ou etiqueta, que ́ essencialmente uma
questão de gosto e não de certo ou errado. Muitas vezes, ́ claro, essas distinções
se confundem ou se sobrepõem, mas ́ importante distinguir o mais claramente
possível entre comportamento não moral e moral e o que tem a ver somente com
os costumes ou boas maneiras JOHNSON,
.
Tomemos um exemplo da vida cotidiana um empregador dando ao
secretário uma carta de neǵcios rotineira para ele digitar. Tanto o ato de dar a
carta ao secretário quanto o ato do secretário digitá-la envolvem comportamento
não moral. Suponhamos agora que o empregador usa palavras de baixo calão ao
falar com o secretário e o faz em tom alto e rude na frente de todos os funcionários
do escrit́rio. O que o empregador fez, essencialmente, ́ exibir más maneiras, ele
realmente não fez nada de imoral. O praguejar e a rudeza podem ser considerados
como conduta errada por muitos, mas basicamente são uma ofensa ao gosto, em
vez de uma ofensa à moralidade.
Vamos agora supor, no entanto, que o conteúdo da carta iria arruinar a
reputação de uma pessoa inocente ou resultar na morte de algúm ou perda de seus
bens. O comportamento agora entra na esfera da moralidade, e questões devem
ser levantadas sobre a moralidade do comportamento do empregador. “ĺm
disso, um problema moral surge para o secretário sobre se ele deve digitar a carta.
“ĺm disso, se o empregador usa palavras de baixo calão para assediar moral ou
sexualmente o secretário, então ele está sendo imoral, ameaçando o sentimento de
segurança pessoal, privacidade, integridade e orgulho proissional do funcionário.
11
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
O comportamento não moral constitui uma grande parte do comportamento
que vemos e realizamos todos os dias em nossas vidas. Devemos, no entanto, estar
sempre cientes de que nosso comportamento não moral pode ter implicações
morais. Por exemplo, digitar uma carta ́, em si mesmo, não moral, mas se o ato
de digitar e enviar a carta resultará na morte de algúm, então a moralidade
certamente entrará em cena.
No domínio das boas maneiras, comportamentos tais como praguejar,
comer com as mãos e vestir-se mal podem ser aceitáveis em algumas situações,
mas ser considerado má conduta em outros. Tal comportamento raramente seria
considerado imoral, no entanto. Não queremos dizer que não há conexão entre as
boas maneiras e a moral, apenas que não há nenhuma conexão necessária entre
elas. De um modo geral, em nossa sociedade sentimos que as boas maneiras
acompanham a boa moral e assumimos que se as pessoas são ensinadas a se
comportarem corretamente em situações sociais, elas tamb́m se comportarão
corretamente em situações morais JOHNSON,
.
Muitas vezes, poŕm, ́ difícil estabelecer uma conexão direta entre o
comportamento socialmente aceitável e a moralidade TORRES NEIV“,
.
Muitos membros decadentes de sociedades passadas e presentes agiram com boas
maneiras impecáveis e, contudo, foram altamente imorais em seu tratamento com
outras pessoas. É, naturalmente, geralmente desejável que os seres humanos se
comportem com boas maneiras uns com os outros e tamb́m sejam morais em suas
relações humanas. Para atuar moralmente ou trazer à luz um problema moral, às
vezes pode ser necessário violar as "boas maneiras" de uma determinada sociedade.
Por exemplo, há algumas d́cadas, em sociedades como nos Estados Unidos da
“ḿrica e na África do Sul durante o Apartheid, era considerado maus modos e at́
mesmo ilegal que as pessoas negras comessem na mesma área de um restaurante
que os brancos. Nos EU“ ocorreram o que foram chamados de "sit-ins" realizados
nesses estabelecimentos, que eram protestos não violentos, em que pessoas negras
sentavam-se nesses restaurantes, pediam para serem servidos, eram recusados,
mas mesmo assim permaneciam sentados se recusando a sair SILV“,
. Esse
movimento inspirou o kiss-in , nos EU“ e na Europa, e o beijaço no ”rasil,
que consistia na demonstração pública de afeto entre homossexuais em locais
em que essa prática ́ coibida, buscando visibilidade para esse público GREEN
TRIND“DE,
, p.
. Ou seja, estas ações violavam as boas maneiras para
apontar e tentar resolver os problemas morais associados à desigualdade de
tratamento e à negação da dignidade aos seres humanos.
Portanto, embora possa às vezes haver uma conexão entre as boas maneiras
e a moral, deve-se tomar cuidado para distinguir entre os dois quando não há
uma conexão clara. Não se deve, por exemplo, equiparar o uso de palavras de
baixo calão em companhia mista com estupro ou assassinato ou desonestidade
nos neǵcios.
12
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
4.4 A QUEM OU O QUE SE APLICA À MORALIDADE?
“o discutir a aplicação da moralidade, quatro aspectos podem ser
considerados moralidade religiosa, moralidade e natureza, moralidade individual
e moralidade social.
“ moralidade religiosa refere-se a um ser humano em relação a um ser
ou seres sobrenaturais COMP“R“TO,
. Nas tradições judaica e cristã,
por exemplo, os três primeiros dos Dez Mandamentos pertencem a esse tipo de
moralidade. Esses mandamentos tratam do relacionamento de uma pessoa com
Deus, não com qualquer outro ser humano. “o violar qualquer um destes três
mandamentos, uma pessoa poderia, de acordo com este ćdigo de ́tica particular,
agir imoralmente em relação a Deus sem agir imoralmente em relação a outra
pessoa.
QUADRO 1 - OS DEZ MANDAMENTOS
Os dez Mandamentos
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Não terás outros deuses diante de mim.
Não tomarás o nome do teu Deus em vão.
Guardarás o dia do Sábado.
Honre teu pai e tua mãe.
Não matarás.
Não cometerás adult́rio.
Não furtarás.
Não darás falso testemunho contra o seu pŕximo.
Não cobiçarás o cônjuge do seu pŕximo.
. Não cobiçarás os pertences do seu pŕximo.
FONTE: Uma versão parafraseada dos Dez Mandamentos (BÍBLIA, Êxodo, 20. 1-17).
“ moralidade e a natureza referem-se a um ser humano em relação à
natureza HEGEN”ERG,
b . “ moralidade natural prevaleceu em todas as
culturas primitivas, como nos povos nativos ameríndios e nas culturas do Extremo
Oriente. Mais recentemente, a tradição ocidental tamb́m se tornou consciente
da importância de lidar com a natureza de uma maneira moral. “lguns veem a
natureza como sendo valiosa apenas para o bem da humanidade, mas muitos
outros têm visto como um bem em si, digno de consideração moral OLIVEIR“
OLIVEIR“,
. Com este ponto de vista não há dúvida sobre se um Robinson
Crusó seria capaz de ações morais ou imorais em uma ilha deserta estando lá
sozinho. No aspecto da moralidade e da natureza, ele poderia ser considerado
moral ou imoral, dependendo de suas ações em relação às coisas naturais ao seu
redor.
“ moralidade individual refere-se aos indivíduos em relação a si mesmos
e a um ćdigo individual de moralidade que pode ou não ser sancionado por
qualquer sociedade ou religião LE ”ON,
. Este tipo de ćdigo permite uma
13
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
"moralidade superior", que pode ser encontrada dentro do indivíduo em vez de
aĺm deste mundo em algum domínio sobrenatural. Uma pessoa pode ou não
realizar algum ato particular, não porque a sociedade, lei ou religião diz que pode
ou não, mas porque ele mesmo pensa que ́ certo ou errado dentro de sua pŕpria
consciência.
Por exemplo, numa lenda grega, uma ilha “ntígona enfrenta um rei
Creonte , quando ela procura contrariar a ordem do rei enterrando seu irmão
morto. Na peça de Śfocles C.
“EC , “ntígona se opõe a Creonte por causa
da lei superior de Deus, mas a “ntígona na peça de Jean “nouilh opõe-se a Creonte
não por causa da lei divina, da qual ela não reivindica nenhum conhecimento, mas
por causa de suas pŕprias convicções individuais sobre o que ́ certo fazer ao lidar
com seres humanos, at́ seres humanos mortos POCIÑ“ et al.,
. Este aspecto
tamb́m pode referir-se a essa área da moralidade preocupada com as obrigações
que os indivíduos têm para com eles pŕprios promover seu pŕprio bem-estar,
desenvolver seus talentos, ser iel àquilo em que acreditam etc. . Os mandamentos
nove e dez Quadro , embora tamb́m aplicáveis à moral social, como veremos a
seguir, são bons exemplos de pelo menos uma exortação à moralidade individual.
O proṕsito de dizer "não cobiçarás" parece ser a criação de um controle interno
dentro de cada indivíduo para que nem sequer pense em roubar os pertences ou o
cônjuge de um vizinho. De qualquer modo, esses mandamentos parecem enfatizar
uma moralidade individual, assim como uma moralidade social.
“ moralidade social diz respeito a um ser humano em relação a outros seres
humanos. É provavelmente o aspecto mais importante da moralidade, na medida
em que atravessa todos os outros aspectos e ́ mais encontrado em sistemas ́ticos
do que qualquer um dos outros TORRES NEIV“,
.
Voltando brevemente ao exemplo da ilha deserta, a maioria dos eticistas
provavelmente declararia que Robinson Crusó ́ incapaz de qualquer ação
realmente moral ou imoral, exceto para si e para a natureza. Tal ação seria mínima
se comparada com o potencial de moralidade ou imoralidade se houvesse outras
nove pessoas na ilha a quem ele poderia subjugar, torturar ou destruir. Muitos
sistemas ́ticos permitiriam que o que ele faria a si mesmo ́ estritamente uma
questão que importa ś a ele, desde que não prejudique ningúm.
Para a maioria dos eticistas, as questões morais humanas mais importantes
surgem quando os seres humanos se reúnem em grupos sociais e começam a
entrar em conlito uns com os outros NERI,
. Mesmo que os sistemas ́ticos
judeus e cristãos, por exemplo, pressionem persistentemente os seres humanos
a amar e obedecer a Deus, ambas as religiões, em todas as suas divisões e seitas,
têm uma mensagem social forte. Na verdade, talvez
a
por cento de todas
as suas admoestações são direcionadas para como um ser humano deve se
comportar em relação aos outros REIFLER,
. Jesus declarou esta mensagem
sucintamente quando disse que os dois maiores mandamentos são amar a Deus e
amar ao pŕximo ”Í”LI“, Mateus, . - . Estes se enquadram igualmente sob
os aspectos religiosos e sociais, mas, observando toda a ação e pregações de Jesus,
vê-se a maior ênfase no tratamento moral de outros seres humanos. Ele parece
14
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
dizer que se algúm age moralmente em relação a outros seres humanos, então
este algúm está automaticamente agindo moralmente em relação a Deus. Isto ́
enfatizado em uma das parábolas do Juízo Final de Jesus, quando Ele diz aqui
parafraseado "Tudo o que izeste ao mais pequenino dos meus irmãos [seres
humanos mais marginalizados e necessitados], assim o izestes a Mim" ”Í”LI“,
Mateus, . . Três dos Dez Mandamentos são direcionados especiicamente a
Deus, enquanto que sete são dirigidos a outros seres humanos – o aspecto social
tem precedência. Em outras religiões, como o budismo e o confucionismo, o aspecto
social representa quase toda a moralidade, havendo muito pouco ou nenhum foco
no aspecto sobrenatural ou religioso ”R“NNIG“N,
. “ĺm disso, tudo o que
́ dirigido para o aspecto individual tamb́m ́ muitas vezes destinado ao bem de
outros que compartilham da cultura do indivíduo.
Os sistemas ́ticos não religiosos, muitas vezes, enfatizam o aspecto social.
O egoísmo ́tico, que parece enfatizar o aspecto individual e diz em sua forma
mais comumente declarada que todos devem agir em seu interesse pŕprio,
enfatiza tamb́m todo o meio social FURROW,
. O utilitarismo, em todas as
suas formas, enfatiza o bem de todos os interessados e, portanto, obviamente está
lidando com o aspecto social. Teorias não consequencialistas ou deontoĺgicas,
como a de Kant
, enfatizam as ações para com os outros mais do que qualquer
outro aspecto, embora as razões para agir moralmente em relação aos outros sejam
diferentes das do egoísmo ́tico ou do utilitarismo. Essas teorias serão tratadas
detalhadamente nos T́picos e desta unidade. O importante a ser observado
neste ponto ́ que a maioria dos sistemas ́ticos, mesmo os mais individualistas
ou religiosos, enfatizará o aspecto social exclusivamente ou muito mais do que
qualquer outro aspecto.
Como, então, devemos usar esses aspectos? Podemos recorrer a eles como
distinções efetivas que nos permitirão pensar em termos mais amplos sobre a
aplicabilidade da ́tica humana. No espírito de síntese, entretanto, podemos ser
sábios em manter essas distinções abertas em unidade para que possamos aceitar
em uma ́tica humana ampla os aspectos religiosos, naturais, individuais e sociais
da moralidade. Reconhecendo, no entanto, que a maioria dos sistemas ́ticos se
encontra no aspecto social. Devemos, em outras palavras, manter os olhos nos
três primeiros aspectos enquanto permanecemos irmemente plantados no aspecto
social, onde ocorre a maioria dos problemas e conlitos morais humanos.
4.5 QUEM É MORALMENTE OU ETICAMENTE RESPONSÁVEL?
Quem pode ser moralmente ou eticamente responsável por suas ações?
Todas as evidências que obtivemos at́ hoje nos obrigam a dizer que a moral pertence
aos seres humanos, ao menos na complexidade com a qual a compreendemos.
Se algúm quer atribuir a moralidade a seres sobrenaturais, ́ preciso fazê-lo na
f́. Se algúm quer atribuir animais ou plantas moralmente responsáveis por atos
destrutivos uns contra os outros ou contra humanos, então ́ preciso ignorar a
maior parte da evidência que a ciência nos deu sobre o comportamento instintual
de tais seres e a evidência de nossas pŕprias observações diárias.
15
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
“ experimentação com o ensino da língua aos animais sugere que são pelo
menos minimamente capazes de desenvolver alguns processos de pensamento
semelhantes aos dos seres humanos. É, ao menos, possível que a eles possa ser
ensinado moralidade no futuro, como aos seres humanos. Se isso acontecer, então
os animais poderiam ser considerados moralmente responsáveis por suas ações.
Pesquisas recentes, como as de Sarah ”rosnan e Franz de Waal
, demonstram
que sim, podemos ver traços fundamentais do senso moral, como empatia,
reciprocidade, cooperação e senso de justiça em outros animais. Essas evidências
comprovam a natureza bioĺgica de nossa moralidade. Todavia, a complexidade
da moralidade humana ainda parece delinear o âmbito da responsabilidade moral.
DICAS
SUGESTÃO DE VÍDEO
Veja o vídeo “Frans de Waal: Comportamento moral em animais”, em que o pesquisador Frans
de Waal apresenta seus experimentos e comenta seus surpreendentes resultados sobre o
comportamento moral em outros animais. Disponível em: <https://www.ted.com/talks/frans_
de_waal_do_animals_have_morals?language=pt-br>. Acesso em: 10 maio 2017.
No momento presente, a maioria das evidências parece indicar que seres
como as plantas devem ser classiicados como não morais ou amorais, ou seja,
devem ser considerados como não tendo sentido moral ou como estando fora
da esfera moral completamente TUGENDH“T,
. Os outros animais, mais
pŕximos do ser humano em termos evolucionários, quando não se aplica a
classiicação da não moralidade ou da amoralidade, no mínimo são considerados
como inferiores moralmente no sentido da complexidade moral humana e não
necessariamente no sentido do valor moral .
Portanto, quando usamos os termos moral e ́tico, estamos usando-os em
referência apenas aos seres humanos. Não imputamos responsabilidade moral a
um lobo por matar uma ovelha, ou uma raposa como moralmente responsável
por matar uma galinha. Podemos matar o lobo ou raposa por ter cometido este
ato, mas não o matamos porque consideramos o animal moralmente responsável.
Fazemos isso porque não queremos que mais de nossas ovelhas ou galinhas sejam
mortas. Neste ponto da hist́ria do mundo, somente os seres humanos podem ser
morais ou imorais, especialmente se enfatizarmos o aspecto da responsabilidade
moral, e, portanto, somente os seres humanos devem ser considerados moralmente
responsáveis por suas ações e comportamento. Há, naturalmente, limitações
quanto ao momento em que os seres humanos podem ser considerados moralmente
responsáveis o momento ou período do desenvolvimento bioĺgico em que
estamos aptos a agir/pensar moralmente, ou em casos de demência ou outros
casos em que alegamos a perda da autonomia do indivíduo e, portanto, alegamos
16
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
que não pode mais agir/pensar moralmente , mas a questão da responsabilidade
moral não deve sequer ser levantada onde os não humanos estão envolvidos
TUGENDH“T,
.
5 DE ONDE VEM A MORALIDADE?
Sempre houve uma grande quantidade de especulações sobre a origem
da moralidade ou da ́tica HEGEN”ERG,
b . Será que tem sido sempre
uma parte do mundo, proveniente de algum ser sobrenatural, ou incorporado
dentro da pŕpria natureza, ou ́ estritamente um produto das mentes dos seres
humanos? Ou ́ alguma combinação de alguns destes fatores? Pela razão de que a
moralidade e a ́tica lidam com valores que têm a ver com o bem/bom, o mal/mau,
o certo e o errado, esses valores seriam totalmente objetivos, isto ́, fenômenos
"externos" aos seres humanos? Seriam eles subjetivos ou estritamente "internos"
aos seres humanos? Ou são uma combinação destes dois domínios? Consideremos
as possibilidades que pertencem ao estudo da metática HEGEN”ERG,
a.
Há três maneiras de olhar para os valores quando eles são tomados como
sendo totalmente objetivos . Eles vêm de algum ser, ou seres, sobrenatural . Há
leis morais de alguma forma embutidas dentro da pŕpria natureza . O mundo
e seus objetos têm valor com ou sem a presença da valorização dos seres humanos
HEGEN”ERG,
a NERI,
SÁNCHEZ VÁZQUEZ,
.
Vejamos primeiro a teoria sobrenatural. “lgumas pessoas acreditam que
os valores vêm de algum poder superior ou de um ser ou seres sobrenaturais, ou
princípios – o ”em Platão Os deuses os gregos e romanos Jav́ ou Deus os
judeus Deus e Seu Filho Jesus os cristãos “lá os muçulmanos e ”rahma os
hindus , para citar alguns. Eles acreditam, aĺm disso, que esses seres ou princípios
incorporam o pŕprio bem supremo e revelam aos seres humanos o que ́ certo ou
bom e o que ́ mau ou errado NERI,
. Se os seres humanos querem ser morais
e geralmente são encorajados em tais desejos por algum tipo de recompensa
temporal ou eterna , então eles devem seguir esses princípios ou os ensinamentos
desses seres. Se não o izerem, então eles acabarão sendo desobedientes à
moralidade mais elevada Deus, por exemplo , serão considerados imorais e
geralmente receberão algum castigo temporal ou eterno por suas transgressões.
No caso de eles acreditarem em um princípio, em vez de um ser sobrenatural ou
seres, então eles estarão sendo não verdadeiros, desleais, ao mais alto princípio
moral HEGEN”ERG,
a.
“gora, vejamos o caso da teoria do direito natural. Outros acreditam
que a moralidade de alguma forma está incorporada na natureza e que existem
"leis naturais" às quais os seres humanos devem aderir se quiserem ser morais.
Santo Tomás de “quino
defendeu isso tanto quanto defendeu a base
sobrenatural da moralidade CORTIN“ M“RTÍNEZ,
V“Z,
. Por
exemplo, algumas pessoas airmarão que a homossexualidade ́ imoral porque vai
contra a "lei moral natural" – isto ́, que seria contra a lei da natureza que seres do
17
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
mesmo sexo desejem, ou amem sexualmente uns aos outros, ou se envolvam em
atos sexuais.
Em oposição a esses argumentos, há aqueles que argumentam que a
moralidade decorre estritamente do interior dos seres humanos, que são valores
totalmente subjetivos, ou seja, eles acreditam que as coisas podem ter valores e
serem classiicadas como boas, más, certas ou erradas se, e somente se, houver
algum ser consciente que possa valorizar essas coisas HEGEN”ERG,
a . Em
outras palavras, se não há seres humanos, então não pode haver valores.
5.1 A AVALIAÇÃO DE POSIÇÕES OBJETIVAS E SUBJETIVAS
Vejamos agora os críticos da teoria sobrenatural. “lbert Einstein
, o grande matemático/físico, disse "Não creio na imortalidade do indivíduo
e considero a ́tica como uma preocupação exclusivamente humana, sem
nenhuma autoridade sobre-humana por trás" EINSTEIN
apud HITCHENS,
, p.
. Obviamente, ́ possível que o sobrenatural exista e que de alguma
forma se comunique com o mundo natural e os seres humanos nele. Esta visão ́
principalmente uma crença baseada na f́. Há, naturalmente, justiicativa racional
para tal crença, a f́ pode ter uma base racional. Evidências para a existência de
um ser sobrenatural são frequentemente citadas e, de fato, tem havido argumentos
ilośicos apresentados que tentaram provar a existência de Deus LEYSER,
.
No entanto, não há nenhuma prova conclusiva da existência de um ser, seres, ou
princípio sobrenatural. “ĺm disso, há um grande número de tradições altamente
diversas descrevendo tais seres, ou princípios. Essa diversidade torna muito
difícil determinar exatamente quais valores os seres, ou princípios, estão tentando
comunicar e quais valores, comunicados atrav́s das muitas tradições, os seres
humanos devem aceitar e seguir.
Tudo isso não signiica que devemos parar de procurar a verdade, ou de
veriicar a possibilidade de valores baseados sobrenaturalmente, mas signiica que
́ difícil estabelecer com alguma certeza que a moralidade vem dessa fonte.
Vejamos agora as críticas da teoria do direito natural. Certamente falamos
sobre "leis da natureza", como a lei da gravitação universal, mas se examinarmos
essas leis de perto, vemos que elas são muito diferentes das leis artiiciais que têm
a ver com a moralidade, ou o governo das sociedades. “ lei da gravitação, por
exemplo, diz, de fato, que todos os objetos materiais são atraídos para o centro
da Terra. Se lançarmos uma bola para o ar, ela sempre cairá de volta ao chão.
Sir Isaac Newton descobriu que esse fenômeno ocorreu cada vez que um objeto
foi submetido à atração da gravidade e descreveu essa recorrência constante
chamando-a de "lei da natureza" STR“THERN,
. “ palavra-chave neste
processo ́ descrita, pois as chamadas leis naturais são descritivas, enquanto as leis
morais e societárias são prescritivas. Em outras palavras, a lei natural não diz que
a bola, quando lançada ao ar, deve ou não deve cair no chão, como dizemos que os
seres humanos devem ou não devem matar outros seres humanos. Em vez disso,
18
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
a lei da gravitação diz o que a bola faz, ou vai fazer quando lançada, descreve, em
vez de prescrever seu comportamento.
“ pergunta que devemos fazer neste momento ́ "Existem leis morais
naturais que prescrevem como os seres na natureza deveriam ou não deveriam
se comportar?" Se existirem tais leis morais, quais seriam elas? Como mencionado
anteriormente, a homossexualidade ́ considerada por alguns como "antinatural"
ou "contra as leis da natureza", uma crença que implica a convicção de que apenas
o comportamento heterossexual ́ "natural". Se, no entanto, examinarmos todos os
aspectos da natureza, descobriremos que a heterossexualidade não ́ o único tipo
de sexualidade que ocorre na natureza. “lguns seres na natureza são assexuados
não têm sexo , alguns são homossexuais outros animais, assim como os animais
humanos , e muitos são bissexuais engajando-se em comportamento sexual com
machos e fêmeas da esṕcie . Os seres humanos, naturalmente, podem querer
prescrever, por uma razão ou outra, que o comportamento homossexual ou antiheterossexual ́ errado, mas ́ difícil argumentar que há alguma "lei da natureza"
que proíbe a homossexualidade.
Vejamos agora as críticas dos valores existentes no mundo e seus objetos.
É factível, ou mesmo possível, pensar em algo que tenha um valor sem que haja
algúm para valorizá-lo? Que valor o ouro, a arte, a ciência, a política e a música
têm sem seres humanos para valorizá-los? “inal de contas, com exceção do ouro
nestes exemplos, os seres humanos não os inventaram e criaram? Parece, então,
quase impossível que os valores existam totalmente no mundo e nas pŕprias
coisas.
Quanto às críticas à posição subjetiva? Devemos então chegar à posição
de que os valores são inteiramente subjetivos e de que o mundo em todos os seus
aspectos não teria absolutamente nenhum valor se não existissem seres humanos
nele? Tentemos imaginar objetivamente um mundo sem nenhum ser humano nele.
Não há nada de valor no mundo e na natureza – ar, água, terra, luz solar, mar – a
menos que os seres humanos estejam lá para apreciá-la? Certamente, quer os seres
humanos existam ou não, plantas e animais encontrariam o mundo "valioso" na
realização de suas necessidades. Encontrariam "valor" no calor do Sol e na sombra
das árvores, nos alimentos que comem e na água que sacia sua sede. É verdade
que muitas coisas no mundo, como a arte, a ciência, a política e a música, são
valorizadas apenas por seres humanos, mas há tamb́m muitas coisas que são
valiosas se os seres humanos estão presentes ou não. “ssim, parece que os valores
não são inteiramente subjetivos, assim como não são inteiramente objetivos.
5.2 UMA SÍNTESE E POSSÍVEL RESPOSTA PARA A ORIGEM
DA MORALIDADE
Parece, portanto, que pelo menos alguns valores residem fora dos seres
humanos, embora talvez muitos mais dependam de seres humanos conscientes,
que são capazes de valorizar as coisas FURROW,
. Portanto, parece que os
19
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
valores são mais complexos do que a posição subjetiva ou a posição objetiva pode
descrever. “ssim, uma posição melhor ́ assumir que os valores são objetivos e
subjetivos R“CHELS R“CHELS,
. Uma terceira variável deve ser adicionada
para que haja uma interação de três variáveis, da seguinte maneira . “ coisa de
valor ou a coisa valorizada . Um ser consciente que valoriza, ou o avaliador . O
contexto ou situação em que a valorização ocorre.
Por exemplo, o ouro tem em si valor em seu conteúdo mineral e em ser
brilhante e maleável. No entanto, quando visto por um ser humano e descoberto
ser raro, torna-se, no contexto de sua beleza e em seu papel como um suporte para
as inanças do mundo, um item muito mais valorizado do que ́ em si mesmo.
Seu valor máximo, portanto, depende não ś de suas qualidades individuais,
mas tamb́m de algum ser consciente que o está valorizando em um contexto ou
situação especíica. Nem precisamos dizer que o ouro ́ uma daquelas coisas cujo
valor ́ fortemente dependente da valorização subjetiva. Note, entretanto, que
o valor do ouro mudaria se o contexto ou a situação o izessem. Por exemplo,
suponha que algúm estivesse preso em uma ilha deserta sem comida, água
ou companheirismo humano, mas com
quilos de ouro. O valor do ouro
diminuiria consideravelmente em função do contexto, ou da situação em que falta
comida, água e companhia humana e que nenhuma quantidade de ouro poderia
comprar? Este exemplo mostra como o contexto ou situação podem afetar valores
e valorização.
Os valores, então, pareceriam vir mais frequentemente de uma interação
complexa entre seres humanos conscientes e "coisas" materiais, mentais ou
emocionais em contextos especíicos. Como essa discussão pode nos ajudar
a responder à questão de onde vem a moralidade? Qualquer suposição sobre a
resposta a esta questão da origem da moral certamente tem de ser especulativa.
No entanto, ao observar como a moralidade se desenvolve e muda nas sociedades
humanas, pode-se ver que ela surgiu em grande parte das necessidades e desejos
humanos e que se baseia nas emoções e na razão humana LE ”ON,
.
Parece ĺgico supor que, à medida que os seres humanos começaram a
tomar consciência de seu ambiente e de outros seres como eles, descobriram que
poderiam realizar mais quando estavam juntos do que poderiam quando isolados
uns dos outros. “trav́s de sentimentos e pensamentos profundos, e depois de
muitas experiências, eles decidiram sobre "bons" e "maus" que iriam ajudá-los
a viver juntos com mais sucesso e signiicado. Essas crenças necessitavam de
sanções, que eram fornecidas por sumos sacerdotes, profetas e outros líderes. “
moralidade era ligada por esses líderes não apenas à sua autoridade, mas tamb́m
à autoridade de algum tipo de ser, ou seres sobrenaturais, ou à natureza, que,
em tempos anteriores, eram muitas vezes considerados inseparáveis SÁNCHEZ
VÁZQUEZ,
.
Por exemplo, os seres humanos são capazes de sobreviver com mais sucesso
em seu ambiente estando em um grupo do que eles podem como indivíduos
isolados. No entanto, se eles devem sobreviver como uma comunidade, deve haver
alguma proibição de matar. Esta proibição pode ser alcançada por um consenso
20
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
de todas as pessoas na comunidade ou por ações tomadas pelos líderes do grupo.
Os líderes podem fornecer mais sanções para a lei contra matar, informando às
pessoas que algum ser ou seres sobrenaturais, que podem ou não ser pensados
operar atrav́s da natureza, airmam que matar ́ errado.
Tamb́m ́ possível, ́ claro, que um ser ou seres sobrenaturais que
estabeleceram tais leis morais realmente existam. No entanto, como a maioria
dessas leis de fato foi entregue a seres humanos por outros seres humanos Moiśs,
Jesus, ”uda, Maoḿ, Confúcio e outros , ś podemos dizer com certeza que
a maioria de nossa moralidade e ́tica vem de ńs mesmos, ou seja, de origens
humanas. Tudo o mais ́ especulação ou uma questão de f́. No mínimo, parece que
a moralidade e a responsabilidade moral devem ser derivadas dos seres humanos
e aplicadas em contextos humanos. “ĺm disso, as pessoas devem decidir o que
́ certo ou bom e o que ́ errado ou mau, usando tanto a sua experiência e seus
melhores e mais profundos pensamentos e sentimentos e aplicando-os de forma
racional e signiicativa como eles podem. Isso nos leva à importante distinção entre
a moralidade costumeira ou tradicional e a moralidade relexiva.
6 MORALIDADE COSTUMEIRA E MORALIDADE REFLEXIVA
John Dewey, em sua obra Teoria da vida moral, distingue bem a moralidade
costumeira da relexiva, dizendo que a distinção intelectual entre a moralidade
costumeira e a relexiva ́ marcadamente clara. “ primeira baseia a norma e as
regras de conduta no âmbito ancestral, a segunda apela à consciência, à razão ou
algum princípio que implica pensamento
, p. . Podemos dizer que estamos
todos bastante familiarizados com a moralidade costumeira ou tradicional, porque
todos ńs nascemos nela. É a primeira moral com a qual entramos em contato.
“ moralidade que existe em várias culturas e sociedades ́ geralmente baseada
no costume ou na tradição, e ́ apresentada aos seus membros, muitas vezes sem
análise crítica ou avaliação, durante toda a sua infância e anos de adultez. Não há
nada necessariamente errado ou mau sobre essa abordagem para a formação da
juventude da sociedade e tamb́m seus membros como um todo.
Muitos costumes e tradições são bastante eicazes e úteis na criação de
sociedades morais. Como sugerido nos parágrafos anteriores, muitos ensinamentos
morais surgiram da necessidade humana na interação social e se tornaram
costumes e tradições em uma sociedade particular. Por exemplo, para viver juntos
criativamente e em paz, um dos primeiros ensinamentos ou regras morais tem que
ser sobre a vida humana, porque, obviamente, se a vida está constantemente em
perigo, então ́ muito difícil para as pessoas viver e trabalhar juntos. No entanto,
para que os costumes e tradições sejam eicazes e continuamente aplicáveis
aos membros de uma sociedade, devem ser analisados, testados e avaliados
criticamente, e ́ aí que entra a moralidade relexiva.
Os iĺsofos, em geral, exigem de si mesmos e de outros que todas as
crenças, proposições ou ideias humanas sejam examinadas cuidadosamente e
criticamente para assegurar que elas tenham sua base na verdade. “ moralidade
21
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
não ́ diferente de qualquer outra área de estudo ilośico a este respeito. Os
iĺsofos não sugerem que o costume e a tradição sejam eliminados ou expulsos,
mas exortam os seres humanos a usarem a razão para examinar a base e a eicácia
de todos os ensinamentos ou regras morais, por mais tradicionais ou aceitos
que sejam. Em outras palavras, a ilosoia exige que os seres humanos relitam
sobre seus costumes e tradições morais para determinar se devem ser retidos ou
eliminados. O reverenciado iĺsofo grego Ścrates
“EC disse "“ vida
não examinada não vale a pena ser vivida" PL“TÃO,
, p.
. Para a moral,
um corolário poderia ser "O costume ou tradição não examinados não valem a
pena serem seguidos na vida". Portanto, assim como as pessoas não devem aceitar
declarações ou proposições para as quais não há prova ou argumento ĺgico
signiicativo, assim tamb́m não devem aceitar costumes ou tradições morais sem
primeiro testá-los contra a prova, a razão e a experiência.
É importante, portanto, que todos os costumes, tradições, sistemas de ́tica,
regras e teorias ́ticas sejam cuidadosamente analisados e avaliados criticamente
antes de continuarmos a aceitá-los ou a vivê-los. Novamente, não devemos rejeitálos, mas tampouco devemos endossá-los de todo o coração, a menos que os
submetamos a um escrutínio cuidadoso e ĺgico. “o longo dos t́picos restantes
deste livro, você será fortemente encorajado a se tornar um pensador e praticante
relexivo quando estiver lidando com questões morais e da moralidade.
7 MORALIDADE, LEI E RELIGIÃO
Nesse ponto, ́ importante que usemos a relexão para distinguir a
moralidade de outras duas áreas da atividade e da experiência humana com as
quais muitas vezes ́ confundida e das quais muitas vezes ́ considerada uma
parte lei e religião.
7.1 A MORALIDADE E A LEI
“ frase "lei injusta" pode servir como ponto de partida para entender que
as leis podem ser imorais. Ńs tamb́m temos operadores do direito que podem
ser "corruptos", considerados antíticos dentro de sua pŕpria proissão. Por essa
razão, faz-se necessário haver o Tribunal de Ética e Disciplina, onde operadores do
direito podem julgar e punir outros operadores do direito por terem infringido o
seu Ćdigo de Ética. Obviamente, a moralidade e a lei não são necessariamente a
mesma coisa quando duas pessoas podem ser advogadas, ambas tendo estudado
em grande parte do mesmo material, e uma ́ moral, enquanto a outra não. Os
muitos protestos que tivemos ao longo da hist́ria contra leis injustas, onde, na
maioria das vezes, os manifestantes estavam preocupados com "o que ́ moral"
ou com uma "moralidade superior", tamb́m parecem indicar que as distinções
devem ser feitas entre lei e moralidade.
22
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
Tudo isso signiica que não há relação entre lei e moralidade? Uma resposta
"sim" a essa pergunta seria extremamente difícil de sustentar, porque grande parte
de nossa moralidade se tornou encarnada em nossos ćdigos legais COMP“R“TO,
. Tudo o que temos a fazer ́ rever qualquer um dos nossos estatutos legais em
qualquer nível de governo, e encontramos sanções legais contra furtar, estuprar,
matar e causar maus-tratos físicos e mentais aos outros. Encontraremos muitas
outras leis que tentam proteger os indivíduos que vivem juntos em grupos de
danos e fornecer resoluções de conlitos decorrentes de diferenças – muitas delas
estritamente morais – entre os indivíduos que compõem esses grupos.
Qual ́, então, a relação entre lei e moralidade? Note uma diferença importante
quando discutimos as diferenças e distinções entre os Dez Mandamentos, que são
uma das leis mais antigas da cultura ocidental, cridas por cristãos e judeus de
terem sido transmitidas por Deus. Podemos, então, distinguir entre as leis contra
a cobiça e as leis contra assassinato, furto e adult́rio veja o Quadro . Não há
nenhuma maneira em que uma lei possa regular o desejo de algúm pelo cônjuge
ou os pertences de outro algúm, contanto que o desejo por ato adúltero ou ato
de furto nunca foram executados COMP“R“TO,
. Portanto, as airmações
sobre a cobiça contidas nos Dez Mandamentos parecem ser admoestações morais
no que diz respeito a como se deve pensar ou manter a moral interior, enquanto
que as declarações contra o furto, assassinato e adult́rio são leis, proibições que
são, de alguma forma, aplicáveis contra certos atos humanos.
“ lei fornece uma śrie de declarações públicas – um ćdigo legal,
ou sistema de normas do que fazer e do que não fazer – para orientar os seres
humanos em seu comportamento e para protegê-los de fazer mal a pessoas e bens.
“lgumas leis têm menos importância moral do que outras, mas a relação entre lei
e moralidade não ́ inteiramente recíproca. O que ́ moral não ́ necessariamente
legal e vice-versa WEIL,
. Ou seja, você pode ter leis moralmente injustas,
como mencionado anteriormente. “ĺm disso, certas ações humanas podem ser
consideradas perfeitamente legais, mas moralmente questionáveis.
Na verdade, deve ser ́bvio, então, que a moralidade não ́ necessariamente
baseada na lei. Um estudo da hist́ria provavelmente indicaria o oposto – que
a moralidade precede a lei, enquanto a lei sanciona a moralidade R“CHELS
R“CHELS,
. Isto ́, a lei coloca a moral em um ćdigo ou sistema que pode
então ser executado por recompensa ou punição. Talvez, quanto maior e mais
complexa a sociedade, maior a necessidade de leis, mas não ́ inconcebível que
uma sociedade moral possa ser formada sem qualquer sistema jurídico, apenas
alguns princípios básicos de moralidade e um acordo para aderir a esses princípios.
Isto não quer sugerir que a lei deve ser eliminada dos assuntos humanos, mas sim
mostrar que a lei não ́ um atributo necessário da moralidade.
Pode a lei, entretanto, existir sem a moralidade? Parece que a moralidade
fornece as razões que subjazem a quaisquer leis signiicativas que governam os
seres humanos e suas instituições. Qual seria o sentido de ter leis contra matar e
roubar se não houvesse alguma preocupação de que tais atos fossem imorais? É
difícil pensar em qualquer lei que não tenha por trás alguma preocupação moral,
23
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
não importa quão menor ou remota. Podemos dizer, então, que a lei ́ a codiicação
pública da moral que lista para todos os membros de uma sociedade o que veio a
ser aceito como a maneira moral de se comportar naquela sociedade. “ lei tamb́m
estabelece qual ́ a maneira moral de agir e sanciona – por sua codiicação e por
todo o processo judiciário criado para formar, defender e alterar partes do ćdigo
– a moralidade que ela cont́m. “ correção de leis injustas, no entanto, não ́
necessariamente mais leis, mas um raciocínio moral válido realizado pelas pessoas
que vivem sob o ćdigo.
7.2 MORALIDADE E RELIGIÃO
Pode haver moralidade sem religião? Será que Deus ou deuses existem para
que haja algum sentido real para a moralidade? Se as pessoas não são religiosas,
elas podem ser verdadeiramente morais? E se a crença em Deus ́ necessária para
ser moral, qual religião ́ o verdadeiro fundamento da moralidade? Parece haver
tantos conlitos como existem diferentes religiões e pontos de vista religiosos.
“ religião ́ uma das mais antigas instituições humanas. Temos pouca
evidência de que a linguagem existia nos tempos pŕ-hist́ricos, mas temos
evidências de práticas religiosas que estavam entrelaçadas com a expressão artística,
e de leis ou tabus exortando os primeiros seres humanos a se comportarem de
determinadas maneiras. Nesses tempos antigos, a moralidade estava inserida nas
tradições, costumes e práticas religiosas da cultura R“CHELS R“CHELS,
.
“ĺm disso, a religião serviu como tem servido at́ muito recentemente
como uma sanção poderosíssima para levar as pessoas a comportar-se moralmente,
ou seja, se por trás de uma proibição moral contra o assassinato reside o poder
punitivo e recompensador de um ser ou seres sobrenaturais todo-poderosos,
então os líderes de uma cultura têm a maior sanção possível para a moralidade
que querem que seus seguidores abracem. “s sanções do castigo e da recompensa
tribal empalidecem ao lado da ideia de uma punição ou recompensa que pode
ser mais destrutiva ou prazerosa do que qualquer outra pessoa humana poderia
administrar.
No entanto, a noção de que a religião pode ter precedido qualquer sistema
jurídico formal ou sistema moral separado na hist́ria da humanidade, ou de ter
proporcionado sanções muito poderosas e eicazes para a moralidade, não prova
de modo algum que a moral deve necessariamente ter uma base religiosa. Muitas
razões podem ser dadas para demonstrar que a moralidade não precisa – e na
verdade não deve – ser baseada unicamente na religião OLIVEIR“,
.
Primeiro, para provar que se deve ser religioso para sermos morais,
teríamos de provar conclusivamente que existe um mundo sobrenatural e que a
moralidade existe lá, assim como no mundo natural. Mesmo que isso pudesse ser
provado, o que ́ duvidoso, teríamos que mostrar que a moralidade existente no
mundo sobrenatural tem alguma conexão com o que existe no mundo natural.
24
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
Parece ́bvio, no entanto, que ao lidar com a moralidade, a única base que temos ́
este mundo, as pessoas que nele existem e as ações que realizam.
Um teste da verdade dessa airmação seria tomar qualquer conjunto de
admoestações religiosas e perguntar honestamente quais delas seriam absolutamente
necessárias para o estabelecimento de qualquer sociedade moral. Por exemplo,
podemos fazer um argumento para qualquer um dos Dez Mandamentos, exceto os
três primeiros veja o Quadro . Os três primeiros podem ser um conjunto de regras
necessárias para uma comunidade judaica ou cristã, mas se uma comunidade não
religiosa observasse apenas os mandamentos quatro a dez, como, moralmente, as
duas comunidades difeririam – supondo que a comunidade religiosa observasse
todos os dez mandamentos? Não precisamos implicar que a moralidade não pode
ser fundada na religião. É um fato empírico ́bvio que ela tem sido fundada na
religião e provavelmente será no futuro. No entanto, a moralidade não precisa ser
fundada na religião, e há o perigo de estreiteza e intolerância se a religião se torna
o único fundamento para a moralidade.
É um fato conhecido que algumas pessoas religiosas podem ser imorais.
Considere as muitas guerras e outras perseguições realizadas por quase todas as
religiões na hist́ria da humanidade. Por outro lado, se pudermos caracterizar
brevemente a moral neste mundo como não prejudicar os outros ou assassinar
nossos semelhantes e, geralmente, tentar tornar a vida e o mundo melhores para
todos e tudo o que existe, e se muitos seres humanos não aceitam a existência de
um mundo sobrenatural e ainda agir moralmente como outros fazem, então deve
haver alguns atributos aĺm da crença religiosa que são necessários para algúm
ser moral. Embora seja ́bvio que a maioria das religiões cont́m sistemas ́ticos,
não ́ verdade que todos os sistemas ́ticos são religiosamente fundamentados
OLIVEIR“,
. Portanto, não há conexão necessária entre moralidade e religião.
O pŕprio fato de que pessoas completamente não religiosas por exemplo, eticistas
humanistas podem desenvolver sistemas ́ticos signiicativos e consistentes ́
prova disso.
“ĺm disso, fornecer uma base racional para um sistema ́tico ́ difícil o
suiciente sem ter que fornecer uma base racional para a religião que supostamente
funda o sistema ́tico. Mesmo se as religiões pudessem ser racionalmente
fundadas, qual religião deveria ser a base da ́tica humana? Dentro de uma
determinada religião essa questão ́ respondida, mas obviamente não ́ respondida
satisfatoriamente para membros de outras religiões conlitantes, ou para aqueles
que não acreditam em nenhuma religião. Outra questão ́ como resolvemos os
conlitos decorrentes de vários sistemas ́ticos baseados na religião sem recorrer a
um sistema de moralidade mais amplo – uma base mais ampla para tomar decisões
́ticas? Devemos estabelecer uma base para a moralidade de fora da religião, mas
deve ser uma em que a religião está incluída. Este ́ um primeiro passo necessário
para uma sociedade moral em um mundo moral.
Em resumo, então, qual ́ a conexão entre religião e moralidade? “ resposta
́ que não há conexão necessária. Pode-se ter um sistema ́tico completo, sem
menção ao sobrenatural. Isso signiica que, para sermos morais, devemos evitar a
25
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
religião? De modo nenhum. Os seres humanos devem ser autorizados a acreditar
ou descrer, contanto que haja alguma base moral que proteja todas as pessoas do
tratamento imoral nas mãos dos religiosos e não religiosos. Considerando todas
as diferenças que existem entre religiões e entre religiosos e não religiosos, faz
sentido que devemos esforçar-nos ainda mais para criar uma moralidade mais
ampla que permita que essas diferenças e relações religiosas pessoais continuem
e se desenvolvam, ao mesmo tempo que permitam atitudes e ações ́ticas para
com todos. O que precisamos não ́ uma ́tica estritamente religiosa ou uma ́tica
estritamente humanista, mas sim uma ́tica que inclui esses dois extremos e o
meio-termo tamb́m.
8 A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO MORAL DE KOHLBERG
Na d́cada de
, Lawrence Kohlberg
avançou o que muitos
consideram ser a teoria mais importante do desenvolvimento moral no śculo XX
KOHL”ERG,
. Sua tipograia, inluenciada pelo trabalho do psićlogo infantil
suíço Jean Piaget
, estabelece três níveis distintos de pensamento moral
o pŕ-convencional, convencional e ṕs-convencional autônomo ou de princípios .
Cada nível ́ organizado em dois estágios que são "conjuntos estruturados" ou
sistemas organizados de pensamento que dão consistência racional aos juízos
morais. Kohlberg
estava preocupado com o conhecimento crescente dos
valores culturais e as implicações desse conhecimento em apoio à posição da
relatividade ́tica. Embora reconhecesse que os valores, e seu conteúdo especíico,
variam de cultura para cultura, no entanto, ele acreditava que existe uma sequência
de desenvolvimento universal para estruturas de desenvolvimento moral que se
estende por todas as culturas.
8.1 DEFINIÇÃO DE ETAPAS MORAIS
No nível pŕ-convencional os termos como bom e mau, certo ou errado
são interpretados em termos de consequências físicas ou hedonistas da ação. No
Estágio – orientação de punição e obediência – as decisões morais são feitas em
resposta à autoridade. Evitação da punição e deferência a uma autoridade, que
tem o poder de produzir consequências físicas em resposta a atos de um agente,
explica o primeiro estágio da tomada de decisão moral. No Estágio – orientação
instrumental/relativista – os indivíduos são pragmáticos, e a tomada de decisão
moral ́ condicionada principalmente pelo interesse pŕprio. De acordo com
Kohlberg
, p.
, a ação correta consiste naquilo que instrumentalmente
satisfaz as necessidades de algúm e ocasionalmente as necessidades dos outros".
O nível convencional da teoria de Kohlberg
́ semelhante à moralidade
costumeira ou tradicional, como discutido anteriormente neste t́pico. Esse nível
de moralidade ́ irrelexivo e consiste em manter ou conformar-se às expectativas
dos outros, da família, do grupo ou da sociedade. Em situações de neǵcios, o nível
convencional de Kohlberg envolveria a conformidade com a cultura corporativa e
26
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
o cumprimento das políticas de ́tica da empresa. No Estágio – orientação de
concordância interpessoal ou orientação "”om Garoto – ”oa Garota", os indivíduos
são agradadores de pessoas. “ conformidade com o grupo, vivendo de acordo com
as expectativas dos outros, e ganhando a aprovação dos outros por ser "agradável",
caracteriza as pessoas no terceiro estágio do desenvolvimento moral. Já no Estágio
– orientação de "Lei e Ordem" – as pessoas estão preocupadas em manter a ordem
social por si mesmas ou como um im em si mesmas. Um indivíduo do quarto
estágio, por exemplo, obedece à lei porque ́ a lei. O comportamento correto neste
nível ́ caracterizado por cumprir o dever de cada um e demonstrar respeito pela
autoridade.
O terceiro nível, ṕs-convencional autônomo ou de princípio requer
moralidade relexiva e a capacidade de envolver efetivamente o raciocínio ́tico,
independentemente da identiicação e autoridade do grupo KOHL”ERG,
.
No Estágio – a orientação do contrato social – os indivíduos compreendem que
existem ins aĺm da lei e que as leis são criadas para trazer esses ins. “ĺm disso,
no quinto estágio, aqueles que tomam a decisão entendem como as leis são feitas e
que as leis podem ser alteradas por boas razões, ou seja, neste estágio vemos as leis
como um "contrato social" baseado em considerações válidas destinadas a trazer
ins socialmente bons. Já para o indivíduo no Estágio – orientação de princípio
́tico universal – o certo ́ deinido pela decisão de consciência de acordo com
os princípios ́ticos escolhidos por si mesmos, apelando à integralidade ĺgica,
universalidade e consistência. Esses princípios são abstratos e ́ticos por exemplo,
a Regra de Ouro, o imperativo cateǵrico , mas não são regras concretas, como os
Dez Mandamentos.
Em outras palavras, os indivíduos do estágio seis possuem um grande
estoque de conceitos ́ticos e entendem os princípios operacionais por trás das
regras morais, da lei e da norma ́tica. “ĺm disso, as pessoas neste estágio do
desenvolvimento moral podem pensar claramente e bem sobre dilemas morais
usando conceitos como justiça, reciprocidade, igualdade e respeito pela dignidade
humana e, assim, são capazes de chegar de forma independente a julgamentos
morais ślidos.
Kohlberg
,
tentou identiicar estruturas cognitivas inatas que
são universais para todos os seres humanos. Tais estruturas explicam tanto o
desenvolvimento moral como a base para a tomada de decisão moral em vários
estágios. Sua teoria nos ajuda a entender "por que" certas decisões são tomadas e
como estágios anteriores são integrados numa ordem superior de raciocínio moral.
De acordo com a teoria de Kohlberg, tende-se a passar para o pŕximo nível mais
elevado de desenvolvimento moral, a im de resolver o conlito que surge dentro do
pŕprio ponto de vista do indivíduo. Em suma, sua teoria fornece uma ferramenta
adicional para analisar o nível de raciocínio moral.
27
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
9 POR QUE OS SERES HUMANOS DEVEM SER MORAIS?
“ntes de discutirmos mais detalhadamente os sistemas ́ticos ou morais, há
uma última questão que deve ser tratada neste t́pico "Por que os seres humanos
devem ser morais?". Outra maneira de colocar o problema ́ a seguinte Existe
algum fundamento claro para a moralidade – pode-se encontrar alguma razão
para que os seres humanos sejam bons e pratiquem atos corretos em vez de serem
maus e praticarem atos errados? “ pergunta acima não deve ser confundida com
a pergunta "por que eu, ou qualquer indivíduo deveria ser moral? , como Kai
Nielsen
diz em seu brilhante ensaio "Por que devo ser moral?", estas são
duas questões diferentes. “ segunda ́ muito difícil de responder com qualquer
evidência clara, conclusiva ou ĺgica, mas a primeira não ́.
“o examinarmos a natureza humana da maneira mais empírica e racional
possível, descobriremos que todos os seres humanos têm muitas necessidades,
desejos, metas e objetivos em comum. Por exemplo, as pessoas geralmente
parecem precisar de amizade, amor, felicidade, liberdade, paz, criatividade e
estabilidade em suas vidas, não apenas para si, mas tamb́m para os outros. Não
́ necessário um exame muito mais profundo para descobrir que, para satisfazer
essas necessidades, as pessoas devem estabelecer e seguir princípios morais que
as encorajem a cooperar uns com os outros e que os libertem do medo de perder a
vida, serem mutilados, roubados, enganados, severamente restringidos ou presos.
“ moralidade existe, em parte, por causa das necessidades humanas
e pelo reconhecimento da importância de viver juntos de forma cooperativa e
signiicativa. Pode não ser o caso que todos os seres humanos serem convencidos
de que eles devem ser morais, ou mesmo que será sempre no interesse individual
de cada indivíduo ser moral. No entanto, a pergunta "por que os seres humanos
devem ser morais?", geralmente pode ser mais bem respondida pela declaração de
que aderir aos princípios morais permite que os seres humanos vivam suas vidas
de forma pacíica, feliz, criativa e signiicativa como ́ possível.
Tem havido um aumento acentuado no ensino de ́tica, tanto em instituições
de ensino quanto em empresas e outras organizações. “ssim como cursos foram
estabelecidos em escolas ḿdicas e houve um aumento do interesse na biótica e
outros comitês de ́tica em hospitais e empresas diversas. Poder-se-ia perguntar
"Isso signiica que estamos a tornar-nos mais ́ticos, ou que o seremos, à medida
que estas ́ticas começarem a iltrar-se para a população em geral?". Certamente ́
admirável que muitos estejam interessados nos valores e na melhoria da vida ́tica,
mas quão supericial ́ essa preocupação?
De qualquer modo, independentemente de quão popular, supericial ou
não a ́tica pode se tornar, certamente deve ser o aspecto mais importante da sua
vida. “inal, o que poderia ser mais importante do que aprender a viver mais
eticamente e melhorar a qualidade de sua vida e as vidas dos outros ao seu redor?
Como disse “lbert Einstein
apud M“RTINELLI,
, p.
28
TÓPICO 1 | A NATUREZA DA MORALIDADE
a mais importante busca humana ́ esforçar-se pela moralidade em nossa
ação. Nosso equilíbrio interno, inclusive da existência, depende disso.
Somente a moralidade em nossas ações pode dar beleza e dignidade à
vida. Fazer disso uma força viva e trazê-la para a consciência ́ talvez a
tarefa principal da educação.
Neste t́pico, discutimos muito sobre o que a moralidade ou ́tica não ́,
mas ainda não dissemos detalhadamente o que ela ́. “qui está uma deinição de
moralidade “ moralidade lida basicamente com os seres humanos e como eles
se relacionam com outros seres, tanto humanos como não humanos. Lida com
questões de como os seres humanos tratam os outros seres de modo a promover
bem-estar, crescimento, criatividade e signiicados mútuos à medida que se
esforçam pelo que ́ bom acima do que ́ mau, pelo o que ́ certo acima do que ́
errado.
Nos pŕximos três t́picos, examinaremos os principais pontos de vista
́ticos. Estes contêm um número de teorias ́ticas tradicionais que não se preocupam
com a razão pela qual os seres humanos devem ser morais, mas sim em como a
moralidade pode ser alcançada. Não há sentido em "partir do zero" no estudo da
moralidade quando podemos nos beneiciar de nossas pŕprias tradições ́ticas,
das quais quase todas as teorias ́ticas modernas evoluíram de uma forma ou de
outra.
UNI
POR QUE SER MORAL?
Platão (2001) conta a história de Gyges, um pastor, que encontra um anel mágico. Quando
Gyges gira o anel 180°, ele se torna invisível, e ao girar o anel novamente, ele reaparece. Sob
o manto da invisibilidade ele executa uma série de atos antiéticos e imorais, incluindo o
assassinato. Ele é um vilão, todavia se torna rico e famoso. Gyges não só acumula benefícios ao
parecer ser moral, mas também goza da recompensa colhida da maldade sem consequências
punitivas, pois ele nunca será pego.
Agora, imagine um segundo anel mágico dado a um indivíduo justo e reto. A tentação de se
envolver em transgressões para ganho pessoal será muito grande? Sabendo que não haverá
consequências punitivas, uma boa pessoa se transformaria rapidamente em um vilão? Dada a
situação que acabamos de descrever, por que alguém seria moral? Discuta. O que você faria se
a você fosse dado um anel de Gyges? Por que serias moral?
29
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que
• Moral e ́tico e imoral e antítico são intercambiáveis na linguagem ordinária.
Moral signiica o que ́ bom ou certo. Imoral signiica o que ́ mau ou errado.
• Características de "bom, mau, certo, errado". "”om" ou "certo" deve envolver
prazer, felicidade e excelência e tamb́m levar à harmonia e criatividade.
"Mau" ou "errado" envolverá dor, infelicidade e falta de excelência e levará à
desarmonia e falta de criatividade.
• Os termos bom e mau devem ser deinidos no contexto da experiência humana
e relações humanas.
• “moral signiica não ter sentido moral ou ser indiferente ao certo e ao errado.
• Não moral signiica fora do reino da moral completamente.
• “ abordagem cientíica ou descritiva ́ usada nas ciências sociais e está
preocupada com a forma como os seres humanos, de fato, se comportam. Por
exemplo Os seres humanos muitas vezes agem em seu pŕprio interesse.
• “ abordagem ilośica ́ dividida em duas categorias. “ normativa, ou
prescritiva, está preocupada com o que deveria ser ou o que as pessoas deveriam
fazer. Por exemplo Os seres humanos devem agir em seu interesse pŕprio.
Uma segunda categoria diz respeito aos juízos de valor. Por exemplo "”árbara
́ uma pessoa moralmente boa".
• “ metática, ou ́tica analítica, ́ analítica de duas maneiras. “nalisa a linguagem
́tica. “nalisa os fundamentos racionais dos sistemas ́ticos ou da ĺgica e
raciocínio de vários eticistas.
• No decurso da determinação da moralidade, algumas distinções devem ser
feitas. Existe uma diferença entre ́tica e est́tica. Ética ́ o estudo da moralidade,
ou do que ́ bom, mau, certo ou errado em um sentido moral. “ est́tica ́ o
estudo da arte e da beleza, ou do que ́ bom, mau, certo ou errado na arte e o que
constitui o belo em nossas vidas.
• Os termos bom, mau, certo e errado tamb́m podem ser usados em um sentido
não moral, geralmente em referência a como algúm ou algo funciona.
• “s boas maneiras, ou a etiqueta, diferem da moral mesmo que as duas estejam
relacionadas, na medida em que boas maneiras se referem a certos tipos de
comportamento social lidando com o gosto, enquanto a moralidade se preocupa
com o comportamento ́tico.
30
• Há quatro aspectos principais relacionados à aplicação da moralidade. “
moralidade religiosa se preocupa com os seres humanos em relação a um ser
ou seres sobrenaturais. “ moralidade e a natureza se preocupam com os seres
humanos em relação à natureza. “ moralidade individual se preocupa com os
seres humanos em relação a si mesmos. “ moralidade social se preocupa com
os seres humanos em relação a outros seres humanos, esta ́ a categoria mais
importante de todas.
• Existe evidência para nos ajudar a determinar quem ́ moralmente ou eticamente
responsável. “ experimentação com a comunicação com certos animais revela
que no futuro os animais poderiam concebivelmente ser ensinados a serem
morais, experimentações recentes demonstram aspectos de comportamento
moral em outros animais.
• “tualmente, os seres humanos, apenas os seres humanos, podem ser considerados
morais ou imorais e, portanto, apenas eles devem ser considerados moralmente
responsáveis.
• Há três maneiras de ver os valores como totalmente objetivos. “lgumas pessoas
acreditam que os valores se originam com um ser ou seres sobrenaturais ou um
princípio. “lguns acreditam que os valores são incorporados na pŕpria natureza,
isto ́, que existem valores morais nas leis na natureza. “lguns acreditam que o
mundo e os objetos nele encarnam valores se há ou não há seres humanos para
percebê-los e apreciá-los.
• “lguns sustentam a teoria de que os valores são totalmente subjetivos que a
moralidade e os valores residem estritamente dentro dos seres humanos e que
não há valores ou moralidade fora deles.
• É possível criticar a posição de que os valores são objetivos. É difícil provar
conclusivamente a existência de qualquer ser, ou seres, sobrenatural ou princípio
ou provar que os valores existem em qualquer outro lugar que não no mundo
natural.
• Há uma diferença entre "leis naturais", que são descritivas, e "leis morais e
sociais", que são prescritivas. E não há provas conclusivas de que existem "leis
morais naturais".
• É possível criticar a posição de que os valores são subjetivos. Porque os aspectos
do mundo e da natureza podem ser valorizados se os seres humanos existem ou
não, os valores não pareceriam ser totalmente subjetivos.
• Os valores são subjetivos e objetivos. Eles são determinados por três variáveis.
“ primeira variável ́ a coisa de valor, ou a coisa valorizada. “ segunda ́ um ser
consciente que valoriza, ou o avaliador. “ terceira ́ o contexto ou situação em
que a valorização ocorre.
31
• Considerando a crença de que os valores são subjetivos e objetivos, ́ possível
construir uma teoria sobre a origem da moralidade. Prov́m de uma interação
complexa entre seres humanos conscientes e coisas materiais, mentais ou
emocionais em contextos especíicos. Ela decorre de necessidades e desejos
humanos e ́ baseada em emoções e razões humanas.
• “ moralidade costumeira ou tradicional baseia-se no costume ou na tradição e ́
frequentemente aceita.
• “ moral relexiva ́ o exame cuidadoso e a avaliação crítica de todas as questões
morais, quer se baseiem ou não na religião, no costume ou na tradição.
• “ moralidade não ́ necessariamente baseada na lei. “ moralidade fornece as
razões básicas para quaisquer leis signiicativas. “ lei ́ uma expressão pública
de uma sanção para a moralidade social.
• “ moralidade não precisa – e de fato não deve – ser baseada unicamente na
religião, pelas seguintes razões. É difícil provar conclusivamente a existência de
um ser sobrenatural. “s pessoas religiosas podem ser imorais. “s pessoas não
religiosas tamb́m podem ser morais. É difícil fornecer um fundamento racional
para a religião, o que torna difícil fornecer tal fundamento para a moralidade.
Se a religião fosse o fundamento da moralidade, qual religião fundamentaria e
quem iria decidir?
• Existe uma diiculdade em resolver os conlitos decorrentes de vários sistemas
́ticos religiosamente baseados sem sair deles.
• Parece ser necessária uma ́tica que não seja nem estritamente religiosa, nem
estritamente humanista, mas que inclua esses dois extremos e o meio-termo
tamb́m.
• “ teoria de desenvolvimento moral de Kohlberg
estabelece três níveis
distintos de pensamento moral, e cada nível ́ organizado em dois estágios que
são "conjuntos estruturados" ou sistemas organizados de pensamento que dão
consistência racional aos juízos morais.
• Nível pŕ-convencional “qui, termos como bons e maus, e certos e errados
são interpretados em termos de consequências físicas ou hedonistas da ação.
Estágios - “ Orientação de Punição e Obediência - “ Orientação Instrumental/
Relativista.
• Nível convencional Este nível da moralidade ́ geralmente irreletido e
costumeiro. Consiste em manter ou conformar-se às expectativas dos outros ou
às regras da sociedade. Estágios - “ Concordância Interpessoal ou Orientação
"”om Garoto - ”oa Garota" - “ orientação "Lei e Ordem".
32
• Nível ṕs-convencional, autônomo ou de princípios Esse nível de
desenvolvimento moral requer moralidade relexiva e capacidade de envolver
o raciocínio ́tico, independentemente da identiicação e autoridade do grupo.
Estágios - “ Orientação do Contrato Social - “ Orientação Princípio-ÉticoUniversal.
• “ importância de determinar por que os seres humanos devem ser morais. “
questão não ́ "por que um indivíduo deve ser moral?", mas sim "por que os
seres humanos em geral devem ser morais?".
• Foram postuladas várias razões para ser moral. É nossa conclusão que a
moralidade ocorreu por causa das necessidades humanas comuns e pelo
reconhecimento da importância de viver juntos de forma cooperativa e
signiicativa, a im de alcançar a maior quantidade possível de amizade, amor,
felicidade, liberdade, paz, criatividade e estabilidade na vida de todos os seres
humanos.
• Uma deinição operacional da moralidade. “ moral ou a ́tica tratam basicamente
das relações humanas, como os seres humanos tratam os outros seres de modo a
promover o bem-estar, o crescimento, a criatividade e os signiicados mútuos à
medida que se esforçam pelo bom sobre o mau e o certo sobre o errado.
33
AUTOATIVIDADE
Por que o aspecto social da moralidade ́ considerado o aspecto mais
importante?
O que ́ a metática e como ela difere da ́tica normativa e da ́tica descritiva?
34
TÓPICO 2
UNIDADE 1
TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA
MORALIDADE
1 INTRODUÇÃO
Depois de ler este t́pico você deverá ser capaz de deinir as concepções
consequencialistas teleoĺgicas e não consequencialistas deontoĺgicas da
moralidade. “ssim como diferenciar o egoísmo psicoĺgico do egoísmo ́tico, e
explicar ambas as teorias. Distinguir os três tipos de egoísmo ́tico e descrever e
analisar criticamente as duas principais teorias consequencialistas, o egoísmo ́tico
e o utilitarismo. E distinguir entre os dois tipos de utilitarismo.
“ palavra grega theoria signiica literalmente "uma maneira de ver"
”“RROS,
. “s teorias morais tentam "ver" ou "perspectivar" fenômenos
morais, e, portanto, entender a moralidade, a partir de uma perspectiva abrangente.
”oas teorias morais tamb́m fornecem princípios práticos para orientar e dirigir a
conduta humana. “s teorias que veremos neste t́pico tratam de uma avaliação
das consequências, resultados ou ins de ações e, como tais, são baseadas em
consequências.
Na hist́ria da ́tica emergem dois pontos de vista principais o
consequencialista baseado ou preocupado com as consequências e o não
consequencialista não baseado ou preocupado com as consequências .
Tradicionalmente, essas teorias foram chamadas de teorias "teleoĺgicas" e
"deontoĺgicas" CORTIN“ M“RTÍNEZ,
, respectivamente, mas este livro
se referirá a elas como consequencialistas e não consequencialistas porque essas
palavras apontam as diferenças reais entre elas.
“s duas principais teorias ́ticas consequencialistas são o egoísmo ́tico e o
utilitarismo MULG“N,
. “mbas as teorias concordam que os seres humanos
devem se comportar de maneira que trarão boas consequências. Elas diferem,
no entanto, na medida em que discordam sobre quem deve se beneiciar dessas
consequências. O egoísta ́tico diz essencialmente que os seres humanos devem
agir em seu interesse pŕprio, enquanto que os utilitaristas dizem essencialmente
que os seres humanos devem agir no interesse de todos os envolvidos.
Suponha que João tenha a chance de desviar alguns fundos da empresa
onde trabalha. Se ele for um consequencialista, tentará prever as consequências de
desviar e de não desviar os fundos. Se ele for um consequencialista egoísta, tentará
prever o que estará em seu interesse pŕprio. Se ele for um consequencialista
utilitarista, tentará prever o que estará no interesse de todos os envolvidos. À
35
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
primeira vista, quando ainda estamos aprendendo sobre o egoísmo ́tico, algumas
pessoas imediatamente assumem que se uma pessoa, tal como João, adere a esta
teoria, vai desviar os fundos porque fazê-lo lhe dará o dinheiro que precisa para
viver uma vida boa e assim por diante. No entanto, ́ interessante notar que tanto os
egoístas ́ticos quanto os utilitaristas podem decidir, com base em suas abordagens
opostas às consequências, não desviar o dinheiro. Egoístas ́ticos podem pensar
que não ́ em seu interesse pŕprio quebrar a lei ou causar raiva da empresa e
seus acionistas ou sujeitar-se ao risco de punição por sua ação. Os utilitaristas, por
outro lado, poderiam chegar à mesma conclusão, mas com o argumento de que o
desfalque teria consequências ruins para outras pessoas envolvidas na empresa,
embora isso possa trazer boas consequências para eles. “ssim como os egoístas e
utilitaristas podem acabar agindo da mesma maneira por diferentes razões, seu
raciocínio ́tico tamb́m ́ semelhante, na medida em que ambos se preocupam
com as consequências de qualquer ação que estão contemplando. É importante
examinar cada teoria ́tica mais detalhadamente, observando vantagens e
desvantagens e examinando semelhanças e diferenças.
2 O EGOÍSMO PSICOLÓGICO
“ntes de discutir o egoísmo ́tico em mais detalhes, devemos fazer uma
distinção entre o egoísmo psicoĺgico, que não ́ uma teoria ́tica, e egoísmo
́tico. “lguns egoístas ́ticos tentaram basear suas teorias egoísticas no egoísmo
psicoĺgico, por isso ́ importante examinarmos se esta ́ uma inferência válida
e termos certeza de que sabemos a diferença entre a forma como as pessoas de
fato agem e a forma como elas deveriam agir ”ONJOUR ”“KER,
. No
T́pico , o egoísmo psicoĺgico foi introduzido a im de apontar a diferença entre
as abordagens cientíicas e as ilośico-normativas da moralidade. Para reiterar,
o egoísmo psicoĺgico ́ uma abordagem cientíica e descritiva do egoísmo,
enquanto que o egoísmo ́tico ́ a abordagem ilośico-normativa prescritiva .
Veja o quadro a seguir.
QUADRO 2 - TIPOS DE EGOÍSMO
Tipo de Egoísmo
Tipo de Reivindicação
Psicoĺgico
Descritiva
“irma que cada um age em
seu interesse pŕprio
Ético
Normativa
“irma que todos devem agir
em seu interesse pŕprio
FONTE: O autor
36
Tese principal
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
O egoísmo psicoĺgico pode ser dividido em duas formas R“CHELS
R“CHELS,
. “ forma forte sustenta que as pessoas sempre agem em seu
interesse pŕprio – que elas são psicologicamente construídas para fazê-lo –,
enquanto que a forma fraca sustenta que as pessoas, muitas vezes, mas nem sempre,
agem em seu interesse pŕprio. Entretanto, nenhuma das duas formas pode operar
como base para o egoísmo ́tico. Se a forma forte for aceita, então por que dizer
às pessoas fazerem o que não podem deixar de fazer? Se os seres humanos são
psicologicamente construídos de modo a agir sempre por interesse pŕprio, que
bem fará dizer a algúm que ele deve sempre agir por interesse pŕprio? Quanto
à forma mais fraca, a airmação de que os indivíduos muitas vezes agem a partir
do interesse pŕprio não tem nenhuma conexão em si mesma com a compreensão
do que eles deveriam fazer. Isto ́ referido na ́tica como tentando obter "um
deveria de um ́" – não há nenhum argumento ĺgico que prove conclusivamente
que, porque as pessoas estão se comportando de determinadas maneiras, devem
fazê-lo ou continuar a fazê-lo. “lgúm poderá ser capaz de mostrar, por meio de
algum argumento racional, que se deve agir sempre a partir do interesse pŕprio,
mas se izer isso não constituirá nem um argumento necessário absolutamente
necessário , tampouco um argumento suiciente de que se deve agir assim.
E quanto à verdade da forma mais forte do argumento? Se os seres humanos
precisam realmente agir em seu interesse pŕprio e não podem fazer o contrário,
então estaríamos condenados à posição egoísta. Existe alguma prova conclusiva
de que o egoísmo psicoĺgico forte ́ verdadeiro? “ im de fazer uma declaração
abrangente, absoluta e universal, usada sempre em conexão com motivos e
comportamentos humanos, que são ao mesmo tempo complexos e variados, seria
necessário examinar todos os motivos e comportamentos de todos e cada ser
humano antes que tal declaração pudesse ser provada conclusivamente.
É presunçoso para os egoístas psicoĺgicos argumentar que as pessoas
sempre agem por interesse pŕprio se algúm lhes puder dar um exemplo de uma
ś vez quando não agiu deste modo HEGEN”ERG,
a . Eles certamente podem
inventar uma śrie de maneiras de mostrar a um indivíduo que tudo o que ele faz
está em última análise relacionado, por uma razão ou outra, ao interesse pŕprio,
mas pode-se replicar "Olha, quando eu desprezei minha pŕpria segurança e
fui atrás do ladrão que roubou a loja, eu não estava motivado por nenhuma das
razões que você sugere, eu simplesmente iz isso porque eu pensei que o que o
ladrão fez estava errado, e porque eu gosto do meu chefe e não queria vê-lo sendo
roubado . Os egoístas psicoĺgicos podem insistir, por sua vez, que o indivíduo
provavelmente queria impressionar seu chefe ou queria parecer um heŕi para sua
namorada ou que o indivíduo queria a aprovação da sociedade ou de Deus ou do
patrão, mas se a pessoa insiste que esses motivos não estavam presentes, então os
proponentes do egoísmo psicoĺgico estão apenas teorizando, e eles não podem
transformar tal teorização em uma teoria absolutista sobre todos os motivos e
ações humanas FURROW,
.
Pela razão que os seres humanos variam tanto nos pensamentos,
sentimentos, motivos e razões de suas ações, ́ altamente presunçoso supor que
todos "sempre" pensam, sentem, são motivados ou raciocinam de uma forma à
37
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
exclusão de todas as outras FEIN”ERG,
. Esta teoria, como a teoria sobre a
existência de um ser sobrenatural, não pode ser provada de forma conclusiva. Na
verdade, há provas do contrário.
Quando todos os outros argumentos falham, como costumam fazer na
tentativa de defesa do egoísmo psicoĺgico, o egoísta psicoĺgico, ao tentar provar
seu caso, frequentemente volta-se para a posição de que as pessoas sempre fazem
o que realmente querem fazer. De acordo com o egoísta, se as pessoas "querem"
realizar tal ato desinteressado, então elas não estão realmente sendo altruístas
porque estão fazendo o que realmente querem fazer, mas há problemas com esse
argumento. Em primeiro lugar, como o egoísta psicoĺgico pode lidar com o fato
de que muitas vezes as pessoas não querem agir desinteressadamente, mas o fazem
de qualquer maneira? Às vezes, algúm realmente prefere fazer outra coisa, mas
o indivíduo, no entanto, sente que ele ou ela "deve" ou "tem que" fazer o que não
quer fazer. Em segundo lugar, a única evidência que o egoísta psicoĺgico pode
citar em apoio da airmação "as pessoas sempre fazem o que querem fazer" ́ que
o ato foi feito. Tudo isso signiica que "todos fazem sempre o que fazem", e isso
realmente não dá qualquer informação sobre a conduta humana, nem prova de
modo algum que os seres humanos sempre agem apenas em seu interesse pŕprio
FEIN”ERG,
.
Parece que podemos descartar o egoísmo psicoĺgico como base para o
egoísmo ́tico. Em sua forma forte destruiria toda a moralidade e ainda assim lhe
faltaria evidência e ĺgica. E tanto na forma forte quanto na fraca, falha em fornecer
uma base racional para o egoísmo ́tico.
3 O EGOÍSMO ÉTICO
O que ́ o egoísmo ́tico? Não ́ necessariamente a mesma coisa que o
egoísmo, que poderia ser um comportamento que não está de nenhum modo no
interesse pŕprio do egoísta, ou seja, se eu estiver sempre agindo de forma egoísta,
as pessoas podem me odiar e geralmente me tratar mal, então talvez esteja mais
no meu interesse pŕprio não ser egoísta. Eu poderia at́ chegar ao ponto de ser
altruísta em meu comportamento, pelo menos uma parte do tempo – quando
estiver no meu interesse pŕprio ser assim, ́ claro. Portanto, o egoísmo ́tico não
pode ser equiparado ao egoísmo, nem deve ser equiparado a ter um ego grande ou
ser presunçoso. Um egoísta pode muito bem ser pretensioso e vaidoso, por outro
lado, ele pode parecer ser muito modesto e humilde R“CHELS,
.
O egoísmo ́tico pode assumir três tipos possíveis, o pessoal, o individual
e o universal, veja o Quadro .
38
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
QUADRO 3 - TIPOS DE EGOÍSMO ÉTICO
TIPOS DE EGOÍSMO ÉTICO
Egoísmo Ético Pessoal
Egoísmo Ético Individual
Egoísmo Ético Universal
TESE PRINCIPAL
Diz que eu vou agir em meu pŕprio interesse e
todo o resto ́ irrelevante.
Diz que todo mundo deve agir em meu interesse
pŕprio.
Diz que cada pessoa deve agir em seu pŕprio
interesse.
FONTE: Hinman (2008, p. 114)
3.1 PROBLEMAS COM O EGOÍSMO ÉTICO INDIVIDUAL E
PESSOAL
Há śrios problemas associados ao egoísmo ́tico individual e pessoal, na
medida em que se aplicam apenas a um indivíduo e não podem ser estabelecidos
para a humanidade em geral. Trata-se de uma verdadeira desvantagem ao pensar
na moralidade ou no sistema moral como algo aplicável a todos os seres humanos,
isto ́, se desejamos ir aĺm de uma moralidade estritamente individualista, o que a
maioria dos moralistas faz. Entretanto, os problemas associados à promulgação de
qualquer dessas formas de egoísmo ́tico são mais profundos do que sua falta de
aplicabilidade geral. Provavelmente não seria do interesse de egoístas individuais
ou pessoais declararem sua teoria, porque eles poderiam enfurecer outras pessoas
e, assim, frustrar seu interesse pŕprio. Por esta razão, tais egoístas podem ter
de aparecer diferente do que realmente são ou mentir sobre o que realmente
acreditam, sendo que a desonestidade e a mentira são consideradas ações morais
questionáveis na maioria das teorias morais R“CHELS,
.
Podemos tamb́m perguntar se um sistema moral não deve ser consistente,
e se não deve ser mais do que apenas uma teoria. Se uma pessoa tem que propor
uma teoria moral, enquanto que conscientemente e propositadamente opera
sob outra, então não estaria ela sendo inconsistente? E quão moral pode ser esse
sistema se não puder ser exposto para que os outros vejam? Outro problema com
tais sistemas individualistas ́ que eles não levam em consideração o fato de que os
seres humanos não estão isolados uns dos outros e que as ações morais e imorais
de todas as pessoas afetam outras pessoas ao seu redor. Essas duas versões do
egoísmo, contudo, são boas apenas para uma pessoa e podem nem mesmo ser
beńicas para aquele indivíduo, especialmente se algúm descobrir que ele está
realmente operando sob tal sistema HINM“N,
. Portanto, essas concepções
do egoísmo não são impossíveis de sustentar – na verdade, você poderá descobrir,
depois de termos terminado de discutir sobre o egoísmo ́tico universal, que elas
são as únicas realmente possíveis –, mas elas são altamente suspeitas como teorias
morais válidas.
39
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
3.2 O EGOÍSMO ÉTICO UNIVERSAL
O egoísmo ́tico universal ́ a versão da teoria mais comumente apresentada
pelos egoístas, porque, como a maioria das outras teorias ́ticas, ́, como diz seu
nome, "universal" – uma teoria ́tica que airma se aplicar a todos os seres humanos.
Esta teoria não diz apenas o que o indivíduo deve fazer. “ntes, trata-se do que
todos os seres humanos devem fazer se querem ser morais devem sempre agir em
seu interesse pŕprio. O egoísmo ́tico universal tem sido proposto por Epicuro
,
, “yn Rand
, Jesse Kalin
e John Hospers
,
, entre
outros. Esses iĺsofos desejam estabelecer um sistema ́tico para todos os seres
humanos, e eles acreditam que o ponto de vista mais ́tico ́ que cada um aja em
seu interesse pŕprio.
3.2.1 Problemas com o Egoísmo Ético Universal
O primeiro problema aqui ́ a inconsistência. O ataque mais devastador ao
egoísmo ́tico universal foi feito por ”rian Medlin
em seu artigo Princípios
Últimos e o Egoísmo Ético", que Jesse Kalin
tentou refutar em seu artigo "Em
Defesa do Egoísmo". Medlin
apresentou alguns dos mesmos argumentos já
descritos aqui contra o egoísmo ́tico individual e pessoal. Por exemplo, ele airmou
que o egoísta ́tico diz que todos devem agir em seu interesse pŕprio individual.
Suponha, no entanto, que Pedro está agindo em seu interesse pŕprio individual, o
que não estaria no interesse pŕprio do egoísmo ́tico de, por exemplo, João. Então
certamente não seria do interesse de João dizer a Pedro que ele deveria agir em seu o
de Pedro interesse pŕprio. Portanto, João estaria pelo menos reticente em airmar
seu sistema ́tico e provavelmente seria mais sábio sob o egoísmo ́tico em não o
declarar em absoluto. Suponhamos que João, o egoísta ́tico, signiique realmente
que todas as pessoas devem agir em seu pŕprio interesse individual, que o maior
bem deve ser feito a todos os envolvidos por qualquer ação ́tica ou, como Medlin
airma, que João realmente quer que todo mundo saia como vencedor. Não
estaria João propondo realmente alguma forma de utilitarismo que indica que
todos devem sempre agir de modo que o número maior de consequências boas
acumule a todos envolvidos pela ação ao inv́s de egoísmo? Isso poderia fazer os
utilitaristas felizes, mas não precisamos de dois nomes para uma única teoria ́tica.
O problema torna-se realmente crítico quando perguntamos exatamente
o que os egoístas ́ticos universais signiicam quando airmam que todos devem
agir em seu interesse pŕprio individual. Quer dizer que tanto João quanto Pedro
devem agir em seu pŕprio interesse quando seus interesses pessoais conlitam?
Como esse conlito será resolvido? Suponha que Pedro pergunte a João o que ele
deveria fazer no meio do conlito entre eles? Deveria João dizer-lhe para agir em
seu interesse pŕprio, mesmo que isso signiique que João irá perder? O egoísmo
́tico universal parece defender isso. No entanto, obviamente não seria do interesse
pŕprio de João que o Pedro izesse isso. Há uma inconsistência aqui, não importa
o que João faça, porque quando os interesses pŕprios conlitam, o egoísmo ́tico
universal não oferece nenhuma resolução que será verdadeiramente no melhor
40
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
interesse de todos. O egoísmo ́tico torna-se altamente questionável quando
falamos em oferecer conselho moral R“CHELS R“CHELS,
.
Tal conselho ́ inconsistente, na medida em que João deve fazer o que está
em seu interesse pŕprio, mas deve aconselhar Pedro a agir quer no interesse de
João ou no interesse de Pedro. Se ele aconselhar Pedro a agir em seu interesse, o
de João, então João está recuando para o egoísmo individual. Se ele aconselhar
Pedro a agir em seu pŕprio interesse, então João não está servindo ao seu interesse
pŕprio. De qualquer maneira, parece que o proṕsito subjacente ao egoísmo ́tico
ica derrotado.
Jesse Kalin
diz que a única maneira de declarar o egoísmo ́tico
universal consistentemente ́ defender que João deveria agir em seu interesse
pŕprio individual e Pedro em seu interesse pŕprio individual. Tudo então icará
bem, porque mesmo que a teoria seja anunciada a todos e mesmo que João tenha
que aconselhar Pedro que ele o Pedro deveria agir em seu pŕprio interesse, João
não precisa querer que Pedro atue em seu pŕprio interesse. É neste ponto que
Kalin sente que ele refutou Medlin, pois airma que o egoísmo ́tico universal ́
inconsistente, porque o que o egoísta quer ́ obviamente incompatível, ele quer
que ele vença e quer que todos os outros tamb́m vençam. Os interesses conlitam,
pois tem obviamente desejos incompatíveis. Kalin usa o exemplo de João e Pedro
jogando xadrez. João, vendo que Pedro poderia mover seu bispo e colocar o rei
de João em xeque, acredita que Pedro deve mover seu bispo, mas não quer
que ele o faça, não precisa persuadi-lo a fazê-lo. Na verdade, deve sentar-se
lá em silêncio, esperando que ele não faça o movimento como deveria. Com esta
airmação, o problema que ocorreu com o egoísmo ́tico individual e pessoal surge
novamente no egoísmo ́tico universal – que o que as pessoas deveriam fazer
não pode ser promulgado isto ́, apresentado para que todos possam ver . Em
outras palavras, temos novamente uma teoria ́tica que tem de ser um segredo.
Caso contrário violará, ao ser declarada, seu pŕprio princípio central o interesse
pŕprio.
Devemos tamb́m examinar como Kalin
está usando o termo "deve"
em seu exemplo sobre o jogo de xadrez. Um dos resultados não intencionais do
artigo de Kalin parece ser um ofuscamento da distinção entre o uso moral dos
termos deve e deveria e um uso não moral dos dois termos. No T́pico ,
descrevemos a grande diferença entre as abordagens cientíica e as ilośiconormativas da moralidade como sendo a diferença entre o que ́ ou o que se
faz e o que deve e o que deveria ser feito. Tamb́m foi apontado que as duas
últimas palavras deve e deveria nem sempre são usadas em um sentido moral e,
com frequência, podem ser usadas em um sentido não moral.
Por exemplo, se as instruções para montar um brinquedo especiicar que
você deveria colocar dois parafusos e porcas nas extremidades antes de colocar
os outros quatro parafusos, não há nenhum sentido moral em operação nesta
atividade. "Deveria" aqui implica "se você quiser que este brinquedo funcione
direito e quiser que estas duas peças se encaixem bem". Não existe um imperativo
moral a não ser que a montagem incorreta do brinquedo possa custar à criança
41
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
sua vida, por exemplo. Raramente as vidas dependem se jogos como xadrez são
ganhos ou perdidos, ou se dois lados de um brinquedo se encaixam bem. Deveria,
nesses contextos, provavelmente não ter qualquer ramiicação moral.
Evidentemente, pelo menos para Kalin
, as regras e os conselhos
morais têm uma aplicação tão supericial que deveria e deve signiicam nada a
mais do que signiicariam quando aplicados a um jogo ou às instruções para montar
algo. Parece que apenas o mais estranho dos sistemas ́ticos indicaria muitos faça
e não faça e dizer que as pessoas devem aderir a eles, mas, em seguida, esperar
que elas não o façam. Considere o que signiicaria para João aconselhar Pedro
"Você deveria me matar porque eu estou no caminho entre você e a minha esposa,
já que você a deseja, e está em seu interesse pŕprio que você faça isso. Todavia,
porque não está em meu interesse pŕprio que você faça isso, eu espero que você
não o faça . Certamente não estaria incompatível com o que João diz que pensa que
deve ser, mas ́ um sistema moral no mínimo estranho, sendo que de fato airma o
que seu proponente realmente não quer. É ́bvio que o que João realmente pensa
que o que Pedro deveria fazer ́ deixar João e sua esposa em paz. Isto signiica, na
melhor das hiṕteses, que o egoísmo ́tico universal ́ altamente impraticável e, na
pior das hiṕteses, que ́ uma teoria que causa seriamente um conlito nos desejos
das pessoas por coisas boas e que vê a busca da felicidade como sendo algum tipo
de jogo intelectual, as regras das quais os seres humanos "devem" ser instruídos
a seguir. Kalin parece ter mostrado que o egoísta não precisa querer que outros
façam o que ele advoga. “o fazê-lo, no entanto, Kalin levanta o espectro de uma
divisão ainda mais ampla entre o que "deve ser" e o que ́".
O dilema acima leva o argumento de volta à ĺgica de Medlin
, p.
Mas não seria acreditar que algúm deveria agir de certa maneira, tentar
persuadi-lo a fazê-lo?", e "faz sentido dizer, claro que você deveria fazer isso, mas
por tudo o que ́ mais sagrado, não faça?" Sem essa ĺgica, os sistemas ́ticos não
são mais do que meros ideais abstratos que seus proponentes esperam que não
sejam efetivamente realizados. O que isso signiica, se Kalin estiver correto, ́ que
o egoísmo ́tico universal reivindica ser um sistema moral baseado no não moral
– suas regras não têm mais importância moral do que as regras de um jogo de
xadrez ou as instruções para montar um brinquedo.
Outra crítica ao egoísmo ́tico em qualquer de suas formas ́ que ela não
fornece a base ́tica apropriada para as pessoas que estão em proissões ligadas
ao cuidado e à ajuda. Certamente, ́ verdade que muitas pessoas estão em tais
proissões por seu interesse pŕprio, at́ certo ponto, mas a verdadeira razão
para ser psićlogo, enfermeiro, ḿdico, assistente social, professor, entre outras
proissões ains, ́ ajudar os outros, e uma atitude de interesse pŕprio exacerbada
não teria boas consequências para algúm nestas proissões. ”andman e ”andman
argumentam que proissionais da saúde que aceitam o egoísmo ́tico
sempre colocaram seus interesses e conforto como im último de sua ação moral,
escolhendo, por exemplo, contextos e locais de trabalho que não tenham que
atender e cuidar de indivíduos com doenças infecciosas.
42
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
Essas críticas apoiariam as airmações de alguns iĺsofos de que o egoísmo
́tico em qualquer de suas formas não ́ realmente um sistema moral, mas sim a
postura não moral da qual se pergunta "Por que eu deveria ser moral?" NIELSEN,
. No entanto, não ́ necessário endossar uma posição tão extrema para
perceber que há muitos problemas com o egoísmo ́tico que não são facilmente
resolvíveis. Portanto, parece ser uma teoria ́tica altamente questionável.
3.2.2 Vantagens do Egoísmo Ético Universal
Que conclusões podem ser tiradas desta discussão sobre o egoísmo ́tico?
“ teoria tem alguma vantagem? Uma vantagem do egoísmo ́tico sobre as teorias
que advogam fazer o que ́ de interesse para outros envolvidos ́ que ́ muito
mais fácil para os indivíduos saber quais são os seus pŕprios interesses do que
seria para eles saberem o que ́ do melhor interesse para os outros. “s pessoas
nem sempre agem em seu interesse pŕprio e certamente cometerão erros no
julgamento sobre o que ́ de seu pŕprio interesse, mas estão em uma posição
muito melhor para estimar corretamente o que elas querem, precisam e deveriam
ter e fazer do que qualquer outra pessoa. “ĺm disso, elas têm uma melhor chance
de avaliar seu interesse pŕprio pessoal do que avaliar os interesses de qualquer
outra pessoa HINM“N,
.
Outra vantagem do egoísmo ́tico universal ́ que ele encoraja a liberdade
e a responsabilidade individuais R“CHELS,
. Os egoístas precisam apenas
considerar seu interesse pŕprio e então assumir a responsabilidade por suas ações.
Não precisa haver dependência de ningúm, basta buscar seu interesse pŕprio e
deixar que os outros façam o mesmo. Portanto, os egoístas tamb́m argumentam,
isso signiica que suas teorias realmente se encaixam melhor com a economia
capitalista da maior parte das sociedades vigentes.
O egoísmo ́tico pode funcionar com sucesso, mas tem severas limitações.
“ teoria funcionará melhor enquanto as pessoas estiverem operando em relativo
isolamento, minimizando assim as ocasiões de conlito entre seus interesses
pŕprios ”ONJOUR ”“KER,
. Por exemplo, se todos pudessem ser sua
pŕpria comunidade autossuiciente e ser quase totalmente independente, então
o interesse pŕprio funcionaria bem. No entanto, assim que as esferas individuais
começam a se tocar ou se sobrepor, e o interesse pŕprio de João começa a entrar
em conlito com o de Pedro, o egoísmo ́tico não fornece os meios de resolver
esses conlitos de tal forma que o interesse pessoal de todos seja protegido ou
satisfeito. “lgum princípio de justiça ou de compromisso deve ser introduzido,
e provavelmente não seria do interesse de todos. Neste ponto, os egoístas devem
ou se tornar utilitaristas e se preocupar com os melhores interesses de todos
os envolvidos, ou entrar em seu jogo não moral, dizendo às pessoas o que elas
deveriam fazer, esperando que elas não irão, de fato, fazê-lo.
43
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
O problema real e imediato com o egoísmo, entretanto, ́ que não vivemos
em comunidades autossuicientes. Vivemos, em vez disso, em comunidades cada
vez mais abarrotadas onde a interdependência social, econômica e at́ mesmo
moral ́ um fato da vida e onde os interesses pŕprios conlitam constantemente e
de alguma forma devem ser comprometidos. Isso signiica que o interesse pessoal
de uma pessoa será apenas parcialmente servido e, de fato, poderá não ser servido
em absoluto.
3.3 EGOÍSMO ÉTICO RACIONAL DE AYN RAND
“yn Rand
, a principal expoente moderna do egoísmo ́tico
universal que ela chamou de egoísmo ́tico racional , disse que os interesses
pŕprios dos seres humanos racionais, em virtude de serem racionais, nunca
entrarão em conlito. Não importa como Rand
tente discutir os conlitos de
interesse pŕprio que continuamente surgem entre os seres humanos racionais, a
observação mostra que eles existem e precisam ser tratados. Por exemplo, “lbert
Einstein
e ”ertrand Russell
, matemáticos e cientistas
Russell tamb́m era iĺsofo , eram totalmente opostos ao desenvolvimento de
armas atômicas. Por outro lado, o Dr. Edward Teller
, o renomado físico
responsável por muitos dos desenvolvimentos do poder atômico, defendia sua
proliferação. Não são meras diferenças de opinião. Russell, por exemplo, at́ mesmo
foi preso em protesto contra o acoplamento de submarinos nucleares americanos
na Inglaterra ROS“,
. Russell não ś pensava que o desenvolvimento e o uso
de armas atômicas não eram de seu interesse pŕprio, mas tamb́m sentia que não
eram do interesse dos seres humanos em geral.
Rand pode querer argumentar que esses homens não são racionais nem
inteligentes, mas se assim for, seria difícil aceitar a sua deinição de seres humanos
racionais e interesse pŕprio racional. “ĺm disso, ́ interessante especular,
nesse sentido, por que “yn Rand se recusou irmemente a apoiar qualquer das
comunidades ou projetos que foram criados sob suas teorias. Um deles foi o Projeto
Minerva, uma comunidade insular a ser governada sem governo STR“USS,
,
e outro foi o Libertarianismo, um partido político que nomeou John Hospers como
candidato presidencial em
SMITH,
. Nenhum dos esforços recebeu a
bênção de Rand.
Em conclusão, parece que as pessoas podem ser egoístas ́ticos com algum
sucesso somente se advogarem alguma outra teoria aĺm do egoísmo ́tico,
e somente se não disserem às pessoas que ́ isso que estão fazendo. Conforme
observado anteriormente, isso a torna uma teoria ́tica questionável na pior das
hiṕteses e, na melhor das hiṕteses, impraticável. Diante de todos esses śrios
problemas, certamente não devemos contentar-nos com o egoísmo ́tico at́ que
tenhamos examinado outras teorias ́ticas.
44
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
4 O UTILITARISMO
O utilitarismo ́ uma teoria ́tica cujos principais arquitetos foram Jeremy
”entham
e John Stuart Mill
. Deriva seu nome da concepção
de utilidade. O utilitarista diz que um ato ́ correto moral se for útil em produzir
um im desejável ou bom MULG“N,
. Os utilitaristas, portanto, alegam
que a única coisa que conta moralmente ́ o que produz a maior quantidade de
utilidade, ou as maiores consequências positivas gerais. No entanto, qual ́ o
crit́rio apropriado de utilidade? O que tem valor intrínseco? Historicamente, os
utilitaristas têm tomado o prazer e a felicidade como medida de consequências.
Versões mais recentes do utilitarismo voltaram-se para bens mais elevados
"ideais" ou para preferências como medida de consequências. Cada uma dessas
quatro medidas de valor intrínseco tem suas forças e suas limitações.
Originalmente, o utilitarismo tornou-se inluente com o trabalho de Jeremy
”entham
, que deiniu a utilidade em termos de prazer e dor. De acordo
com ”entham
, devemos agir de forma a maximizar o prazer e minimizar
a dor. Esta posição ́ conhecida como utilitarismo hedonista. Observe que isso ́
muito diferente de um hedonismo direto, que recomendaria maximizar o pŕprio
prazer e minimizar a pŕpria dor. O utilitarismo hedonista recomenda maximizar
a quantidade total de prazer e minimizar a quantidade total de dor.
“ ilosoia de ”entham rapidamente foi atacada como "a ilosoia do
porco" por causa do que parecia ser sua ênfase grosseira em prazeres sensuais e
corporais, em que os porcos tamb́m sentem tais prazeres assim como os humanos
S“NTOS,
. John Stuart Mill
, o ailhado de ”entham, propôs
uma grande reformulação da posição utilitarista argumentando que a utilidade
deveria ser deinida em termos de felicidade em vez de prazer MILL,
.O
padrão de Mill parecia ser um avanço deinitivo sobre o de ”entham, pois era
baseado em um padrão mais elevado que o simples prazer. Isso ́ chamado
de utilitarismo eudemonista a palavra eudemonista vem da palavra grega para
"felicidade", eudaimonia . Para ver por que este ́ o caso, vamos considerar algumas
das diferenças entre prazer e felicidade como o padrão de utilidade.
“s diferenças entre prazer e felicidade são signiicativas. Tendemos a
pensar que o prazer ́ primordialmente corporal ou sensual. Comer, beber e fazer
sexo vêm imediatamente à mente como modelos de casos de prazer. Felicidade,
por outro lado, geralmente ́ menos imediatamente atrelada ao corpo. Poderíamos
inicialmente caracterizá-la como pertencendo mais à mente ou espírito do que ao
corpo S“NTOS,
.
Em segundo lugar, o prazer geralmente parece ser de duração menor do
que a felicidade. Isso decorre da natureza do pŕprio prazer MULG“N,
.
O prazer, pelo menos aos olhos de muitos psićlogos e iĺsofos, ́ o sentimento
agradável que experimentamos quando um estado de privação ́ substituído por
um estado de saciedade ou satisfação. Por exemplo, o prazer ́ o que sentimos
quando bebemos um copo de água fresca e agradável para saciar nossa sede. No
45
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
entanto, isso nos dá uma visão da razão pela qual os prazeres são de curta duração.
Uma vez que estamos saciados, já não experimentamos o objeto como prazeroso.
Uma vez que não estamos mais sedentos, beber água torna-se menos agradável. “
felicidade, por outro lado, parece estar na realização de certas metas, esperanças ou
planos para a pŕpria vida. Na medida em que esses objetivos são intrinsecamente
gratiicantes, não nos cansamos deles da mesma maneira que podemos nos cansar
de certos prazeres.
Em terceiro lugar, a felicidade pode abranger tanto o prazer quanto a dor
DONNER FUMERTON,
. Na verdade, poderíamos facilmente imaginar
algúm dizendo que sua vida ́ feliz, mas ainda reconhecendo momentos dolorosos.
Um bom exemplo disso ́ uma mulher que dá à luz uma criança há muito esperada.
Ela pode experimentar um pouco de dor durante e aṕs o parto, mas ela ainda
pode se sentir feliz. Por outro lado, podemos imaginar algúm experimentando
prazer, mas não se sentindo feliz. Pense em algúm fumando crack, que estimula
diretamente o centro de prazer do ćrebro. Eles podem ter prazer quando eles
inalam profundamente, mas eles poderiam se sentir muito infelizes com suas
vidas, carreiras, casamento, e assim por diante.
Finalmente, há um melhor elemento avaliativo em nossa noção de felicidade
do que há em nossa ideia de prazer. Podemos querer distinguir entre prazeres bons e
maus, entre inofensivos e nocivos, mas não duvidamos que os maus prazeres sejam
ainda prazeres. Com a felicidade, por outro lado, construímos um componente
avaliativo DONNER FUMERTON,
. É provável que questionemos se as
pessoas são genuinamente felizes de uma forma que não questionamos se elas
estão realmente sentindo prazer.
O prazer e a felicidade não são os únicos padrões possíveis de utilidade, e no
śculo XX as tentativas de redeinir o padrão de utilidade em termos de bens ideais
como liberdade, conhecimento e justiça G. E. Moore e preferências individuais
Kenneth “rrow HINM“N,
. Estas versões, utilitarismo ideal e utilitarismo
de preferência, respectivamente, fornecem variações sobre o tema utilitarista.
Podemos resumir estas várias versões do utilitarismo da seguinte maneira
QUADRO 4 - MEDIDAS DE UTILIDADE
TIPO DE
UTILITARISMO
PADRÃO DE
UTILIDADE
Hedonista
Eudaimonista
Ideal
De Preferência
Prazer
Felicidade
Justiça, liberdade etc.
Preferência
NÚMERO
DE BENS
INTRÍNSECOS
Um
Um
Muitos
Indeterminado
FONTE: Hinman (2008, p. 133)
46
PRINCIPAL
PROPONENTE
”entham
Mill
Moore
“rrow
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
Nenhum candidato único surgiu como a única escolha entre os iĺsofos
para o padrão de utilidade. O desacordo entre os iĺsofos sobre esta questão
parece reletir um desacordo maior em nossa pŕpria sociedade MULG“N,
.
Se as consequências importam, ainda temos que decidir qual crit́rio utilizar na
medição delas. “ atração da teoria da preferência neste contexto ́ que ela permite
essa multiplicidade de padrões, todos os quais são expressos como preferências.
Na verdade, pode haver uma vantagem distinta em permitir uma
multiplicidade de diferentes tipos de fatores subjacentes à utilidade. Este ́ um
tipo de pluralismo dentro de uma teoria moral especíica. O utilitarismo já foi
criticado por ser muito estreito, por reduzir todas as nossas considerações na vida
a um único eixo de utilidade, geralmente prazer ou felicidade. Há muito a ser
dito para uma teoria mais completa e lexível que nos permita reconhecer que as
consequências precisam ser medidas de acordo com vários padrões. “ diiculdade
com tal movimento, entretanto, ́ que torna o utilitarismo uma doutrina mais
complexa, que seja mais difícil de aplicar na prática R“CHELS R“CHELS,
.
“ĺm disso, os utilitaristas que vão nessa direção precisam especiicar a relação
entre os diferentes tipos de padrões. Quando, por exemplo, uma alternativa ocupa
um lugar de destaque na medida da felicidade, e outra linha de ação se destaca
na escala da justiça, qual delas teria precedência. Finalmente, ameaça roubar o
utilitarismo de sua principal vantagem, isto ́, oferecer um ḿtodo claro para o
cálculo da moralidade das ações, regras e políticas sociais MULG“N,
.
O utilitarista sustenta que devemos preferir o que produzir a maior utilidade
total, e isso ́ determinado pesando as consequências, mas as consequências de
quê? Os utilitaristas deram pelo menos três respostas diferentes a esta questão, que
não são necessariamente mutuamente exclusivas atos, regras e práticas.
DICAS
Assista ao documentário “O Utilitarismo: o projeto de construir uma ética racional”
do Curso Livre de Humanidades – Filosofia, com Luis Alberto Peluso, Prof. Dr. em Filosofia PUC/
Campinas. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=xf_SeZjM0Zw>.
4.1 O UTILITARISMO DE ATO
O utilitarismo de ato diz essencialmente que todos devem executar esse
ato que trará a maior quantidade possível de bens para todos afetados pelo ato
”ONJOUR ”“KER,
. Seus defensores não acreditam na criação de regras
para a ação porque sentem que cada situação e cada pessoa são diferentes. Cada
indivíduo, então, deve avaliar a situação em que está envolvido e tentar descobrir
qual ato traria a maior quantidade de consequências boas com a menor quantidade
47
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
de consequências ruins, não apenas para si mesmo, como no egoísmo, mas para
todos os envolvidos na situação.
“o avaliar a situação, o agente a pessoa que vai atuar ou está agindo
deve decidir se, por exemplo, dizer a verdade ́ a coisa certa a fazer nesta situação
e neste momento. Não importa que a maioria das pessoas acredite que dizer a
verdade ́ geralmente uma coisa boa a se fazer. O utilitarista de ato deve decidirse com respeito à situação particular que está vivendo no momento se ou não ́
correto dizer a verdade. Para o utilitarismo de ato, não pode haver regras absolutas
contra matar, roubar, mentir e assim por diante, porque cada situação ́ diferente
e todas as pessoas são diferentes CORTIN“ M“RTÍNEZ,
. Portanto, todos
aqueles atos que, em geral, podem ser considerados imorais, seriam considerados
morais ou imorais pelo utilitarista de ato apenas em relação a se eles trariam ou não
trariam o maior bem sobre o menor mal para todos em uma situação particular.
4.1.1 Crítica ao utilitarismo de ato
Existem várias críticas ao utilitarismo de ato. Uma delas foi citada como
fornecendo apoio para o egoísmo ́tico, e isso ́ porque ́ muito difícil determinar
o que resultará em boas consequências para os outros HINM“N,
HURK“,
. Envolvido na diiculdade de decidir quais serão as consequências de
qualquer ação que se está a tomar, soma-se o problema de decidir o que ́ "bom" e
"certo" para os outros. O que pode ser uma boa consequência para você pode não
ser igualmente bom, ou de nenhum modo bom para outros. E como você poderia
saber, a menos que você possa perguntar às outras pessoas o que seria bom
para elas? Muitas vezes, ́ claro, não há tempo para perguntar nada a ningúm.
Simplesmente devemos agir da melhor maneira possível.
“ĺm disso, há certa impraticabilidade em ter que começar de novo
com cada situação R“CHELS R“CHELS,
. De fato, muitos moralistas
podem questionar a crença do consequencialista de ato e avaliar que cada ato e
cada pessoa ́ completamente diferente, airmando que há muitas semelhanças
entre os seres humanos e seus comportamentos que justiicariam a deinição de
certas regras. Por exemplo, os críticos do utilitarismo de ato podem dizer que há
pessoas suicientes que valorizam suas vidas para que haja alguma regra contra o
assassinato, mesmo que tenha que ser qualiicado, por exemplo dizendo "Nunca
mate, exceto em legítima defesa". Poderia ainda dizer que ́ uma perda de tempo e
at́ absurdo reavaliar cada situação quando há uma escolha de matar ou não matar.
Parece que algúm deveria simplesmente seguir a regra geral e qualquer de suas
qualiicações válidas. Como mencionado anteriormente, o fator tempo na tomada
de decisões morais ́ muitas vezes importante. Muitas vezes uma pessoa não tem
tempo para começar do zero quando confrontada com cada novo problema moral.
Na verdade, ser forçado a começar constantemente de novo pode resultar em uma
incapacidade de cometer um ato moral a tempo.
48
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
O utilitarista de ato responderia que depois de experimentar muitas
situações, aprende-se a aplicar a experiência de uma pessoa à situação nova
prontamente, com um mínimo de desperdício de tempo, de modo que algúm
não estaria realmente começando do zero a cada vez HINM“N,
. Quando as
pessoas invocam a experiência passada e agem consistentemente de acordo com
ela, não estariam realmente agindo com base em regras não especiicadas? Se elas
estiveram em uma śrie de situações em que a escolha moral ́ não matar outro ser
humano, e elas fossem agora confrontadas com outra situação semelhante, então
elas não estariam realmente operando sob uma regra oculta que diz "Nunca mate
outro ser humano em qualquer situação semelhante à situação X"? Se assim for,
eles são utilitaristas de regras que simplesmente não anunciaram suas regras.
Uma última crítica ao utilitarismo de ato pergunta como se deve educar
os jovens ou os não iniciados a agir moralmente se não houver regras ou guias a
seguir, exceto uma Cada pessoa deve avaliar quais seriam as maiores e melhores
possíveis consequências boas de cada ato para cada situação que surge para todos
envolvidos MULG“N,
. Parece que sob este sistema ́tico todo mundo deve
começar de novo, na medida em que ele está crescendo em busca de descobrir qual
́ a coisa moralmente correta a ser feita em cada situação, tal como ela ocorre. Isso
pode ser admissível na estimativa de alguns iĺsofos, mas ́ muito difícil, se não
impossível, conduzir qualquer tipo de educação moral sistemática nessa base.
4.2 O UTILITARISMO DE REGRAS
Foi para dar uma resposta a muitos dos problemas do utilitarismo de ato
que o utilitarismo de regras foi estabelecido MULG“N,
. Nessa forma, o
princípio básico utilitarista não ́ que "todos deveriam sempre agir para trazer
o maior bem para todos os envolvidos", mas sim que "todos deveriam sempre
estabelecer e seguir essa regra ou as regras que produzirão o maior bem para todos
os envolvidos". Isso, pelo menos, elimina o problema de ter que começar de novo
para descobrir as prováveis consequências para todos em cada situação, e tamb́m
fornece um conjunto de regras que podem ser aludidas na educação moral dos não
iniciados.
Os utilitaristas de regras tentam, a partir da experiência e do raciocínio
cuidadoso, estabelecer uma śrie de regras que, quando seguidas, renderão o
maior bem para toda a humanidade FURROW,
. Por exemplo, ao inv́s de
tentar descobrir se algúm deve ou não matar algúm em cada situação em que
esse problema possa surgir, os utilitaristas de regras podem formar a regra nunca
mate, exceto em autodefesa . Sua suposição em airmar esta regra ́ que, exceto
quando ́ feito em legítima defesa, matar trará mais consequências ruins do que
boas para todos os envolvidos, tanto agora como provavelmente em longo prazo.
Matar, eles poderiam acrescentar, se permitido em qualquer situação, exceto a
situação de autodefesa, criaria precedentes perigosos. Isso encorajaria mais pessoas
a tirar a vida dos outros do que eles fazem agora, e porque a vida humana ́ básica
e importante para todos, não ter tal regra sempre causaria mais mal do que bem a
todos os interessados.
49
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
Os utilitaristas de regras, obviamente, acreditam ao contrário de suas
contrapartes de "ato", que existem motivos, ações e situações humanas semelhantes
o suiciente para justiicar a criação de regras que se apliquem a todos os seres
humanos e a todas as situações humanas HINM“N,
. Para o modo de pensar
do utilitarista de regras, ́ tolo e perigoso deixar as decisões das ações morais aos
indivíduos sem lhes dar alguma orientação e sem tentar estabelecer uma esṕcie
de estabilidade e ordem moral na sociedade, ao contrário da aleatoriedade, quase
adivinhação, que parece ser defendida pelo utilitarista de ato.
4.2.1 Crítica ao utilitarismo de regras
“ssociados ao utilitarismo de regras estão alguns dos mesmos problemas
que encontramos com o utilitarismo de ato, especialmente na área de tentar
determinar as consequências boas para os outros R“CHELS R“CHELS,
. Esse
problema, como mencionado anteriormente, ́ uma desvantagem que o egoísmo
não compartilha. Como se pode ter certeza, dadas as grandes diferenças entre os
seres humanos e as situações humanas, que realmente se pode estabelecer uma
regra que cubra tal diversidade, muito menos que ela sempre e verdadeiramente
produza o maior bem para todos os interessados? Esta diiculdade ́ acrescentada
àquela compartilhada pelo egoísta e pelo utilitarista de ato, que ́ tentar
determinar todas as consequências não apenas para uma ação, mas para todas as
ações e situações que ocorrem sob qualquer regra particular. Os moralistas que
não aderem às regras argumentam fortemente que não há nenhuma regra para a
qual não se pode encontrar pelo menos uma exceção em algum lugar ao longo do
tempo, e no momento em que um indivíduo incorpora todas as exceções possíveis
em uma regra, está na verdade defendendo o utilitarismo de ato. Portanto, eles
argumentam, uma pessoa estaria melhor sem regras, como elas possivelmente não
podem aplicar-se a todas as situações que algúm poderá enfrentar.
Por exemplo, poderia a regra nunca mate, exceto em legítima defesa cobrir
todas as situações em que os seres humanos estariam propensos a se envolver?
“brangerá o aborto, por exemplo? Muitos antiabortistas pensam assim, airmando
que de nenhuma maneira poderá o feto não nascido ser considerado um agressor.
Portanto, não poderia ser abortado. Por outro lado, os defensores da pŕ-escolha
não consideram o feto como um ser humano ou defendem a precedência da vida
da mãe sobre o feto e acreditam que há momentos em que o feto deve ser abortado
”ONJOUR ”“KER,
. Como, por exemplo, a regra utilitarista lida com o
aborto do feto quando a vida da mãe está em perigo não especiicamente porque
ela está grávida, mas por alguma outra razão? O feto não pode ser considerado um
agressor, então como poderia ser abortado em legítima defesa?
Nenhuma reivindicação foi de fato feita que os utilitaristas de regras tivessem
tal regra, mas o exemplo foi projetado aqui para mostrar como ́ difícil formar
uma regra que cubra todas as situações, sem exceção. Os utilitaristas de regras
podem, obviamente, classiicar suas regras colocando-as em categorias primárias
e secundárias MULG“N,
, mas o problema continua independentemente
da categoria na qual a regra ́ encontrada. Os utilitaristas de ato não têm esse
50
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
problema. Eles podem ter problemas para justiicar uma determinada ação, mas
pelo menos eles não se comprometem a agir de uma ś maneira em todas as
situações. Eles podem cometer um erro na situação “, mas quando a situação ”
surge eles têm outra chance de julgar e agir de novo, sem serem impedidos por
quaisquer regras vinculativas que os liguem a uma śrie de erros.
4.3 UTILITARISMO DE PRÁTICAS
“lguns iĺsofos tomaram um passo aĺm dos utilitaristas de regras,
sugerindo que as considerações utilitaristas têm relevância para justiicar a
existência de certos tipos de práticas HINM“N,
, embora o utilitarismo possa
não fornecer uma base adequada para decidir atos especíicos dentro dessa prática.
Pode-se considerar isso como um tipo de utilitarismo de regra, mas ́ importante
notar que há uma diferença signiicativa entre regras e práticas. “s regras são mais
especíicas do que as práticas, e uma prática pode abranger numerosas regras.
Colecionar selos, por exemplo, ́ uma prática, e cont́m muitas regras de ação
especíicas sobre quais tipos de selos comprar, quando vender e assim por diante.
“s práticas incluem regras, mas contêm outras coisas a mais tamb́m. Elas são,
muitas vezes, incorporadas em instituições especíicas sociedades ilat́licas e em
padrões de interação social por exemplo, convenções de colecionadores de selos
que vão aĺm de qualquer conjunto especíico de regras.
John Rawls
, iĺsofo contemporâneo cuja obra Teoria da Justiça ́
uma das mais recentes e inluentes obras de ́tica, sugeriu que podemos justiicar
a prática da punição como um todo atrav́s de argumentos utilitários. Uma
sociedade sem instituições e práticas de punição produziria menos utilidade
geral do que aquela que contivesse tais instituições e práticas. Rawls evita os
problemas levantados pelas justiicações utilitaristas de ato de punição especíicas,
argumentando que punições especíicas devem ser determinadas com base em
considerações retributivas, não por motivos utilitários. “ punição especíica
dependeria da gravidade da ofensa, não da utilidade de impor a punição. Em
outras palavras, indivíduos especíicos seriam punidos porque o mereciam, não
por causa das consequências produzidas punindo-os. O ḿrito de uma sugestão
como a de Rawls ́ que ela nos permite combinar intuições utilitárias e kantianas
LOVETT,
. O raciocínio utilitarista justiica a existência da instituição da
punição, e as considerações kantianas de retribuição determinam a natureza e a
severidade de atos punitivos especíicos. Quando resumimos essas várias posições,
obtemos o seguinte quadro
51
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
QUADRO 5 - CONSEQUÊNCIAS DO QUÊ?
TIPO DE
UTILITARISMO
CONSEQUÊNCIAS
DO QUÊ?
PRINCÍPIO CENTRAL
Ato
Cada ato
Desempenhar o ato que produzirá
a maior quantidade de utilidade.
Regra
Regras
Seguir a regra que produzirá a
maior quantidade de utilidade.
Prática
Práticas
“poiar as práticas que produzirão
a maior quantidade de utilidade.
FONTE: Hinman (2008, p. 149)
4.4 A ANÁLISE CUSTO-BENEFÍCIO OU ABORDAGEM “FIM
JUSTIFICA OS MEIOS”
Há outro problema em ambas as formas de utilitarismo, e essa ́ a
diiculdade de se levar o aspecto "útil" do utilitarismo longe demais R“CHELS
R“CHELS,
. Os não utilitaristas podem perguntar, por exemplo, se ́ sempre
correto tentar alcançar "o maior bem para o maior número". Isso não acabaria às
vezes como o maior benefício para a maioria, todavia com algumas consequências
muito ruins para a minoria? Será que a ciência, por exemplo, estaria justiicada
em pegar
crianças e realizar experiências dolorosas e eventualmente fatais se
os ḿdicos pudessem garantir a salvação de
milhões de vidas de crianças no
futuro? Certamente, pensando ś em número, isso seria o maior bem para o maior
número, mas muitos moralistas objetariam dizendo que cada indivíduo ́ único,
moralmente falando, e, portanto, nenhuma dessas experiências deve ser realizada
independentemente de quantas pessoas serão salvas.
Podemos tamb́m imaginar um caso em que a escravização de uma
população de minoria muito pequena fará a população da maioria muito feliz.
Em geral, a felicidade será maximizada por reter, em vez de abolir, o sistema.
Em sua defesa cuidadosamente argumentada do utilitarismo de ato, Richard M.
Hare
argumenta que a preservação da escravidão sob tais circunstâncias
́ de fato uma exigência moral. Hare
argumenta que nossas convicções
sobre a importância da justiça podem ser explicadas e justiicadas por motivos
utilitários. Quando se trata de avaliar a moralidade real de nossas práticas, às vezes
devemos deixar de lado essas crenças convencionais fortemente mantidas e apelar
diretamente ao princípio utilitarista de ato que nos diz que estamos realmente
moralmente obrigados a perpetrar algumas instâncias de injustiça.
No entanto, se estamos buscando o maior bem para todos, existe o perigo
do que muitos chamam de "análise de custo-benefício" ou abordagem "im que
justiica os meios" da moralidade, ou seja, tentar calcular quanto esforço ou custo
trará mais benefícios. Esta abordagem tamb́m nos envolve na determinação do
valor social dos indivíduos em uma sociedade, de modo que aquelas pessoas que
são de "valor" mais elevado para a sociedade, como alguns proissionais, recebem
52
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
mais benefícios do que aqueles com valor menor. Em outras palavras, às vezes,
ao tentar fazer o maior bem para o maior número, podemos nos encontrar sendo
muito imorais em relação a alguns poucos.
“lguns moralistas, incluindo Immanuel Kant
e “yn Rand
,
acreditam que cada ser humano deve ser considerado como um im em si mesmo,
nunca meramente como um meio. Tentar ser equitativo e justo para com todos
os membros de uma sociedade parece ser uma abordagem mais moral do que
simplesmente tentar alcançar o maior bem para o maior número. Certamente,
há momentos em que um grupo de pessoas tem que pensar na sobrevivência do
grupo em vez de um ou dois indivíduos, e então as decisões morais têm que ser
feitas sobre quem recebe os "bens" que estão em falta. No entanto, uma pessoa que
sempre opera sob o ideal "o maior bem para o maior número" muitas vezes ignora
o que ́ bom para todos.
Na medicina, por exemplo, pode ocorrer um momento em que a
sobrevivência do grupo ́ colocada acima da sobrevivência de alguns indivíduos
CLOTET,
. Durante um desastre grave, quando as instalações ḿdicas
simplesmente não podem lidar com todos os que estão feridos, os ḿdicos
concentram-se nos pacientes que sabem que podem salvar e não nos casos "sem
esperança". “ĺm disso, um ḿdico ou enfermeira ferida que poderia ser posto a
trabalhar provavelmente seria o primeiro a obter atendimento ḿdico porque ele
ou ela seria capaz de ajudar a salvar mais pessoas feridas do que uma pessoa leiga
em medicina.
Estas, felizmente, são circunstâncias incomuns, e elas exigem prioridades
diferentes de situações mais normais. “plicar a análise de custo-benefício ou
a abordagem im que justiica os meios às situações mais normais, no entanto,
equivale tratar os seres humanos como se fosse algum tipo de "produto" inanimado
em uma transação de neǵcios. Deste modo, a maioria dos moralistas acha esta
visão da humanidade abominável e imoral.
Em conclusão, então, o utilitarismo ́ uma melhoria em relação ao egoísmo
́tico, na medida em que ele tenta levar em consideração em qualquer ação moral
todas as pessoas envolvidas. “o mesmo tempo, no entanto, ele se depara com a
diiculdade de determinar o que seria bom para os outros, uma diiculdade não
envolvida no egoísmo ́tico. No utilitarismo de ato, o problema ́ que não há regras
morais ou guias para conduzir-nos. Uma pessoa deve decidir o que ́ certo para
todas as pessoas em cada situação que ela enfrenta. No utilitarismo de regras, o
problema ́ descobrir quais regras abrangem realmente todos os seres humanos
e situações, embora esta forma de utilitarismo evite a ambiguidade de ter que
recomeçar em cada nova situação. O último problema com ambas as formas de
utilitarismo ́ que ele se presta ao tipo de pensamento de análise custo-benefício,
que muitas vezes resulta no tipo de moralidade em que se busca o "maior bem
para o maior número", ou seja, a noção de que qualquer im, e especialmente
qualquer im que seja bom, justiica qualquer meio usado para alcançá-lo. Existe
uma questão entre muitos moralistas sobre se devemos nos concentrar apenas nas
53
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
consequências ou nos ins e ignorar outras coisas, como meios ou motivos ao tomar
decisões morais. Essa questão será discutida mais adiante, quando o Imperativo
Prático de Immanuel Kant for apresentado no pŕximo t́pico.
Outra vantagem que o utilitarismo tem sobre o egoísmo ́tico ́ que ele ́
muito mais adequado para as pessoas nas proissões de ajuda, como a psicologia,
na medida em que se preocupa com as melhores consequências boas para todos.
5 DIFICULDADE COM AS TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS
EM GERAL
Uma diiculdade inerente a todas as teorias consequencialistas ́ a
necessidade de tentar descobrir e determinar o máximo de consequências
possíveis de nossas ações – uma tarefa difícil, na melhor das hiṕteses HINM“N,
R“CHELS R“CHELS,
. Esse problema existe tanto para aqueles
que estão preocupados com o interesse pŕprio como para aqueles que estão
preocupados com o interesse de todos. Poŕm, obviamente, ́ um problema maior
para os utilitaristas, porque eles têm que se preocupar em como as consequências
afetam outras pessoas aĺm de a si mesmas. O crítico às teorias consequencialistas
provavelmente diria que ́ muito difícil avaliar todas as consequências de qualquer
uma de nossas ações, porque os indivíduos não podem ver o suiciente no futuro,
nem os humanos têm conhecimento suiciente sobre o que ́ melhor para ńs ou
para todos os interessados para fazer tal julgamento. Por exemplo, se algúm está
vivendo sob o governo de um líder incompetente, a maneira mais rápida de remover
esse líder seria assassiná-lo, mas qual seria a consequência de tal ato e como os
indivíduos podem calcular o número de benefícios em oposição ao número de
consequências ruins e fazer isso para ńs ou para todos os envolvidos pela ação? É
́bvio que algúm acabaria com o governo do líder matando-o, mas quem chegaria
ao poder depois? Essa pŕxima pessoa seria melhor, ou seria pior? Suponhamos
que algúm soubesse quem seria o pŕximo líder e pensou que seria um bom líder,
mas acabou por ser pior do que o líder anterior. O que seria pior, sofrer por três ou
quatro anos sob um líder incompetente ou dar precedente ao ato de assassinato,
de modo que quando as pessoas estivessem insatisfeitas, com razão ou sem razão,
com seu líder, sentissem que podem usar do assassinato para removê-lo? No caso
do utilitarismo, pela razão de que os indivíduos estão preocupados com todos os
envolvidos na situação, pode-se avaliar com alguma precisão o efeito que matar
ou não matar o líder terá sobre as crianças da sociedade e at́ mesmo sobre seus
futuros membros que irão nascer? Será que será possível saber quais serão as
consequências, presentes e futuras, de um ato? Se não, então como se pode julgar
cada situação bem o suiciente para tomar a ação correta?
Em um exemplo tirado da hist́ria dos EU“, poderia o presidente Harry
Truman ter previsto todas as consequências de sua decisão de derrubar as
bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial?
Obviamente, ele poderia determinar as consequências mais imediatas, como o
54
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
encurtamento da guerra e poupar mais vidas de cidadãos norte-americanos. Poderia
ele ter previsto as consequências em longo prazo a guerra fria, o desenvolvimento
das bombas de hidrogênio e de nêutrons, o armazenamento de armas nucleares
at́ uma quantidade na qual a capacidade de destruição ultrapassaria o necessário,
as consequências da radiação e consequente poluição da atmosfera? Como ilustra
este exemplo, a descoberta e determinação das consequências dos atos e das regras,
seja para ńs mesmos ou para os outros, não ́ uma tarefa fácil, não ́ uma tarefa
que pode ser realizada com acurácia ou precisão.
“s preocupações sobre como o consequencialismo pode ser muito exigente
levaram muitos a rejeitá-lo V“Z,
. Peter Railton
tenta diagnosticar
e refutar essas preocupações, oferecendo uma imagem impressionantemente
matizada de consequencialismo de ato que ele acredita que pode resistir às
várias preocupações que foram agrupadas sob as objeções da "exigência". Se ele
tem razão, então, na melhor compreensão das exigências do consequencialismo,
podemos manter nossas amizades, integridade pessoal e compromissos especiais
com outras coisas, aĺm de tornar o mundo um lugar melhor e ainda agir como
o consequencialismo exige que façamos. Peter Singer tamb́m está alerta para as
preocupações sobre como o consequencialismo pode ser exigente. Ele argumenta
francamente que a moralidade pode ser muito exigente, e que nossa relutância
em aceitar isso ́ autoindulgência, e não uma razão para duvidar dos ḿritos do
utilitarismo de ato. Singer
aplica a doutrina utilitarista do ato ao tema do
alívio da fome, argumentando que ńs que vivemos nos países mais pŕsperos
podemos salvar muitos outros da morte prematura se abrirmos mão de uma boa
parte do que temos. Pensamos que temos discrição moral sobre nossas posses e
nossas folhas de pagamento, mas se Singer está correto, esse pensamento está
errado. Grande parte do que possuímos não ́, ele pensa, moralmente pertencente
a ńs, mesmo que a lei nos proteja em nossas reivindicações. Na visão de Singer,
se pudermos evitar o sofrimento sem, no entanto, causar a ńs mesmos um mal
similar ao dos nossos pretendidos beneiciários, então estaríamos moralmente
obrigados a fazê-lo.
DICAS
Àqueles que se opõem a tal sugestão aconselhamos a ler o artigo provocativo
Famine, aluence and morality (Fome, riqueza e moralidade), de Singer (2013), ou sua obra “O
maior bem que podemos fazer” (2016), e usá-los como uma espécie de caso avaliativo para
determinar a plausibilidade do utilitarismo do ato que sua proposta encarna.
E se algúm criasse um sistema moral sem ter que considerar as
consequências? Se os indivíduos pudessem decidir o que ́ certo ou errado em
alguma base diferente das consequências, talvez pud́ssemos evitar algumas das
diiculdades envolvidas tanto no egoísmo ́tico quanto no utilitarismo. O pŕximo
t́pico abordará essas teorias.
55
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
6 A ÉTICA DO CUIDADO
Há uma teoria mais nova chamada "́tica do cuidado", e às vezes "́tica
feminista", que foi estabelecida pela psićloga Carol Gilligan
- em seu
livro Uma voz diferente
. Esta teoria não ́ geralmente considerada
uma teoria ́tica consequencialista no sentido formal, como o egoísmo ́tico e o
utilitarismo, mas parece que se enquadra no consequencialismo mais do que no
não consequencialismo.
De acordo com Gilligan
, homens e mulheres pensam de forma bastante
diferente quando se trata de tomada de decisão ́tica. Outro psićlogo famoso,
Lawrence Kohlberg
, concorda, mas conclui que essa diferença signiica que
o raciocínio ́tico das mulheres ́ inferior ao dos homens. Gilligan
, por outro
lado, acha que as opiniões das mulheres sobre a ́tica são diferentes, mas devem
ser consideradas iguais às dos homens. “ diferença, segundo ambos os psićlogos,
́ que os pontos de vista dos homens sobre a ́tica têm mais a ver com a justiça,
os direitos, a competição, a independência e o viver segundo regras, enquanto
as mulheres têm mais a ver com a generosidade, a harmonia, a reconciliação e o
trabalho para manter relacionamentos pŕximos.
Kohlberg
criou um dilema onde a mulher de um homem está
desesperadamente doente e o homem não pode pagar a medicação que ela precisa.
Kohlberg então perguntou a duas crianças de
anos, um menino e uma menina,
se o homem deveria roubar a medicação. O menino disse sim porque a vida da
esposa ́ mais importante do que a regra de não roubar. “ garota, no entanto, disse
que não, porque se o homem for pego e conduzido à cadeia, quem cuidaria de sua
esposa doente? “ssim como ele talvez pudesse pedir ao farmacêutico para dar-lhe
o medicamento e ele poderia pagar ao farmacêutico mais tarde.
De acordo com Kohlberg
, o rapaz tinha uma compreensão clara da
situação porque os direitos da esposa iriam se sobrepor à regra de não roubar, ou
seja, a questão era toda sobre direitos e justiça. “ĺm disso, Kohlberg achou que a
compreensão da menina sobre a situação era fraca. Por outro lado, Gilligan
pensa que o menino e a menina estavam respondendo a diferentes perguntas
O rapaz estava respondendo à pergunta O homem deveria roubar ou não a
medicação?" Enquanto a menina estava respondendo à pergunta O homem
deve roubar a medicação ou fazer alguma outra coisa? . “ menina não estava tão
preocupada com direitos e justiça, mas com o que aconteceria com o homem e sua
esposa, e ela tamb́m estava considerando a humanidade possível do farmacêutico.
Em outras palavras, ela pensou em termos de cuidar. Portanto, Gilligan vê uma
tendência dos homens para se concentrar em uma ́tica da justiça, enquanto as
mulheres se concentram em uma ́tica do cuidar. Todavia, ela acha que ambos os
pontos de vista da ́tica são vantajosos e devem ser considerados diferentes, mas
igualmente válidos. Ela acha que a situação ideal ́ que homens e mulheres devem
considerar ambas as visões de ́tica, porque os homens poderiam aprender sobre
compaixão e cuidado na ́tica e as mulheres poderiam aprender a se concentrarem
56
TÓPICO 2 | TEORIAS CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
em direitos e justiça. “ĺm disso, ela ressalta que as mulheres deveriam reconhecer
seus pŕprios direitos como seres humanos e não serem consideradas inferiores
aos homens simplesmente porque eles pensam de forma diferente sobre a ́tica.
“lguns críticos, como Dindia
e Hyde
, pensam que, aceitando
a teoria de Gilligan, pode-se estar elevando os chamados valores femininos muito
acima dos valores masculinos e substituindo um sistema ́tico injusto por outro
sistema ́tico injusto, estabelecendo as mulheres como normais e os homens como
inferiores. “ĺm disso, se algúm diz que ́ a natureza das mulheres ser cuidadosas
e compassivas, não estamos empurrando-as de volta para onde estavam antes de
Gilligan? Portanto, ao inv́s da teoria de Gilligan, oferecer aos homens e às mulheres
mais oportunidades, ela pode estar criando novas categorias que poderiam resultar
na exclusão de mulheres de trabalhos tradicionalmente masculinos por exemplo,
engenharia e homens de trabalhos femininos por exemplo, enfermagem . “ĺm
disso, os críticos dizem que Gilligan perturbou a ilosoia da igualdade de gênero de
modo que uma empresa que queira contratar algúm com uma boa compreensão
de regras legais, por exemplo, não vai contratar uma mulher para o trabalho,
porque ela não tem verdadeiro senso de justiça. Desta forma, sua teoria psicoĺgica
do gênero pode passar de descrever a igualdade de gênero para prescrever um
conjunto de regras sobre quem deve fazer quais trabalhos.
UNI
Problema ético
VOCÊ ACIONARIA O INTERRUPTOR?
A filósofa Philippa Foot (1920-2010), em 1967, desenvolveu um experimento de pensamento
ético conhecido como o Dilema do Bonde. Outros filósofos criaram variações deste problema
e uma busca rápida na internet possibilitará a atualização sobre os detalhes.
O experimento segue assim. Um bonde está fora de controle, está acelerando em direção
a um grupo de quatro ou cinco homens que trabalham na trilha. Eles não veem o bonde
vindo e todos serão mortos se nenhuma ação for tomada. No entanto, você pode acionar um
interruptor que desviará o bonde para uma trilha lateral. Isso vai salvar os trabalhadores, mas há
um trabalhador solitário na trilha lateral que será morto se você acionar o interruptor. Você vai
acionar o interruptor? Por que ou por que não?
Depois de ter discutido o problema, pesquise o "Homem Gordo", uma variação do Dilema do
Bonde. Você empurraria o homem gordo da ponte? Por que ou por que não? Quais são os
limites do pensamento utilitarista estrito?
57
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que
• “ moralidade consequencialista teleoĺgica se baseia ou se preocupa com as
consequências. “ moralidade não consequencialista deontoĺgica não se baseia
ou se preocupa com as consequências.
• O egoísmo psicoĺgico não ́ uma teoria ́tica, mas ́ uma teoria descritiva ou
cientíica que tem a ver com o egoísmo.
• O egoísmo psicoĺgico aparece em duas formas, nenhuma das quais pode
funcionar como base para o egoísmo ́tico. “ forma forte sustenta que as pessoas
sempre agem em seu interesse pŕprio. “ forma fraca sustenta que as pessoas,
muitas vezes, mas não sempre, agem em seu interesse pŕprio.
• O egoísmo psicoĺgico em sua forma forte não refuta a moralidade, e em sua
forma fraca não fornece uma base racional para o egoísmo ́tico.
• O egoísmo ́tico ́ uma teoria ilośica-normativa e prescritiva. “parece em três
formas . “ forma individual sustenta que cada um deve agir em seu interesse
pŕprio individual . “ forma pessoal sustenta que eu deveria agir em meu
interesse pŕprio, mas não fazer airmações sobre o que qualquer outra pessoa
deveria fazer . “ forma universal sustenta que todos devem sempre agir em
seu interesse pŕprio.
• O problema com a primeira e a segunda forma do egoísmo ́tico ́ que elas se
aplicam apenas a um indivíduo e não podem ser estabelecidas para a humanidade
em geral, porque isso provavelmente não estaria no interesse pŕprio do egoísta
́tico.
• O egoísmo ́tico universal ́ a versão mais comum do egoísmo ́tico, mas
tamb́m tem seus problemas . É inconsistente, na medida em que não está
claro qual interesse pŕprio deve ser satisfeito . O que se entende por todos
não ́ claro . Há uma diiculdade em determinar como dar conselhos morais
. “o responder a essas críticas, os defensores do egoísmo tendem a nublar os
usos morais e não morais dos termos deveria e deve . Não se encaixa bem
com as proissões de ajuda.
• O egoísmo ́tico tem certas vantagens . É mais fácil para os egoístas saber o que
está em seu interesse pŕprio do que para outros moralistas, que se preocupam
em saber o que ́ do melhor interesse dos outros . Incentiva a liberdade
individual e a responsabilidade e se encaixa melhor, de acordo com os egoístas,
com nossa economia capitalista . Pode funcionar com sucesso, desde que
as pessoas estejam operando em esferas limitadas, isoladas umas das outras,
minimizando conlitos.
58
• “s limitações destas vantagens são . Não oferece um ḿtodo consistente de
resolução de conlitos de interesse pŕprio . Não vivemos em comunidades
isoladas e autossuicientes, mas em comunidades cada vez mais abarrotadas
onde a interdependência social, econômica e moral são fatos da vida e onde
os interesses pŕprios conlitam constantemente e de alguma forma devem ser
comprometidos.
• O utilitarismo sustenta que todos deveriam executar esse ato ou seguir essa
regra moral que trará o maior bem ou felicidade para todos os envolvidos.
• O utilitarismo de ato airma que todos devem executar esse ato que trará o maior
bem em detrimento do mal para todos os afetados pelo ato.
• O utilitarismo de ato acredita que não se pode estabelecer regras antecipadamente
para cobrir todas as situações e pessoas, porque são todas diferentes.
• Há diiculdades com este argumento É muito difícil determinar quais seriam as
boas consequências para os outros ́ impraticável ter que começar de novo com
cada situação, para decidir o que seria moral nessa situação ́ quase impossível
educar os jovens ou os não iniciados a agir moralmente se eles não podem
receber regras ou guias para seguir.
• O utilitarismo de regras airma que todos devem seguir a regra ou regras que
trarão o maior número de boas consequências para todos os envolvidos.
• O utilitarista de regras acredita que existem suicientes motivos, ações e situações
humanas similares para justiicar a criação de regras que se aplicarão a todos os
seres humanos e situações.
• Existe o perigo de tentar determinar o valor social dos indivíduos "o maior bem
para todos os interessados" pode muitas vezes ser interpretado como "o maior
bem para a maioria", com possíveis consequências imorais para qualquer pessoa
na minoria at́ mesmo um bom im justiica qualquer meio usado para alcançálo, ou devemos tamb́m considerar nossos meios e motivos?
• “s teorias consequencialistas exigem que descubram e determinem todas as
consequências de nossas ações ou regras. Isso ́ praticamente impossível de
realizar. “s consequências ou ins constituem toda a moralidade?
• Gilligan
acredita que as atitudes morais dos homens têm a ver com
justiça, direitos, competição, ser independente e viver de acordo com as regras.
“s atitudes morais das mulheres têm a ver com generosidade, harmonia,
reconciliação e trabalhar para manter relações íntimas. Estas duas visões são
diferentes, mas igualmente válidas.
• “s críticas à teoria de Gilligan argumentam que pode estar substituindo uma teoria
problemática por outra. Em vez de sua teoria descrever a igualdade de gênero, pode
prescrever quem deve realizar certas atividades proissionais, por exemplo.
59
AUTOATIVIDADE
Qual ́ a diferença entre as concepções consequencialistas teleoĺgicas e
não consequencialistas deontoĺgicas da moralidade?
Explique a diferença entre egoísmo psicoĺgico e egoísmo ́tico.
Em que os utilitaristas de ato acreditam? Como suas crenças diferem das de
utilitaristas da regra?
60
TÓPICO 3
UNIDADE 1
TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA
MORALIDADE
1 INTRODUÇÃO
Depois de ler este t́pico, você deverá ser capaz de descrever as teorias
não consequencialistas da moralidade, mostrando como elas diferem das teorias
consequencialistas. “ssim como diferenciar entre o não consequencialismo de
ato e de regras e mostrar como eles diferem do utilitarismo de ato e de regras,
respectivamente. Você deverá ser capaz de descrever e analisar criticamente o não
consequencialismo de ato, a teoria do comando divino, a ́tica do dever de Kant e
os deveres Prima Facie de Ross os principais exemplos do não consequencialismo
de regras . Em suma, deinir e analisar termos e conceitos importantes, como
universalizabilidade, imperativo cateǵrico, reversibilidade, seres humanos como
ins e não meios e deveres prima facie.
Vimos, no t́pico anterior, que muitas vezes ́ difícil, quando não
impossível, controlar as consequências de nossas ações. No entanto, podemos
controlar diretamente o que escolhemos fazer ou não fazer. Em uma análise não
consequencialista, as consequências ou possíveis resultados de nossas ações são
irrelevantes quando se trata de fazer juízos morais HEGEN”ERG,
b . Em vez
disso, as ações devem ser julgadas por padrões básicos de certo e errado. O dever,
então, ́ fazer a coisa certa, como prescrito pelos padrões morais, ou seja, a ́tica
não consequencialista ́ baseada no dever NERI,
.
“s teorias não consequencialistas da moralidade baseiam-se em algo que
não sejam as consequências das ações de uma pessoa. Vimos que, tanto no egoísmo
́tico quanto no utilitarismo, os moralistas estão interessados nas consequências ou
resultados das ações humanas. Os egoístas ́ticos estão preocupados com o fato
de que as pessoas devem agir em seu interesse pŕprio, e os utilitaristas estão
preocupados com o fato de que as pessoas devem agir no interesse de todos os
envolvidos. Nessas duas teorias, a bondade de uma ação ́ mensurada pelo quão
bem ela atende aos interesses de algúm, enquanto a bondade de um ser humano
́ mensurada na medida em que ele executa tais ações e realmente causa boas
consequências.
“ coisa mais importante de lembrar quando se discute as teorias não
consequencialistas ́ que seus proponentes airmam que as consequências não
participam, e na verdade não deveriam participar, do juízo de ações ou pessoas
se as mesmas são morais ou imorais. Os atos devem ser julgados unicamente no
quesito de se eles são corretos e as pessoas unicamente no quesito de se elas são
61
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
boas, com base em algum outro padrão ou padrões muitos não consequencialistas
diriam padrão superior" de moralidade CORTIN“ M“RTÍNEZ,
. Ou seja,
os atos ou as pessoas devem ser julgados morais ou imorais, independentemente
das consequências das ações. O exemplo mais ́bvio de tal teoria ́ a Teoria
do Comando Divino . Esta teoria sustenta que se algúm acredita que existe
um Deus, deusa ou deuses, e que Ele, ela/eles criaram uma śrie de comandos
mandamentos, ordenamentos morais, então uma ação ́ correta e as pessoas são
boas se, e somente se, obedecerem a esses comandos, independentemente das
consequências que podem advir R“CHELS R“CHELS,
.
Por exemplo, Joana d'“rc estava agindo sob as instruções do que ela sentia
ser vozes de Deus. Os egoístas ́ticos provavelmente considerariam seu martírio
como não tendo sido em seu interesse pŕprio. Eles estariam preocupados com as
consequências de suas ações sua tortura e morte ao recusar-se negar as vozes. No
entanto, o térico do Comando Divino declararia que se deve obedecer a um Ser
sobrenatural e aos seus mandamentos transmitidos aos seres humanos atrav́s
de vozes ou de qualquer outro meio , independentemente das consequências,
simplesmente porque esse Ser ́ bom e nos diz o que ́ que devemos fazer HOOFT,
. O que ́ bom, e o que ́ correto, ́ o que este Ser declarou que ́ bom e correto.
O fato de que as consequências podem envolver a perda de vidas, por exemplo, não
tem nada a ver com a moralidade ou imoralidade de um ato ou uma pessoa. Devese apenas aceitar quaisquer consequências que surjam. Esta teoria ́ provavelmente
o exemplo mais claro de uma teoria não consequencialista da moralidade, mas não
́ a única teoria. Na verdade, nem precisamos que tal teoria fundamente-se na
existência de um Ser sobrenatural.
2 TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DE ATO
“ssim como o utilitarismo se divide em duas categorias ato e regras , o
mesmo acontece com as teorias não consequencialistas. Lembre-se, no entanto, que
a principal diferença entre o utilitarismo de ato e de regras e o não consequencialismo
de ato e de regras ́ que os primeiros são baseados nas consequências, enquanto os
últimos não são M“NCUSO P“COMIO,
. No entanto, alguns dos problemas
e desvantagens das teorias são semelhantes, como veremos a seguir.
Os não consequencialistas de ato aderem à suposição de que não há
nenhuma regra ou teorias morais gerais em absoluto, mas somente ações,
situações, e pessoas particulares sobre as quais ńs não podemos generalizar.
Consequentemente, ́ preciso abordar cada situação individualmente como algo
único e, de alguma forma, decidir qual ́ a ação correta nessa situação ISR“EL
H“Y,
. É o "como ńs decidimos" nesta teoria que ́ mais interessante. “s
decisões para os não consequencialistas de ato são "intuicionistas", ou seja, o
que uma pessoa decide em uma situação particular, pela razão de que ela não
pode usar quaisquer regras ou padrões, ́ baseado no que acredita ou sente ou
intui como sendo a ação correta a adotar. Este tipo de teoria, então, ́ altamente
individualista – os indivíduos devem decidir o que sentem que seja a coisa certa a
62
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
fazer, e depois colocar isso em prática. Não se preocupam com as consequências
– e certamente não se preocupam com as consequências de outras situações –, ou
com pessoas que não estão imediatamente envolvidas nesta situação particular.
Todavia, devem fazer o que consideram correto, dada esta situação particular e as
pessoas envolvidas nela.
Esta teoria ́ caracterizada por dois slogans populares da d́cada de
Se isso te faz sentir bem, faça-o e Faça do seu jeito . Tamb́m tem uma base mais
tradicional nas teorias intuicionistas, emotivas e não cognitivas da moralidade
POJM“N,
. O que essas teorias parecem enfatizar ́ que a moralidade no
pensamento, na linguagem e na ação não se baseia na razão. “lgumas dessas teorias
sugerem at́ mesmo que a moralidade não pode ser racionalizada, porque não se
baseia na razão da mesma maneira que a experimentação cientíica e airmações
factuais sobre a realidade. “ "teoria emotiva", conhecida como emotivismo
H“RE,
, por exemplo, airma que as palavras e sentenças ́ticas fazem
realmente apenas duas coisas
expressam os sentimentos e atitudes das pessoas
e
evocam ou geram certos sentimentos e atitudes nos outros.
2.1 INTUICIONISMO
Neste ponto ́ importante discutirmos o signiicado de intuição e sua
relação com a moralidade. Em seu livro Direito e Razão , “ustin Fagothey
enumera algumas razões gerais para aceitar ou rejeitar a intuição como base para
a moral. “s razões gerais que apoiam o intuicionismo moral são
qualquer pessoa bem-intencionada parece ter um sentimento
imediato de certo e errado
os seres humanos tinham ideias e
convicções morais muito antes que os iĺsofos criassem a ́tica como um
estudo formal
nosso raciocínio sobre questões morais geralmente
́ usado para conirmar nossas percepções mais diretas ou "intuições"
e
nosso raciocínio pode dar errado em relação a questões morais,
assim como outras questões, e então devemos retornar aos nossos
insights morais e intuições F“GOTHEY,
, p.
.
Esses argumentos apresentam a intuição como uma forma mais elevada
de raciocínio, indicando que os seres humanos têm insights morais profundos que
têm valores em si mesmos.
Há pelo menos quatro argumentos fortes contra o intuicionismo moral
H“RE,
R“CHELS R“CHELS,
. Primeiro, algumas pessoas descrevem
a intuição como "palpites", "inspirações irracionais" e "clarividência", entre outros
signiicados que carecem de respeitabilidade cientíica e ilośica. Em suma, ́
difícil deinir a intuição, e ́ ainda mais difícil provar sua existência. Em segundo
lugar, não há nenhuma prova de que tenhamos um conjunto de regras morais
inatas com as quais podemos comparar nossos atos para ver se eles são ou não
morais. Em terceiro lugar, a intuição ́ imune à crítica objetiva porque se aplica
apenas ao seu possuidor e porque as intuições diferem de uma pessoa para a outra.
63
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
Em quarto lugar, os seres humanos que não possuem intuições morais não teriam
nenhuma ́tica ou teriam que estabelecer sua ́tica em outras bases.
2.2 CRÍTICAS AO NÃO CONSEQUENCIALISMO DE ATO
O maior problema para o não consequencialismo de ato pareceria ser
o terceiro argumento listado no parágrafo precedente, porque se as intuições
diferem de pessoa para pessoa, como podem os conlitos entre intuições opostas
ser resolvidos? Tudo o que poderíamos dizer ́ que discordamos das intuições da
outra pessoa. Não teríamos nenhuma base ĺgica para dizer "Sua intuição está
errada, enquanto a minha está correta". “s intuições simplesmente não podem ser
arbitradas como o podem ser as razões e juízos de evidência. Portanto, qualquer
teoria da moral baseada apenas em intuições, como o não consequencialismo de ato,
́ altamente questionável H“RE,
. Outras críticas ao não consequencialismo
de ato são estas R“CHELS R“CHELS,
. Como sabemos que o que intuímos – sem mais nada para nos guiar – será
moralmente correto?
. Como podemos saber quando temos fatos suicientes para tomar uma
decisão moral?
. Sendo a moral tão altamente individualizada, como podemos ter certeza
de que estamos fazendo a melhor coisa para qualquer outra pessoa envolvida na
situação?
. Podemos realmente coniar em nada mais do que nossas intuições
momentâneas para nos ajudar a tomar nossas decisões morais?
. Como seremos capazes de justiicar nossas ações, exceto dizendo ”em,
eu tive uma intuição que era a coisa certa para fazer?
Parece ser muito difícil estabelecer uma moralidade de qualquer
aplicabilidade social aqui, porque as intuições de qualquer pessoa poderão
justiicar qualquer ação que ela poderia tomar. Uma pessoa zangada pode matar
aquele que o irritou e depois justiicar o assassinato dizendo "Tive a intuição de
que eu deveria matá-lo". Como arbitrar o conlito entre a intuição do assassino e
o intenso sentimento da família da vítima e de seus amigos de que o ato estava
errado? Este ́ o relativismo moral do mais alto grau, e absolutamente nenhum
acordo ́ possível quando as únicas coisas que temos de seguir são as intuições de
um determinado indivíduo em um determinado momento.
Outra crítica ao não consequencialismo de ato, similar à crítica ao
utilitarismo de ato, centra-se na suposição questionável de que todas as situações e
pessoas são completamente diferentes, não tendo nada em comum H“RE,
.
Há, naturalmente, algumas situações altamente únicas para as quais não podem
ser estabelecidas regras com antecedência, mas existem muitas outras situações
que contêm semelhanças suicientes para que as regras, talvez com algumas
exceções ou qualiicações anexadas, possam ser declaradas de forma bastante
eicaz. Por exemplo, todas as situações em que algúm ́ assassinado têm pelo
64
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
menos a semelhança de haver um assassino e uma vítima. Pela razão de que a vida
humana ́ considerada essencialmente valiosa em si mesma, as regras que regem
quando o assassinato ́ ou não justiicado não são difíceis de estabelecer. Nosso
sistema jurídico, com suas diferentes categorias de homicídio como o homicídio
simples, privilegiado, qualiicado, culposo e doloso ́ um bom exemplo de regras
carregadas de importância moral ”R“SIL,
. Estes geralmente funcionam
bastante satisfatoriamente condenando atos imorais, ao mesmo tempo em que
reconhecem circunstâncias atenuantes, alcançando assim um grau signiicativo de
justiça e equidade para todos os envolvidos.
Essas duas críticas – de que cada ato ́ completamente diferente de
qualquer outro ́ simplesmente uma falsa airmação empírica e a diiculdade de
coniar unicamente nas intuições individuais – tornam o não consequencialismo
de ato um sistema ́tico questionável. “t́ mesmo um "situacionista como Joseph
Fletcher
, autor da obra Ética Situacional”, airma que em todas as ações
́ticas deve haver pelo menos um fator uniicador, a saber, o amor cristão. Por
causa de sua crença religiosa, ele provavelmente deve ser classiicado como um
utilitarista de ato e não um não consequencialista de ato.
3 TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DE REGRAS
Os não consequencialistas de regras acreditam que há ou pode haver regras
que sejam a única base para a moralidade e que as consequências não importam.
É o fato de seguir as regras que são os comandos morais corretos que ́ moral e
o conceito de moralidade não pode ser aplicado às consequências que sucedem
quando se segue as regras. “ principal maneira pela qual as diferentes teorias não
consequencialistas diferem ́ nos seus ḿtodos de estabelecer as regras ISR“EL
H“Y,
.
3.1 TEORIA DO COMANDO DIVINO
Conforme descrito anteriormente, a Teoria do Comando Divino airma que
a moralidade não se baseia nas consequências de ações ou regras, nem no interesse
pŕprio ou em outro interesse, mas sim em algo "superior" a esses meros eventos
mundanos que ocorrem nos mundos humano ou natural HOOFT,
. ”aseiase na existência de um ser de todo-bondoso ou em seres que são sobrenaturais e
que comunicaram aos seres humanos o que deveriam e o que não deveriam fazer
no sentido moral. Para sermos morais, então, os seres humanos devem seguir
literalmente os comandos e as proibições de tal ou tais seres sem se preocupar com
as consequências, o interesse pŕprio, ou qualquer outra coisa.
“s diiculdades da Teoria do Comando Divino são inerentes à falta de
fundamento racional para a existência de algum tipo de ser ou seres sobrenaturais
e à falta de provas de que a sustentação de tal ser ou seres ́ suiciente para tornar
racional e útil o sistema ́tico em questão veja o T́pico desta unidade .
65
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
Mesmo que se pudesse provar conclusivamente a existência do sobrenatural,
como se poderia provar que qualquer ser sobrenatural ́ moralmente coniável? “s
pŕprias regras podem ser moralmente válidas, mas a justiicativa para segui-las
independentemente das consequências ́ de fato fraca. “ĺm disso, qual validade
teriam as regras se uma pessoa não acreditasse em qualquer tipo de existência
sobrenatural? E mesmo se aceitássemos a existência deste ser sobrenatural e seus
mandamentos, como poderíamos ter certeza de que estávamos interpretando
corretamente? “s interpretações dos Dez Mandamentos variam e muitas vezes
entram em conlito HESTER,
. Não deve haver alguma base mais clara e
geralmente mais aceitável para as regras do que a existência do sobrenatural?
3.2 A ÉTICA DO DEVER DE KANT
Outra teoria não consequencialista de regras, muitas vezes chamada de
"Ética do Dever" M“RCONDES,
, foi formulada por Immanuel Kant
e cont́m vários princípios ́ticos. Vejamos alguns destes princípios a seguir.
Kant
acreditava que nada era bom em si, exceto a boa vontade, e
deiniu a vontade como a habilidade humana única de agir de acordo com regras,
leis ou princípios morais, independentemente de interesses ou consequências.
Depois de estabelecer a boa vontade como o atributo humano mais importante,
Kant
,
então argumentou que a razão era o segundo atributo humano
mais importante e que, portanto, era possível estabelecer regras morais absolutas
válidas com base apenas na razão, não por referência a qualquer ser sobrenatural ou
por evidências empíricas, mas pelo mesmo tipo de raciocínio ĺgico que estabelece
verdades tão indiscutíveis em matemática e ĺgica.
“ primeira exigência de Kant
para uma verdade moral absoluta ́
que ela deve ser logicamente coerente. Isto ́, não pode ser autocontradit́ria como
seria a airmação "Um círculo ́ um quadrado". Em segundo lugar, a verdade deve
ser universalizável. Isto ́, ela deve ser capaz de ser declarada de modo a se aplicar
a tudo sem exceção, não apenas para algumas ou talvez at́ mesmo a maioria das
coisas. Isso ́ exempliicado pela airmação "Todos os triângulos são triláteros",
para os quais não há exceções. Triângulos podem ser de diferentes tamanhos e
formas, mas eles são por deinição indiscutivelmente e universalmente triláteros.
Se as regras morais pudessem de fato ser estabelecidas da mesma maneira,
como pensava Kant, então elas tamb́m seriam indiscutíveis e, portanto, ĺgicas
e moralmente obrigat́rias para todos os seres humanos. É claro que algumas
pessoas podem desobedecer a essas regras, mas podemos claramente classiicar
essas pessoas como imorais.
De certa forma, as ideias de Kant foram brilhantes. Por exemplo, ele
poderia estabelecer o fato de que viver parasiticamente seria imoral porque
tamb́m seria iĺgico. Ele poderia dizer que o mandamento "sempre seja um
parasita, vivendo à custa de outra pessoa" ́ iĺgico porque se todas as pessoas
vivessem como parasitas, então às custas de quem poderiam viver? É fácil ver
66
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
que o fato de estar em conlito com o princípio da universalizabilidade causa a
inconsistência aqui. Obviamente, algumas pessoas podem ser parasitas, mas não
todas. “gora, se pud́ssemos encontrar tais absolutos morais, então um sistema
́tico completamente irrefutável poderia ser estabelecido, e a obediência das regras
deste sistema seria o que ́ moral, independentemente das consequências para si
ou para os outros. “ principal maneira que Kant
nos deu para descobrir
esses absolutos morais foi por meio de seu Imperativo Cateǵrico.
O Imperativo Cateǵrico pode ser declarado de várias maneiras, mas
basicamente airma que um ato seria imoral se a regra que o autorizar não puder
ser transformada em uma regra a ser seguida por todos os seres humanos K“NT,
. Isso signiica que sempre que algúm está prestes a fazer uma decisão moral,
ele deve, segundo Kant, perguntar primeiro "Qual ́ a regra que autoriza esse ato
que estou prestes a realizar?" E, segundo, "Pode se tornar uma regra universal para
todos os seres humanos?" Por exemplo, se uma pessoa preguiçosa está pensando
"Por que eu deveria trabalhar tanto para viver, por que não apenas roubo de
todos os outros? . Se esta pessoa está ciente da exigência de Kant, ela terá que se
perguntar qual seria a regra para esta ação contemplada. “ regra teria de ser "Eu
nunca trabalharei, mas roubarei o que eu preciso de outros seres humanos". Se a
pessoa tentar universalizar esta airmação, então esta será "Nenhum ser humano
deve nunca trabalhar, mas todos os seres humanos devem roubar o que precisam
uns dos outros . Se ningúm trabalhasse, não haveria nada para roubar. Como,
então, os seres humanos viveriam? Quem haveria para roubar? É ́bvio que alguns
seres humanos podem viver somente roubando dos outros, mas ́ contradit́rio
que todos os seres humanos o façam. Segundo Kant
, o roubo deve ser imoral
porque não pode ser aplicado a todos os seres humanos.
Outro exemplo, mais crucial, do Imperativo Cateǵrico de Kant diz
respeito à morte de outro ser humano. Kant
argumentava que não se podia
matar outro ser humano sem violar um absoluto moral porque, para isso, teria
que estabelecer uma regra que seria autocontradit́ria "Todo ser humano deve
matar todos os seres humanos." Pela razão que o sentido da vida ́ viver , todos
matando todos os outros iria contradizer esse signiicado e, portanto, violaria o
imperativo cateǵrico e não conseguiria universalizar-se. Matar, então, ́ imoral, e
não se deve matar.
Outro princípio importante no sistema ́tico de Kant
́ que nenhum
ser humano deve ser pensado ou usado apenas como um meio para o im de outra
pessoa, que cada ser humano ́ um im único em si mesmo, moralmente falando,
ao menos. Esse princípio às vezes ́ referido como o "Imperativo Prático" de Kant.
Ele certamente parece ser um princípio importante, se considerarmos a justiça e a
igualdade de tratamento como atributos necessários de qualquer sistema moral.
“liás, este princípio tamb́m pode funcionar como um antídoto para a "análise
custo-benefício", ou o problema "im-justiica-os-meios" mencionado em conexão
com ambas as formas de utilitarismo no T́pico .
67
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
Vamos dar um exemplo de como este imperativo prático poderia funcionar
na prática a partir do campo da ́tica ḿdica na área de experimentação humana.
Kant
se oporia a usar um ser humano para ins experimentais "para o
bem da humanidade" ou por qualquer outra razão que nos leve a encarar um ser
humano como meramente um "meio" para um "im". “ssim, no caso descrito no
T́pico sobre a experimentação em
bebês para salvar
milhões de vidas de
crianças no futuro, Kant deinitivamente classiicaria essa experimentação como
imoral. Por outro lado, se um procedimento experimental fosse a única maneira
de salvar a vida de uma criança e tamb́m fornecesse aos ḿdicos informações que
poderiam salvar vidas no futuro, Kant provavelmente o permitiria, porque neste
caso um ser humano não se limitaria a ser usado como um meio para um im,
mas seria considerado um im em si mesmo, ou seja, o procedimento experimental
seria terapêutico para o ser humano envolvido, neste caso, a criança.
3.2.1 Dever ao invés da inclinação
Em seguida, Kant
falou sobre obedecer a tais regras por um senso
de dever. Ele disse que cada ser humano está inclinado a agir de certas maneiras,
ou seja, cada um de ńs está inclinado a fazer uma variedade de coisas, como
ajudar aos pobres, icar na cama em vez de ir ao trabalho, estuprar algúm, ou ser
gentil com as crianças. Pela razão de que as inclinações, de acordo com Kant, são
irracionais e emocionais e porque ńs parecemos operar com base no capricho ao
inv́s da razão quando ńs as seguimos, as pessoas devem forçar-se a fazer o que ́
moral a partir de um senso de dever. Em outras palavras, temos muitas inclinações
de vários tipos, algumas das quais são morais e outras imorais. Se devemos agir
moralmente, no entanto, devemos coniar em nossa razão e nossa vontade e agir a
partir de um senso de dever.
Kant
chegou at́ mesmo a dizer que um ato simplesmente não ́
totalmente moral a menos que o dever, em vez da inclinação, seja o motivo por
trás dele. Uma pessoa que está meramente inclinada a ser gentil e generosa com os
outros não deve ser considerada moral no sentido mais completo em que Kant usa
a palavra. Somente se esta pessoa, talvez por causa de alguma traǵdia inesperada
em sua vida, já não está mais inclinada a ser gentil e generosa com os outros,
mas agora se obriga a ser assim somente por um senso de dever, ś então ela
estará agindo de forma totalmente moral. Isso impressiona a maioria das pessoas
como sendo uma abordagem muito severa, mas revela a ênfase de Kant em seu
conceito de dever, na medida em que se refere ao seguir regras morais claramente
estabelecidas e absolutas. Kant acreditava que tinha estabelecido absolutos morais,
e lhe parecia ́bvio que, para ser moral, deveríamos obedecê-los por um senso de
dever.
Com este último ponto estabelecido, parece que inalmente temos um
sistema moral bem completo, que não pode ser atacado de forma alguma. Temos
"provado" que existem regras morais absolutas que podem ser estabelecidas
irrefutavelmente pela razão, que se deve obedecê-las por um senso de dever para
68
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
serem morais, e que todas as pessoas devem ser consideradas como indivíduos
únicos que nunca devem ser usados como meio para os ins de qualquer outra
pessoa.
Para mostrar como Kant levou sua teoria à prática, ́ importante apresentar
aqui uma de suas várias "ilustrações". Kant
descreve um homem que, em
desespero, ainda em posse de sua razão, está contemplando o suicídio. Usando
o sistema de Kant, o homem deve descobrir se uma máxima de sua ação poderia
ser transformada em uma lei universal para todos os seres humanos, então ele
enquadra a máxima da seguinte maneira "Por amor-pŕprio eu deveria acabar
com a minha vida sempre que não acabar com ela ́ provável que traga mais mal do
que bem". Kant airma então que esta máxima não pode ser universalizada porque
́ contradit́rio acabar com a vida pelo pŕprio sentimento amor-pŕprio que
impulsiona algúm a melhorar a vida. Portanto, a máxima não pode existir como
uma lei universal para todos os seres humanos, porque ́ totalmente inconsistente
em si mesma e com o Imperativo Cateǵrico.
Tamb́m viola o Imperativo Prático de Kant
– que todo ser humano ́
um im em si mesmo –, porque se o homem se destŕi para escapar de circunstâncias
dolorosas, ele usa uma pessoa meramente como um meio para manter condições
toleráveis at́ o im de sua vida. No entanto, Kant sustenta que as pessoas não são
nem coisas nem meios para os ins de outra pessoa, mas são ins em si mesmas.
Portanto, o homem suicida não pode destruir uma pessoa seja ela mesma ou outra
pessoa sem violar este princípio.
3.2.2 Crítica à Ética do Dever de Kant
Como você pode suspeitar, existem várias críticas signiicativas ao sistema
de Kant. Ele mostrou que algumas regras, quando universalizadas, se tornariam
inconsistentes e, portanto, poderiam ser consideradas imorais por causa de sua
inconsistência. No entanto, isso não nos diz quais regras são moralmente válidas.
Kant promulgou várias proibições morais ao estilo dos Dez Mandamentos baseadas
em seu sistema moral, tais como "Não matarás", "Não furtarás" e "Não quebrarás
promessas" M“RCONDES,
. Ele argumentou, por exemplo, que não se
deve quebrar uma promessa porque seria inconsistente dizer "Eu prometo que te
pagarei em
dias, mas não pretendo cumprir minha promessa" ”L“CK”URN,
. “ĺm disso, Kant argumentou, você não pode universalizar a regra "Nunca
quebre promessas, exceto quando ́ inconveniente para você mantê-las", porque as
promessas, então, não teriam sentido, ou pelo menos não saberíamos quando elas
teriam ou não sentido. Kant perguntou qual sentido um acordo contratual teria se
depois de ter dito "Eu prometo cumprir as cláusulas , , e ", mas a cláusula ,
diria, "eu posso quebrar esse acordo a qualquer momento, de acordo com a minha
conveniência .
Suponha, no entanto, que não quebrar uma promessa resultaria em algúm
ser gravemente ferido ou at́ mesmo morto. De acordo com Kant, teríamos que
cumprir a promessa, e porque as consequências não importam, uma pessoa
69
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
inocente simplesmente teria que ser ferida ou morta ”L“CK”URN,
. O que
́, de fato, mais importante manter uma promessa ou impedir que uma pessoa
inocente seja ferida ou morta? Um dos problemas aqui ́ que Kant nunca nos diz
como escolher entre deveres conlitantes, como obedecer a regras diferentes, mas
igualmente absolutas. Temos um dever de não matar e um dever de não quebrar as
promessas, mas qual teria precedência quando os dois deveres conlitam?
Outra crítica à universalizabilidade e à consistência, como crit́rio
da moralidade, ́ que muitas regras de valor moral questionável podem ser
universalizadas sem inconsistência FORD,
. Por exemplo, há alguma coisa
inconsistente ou não universalizável sobre "Nunca ajude algúm em necessidade?"
Se uma sociedade fosse constituída por indivíduos bastante autossuicientes, não
haveria nada de imoral em não ajudar ningúm. Mesmo se houvesse pessoas
necessitadas, o que estabeleceria a necessidade de ajudá-las? Se
pessoas em um
grupo fossem autossuicientes e estivessem em necessidade, seria inconsistente
ou não universalizável que os
mantivessem o que tinham e sobrevivessem,
permitindo que os outros
morressem? Poderia não ser moral sob algum outro
tipo de regras ou princípios, mas não seria inconsistente declarar tal regra.
Kant respondeu a esse tipo de crítica introduzindo o crit́rio da
reversibilidade ZING“NO,
, ou seja, se uma ação fosse revertida para o
agente de tal ação, esta pessoa quereria que lhe fosse feita tal ação? Isto ́ conhecido
de outra maneira como o conceito da Regra de Ouro". Por exemplo, Kant pediria
à regra "nunca ajude algúm em necessidade", o que você quereria que fosse feito
para você se você estivesse em necessidade? Você gostaria de ser ajudado. Portanto,
tal regra, embora universalizável, não seria moralmente universalizável, porque
não iria satisfazer o crit́rio de reversibilidade você quereria-isto-feito-a-você .
Este crit́rio ajuda a eliminar um pouco mais do que parecem ser regras imorais,
mas não ́ uma forma bastante suspeita de contrabandear as consequências?
Será que Kant não está realmente dizendo que, embora a máxima "nunca ajude
algúm em necessidade" seja universalizável, não ́ moralmente aceitável porque
as consequências de tal regra podem ser contraproducentes para a pessoa que a
declara? Isso, obviamente, não ́ problema para o consequencialista o utilitarista
de regras que estaria mais pŕximo da teoria de Kant se não fosse pelo fato de
que o utilitarista considera as consequências importantes , mas Kant disse que
regras morais absolutas, e não consequências, são a base da moralidade. Não seria
inconsistente para ele, especialmente porque ele fez questão de tal consistência,
permitir que as consequências se iniltrem em sua teoria?
Outra crítica ao conceito de regras absolutas ́ que deixa em aberto a
questão de saber se uma regra qualiicada ́ menos universalizável do que aquela
que não ́ qualiicada WOOD,
. Kant nunca distinguiu entre fazer uma
exceção a uma regra e qualiicar essa regra. Por exemplo, se a regra ́ declarada,
"Não quebrarás promessas, mas eu posso quebrá-las a qualquer momento que
eu quiser", eu estaria fazendo uma injusta exceção de mim mesmo à regra. Kant
pensava que não se deve fazer uma exceção a uma regra geral e certamente não
para um único indivíduo. No entanto, o que ocorre se a regra for qualiicada para
70
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
que se aplique a todos "Não quebrarás promessas, exceto quando não quebrar uma
promessa gravemente prejudicaria ou mataria algúm? . “qui a exceção se aplica
à pŕpria regra e não a algum indivíduo ou indivíduos. Kant certamente tinha um
argumento forte a fazer sobre não fazer exceções. “inal, de que serve uma regra se
algúm pode fazer uma exceção de si mesmo a qualquer momento que quiser? No
entanto, "Não matarás exceto em autodefesa" não ́ menos universalizável do que
"Não matarás", e a regra anterior parece estar relacionada à hist́ria dos valores
humanos e tamb́m a uma doutrina de justiça muito melhor do que a segunda.
Há ainda outra crítica que tem a ver com o conlito entre inclinação e dever
que Kant
descreveu, e isto ́ o que acontece quando suas inclinações e
deveres são os mesmos? Por exemplo, se você está inclinado a não matar pessoas,
uma tendência que se encaixa bem com a regra de Kant "Não matarás", que ́
seu dever de obedecer. Isso signiica que, porque você não está inclinado a matar,
você não seria uma pessoa moral, porque o seu dever não está lhe afastando de
suas inclinações? Muitos moralistas discordam da ideia de que as pessoas não são
morais meramente porque estão inclinadas a ser boas em vez de sempre se debater
com elas mesmas para serem assim. Kant não acreditava que uma pessoa que age
moralmente por inclinação ́ imoral, mas acreditava que tal pessoa não ́ moral no
sentido mais verdadeiro da palavra.
É verdade que em muitas ocasiões o verdadeiro teste da moralidade
pessoal vem quando os seres humanos devem decidir se querem lutar contra suas
inclinações por exemplo, roubar dinheiro quando ningúm pode pegá-los e agir
por um senso de dever eles não devem roubar porque ́ errado ou porque eles não
querem que algúm roube deles . Isso seria motivo suiciente para considerar as
pessoas como não sendo totalmente morais se elas levam uma vida boa, não fazem
mal aos outros porque não querem, e tamb́m pensam que este ́ seu dever? Com
qual tipo de pessoa você se sentiria mais seguro, com a pessoa que está inclinada
a não prejudicar ou matar os outros ou a pessoa que tem uma forte inclinação
para matar outros, mas se restringe apenas por um senso de dever? Parece que a
sociedade tem uma melhor chance de ser moral se a maioria das pessoas se torna
inclinada a ser moral atrav́s de algum tipo de educação moral. Outra incoerência
na Ética do Dever de Kant ́ que ele era fortemente contra matar e ainda assim era
a favor da pena de morte.
DICAS
Assista aos dois vídeos da aula de Clóvis de Barros Filho, “Desejo x Vontade (Kant)”,
em que ele apresenta a teoria moral de Kant. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=ArLm0w5GyPk>. E a aula “A dignidade moral em Kant”, disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=r2_YLWaCCuk>.
71
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
4 DEVERES PRIMA FACIE DE ROSS
Sir William David Ross
concordou com Kant que a moralidade
basicamente não deve assentar-se nas consequências, mas discordou com o
absolutismo inlexível das teorias de Kant. Podemos situar Ross em algum lugar
entre Kant e os utilitaristas de regras, na medida em que ele acreditava que temos
certos deveres prima facie que devemos sempre aderir, a menos que circunstâncias
ou razões śrias nos digam para fazer de outra forma. Nessas circunstâncias
excepcionais, o dever real de um indivíduo pode ser diferente do dever prima facie.
Em outras palavras, ele não acreditava que as consequências tornavam uma ação
certa ou errada, mas ele pensava que ́ necessário considerar as consequências
quando estamos fazendo nossas escolhas morais.
O termo prima facie signiica literalmente "à primeira vista" ou "à superfície
das coisas". Um dever prima facie, então, ́ aquele que todos os seres humanos devem
obedecer de uma maneira geral antes que qualquer outra consideração entre em
cena. “lguns dos Deveres Prima Facie de Ross
são os deveres seguintes
. Fidelidade ou lealdade dizer a verdade, manter as promessas reais e
implícitas e cumprir os acordos contratuais.
. Reparação compensar os erros que izemos aos outros, em outras
palavras, fazer reparação por atos ilícitos.
. Gratidão reconhecer o que os outros izeram por ńs e estender nossa
gratidão a eles.
. Justiça impedir a distribuição impŕpria do bem e do mal que não estão
de acordo com o que as pessoas merecem ou têm direito.
. ”eneicência ajudar a melhorar a condição dos outros nas áreas da
virtude, inteligência e felicidade.
. “utoaperfeiçoamento a obrigação que temos de melhorar nossa pŕpria
virtude, inteligência e felicidade.
. Não maleicência não ferir ou causar danos aos outros e prevenir lesões
aos outros.
“ssim, Ross, como Kant, pensou que existissem regras que todos os seres
humanos deveriam aderir porque ́ sua obrigação moral fazê-lo. Ele tamb́m
melhorou muito a proposta kantiana na área do que fazer quando deveres
especialmente deveres Prima Facie conlitam.
Ross
estabeleceu dois princípios que podemos invocar ao tentar
lidar com o conlito de deveres Prima Facie
sempre faça aquele ato de acordo
com o dever prima facie mais forte e
sempre faça aquele ato que tem o maior
grau de retidão prima facie acima da injustiça prima facie.
72
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
4.1 CRÍTICAS À TEORIA DE ROSS
Claramente, há alguns problemas prima facie com as teorias de Ross. Como
devemos decidir quais deveres são, na verdade, prima facie? Ross listou alguns
desses deveres para ńs, mas baseado em que ele fez isso, e qual justiicação para
a evidência ou o raciocínio ele nos ofereceu? Quando confrontado com perguntas
sobre como devemos selecionar os deveres prima facie, Ross disse que ele estava
airmando que ńs sabemos que eles são verdadeiros. Para mim, parece
tão autoevidente como qualquer coisa poderia ser, que fazer uma
promessa, por exemplo, ́ criar uma reivindicação moral sobre ńs em
outra pessoa. Muitos leitores talvez digam que não sabem que isso ́
verdadeiro. Se assim for, certamente não posso provar isso para eles.
Ś posso pedir-lhes para reletir novamente, na esperança de que eles
acabem por concordar que eles tamb́m sabem que ́ verdadeiro ROSS,
, p. - .
Deste modo, Ross
está realmente baseando essa seleção de tais
deveres na intuição, ou seja, não há ĺgica ou evidência para justiicar suas escolhas,
mas devemos aceitar o que ele diz com base na intuição. Se não tivermos as
mesmas intuições que ele, então devemos continuar tentando at́ que as tenhamos.
Obviamente, isto ́ altamente especulativo e vago em sua aplicação com todos os
problemas que encontramos quando discutimos e avaliamos a base intuitiva para
o não consequencialismo de ato KOTTOW,
.
Um segundo problema surge quando olhamos para a maneira pela qual
Ross tenta resolver a diiculdade da tomada de decisão ao escolher o dever prima
facie correto quando ele entra em conlito com outro SGRECCI“,
. “mbos os
princípios de Ross são difíceis de aplicar. Ele realmente não nos diz como devemos
determinar quando uma obrigação ́ mais forte do que a outra. “ĺm disso, ele não
nos dá uma regra clara para determinar o "equilíbrio" de retidão prima facie acima
da injustiça. Por conseguinte, não parece haver crit́rios claros para escolher quais
os deveres que são prima facie ou para decidir como devemos distinguir entre eles
depois de terem sido estabelecidos.
5 CRÍTICAS GERAIS ÀS TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS
“ crítica às teorias não consequencialistas em geral ́ esta Podemos e
de fato deveríamos evitar consequências quando estamos tentando estabelecer
um sistema moral? R“CHELS R“CHELS,
. “ĺm disso, as teorias não
consequencialistas de regras levantam os seguintes problemas
. Por que devemos seguir as regras se as consequências de as seguir podem
ser ruins mesmo para alguns, mas tamb́m, em alguns casos, para todos os
interessados?
. Como podemos resolver conlitos entre regras que são todas igualmente e
absolutamente obrigat́rias?
73
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
. Existe tal coisa como uma regra moral absolutamente sem exceções, dadas as
complexidades do comportamento e da experiência humana? Se assim for, qual
seria?
Primeiro, at́ mesmo Kant, que lutou contra as consequências, parece têlas contrabandeado por meio de sua doutrina da reversibilidade ZING“NO,
. Mesmo sem essa doutrina, quando algúm pressiona qualquer sistema
́tico o suiciente, perguntando por que algúm deveria fazer as coisas prescritas,
as respostas não teriam que trazer as consequências para si, para os outros ou
para todos os interessados? Por exemplo, na Teoria do Comando Divino, não
seria realmente possível justiicar os mandamentos mais imediatamente aplicáveis
e práticos como sendo necessidades ́ticas, quer se acredite ou não que um ser
sobrenatural os prescreva aos seres humanos? Poder-se-ia perguntar por que tal
ser seria tão sábio ao airmar que os seres humanos não devem matar, roubar ou
cometer adult́rio e responder que as consequências de não ter algumas regras
nessas áreas seriam muito piores. Se a matança fosse livremente permitida, então
a vida das pessoas estaria constantemente em perigo, o crescimento humano
não seria capaz de acontecer e não haveria sistemas ou culturas morais, apenas
batalhas constantes para evitar a morte. Estes mandamentos e outros como eles
ajudam todos os seres humanos a respeitar os direitos de seus semelhantes e trazer
alguma estabilidade e ordem em um sistema social que de outra forma estaria em
constante estado cático.
Em segundo lugar, ́ verdade que Kant inicia sem usar oicialmente
as consequências, começando com a inconsistência ĺgica, mas será que as
consequências icam realmente fora da questão? Qual ́ o ponto real de qualquer
sistema moral se não for fazer o bem para si ou para os outros, ou se não for
criar uma sociedade moral na qual as pessoas possam criar e crescer paciicamente
com um mínimo de conlitos desnecessários? Seria realmente possível pensar em
um sistema de moralidade que não está preocupado com as consequências em
algum ponto ao longo de sua elaboração? Muitos sistemas podem tentar justiicar
seus imperativos airmando "Você deve fazer isso simplesmente porque ́ certo
[ou porque algum ser sobrenatural disse assim, ou porque fazer o contrário seria
logicamente inconsistente]". “pesar dessas justiicativas, as prescrições morais de
cada sistema são calculadas para causar algumas consequências boas, geralmente
para a maioria, se não para todos os seres humanos M“RCONDES,
.
Terceiro, Ross pelo menos tentou responder à questão de se realmente
existem regras morais absolutas. No entanto, muitos téricos, especialmente
no śculo XXI, demonstraram haver exceções naquilo que eram considerados
absolutos. Estes téricos insistem que não há absolutos, ou são tão poucos que
diicilmente se poderia airmá-los. “lguns moralistas – relativistas morais –
airmam que tudo ́ relativo e que não há absolutos ”ONJOUR ”“KER,
.
Outros, como Joseph Fletcher
, airmam que há apenas um absoluto, o
amor, e que tudo o mais ́ relativo ao amor FLETCHER,
. Independentemente
de seus argumentos serem convincentes, existe um śrio problema com todas as
teorias não consequencialistas, na medida em que a seleção das regras e dos deveres
morais parece ser arbitrária e muitas vezes destrutiva do argumento criativo. Não
74
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
se pode argumentar que o assassinato às vezes pode ser justiicado se um não
consequencialista declarou simplesmente que, para ser moral, não se deve matar.
Um bom exemplo desse tipo de raciocínio sem saída ́ o argumento
antiaborto que, sob nenhuma circunstância, uma vida pode ser tirada e que
a vida começa na concepção R“CHELS R“CHELS,
. Como se pode
defender a salvação da vida da mãe ou considerar o tipo de vida que a mãe ou
o bebê viverão se tais absolutos já tiverem sido estabelecidos? Por outro lado,
como se pode argumentar sobre o valor da vida de um feto se o defensor da pŕescolha tomar como absoluto o direito de uma mulher sobre seu pŕprio corpo,
independentemente do que esse corpo cont́m? Qual justiicação poderiam ambos
os arguidores oferecer para a validade destes absolutos e por que não poderia
haver exceções a eles sob quaisquer circunstâncias?
Quando as pessoas estão argumentando as consequências, elas podem
pelo menos mostrar que uma ação terá melhores consequências do que outra,
mas quando elas estão apenas apresentando "absolutos", não pode haver contraargumentos que sirvam para justiicar exceções. Se simplesmente adotarmos uma
regra moral absoluta arbitrária, não consequencialista, então todos os argumentos
dos consequencialistas e de outros simplesmente são excluídos. Encerrar o debate
desta forma ́ destrutivo para a busca da verdade e da compreensão em outras
áreas, como a ciência, mas ́ desastroso na esfera da moral, onde a necessidade
de chegar a respostas certas ́ mais crucial do que em qualquer outra área de
experiência humana.
Em suma, as teorias não consequencialistas da moralidade têm certas
vantagens. Primeiro, elas não exigem a difícil tarefa de computar as consequências
para uma ação moral. Em segundo lugar, elas fornecem, em sua forma de regra,
um conjunto forte de guias morais, ao contrário dos moralistas de ato, tanto das
abordagens da moralidade consequencialistas quanto das não consequencialistas.
Terceiro, os não consequencialistas são capazes de fundar seu sistema em algo
que não seja consequências, evitando assim a armadilha de uma análise de custobenefício da moralidade.
Por outro lado, por mais difíceis que possam ser as consequências da
computação, os não consequencialistas parecem realmente evitar ponto central da
moralidade – certamente da moralidade social – ao tentar ignorar as consequências
de suas regras ou atos. Embora seja útil ter uma śrie de regras e guias fortes a ser
seguida, o não consequencialismo de regras torna difícil decidir quais regras seriam
essas e como classiicá-las em ordem de importância ou resolver conlitos quando
os absolutos se opõem uns aos outros. “ĺm disso, o não consequencialismo de
regras não prevê nenhuma discussão aberta dos dilemas morais, porque fecha
a porta arbitrariamente airmando o que ́ certo e o que ́ errado, sem qualquer
possibilidade de exceção. E o que ́ certo e errado ́ baseado nos supostos comandos
de um ser sobrenatural a quem ningúm ́ permitido questionar ou sobre uma
teoria de consistência ĺgica que pode mostrar que os seres humanos não devem
ser inconsistentes, mas oferecem poucas outras razões por que se deve seguir uma
regra e não outra.
75
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
“s teorias não consequencialistas de regras não parecem ser mais
satisfat́rias do que as consequencialistas. O que vamos fazer, então? Devemos
recuar para as teorias consequencialistas com os problemas que as acompanham
ou adotar a abordagem não consequencialista como sendo o "menor de dois
males"? Ou, poderia haver valor na tentativa de sintetizar o melhor desses sistemas
enquanto diminuímos a ênfase no pior.
UNI
PROBLEMA ÉTICO
VOCÊ MATARIA POR CAUSA DO DEVER?
Há uma cena dramática no clássico hindu conhecido como o Bhagavad-Gita (ACHARYA;
PARAMADVAITI, 2003). Nos momentos antes de uma grande batalha, o mais nobre guerreiro dos
Pandavas, e arqueiro extraordinário, Arjuna, tem sérios questionamentos sobre a moralidade da
guerra. Ele considera a carnificina que está prestes a acontecer. Ele sabe que no exército oposto
dos Kauravas estão seus primos, professores e amigos. Se ele se envolver na batalha, muitos
morrerão, talvez mortos por suas flechas. Considerando as consequências e os resultados que
seriam prováveis, Arjuna não deseja lutar. No entanto, seu cocheiro Krishna (uma encarnação
do deus Vishnu) explica que a obrigação moral de Arjuna reside no desempenho do dever
(dharma). Como membro da classe guerreira, seu dever é lutar. Sua escolha é fazer a coisa
certa, agir sem levar em conta as consequências, e assim ele luta. Você concorda com o
conselho de Krishna e a decisão de Arjuna? Por que ou por que não? Você mataria por causa
do dever? Ou as consequências devem ser consideradas?
76
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
LEITURA COMPLEMENTAR
BIOÉTICA COMPLEXA: UMA ABORDAGEM ABRANGENTE PARA O
PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO
INTRODUÇÃO
“ ́tica surge na hist́ria da humanidade como uma estrat́gia de organizar
o pensamento sobre a adequação do viver humano. “ capacidade de questionar
a sua pŕpria existência ́ uma das características que permite identiicar a pessoa
humana como tal. “ ́tica, de forma sistematizada e crítica, relete sobre as intuições
morais, buscando as justiicativas que servem de embasamento para as escolhas
morais que as pessoas fazem. Foram relexões deste tipo que permitiram avaliar
o que era estar no mundo, de como as pessoas se relacionam entre si, das suas
preocupações e da busca de realização que todos almejam. Estes questionamentos
e relexões vêm sendo feitos desde o período da Filosoia Clássica.
Com o avanço da ciência, novos desaios foram introduzidos. “ ampliação
dos conhecimentos cientíicos e o impacto da sua transposição tecnoĺgica geraram
a necessidade de avaliar at́ onde podemos ir. Às discussões sobre o bem-viver
foram acrescidos os questionamentos sobre a vida em si, sobre o que ́ estar vivo.
“ identiicação de que o ser humano ́ parte da natureza, que ́ um ser que tem
interações ativas com seu meio, reconhecendo que pode alterar o seu pŕprio destino
e de toda a natureza, introduziu uma nova pauta de questionamentos. Repensar
o início e o inal da vida, produzir embriões, congelá-los, ressigniicar os paṕis
familiares e o pŕprio conceito e crit́rios de morte foram itens determinantes.
Saber reconhecer os limites da pesquisa, identiicando a sua adequação ́tica e
metodoĺgica, a existência de grupos e pessoas vulneráveis foram outros temas
fundamentais. Tudo isso levou à necessidade de propor uma ampliação da
discussão ́tica, que acabou sendo denominada de biótica.
UM POUCO DE HISTÓRIA DA BIOÉTICA
“ rigor, a ́tica sempre se preocupou com o tema da vida. Os grandes
iĺsofos de todos os tempos reletiram sobre questões envolvendo vida, suicídio,
morte, nascimento, entre outros temas. No śculo XX, alguns autores propuseram
questionamentos sobre o papel do ser humano, da vida, do lugar do ser humano
na natureza.
“lbert Schweizer, ḿdico, télogo e humanista, em uma palestra proferida
em
, mas publicada apenas em
, introduziu a discussão da sacralidade da
vida em todas as suas dimensões. Friz Jahr, pastor luterano, que possivelmente foi
o primeiro a utilizar a palavra bioética, propôs a ampliação da noção dos deveres
dos seres humanos para com outros seres humanos, tamb́m para com os animais
e as plantas. “ssim, bioética foi utilizada no sentido de ampliar a discussão da ́tica
para o conjunto de todos os seres vivos. “ldo Leopold, engenheiro lorestal, e
Hans Jonas, iĺsofo, em ambientes, situações e ́pocas distintas, d́cadas de
77
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
e
, respectivamente, ampliaram a abrangência temporal dos deveres dos seres
humanos uns para com os outros, incluindo tamb́m as gerações futuras. “t́ esta
proposição, as discussões da ́tica se restringiam ao plano contemporâneo, nos
deveres que os indivíduos têm para com seus semelhantes pŕximos, tanto no
sentido geográico quanto temporal. Estes dois autores propuseram que todos os
seres vivos, mesmo os ainda não existentes, são merecedores de consideração.
“ “ssociação Ḿdica Mundial, em
, propôs a Declaração de Helsinki
visando a provocar uma relexão sobre os aspectos ́ticos envolvidos na pesquisa
em seres humanos. Esta Declaração reforçou os termos do Ćdigo de Nuremberg,
que, devido a sua origem como parte da sentença do segundo Tribunal de
Nuremberg, em
, havia tido uma repercussão prática limitada. “ Declaração
de Helsinki iniciou uma discussão de abrangência mundial sobre a adequação das
formas de utilização de seres humanos em pesquisas.
Daniel Callahan, iĺsofo, e Willard Gayling, psiquiatra, criaram, em
,
o primeiro centro de pesquisa sobre aspectos ́ticos e sociais envolvidos nas
ciências da vida – Institute of Society, Ethics and the Life Sciences. Posteriormente,
esta instituição passou a ser denominada de Hastings Center, sendo reconhecida
internacionalmente como um local de excelência na relexão de temas tão relevantes.
Em
, Robert Veatch, farmacêutico, que havia rećm-terminado o seu doutorado
em ́tica ḿdica, foi o primeiro pesquisador contratado para estudar estes temas.
Van Rensselaer Poter, químico e farmacologista, no início da d́cada de
, reletiu, de forma integrada, sobre a abrangência das relações entre seres vivos
e da necessidade de ampliar esta relexão ao longo do tempo. Poter questionou se
a possibilidade de sobrevivência da pŕpria humanidade não dependeria de uma
relexão ́tica interdisciplinar, denominada por ele de biótica, que poderia servir
de ponte para o futuro . Esta contribuição foi fundamental para a incorporação
da biótica como a área de discussão sobre temas emergentes e relevantes para a
vida, combinando ciência e ilosoia.
“ndŕ Hellegers, ḿdico ginecologista, de forma independente e quase
simultânea, propôs, em
, a rediscussão do foco da ́tica ḿdica. “ perspectiva
tradicional baseada predominantemente na atuação do ḿdico deveria ser
ampliada para uma relexão mais ampla sobre temas da área da saúde, incluindo
os aspectos sociais a eles associados. Por sugestão de R. Sargent Shriver, então
responsável pela Fundação Kennedy, que propiciou os fundos necessários para
a realização dessas pesquisas, a denominação biótica foi incorporada ao nome
da nova instituição Joseph and Rose Kennedy Institute for the Study of Human
Reproduction and Bioethics, por sintetizar a união de temas bioĺgicos e ́ticos.
Posteriormente, esta denominação foi alterada apenas para Kennedy Institute of
Ethics, reletindo a sua posição de entender a biótica como uma ́tica aplicada.
Esta instituição foi a responsável pela formação inicial de muitos proissionais que
estavam interessados em atuar em biótica.
78
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
O ”elmont Report, publicado em
, estabeleceu as bases da utilização
de princípios na relexão biótica. “o utilizar a beneicência, o respeito às pessoas
e à justiça como referenciais das diretrizes para a pesquisa em seres humanos
nas áreas de saúde e comportamental, este documento oicial do governo norteamericano consolidou a proposta térica predominante do Instituto Kennedy de
Ética. Tom L. ”eauchamp, iĺsofo, e James F. Childress, iĺsofo e télogo, então
vinculados ao mesmo Instituto Kennedy de Ética, publicaram o seu livro clássico
Princípios de Ética ”ioḿdica , onde lançaram as bases da Corrente Principialista
de ”iótica. “tualmente, este livro já se encontra na sua quinta edição. Warren
Reich, télogo, empreendeu uma importante tarefa ao editar a Encicloṕdia de
”iótica em
. Em uma obra de quatro volumes, organizada entre
e
,
procurou compendiar os temas mais relevantes e as bases téricas necessárias para
a relexão biótica então emergente. Publicou ainda outra edição, em
, desta
mesma encicloṕdia, ampliada para cinco volumes.
“ partir desta śrie de autores e instituições que deram os primeiros passos
da biótica, inúmeros outros se sucederam. “ relexão biótica sobre temas das
áreas da saúde e do ambiente se ampliou e aprofundou em diferentes locais do
mundo. Na Europa surgiram diferentes perspectivas de abordagem de questões
na área da saúde. Na “ustrália, a discussão de temas envolvendo o uso de animais
em pesquisa e at́ mesmo em alimentação ganhou grande repercussão. Na
“ḿrica Latina, as discussões sobre acesso a sistemas de saúde, sobre pobreza
e preservação ambiental se associaram aos grandes temas de discussão mundial,
como privacidade, transplantes, reprodução assistida, eutanásia e suicídio
assistido.
BIOÉTICA COMPLEXA: UMA ABORDAGEM CONTEMPORÂNEA
“tualmente, a biótica pode ser entendida como sendo uma relexão
complexa, interdisciplinar e compartilhada sobre a adequação das ações
envolvendo a vida e o viver. “ biótica ́ uma relexão complexa, pois inclui os
múltiplos aspectos envolvidos no seu objeto de atenção ́ interdisciplinar, devido
à possibilidade de contar com conhecimentos oriundos de diferentes áreas do
saber e ́ compartilhada, por utilizar as diferentes interfaces para realizar diálogos
mutuamente enriquecedores.
Vale lembrar a diferença existente na língua grega dos signiicados das
palavras relativas à vida zoe e bios, descritos por Giorgio “gamben. Zoe se refere
à vida natural, à vida nua, ao estar vivo, enquanto que bios ́ a vida política, ́
o bem-viver, ́ o estar no mundo. “s relexões bióticas mais se referem às
questões derivadas da palavra bios que de zoe. Muitas vezes, poŕm, as pessoas se
confundem e utilizam crit́rios de um para elucidar o outro, chegando a conclusões
equivocadas. Um exemplo disso ́ buscar um argumento bioĺgico zoe para
estabelecer o crit́rio de pessoa bios . Ora o crit́rio serve, ora não, e a confusão
conceitual se instala.
79
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
“ biótica complexa ́ uma proposta de abordagem onde a ́tica se insere
na realidade e não apenas a ela se aplica. “ biótica parte de problemas e acaba
por reletir sobre situações de complexidade sempre crescente. No processo de
relexão e de tomada de decisão, o importante ́ identiicar adequadamente o
problema a ser abordado, os fatos e as circunstâncias envolvidos, as alternativas
e suas respectivas consequências. Como parte da relexão, devem ser incluídos os
referenciais téricos e os casos já ocorridos relacionados ao problema. Todos estes
elementos, desde a identiicação do problema at́ a utilização de experiências e
vivências pŕvias são passíveis de discussão racional. “ biótica complexa tamb́m
leva em consideração outros dois componentes não racionais os sistemas de
crenças e valores e a afetividade.
Os problemas, os fatos e as circunstâncias
O objetivo da biótica complexa ao buscar solucionar problemas não ́
identiicar uma solução ideal, mas buscar achar a melhor solução disponível nas
circunstâncias reais. É fundamental reconhecer que algumas vezes as circunstâncias
podem ser alteradas, e em outras não assim como algumas delas dependem de
ńs e outras não. Os fatos e as circunstâncias devem ser adequadamente avaliados
para entender o mais adequadamente possível o problema a ser abordado. Quanto
mais informação e de melhor qualidade for coletada, menos ambiguidade estará
presente, e assim o pŕprio problema poderá ser melhor compreendido.
Na busca de soluções para um problema ́ fundamental levar em
consideração as múltiplas alternativas possíveis. Habitualmente, as questões
́ticas são abordadas sob a forma de dilemas, restringindo as alternativas a apenas
duas possibilidades de solução. Na área da saúde, as alternativas são múltiplas
assim, ́ melhor utilizar a denominação problema ́tico ao inv́s de dilemas
́ticos, com o objetivo de não restringir a pŕpria relexão. Cada alternativa deve
ser sempre cotejada com as suas consequências, pois elas constituem a pŕpria
ação a ser realizada. “s consequências manifestam e explicitam a ação em si. “s
consequências podem ser associadas às circunstâncias.
Os referenciais teóricos
“ biótica complexa utiliza vários referenciais téricos para buscar
justiicativas para a adequação das ações. Os referenciais utilizados são os
princípios, os direitos, as virtudes e a alteridade.
O modelo baseado em princípios ́, possivelmente, o referencial mais
utilizado na biótica. Os princípios eram entendidos na ́tica como recomendações,
como diretrizes a serem seguidas. Com a proposta de ”eauchamp e Childress, em
seu livro Princípios de Ética ”ioḿdica , os princípios passaram a ser cada vez
mais utilizados como sendo deveres prima facie. Deveres prima facie são obrigações
que se devem cumprir, a menos que entrem em conlito, numa situação particular,
com um outro dever de igual ou maior porte. Um dever prima facie, na perspectiva
proposta por William David Ross, ́ obrigat́rio, salvo quando for sobrepujado
por outras obrigações morais simultâneas. Desta forma, os deveres prima facie
80
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
podem, quando em conlito, ser ponderados ou priorizados. Inicialmente, William
Frankena utilizava apenas dois princípios beneicência, entendida como fazer o
bem e evitar o mal, e justiça. O Relat́rio ”elmont ampliou este referencial para três
princípios, incluindo o respeito às pessoas, aĺm da beneicência e da justiça. Neste
mesmo período inal da d́cada de
, ”eauchamp e Childress propuseram um
referencial de quatro princípios. Mantiveram a justiça, desdobraram o princípio da
beneicência em beneicência propriamente dita fazer o bem e não maleicência
evitar o mal , e reduziram o princípio do respeito às pessoas à autonomia. O
referencial baseado em princípios ́ uma excelente ferramenta didática, mas
que demonstrou ter inúmeras diiculdades na sua transposição para aplicações
práticas. “lgumas vezes, devido a sua utilização como um sendo um conjunto de
deveres, a ́tica dos princípios, ou principialismo, pode ser entendida como uma
moral, ao prescrever normas de conduta.
O referencial dos direitos humanos, que estabelece garantias individuais,
coletivas e transpessoais tem sido utilizado na elaboração de legislações, como a
Constituição brasileira de
, e de documentos internacionais na área da biótica,
especialmente por parte da UNESCO, como a Declaração Universal de ”iótica
e Direitos Humanos. Os direitos individuais incluem a vida, a privacidade, a
liberdade e a não discriminação, entre outros. Os direitos coletivos, de criação mais
recente, se referem à saúde, à educação e à assistência social, como garantias de
todos. Os direitos transpessoais, últimos a serem propostos, referem-se às questões
ambientais e à solidariedade. “ utilização do referencial dos direitos humanos
na biótica surge no mesmo momento em que o dos princípios, ou seja, no inal
da d́cada de
, com a obra de Elsie ”andman e ”ertran ”andman, poŕm ś
mais recentemente tem sido objeto de relexão por muitos outros autores. Muitas
vezes o referencial térico dos direitos humanos tem sido confundido com a
utilização dos mesmos como militância política. O referencial térico auxilia na
argumentação para justiicar uma dada ação, a militância, por sua vez, assume os
direitos humanos como sendo a pŕpria justiicação das suas ações políticas.
“ ́tica das virtudes vem sendo utilizada desde a Gŕcia. Platão e,
especialmente, “rist́teles já utilizavam este referencial. “s virtudes devem ser
entendidas como a busca da excelência das ações humanas, como a busca do
autoaprimoramento. Uma deinição muito utilizada diz que virtude ́ um traço
adequado do caráter de uma pessoa. Devido à perspectiva ideal e individual das
virtudes, pouco a pouco ela foi sendo deixada de lado como elemento de justiicação
e argumentação. Em período mais recente, este referencial tem sido retomado
na perspectiva de rediscutir a busca do autoaprimoramento e da excelência nas
atividades proissionais da área da saúde.
Por im, a alteridade, mais recentemente, ́ considerada um referencial
fundamental e fundante para a biótica. Reconhecer que o olhar do outro ́ que
legitima a pessoa, o ressigniica enquanto existente, ́ a marca da alteridade. Entender
que esta efetiva interação nos torna pessoas corresponsáveis, estabelecendo
uma copresença ́tica, onde não há lugar para a neutralidade, ́ compreender o
signiicado e a importância da alteridade para a biótica. “ alteridade ressigniica
81
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
o entendimento da relação proissional-paciente, pesquisador-participante da
pesquisa, proissionais de saúde entre si, proissional-família, a partir da noção de
corresponsabilidade.
“ biótica complexa estabelece inúmeros pontos de contato e
complementaridades entre os diferentes referenciais téricos. O princípio da
justiça, por exemplo, estabelece o dever de não discriminar qualquer pessoa,
podendo ser associado ao direito individual de cada pessoa em particular de não
ser discriminada. “ privacidade, outro direito individual, tem como contraparte a
conidencialidade, que ́ um dever decorrente do princípio do respeito às pessoas.
O princípio da justiça, ao estabelecer, dentre outros, o dever de proteger as pessoas
vulneráveis, se associa ao direito transpessoal de solidariedade.
“s virtudes, por sua vez, são a base de conduta para a realização destes
direitos e princípios. “ temperança, ao usar os recursos na medida da necessidade,
a coragem, entendida como a característica de fazer o que deve ser feito, a sabedoria,
como o uso do conhecimento de forma adequada, e a justiça, aqui entendida como
virtude, no sentido de tratar as diferentes pessoas de forma não desigual, são
virtudes básicas. O amor, a maior de todas as virtudes, pode-se dizer, engloba
todas as demais, servindo de base e justiicativa para todas as condutas adequadas
do indivíduo.
“ alteridade ́ o referencial que pode dar unidade às diferentes perspectivas
apresentadas pelos princípios, virtudes e direitos. “o reincluir o outro na relação,
ao perceber que o olhar do outro ́ que nos torna não indiferentes, a alteridade
reconhece a existência desta copresença ́tica e da corresponsabilidade nesta
interação.
Os casos relacionáveis
Utilizar casos relacionáveis ao problema em questão ́ permitir integrar
a hist́ria e a vivência ao novo desaio no presente. “ meḿria de situações
semelhantes deve basear-se em um repert́rio de situações reais, visando a
compreender a relevância dos casos e buscando a coerência nas decisões. Devem
ser utilizados apenas casos reais para ilustrar problemas tamb́m reais. Os casos
reais apresentam as limitações da pŕpria ação sobre a realidade, como já descrito
nas circunstâncias. Os casos hipot́ticos podem mudar, lutuar, sem o compromisso
com a realidade.
“ compreensão da relevância dos casos passados pode permitir analogias
com os atuais de forma não linear. “lgumas vezes casos aparentemente não
relacionados podem ter pontos de contato que auxiliam no processo de relexão.
Utilizar as decisões passadas para orientar o processo de decisão no presente exige
coerência, que não deve ser entendida como rigidez, mas sim rigor metodoĺgico.
Mesmo em casos semelhantes, as decisões podem mudar se as circunstâncias
mudaram. “ experiência remete para o passado, sempre atual e atualizado, pois a
meḿria opera desde o presente. “ experiência ́ um conhecimento mobilizável.
82
TÓPICO 3 | TEORIAS NÃO CONSEQUENCIALISTAS DA MORALIDADE
Os casos ilustram e iluminam a relexão de um novo problema devido a sua
total novidade. Nestes casos, nem sempre ́ possível ter casos semelhantes, mas
relacionáveis sim.
Os sistemas de crenças: as tradições e os interesses
Os sistemas de crenças incluem os valores, as tradições e os interesses
envolvidos no problema em questão. “s crenças são julgamentos subjetivos da
pessoa, referentes a alguns aspectos discrimináveis do seu mundo, que dizem
respeito à compreensão que esta pessoa tem de si e de seu meio. De cinco a nove
crenças determinam as atitudes das pessoas.
Os valores são crenças duradouras em um modelo especíico de conduta
ou estado de existência, que pode ser adotado de forma pessoal ou social, e se
baseia em conduta anteriormente existente. “ tradição ́ um passado presente,
́ uma referência do passado que atua no presente. “ tradição ́ uma meḿria
individual ou coletiva individual porque dá identidade ao indivíduo, e coletiva
porque dá sentido de partilha efetiva, de pertencimento. Os interesses são uma
satisfação vinculada à representação da existência de um determinado objeto. Em
outras palavras, os interesses geram envolvimento, despertam atenção, geram
curiosidade. De forma geral, os interesses reduzem as alternativas de solução ao
restringirem o foco de atenção.
Em suma, os sistemas de crenças lidam no presente simultaneamente com
o passado e o futuro. “s tradições são um presente hist́rico, pois baseiam-se
na meḿria, na contínua restauração de crenças e condutas. Por outro lado, os
interesses são uma antecipação do futuro no tempo presente.
A afetividade: os vínculos e os desejos
“ afetividade inclui os afetos, as emoções, os sentimentos, as vontades e as
não vontades. Dois elementos importantes da afetividade que têm forte inluência
no processo de tomada de decisão são os vínculos e os desejos.
Os vínculos afetivos têm um importante papel no processo de tomada de
decisão. Os vínculos, especialmente os familiares, atuam no sentido de reduzir o
impacto dos custos associados aos benefícios decorrentes de uma dada alternativa.
Os desejos são uma projeção de futuro no tempo presente, são uma antecipação. Os
desejos podem alterar o impacto das consequências associadas às alternativas de
solução. Uma alternativa tida como desejo poderá ter suas consequências prejudiciais
minimizadas. O desejo interfere no processo de avaliação das consequências mais
no sentido de minimizar os custos que de superestimar os benefícios associados.
Os desejos muitas vezes são confundidos com as necessidades e as preferências. O
desejo não ́ carência, ́ potência. Do desejo podem surgir a coragem e a vontade.
“ ́tica e a educação atuam sobre os desejos, orientando-os, transformando-os e at́
mesmo sublimando-os. “ ́tica e a educação associam os desejos às circunstâncias
e alternativas, buscando desejar um pouco mais o que ́ e que depende da pŕpria
pessoa e menos o que não ́ ou que dela não depende.
83
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À ÉTICA
Da mesma forma que os sistemas de crenças, a afetividade tamb́m lida
no tempo presente com o passado e o futuro. Os vínculos preservam no presente
o que foi integrado no passado e o desejo projeta o futuro no presente, não como
antecipação, mas sim como potência.
Considerações inais
“ relexão ́tica sobre problemas ́ sempre um desaio para todos. Os
proissionais de saúde, e especialmente os ḿdicos, que na maioria das vezes
são os responsáveis pela tomada de decisão, em situações que envolvem a vida
e o viver. “ biótica complexa pode auxiliar neste processo, pode servir como
um apoio qualiicado, na busca de justiicativas para a adequação das ações. “
biótica não vai dar respostas, não vai tomar decisões. “ relexão biótica vai ser
um elemento a mais na busca de uma relexão adequada sobre estes temas.
FONTE: GOLDIM, José Roberto. Bioética complexa: uma abordagem abrangente para o processo
de tomada de decisão. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, v. 53, n. 1, p. 58-63, jan./mar.
2009. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/bioetica/complexamrigs09.pdf>. Acesso em:
27 jun. 2017.
84
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que
• Teorias não consequencialistas deontoĺgicas da moralidade. “ suposição
básica destas teorias ́ que as consequências não devem participar do nosso
juízo de se as ações ou as pessoas são morais ou imorais.
• O que ́ moral e imoral ́ decidido com base em algum padrão ou padrões de
moralidade que não sejam consequências.
• “ suposição principal do não consequencialista de ato ́ que não há nenhuma
regra ou teorias morais gerais, mas somente ações, situações e pessoas
particulares sobre as quais ńs não podemos generalizar.
• “s decisões baseiam-se no "intuicionismo". Isto ́, o que ́ certo ou errado em
qualquer situação particular ́ baseado no que as pessoas sentem intuem que
seja certo ou errado, esta ́, portanto, uma teoria altamente individualista.
• Há várias críticas ao não consequencialismo de ato . Como podemos saber,
sem outros guias, que o que sentimos ́ moralmente correto? . Como saberemos
quando adquirimos fatos suicientes para tomar uma decisão moral? . Com a
moral tão altamente individualizada, como podemos saber que estamos fazendo
a melhor coisa para todos os envolvidos em uma situação particular? . Podemos
realmente coniar em nada mais do que nossos sentimentos momentâneos
para nos ajudar a tomar nossas decisões morais? . Como seremos capazes de
justiicar nossas ações, exceto dizendo "”em, senti que era a coisa certa para eu
fazer"?
• “ principal suposição das teorias não consequencialistas de regras ́ que há ou
pode haver regras que são a única base para a moralidade e que as consequências
não importam – seguir as regras, que são comandos morais corretos, ́ o que ́
moral, não o que acontece porque se segue a regras.
• De acordo com a Teoria do Comando Divino, uma ação ́ correta e as pessoas
são boas se, e somente se, obedecem aos comandos supostamente dados a eles
por um ser divino, independentemente das consequências.
• Existem algumas críticas à Teoria do Comando Divino . “ teoria não fornece
um fundamento racional para a existência de um ser sobrenatural e, portanto,
tampouco oferece para a moralidade . Mesmo se pud́ssemos provar
conclusivamente a existência de um ser sobrenatural, como poderíamos provar
que esse ser ́ moralmente coniável? . Como interpretar esses mandamentos
mesmo se aceitarmos a existência do sobrenatural? . “s regras fundadas na
Teoria do Comando Divino podem ser válidas, mas precisam ser justiicadas em
alguma outra base mais racional.
85
• Ética de Dever de Kant. Kant acreditava que ś por meio do raciocínio ́ possível
estabelecer regras morais absolutas e válidas que tenham a mesma força de
verdades matemáticas indiscutíveis . Tais verdades devem ser logicamente
consistentes, não autocontradit́rias . Elas tamb́m devem ser universalizáveis.
• De acordo com o Imperativo Cateǵrico, um ato ́ imoral se a regra que o
autorizasse não puder ser transformada em uma regra para todos os seres
humanos seguirem.
• O Imperativo Prático, outro princípio importante no sistema moral de Kant,
airma que nenhum ser humano deve ser pensado ou usado apenas como um
meio para o im de outra pessoa, mas sim que cada ser humano ́ um im único
em si mesmo.
• Uma vez que as regras morais foram descobertas como absolutas, os seres
humanos devem obedecê-las por um senso de dever, em vez de seguir suas
inclinações.
• Há críticas ao sistema de Kant . Embora Kant tenha mostrado que algumas
regras se tornariam inconsistentes quando universalizadas, isso não nos diz
quais regras são moralmente válidas . Kant nunca nos mostrou como resolver
conlitos entre regras igualmente absolutas, como "Não quebre uma promessa"
e "Não mate" . Kant não distinguiu entre fazer uma exceção a uma regra e
qualiicar uma regra.
• “lgumas regras, como Não ajude ningúm em necessidade , podem ser
universalizadas sem inconsistência, mas ainda têm valor moral questionável.
Kant respondeu a essa crítica por meio do crit́rio de reversibilidade, isto ́, a
ideia de se você-iria-querer-que-isto-fosse-feito-a-você, ou a Regra de Ouro. No
entanto, o crit́rio de reversibilidade sugere uma dependência das consequências,
o que vai contra tudo o que Kant pretende fazer em seu sistema.
• Kant parece ter enfatizado os deveres sobre as inclinações, ao airmar que
devemos agir a partir de um senso de dever e não de nossas inclinações. No
entanto, ele não nos deu nenhuma regra para o que devemos fazer quando
nossas inclinações e deveres são os mesmos.
• Os deveres Prima Facie de Ross. Ross concordou com Kant quanto ao
estabelecimento da moral em uma base diferente das consequências, mas
discordou das regras excessivamente absolutas de Kant. Ele se situa entre Kant
e o utilitarismo de regras em sua abordagem à ́tica.
• Ross estabeleceu os Deveres Prima Facie que todos os seres humanos devem
aderir, a menos que haja razões śrias por que eles não deveriam.
• Ross enumerou vários deveres Prima Facie . Fidelidade . Reparação .
Gratidão . Justiça . ”eneicência . “utoaperfeiçoamento . Não maleicência.
86
• Ross ofereceu dois princípios para uso na resolução de deveres conlitantes .
Sempre agir de acordo com o mais forte dever Prima Facie . Sempre atuar de
forma a obter a maior quantidade de justiça prima facie sobre a injustiça.
• Críticas gerais a teorias não consequencialistas Podemos, e deveríamos evitar
consequências quando estamos tentando estabelecer um sistema moral?
́ inteiramente possível excluir consequências de um sistema ́tico? qual ́ o
sentido real de qualquer sistema moral se não for fazer o bem para si, para os
outros, ou para ambos, e se não for para criar uma sociedade moral na qual
as pessoas possam criar e crescer paciicamente com um mínimo de conlitos
desnecessários? como resolver conlitos entre regras morais igualmente
absolutas? Esse problema ́ peculiar para as teorias não consequencialistas de
regras qualquer sistema que funcione com base em absolutos rígidos, como faz
o não consequencialismo de regras, fecha a porta para continuar a discussão dos
dilemas morais.
87
AUTOATIVIDADE
O que são, essencialmente, as teorias não consequencialistas deontoĺgicas
da moralidade? Como diferem das teorias consequencialistas teleoĺgicas ?
Em que acreditam os não consequencialistas de ato? Como diferem dos
utilitaristas de ato?
Em que os não consequencialistas de regras acreditam?
Descreva a Teoria do Comando Divino.
Explique o imperativo prático de Kant.
88
UNIDADE 2
RACIOCÍNIO ÉTICO E A
PSICOLOGIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de
• descrever as teorias da ́tica da virtude e compará-la às outras teorias
́ticas
• examinar a capacidade das teorias ́ticas para fornecer fundamentos aos
padrões ́ticos de uma proissão de saúde mental
• analisar ḿtodos de resolução de conlitos ́ticos e introduzir os modelos
da ́tica situacional e do contextualismo ́tico
• introduzir um modelo para fundamentar o agir ́tico e a justiicativa
racional do proissional psićlogo.
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro t́picos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
T2PICO
– “ ÉTIC“ D“ VIRTUDE
T2PICO
– MODELOS DE R“CIOCÍNIO ÉTICO
T2PICO
– MODELOS DE R“CIOCÍNIO N“ RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS ÉTICOS
T2PICO
– UM MODELO DO PROCESSO DE TOM“D“ DE DECISÃO
ÉTIC“
89
90
TÓPICO 1
UNIDADE 2
A ÉTICA DA VIRTUDE
1 INTRODUÇÃO
Depois de ler este t́pico, você deverá ser capaz de descrever as teorias da
Ética da Virtude, mostrando como elas diferem das teorias ́ticas consequencialistas
ou não consequencialistas. Tamb́m poderá deinir e analisar termos e conceitos
importantes, como as virtudes e os vícios. “ssim como descrever a Ética a
Nicômaco de “rist́teles e como as virtudes são essenciais para viver uma vida
boa. Descrever a ́tica de Confúcio nos “nalectos e explicar as virtudes à luz da
noção confucionista de autocultivo e explicar as vantagens e desvantagens da ́tica
da virtude no contexto de uma teoria geral da ́tica.
“s ́ticas da virtude são ́ticas baseadas no caráter. Este tipo de teoria
moral centra-se na questão do tornar-se certo tipo de pessoa. Sua preocupação,
idealmente, ́ o desenvolvimento da excelência humana HOOFT,
. Desde
que as ações luem do caráter, a ́tica da virtude aspira desenvolver pessoas boas
e comunidades humanas boas.
Podemos então dizer que outra teoria moral que se tornou signiicativa para
muitos ́ticos contemporâneos ́ conhecida como a "́tica da virtude". Certamente
não ́ uma nova teoria, pois ́ tipicamente associada aos gregos e especialmente
a “rist́teles no śculo IV “EC “ntes da Era Comum . Embora suas origens na
ilosoia chinesa sejam ainda mais antigas. Essencialmente, esta teoria difere de
todas as anteriores que discutimos na primeira unidade, em que se concentra não
em consequências, intuições ou regras, mas no desenvolvimento interior dos seres
humanos de um caráter moral ou virtuoso por meio do agir tal como uma pessoa
boa ou "virtuosa" agiria.
2 DEFINIÇÃO DE TERMOS
“o consultarmos um dicionário de língua portuguesa, teremos como
deinição de virtude força moral disposição irme e habitual para a prática do bem
boa qualidade moral ato virtuoso castidade e modo austero de vida FERREIR“,
, p.
. Os dicionários de ilosoia descrevem o termo virtude como aquele
que designa uma capacidade qualquer ou excelência, seja qual for a coisa ou o ser
a que pertença [...] capacidade ou potência em geral [...] capacidade ou potência
do homem […] capacidade ou potência moral do homem “””“GN“NO,
,
p.
.
91
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
Como você pode ver, a ênfase está no caráter bom ou virtuoso dos pŕprios
seres humanos, e não em seus atos ou nas consequências de seus atos, sentimentos
ou regras. Em outras palavras, ́ o desenvolvimento da pessoa boa ou virtuosa que
́ importante nesta teoria moral, e não regras abstratas ou consequências de atos ou
regras, exceto quando derivam de uma pessoa boa ou virtuosa ou fazem com que
essa pessoa seja boa ou virtuosa.
3 A ÉTICA NICOMAQUEIA DE ARISTÓTELES
“ Ética da Virtude deriva da Ética a Nicômaco de “rist́teles
, obra
dedicada ao seu ilho, Nicômaco. Tal ́tica tem caráter teleoĺgico isto ́, aponta
para algum im ou proṕsito . Como disse “rist́teles "“dmite-se geralmente que
toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira
um bem qualquer e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem ́ aquilo a que
todas as coisas tendem
, . ,
a, p.
. Por exemplo, a arte do ḿdico
visa à saúde, a marinhagem visa uma viagem segura e a economia visa à riqueza.
Ele prossegue dizendo que o im da vida humana ́ a felicidade, e a atividade
básica dos seres humanos ́ o uso da razão – uma atividade virtuosa. Portanto, o
objetivo dos seres humanos, segundo “rist́teles, ́ raciocinar bem para uma vida
inteira ou completa.
“rist́teles está preocupado com a ação, não como sendo correta ou boa em
si mesma, mas por ser condutiva ao bem humano ROSS,
. Em sua elaboração
térica da ́tica, ele parte dos julgamentos morais reais dos seres humanos e diz
que os comparando, contrastando-os e ponderando-os chegamos à formulação de
princípios gerais “RIST2TELES,
. Observem como isso difere da Teoria do
Comando Divino e das teorias de Kant e Ross, quanto ao modo como os princípios
são estabelecidos. Nas três últimas teorias, os princípios ́ticos são objetivos ou
externos aos seres humanos e são estabelecidos pelo sobrenatural ou pela pŕpria
razão abstrata. “rist́teles pressupõe que há tendências ́ticas naturais implantadas
nos seres humanos e que as seguir com uma atitude geral de harmonia e proporção
consistentes constitui uma vida ́tica.
“rist́teles descreve seu sistema ́tico como sendo eminentemente baseado
no senso comum, na maior parte, fundado como está nos juízos morais do ser
humano ideal que, baseado na razão, ́ considerado bom e virtuoso KR“UT,
. “rist́teles airma que os seres humanos começam com uma capacidade
de bondade, que tem de ser desenvolvida pela prática. Ele diz que começamos
fazendo atos que são objetivamente virtuosos, sem o conhecimento de que os atos
são bons e sem os escolhermos ativa ou racionalmente. “o praticarmos esses atos,
percebemos que a virtude ́ boa em si mesma RICKEN,
. Por exemplo, uma
criança ́ ensinada a dizer a verdade objetivamente uma virtude por seus pais, e
ela faz isso porque eles ensinaram que ela deveria. Eventualmente, ela reconhece
que a verdade ́ uma virtude em si mesma, e ela continua a dizer a verdade, porque
ela sabe que ́ virtuoso fazê-lo.
92
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
Este processo parece ser circular, exceto que “rist́teles faz uma distinção
entre os atos que criam uma boa disposição, por exemplo, dizer a verdade sem
saber que isso ́ uma virtude, e aqueles que luem da boa disposição uma vez que
foi criada, por exemplo, dizer a verdade porque a pessoa a conhece como uma
virtude SILVEIR“,
. “rist́teles airma ainda que a pŕpria virtude ́ uma
disposição que se desenvolveu a partir de uma capacidade pelo pŕprio exercício
dessa capacidade PERINE,
.
3.1 O CARÁTER E O FLORESCIMENTO HUMANO
Um dos principais atrativos da ́tica de “rist́teles ́ a forma como encoraja
o lorescimento humano KR“UT,
. Na verdade, a ́tica de “rist́teles está
em grande parte preocupada com a questão do que promove a felicidade ou o
lorescimento humano e conduz a uma vida humana mais plena e mais feliz. “
palavra grega para felicidade que “rist́teles usa, eudaimonia, tamb́m pode ser
traduzida como "lorescimento", plenitude , prosperidade ou "bem-estar"
CRUZ,
. Virtudes e vícios são compreendidos precisamente nesse contexto.
“s virtudes são aquelas forças ou excelências de caráter que promovem o
lorescimento humano, e os vícios são aquelas fraquezas de caráter que impedem o
lorescimento. “ coragem, por exemplo, ́ uma virtude porque devemos enfrentar e
superar nossos medos se quisermos alcançar nossos objetivos na vida. No entanto,
o que, exatamente, ́ o lorescimento humano?
“ noção de lorescimento ou felicidade humana ́ notoriamente
escorregadia, mas a abordagem de “rist́teles ́ útil, mesmo que, em última
análise, seja incompleta. Duas linhas de argumento passaram por sua abordagem
para determinar o que conta como um lorescimento humano. Por um lado, o
lorescimento ́ entendido num contexto funcional. Um martelo, por exemplo, ́
um bom martelo se ele faz bem o que foi projetado para fazer – se martelar bem os
pregos. Um violão ́ um bom violão se for capaz de fazer boa música. “rist́teles
expressa-se desta maneira no Livro da Ética a Nicômaco
Observemos, pois, que toda virtude ou excelência não ś coloca em boa
condição a coisa de que ́ a excelência como tamb́m faz com que a
função dessa coisa seja bem desempenhada. Por exemplo, a excelência
do olho torna bons tanto o olho como a sua função, pois ́ graças à
excelência do olho que vemos bem. “nalogamente, a excelência de
um cavalo tanto o torna bom em si mesmo como bom na corrida, em
carregar seu cavaleiro e em aguardar de ṕ irme o ataque do inimigo.
Portanto, se isto vale para todos os casos, a virtude do homem tamb́m
será a disposição de caráter que o torna bom e que o faz desempenhar
bem a sua função “TIST2TELES,
, . ,
a, p.
.
Observe, no entanto, que estes são objetos projetados para atender a um
proṕsito humano particular, como martelar pregos ou fazer música. Os seres
humanos não têm uma função ́bvia na mesma maneira não problemática que os
martelos e os violões têm suas funções.
93
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
É claro que, em certos contextos religiosos, os seres humanos têm uma
função ou proṕsito ́bvio, e esse proṕsito ́ ordenado por Deus. Dentro dessa
visão de mundo, as virtudes têm uma justiicativa muito mais ́bvia são essas
forças de caráter necessárias para que possamos cumprir o plano de Deus para
ńs. Tal visão pressupõe que nos foi dado um proṕsito por um ser divino e que
podemos saber qual ́ a inalidade.
Por outro lado, “rist́teles, às vezes, entende o lorescimento em termos do
exercício de propriedades únicas SHIELDS,
. Considere uma ameixeira. Sua
característica única ́ que ela dá ameixas. Consequentemente, uma boa ameixeira
será uma que faça isso bem. De forma semelhante, existe uma característica única
que separa os seres humanos de outros tipos de seres a capacidade de raciocinar
ou pensar. Consequentemente, um bom ser humano será aquele que raciocine
bem. O lorescimento humano ́, portanto, deinido em termos de raciocínio ou
pensamento – para “rist́teles, em última análise, em termos da vida contemplativa.
Quando o lorescimento ́ abordado atrav́s de uma análise da função,
“rist́teles tende a enfatizar como a felicidade está relacionada à sabedoria prática
SHIELDS,
. Pessoas de sabedoria prática, “rist́teles
nos diz em Ética a
Nicômaco, são pessoas que podem deliberar bem sobre o que ́ bom para sua vida
como um todo, não apenas o que ́ bom para parte dela ou o que ́ conveniente.
Esses indivíduos, muitas vezes, pensam que o lorescimento tem elementos sociais
e políticos profundamente enraizados neles. De acordo com essa concepção de
lorescimento, os seres humanos são profundamente sociais por natureza, e a
participação na vida comum da cidade-estado, a polis, ́ uma parte essencial de
qualquer vida feliz. Felicidade ou lorescimento seria impossível sem comunidade
RICKEN,
. Podemos chamar a isso de concepção política da felicidade, mas
́ importante reconhecer que a palavra política não carregava conotações negativas
para os gregos do tempo de “rist́teles. Para os gregos, o domínio político abrangia
praticamente tudo o que se refere à criação de uma vida comum em conjunto.
Há uma segunda concepção de lorescimento no pensamento de “rist́teles
que existe em uma tensão desconfortável com a primeira. Esta ́ a teoria do
lorescimento que deriva do argumento da unicidade SHIELDS,
. De acordo
com esta concepção, o lorescimento consiste essencialmente na contemplação
do bem. O ́cio ́ um pressuposto necessário de tal visão, pois deve haver algum
modo de criar o tempo necessário para a contemplação. Esta ́ a concepção
contemplativa da felicidade. Considerando que a concepção política vê a felicidade
como residindo pelo menos parcialmente na atividade, a concepção contemplativa
enfatiza como a felicidade ́ encontrada atrav́s de um afastamento do mundo e de
seus assuntos cotidianos.
Os pŕprios escritos de “rist́teles sugerem que ele vacila entre essas duas
concepções de felicidade PICHLER,
. “ssim como estudiosos de “rist́teles,
como argumenta Ricken
, estiveram divididos sobre qual destas representa
sua visão verdadeira ou se as duas concepções podem ser reconciliadas. Se
ampliássemos a abordagem pluralista desta questão na ilosoia de “rist́teles,
poderíamos dizer que a pŕpria felicidade pode ser entendida de forma pluralista.
94
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
“ felicidade em geral pode ser vista como a satisfação que vem com a consecução
dos objetivos mais importantes da vida, mas podemos reconhecer que existe
uma ampla variabilidade em metas aceitáveis. “lguns desses objetivos podem
estar localizados irmemente dentro do domínio social, e outros podem ser
principalmente contemplativos. No entanto, tamb́m podemos reconhecer que
existem algumas restrições mínimas impostas a esses objetivos por nossa natureza
social e intelectual. “ssim como não podemos encontrar a felicidade em completo
isolamento de outras pessoas, tamb́m não conseguimos encontrá-la sem uma
relexão signiicativa sobre os objetivos que ńs escolhemos realizar. “mbos
os elementos são necessários em uma extensão mínima, mas existe uma ampla
variabilidade no peso relativo que damos a um sobre o outro.
3.2 AVALIANDO A CONCEPÇÃO ARISTOTÉLICA DE
FLORESCIMENTO
Há muito a ser dito em favor do relato de “rist́teles sobre o lorescimento
humano, não menos importante, ́ que ́ antirreducionista HINM“N,
.
“rist́teles não tenta reduzir a existência humana a um único e menor denominador
comum. Isso contrasta fortemente com as teorias que reduzem os seres humanos a
algum fator único – como a geńtica como faz a sociobiologia , a economia como
alguns marxistas e alguns capitalistas tentam fazer , ou o meio ambiente como o
behaviorismo mais estrito – que eles têm em comum com outros tipos de seres
vivos. “rist́teles vê os seres humanos como únicos entre outros seres vivos e não
tenta minimizar ou ignorar esse aspecto dos seres humanos que os torna únicos.
No entanto, “rist́teles, às vezes, parece ir quase ao outro extremo,
aparentemente procurando apenas pelo denominador comum mais elevado
SHIELDS,
. Porque o pensar torna os seres humanos únicos, ele o trata como
a única coisa que nos torna únicos. Como resultado, em ocasiões ele tem uma noção
mais intelectualista e contemplativa da natureza e da virtude humana. Seu erro no
raciocínio ́ simples, como podemos ver de outro exemplo. Imagine que você tenha
um MP player que tamb́m seja um gravador de voz. O recurso de gravação de voz
pode torná-lo único, mas sua excelência ainda está na totalidade de suas funções.
Da mesma forma com os seres humanos Sua excelência reside na totalidade de suas
funções e poderes incluindo a capacidade de sentir , não apenas na capacidade
de pensar. “rist́teles, às vezes, enfatizando demais o papel do pensamento em
sua concepção de lorescimento humano, não era suicientemente holístico em sua
abordagem. Enfatizamos isso porque muitas vezes o papel positivo de emoções
e sentimentos na vida moral ́ negado ou negligenciado. Este ́ um perigo que
“rist́teles às vezes, mas nem sempre, sucumbe.
Há ainda outra desvantagem para o relato das virtudes de “rist́teles, que
compartilha com a maioria das outras abordagens antigas e, em menor medida,
as medievais e as modernas. É uma ́tica para a classe dominante, para homens
gregos privilegiados, livres e adultos, cujos principais interesses eram a política
doḿstica, a guerra e o ́cio. Tal ́tica excluiu completamente as mulheres e a
95
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
maioria dos estrangeiros, muitos dos quais eram tratados como escravos ou menos
do que pessoas morais completas. No entanto, a vida que essa classe privilegiada
apreciava dependia, em grande medida, do apoio desses grupos excluídos. O
́cio grego, que “rist́teles viu como o pressuposto da ilosoia, ́ baseado nessas
desigualdades J“EGER,
.
O que devemos dizer sobre tudo isso? Claramente, em aspectos importantes,
“rist́teles estava no caminho certo. “ssim como claramente vemos que sua visão
às vezes era obscurecida ou distorcida, em parte por causa da ́poca em que ele
vivia. Podemos aprender com a abordagem de “rist́teles ao lorescimento, mas
diicilmente podemos entendê-la como a palavra inal.
3.3 ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS AO
FLORESCIMENTO
Pensadores contemporâneos – psićlogos, economistas e outros cientistas
sociais, bem como iĺsofos – continuaram a tarefa de “rist́teles de entender o
lorescimento humano HEGEN”ERG,
b . Em termos gerais, suas abordagens
se dividem em duas categorias, dependendo de onde localizam os impedimentos
primários para o lorescimento humano. Para aqueles que veem as principais
barreiras ao lorescimento humano como externas a qualquer indivíduo em
particular, sua abordagem de uma vida lorescente normalmente irá estressar
fatores externos e sociais. Para aqueles que veem os principais obstáculos ao
lorescimento humano como internos ao indivíduo, o lorescimento ́ geralmente
retratado principalmente em termos internos e psicoĺgicos.
“ abordagem externa ou social ao lorescimento humano abrange uma
ampla gama de diferentes tipos de fatores que afetam o bem-estar humano.
“lguns são ́bvios muitas pessoas sentem que fatores econômicos, por exemplo,
desempenham um papel importante na determinação do desenvolvimento
humano. “qui, o lorescimento ou o bem-estar podem ser descritos em termos
de fatores objetivos, como o padrão de vida. “queles que conseguem certo nível
de bem-estar econômico são ditos lorescentes, e aqueles que se afastam do nível
mínimo não são vistos como lorescentes. Economistas e cientistas sociais estão
profundamente preocupados com esta questão e procuram desenvolver índices de
bem-estar em uma sociedade. Um dos conceitos mais intrigantes, defendido por
Robert Putnam
, ́ a ideia de que as sociedades possuem certa quantidade
de "capital social" que funciona para fortalecer as comunidades e permitir que o
caráter individual loresça mais plenamente.
Outros tipos de fatores externos podem ser menos ́bvios para a maioria de
ńs. Pense, por exemplo, na relação entre a arquitetura e o lorescimento humano.
“s formas como estruturamos nossos ambientes de vida e trabalho reletem e
afetam nossas interações com outras pessoas. Locais de trabalho sem áreas comuns
para funcionários incentivam um isolamento e separação de colegas de trabalho
que não são encontrados tão facilmente em ambientes de trabalho que estimulam
96
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
a interação GÜNTER GUZZO PINHEIRO,
. Casas em que todas as cadeiras
estão voltadas para a televisão reletem uma concepção diferente de felicidade do
que casas em que as cadeiras são situadas de frente para si DE ”OTTON,
.
Historicamente, os pensadores ut́picos muitas vezes nos forneceram modelos
possíveis de uma vida social que encoraja o lorescimento humano. Muitos desses
modelos pressupõem que as pessoas serão felizes ou seja, lorescerão se certas
condições materiais e sociais possam ser atendidas FREIT“G,
. Muitas
versões das teorias sociais marxistas e capitalistas compartilham esse pressuposto.
Uma vez que o lorescimento ́ especiicado em termos de condições
externas, temos um caminho claro para aumentar a quantidade ou grau de
lorescimento na sociedade. Ńs simplesmente temos que aumentar as condições
externas necessárias para lorescer, sejam elas especiicadas em termos de renda,
cuidados de saúde ou algum outro fator objetivo.
Muitos téricos conectaram o lorescimento humano principalmente com
algum estado interno. Praticamente todas as abordagens espirituais para o bemestar humano, por exemplo, veem o lorescimento principalmente como um estado
da alma que ́, em grande parte talvez inteiramente , independente das condições
externas. Da mesma forma, muitos relatos psicoĺgicos do lorescimento enfatizam
os fatores internos na psique do indivíduo que afetam o bem-estar. “lgumas
abordagens psicoĺgicas analisaram a questão do lorescimento humano, como a
Teoria do Fluxo de Mihalyi Csikszentmihalyi
, em que enfatiza um estado
mental de total envolvimento no processo de uma atividade, ou a abordagem da
Psicologia Positiva de Martin Seligman
,
ao lorescimento e à felicidade
autêntica.
DICAS
Assista ao vídeo de Mihaly Csikszentmihalyi, “Fluidez, o segredo da felicidade”,
no qual ele explica a sua Teoria do Fluxo, disponível em: <https://www.ted.com/talks/mihaly_
csikszentmihalyi_on_flow?language=pt-br>. Assista também ao vídeo de Martin Seligman,
“Psicologia Positiva”, no qual ele descreve como a psicologia investiga a felicidade e o
florescimento humano, disponível em: <https://www.ted.com/talks/martin_seligman_on_the_
state_of_psychology?language=pt-br>.
O que ́ comum à maioria dessas abordagens internas ́ o pressuposto
compartilhado de que muitas vezes somos o nosso pior inimigo e nos retemos de ter
as mesmas satisfações que valorizamos tão altamente. Sabotamo-nos sem perceber
o que estamos fazendo. O caminho para a felicidade envolve principalmente a
superação das barreiras internas ao lorescimento, e isso geralmente ́ uma questão
de disciplina espiritual ou de saúde psicoĺgica. Nesta tradição, o lorescimento
́ principalmente um estado de espírito ou psíquico e não um estado meramente
físico.
97
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
3.4 A ESTRUTURA DAS VIRTUDES EM ARISTÓTELES
Ńs já falamos muito sobre virtudes sem realmente deinir o que “rist́teles
signiica pelo termo. Vamos remediar essa situação.
“ virtude, “rist́teles
nos diz, ́
um hábito ou disposição da alma
envolve sentimento e ação
busca a mediania em todas as coisas relativas
a ńs
e a mediania ́ deinida atrav́s de razão tal como o homem prudente
virtuoso e de sabedoria prática a deiniria. “ virtude conduz, como já vimos, à
felicidade ou ao lorescimento humano. Cada um desses elementos na deinição
de “rist́teles ́ importante, então vamos pausar para examinar cada parte da
deinição.
“rist́teles nos diz que a virtude ́ um hexis, termo grego que se refere a
uma disposição ou hábito SHIELDS,
. Não nascemos com virtudes. Elas não
são naturais ou inatas. Em vez disso, elas são adquiridas, muitas vezes atrav́s da
prática. “ educação moral para “rist́teles, portanto, se concentra em torno do
desenvolvimento do caráter fundamental de uma pessoa, o que “rist́teles chama
de psique ou "alma".
“ virtude, para “rist́teles, não ́ simplesmente uma questão de atuação
de uma maneira particular. Tamb́m ́ uma questão de sentir de certas maneiras.
“ virtude inclui emoção e ação SILVEIR“,
. “ pessoa compassiva não age
apenas de certas maneiras que ajudam a aliviar o sofrimento dos outros, mas
tamb́m tem certos tipos de sentimentos em relação ao seu sofrimento. “ inclusão
do sentimento na deinição de virtude ́ importante para nossas preocupações
aqui, pois, como vimos nos t́picos anteriores da primeira unidade, a exclusão
das emoções na vida moral ou pelo menos sua desvalorização leva a problemas
signiicativos para as teorias kantiana, utilitaristas e egoístas da moral. O relato de
“rist́teles sobre a vida moral em termos de virtude, com sua ênfase no caráter
emotivo ou afetivo da virtude, nos permite deixar de lado essa objeção.
Uma virtude, diz-nos “rist́teles
, envolve encontrar a mediania
entre os dois extremos de excesso e deiciência. “ coragem, por exemplo, ́ aquele
meio-termo entre covardia deiciência e temeridade excesso . Nas virtudes que
contêm vários elementos, pode haver vários vícios associados, dependendo de
qual dos elementos está em excesso e quais são deicientes. “ coragem, quando a
examinamos mais de perto, tem pelo menos dois componentes medo e coniança
ROSS,
. Podemos errar em relação a qualquer dos fatores podemos ter muito
ou pouco medo, ou podemos ter muita ou pouca coniança em ńs mesmos.
O pŕprio “rist́teles
sugere que este quadro tripartido nem sempre
se aplica. O exemplo que ele dá ́ o assassinato. Não há, ele nos diz, qualquer
mediania em relação ao assassinato. É apenas um extremo. No entanto, “rist́teles
deve estar confuso sobre este assunto, pois o assassinato não ́ uma virtude nem
um vício. É uma ação, não uma qualidade de caráter. Na verdade, a qualidade de
caráter relevante seria algo como o respeito pela vida, que ́ uma virtude que pode
98
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
ter extremos. Por um lado, há aqueles com pouco respeito pela vida. Eles matam
e ferem outros sem levar em conta a dor e o sofrimento que estão inligindo. Por
outro lado, há aqueles que nem pisam em uma formiga. Pode-se argumentar que
eles têm um respeito excessivo pela vida.
Entretanto, “rist́teles dá duas maneiras de determinar qual seria a
mediania atrav́s da razão e atrav́s da observação da pessoa prudente SHIELDS,
. Essa dualidade relete a questão de que precisamos tanto de princípios,
quanto de pessoas para a vida moral. Em vez de escolher um ou outro, “rist́teles
escolhe os dois porque os vê como complementares.
Deste modo, segundo “rist́teles, a virtude ́ uma mediania, o meio-termo
entre dois extremos, em que ambos são vícios – ou excesso ou deiciência ou
defeito . “ virtude moral, então, ́ deinida por “rist́teles como sendo
uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa
mediania, isto ́, a mediania relativa a ńs, a qual ́ determinada por um
princípio racional pŕprio do homem dotado de sabedoria prática. É um
meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta
, .
b a , p.
.
“ssim, a sabedoria prática ́ a capacidade de ver qual ́ a coisa certa a
fazer em qualquer circunstância SPINELLI,
. Portanto, uma pessoa deve
determinar o que um homem virtuoso com sabedoria prática escolheria em
qualquer circunstância que exigisse uma escolha moral e então faria a coisa
certa. Obviamente, “rist́teles atribui muito mais importância a uma consciência
esclarecida do que a regras téricas pŕvias diferindo de novo do térico do
Comando Divino, Kant ou Ross .
Então, qual ́ o meio-termo, a mediania entre o excesso e a deiciência, e
como a podemos determinar? De acordo com “rist́teles, a mediania na ́tica não
pode ser determinada matematicamente. Pelo contrário, ́ uma mediania "relativa
a ńs" ou para quem está tentando determinar a coisa certa a fazer CRUZ,
.
Por exemplo, se dez quilos de alimentos são demais excesso e dois são muito
pouco deiciência ou defeito , então seis quilos, que ́ o meio-termo entre estes
dois extremos, ainda pode ser muito para alguns e pouco para os outros. Portanto,
deve-se escolher a mediania apropriada entre os dois extremos, em relação a si
mesmo.
“lguns exemplos de meios-termos entre dois extremos, estabelecidos
por “rist́teles e tabulados por Sir William David Ross
, p.
, que
estabeleceu a teoria ́tica dos deveres Prima Facie, estão no quadro a seguir. Esta
lista parcial lhe dará uma ideia do que “rist́teles queria dizer por mediania entre
dois extremos, mas não mostra realmente o que seria o meio-termo "relativo a
ńs". Contudo, fornece-nos algumas diretrizes gerais às quais podemos nos referir
quando tentamos determinar a mediania "relativa a ńs".
99
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
QUADRO 6 - VIRTUDES ARISTOTÉLICAS
Sentimento/Ação
Coniança
“titude frente à
morte ou perigo
Prazer sensual
“titude frente aos
pŕprios desejos
Empatia
“titude frente ao
sofrimento dos
outros
Vergonha
“titude frente às
nossas ofensas
Excesso
Temeridade
Meio-Termo
Coragem
Defeito
Covardia
Luxúria/Gula
Temperança/Moderação
“nedonia
Pena/d́
Compaixão
Insensibilidade
Culpa T́xica
“rrependimento
Indiferença
FONTE: Adaptado de Ross (1987) e Van Hooft (2006)
“ssim, “rist́teles nos diz que a virtude ́ a disposição da alma/mente
atrav́s do raciocínio para encontrar a mediania em todas as coisas relativas a ńs.
“ mediania ́ aquele meio-termo entre dois extremos – os extremos do excesso
tendo muito de algo e deiciência tendo pouco . “ mediania ́ descrita de forma
diferente, dependendo da esfera particular da existência em que estamos buscando
o meio-termo. Certas esferas de existência são encontradas em quase todas as
culturas PERINE,
.
“s virtudes, diz-nos “rist́teles, são aquelas forças do caráter que
promovem o lorescimento humano. “lgumas dessas forças são forças da vontade
KR“UT,
. “ perseverança em face de uma tarefa difícil e longa ́ uma virtude
da vontade, o que alguns chamaram de Virtude Executiva HOOFT,
. “ssim
tamb́m ́ a coragem, a capacidade de agir em face dos medos de algúm. Essas
virtudes da vontade são em grande parte independentes da bondade moral.
“lgúm pode tão facilmente perseverar em uma vida de crime como em uma
vida de bondade. Ladrões de banco podem exibir tanta coragem quanto um
agente da polícia que tenta capturá-los. Outras virtudes estão mais intimamente
relacionadas ao bem moral, e ńs podemos chamá-las de Virtudes Morais ou de
Caráter HOOFT,
. “ compaixão ́ claramente uma virtude de caráter, pois
está diretamente ligada a uma preocupação com o bem moral de uma maneira que
a perseverança e a coragem não o estão.
No núcleo da compreensão de “rist́teles da vida moral está a sua noção
de phronesis, que ́ várias vezes traduzida como "sabedoria", "sabedoria prática",
"prudência" e at́ "inteligência" PERINE,
. Sabedoria prática, embora o termo
pareça ter um ar paradoxal porque a sabedoria geralmente se pensa ser algo
contemplativo em vez de ativo, ́ a tradução mais precisa. “o discutir phronesis,
“rist́teles está enfatizando dois elementos nesta faculdade de juízo. Primeiro,
100
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
ele enfatiza a dimensão prática de tais juízos, que está essencialmente focada na
aplicação de algo geral – uma concepção da vida boa ou seja, de lorescimento
humano – a casos muito especíicos. Em segundo lugar, ao chamar isso de
sabedoria, enfatizamos o fato de que vai aĺm da mera aplicação mecânica das
regras KR“UT,
. Desta forma, os juízos morais aristot́licos se distinguem
dos simples cálculos do tipo que encontramos no utilitarismo. De fato, phronesis
está mais perto da arte do que da ciência. Vamos analisar isso mais de perto.
“ sabedoria prática tem vários elementos FURROW,
. Envolve a
aplicação relexiva e afetiva de uma disposição geral para a ação correta de algum
tipo ou seja, uma virtude como a coragem para uma situação particular por
exemplo, uma ameaça de um ladrão à luz de uma concepção geral do lorescimento
humano. “ssim, existem três elementos principais uma virtude, uma situação
particular e uma concepção da vida boa ou do lorescimento humano.
“ssim, a sabedoria prática consiste na aplicação de uma excelência
especíica de caráter a uma situação particular à luz de uma concepção geral da
vida boa. Esta aplicação tem uma dimensão intelectual e afetiva. É um processo de
relexão ou um ato de relexão em que tomamos um conceito geral e o aplicamos a
um caso especíico. No entanto, ́ acompanhado tamb́m por um processo afetivo
pelo qual o indivíduo ordenou corretamente os desejos.
Uma parte da sabedoria ́ conhecer a melhor maneira de alcançar um
im particular e, para isso, não há um conjunto exaustivo de regras detalhando
como determinar em qualquer caso particular quais são os melhores meios. Pelo
contrário, ́ uma questão do que “rist́teles chama de astúcia PERINE,
.
“o discutir esta questão, “rist́teles levanta um ponto interessante e importante
sobre a diferença entre sabedoria e mera astúcia. “ pessoa simplesmente astuta ou
inteligente, airma “rist́teles
, conhece os melhores meios para qualquer
im particular, mas não sabe quais os ins que vale a pena perseguir. “ pessoa
sábia, ao contrário, não ś sabe a melhor forma de atingir um im particular, mas
tamb́m entende quais os ins que merecem ser alcançados.
“rist́teles
faz o que parece ser uma airmação surpreendente em sua
discussão sobre as virtudes você não pode ter uma virtude sem ter as outras, ou
seja, há uma reciprocidade das virtudes. Contudo, dada a concepção de “rist́teles
sobre a sabedoria prática, isso faz sentido. “s virtudes não existem isoladamente,
elas estão conectadas tanto a situações particulares quanto a uma concepção geral
do lorescimento humano. Se este for o caso, então, ter qualquer virtude especíica
de modo pleno ́ ver como ela se encaixa no esquema mais geral de uma vida
boa. E para fazer isso ́ preciso ter as outras virtudes que são necessárias para
prosseguir a vida boa tamb́m.
Esta visão da relação entre virtudes especíicas e uma concepção geral
do lorescimento humano nos permite resolver alguns casos sobre a decisão
em relação às virtudes. Tome a coragem como exemplo. Indivíduos temerários
e imprudentes enfrentam grandes perigos por coisas de pouco valor. Eles não
conseguiram integrar sua capacidade de enfrentar o medo em uma concepção
101
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
maior de lorescimento humano e, como resultado disso, não possuem a total
virtude de coragem. Existe uma questão semelhante à compaixão. “ pessoa
que sente muita pena ou d́ ́ aquela que responde dando ajuda ou dinheiro
de forma irrelexiva e sem uma concepção geral suiciente da vida boa. “ pessoa
genuinamente compassiva responderá ao sofrimento dos outros tanto de forma
pensativa como emocional e fará isso no contexto de uma concepção da vida boa
tanto para a pessoa compassiva quanto para a pessoa em necessidade.
Às vezes, ́ difícil saber como responder a problemas morais de uma
maneira que mostre sabedoria prática. Pense, por exemplo, no problema da
pobreza na sociedade brasileira de hoje. O desaio que enfrentamos como nação
́ como responder às grandes desigualdades econômicas encontradas em nosso
meio, especialmente aquelas desigualdades que têm pouco a ver com habilidade
ou perseverança. Os programas sociais, como o ”olsa Família, foram destinados
a responder desta forma, e muitos destes programas foram parcialmente bemsucedidos. No entanto, os programas foram muitas vezes desenvolvidos e
administrados sem uma concepção clara do lorescimento humano ou seja, a vida
boa que estamos buscando realizar . Como resultado, as etapas foram motivadas
pela compaixão, mas não foram suicientemente orientadas por uma concepção da
vida boa. Pense, por exemplo, em projetos de habitação pública. Eles foram bemintencionados na maioria dos casos, mas raramente conseguiram seus objetivos.
Eles criaram comunidades mais alienadas e isoladas, cada vez mais incomodadas
pela violência e com uma sensação de desesperança e raramente foram orientadas
por uma visão realista da vida boa.
“prender a ser compassivo de boa maneira, que ́ o sentido desta virtude, ́
realmente difícil. “ssim tamb́m ́ aprender a ser um artista realizado, um ḿdico
qualiicado ou um bom pai, mas a diiculdade não ́ motivo para abandonar a
tentativa. Seja como for, ́ um motivo para tentar ainda mais.
“gora, vamos dedicar um espaço para explorar a virtude na perspectiva
das teorias chinesas, em especial o confucionismo.
4 O AUTOCULTIVO MORAL CONFUCIANO
No núcleo das teorias chinesas do autocultivo moral está o conceito de
virtude. O termo chinês Te virtude pode ser rastreado at́ a dinastia Shang
no śculo XII “EC. Onde era entendido como "uma esṕcie de poder que se
acumulava ou residia dentro de um indivíduo que agia favoravelmente a um
espírito ou a outra pessoa" IV“NHOE,
, p. ix . Em etimologias posteriores, o
termo Te virtude signiicava "ter um controle sobre algúm, mas esse poder de
inluenciar os outros era tal que não podia ser usado para manipular os outros, a
im de satisfazer o seu pŕprio interesse IV“NHOE,
. Te” ́ o poder inerente
ou tendência para afetar os outros e ́, portanto, mais comumente traduzido como
"virtude ou poder .
102
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
“creditava-se que o Te poderia ser cultivado e desenvolvido de forma
que levaria a uma autotransformação necessária para viver uma vida eticamente
plena. “s vidas desses indivíduos transformados, por sua vez, teriam um efeito
positivo, dramático e poderoso sobre os outros. O termo, assim, carrega o sentido
de autorrealização em que signiica tudo o que uma pessoa pode fazer ou ser como
membro de uma comunidade. Como tal, o termo "excelência" pode ser uma melhor
tradução do termo Te . Ele denota um indivíduo sobressaindo-se em tornar-se
tudo o que se pode ser no sentido de fazer o melhor com o que se tem. “quilo
que cada pessoa tem inerentemente ́ o Te , mas a excelência ́ desenvolvê-lo
plenamente no contexto de sua pŕpria vida e na sociedade L“U,
.
Desde a ́poca da dinastia Zhou, aproximadamente no śculo XI “EC, a
virtude esteve intimamente ligada ao Estado. Os antigos reis sábios governavam
atrav́s da propriedade ritual e dos costumes termo em chinês Lí e não pela
lei e pela força, pois os bons governantes exibiam reverência sincera pelo seu
passado e se preocupavam em cuidar do bem-estar material e espiritual do povo
e manter a harmonia entre ću e terra. O cultivo apropriado da virtude real ou
Te era necessário para realizar isso de maneira apropriada, porque permitia
ao governante obter o endosso do ću, atrair e reter ministros bons e capazes, e
assegurar o respeito e a lealdade dos súditos L“U,
”UENO NETO,
.
Kongzi ou "Confúcio"
“EC disse O governo pela virtude [Te]
pode ser comparado à estrela Polar, que comanda a homenagem da multidão
de estrelas sem sair do lugar CONFÚCIO,
, . , p.
. Era por meio do
cultivo apropriado do Te que um excelente líder era capaz de exercer um efeito
tão poderoso e abrangente sobre a sociedade. Foi Confúcio e seus seguidores
que trabalharam as bases para um programa abrangente de autocultivo moral
IV“NHOE,
.
4.1 OS ANALECTOS CONFUCIANOS
Nenhum pensador inluenciou a ́tica da Ásia mais do que Confúcio. Ele ́ o
maior professor da China e suas lições são profundamente humanistas, enfatizando
as responsabilidades que as pessoas têm entre si com o objetivo de produzir e
manter uma sociedade justa e ordenada. Confúcio viveu durante um período de
agitação política e caos, conhecido como o Período das Primaveras e Outonos, uma
́poca que imediatamente precedeu o Período de Estados Combatentes, e suas
percepções morais prevaleceram e se tornaram a base para a longa estabilidade da
China como civilização e como nação COUTO,
.
Para Confúcio, os seres humanos são fundamentalmente sociais de natureza.
Um indivíduo ́ nascido em uma família e ́ membro de uma comunidade e de
uma nação que era considerada como uma família extensa ou "grande" ”UENO
NETO,
. Em outras palavras, a identidade está sempre ligada ao grupo e aos
relacionamentos dentro da ordem social. Como um eu relacional, o indivíduo
ocupa certos paṕis sociais que carregam responsabilidades correspondentes
103
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
IV“NHOE,
. Em um mundo chinês, a unidade fundamental ́ a família,
enquanto o Estado ́, de fato, a família como um mandato ampliado. O indivíduo
enredado e como parte dessa estrutura social, espera-se que ele exerça uma
consideração mútua em todas as relações humanas. No confucionismo existem
cinco relações cardeais, principalmente de natureza patriarcal e hierárquica, que
especiicam deveres e priviĺgios. É dentro da estrutura dessas relações que se
realizam as virtudes e atitudes que reforçam a vida cotidiana OUTHW“ITE
”OTTOMORE,
.
QUADRO 7 - AS CINCO RELAÇÕES CARDEAIS CONFUCIANAS
As Cinco Relações Cardeais Confucianas
Governante e súdito
Pai e ilho
Marido e esposa
Irmão mais velho e irmão mais novo
“migo e amigo
FONTE: Outhwaite e Bottomore (1996, p. 124)
Discutimos a relação entre governante e súdito anteriormente em nossa
apresentação da virtude real Te e da propriedade e dos costumes rituais Li .
Nos “nalectos, Confúcio
, . , p.
expressa assim Guie-o por meio de
editos zheng , mantenha-o na linha com punições xing , e o povo se manterá
longe de problemas, mas não será capaz de sentir vergonha. Guie-o pela virtude
Te , mantenha-o na linha com os ritos Lí , e o povo, aĺm de ser capaz de sentir
vergonha, reformará a si mesmo .
Podemos ver, portanto, que Confúcio percebe uma clara diferença entre
fazer a coisa certa e ser uma boa pessoa.
Todos os relacionamentos confucianos são governados pela prática de Shu,
"reciprocidade". O pai deve cuidar do ilho, dar proteção e fornecer educação. Em
troca, o ilho deve praticar piedade ilial. “ceitar instrução, orientação e direção
do pai e cuidar dele na velhice. “ĺm disso, o ilho mais velho deveria realizar a
cerimônia de sepultamento de acordo com os procedimentos costumeiros e honrar
os antepassados CONFÚCIO,
.
Como marido, o homem ́ a cabeça da casa e cuida dos deveres da
família e provê para sua esposa e família. “ĺm disso, ele deveria ser honrado e
iel. “ posição da esposa ́ subordinada ao marido. Ela deve cuidar da casa e ser
obediente ao marido. Há um velho ditado na China "O marido canta e a esposa
harmoniza" HSU,
, p.
. “ĺm disso, a esposa deve atender às necessidades
de seu marido e cuidar das crianças. O irmão mais velho deve dar um exemplo de
bom comportamento e cultivar reinamento para as crianças mais novas. O irmão
mais novo, por sua vez, mostra respeito ao irmão mais velho por causa de sua
experiência e caráter.
104
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
“ amizade ́ uma relação recíproca de respeito entre iguais. É a única
relação cardinal que não ́ hierárquica OUTHW“ITE ”OTTOMORE,
.
“ natureza das relações confucianas nos diz que, embora devamos mostrar
respeito igualmente a todos, nem todos são iguais. Há um lugar para a autoridade
legítima e ́ apropriado mostrar deferência a essa posição de autoridade. Com o
passar do tempo, as relações e seus paṕis correspondentes e responsabilidades
mudam – o ilho mais velho se torna marido e pai e os ilhos tornam-se pais. Nos
relacionamentos confucianos cada pessoa compreende seu lugar em relação aos
outros, e a virtude ś faz sentido dentro das relações interpessoais. “s virtudes
confucianas são assim decididamente de natureza social.
4.2 HARMONIA CONFUCIONISTA
Um estudo do pensamento chinês sugere que seu objetivo ́ alcançar uma
grande harmonia. À luz desta noção de harmonia, discutiremos as duas principais
virtudes confucianas, a saber, o termo Ren”, traduzido diversas vezes como
amabilidade humana, benevolência, bondade ou humanidade, e o termo Lí ,
traduzido como ritos, propriedade ritual, ou adequação ”UENO,
.
Ren, etimologicamente se referia a "membros de um clã" em oposição àqueles
fora do clã ou forasteiros. Dentro do clã referia-se à tolerância em relação a outros
membros que não era estendida para aqueles fora do clã. Seu comportamento era
humanitário e acabou se tornando um termo geral para o ser humano, distinguindo
assim o "humano" do "animal" e sugerindo uma conduta digna e apropriada de
um ser humano como distinta dos brutos. Caracteriza-se pela Regra de Ouro, às
vezes chamada de Regra de Prata Confucionista "Não faça aos outros o que você
não gostaria que izessem a ti mesmo IV“NHOE,
, p.
.
Ren ́ a principal virtude confucionista e destaca e realça a relação natural
entre o indivíduo e a comunidade. Na verdade, o termo Ren ́ realmente composto
de dois caracteres chineses. O primeiro representa a pessoa individual e o segundo
́ o carácter para o número dois. Portanto, o ideograma para Ren ́ "um-ser-comoutros" ”R“NNIG“N,
, p.
. O self chinês ́ um self relacional. “ pessoa ́
um "indivíduo" apenas em relação aos outros e essas relações constituem a pŕpria
identidade. O estudioso confuciano Roger “mes
, p.
descreve assim
“ comunidade ́ um projeto de revelação. Essa inseparabilidade da
integridade pessoal e da integração social colapsa a distinção entre
meios e ins, tornando cada pessoa um im em si mesmo e uma condição
ou meio para todos os outros na comunidade serem o que são. O modelo
́ de mutualidade.
O Ren tenta harmonizar interesses individuais com o bem da comunidade.
No entanto, em todos os casos o primado se estende ao bem comum. Este último
ponto conduz logicamente a uma consideração de Lí.
105
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
Lí, a "propriedade ritual", ́ a virtude confucionista que deve ser cultivada
se quisermos ser um participante pleno na comunidade. Lí refere-se a todos os
paṕis e formas de vida com signiicado investido dentro da comunidade que
são transmitidos por meio do costume e da tradição de geração em geração. Se
o cultivo da virtude Ren resulta na atitude disposicional adequada que, como
ser humano, o indivíduo traz para as relações humanas, então Lí torna possível
ao indivíduo exibir uma conduta apropriada em qualquer situação especíica de
conduzir-se na presença de um governante, como vestir-se, as maneiras de mesa
e etiqueta, padrões de saudação, de graduações, casamentos, funerais e culto aos
antepassados. "Lí ́ a expressão concretizada da humanidade" ”R“NNIG“N,
,
. Lí ́ a apropriação pessoal da tradição e, portanto, da comunidade de
uma forma não meramente formal e supericial, mas tamb́m autêntica, sincera e
pessoal. Lí traz estabilidade social a uma sociedade e permite que ela funcione bem
sem a imposição excessiva de leis e ameaças de punição.
O discípulo de Confúcio, Meng Zi ou Mencius
“EC , apresentou
um confucionismo idealizado e argumentou que os seres humanos são inatamente
bons. Isto ́, as pessoas têm uma disposição natural em relação ao bem. Como
tal, o autocultivo moral envolve o desenvolvimento e a promoção de verdadeira
natureza do indivíduo L“U,
. Como "brotos", a virtude precisa ser cultivada
e cultivada em plena loração. No entanto, uma igura igualmente grande na
tradição confucionista, Xun Zi
“EC , ofereceu o que considerava uma
interpretação realista do pensamento confucionista. O Mestre Xun ensinou que a
natureza humana ́ má. “ natureza humana ́ má porque as pessoas não são, como
ensinou Mencius, naturalmente dispostas ao bem, mas inclinadas ao interesse
pŕprio. Como os bens são limitados e as pessoas desejam as mesmas coisas,
haverá conlito e mal. “ssim, a conduta virtuosa que leva a uma sociedade estável
e boa envolve o cultivo disciplinado. Em contraste com Mencius, que descreve o
autocultivo moral utilizando a metáfora agrícola da tendência de brotos, Xun Zi
descreve o autocultivo moral metaforicamente em termos dos processos severos
de endireitar a madeira torta e aiar o metal em uma moagem, ou seja, tornar-se
virtuoso não ́ natural, mas estritamente convencional ”UENO,
.
De qualquer modo, todos os confucionistas concordam que as virtudes são
desenvolvidas atrav́s do autocultivo moral at́ se tornarem hábitos e atitudes de
caráter. Este processo ́ um processo de não ś se tornar uma boa pessoa, mas
tamb́m, de fato, de se tornar plenamente humano. Este ideal moral ́ encarnado
na pessoa do Junzi, "pessoa superior" ou "indivíduo cultivado" similar em
alguns aspectos ao "homem virtuoso com sabedoria prática" de “rist́teles .
No pensamento confucionista, o autocultivo moral ́ sempre um exercício e um
reinamento da virtuosidade social IV“NHOE,
.
4.3 A ÉTICA CONFUCIONISTA DOS PAPÉIS
“s qualidades de excelência e, de fato, a instituição da moralidade na
tradição confucionista estão fundamentadas no cultivo da reverência familiar. Os
“nalectos de Confucius declaram
106
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
É raro um homem que ́ bom como ilho e obediente [Xiaoti] como
jovem ter a inclinação de transgredir contra seus superiores não se sabe
de algúm que, não tendo tal tendência, tenha iniciado uma rebelião.
O cavalheiro [Junzi] dedica seus esforços às raízes, pois, uma vez que
as raízes estão estabelecidas, o Caminho [Dao] daí brotará. Ser um ilho
bom e um jovem obediente ́, talvez, a raiz do caráter [Ren] de um
homem CONFÚCIO,
, . , p.
.
“ reverência familiar ́ a raiz do Ren que tamb́m pode ser traduzida como
bondade ou humanidade ”R“NNIG“N,
.
Henry Rosemont e Roger “mes
, p. xii identiicaram este sistema
confucionista da moralidade como "Ética dos Paṕis". Eis o que eles dizem
Dada esta centralidade do sentimento familiar na evolução de uma
sensibilidade moral confucionista, tentamos com base no Xiaojing
– o Clássico da Reverência Familiar – e passagens suplementares
encontradas nos outros escritos ilośicos iniciais para articular o
que consideramos ser uma concepção confucionista da "́tica dos
paṕis". Essa ́tica dos paṕis toma como seu ponto de partida e como
sua inspiração a necessidade percebida do sentimento familiar como
fundamento no desenvolvimento da vida moral.
“mes e Rosemont estão, de fato, colocando a ́tica dos paṕis como uma
teoria distintamente diferente das teorias morais básicas que emergiram no curso
da tradição ́tica ocidental.
Neste livro, a "́tica confucionista dos paṕis" tamb́m ́ considerada como
um tipo "novo" de teoria ́tica, juntamente com as teorias tradicionais da ́tica
consequencialista e não consequencialista, mas distintas delas. Incluímo-la aqui
no t́pico sobre Ética da Virtude porque há conexões ́bvias e imediatas que são
frequentemente feitas entre a ́tica de “rist́teles e a ́tica de Confúcio. O argumento
aqui ́ que, como o mundo chinês assume uma ontologia inteiramente diferente,
não essencialista, um cosmos dinâmico e um mundo humano em que todas as
relações são caracteristicamente familiares, a ́tica dos paṕis confucionista ́
distinta como uma teoria ́tica e deve ser entendida em seus pŕprios termos.
“ ́tica dos paṕis confucionista não tem equivalente ocidental. O antigo
ĺxico chinês cont́m quase nenhum dos termos utilizados no discurso moral
ocidental. Por exemplo, o self relacional chinês ́ fundamentalmente diferente da
visão iluminista e ocidental contemporânea de um indivíduo como um "agente
moral livre, racional e autônomo". “ssim, o confucionista não considera indivíduos
abstratos, mas coloca o foco da atenção e da tomada de decisão ́tica em pessoas
concretas em uma matriz de relações de paṕis relacionais com os outros. O
fundamento dessa ́tica ́ a "reverência familiar" ou o "sentimento familiar" Xiao .
O caráter chinês Xiao era representado em um retrato estilizado de uma pessoa
idosa de cabelos grisalhos e uma criança pequena, e assim, reletindo a deferência
geracional e a reverência que ela engendra. Tradicionalmente foi traduzida como
"piedade ilial", mas tal tradução não ressoa bem com os leitores modernos
IV“NHOE,
S“NTI“GO,
.
107
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
Quanto à centralidade de Xiao em uma teoria da ́tica dos paṕis, Rosemont
e “mes
, p. são explícitos
Xiao ́ a base de todos os ensinamentos confucianos, pois sem o
sentimento de reverência pela e no interior da família, o cultivo moral e
espiritual necessário para se tornar "um ser humano consumado [Ren]
e uma "pessoa exemplar" [Junzi] social e politicamente engajada não
seria possível. Signiicativamente, essa "́tica dos paṕis" confucionista
– como viver otimamente nos paṕis e relações que constituem a si –
origina e irradia dos sentimentos familiares concretos que constituem
as relações entre crianças e seus idosos e os paṕis interdependentes
que eles vivem. Tal sentimento familiar ́ ao mesmo tempo comum
e cotidiano, e ao mesmo tempo, sem dúvida, ́ o aspecto mais
extraordinário da experiência humana.
“ reverência da família, então, ́ tanto o solo como a cola que permeia
todas as relações confucionistas. E ́ por meio de paṕis familiares e sociais
família extensa que se exerce responsabilidade, se alcança a humanidade e,
assim, estende o caminho Dao . “trav́s de vários paṕis e relacionamentos, ao
indivíduo ́ possível atualizar virtudes como Ren, Lí e Shu. Como a ́tica dos paṕis
confucionista ́ uma ́tica de responsabilidades que requerem ação, ́ uma ́tica
robusta que invoca uma imaginação moral criativa que permite ao indivíduo
colocar-se no lugar de outro, a im de determinar a fazer o melhor esforço para o
resultado mais adequado nas circunstâncias especíicas.
5 ANÁLISE CONTEMPORÂNEA DA ÉTICA DA VIRTUDE
“s teorias contemporâneas da ́tica da virtude são primeiramente uma
reação contra as teorias morais que tentam encaixar nossa experiência moral em
um sistema estabelecido de regras ou de ideais preestabelecidos. Isto ́, as teorias
contemporâneas da ́tica da virtude estão em oposição às teorias morais que
passaram a dominar o mundo moderno, especiicamente o consequencialismo
e o kantianismo. Foram feitas sugestões de que a ilosoia moral moderna está
equivocada, hiperformalizada e incompleta M“CINTYRE,
S“TTLER,
.
Os defensores da ́tica da virtude sustentam que a consideração do caráter fornece
uma compreensão mais adequada e abrangente da experiência moral, porque
capta mais adequadamente as questões e preocupações da vida ordinária. Há
uma grande variedade de teorias contemporâneas de Ética da Virtude, e embora a
maioria se baseie fortemente nas ideias de “rist́teles, essas teorias se preocupam
principalmente em superar as fraquezas percebidas da teoria moral moderna
baseada em grande parte nas regras. Tem havido um crescente interesse, e um
ressurgimento, de pontos de vista confucionistas da ́tica tamb́m HOOFT,
.
108
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
5.1 ANÁLISE DE ALASDAIR MACINTYRE DA ÉTICA DA VIRTUDE
Provavelmente a análise contemporânea mais signiicativa e proeminente
da Ética da Virtude, especialmente a versão aristot́lica dela, pode ser encontrada
no livro de “lasdair MacIntyre
,
Depois da Virtude . “o analisar as
intenções de “rist́teles, MacIntyre airma que as virtudes são disposições não
apenas para agir de maneiras particulares, mas tamb́m para sentir-se de maneiras
particulares, o que obviamente enfatiza a criação de um caráter virtuoso em si
mesmo, não apenas o seguimento de regras ou o cálculo de boas consequências. É
preciso criar sentimentos virtuosos ou inclinações interiores e não simplesmente
agir virtuosamente. MacIntyre
airmou ainda que agir virtuosamente não ́
agir contra a inclinação como pensava Kant , mas sim agir a partir de inclinações
que foram formadas atrav́s do cultivo das virtudes. “ ideia, então, ́ decidir o que
o ser humano virtuoso e sábio na prática faria em qualquer situação envolvendo
a escolha moral, e então fazer o mesmo. MacIntyre estaria, portanto, airmando
que os seres humanos devem saber o que estão fazendo quando julgam ou agem
virtuosamente, e então devem fazer o que ́ virtuoso apenas porque ́ assim.
“ ́tica da virtude tenta criar o ser humano bom ou virtuoso, não apenas
bons atos ou regras e não apenas um robô que segue regras preestabelecidas ou
uma pessoa que age por capricho ou tenta conseguir boas consequências. Ela
procura inculcar a virtude ao instar os seres humanos a praticar atos virtuosos
a im de criar a pessoa habitualmente virtuosa ou boa que então continuará a
agir virtuosamente. Muitos eticistas veem isso como constituindo um de nossos
principais problemas hoje temos regras e leis e sistemas de ́tica, mas ainda não
temos seres humanos ́ticos ou virtuosos. Esses eticistas acreditam que at́ que
criemos pessoas ́ticas ou virtuosas, nossas chances de criar uma sociedade moral
permanecerão mínimas. “inal de contas, temos tido regras, leis e regulamentos
por pelo menos vários milênios e ainda os seguimos tendo, mas ainda a maldade, a
imoralidade, o vício e a crueldade parecem estar piorando em vez de melhorarem.
Neste contexto, vemos que ́ geralmente aceito que as virtudes são beńicas para
os indivíduos e para a comunidade HOOFT,
.
Um exemplo deste debate pode ser extraído da aprovação de leis contra
a discriminação racial. Quando o presidente Harry Truman propôs a integração
racial dos militares dos EU“, alguns argumentaram que não se poderia legislar
a moralidade SCHLESINGER JR.,
. Ou seja, poderíamos aprovar leis que
obrigam as pessoas a comportar-se de certas maneiras ou a agir de forma diferente
do que eles querem ou izeram no passado, mas as leis não podem mudar a
maneira como as pessoas se sentem por dentro. “t́ não mudarem os sentimentos,
argumenta-se, o indivíduo nunca vai realmente mudar a sua moral. Esta ideia
tem seu ponto argumentativo. Entretanto, as visões morais de muitas pessoas
mudaram quando a integração racial se tornou a lei nacional nos EU“. Os pontos
de vista de muitas outras pessoas, ́ claro, ainda não mudaram, e os críticos dessa
visão poderiam questionar se não ́ muito idealista pensar que poderíamos mudar
a moralidade das pessoas at́ o ponto em que todo mundo se tornaria uma pessoa
109
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
virtuosa. “ questão então ica ainda sem resposta deinitiva, se as regras e as leis
ajudam a criar pessoas virtuosas e em que amplitude , ou apenas as obrigam a
agir virtuosamente.
Outro ponto a ser ressaltado aqui ́ que tanto o não consequencialismo
de ato e as teorias de Kant tentam separar a razão da emoção ou dos sentimentos
HEGEN”ERG,
b . “ ́tica da virtude, por outro lado, tenta uniicá-los
airmando que as virtudes são disposições não apenas para agir de certas maneiras,
mas tamb́m para se sentir de certo modo, virtuosamente em ambos os casos
HOOFT,
. O proṕsito ́ usar o raciocínio sabedoria prática para fazer com
que as pessoas façam o que ́ virtuoso e, ao mesmo tempo, inculcar essa virtude
no interior para que os seres humanos não apenas raciocinem virtuosamente, mas
tamb́m comecem e continuem a se sentir virtuosos. Nenhuma das outras teorias
tenta fazer isso.
Kant
deliberadamente evita o atuar sobre a inclinação quase ao
ponto do absurdo, de modo que a questão crítica a ser proposta contra sua teoria
́ "E se as pessoas estão inclinadas a ser virtuosas? Não deveriam agir de acordo
com essas inclinações? Kant parece dizer que essas pessoas não seriam tão morais
como teriam sido se tivessem agido virtuosamente contra suas más inclinações. Por
outro lado, o não consequencialista de ato diz que ńs devemos agir somente em
uma base da emoção, ou seja, o que sentimos como correto ou virtuoso em algum
momento particular ou em alguma situação particular R“CHELS R“CHELS,
. “rist́teles, tal como Kant, icaria horrorizado com tal teoria da moralidade,
porque acreditava que a atividade por excelência dos seres humanos era raciocinar
bem para alcançar uma vida completa. No entanto, ele tentou, muito mais do que
Kant, integrar a emoção ou os sentimentos com a razão, sem excluir o primeiro.
“ ́tica da virtude, pelo menos a versão de “rist́teles, nos dá uma maneira
de alcançar a moderação entre o excesso e a deiciência HOOFT,
. Muitos
eticistas acreditam, junto com os gregos, que a moderação em todas as coisas ́
o que os seres humanos devem se esforçar para alcançar. “rist́teles
tenta
estabelecer meios para alcançar a moderação, codiicando o que constitui o excesso,
o defeito e a mediania entre eles, como descrito por Ross, no quadro mostrado
anteriormente. Ele tamb́m encoraja a liberdade permitindo que os indivíduos
decidam sobre o meio-termo adequado relativo a si mesmos. Novamente, ele
parece encorajar uma integração entre sentimento e razão, exortando os indivíduos
a usar tanto a razão quanto os sentimentos para decidir o meio apropriado para
eles. Para Confúcio
,
, as virtudes contribuem para a harmonia entre a
razão e os sentimentos e para a harmonia entre o indivíduo e a sociedade.
5.2 DESVANTAGENS OU PROBLEMAS
Podemos perguntar será que os seres humanos têm um im telos , um
proṕsito? Uma das primeiras suposições de “rist́teles
́ que todas as
coisas têm um proṕsito ou um im ao qual elas visam. Ele prossegue dizendo
110
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
que o im da vida humana ́ a felicidade, e que todos os seres humanos visam
isso. Todavia, será que ́ verdade ou provado que todas as coisas têm um im ou
proṕsito? Muitas pessoas argumentam que sim, mas muitos tamb́m argumentam
que não está claro se isso ́ correto. Por exemplo, alguns poderiam argumentar que
o mundo e tudo o que há nele ocorreu por acaso ou aleatoriamente e que não ́
de todo claro que qualquer coisa em tal universo visa para qualquer im, exceto
para sua pŕpria morte ou dissolução. Mesmo se assumirmos que tudo tem um
im para o qual visa, o que prova que o im da vida humana ́ a felicidade? Não
poderia ser, por exemplo, o conhecimento, a espiritualidade, a morte, o sofrimento
ou outras coisas? “ suposição de “rist́teles ́ apenas isso, uma suposição. Muitos
poderiam tamb́m argumentar que a felicidade não ́ um im apropriado para a vida
humana, mas que algo mais "nobre" seria apropriado, como indivíduos religiosos
poderiam argumentar que o im deveria ser o amor de Deus e a esperança de estar
com Ele. “ĺm disso, poderiam argumentar que o raciocinar bem para alcançar
uma vida completa pode ser a visão de um iĺsofo sobre a inalidade humana,
mas por que não poderia ser outras coisas tamb́m? Mais uma vez, “rist́teles
fez uma suposição, mas os religiosos podem argumentar que ser espiritual ́ o
objetivo humano, e outros iĺsofos podem argumentar que os sentimentos ou as
emoções são o objetivo. Muitos defensores contemporâneos da Ética da Virtude
não concordam com “rist́teles de que o objetivo inal ́ a felicidade, mas algo
mais, por exemplo, responder bem às exigências do mundo como uma questão de
disposição HOOFT,
. É apropriado questionar o pressuposto de “rist́teles
sobre o im último dos seres humanos, mas os desaios à visão de “rist́teles não
apresentam uma falha fatal para a Ética da Virtude.
Uma segunda grande suposição de “rist́teles
́ que a tendência
a ser moral está naturalmente implantada nos seres humanos. Que evidência há
para apoiar essa airmação? Muitos poderiam argumentar que a moralidade não
́ alguma característica ou ideia inata, mas algo que ́ ensinado e aprendido com a
experiência. “ única tendência que os seres humanos têm ́ ser capazes de raciocinar
e a razão por si ś não implicaria necessariamente moralidade, embora muitos
eticistas, como Kant e inclusive “rist́teles, considerem que a razão ́ a sua base.
Seria então verdade que os seres humanos têm uma tendência natural, inata para
ser moral? “lguns argumentam que sim e alguns argumentam o contrário, mas
não há evidência ou prova clara de que a suposição de “rist́teles seja verdadeira.
O erudito confuciano Xun Zi, como vimos anteriormente, fez a suposição oposta
como a base de sua explicação da virtude e do autocultivo moral.
Entretanto, um dos problemas mais signiicativos dessa teoria gira em
torno das seguintes questões o que ́ a virtude, quais são as virtudes e o que ́ o
ideal, ou quem ́ o ser humano virtuoso a quem devemos supostamente emular
quando escolhemos nossas virtudes? “lguns eticistas, inclusive “rist́teles,
argumentam que tudo o que precisamos saber e fornecer ́ um relato sobre o
que constitui o lorescimento e bem-estar humano. Então as virtudes podem
ser adequadamente caracterizadas como aquelas qualidades necessárias para
promover tal lorescimento e bem-estar. De acordo com MacIntyre
, no
entanto, houve, e ainda há, profundos conlitos quanto ao que está envolvido no
lorescimento e bem-estar humanos.
111
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
O autor supracitado prossegue dizendo que períodos diferentes na hist́ria
e iguras hist́ricas desses períodos nos apresentam vários conjuntos de virtudes
. Na Gŕcia hoḿrica antiga, um homem era o que ele fazia, ou seja, um
homem e seus atos eram considerados idênticos. “ moralidade e a estrutura social
eram uma e a mesma coisa em sociedades heroicas. O homem virtuoso ideal era o
guerreiro e as virtudes eram força e coragem.
. Para “rist́teles, Tomás de “quino
e para o Novo Testamento,
a virtude ́ uma qualidade que permite avançar para a realização de um im
especiicamente humano natural ou sobrenatural . Para “rist́teles, isso era
racionalidade e o homem virtuoso ideal era o cavalheiro ateniense. Para Tomás de
“quino e o Novo Testamento, as virtudes são f́, esperança, caridade ou amor e
humildade, e o homem virtuoso ideal era o santo.
. Para ”enjamin Franklin
, a virtude ́ uma qualidade que
tem utilidade para alcançar o sucesso terrenal e celestial. Seu conceito de virtude
era teleoĺgico, como o de “rist́teles, mas de caráter utilitário. Para Franklin, as
virtudes eram a limpeza, o silêncio, a diligência e a castidade, entre muitos outros.
6 QUEM É A PESSOA VIRTUOSA IDEAL?
Finalmente, “rist́teles
airma que devemos decidir o que ́ um ato
ou pessoa virtuosa modelando-nos segundo a pessoa virtuosa ideal, todavia, como
determinamos quem e o que essa pessoa ́? É possível que cada um nomeie uma
pessoa ideal que sentimos que deveríamos emular, mas não chegaríamos a um
monte de diferentes tipos de pessoas diferentes, dependendo de nossos pŕprios
antecedentes, experiências e desejos? Por exemplo, o ideal hoḿrico de um ser
humano virtuoso seria atraente para algumas pessoas, como seria o santo humilde
para os outros, ou a pessoa intelectual para outros, mas ńs não agiríamos de forma
diferente dependendo de quais traços admiramos? Nenhuma reivindicação ́ feita
de que não pud́ssemos concordar com algum tipo de pessoa virtuosa composta,
mas a alegação ́ que isso não seria fácil. Como poderíamos dizer que deveríamos
agir em conexão com tal ideal quando seria apenas isso um ideal abstrato de um
ser humano? “ĺm disso, como saberíamos que de fato conseguimos encontrar a
pessoa ideal verdadeiramente virtuosa?
Certamente um dos objetivos do ensino da ́tica parece ser a criação de
uma pessoa virtuosa ou ́tica. Entretanto, uma coisa ́ tentar fazer com que as
pessoas atuem de maneira ́tica e outra ́ assumir que farão atos ́ticos porque já são
virtuosos. Teríamos muita diiculdade de obter sucesso, por exemplo, em selecionar
algumas iguras públicas e dizer "“qui está a pessoa virtuosa ideal, agora atuem
como ele ou ela faz". “ hist́ria mostrou que muitos dos nossos chamados heŕis
tinham ṕs de argila , ou pelo menos nem sempre agiram virtuosamente. Observe
o número de estudiosos-oiciais corruptos que caracterizaram grande parte da
longa hist́ria da China ”UENO,
. Esses homens receberam treinamento
extensivo nos clássicos confucionistas como uma exigência para o serviço público.
112
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
Olhe quantos presidentes não foram perfeitos em suas vidas privadas e públicas.
Muitos deles ainda izeram algum bem para o país e as pessoas nele, mas eles não
necessariamente se encaixam em qualquer padrão da "pessoa ideal virtuosa".
“lguns téricos contemporâneos da Ética da Virtude, como Christine
Swanton
, argumentam que as exigências para a virtude não são estabelecidas
por um padrão, por exemplo, aquele atingível pelo homem virtuoso e com
sabedoria prática de “rist́teles ou o junzi confucionista. Os padrões de conduta
virtuosa devem reletir a condição humana manchada por problemas variados e
a diiculdade de alcançar a virtude. Sua visão ́ que a virtude ́ um conceito que
deve ser sempre compreendido e aplicado contextualmente. "Uma virtude", diz
Swanton, "́ uma boa qualidade de caráter, mais especiicamente uma disposição
para responder a itens ou reconhecer itens dentro de seu campo ou campos de
uma maneira excelente ou suicientemente boa" SW“NTON,
, p.
. “gora,
a noção de uma "maneira suicientemente boa" ́ vaga e, portanto, problemática.
Para Swanton, isso signiica que a resposta de algúm deve adequadamente
atender às demandas do mundo em uma situação particular na qual a virtude se
aplica. Em termos aristot́licos, pode-se dizer que entre os extremos do excesso e
da deiciência há uma gama de possíveis respostas que podem ser consideradas
virtuosas em relação a uma situação particular.
“ Ética da Virtude nos ajuda a ver que uma teoria geral da ́tica deve
fornecer uma compreensão do caráter moral. Claramente, a ilosoia moral
moderna não conseguiu fazer isso e, portanto, ́ incompleta S“TTLER,
.
No entanto, as teorias da Ética da Virtude tamb́m são incompletas do modo
oposto, porque elas não nos dizem o que devemos fazer em situações especíicas,
ou seja, as virtudes não fornecem diretrizes especíicas para a conduta correta.
“ĺm disso, as teorias da Ética da Virtude não nos ajudam a analisar questões
morais ou a nos engajar efetivamente no raciocínio moral. Este último ponto ́
especialmente importante porque o mundo em que vivemos está se tornando cada
vez mais não tradicional. “ĺm disso, o mundo ́ impulsionado por mudanças
tecnoĺgicas e sociais de alta velocidade que criam questões de crescente novidade
e complexidade. “ capacidade de raciocinar bem sobre questões ́ticas complicadas
e pensar em problemas morais globais e contextos multiculturais deve ser uma
preocupação primordial da educação moral. O que precisamos ́ de uma educação
moral racional não doutrinação em um ćdigo ́tico especíico que permitirá às
pessoas aprenderem quais são as questões morais e como lidar com elas. Com uma
educação assim, poderíamos esperar que pelo menos os indivíduos soubessem
como agir com virtude e ́tica. Prover uma educação assim ́ um dos principais
objetivos deste livro.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos dizer que o relato de “rist́teles sobre a sabedoria prática nos
fornece uma visão útil do pluralismo ́tico. “ pessoa virtuosa sempre age à luz
de uma concepção geral do lorescimento humano. Cada uma das teorias morais
113
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
que estudamos na primeira unidade e neste primeiro t́pico da segunda unidade
contribui para a nossa compreensão do lorescimento humano, e a pessoa virtuosa
de sabedoria prática ́ capaz de equilibrar essas teorias concorrentes em situações
particulares, discernindo qual ́ mais moralmente signiicativa em um caso
especíico.
Considere o exemplo de dizer a verdade. O kantiano nos diz que nunca
devemos mentir, pois isso ́ um ato de profundo desrespeito à autonomia da outra
pessoa. “ utilitarista de regras olha para as consequências de todos seguindo uma
regra particular sobre mentir, e o utilitarista de ato nos encoraja a olhar para as
consequências de cada caso antes de decidir se uma mentira ́ justiicada ou não.
Os egoístas ́ticos simplesmente nos exortam a agir de uma maneira que maximize
o equilíbrio, e não há nada intrinsecamente censurável à mentira como tal. Todas
essas considerações são moralmente iluminadoras, e o desaio enfrentado por
pessoas virtuosas ́ equilibrá-las em situações particulares. O objetivo não ́ provar
um conjunto de considerações corretas e todas as outras erradas. Em vez disso, ́
admitir que todas são relevantes pelo menos at́ certo ponto e, em seguida, buscar
o curso de ação que melhor equilibra essas preocupações concorrentes. “ĺm
disso, na visão aristot́lica, não ́ simplesmente uma questão de dizer a verdade
ou a mentira. Tamb́m ́ uma questão de como a verdade ́ dita com cuidado e
consideração sobre seu impacto , quando ́ dito, e para quem ́ dito. O indivíduo
virtuoso usa teorias morais para iluminar a paisagem moral e servir de guia para
navegar em direção à vida boa.
“gora podemos ver como esse relato de sabedoria prática nos permite
responder a alguns críticos de “rist́teles. Uma das principais críticas formuladas
contra a abordagem da ́tica de “rist́teles ́ que ela não nos diz como agir. “pesar
de todas as coisas iluminantes que “rist́teles tem a dizer sobre o bom caráter,
ainda somos mantidos sem respostas para as questões morais urgentes do dia,
como o aborto, a eutanásia, a pena de morte e a alocação de escassos recursos
ḿdicos.
Há muito ḿrito nessa crítica, e essa ́ uma boa razão para dizer que a ́tica
da virtude está seriamente incompleta sem as tradições morais que consideramos
anteriormente na primeira unidade. Não há dúvida de que uma ́tica do caráter ou
da virtude deve ser completada por uma ́tica da ação. Podemos cultivar a virtude
da compaixão, por exemplo, mas quando agimos com compaixão, devemos
estar conscientes das preocupações morais levantadas por outras tradições.
Quando atuamos com compaixão em relação a outras pessoas, tamb́m devemos
estar cientes de seus direitos, levar em conta as consequências de nossas ações
compassivas e tratar outras pessoas como ins em si mesmas. O bom caráter, em
outras palavras, não evita a necessidade de outros tipos de consideração moral.
No entanto, uma ́tica da ação necessita igualmente de uma ́tica do caráter
por pelo menos dois motivos. Primeiro, uma das maiores diiculdades que as
ilosoias morais orientadas ao ato enfrentam ́ na aplicação de uma teoria moral
a um caso particular. Um caráter moralmente sensível ́ mais provável de garantir
114
TÓPICO 1 | A ÉTICA DA VIRTUDE
que apliquemos um princípio com insight e criatividade. Sem um bom caráter,
ś poderemos aplicar, provavelmente, os princípios morais de maneira mecânica,
em grande medida insensível às nuances da situação. Em segundo lugar, como
vimos ao longo da primeira unidade e neste t́pico, existem várias tradições
morais diferentes que são relevantes para nossas considerações de como agir. “
virtude da sabedoria prática consiste, em parte, em equilibrar tais preocupações
potencialmente concorrentes sobre direitos, deveres e consequências. “ pessoa
sábia ́ o indivíduo que ́ capaz de saber quando as preocupações de uma tradição
têm precedência sobre as preocupações das outras tradições.
UNI
PROBLEMA ÉTICO
BULLYING – O QUE VOCÊ DEVERIA FAZER?
O bullying é uma forma de abuso, emocional, verbal e/ou físico. Sempre envolve um
desequilíbrio de poder com indivíduos ou grupos que impõem sua vontade aos outros. O
bullying e o cyberbullying são prevalentes e são problemas graves na escola e no local de
trabalho.
“Como se já não bastasse os próprios alunos ofenderem outros jovens, em algumas instituições
brasileiras, os próprios “educadores” estimulam a prática do bullying. Em uma escola municipal
na cidade de Osasco, São Paulo, um menino de apenas oito anos foi castigado e agredido
verbalmente por estar acima do peso. O professor queria que ele passasse por uma sessão de
castigos, mas ao se recusar, foi alvo de xingamentos. Além de praticar bullying com o aluno, o
professor incentivou outros estudantes a fazerem o mesmo”. Disponível em: <https://medium.
com/educa%C3%A7%C3%A3o-turismo/6-casos-de-bullying-no-brasil-73ad264a2161>. Acesso
em: 20 jun. 2016.
Olhe para essa história e considere outros artigos sobre bullying. Até que ponto o bullying
exibe questões de caráter? Até que ponto vícios como ciúme, inveja e rancor envolvem tais
incidentes? Muitos afirmam que um valentão não tem ou é incapaz de ter empatia com outros
seres humanos. Além disso, as testemunhas de tais atos muitas vezes exibem uma falta de
empatia e não se envolvem. Discuta as questões de caráter envolvidas no bullying. O que pode
ser feito para reduzir os atos de bullying e abuso?
115
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que
• “ ́tica da virtude não ́ uma teoria nova, tendo tido seus começos com os gregos
e especialmente com “rist́teles no IV “EC, embora suas origens na ilosoia
chinesa sejam ainda mais antigas. Tornou-se signiicativa para muitos eticistas
contemporâneos.
• “ virtude ́ deinida como "excelência moral, justiça, responsabilidade ou outras
qualidades exemplares consideradas merit́rias".
• “ ênfase está no caráter bom ou virtuoso dos pŕprios seres humanos, e não em
seus atos, consequências, sentimentos ou regras.
• “ Ética a Nicômaco de “rist́teles baseia-se nos seguintes princípios . “
realidade e a vida são teleoĺgicas, apontam para algum im ou proṕsito .
O im da vida humana ́ a felicidade, e a razão ́ a atividade básica dos seres
humanos, portanto, o objetivo dos seres humanos ́ raciocinar bem para
alcançar uma vida completa . “rist́teles começa com os juízos morais de seres
humanos razoáveis e virtuosos e, em seguida, formula princípios gerais, ao
contrário dos não consequencialistas - téricos do Comando Divino, Kant e Ross
-, que começam com princípios ́ticos abstratos . Os seres humanos têm uma
capacidade de bondade. Isto tem que ser desenvolvido pela prática baseada em
uma emulação da tomada de decisão moral do ser humano virtuoso ideal.
• “ virtude ́ uma mediania, relativa a ńs, entre os dois extremos de excesso e
deiciência ou defeito . No sentimento de coniança, por exemplo, a coragem ́
a mediania entre o excesso temerário e o defeito da covardia.
• O “utocultivo da Moral Confucionista. O termo chinês Te, "virtude", ́ o poder
inerente ou a tendência de afetar os outros de uma maneira positiva, dramática
e poderosa para o bem.
• Em um mundo confucionista, a identidade está sempre ligada ao grupo e aos
relacionamentos dentro da ordem social. “s virtudes confucianas são assim
decididamente de natureza social.
• Todas as virtudes confucionistas são realizadas dentro do contexto de cinco
relações cardeais que são todas governadas pela prática de Shu, "reciprocidade".
• Ren, traduzido de várias formas como "bondade humana", "benevolência",
"bondade" ou "humanidade", ́ a principal virtude confucionista, destaca e
realça as relações naturais entre o indivíduo e a comunidade. O ideograma para
Ren ́ "um-ser-com-outros".
116
• Li, "propriedade ritual", ́ a virtude confucionista que deve ser cultivada para
ser um participante pleno na comunidade e torna possível que um indivíduo
apresente uma conduta apropriada em situações especíicas.
• Concepções idealistas e realistas do confucionismo. Meng Zi ou "Mencius"
sustentava que os seres humanos têm uma disposição natural em relação ao
bem, e a virtude ́ cultivada, metaforicamente, como regar "brotos". Xun Zi
ensinou que os seres humanos não são naturalmente dispostos em direção ao
bem, mas a natureza humana ́ má e deve ser superada tal como a maneira que
se endireita a madeira torta ou se aia o metal em um moedor.
• Ética Confucionista dos Paṕis. Xiao, "reverência familiar" ou "sentimento
familiar", ́ a raiz da conduta consumada.
• “ "́tica confucionista dos paṕis" ́ um tipo "novo" de teoria ́tica, juntamente
com as teorias tradicionais de ́tica consequencialista, não consequencialista e
da ́tica da virtude, mas distintas das mesmas.
• Não há uma teoria ́tica equivalente na tradição ocidental, e assim, a ́tica
confucionista dos paṕis deve ser entendida em seus pŕprios termos. Na prática,
produz uma ́tica robusta de responsabilidade para com pessoas particulares
em uma matriz de relacionamentos de paṕis com os outros.
• “s teorias contemporâneas da Ética das virtudes ́ primeiramente uma reação
contra as teorias morais que tentam encaixar nossa experiência moral em um
sistema a priori das regras ou dos ideais preestabelecidos, especiicamente o
consequencialismo e o kantianismo.
• “ maioria das teorias contemporâneas da Ética da Virtude se origina pesadamente
de “rist́teles, embora não necessariamente aceitem todas as suas suposições.
• “lasdair MacIntyre fornece uma análise contemporânea da Ética da Virtude
. “s virtudes são disposições tanto para agir como para sentir-se de maneiras
particulares, e ́ preciso criar sentimentos virtuosos dentro de si mesmo,
não apenas agir virtuosamente . Deve-se então decidir o que o ser humano
praticamente sábio e virtuoso faria em qualquer situação e então fazer o ato
virtuoso que tal pessoa faria.
• Há várias vantagens para a Ética da Virtude . Ela se esforça para criar o ser
humano bom, não meramente bons atos ou boas regras . Ela tenta uniicar
a razão e a emoção . Enfatiza a moderação, uma qualidade reconhecida por
muitos eticistas.
• Tamb́m tem desvantagens . Os seres humanos têm um im ou proṕsito? Se
sim, qual ́, e como podemos provar qualquer um destes? . “ moral ́ inata,
ou ́ aprendida atrav́s da experiência? . O que ́ virtude e o que constitui as
virtudes? Parece haver uma grande variedade de opiniões sobre isso, então como
117
podemos decidir o que ́ realmente a virtude e quais virtudes são realmente
válidas? . Quem ́ o ser humano virtuoso ideal, e como vamos determinar ou
provar isso?
• Os vícios, como covardia, ciúme, inveja, cobiça e a glutonaria são exemplos de
traços de caráter indesejáveis que se encaixam na vida de um indivíduo por
meio da indulgência de apetites degradantes, falta de autodisciplina, educação
e prática habitual de conduta imoral.
• “ pessoa viciosa não ́ governada pela razão, mas pelo impulso e vive uma vida
atormentada pela tensão interior e pelo caos.
• “s virtudes são "excelências humanas" e consistem naquelas características de
caráter que devem ser promovidas nos seres humanos, tais como honestidade,
lealdade, coragem, sabedoria, moderação, civilidade, compaixão, tolerância
e reverência. “ vida da pessoa virtuosa ́ caracterizada pela força interior,
contentamento, felicidade e proṕsito.
118
AUTOATIVIDADE
O que ́ essencialmente a Ética da Virtude e de onde ela se originou?
Como ela difere das teorias consequencialistas e não consequencialistas da
́tica?
Quais são as vantagens da Ética da Virtude?
Quais são as desvantagens da Ética da Virtude?
119
120
TÓPICO 2
UNIDADE 2
MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
1 INTRODUÇÃO
Considere a seguinte situação Um psićlogo decide que o melhor ḿtodo
para ajudar sua cliente a superar seu medo de intimidade ́ se envolver em um
relacionamento sexual com ela. Ela conia nele implicitamente, e ele sente com
convicção que a experiência será positiva para ela.
Será eticamente apropriado para um psićlogo prosseguir nesse tipo de
relacionamento íntimo? Esperar-se-ia que estudantes e proissionais da saúde
mental respondessem universalmente com um lúcido não! . No entanto, a im
de estabelecer regras de conduta para proissionais de saúde mental que todos os
proissionais são obrigados a obedecer, o comitê que cria o ćdigo ́tico de uma
proissão deve ser capaz de ir aĺm de simplesmente indicar quais comportamentos
são exigidos e proibidos, desenvolvendo uma justiicativa racional para os
princípios ́ticos proissionais e padrões de conduta que eles propõem. Em
outras palavras, uma explicação racionalmente convincente do motivo de um
determinado comportamento ser aceitável ou inaceitável deve ser possível. Essas
explicações, embora não geralmente mencionadas no ćdigo ́tico, constituem o
fundamento ilośico da perspectiva ́tica da proissão.
Por que seria errado para o psićlogo envolver-se em um relacionamento
sexual com sua cliente se ele acredita que tal relacionamento será beńico para ela?
O fato de existirem regras que proíbem tal comportamento não ́ uma explicação
adequada do motivo pelo qual tal comportamento seja inadequado. “ validade
da regra deve ser demonstrada racionalmente para airmar que o psićlogo em
questão ́ obrigado isto ́, tem um dever ́tico de obedecer a essa regra.
Este t́pico examinará a capacidade das principais teorias ́ticas da ilosoia
ocidental para fornecer o fundamento ilośico para os padrões ́ticos de uma
proissão de saúde mental como a psicologia. Os ḿritos de cada teoria serão
avaliados criticamente e sua relevância para as proissões de saúde mental será
enfatizada.
121
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
2 O RELATIVISMO ÉTICO
O relativismo ́tico, o ponto de vista de que não existem princípios ́ticos
universalmente válidos, tornou-se um termo bastante impreciso, porque tem sido
usado de várias maneiras por pessoas diferentes. Muitas vezes, ́ apresentado como
uma visão de que uma determinada ação por exemplo, não pagar pelos alimentos
fornecidos por outra pessoa pode ser eticamente apropriada em uma circunstância
por exemplo, quando um convidado na casa de algúm e inadequada em outra
por exemplo, ao comer em um restaurante . Seguindo esta deinição, todos se
qualiicariam como um relativista, mas este não ́ o verdadeiro signiicado t́cnico
do termo ”R“NDT,
.
O genuíno relativismo ́tico envolve a suposição de que os valores ́ticos de
indivíduos diferentes às vezes conlitam de maneira fundamental. Em um conlito
fundamental, as duas partes não discordam simplesmente sobre questões de fato,
como seria o caso se duas pessoas discordassem sobre os crit́rios apropriados para
um diagństico válido de Esquizofrenia, Tipo Paranoide. Pelo contrário, as duas
partes concordam sobre as questões de fato por exemplo, ambos reconhecem o
mesmo conjunto de crit́rios diagństicos para a esquizofrenia paranoide , mas
discordam quanto à moralidade de fazer tal diagństico.
Uma segunda suposição que ́ característica da maioria das formas de
relativismo ́tico ́ que essas discordâncias fundamentais não podem, pelo menos
em alguns casos, ser resolvidas racionalmente. Em outras palavras, nem sempre há
uma avaliação moral "correta" de um ato que seja demonstrável, de modo que dois
pontos de vista morais conlitantes podem ser discutidos como sendo igualmente
corretos. Quando essa suposição ́ adicionada, a posição ́ referida como relativismo
metático. O relativista metático airmaria que não existe nenhum ḿtodo efetivo
para resolver tais dilemas morais, tal posição ́ referida como relativismo metático
metodoĺgico, ou se existe um ḿtodo para resolver conlitos ́ticos, ́ efetivo em
apenas um número limitado de casos, posição referida como relativismo metático
não metodoĺgico ”R“NDT,
. Com relação à vinheta no início deste t́pico,
um relativista metático pode argumentar que ́ impossível estabelecer se as ações
do psićlogo são ou não são ́ticas comparando racionalmente à validade de
valores que apoiam tal prática e aqueles que a condenam.
Duas formas de relativismo ́tico que se tornaram bastante populares,
particularmente nas ciências sociais, são o relativismo cultural e o relativismo
pessoal. O relativismo cultural ́ o ponto de vista de que as discordâncias
fundamentais sobre questões ́ticas ocorrem frequentemente entre membros de
diferentes grupos culturais. O relativismo cultural baseia-se nas suposições de que
as pessoas adquirem a maioria dos seus valores pessoais de sua cultura e que os
valores e as expectativas comportamentais normativas variam de uma cultura para
outra. “lgumas formulações do relativismo cultural acrescentam a componente de
que os membros de uma determinada cultura são eticamente obrigados a respeitar
os padrões morais de sua cultura, caso em que o ponto de vista ́ uma forma
de relativismo cultural normativo. Os relativistas culturais normativos diferem
122
TÓPICO 2 | MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
quanto à questão de saber se as pessoas devem sempre obedecer aos valores de
sua pŕpria cultura ou se devem conformar seu comportamento com os valores da
cultura em que se encontram atualmente.
“ perspectiva do relativismo pessoal envolve uma posição como a seguinte
Se algúm realmente acredita que ́ correto ou errado fazer “ na circunstância
C, então ́ correto ou errado fazer “ em C. Por exemplo, relativistas pessoais
considerariam as ações do psićlogo na vinheta no início do t́pico apropriadas
porque ele realmente acredita que iniciar uma relação sexual com sua cliente irá
beneiciá-la. De acordo com o relativismo pessoal, se uma pessoa acredita que sua
ação ́ apropriada, sua ação não pode ser criticada em bases ́ticas por outros.
Essa ideia ́ consistente com o ponto de vista de que a sinceridade afetiva de uma
pessoa, em vez de qualquer questão do que seria "certo" ou "errado" objetivamente,
́ o que torna seu comportamento ́tico.
2.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO RELATIVISMO ÉTICO
O relativismo ́tico, em suas diversas formas, airma que a razão não
fornece um meio adequado de avaliar o status ́tico de uma ação em alguns, na
maioria ou talvez mesmo em todos os casos. No entanto, o ponto de vista de que
as posições ́ticas conlitam de maneira fundamental e irresolúvel não implica que
qualquer posição seja correta ou que seja incorreta. De fato, se você seguir com as
implicações do relativismo ́tico, desembocará no ceticismo ́tico, o ponto de vista
de que nenhuma crença ́tica pode ser comprovada como universalmente válida.
Portanto, tudo o que restaria são atitudes ou opiniões ́ticas.
O relativismo cultural envolve o problema adicional de determinar a que
cultura se deve referir ao determinar a adequação das ações de uma pessoa por
exemplo, a sociedade brasileira, sua subcultura ́tnica, sua comunidade local? .
No caso de prisioneiros encarcerados, seu comportamento deve ser avaliado
por referência às expectativas normativas dentro da prisão? É claro que não, se
o objetivo ́ reabilitar os prisioneiros para que eles possam se tornar membros
produtivos da sociedade maior. Outro problema com o relativismo cultural, que
́ ́bvio para a maioria das pessoas, ́ que o status ́tico de uma ação não depende
de sua aceitabilidade social. “ssim, o relativismo cultural, ao igualar a moral com
os costumes ou seja, os hábitos ou costumes de uma cultura ou grupo particular ,
́ realmente uma rejeição da possibilidade de qualquer padrão ́tico objetivo para
julgar as ações.
Finalmente, as formulações do relativismo pessoal geralmente não airmam
quaisquer condições sob as quais uma ação ́ moralmente inapropriada. O ponto
de vista de que uma pessoa sempre age moralmente se agir de acordo com seus
verdadeiros sentimentos não implica necessariamente que ela age de forma
imoral se ela não agir com base em seus sentimentos. Qualquer perspectiva ́tica
signiicativa deve, no mínimo, especiicar as condições nas quais as ações devem
ser consideradas eticamente apropriadas e inapropriadas.
123
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
2.2 RELEVÂNCIA DO RELATIVISMO ÉTICO PARA AS
PROFISSÕES DE SAÚDE MENTAL
Como airmou Richard F. Kitchener
, o relativismo ́tico ́ uma
posição insustentável para qualquer proissional de saúde mental. Para que haja
padrões de comportamento proissional, os proissionais de saúde mental devem
ser capazes de fornecer uma justiicativa racional para a eticidade e antieticidade
de ações particulares. “ falha em fazê-lo leva ao niilismo ́tico ou seja, a posição de
que, como as distinções ́ticas não possuem signiicado ou validade, argumentar
sobre questões ́ticas ́ absolutamente inútil . Se uma justiicação racional dos
requisitos ́ticos de uma proissão não puder ser produzida, então os proissionais
não podem razoavelmente ser compelidos a obedecer a tais exigências. Portanto,
embora a justiicação racional de proposições ́ticas não seja uma tarefa fácil,
especialmente quando há considerações morais conlitantes em uma situação,
uma proissão de saúde mental não pode abandonar a tarefa de desenvolver tal
base sem abandonar toda a esperança de estabelecer e fazer cumprir padrões de
comportamento proissional aceitável.
“s opiniões ́ticas intuitivas, baseadas na intuição e na experiência em vez de
um plano ou ḿtodo, fornecidas pelo relativismo pessoal não são adequadas como
justiicação ́tica em uma proissão de saúde mental ou qualquer outra proissão .
Se o agir de uma maneira que sinceramente acredita-se ser apropriada constitui
prática ́tica, então qualquer tipo de comportamento não proissional como
aquele do psićlogo na vinheta poderia ser argumentado como permissível. Os
proissionais não podem ser autorizados a "apenas intuir" na decisão de ḿtodos
eticamente apropriados de tratamento, de ensino e de realização de pesquisa sem
diminuir signiicativamente a coniança do público no padrão de comportamento
dentro da proissão.
“ outra grande variante do relativismo ́tico, o relativismo cultural, ́
claramente oposta aos princípios fundamentais subjacentes aos ćdigos ́ticos
das proissões de saúde mental. Por exemplo, se uma proissão de saúde mental
adotasse o relativismo cultural, não haveria justiicativa para apoiar a autonomia
de uma pessoa se a autonomia pessoal não fosse valorizada pela cultura, ou
simplesmente se a autonomia pessoal pudesse ser argumentada em reduzir a
probabilidade de que um indivíduo adotaria os valores da cultura dominante. Na
prática clínica, há muitas vezes um grau de conlito entre os interesses da cultura e
do indivíduo. Se um cliente está experimentando ambivalência sobre seus impulsos
homossexuais em um contexto cultural que ́ fortemente heterossexual, há uma
pergunta sobre se o papel do terapeuta ́ fazer o indivíduo "melhor ajustar-se" na
cultura, incentivando-o a se comportar de uma maneira consistente com os valores
da cultura dominante ou explorar seus sentimentos e determinar seu pŕprio
curso na vida de forma autônoma. O relativismo cultural normativo encorajaria os
terapeutas, professores e pesquisadores a impor seus valores isto ́, os valores da
cultura dominante aos clientes, estudantes e participantes da pesquisa.
124
TÓPICO 2 | MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
Finalmente, a inaceitabilidade do relativismo cultural ́ ilustrada ainda
mais quando se consideram as diiculdades adicionais introduzidas pela presença
de subculturas dentro de um contexto cultural dominante. Se terapeutas,
pesquisadores e professores fossem eticamente obrigados a adotar os valores
da cultura dominante, como resolveriam conlitos com os valores de sua cultura
ou subcultura nativa? “ĺm disso, como eles deveriam lidar com os problemas
multiculturais colocados pelos clientes, participantes da pesquisa e estudantes que
se identiicam com outras culturas ou subculturas?
Claramente, o relativismo ́tico tem pouco a oferecer como fonte de
justiicação ́tica para as proissões de saúde mental aĺm de ilustrar as consequências
negativas do fracasso dos proissionais em fornecer uma justiicativa racional
adequada para seus julgamentos ́ticos. “ busca por fontes de apoio aos princípios
́ticos dos proissionais de saúde mental deve continuar.
UNI
Caso 2.1
Um cliente em uma clínica de tratamento de abuso de substância informa ao psicólogo sobre
as atividades (por exemplo, tráfico de drogas, agressão) em que ele estava envolvido antes de
entrar em um tratamento ordenado pelo tribunal de justiça. Quando o psicólogo pergunta
como ele se sente por ter cometido esses crimes, ele responde: "Isso não foi crime. Todo
mundo estava fazendo essas coisas. Você simplesmente não entende como funciona na rua".
3 O HEDONISMO ÉTICO
O hedonismo ́tico ́ uma teoria do valor. Hedonismo vem da palavra
grega hedone, que signiica prazer . O iĺsofo grego Epicuro ca.
“EC ,
um adepto precoce da perspectiva hedonista, airmou que o maior bem ́ o que ́
intrinsecamente desejável isto ́, desejado para si, não como um meio para algum
outro im e que a única coisa que ́ verdadeiramente intrinsecamente desejável
na vida ́ o prazer EPICURO,
,
. Por prazer, Epicuro signiicava o que
́ agradável. “ssim, o objetivo do hedonismo ́ sempre desfrutar de si mesmo. "O
prazer ́ o começo e o im da vida abençoada" EPICURO,
apud RUSSELL,
, p.
. “ dor ́ a única coisa intrinsecamente indesejável.
Em sua formulação original da posição hedonista, Epicuro não propôs uma
busca desenfreada de prazeres sensuais isto ́, "dinâmicos" . Em vez disso, ele
defendeu uma vida simples de relexão ilośica isto ́, prazer "estático" como a
vida mais agradável ou boa RUSSELL,
. Porque Epicuro
considerava o
prazer como a ausência de desconforto, ele preferia uma vida sem incandescentes
paixões corporais. Embora tais paixões sejam talvez agradáveis por um breve
período, elas tendem a ser seguidas de desconforto quando o prazer intenso termina.
125
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
Por exemplo, o psićlogo e seu cliente podem experimentar prazer considerável
de sua paixão sexual, mas a atividade sexual pode resultar em grande desconforto
mais tarde, se seus desejos sexuais não são satisfeitos completamente ou se uma ou
ambas as pessoas sentem pesar sobre o relacionamento. Epicuro acreditava que a
atividade mental que permitia a uma pessoa alcançar uma compreensão mais clara
de si mesmo e seu mundo era altamente prazerosa e que evitava o desconforto que
tendia a seguir o prazer físico intenso.
Uma longa linhagem de pensadores distintos por exemplo, Thomas
Hobbes, Jeremy ”entham, James Mill, John Stuart Mill, Henry Sidgwick e Sigmund
Freud avançaram e reinaram a teoria hedonista do valor desde Epicuro, embora
as deinições de prazer apresentadas por esses pensadores variavam. Hoje em
dia, o ponto de vista hedonista geral ́ que uma pessoa está experimentando
prazer genuíno se, e somente se, no momento em que ela está envolvida em uma
atividade, a experiência ou atividade ́ desfrutada por si mesma, ou seja, a pessoa
não gostaria de mudar a atividade e preferiria que ela não fosse alterada por
qualquer outra pessoa. Embora o hedonismo tenha sido usado como fundamento
da teoria da ́tica normativa conhecida como utilitarismo, o hedonismo ́tico não ́
uma proposta sobre o que ́ moralmente correto. É simplesmente uma declaração
do que ́ intrinsecamente desejável. Muitas coisas, como o dinheiro, são desejáveis
instrumentalmente isto ́, para as consequências desejáveis que produzem , mas
apenas o prazer ́ desejado como um im em si mesmo.
3.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO HEDONISMO ÉTICO
O primeiro problema com a posição hedonista ́ que os hedonistas
tentam argumentar dos fatos ao valor. Mesmo que seja verdade que o prazer ́
intrinsecamente desejável, isso não torna o prazer "bom" em um sentido ́tico.
Na verdade, o argumento de que o prazer ́ a única coisa que ́ intrinsecamente
desejável pode ser contestado. Poder-se-ia argumentar que para obter prazer,
uma pessoa deve querer algo diferente do prazer por sua pŕpria causa. Por
exemplo, para que a obtenção do conhecimento seja agradável, a pessoa deve
ter tido um desejo intrínseco de alcançar o conhecimento. Joseph ”utler
argumentou que o hedonista ́tico não reconhece que deve haver "paixões
particulares" que permitem às pessoas obter prazer
, p.
.
O hedonismo ́tico tamb́m não explica o fato ́bvio de que as pessoas
são motivadas por fatores que não dependem da crença de que o evento futuro
será agradável para eles pessoalmente. “s pessoas at́ correrão o risco de perda
pessoal em vez de violarem seus princípios morais. É claro que o hedonista
argumentará que, em tais circunstâncias, agir de acordo com seus valores deve ser
agradável. No entanto, o que ́ intrinsecamente desejável neste caso ́ comportarse de uma maneira consistente com sua moralidade pessoal. O comportamento
não ́ simplesmente um meio para alguma outra inalidade isto ́, a realização do
prazer .
126
TÓPICO 2 | MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
3.2 A RELEVÂNCIA DO HEDONISMO ÉTICO PARA AS
PROFISSÕES DE SAÚDE MENTAL
Como teoria do valor, o hedonismo ́tico não pretende informar os
proissionais de saúde mental sobre seus deveres ́ticos. No entanto, o hedonismo
torna-se uma teoria da normativa quando ́ combinada com o utilitarismo. No
entanto, a perspectiva hedonista tem sido utilizada por um número de téricos da
psicologia, por exemplo, Sigmund Freud
e Edward Thorndike
,
tentando compreender os princípios fundamentais que explicam a motivação
humana. Essas teorias motivacionais são referidas como hedonismo psicoĺgico. Em
tal modelo, o objetivo da vida ́ a busca do prazer. Portanto, a motivação subjacente
à preferência de uma pessoa para um estado de coisas sobre outra ́ que o preferido
́ esperado proporcionar mais prazer. Por exemplo, Thorndike apresentou a "lei do
efeito" em sua teoria comportamental, que postula que se um comportamento for
seguido por um "estado de coisas satisfat́rio", a associação do comportamento com
a situação será fortalecida, enquanto que se um comportamento ́ seguido por um
"estado de coisas frustrantes", a associação será enfraquecida THORNDIKE,
,
p.
. Da mesma forma, Freud
considerava o comportamento humano
como dominado pelo "princípio do prazer". Os seres humanos procuram satisfazer
os seus impulsos instintivos, que são experimentados como prazerosos, evitando
ao mesmo tempo um acúmulo de tensão instintiva, o que ́ doloroso.
O hedonismo psicoĺgico, como uma teoria da motivação, levanta uma
questão interessante sobre o papel que o interesse pŕprio desempenha no
comportamento humano FEIN”ERG,
. Se a motivação subjacente a todo
comportamento ́ a busca do prazer, segue-se que as pessoas sempre se comportam
egoisticamente? Embora todos os hedonistas não necessariamente adotem esse
ponto de vista, que ́ referido como egoísmo psicoĺgico, um hedonista certamente
argumentaria que os seres humanos sempre agem de acordo com seu interesse
pŕprio. Mesmo que as pessoas se comportem de maneira altruísta isto ́, se
envolvem num comportamento que envolve algum grau de autossacrifício por
preocupação com outro , comportar-se de tal maneira deve ser consistente com
seu interesse pŕprio para ser agradável. Por exemplo, elas podem achar muito
agradável ser consideradas como caridosas.
Esse comportamento ́ egoísta? Claramente não. Dois sentidos obviamente
diferentes de interesse pŕprio devem ser distinguidos no hedonismo ́tico. O
que poderia razoavelmente ser chamado de comportamento egoísta envolve um
desprezo pelos interesses dos outros. “s pessoas egoístas ś pensam em si mesmas
ao determinar seu curso de ação. Por outro lado, quando as pessoas assumem
comportamentos de higiene pessoal, por exemplo, o comportamento mostra uma
clara consideração pelos pŕprios interesses, mas não implica necessariamente
uma desconsideração pelos interesses dos outros. Embora um hedonista ́tico
possa justiicadamente argumentar que as pessoas nunca agem contra seus
interesses pŕprios, mesmo no comportamento altruísta, não se segue que todo
comportamento seja egoísta, como o egoísmo psicoĺgico manteria ”UTLER,
.
127
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
UNI
Caso 2.2
Um conselheiro tenta encorajar um cliente deprimido a aproveitar as oportunidades de se
envolver com as pessoas, apontando que sua solidão a deixou infeliz. Ele diz a ela que, embora
não haja nenhuma garantia de que as pessoas irão responder positivamente a ela, pelo menos
assumir o risco de chegar a outros tem o potencial de trazer a sua felicidade. "E afinal", ele diz,
"não é isso que todos nós estamos procurando na vida: felicidade?".
4 O UTILITARISMO
O utilitarismo ́ uma das duas principais teorias ́tica normativas no
pensamento ocidental moderno, como visto no T́pico da primeira unidade
deste livro. Para o utilitarista, a moralidade ou imoralidade de uma ação depende
da bondade ou da maldade de suas consequências. Por causa de seu foco nos ins
alcançados por uma ação, o utilitarismo ́ caracterizado como uma teoria teleoĺgica
normativa da palavra grega telos, que signiica "im último" . “ noção de "o bem"
na maioria das concepções utilitaristas ́ emprestada do hedonismo ́tico prazer
ou felicidade ́ o bem. No entanto, algumas formulações do utilitarismo, como a
de G. E. Moore
, airmam que certas experiências mentais por exemplo, a
aquisição de conhecimento possuem valor intrínseco independente do prazer que
pode estar associado a elas. Esse ponto de vista tem sido referido como utilitarismo
ideal SM“RT WILLI“MS,
, p.
.
Jeremy ”entham
foi uma igura importante no desenvolvimento
do utilitarismo. Sua formulação do princípio da utilidade, que subjaz a todas as
ideias utilitaristas, airma que uma ação ́ ́tica se ela traz o maior equilíbrio positivo
do prazer sobre a dor, porque o prazer ́ bom e as pessoas são obrigadas a trazer
o bem à existência ”ENTH“M,
. Se todas as opções disponíveis produzirão
algum grau de sofrimento, a alternativa eticamente apropriada envolve o menor
equilíbrio negativo da dor. O utilitarismo resume-se a esse princípio, que serve
de padrão para julgar a moral de qualquer ação proposta. É certamente atraente
acreditar que uma consideração razoavelmente quantiicável pode resolver todas
as questões e dilemas morais.
Houve várias formulações diferentes da perspectiva utilitarista. Como
descrito na primeira unidade deste livro, uma distinção feita pelos utilitaristas ́
se o princípio da utilidade deve ser aplicado a atos especíicos ou a classes gerais
de atos isto ́, regras . No utilitarismo de ato, o crit́rio do prazer ́ aplicado a
cada ação particular. Portanto, uma pessoa julga o status ́tico de cada ação por
suas consequências. Por outro lado, no utilitarismo de regras, o status ́tico das
regras gerais de conduta ́ avaliado por julgar as prováveis consequências se todos
fossem obrigados a se comportar de maneira similar SM“RT WILLI“MS,
.
128
TÓPICO 2 | MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
Uma regra será adotada como um dever ́tico por exemplo, as pessoas devem
cumprir suas promessas se as consequências gerais do comportamento de acordo
com esta regra produzem maior prazer do que aquelas obtidas pela adoção de uma
regra alternativa. O utilitarismo de ato ́ geralmente considerado como sendo mais
lexível do que o utilitarismo de regras, porque o utilitarista ́ sensível a possíveis
mudanças no status ́tico de um ato realizado em diferentes circunstâncias.
Outra questão para os utilitaristas ́ o prazer de quem deve ser levado
em conta quando se aplica o princípio da utilidade – do indivíduo ou o da
comunidade? Para o proponente do utilitarismo egoísta, a bondade de uma
ação depende de suas consequências para a pessoa particular envolvida na ação.
Por outro lado, um defensor do utilitarismo universalista airmaria que o status
́tico de uma ação ́ uma função de suas consequências para todos geralmente,
dentro de uma determinada comunidade afetados pela ação. Todos devem agir
de modo a apoiar a felicidade geral da comunidade ao mais alto grau, com cada
pessoa considerando sua felicidade pessoal como sendo de igual importância para
a felicidade de qualquer outro membro da comunidade SM“RT WILLI“MS,
. ”entham
, p.
airmou que o interesse da comunidade não deve
entrar em conlito com o interesse dos indivíduos. O que ́, então, o interesse da
comunidade? “ soma dos interesses dos muitos membros que a compõem .
Um exemplo da aplicação de princípios utilitaristas universalistas ́ o Plano
de Saúde de Oregon, uma iniciativa de reforma de cuidados de saúde implementada
pelo Estado de Oregon, dos EU“, em
. Em resposta à escalada de custos
de cuidados de saúde, a legislatura do Estado de Oregon criou uma Comissão
de Serviços de Saúde para desenvolver um plano para racionar os cuidados de
saúde para aqueles que recebem seguro de saúde do Estado por exemplo, os
beneiciários do seguro de saúde chamado de Medicaid . O plano expandiu as
inscrições do Medicaid em %, incluindo trabalhadores com rendimentos abaixo
da linha de pobreza, enquanto controlava o custo da cobertura ḿdica CUTLER
MCF“RL“ND WINTHROP,
“NDR“DE LIS”O“,
. “ comissão
desenvolveu uma lista priorizada de problemas de saúde física e mental depois
de considerar os benefícios do tratamento para o indivíduo e a sociedade versus o
custo para a sociedade de fornecer ou reter tratamento, a cronicidade da condição,
o risco de morte associado à condição e a probabilidade de que o tratamento
estendesse a vida e a eicácia do tratamento em restaurar "o indivíduo a um nível
de função ao nível pŕ-ḿrbido ou perto dele" POLL“CK et al.,
, p.
.
O legislador estatal determinou que existiam fundos suicientes para cobrir as
principais categorias de diagństico, que incluíam a maioria das condições
de saúde mental. Entre as condições de saúde mental excluídas da cobertura no
Plano de Saúde de Oregon estavam o Transtorno de Conversão em adultos ,
a Hipocondria e vários transtornos de personalidade, incluindo “ntissocial,
Paranoide, Dependente, Esquiva, Esquizoide, Obsessivo Compulsivo, Histriônica
e Narcisística POLL“CK et al.,
.
“queles que priorizaram os transtornos reconheceram que as condições
excluídas da cobertura são graves e dolorosas para aqueles que sofrem com elas.
Entretanto, a preocupação da comissão era usar os recursos inanceiros limitados
129
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
do cuidado ḿdico disponíveis ao Estado para fornecer a cobertura da saúde para
tantas pessoas quanto possível e para beneiciar a maioria das pessoas na extensão
maior possível. Essas considerações superam o sofrimento das pessoas cujos
diagństicos não foram cobertos. Tais considerações utilitaristas são convincentes
para muitas pessoas, particularmente os contribuintes, que estão cientes de
que há um limite para os recursos inanceiros que um Estado pode investir em
cuidados de saúde. Na prática, a lista priorizada não tem sido amplamente
utilizada para negar às pessoas os serviços de saúde mental necessários. Em vez
disso, a contenção de custos foi conseguida ao forçar os beneiciários do Medicaid
em programas de cuidados gerenciados que podem oferecer tratamento menos
extensivo ”ODENHEIMER,
“NDR“DE LIS”O“,
. No entanto, se os
custos ḿdicos aumentarem, a lista priorizada continua a ser um meio legalmente
aceitável de racionar os cuidados de saúde em Oregon.
4.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO UTILITARISMO
Como a teoria do valor subjacente ao utilitarismo ́ o hedonismo, os
utilitaristas têm sido confrontados com muitas das mesmas críticas que os
defensores do hedonismo. Por exemplo, a questão de argumentar dos fatos aos
valores ́ ainda mais premente para o utilitarista. Mesmo se uma pessoa aceitasse
o argumento de que o prazer ́ o que ́ mais desejado na vida, ele ainda não pode
estabelecer que o prazer ́ bom, em um sentido ́tico. Os utilitaristas devem ser
capazes de fazê-lo, a im de argumentar que as pessoas são eticamente obrigadas a
agir apenas de forma a maximizar o prazer.
Um problema ainda maior para utilitaristas universalistas, como Jeremy
”entham
e John Stuart Mill
, ́ demonstrar que resultaria da bondade
do pŕprio prazer do indivíduo, ao qual ele ́ obrigado a promover a "felicidade
geral" de sua comunidade. Por que uma pessoa não poderia dizer "Sim, a
felicidade geral ́ boa, mas estou interessado apenas em minha pŕpria felicidade?"
Na verdade, parece que a maioria das pessoas está muito mais investida em seus
interesses pessoais do que em interesses de outras pessoas e não exibem a atitude
geral de "benevolência" que os utilitaristas assumem que caracteriza os seres
humanos SM“RT WILLI“MS,
. “ tendência dos interesses individuais das
pessoas para o conlito ́ justamente a razão pela qual as questões relativas ao
comportamento ́tico chamam tanta atenção em primeiro lugar RUSSELL,
.
Outra questão que os utilitaristas universalistas não abordaram
suicientemente ́ a questão de como o bem ou seja, o prazer deve ser distribuído
pela comunidade. Por exemplo, e se uma determinada ação produziria um grande
prazer para um pequeno grupo de pessoas, enquanto outra ação beneiciaria mais
pessoas, mas produziria uma menor quantidade total de prazer? Um exemplo
extremo da questão importante da distribuição do bem ́ que uma regra utilitarista
poderia apresentar um argumento defendendo a moralidade da escravidão com
base em que ́ economicamente vantajosa para a sociedade como um todo ou seja, que
produz maior felicidade total . No entanto, uma teoria ́tica que ́ compatível com a
escravidão ́ absurda por causa de sua incompatibilidade total com as teorias da justiça.
130
TÓPICO 2 | MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
NOTA
Vale observar que há os utilitaristas que acreditam que minimizar o sofrimento é
uma preocupação mais premente do que a maximizar a felicidade, estes são referidos como
"utilitaristas negativos" (MULGAN, 2012) e não estariam sujeitos a essa crítica. No entanto, este
ponto de vista nunca foi muito popular entre os utilitaristas.
O foco do utilitarismo nas consequências dos atos levanta outras questões.
Por exemplo, Williams assinalou que, uma vez que ́ a existência de estados
de coisas agradáveis e dolorosos no mundo que interessa a um utilitarista,
independentemente de como esses estados de coisas venham a ser, o indivíduo
parece assumir a mesma responsabilidade pelos estados de coisas que ela produz
por meio de seus pŕprios atos e estados de coisas que ela não impede de existir
SM“RT WILLI“MS,
. Parece que sua responsabilidade por seus pŕprios
atos não ́ diferente da sua responsabilidade pelos atos de outras pessoas que
produzem estados de coisas desejáveis ou indesejáveis. Williams referiu-se a essa
questão como a "responsabilidade negativa" da perspectiva utilitarista SM“RT
WILLI“MS,
, p.
.
É claro que os críticos do utilitarismo poderiam questionar o signiicado
de sempre ter um indivíduo diretamente responsável pelos estados de coisas
no mundo, particularmente, as consequências remotas dos pŕprios atos de
um indivíduo. Por exemplo, suponha que um psicoterapeuta dispensa uma
cliente prematuramente de um programa de tratamento por causa de questões
contratransferenciais. “o tentar conseguir uma carona para casa, a cliente encontra
um homem com quem ela estabelece um relacionamento extremamente positivo
e passa a viver feliz para sempre. Pode-se dizer que o psicoterapeuta agiu de
maneira eticamente apropriada porque o efeito a longo prazo de sua ação foi um
aumento na felicidade do cliente e de seu companheiro? Lembre-se de que, para
o utilitarista, a intenção do indivíduo em executar o ato não deve importar, pois
são estados de coisas isto ́, consequências que são avaliadas em última instância.
“s consequências diretas e indiretas do ato de um indivíduo são os únicos
determinantes da responsabilidade ́tica.
Williams tamb́m apontou que a ênfase exclusiva dada às consequências na
perspectiva utilitarista faz com que os pŕprios sentimentos morais do indivíduo
não sejam importantes. "O utilitarismo aliena o indivíduo dos seus sentimentos
morais [...] mais basicamente, aliena o indivíduo de suas ações tamb́m" SM“RT
WILLI“MS,
, p.
. “s concepções confusas e impessoais da responsabilidade
do utilitarista ignoram as seguintes noções ́ticas de bom senso a os limites da
responsabilidade pessoal b a diferença entre as consequências intencionais e as
não intencionais e c a diferença ́tica essencial entre os atos que executo e os atos
executados por outros.
131
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
Um problema inal enfrentado pelos utilitaristas ́ como uma pessoa
pode ser esperada por calcular as consequências potenciais de suas opções de
resposta em situações envolvendo tomada de decisão consciente moral. Quando
uma ação produziria um efeito misto de prazer e dor, como ́ frequentemente
o caso, como ela deve comparar o prazer acumulado a uma pessoa com a dor
resultante de outra? “ĺm disso, ela deveria considerar apenas as consequências
imediatas do ato ou os potenciais efeitos a longo prazo – o que J. J. C. Smart chama
de "postulado das ondulações no lago" SM“RT WILLI“MS,
, p.
? E se
os efeitos a curto prazo forem positivos por exemplo, aumentando o senso de
autonomia pessoal de um cliente hospitalizado concordando em dispensá-lo para
viver independentemente , mas os efeitos a longo prazo poderiam ser bastante
negativos por exemplo, seu potencial descumprimento com seu regime de
medicação, possivelmente resultando em tornar-se perigoso para si mesmo ou
para os outros ? Quanta relexão ́ necessária antes de agir para assegurar uma
adequada consideração das prováveis consequências a curto e longo prazo? O
que parecia inicialmente ser uma abordagem muito pragmática e quantiicável
para fazer julgamentos ́ticos acaba por ser um modelo que ́ quase impossível de
aplicar com sucesso.
4.2 RELEVÂNCIA DO UTILITARISMO PARA AS PROFISSÕES
DE SAÚDE MENTAL
“ justiicativa fornecida nos ćdigos de ́tica proissional para o uso de
engano na pesquisa ́ primariamente de natureza utilitarista. Vemos isso na
regulamentação do ćdigo de conduta da “ssociação “mericana de Psicologia.
Os pesquisadores têm permissão para enganar os participantes, violando assim
o dever de obter o consentimento informado, se "tiverem determinado que o uso
de t́cnicas de engano ́ justiicado pelo potencial cientíico, educacional ou valor
aplicado" “P“,
, p.
. Sob certas circunstâncias, então, a obrigação de um
pesquisador para com os participantes individuais pode ser compensada, pelo
menos em certa medida, pelo seu interesse em promover o bem-estar da sociedade
em geral.
“ noção utilitarista de que as pessoas devem promover a felicidade de
outras pessoas afetadas por suas ações tamb́m ́ bastante consistente com o
espírito dos ćdigos ́ticos das proissões de saúde mental. De fato, esse ́ o dever
́tico da beneicência, que está subjacente à preocupação que os proissionais de
saúde mental mostram para o bem-estar dos clientes, estudantes, participantes da
pesquisa e outros afetados por suas ações COHEN COHEN,
.
Os proissionais têm um dever ́tico de se esforçar para trazer consequências
boas e positivas para as pessoas a quem servem. Numa situação que não pode
resultar em consequências prazerosas para as pessoas envolvidas, os proissionais
de saúde mental têm um dever ́tico de minimizar o dano ou a dor sofrida pelos
envolvidos. Este ́ o dever ́tico da não maleicência, que tamb́m tem claramente
132
TÓPICO 2 | MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
suas raízes no raciocínio utilitarista. No entanto, embora as considerações utilitárias
possam explicar a preocupação dos proissionais com as consequências de suas
ações, tais considerações não podem explicar por que os proissionais se preocupam
com as consequências para outras pessoas. “ teoria utilitarista não explica o
respeito dos proissionais de saúde mental pela autonomia ou pessoalidade das
pessoas a quem servem.
De fato, a principal deiciência do utilitarismo como fundamento ilośico
potencial para a tomada de decisões ́ticas nas proissões de saúde mental ́ que
as necessidades de um indivíduo em particular têm pouca importância desde
uma perspectiva utilitarista, especialmente quando essas necessidades são
inconsistentes com as necessidades da sociedade em geral. Em contrapartida,
os ćdigos ́ticos das proissões de saúde mental atribuem grande importância
ao respeito do direito dos indivíduos à privacidade, à conidencialidade, à
autodeterminação e à autonomia" COMITÉ COORDIN“DOR DE PSIC2LOGOS
DEL MERCOSUR Y P“ÍSES “SOCI“DOS,
, p.
. “ssim, há uma tensão
deinida nos "Princípios Éticos" “P“,
e no Ćdigo de Ética CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
entre a forte consideração declarada pela
autonomia pessoal e as justiicativas utilitaristas para limitar a adesão a esses
valores, como quando as pessoas são enganadas como participantes da pesquisa.
O valor atribuído à autonomia e à dignidade do indivíduo pelos proissionais de
saúde mental tem suas raízes ́ticas em outra grande teoria da ́tica normativa, a
teoria ́tica formalista de Kant, a qual foi descrita no T́pico da primeira unidade,
mas que será aprofundada a seguir.
UNI
Caso 2.3
Uma psicóloga de aconselhamento que trabalha em um centro de saúde mental da comunidade
recebe um telefonema da mãe de um cliente. O cliente, que sofre de esquizofrenia de tipo
indiferenciado, parou de tomar a medicação, e sua família está muito chateada. A psicóloga
explica que seu filho deixa de tomar a medicação por causa dos efeitos colaterais extremamente
desagradáveis que ela produz (por exemplo, tremores, rigidez muscular, constipação). Sua
mãe diz que ela entende o desconforto de seu filho com a medicação, mas que tê-lo sob a
medicação torna a vida muito mais fácil para todos os outros na família e no bairro. Ela diz à
psicóloga que ela tem a obrigação de convencer seu filho a voltar a tomar sua medicação. O
que a psicóloga deve fazer?
5 A TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT
Immanuel Kant
, como iĺsofo racionalista, acreditava que a
verdade ou o conhecimento ś poderiam ser descobertos atrav́s dos princípios da
ĺgica e da razão. Consistente com essa visão, Kant airmou em sua teoria ́tica que
133
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
a verdade moral ́ determinada pela avaliação de se o princípio orientador de uma
ação ́ consistente com as leis da razão. Como todas as pessoas são seres racionais,
todas elas são capazes de reconhecer a validade universal de princípios morais
racionais K“NT,
. “ teoria ́tica de Kant ́ um exemplo de formalismo ́tico,
na medida em que a moral de um ato ́ determinada formalmente, em virtude
da validade racional da máxima envolvida, e não por qualquer referência a
circunstâncias ou consequências práticas do ato.
NOTA
A teoria de Kant é também referida como deontológica (derivado do termo
grego “deon”, que significa "o que é obrigatório"), porque os deveres éticos são justificados
independentemente de qualquer teoria do valor. Por outro lado, no utilitarismo, os deveres
morais são justificados por referência aos resultados "bons" (isto é, prazerosos) que tais ações
provocam (baseados na teoria do valor chamado hedonismo). O utilitarismo é, portanto, uma
teoria teleológica, ou axiológica (do termo grego “axio”, que significa "valor"), da obrigação
moral.
Os princípios de moralidade revelados pela razão são conhecidos por
serem necessariamente verdadeiros isto ́, não poderiam ser falsos . “ĺm disso,
estes princípios são conhecidos por serem verdadeiros independentemente da
experiência isto ́, a priori . “ssim como todo mundo sabe que + = sem ter
que constantemente veriicar o fato colocando duas coisas com mais duas, todo
mundo sabe que ́ errado roubar. Isso, de acordo com Kant, ́ por que uma máxima
moral isto ́, a descrição do princípio incorporado em um ato ́ sempre expressa
na forma de um comando universal, como "Tu não roubarás" K“NT,
. “s
pessoas não precisam estabelecer a validade desse princípio atrav́s da experiência
isto ́, reunindo dados sobre os efeitos do roubo . É ́bvio para qualquer um que
o roubo ́ errado, embora os seres humanos nem sempre ajam de acordo com
princípios morais ou seja, racionais . “s pessoas são profanas o suiciente para
serem inluenciadas pelo prazer de transgredir a lei moral, embora reconheçam
sua autoridade K“NT,
Claramente, Kant não faz nenhuma referência às consequências de um ato
na avaliação de seu status ́tico, embora Kant acreditasse certamente que operar
na base da razão beneiciaria tanto o indivíduo quanto os outros. Seu ponto era
que a racionalidade de uma ação ́ uma justiicação suiciente de seu status moral.
“ĺm disso, Kant não estava argumentando que a motivação de uma pessoa em
se comportar moralmente necessita sempre ser a racionalidade do ato. “s pessoas
podem agir de acordo com a lei da razão, mas devem ser motivadas por um senso
de justiça, afeição pessoal ou algo parecido.
Como uma pessoa sabe se a máxima expressa em um ato particular ́
razoável isto ́, ́tica ? Kant apresentou seus "testes" da racionalidade de uma
134
TÓPICO 2 | MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
máxima em sua obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes
. Estes testes
são referidos coletivamente como o imperativo cateǵrico. O primeiro teste do
imperativo cateǵrico ́ se a máxima pode ser expressa signiicativamente como
uma lei universal a priori da razão, ou seja, a máxima faz sentido ĺgico quando
expressa como uma lei moral universal?
Por exemplo, suponha que uma cliente diagnosticada como sofrendo de
esquizofrenia tipo paranoide pede a seu terapeuta para prometer-lhe que ele nunca
vai discutir com ningúm as coisas que ela revela na terapia. O terapeuta acredita
que se ele recusar a prometer e tentar explicar a importância de documentar o curso
de sua psicoterapia nos registros hospitalares e de discutir aspectos de seu caso com
o resto da equipe de tratamento, ela icará muito agitada e se recusará a participar
ativamente na terapia. Portanto, ele promete a ela não revelar nada a ningúm,
sabendo que, embora ele siga todas as diretrizes ́ticas sobre conidencialidade,
ele não tem a intenção de realmente manter a promessa literal que está fazendo
para ela. Ele justiica mentir para ela com base em que está no melhor interesse da
cliente. “ natureza de seu ato ́ expressa nesta máxima "É lícito fazer uma promessa
que não tenhamos intenção de manter". Esse tipo de ato, que Kant chamou de
"falsa promessa" K“NT,
, ́ eticamente apropriado? Kant argumentou que
não ́ apropriado, porque se fosse universalizado, a máxima implicaria que todos
izessem promessas sem a intenção de mantê-las. Tal comportamento tornaria a
noção de promessa sem sentido. Por deinição, uma promessa implica que a pessoa
sinceramente pretende manter o voto feito para o outro. Portanto, tal máxima ́
obviamente irracional.
Por outro lado, suponha que uma professora de aconselhamento esteja
atrasada quando ela tenta atravessar o campus para uma reunião importante com
seu reitor sobre o status de seu pedido de posse como professora titular. Enquanto
ela se apressa em direção ao escrit́rio do reitor, um estudante que participou de
sua aula no dia anterior a interrompe para discutir algumas dúvidas śrias que
ele teve sobre a aula. O aluno está obviamente muito atribulado. “ professora
quer parar e discutir o assunto porque o aluno está aparentemente em grande
alição, mas decide não parar porque não quer chegar atrasada para o encontro,
o que ́ extremamente importante para ela. Ela diz a ele para ir ao seu escrit́rio
na manhã seguinte. Kant airmaria que a máxima expressa neste ato seria algo
como "Eu não sou obrigado a ajudar outro que está em alição". Curiosamente,
quando expressamos essa máxima como uma lei moral universal, ela não envolve
nenhuma contradição ĺgica ou inconsistência. Pode-se realmente imaginar um
mundo onde ningúm presta assistência a outro em alição.
Entretanto, o fato de que uma máxima pode ser universalizada sem
contradição não ́ suiciente para declará-la eticamente apropriada. Kant
airmou que, para que uma máxima seja comprovadamente moral, um ser racional
tamb́m teria que ser capaz de querer que a máxima seja lei universal. Este
requisito constitui o segundo componente do imperativo cateǵrico. No exemplo,
a professora, como ser racional, não poderia querer que a máxima "Ningúm ́
obrigado a ajudar outro que está em alição" se torne lei moral universal porque a
135
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
máxima implicaria que ningúm seria obrigado a ajudá-la se ela mesma estivesse
em alição. Um ser racional não agiria de maneira que se opusesse diretamente a
seus interesses pŕprios. “ssim, esta máxima falha no segundo teste do imperativo
cateǵrico.
“ moralidade das ações ́ descoberta dessa maneira negativa para Kant. Os
testes do imperativo cateǵrico permitem que as pessoas descubram aqueles atos
em que não devem se envolver. “tos que não são eliminados por esse processo são
eticamente apropriados. De acordo com Kant
, quando as pessoas agem de
forma imoral, elas o fazem apesar de saberem que o ato está errado ou que a lei moral
que estão violando ́ válida universalmente. Em geral, decidem hipocritamente
que a sua situação constitui uma exceção ao princípio geral em causa. Kant não
permitiu exceções ao dever moral como ́ revelado aos seres humanos pela razão.
Os testes da razoabilidade das máximas associadas ao imperativo
cateǵrico não representam uma explicação completa da origem dos deveres das
pessoas para com eles mesmos e com os outros. Kant
explicou que quando
as pessoas agem de acordo com a razão, elas agem de forma autônoma e livre,
isto ́, de maneira consistente com sua natureza de seres racionais. Tais atos são
autocausados porque as únicas leis reletidas neles são as leis da razão, que são o
fundamento do ser humano. Portanto, quando as pessoas agem razoavelmente,
elas tamb́m agem de acordo com a natureza de qualquer outro ser humano. Elas
nunca impõem sua vontade a outro ser humano quando agem de uma maneira
razoável e ́tica, porque o que um ser racional deseja ́ a mesma coisa que qualquer
outro ser racional faria. Kant descreveu essa mistura harmoniosa de vontades
racionais humanas autônomas como um "reino de ins".
Kant
argumentou que há uma diferença fundamental entre uma
coisa e uma pessoa. “ diferença ́ que somente os seres racionais são considerados
pessoas. “ consideração das pessoas por si mesmas baseia-se no reconhecimento
de que elas possuem a razão e, portanto, o conhecimento, que as diferencia dos
objetos ou seres não racionais por exemplo, animais não humanos . “s "coisas"
têm "apenas um valor relativo como meio" K“NT,
. Em outras palavras,
tudo na natureza existe como um meio para algum im, com exceção dos seres
humanos. Os seres racionais são chamados de pessoas porque sua natureza já os
marca como ins em si mesmos, isto ́, como algo que não deve ser usado apenas
como um meio. “ssim, para Kant, todas as pessoas possuem valor intrínseco e
são dignas de respeito como ins em si mesmas. Portanto, segue-se logicamente
que as pessoas devem agir de tal maneira que tratem sempre a humanidade, seja
na pŕpria pessoa ou na pessoa de qualquer outra, nunca simplesmente como um
meio, mas sempre ao mesmo tempo como um im K“NT,
.
Esta doutrina do reino dos ins ́ simplesmente outra implicação da base
racional para a moralidade fornecida pelo imperativo cateǵrico. Se as pessoas
agirem somente sob máximas que possam ser razoavelmente desejadas como lei
moral universal, elas agirão em direção aos outros somente de uma maneira que
esses outros, como seres racionais, endossariam como eticamente apropriadas. “o
fazê-lo, as pessoas sempre mostram o respeito pelos outros como ins em si mesmos
136
TÓPICO 2 | MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
isto ́, como seres humanos autônomos , tratando-os apenas como eles gostariam
de serem tratados. Da mesma forma, esta doutrina, que tem um forte aspecto de
"regra de ouro" isto ́, "faça aos outros como você gostaria que eles o izessem a
você" , ́ muito atraente quando as pessoas consideram suas implicações sobre
como elas serão tratadas por outros Elas podem estar coniantes de que elas serão
tratadas apenas da maneira que elas gostariam de ser tratadas ou seja, de forma
justa e respeitosa .
“ moralidade, para Kant, envolve não apenas os deveres de um indivíduo
para com os outros, mas tamb́m para si mesmo. Kant fez uma distinção entre os
deveres "perfeitos" e "imperfeitos" de uma pessoa para si mesmo e para os outros
K“NT,
. “s máximas que representam deveres perfeitos especiicam ações
que são claramente imorais. Por exemplo, a proibição de roubar constitui um
dever perfeito para com os outros. Roubar de um cliente por não apontar o seu
erro em pagar duas vezes para a mesma sessão ́ antítico porque mostra uma falta
de consideração para a humanidade ou seja, a pessoalidade desse indivíduo. Os
deveres perfeitos de um indivíduo para com ele pŕprio proíbem qualquer ação
que comprometa seu valor como pessoa. Por exemplo, fumar cigarros ́ contrário
ao dever de uma pessoa de valorizar e preservar sua pŕpria vida.
Os deveres imperfeitos, por outro lado, não identiicam ações especíicas.
Em vez disso, eles representam ins racionais eticamente apropriados que devem
motivar o comportamento de uma pessoa para si mesmo e para os outros. Os
deveres imperfeitos de uma pessoa para com os outros envolvem promover o
bem-estar e a felicidade dos outros. Por exemplo, um proissional de saúde mental
tem um dever imperfeito de promover o bem-estar de seus clientes, estudantes,
participantes da pesquisa ou qualquer outra pessoa a quem ele presta serviços. Os
deveres imperfeitos indicam o objetivo ou im a ser buscado, mas não especiicam
os atos que são apropriados para realizar esses ins ou seja, o dever não inclui
informações especíicas sobre como um proissional de saúde mental iria atingir
o im de promover o bem-estar e a felicidade daqueles que encontra em suas
atividades proissionais . Os deveres imperfeitos de uma pessoa para com ela
mesma envolvem esforçar-se para aperfeiçoar seus talentos humanos atrav́s do
cultivo de suas capacidades ou dons naturais K“NT,
.
“s diferenças entre a teoria ́tica de Kant e o utilitarismo podem ser ilustradas
reconsiderando o Plano de Saúde de Oregon desde uma perspectiva kantiana.
O plano tinha um embasamento fundamentalmente utilitarista Os limitados
recursos de inanciamento para o plano de saúde fornecido pelos impostos dos
contribuintes devem ser usados para fornecer cobertura de saúde para o maior
número possível de pessoas, cobrindo apenas as condições que beneiciariam a
maioria das pessoas na maior medida possível. “o discutir as críticas ao plano
quando a proposta estava sendo debatida, Pollack et al.
relataram que
"alguns sugeriram em tom jocoso que os legisladores aplicassem a experiência
em si mesmos ou talvez todos os funcionários do Estado antes de mudarem o
Medicaid" POLL“CK et al.,
, p.
. Esta crítica enfatiza o ponto kantiano de
que as pessoas são obrigadas a tratar as outras pessoas apenas de uma maneira
que elas mesmas desejariam ser tratadas. Escolher quais pessoas serão ajudadas
137
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
nunca poderia ser desejado por seres racionais como lei moral universal, porque as
pessoas nunca desejariam serem excluídas de receber ajuda se estivessem sofrendo
de um transtorno de baixa prioridade no futuro.
5.1 A AVALIAÇÃO CRÍTICA DA TEORIA ÉTICA FORMALISTA
DE KANT
O imperativo cateǵrico de Kant ́ inicialmente bastante atraente como um
meio de testar a razoabilidade das máximas. No entanto, o imperativo cateǵrico
tem uma simplicidade enganosa. Considere o efeito de modiicar características
particulares de uma máxima na avaliação moral dessa máxima. Por exemplo,
Kant argumentaria que ́ antítico para um terapeuta iniciar o tratamento com um
cliente quando ela sabe que não há espaço em sua agenda atual para ver a pessoa
em uma base regular. No entanto, qual seria o status ́tico da máxima se a terapeuta
iniciasse uma relação terapêutica com um cliente sabendo que não poderia ver o
cliente novamente no dia seguinte? Não poderia uma pessoa introduzir fatores
situacionais complexos que tornariam a aplicação do imperativo cateǵrico
confusa, se não impossível?
Segundo, quando as máximas são formuladas como regras gerais de
conduta menos complicadas por exemplo, nunca se deve dizer uma mentira ,
o modelo torna-se extremamente rígido e insensível a fatores contextuais que
complicam a situação. Por exemplo, a maioria das pessoas razoáveis concorda que
há situações em que dizer uma mentira para poupar os sentimentos de algúm
por exemplo, quando perguntado, "Você gostou do meu corte de cabelo?" seria
eticamente apropriado. No entanto, tal comportamento não poderia ser justiicado
pelo modelo de Kant.
5.2 RELEVÂNCIA DA TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT
PARA AS PROFISSÕES DE SAÚDE MENTAL
“ ênfase de Kant no respeito que deve ser mostrado para a autonomia
das pessoas no reino dos ins está fortemente representada nos ćdigos ́ticos das
proissões de saúde mental. Evitar relações de exploração, manter a conidencialidade,
prestar serviços competentes, evitar e corrigir práticas discriminat́rias e respeitar
os direitos dos participantes da pesquisa são todos relexos da ênfase kantiana no
valor intrínseco e na importância do indivíduo. O respeito de Kant pelas pessoas
́ muito semelhante à atitude de Rogers de consideração positiva incondicional
pelos clientes ROGERS KINGET,
. “mbos reletem uma completa aceitação
e respeito pela liberdade, autonomia e pessoalidade de cada indivíduo.
No entanto, tanto nos "Princípios Éticos" da “P“
como no Ćdigo de
Ética Proissional do psićlogo existe um certo grau de tensão entre a importância
fundamental dos direitos do indivíduo e o desejo de promover os objetivos
138
TÓPICO 2 | MODELOS DE RACIOCÍNIO ÉTICO
cientíicos da proissão atrav́s da pesquisa. Embora o consentimento informado
seja um valor importante na psicologia e no aconselhamento, este dever ́tico
pode ser comprometido atrav́s do uso do engano na pesquisa. Esta justiicação
utilitarista ́ curiosamente incompatível com a ênfase kantiana em respeitar o
valor, a dignidade, o potencial e a singularidade de cada indivíduo que podemos
encontrar no Ćdigo de Ética Proissional do psićlogo CFP,
.
“ discussão das teorias ́ticas, neste t́pico, revelou que, embora
representem diferentes abordagens à justiicação ́tica, nenhuma abordagem ́
claramente superior como base para julgamentos ́ticos proissionais. “ĺm disso,
em cada teoria há o potencial para os princípios ́ticos entrarem em conlito uns
com os outros em algumas circunstâncias. “ combinação de justiicativas utilitárias
e kantianas nos ćdigos ́ticos das proissões de saúde mental produz um potencial
adicional signiicativo de conlito entre princípios. É extremamente importante
que um proissional ́tico seja capaz de resolver conlitos que surgem em situações
que envolvem considerações ́ticas concorrentes. No pŕximo t́pico serão
apresentados os pontos de vista de várias teorias ́ticas sobre tais conlitos. Com
base nas informações apresentadas no T́pico , um modelo que os proissionais
podem empregar para resolver conlitos entre considerações ́ticas concorrentes
será apresentado no T́pico desta unidade.
UNI
Caso 2.4
Um psicólogo clínico é o coordenador do tratamento para um internamento voluntário em uma
enfermaria que fornece avaliação e reabilitação para clientes que sofrem de uma variedade de
transtornos mentais orgânicos. O cliente é um homem de 33 anos, casado, branco, que sofre
de encefalite, afasia produtiva e AIDS. Ele é considerado demente, mas não se comunica com
o pessoal técnico, por isso é difícil determinar isso com certeza. Ele está claramente alerta e é
geralmente agradável e cooperativo. O problema é que ele tem incontinência urinária e fecal,
e às vezes se masturba publicamente na enfermaria. Funcionários estão preocupados que seus
fluidos corporais representem um perigo potencial para os outros clientes, muitos dos quais
são eles próprios dementes e podem ser susceptíveis de manipular ou ingerir fluidos corporais
do paciente ou material fecal. A equipe decide que ele deve ser trancado em seu quarto para
proteger os outros clientes, embora esta ação irá restringir sua liberdade física e acesso às
atividades da enfermaria (por exemplo, televisão). Esta decisão é eticamente apropriada?
139
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que
• Os proissionais de saúde mental devem ser capazes de demonstrar uma base
racional para seus julgamentos ́ticos.
• O relativismo ́tico assume a posição de que diferentes indivíduos relativismo
pessoal ou diferentes culturas relativismo cultural podem ter diferentes
concepções sobre o que ́ mais valioso na vida e sobre qual ação ́ eticamente
apropriada em determinado contexto.
• O relativista ́tico acredita que essas diferenças fundamentais não podem ser
resolvidas em todos os casos, portanto não existem padrões universalmente
válidos de comportamento ́tico.
• O relativismo ́tico leva inevitavelmente ao ceticismo ́tico.
• “s teorias do valor tentam estabelecer o que ́ mais valorizado na vida humana.
• O signiicado ́tico de fazer tal determinação ́ que o que ́ mais valorizado na
vida humana constitui o maior bem na vida.
• O hedonismo ́tico ́ uma teoria do valor que airma que o prazer ́ a única coisa
valorizada intrinsecamente isto ́, como um im em si pelos seres humanos.
• “s teorias da ́tica normativa descrevem os princípios que revelam como as
pessoas deveriam se comportar isto ́, os princípios que constituem seu dever
́tico .
• Há duas teorias principais da ́tica normativa na ilosoia ocidental. “ primeira
́ o utilitarismo.
• O dever ́tico de um utilitarista ́ airmado no princípio da utilidade um ato ́
eticamente apropriado se ele maximiza o equilíbrio positivo do prazer sobre a
dor.
• Na teoria formalista de Kant, a segunda importante teoria normativa, o dever
́tico de uma pessoa ́ revelado pela razão.
• Usando o imperativo cateǵrico, uma máxima pode ser testada para determinar
se ela constitui uma lei moral universal consistente com as leis da razão.
• Em sua discussão sobre o reino dos ins, Kant argumentou que quando as pessoas
agem de acordo com a razão, elas sempre tratam os outros de uma maneira
140
consistente com a maneira como os outros como seres racionais gostariam de
ser tratados.
• “o agir dessa maneira ́tica, as pessoas nunca impõem sua vontade aos outros,
porque sua vontade racional ́ a mesma de todos os outros.
• Toda a humanidade deve ser tratada como um im em si mesma, nunca como
um meio para o pŕprio im irracional e egoísta de uma pessoa.
• “ relevância de cada ponto de vista ́tico para as proissões de saúde mental
foi apresentada juntamente às principais críticas de cada teoria. Por exemplo,
o utilitarismo ́ reletido nos "Princípios Éticos" “P“,
em disposições
tais como a aceitabilidade de usar o engano na pesquisa em determinadas
circunstâncias.
• “ teoria ́tica de Kant ́ a base de muitas das preocupações ́ticas enfatizadas
nos ćdigos ́ticos de psicologia, incluindo o respeito pela autonomia pessoal
e a preocupação com o bem-estar das pessoas afetadas pelas atividades de um
proissional.
141
AUTOATIVIDADE
O que ́ o relativismo ́tico e quais críticas podemos fazer a esta posição
́tica? Esta posição ́ relevante para as proissões de saúde mental?
O que ́ o hedonismo ́tico? Esta posição ́ relevante para as proissões de
saúde mental?
O que ́ o utilitarismo? Esta posição ́ relevante para as proissões de saúde
mental?
O que ́ a teoria ́tica formalista de Kant? Esta posição ́ relevante para as
proissões de saúde mental?
142
TÓPICO 3
UNIDADE 2
MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO
DE CONFLITOS ÉTICOS
1 INTRODUÇÃO
O ćdigo ́tico de cada proissão de saúde mental destina-se a familiarizar os
proissionais com os princípios, ou valores, que devem orientar seu comportamento.
No entanto, os princípios que presumivelmente revelam o dever ́tico de um
proissional em qualquer situação, às vezes, podem entrar em conlito, ou seja,
os proissionais de saúde mental encontram situações em que ́ difícil determinar
um curso de ação que lhes permita cumprir cada dever ́tico aparentemente
relevante, como normalmente se esforçam para fazer. Por exemplo, suponha que
um cliente expresse ideação suicida em uma sessão. Ele tem um plano e os meios
para realizá-lo. O clínico considera o cliente como um perigo iminente. No entanto,
o cliente se recusa a procurar ajuda de familiares ou amigos ou a se admitir em
um hospital. Nessa situação, o clínico tem, como sempre, o dever de preservar a
conidencialidade do cliente. No entanto, o clínico tamb́m ́ obrigado a preservar
a vida do cliente, presumivelmente por procurar admiti-lo em um hospital onde
ele será impedido de se prejudicar. Neste exemplo, dois deveres ́ticos prima facie
parecem entrar em conlito.
Um proissional eticamente responsável deve ser capaz de resolver esses
conlitos de forma apropriada. Como? Neste t́pico serão analisados os ḿtodos
de resolução de conlitos ́ticos propostos pelos principais modelos ilośicos de
raciocínio ́tico descritos nos t́picos anteriores. Tamb́m serão apresentados dois
modelos adicionais que são projetados especiicamente para enfrentar tais dilemas
́ticos. “mbos os modelos, a ́tica situacional Ética da Situação de Fletcher
e a formulação do contextualismo ́tico Ética Contextualista de Wallace
,
enfatizam a importância de ter em consideração fatores contextuais ou seja,
situacionais na tentativa de resolver conlitos aparentes entre deveres ́ticos.
2 SITUAÇÕES QUE REQUEREM HABILIDADES DE SOLUÇÃO
DE PROBLEMAS ÉTICOS
Devido ao potencial de deveres ́ticos de entrar em conlito em algumas
situações, a adesão de um proissional a um modelo particular de raciocínio
́tico, mesmo quando combinado com a atenção cuidadosa ao ćdigo ́tico de sua
proissão, não ́ suiciente para garantir a prática proissional ́tica, pois embora
esses modelos e ćdigos proissionais ofereçam orientações consideráveis em
143
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
relação a questões ́ticas, a competência ́tica tamb́m exige que um proissional
atenda cuidadosamente a presença potencial de considerações ́ticas em cada
situação encontrada. Se um proissional não está pensando eticamente, existe uma
possibilidade distinta de que ele possa ignorar considerações ́ticas sutis, mas
importantes. “ĺm disso, em situações em que as considerações ́ticas parecem
conlitantes, a competência ́tica exige que ele seja capaz de resolver tais conlitos
atrav́s do uso de sua capacidade de raciocínio prático ou seja, ́tica . O raciocínio
prático envolve a adaptação de princípios ́ticos gerais aos contextos da vida
sempre em mudança de uma maneira racionalmente defensável W“LL“CE,
.
O raciocínio ́tico ́ um tipo de resolução de problemas, e os problemas ́ticos
mais difíceis são confrontados em situações que envolvem um aparente conlito
entre dois ou mais princípios fundamentais. No exemplo da proposta de reforma
do Plano de Saúde de Oregon POLL“CK et al.,
, discutida no T́pico , o que
torna o plano tão controverso ́ que a situação envolve não apenas um dever prima
facie de melhorar o sofrimento de cada pessoa, mas tamb́m um dever de garantir
que os recursos limitados de cuidados de saúde disponíveis sejam distribuídos
de maneira justa e razoável, e um terceiro dever de evitar criar uma onerosa
carga tributária para os habitantes do Estado, controlando as despesas de saúde
pode-se certamente argumentar que existem deveres adicionais representados
nesta situação. No interesse da clareza e da extensividade, a discussão atual está
limitada aos três deveres declarados . É extremamente difícil, e alguns podem
argumentar impossível, formular um plano de ação que dê uma devida atenção a
cada um desses deveres ́ticos importantes e conlitantes. Dilemas ́ticos como esse
representam o teste inal da viabilidade de uma teoria ́tica.
UNI
Caso 3.1
Um conselheiro recebe uma ligação de sua vizinha pedindo que ele forneça aconselhamento
para seu filho de oito anos. O menino retornou recentemente do acampamento de verão
e exibiu algumas mudanças de comportamento perturbadoras. Sua mãe diz que ele ficou
bravo e agressivo, está molhando sua cama e se recusa a falar sobre suas experiências no
acampamento. Seus pais lhe disseram que queriam que ele se encontrasse com um conselheiro.
Sua mãe disse que ela está ligando para o conselheiro porque seu filho se recusa a conversar
com alguém além dele. O conselheiro sabe que a situação envolve relacionamentos múltiplos
potencialmente problemáticos, mas ele também sente que é muito importante que o menino
converse com um profissional. O que o conselheiro deve fazer?
Os principais modelos de raciocínio ́tico apresentados no t́pico anterior
podem ser avaliados mais profundamente em termos de sua eicácia para permitir
que proissionais de saúde mental resolvam conlitos ́ticos aparentes.
144
TÓPICO 3 | MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS
3 O RELATIVISMO ÉTICO
O relativismo ́tico baseia-se nos pressupostos de que os valores ́ticos
de diferentes indivíduos muitas vezes conlitam de maneiras fundamentais e
que não há nenhum ḿtodo disponível para resolver todas essas discordâncias
”R“NDT,
. Para o relativista ́tico, não há meios racionais efetivos para
resolver conlitos entre princípios ́ticos. Conforme discutido no T́pico desta
unidade, os pressupostos subjacentes ao relativismo ́tico levam invariavelmente
ao ceticismo ́tico. “ incapacidade de resolver conlitos de forma racional prejudica
a validade racional dos pŕprios valores ́ticos. Os relativistas ́ticos são incapazes
de estabelecer a validade ou invalidez de qualquer proposta ́tica. “s teorias
utilitaristas e kantianas são muito menos pessimistas quanto ao potencial para
resolver conlitos ́ticos aparentes.
4 O UTILITARISMO
Tanto os utilitaristas de regras quanto de ato argumentariam que não
existem dilemas ́ticos genuínos, porque em todas as circunstâncias envolvendo
conlito aparente entre princípios, a única consideração ́tica verdadeiramente
relevante ́ a de maximizar a utilidade ou seja, o equilíbrio do prazer sobre a dor .
Se a aplicação de duas regras diferentes utilitarista de regras ou o engajamento em
dois atos diferentes utilitarista de ato produzirá quantidades iguais de prazer, a
decisão de qual regra a aplicar ou qual a ação a realizar não tem signiicado moral,
porque qualquer uma produzirá igualmente "boas" consequências.
4.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO PONTO DE VISTA UTILITARISTA
EM RELAÇÃO AO CONFLITO ÉTICO
“pesar dos protestos dos utilitaristas em contrário, a possibilidade de
conlito entre considerações ́ticas concorrentes existe dentro das perspectivas
utilitárias de regras e de ato. Como os utilitaristas de regras reconhecem a existência
de mais de uma regra de conduta eticamente apropriada, sempre ́ possível que
surjam conlitos em relação a qual regra prevalece em uma dada situação. Para
os utilitaristas de ato, o conlito ́tico pode ocorrer porque maximizar a utilidade
não ́ a única consideração ́tica relevante. Especiicamente, ao tentar discutir a
questão da justiça, os utilitaristas devem abordar como o bem ou seja, o prazer
deve ser distribuído, uma crítica apresentada no t́pico anterior MULG“N,
.
Embora um utilitarista possa argumentar com sucesso que o objetivo de
maximizar a soma do prazer em uma comunidade ́ efetivamente realizado em uma
economia capitalista como a brasileira, poucos concordariam que a distribuição de
recursos ́ justa, com recursos de tratamento de saúde física e mental frequentemente
inacessíveis para os pobres, enquanto outros segmentos da população gozam de
riqueza enorme. Um utilitarista, como o Smart, que está interessado em evitar essa
145
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
crítica da injustiça, argumentaria que a atitude dos seres humanos em relação aos
outros ́ ou deve ser uma "benevolência generalizada, isto ́, a disposição para
buscar a felicidade, ou em qualquer medida, em algum sentido ou outro, boas
consequências, para toda a humanidade" SM“RT WILLI“MS,
, p. . Smart
conclui, então, que tais injustiças são inconsistentes com o modelo utilitarista,
apesar do fato de que eles parecem maximizar a utilidade.
Claramente, essa adição do princípio da benevolência torna o conlito
́tico bastante possível para um utilitarista de ato, porque agora existem múltiplas
considerações ́ticas relevantes isto ́, maximizando a utilidade e atuando de
forma benevolente que devem ser levadas em consideração em uma determinada
situação e que podem sugerir diferentes cursos de ação W“LL“CE,
. “ssim,
at́ mesmo os utilitaristas não podem evitar a necessidade de elaborar um ḿtodo
razoável de resolução de conlitos entre princípios, embora eles não ofereçam esse
ḿtodo porque continuam a insistir que o conlito ́ impossível.
5 A TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT
O modelo formalista de Kant propõe que haja uma solução racional para
cada questão ́tica e que a aceitabilidade de qualquer máxima ́tica possa ser
estabelecida aĺm de qualquer dúvida puramente por dedução racional K“NT,
. “ssim, a abordagem kantiana tamb́m nega a existência de verdadeiros
conlitos ́ticos W“LL“CE,
. Para Kant, duas máximas não podem representar
cursos de ação razoáveis e ainda entrar em conlito entre si. Kant
tamb́m
airmou que nenhum conlito pode ocorrer entre deveres "perfeitos" e "imperfeitos",
porque os deveres perfeitos sempre têm precedência. Os conlitos ́ticos aparentes
são o resultado de análises e raciocínios inadequados. Wallace
descreve esse
tipo de teoria moral como exigindo uma atitude "passiva" em relação às regras. “s
pessoas devem simplesmente aceitar os ditames de uma razão universal a priori
K“NT,
. Não há situações nas quais seria necessário argumentar mais sobre
a relevância de uma regra para um contexto particular, em relação a outras regras
que tamb́m podem ser aplicadas.
5.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO PONTO DE VISTA KANTIANO
EM RELAÇÃO AO CONFLITO ÉTICO
“ concepção passiva de moral de Kant ́ ilustrada no exemplo do T́pico
da "mentira beńica", que ́ concebida para poupar os sentimentos de outra pessoa.
Para Kant, dizer uma mentira ́ errado em qualquer circunstância. “ maioria
das pessoas argumentaria que esta regra se aplica em geral, mas com algumas
exceções, pois, na vida real ocorrem conlitos entre princípios. Por exemplo,
suponha que um possível assassino se aproxime de um psicoterapeuta e pergunte
se o colega dele que era o seu antigo psicoterapeuta e vítima em potencial está no
escrit́rio hoje. Ele sabe que, se ele revelar o fato de que seu colega está trabalhando
em seu escrit́rio, esse indivíduo entrará e cometerá assassinato. Seu poder de
146
TÓPICO 3 | MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS
raciocínio prático não ́ testado seriamente ao chegar com a resposta de que ele
não deve divulgar a verdade, com base no princípio de preservar a vida que ́ mais
importante nesta situação do que o princípio da honestidade. Este exemplo pode
parecer simplista ou extremo, mas Kant usa um exemplo semelhante em seu ensaio
"Sobre um suposto Direito de Mentir por amor à Humanidade"
. No entanto,
a análise de Kant conclui que seria errado mentir para o suposto assassino para
salvar a vida da vítima em potencial, porque o psicoterapeuta estaria violando o
princípio ́tico universal de honestidade. "“ veracidade nas declarações, que não
se pode evitar, ́ o dever formal do homem em relação seja a quem for, por maior
que seja a desvantagem que daí decorre para ele ou para outrem" K“NT,
,
p. . Para Kant, as consequências de um ato dentro de um conjunto especíico de
circunstâncias são irrelevantes para a determinação do status ́tico do princípio
́tico geral expresso no ato. Mentir ́ errado, de acordo com Kant, sem exceções.
NOTA
Fletcher (1966) analisa um ponto interessante de que, de um ponto de vista
jurídico, atuando de acordo com o princípio ético da honestidade em tal circunstância, como
Kant sugere que alguém deveria, poderia fazer com que alguém se tornasse um cúmplice
perante o fato do assassinato.
No entanto, a análise de Kant não corresponde à forma como as pessoas
resolvem problemas morais reais. “s pessoas aplicam as regras de forma ativa,
julgando a relevância de cada consideração concorrente para uma determinada
situação e tentando ativamente trabalhar com conlitos entre princípios. “s pessoas
nem ignoram a existência de conlitos ́ticos, nem lavam as mãos e desistem
quando os encontram. Em vez disso, elas tentam deliberar racionalmente as coisas.
Kant, em sua insistência de que a razão sempre revela o dever moral das pessoas,
evidentemente não considerou a possibilidade de que a razão pudesse informá-las
de um conlito entre dois princípios ́ticos por exemplo, honestidade e respeito
pela vida . “ falta de vontade de Kant em reconhecer a realidade de deveres ́ticos
conlitantes ou seja, dilemas morais apresenta um grande problema quando as
pessoas tentam aplicar os princípios kantianos a questões morais complexas da
vida real.
Nas proissões de saúde mental, a posição kantiana de que nunca existe um
verdadeiro conlito entre princípios ́ticos tem sido aparentemente apoiada por
argumentos de que certas considerações ́ticas são sempre mais fundamentais do
que outras. Por exemplo, existem proissionais de saúde mental que airmaram que
o princípio ́tico da não maleicência ou seja, "não causar dano" ́ a consideração
́tica mais fundamental na avaliação psicoĺgica FR“NCISCONI GOLDIM,
CFP,
e psicoterapia ROSEN”“UM,
. O endosso de tal esquema
reduziria signiicativamente os problemas inerentes na tentativa de determinar
147
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
qual consideração ́ mais importante em uma determinada situação. No entanto,
aplicar uma diretriz como um princípio universal de prática novamente ignora a
possibilidade real de conlito ́tico. Por exemplo, quando um cliente hospitalizado
está se comportando de maneira violenta em relação a outros clientes e ao quadro
de funcionários do tratamento, a quem o clínico ́ obrigado a não causar dano?
Se o cliente violento ́ retido isicamente, o cliente ́ que sofrera o dano, se não
isicamente, pelo menos no sentido de ter suas liberdades civis reduzidas. No
entanto, a falta de restrição ao cliente provavelmente resultaria em danos a outro
cliente ou a um membro da equipe. O clínico não pode evitar prejudicar algúm,
de modo que, obviamente, evitar danos não pode ser sua única consideração nesse
caso. Considerações adicionais por exemplo, o desejo de beneiciar os outros
clientes, reduzindo o nível de estresse em seu ambiente tamb́m são relevantes
para sua decisão. Se o clínico procura, em vez disso, minimizar os danos em
relação ao benefício, parece que ele volta a uma perspectiva utilitarista na qual ele
precisaria quantiicar o dano e o benefício de uma maneira que permitisse que os
dois fossem comparados diretamente, uma tarefa impossível.
UNI
Caso 3.2
Uma professora declara no programa de sua disciplina de Teorias da Personalidade que ela não
aplica exames de segunda chamada. A pontuação mínima de cada aluno nos quatro exames
realizados durante o semestre será descartada (ou seja, não incluída no cálculo da nota da
disciplina), então, se um exame não for realizado pelo aluno, a pontuação para esse exame
será descartada. Um estudante em sua classe vai mal no primeiro exame, mas ganha um
9,5 em cada um dos próximos dois exames. Seu pai morreu repentinamente no dia anterior
ao quarto exame. Ele notifica a professora e pergunta se ele pode fazer o exame quando ele
retornar à faculdade após o funeral. A professora diz que não precisa se preocupar com o
exame. Simplesmente será o exame descartado. O aluno aponta que ele pretendia que fosse
descartada a nota do primeiro exame e estava contando em ganhar uma nota acima de 9,0
para a disciplina no quarto exame. A professora diz que entende a situação do aluno, mas não
seria justo se ela mudasse as regras da disciplina para um aluno. A professora está tratando o
aluno de forma justa?
6 A ÉTICA SITUACIONAL DE FLETCHER
“ ́tica situacional ́ uma abordagem contextualista teologicamente baseada
na tomada de decisão ́tica apresentada por Joseph Fletcher
. Em geral, as
perspectivas religiosas sobre a ́tica constituem modelos formais como o de Kant.
Isto ́, são ́ticas baseadas em regras que governam a conduta moral. No entanto,
ao contrário da teoria de Kant, nenhum apelo ́ feito à razão como base do dever
das pessoas em obedecer às leis morais ou aos mandamentos de uma religião. Em
vez disso, as regras são consideradas como a vontade revelada de Deus, que as
pessoas são obrigadas a obedecer. “s teorias teístas, portanto, assumem a crença
148
TÓPICO 3 | MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS
em Deus. Somente aqueles que compartilham as crenças de uma religião particular
se consideram obrigados a obedecer suas leis morais.
Fletcher reconheceu que os princípios ́ticos cristãos de fato parecem entrar
em conlito às vezes. No entanto, ele argumentou que os conlitos aparentes entre
princípios são o resultado da crença equivocada das pessoas de que tais princípios
são universalmente válidos ou seja, válidos em todas as situações em todos os
momentos . Segundo Fletcher
, o único princípio moral universalmente
válido ́ o do amor cristão, ou ágape, que obriga uma pessoa a buscar sempre o
que ́ melhor para o pŕximo. "Há apenas uma coisa que ́ sempre boa e correta,
intrinsecamente boa, independentemente do contexto, e esta coisa ́ amor"
FLETCHER,
, p.
. Pela razão de que há apenas uma regra fundamental
que orienta o comportamento ́tico, Fletcher acreditava que o conlito ́tico seria
impossível.
O modelo de Fletcher ́ chamado de "́tica situacional" porque a aplicação
apropriada do princípio do amor variará de uma situação, ou contexto, para
outra. “ ́tica situacional ́ muitas vezes mal interpretada como uma forma de
utilitarismo egoísta ou relativismo pessoal, mas tamb́m não ́ nenhuma destas
formas. É pragmática porque aborda as consequências de atos especíicos em
situações especíicas, assim como o faz o utilitarismo, e ́ relativista apenas no
sentido limitado de que nenhuma regra moral especíica ́ vista como válida em
todos os contextos em todos os momentos ou seja, como sendo universalmente
válida . O amor cristão ́ a única consideração moral universalmente válida.
Fletcher descreve a ́tica situacional como uma "́tica cristoĺgica", porque
o princípio ́tico fundamental ́ o do amor cristão modelado no amor perfeito de
Jesus Cristo. Quando uma regra obrigaria uma pessoa a agir de maneira contrária
ao amor, essa regra não ́ apropriada para a situação. No exemplo anterior, de dizer
uma mentira para evitar magoar os sentimentos de outra pessoa por exemplo, se
um cliente de terapia pergunta a seu psicoterapeuta sua opinião sobre seu novo
penteado, o qual ele não deu nenhuma importância particular , o situacionista
argumentaria que mentir por amor pelo outro ́ eticamente apropriado. "Não ́
escusadamente mau, ́ positivamente bom" FLETCHER,
, p.
. Todas as
"regras" da moral, como "É errado dizer uma mentira", são contingentes, úteis
apenas na medida em que servem para o proṕsito do amor em qualquer situação.
"O ḿtodo do amor ́ julgar por particularidade" FLETCHER,
, p.
. "Ńs
seguimos a lei, se em tudo, por amor ńs não seguimos o amor por causa da lei"
FLETCHER,
, p.
.
Embora Fletcher não acreditasse que existam regras ́ticas que representem
a resposta moralmente correta a cada situação em todos os momentos, o
conhecimento de uma pessoa sobre regras e precedentes ́ticos ́ importante. "O
situacionista entra em todas as situações de tomada de decisão totalmente armado
com as máximas ́ticas de sua comunidade e sua herança, e as trata com respeito
como iluminadores de seus problemas" FLETCHER,
, p.
. No entanto, as
regras morais não são seguidas de forma rígida ou dogmática. O situacionista
acredita que os princípios deixam de ser úteis e realmente se tornam um obstáculo
149
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
ao comportamento ́tico quando "estão endurecidos em leis" FLETCHER,
,
p.
. É necessária uma consideração cuidadosa para determinar qual a melhor
forma de servir o princípio do amor cristão em um determinado contexto. Fletcher
apontou que, embora a virtude nunca saia de moda, não ́ representada pela
continuação das mesmas práticas antigas em moda alternativa porque as situações
mudam.
Fletcher
identiicou quatro considerações que são importantes para
o processo de aplicação do princípio do amor em uma determinada situação.
Uma pessoa deve identiicar o im procurado, os meios necessários para obtê-lo, o
motivo por trás do ato e quaisquer outras consequências prováveis do ato aĺm do
im procurado. “ ́tica da situação tem um vínculo deinitivo com o utilitarismo em
sua preocupação com as consequências. No entanto, o objetivo não ́ maximizar
o prazer, mas escolher uma ação que produza "a maior quantidade de bem-estar
do pŕximo para o maior número possível de pŕximos" FLETCHER,
, p.
.
De acordo com Fletcher, um ato ś pode ser avaliado de forma signiicativa com
base no efeito que produz, e os motivos que o subjazem, nesse conjunto especíico
de circunstâncias. "Para ńs, se ́ bom ou mal, certo ou errado, não está na ação,
mas pelas suas circunstâncias" FLETCHER,
, p.
. Por exemplo, Fletcher
argumentou que, embora existam fortes argumentos religiosos e ́ticos contra o
aborto disponíveis sob demanda, o aborto pode ser um curso de ação eticamente
apropriado em determinadas circunstâncias. Suponha que uma mulher solteira
que sofra de Transtorno ”ipolar, que não tem condições de lidar com uma gravidez
ou com uma criança, ́ estuprada por outro cliente psiquiátrico e ica grávida.
Um situacionista airmaria que, neste conjunto particular de circunstâncias, um
aborto justiicadamente serviria melhor ao bem-estar da mulher e não deveria ser
rejeitado a priori como uma opção simplesmente porque o aborto ́ considerado
imoral em outros contextos.
6.1 A AVALIAÇÃO CRÍTICA DA ÉTICA SITUACIONAL
“ opinião de Fletcher ́ que os juízos ́ticos não são justiicáveis por meio
da razão. Em vez disso, a fonte inal do dever ́tico de uma pessoa ́ o mandamento
de Deus de amar o pŕximo como ele mesmo. “ validade desse mandamento ́
assumida baseada na f́ cristã. Portanto, como o amor cristão ́ modelado a partir
da bondade e do amor de Deus, pareceria redundante airmar que agir por amor
́ fazer o bem. É como dizer "Vá e faça o que Jesus faria" como uma resposta a
questões morais. Uma pessoa supostamente não poderia cometer algum erro se
ela seguisse esse conselho efetivamente, mas como ela deveria saber o que Jesus
faria? Fletcher não ajudou substancialmente na tarefa de identiicar o que ́ o bem
ou seja, o ato amoroso em circunstâncias ́ticas complexas porque sua posição
́ que uma pessoa teria que estar na circunstância para poder deliberar um juízo
signiicativo. Tamb́m não haveria nenhuma maneira conclusiva, antes ou depois
do fato, de avaliar racionalmente a moralidade do curso de ação escolhido. “ssim,
não haveria um ḿtodo racional de avaliação da adequação da concepção subjetiva
150
TÓPICO 3 | MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS
do amor cristão que possa motivar uma pessoa que sofre de esquizofrenia de tipo
indiferenciado matar seus ilhos, a im de poupá-los de sofrer a dor de viver,
embora nenhum eticista razoável toleraria tal ato.
Pela razão de que há apenas uma consideração ́tica importante para o
situacionista ou seja, a expressão do amor cristão nas ações de algúm , nenhum
conlito ́tico genuíno poderia existir. Uma pessoa precisa apenas julgar qual opção
em uma situação representa a maior quantidade de amor para o maior grupo
possível de pŕximos. No entanto, para quantiicar essa questão, o que envolve
claramente a intenção e as consequências ́ tão impossível se não mais que o
cálculo utilitarista discutido anteriormente.
“ĺm disso, um situacionista não pode determinar de antemão como deve
agir porque a importância dos fatores situacionais ́ muito grande, exceto dizer
que ele sempre atuará por amor cristão. Essa conceptualização do comportamento
́tico ́ muito exigente. Isso sugere que cada situação ́ uma demanda difícil,
exigindo uma avaliação cuidadosa de como o melhor amor pode ser servido nas
circunstâncias apresentadas. Na realidade, surgem poucas situações que não podem
ser gerenciadas adequadamente, referindo-se às regras da moral convencional.
Nesses casos difíceis cada um dos exemplos apresentados por Fletcher envolve
um dilema ́tico que requerem uma tomada de decisão ́tica relexiva, a aplicação
do amor cristão ́ indiscutivelmente redutível ao sentimento da pessoa em
relação ao que seria o melhor curso de ação. Nenhuma justiicativa adicional ́
necessária ou ́ realmente possível. Portanto, a ́tica situacional não representa
um ḿtodo para resolver dilemas ́ticos de forma racional. Os proissionais de
saúde mental são obrigados a citar razões ślidas em apoio aos juízos ́ticos que
fazem. “gir por benevolência e preocupação ́ certamente importante, mas essas
considerações são extremamente abstratas e imprecisas. “ssim como os pais e
as crianças frequentemente têm percepções muito diferentes do amor associado
ao castigo corporal, a perspectiva subjetiva de uma pessoa seria de importância
crítica para a percepção do papel do amor cristão em qualquer ato proposto dentro
de um determinado conjunto de circunstâncias. Da mesma forma, a perspectiva
foi importante para a formulação precisa de uma máxima a ser avaliada com o
imperativo cateǵrico de Kant.
Finalmente, embora o amor cristão seja um conceito extremamente amplo,
não pode disfarçar o fato de que as pessoas encontram situações que envolvem
múltiplas considerações ́ticas. “irmar que todas as considerações por exemplo,
conidencialidade, preocupação com o bem-estar dos outros, respeito pela
autonomia pessoal, responsabilidade social são subsumidas sob este princípio geral
tem o efeito de tornar a resolução de problemas ́ticos mais ambígua e complicada
do que mais clara e fácil. O princípio único do amor torna-se tão complexo que se
torna praticamente impossível comparar e quantiicar as implicações potenciais
para o amor representadas pelas alternativas em um verdadeiro dilema ́tico.
151
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
UNI
Caso 3.3
Um psicólogo clínico em uma cidade pequena está ciente de um indivíduo que aterrorizou
muitas pessoas da cidade há vários anos. Ele assediou mulheres e cometeu vários crimes
contra pessoas e seus bens, mas nunca houve evidências suficientes para acusá-lo de um
crime. Recentemente, uma menina de 12 anos foi estuprada e assassinada. Embora a evidência
aponte fortemente para o mesmo homem, ele não foi preso. Em uma tentativa aparente de
se proteger no caso de ser preso, o homem foi ao centro de saúde mental da comunidade,
queixando-se de uma longa história de "ouvir vozes". O psicólogo realiza uma avaliação
que indica que o homem está simulando os sintomas, embora ele de fato se qualifique
em um diagnóstico de Transtorno de Personalidade Antissocial. No entanto, para proteger
a comunidade dessa pessoa "malvada", o psicólogo prepara um relatório documentando
que o cliente está mentalmente doente (como ele pretende estar) e que é extremamente
perigoso para os outros. Além disso, o psicólogo contata as autoridades legais e relata que sua
avaliação indica que o homem deveria ser internado em um hospital para receber tratamento
psiquiátrico. Quais são as considerações éticas envolvidas nesta situação? O psicólogo está se
comportando de maneira ética?
7 O CONTEXTUALISMO ÉTICO DE WALLACE
Como contextualista, James Wallace
reconheceu que ocorrem
conlitos entre princípios ́ticos concorrentes e que nenhum princípio ́ válido em
todos os contextos concebíveis ou seja, não há princípios ́ticos universalmente
válidos . Wallace apontou que a existência de conlitos ́ticos não ́ surpreendente.
Em vez disso, ́ curioso que os especialistas em ́tica assumissem frequentemente
que um sistema dedutivo de regras ́ticas por exemplo, a teoria formalista de Kant ,
derivado de forma independente da experiência, poderia efetivamente abordar o
que as pessoas deveriam fazer nos contextos sempre em mudança da vida humana
real. "Como um conjunto de princípios poderia antecipar as mudanças contínuas
e extensas na condição humana?" W“LL“CE,
, p.
. Wallace creditou John
Dewey como tendo reconhecido a importância de mudar os contextos para a
tomada de decisões ́ticas e a compreensão evolutiva das pessoas sobre questões
́ticas. Dewey
, p.
disse "Em qualidade, o bem nunca ́ duas vezes igual.
Nunca se copia. É novo todas as manhãs, fresco todas as noites. É único em todas
as suas apresentações".
Como as pessoas são capazes de adaptar sua compreensão ́tica a
circunstâncias novas e em constante mudança? De acordo com Wallace
,
a educação moral que as pessoas recebem como crianças envolve mais do que a
aprendizagem de regras. “s pessoas gradualmente adquirem uma compreensão
cada vez mais soisticada de como determinadas regras se aplicam ou não se
aplicam à solução de problemas morais práticos em diferentes tipos de contextos.
Em outras palavras, as pessoas aprendem que considerações de moral e justiça às
vezes exigem que as regras sejam adaptadas para se adequarem a circunstâncias
152
TÓPICO 3 | MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS
incomuns. "“ maravilhosa plasticidade de resposta de que os seres humanos são
capazes envolve a capacidade de adaptar velhas rotinas a novas circunstâncias.
Inteligência e compreensão são exibidos em tal adaptação" W“LL“CE,
, p.
. Este processo de adaptação da aplicação de regras para decidir qual será o
curso de ação ́tica em um determinado conjunto de circunstâncias encontradas
na vida ́ o que os eticistas chamam de raciocínio prático COHEN COHEN,
. O raciocínio prático ́ uma área de inqúrito humano que está evoluindo
continuamente à medida que os princípios ́ticos são aplicados em novas situações
envolvendo novas combinações de considerações morais.
Como adultos, as pessoas geralmente não estão conscientes da necessidade
de adaptar seu raciocínio moral às variações no contexto. Wallace
explicou
que a educação moral que as pessoas recebem fornece um estoque considerável de
diretrizes ́ticas contextualmente sensíveis, que representam a sabedoria prática
acumulada de sua comunidade e cultura. Embora a maioria das pessoas possa não
ser capaz de articular os princípios envolvidos, elas podem, no entanto, empregar
este acúmulo de sabedoria prática com facilidade considerável para emitir
juízos quanto à relevância de regras ́ticas aparentemente concorrentes ou para
determinar quais considerações ́ticas prevalecem em uma situação. “s pessoas
tornam-se conscientes da necessidade de raciocínio prático apenas nesses casos
difíceis ou seja, dilemas ́ticos em que inicialmente parece que qualquer opção que
elas escolherem envolve ignorar outra consideração ́tica igualmente importante.
“ capacidade de raciocínio prático dos indivíduos ́ empregada nesses casos para
conceber soluções criativas que melhor atendam cada uma das considerações
relevantes em uma situação. Portanto, ao inv́s de negar a existência de conlitos
potenciais entre princípios ́ticos e sentimento ameaçado por tal possibilidade, o
contextualista ́tico reconhece que a experiência humana sempre envolveu tais
dilemas e que a capacidade de raciocínio prático das pessoas geralmente provou
ser adequada para abordar essas situações razoavelmente e efetivamente.
“ssim como Fletcher
, Wallace
acreditava que os princípios
́ticos que as pessoas foram ensinadas são extremamente importantes para o
comportamento ́tico. Kant demonstrou que esses princípios ́ticos revelam às
pessoas as considerações que devem ser expressas em seus atos. No entanto, as
regras por si ś não são suicientes para garantir a conduta ́tica nas circunstâncias
em mudança da vida em que dois deveres ́ticos podem entrar em conlito. Dizer
que "as regras são regras" e que as circunstâncias não inluenciam o status ́tico de
um ato ́ uma visão ingênua que não relete a maneira como as pessoas razoáveis
realmente fazem juízos ́ticos. "Ser crítico, em um sentido importante deste termo,
́ ser bom em ver como o que já se sabe pode ser alterado para que possa ser
aplicado em situações sem precedentes" W“LL“CE,
, p.
.
Wallace
argumentou que existem dois tipos fundamentais de
problemas que revelam a insuiciência de regras ́ticas questões de relevância
e verdadeiros conlitos ́ticos. Primeiro, em casos envolvendo um aparente
conlito entre princípios, em vez de aplicar uma ou outra regra de forma passiva e
irracional, as pessoas razoáveis avaliam se cada consideração ́ verdadeiramente
relevante para o contexto. Por exemplo, suponha que um aluno em uma aula de
153
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
estatística informe a seu professor em uma conversa casual um rumor sobre o
comportamento de outro professor no departamento. Como o aluno não diz nada
sobre manter a conversa conidencial, o professor repete a hist́ria para o outro
membro do corpo docente por preocupação com o bem-estar do colega . O colega
percebe qual aluno deve ter relatado o rumor e confronta o aluno sobre isso. O
aluno então acusa o professor de estatística de ter violado sua conidencialidade.
Embora esta situação possa parecer inicialmente envolvida em considerações
́ticas concorrentes, o conhecimento do professor de estatística dos "Princípios
Éticos" permite que ele reconheça que a inalidade do dever ́tico em relação à
conidencialidade não ́ relevante para essa circunstância, porque nem sua relação
com o aluno nem a natureza das informações comunicadas cumprem as condições
necessárias para estabelecer o dever de manter a conidencialidade.
Em segundo lugar, as regras ́ticas tamb́m são insuicientes quando as
pessoas são confrontadas com uma situação em que dois ou mais princípios ́ticos
relevantes verdadeiramente conlitam. Um exemplo de um dilema ́tico seria se
um psićlogo clínico tratasse outra proissional de saúde mental em psicoterapia
e ela revela a ele no contexto da psicoterapia que ela estava tendo uma relação
sexual com um cliente atual. Nesse caso, a conidencialidade do cliente ́ uma
consideração ́tica relevante, assim como a obrigação do psićlogo clínico de
proteger o bem-estar de seu cliente e relatar o comportamento não ́tico por parte
da outra proissional. Ele seria confrontado com um conlito entre deveres ́ticos
relevantes que, à primeira vista, parece irresolúvel KITCHENER,
.
Resolver situações que parecem envolver múltiplas considerações ́ticas
questões de relevância ou que verdadeiramente representam conlitos entre
princípios ́ticos dilemas ́ticos requerem entender por que as pessoas possuem
os valores que elas têm. Em outras palavras, por que os princípios ́ticos envolvidos
na situação são importantes para as pessoas? Wallace
airmou que a razão
pela qual as pessoas mantêm certos valores ́ que esses valores promovem a vida
humana e a atividade humana de alguma maneira importante. “ chave para
resolver conlitos aparentes entre valores ́ compreender o ponto ou função de
cada valor e determinar a importância da consideração em relação à situação em
questão. Essas relexões metáticas exigem uma compreensão clara das fontes dos
valores ́ticos, que ́ a razão pela qual tanta atenção foi dedicada à análise das
teorias ́ticas na primeira unidade deste livro e nos dois t́picos anteriores desta
unidade.
O exemplo a seguir ilustra a aplicação do contextualismo ́tico de Wallace.
Um departamento de psicologia opera uma clínica-escola com o objetivo de
proporcionar treinamento de prática para estudantes de graduação em psicologia
clínica. “ clínica-escola fornece serviços de avaliação e psicoterapia aos estudantes
universitários e à comunidade local. “ clínica-escola está aberta apenas durante as
tardes da semana. Devido à disponibilidade limitada de espaço no departamento
de psicologia, vários professores deste departamento, tanto clínicos como não
clínicos, perguntam se o espaço da clínica-escola poderia ser usado para realizar
pesquisas durante a manhã e nos ins de semana, justiicando seu pedido, citam
a necessidade dos estudantes de espaço de pesquisa para completar projetos de
154
TÓPICO 3 | MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS
teses e o potencial valor cientíico da pesquisa de estudantes e professores. “lguns
membros do departamento de psicologia clínica argumentam que o pedido deve
ser rejeitado porque a conidencialidade dos clientes pode ser comprometida,
observando que os registros dos clientes são mantidos na clínica-escola e que
os clientes deixam as mensagens telefônicas em um atendedor de chamadas na
clínica-escola durante as horas de não atendimento.
Claramente, há várias considerações ́ticas, aparentemente conlitantes
citadas pelas duas partes neste caso. “o tentar resolver potenciais conlitos ́ticos
de forma racional, o raciocínio prático, segundo Wallace
, primeiro envolve
uma avaliação da relevância de cada uma das considerações para a situação. Como
“rist́teles
apontou, a sabedoria prática envolve dar a cada consideração
concorrente o peso que merece. Obviamente, uma consideração irrelevante não
merece o mesmo peso que uma relevante. “ obrigação de fornecer espaço e
recursos suicientes para que os alunos completem o trabalho de pesquisa de suas
teses ́ certamente relevante para um proṕsito fundamental de um departamento
acadêmico. O potencial valor cientíico dos projetos de pesquisa do corpo docente
do departamento ́ difícil de determinar, mas a realização de pesquisas faz parte
da descrição do trabalho de um psićlogo no mundo acadêmico e o departamento
́ certamente obrigado a facilitar a capacidade dos membros do corpo docente de
fazer seu trabalho.
“ questão de garantir a conidencialidade do cliente ́ obviamente
importante para qualquer clínica que ofereça serviços psicoĺgicos, mas não está
claro como o uso da clínica-escola, quando estiver fechada para atendimentos, por
funcionários que não são clínicos ou at́ mesmo aqueles que o são, prejudicaria a
conidencialidade dos clientes. Se os registros do cliente não estivessem trancados
nos arquivadores ou fossem facilmente acessíveis sem senhas em um computador,
uma preocupação ́tica certamente seria justiicada. No entanto, em tal caso, a
conidencialidade dos clientes já estaria em risco porque os funcionários da guarda
ou da limpeza ou qualquer outra pessoa com uma chave para a porta da clínicaescola teria acesso ao material. Por outro lado, se alunos dos estágios práticos
e seus supervisores forem diligentes em suas tarefas de guardar as anotações,
arquivos físicos e digitais e outros materiais conidenciais em armários trancados
no inal das horas da clínica, certiicando-se de que os registros de computador
não possam ser acessados sem senhas bem protegidas, e manter o atendedor de
chamadas em uma área segura e privada, uma violação da conidencialidade não
deve ser um risco potencial.
“ssim, pode-se argumentar que a consideração ́tica de proteger a
conidencialidade dos clientes clínicos está sendo aplicada de maneira inadequada
à questão de como o espaço da clínica-escola pode ser usado quando a clínica está
fechada. “ sensibilidade dos professores clínicos à questão da conidencialidade ́
admirável, mas a questão não ́ demonstrativa de grande relevância para o contexto
em consideração. Se os docentes clínicos respondessem que a conidencialidade ́
sempre a principal consideração ́tica em qualquer contexto envolvendo a clínicaescola, sua posição seria revelada em estar fundamentada nos pressupostos de que
existem regras ́ticas invioláveis e que a sensibilidade a fatores contextuais não ́
155
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
uma parte importante do raciocínio prático. Essas posições foram consideradas
insustentáveis na consideração da teoria formalista de Kant no início deste t́pico.
“ssim, não há uma objeção ́tica razoável neste caso para usar o espaço da clínicaescola para ins de pesquisa durante as horas de não atendimento, desde que haja
medidas de proteção adequadas para garantir a conidencialidade dos clientes.
Um verdadeiro dilema ́tico, por outro lado, envolve considerações ́ticas
múltiplas e concorrentes, que são cada vez mais relevantes para o contexto. O
exemplo a seguir ́ um dilema ́tico baseado na questão de oferecer aos clientes
acesso aos seus registros de saúde mental. Uma cliente de
anos, que havia sido
hospitalizada por um epiśdio de depressão, solicita permissão para rever seu
registro de tratamento antes de ser dispensada. Seu terapeuta está preocupado
porque a seção do registro sobre a hist́ria dos problemas da cliente airma que seu
primeiro epiśdio de depressão ocorreu quando tinha
anos, pouco depois de
seus pais morrerem. Sua tia havia dito ao psiquiatra no momento de sua admissão
que o pai da cliente matara sua mãe e depois se matara. “ tia forneceu uma ćpia de
um relato do jornal dos eventos, que foi incluído no registro da cliente. O terapeuta
está ciente de que sua cliente fora informada de que seus pais morreram em um
acidente automobilístico. Ela aparentemente não conhece a hist́ria verdadeira das
mortes de seus pais.
O respeito pela autonomia de sua cliente sugere que ela tem o direito de
saber o que o registro de seu tratamento cont́m, incluindo a verdade sobre sua
família e seu pŕprio passado. Por outro lado, a preocupação do terapeuta pelo
bem-estar de sua cliente ́ que ela poderia icar traumatizada com essa informação.
“mbas as considerações ́ticas concorrentes são claramente relevantes para
a situação. Wallace
argumentou que para resolver tal dilema de forma
razoável, o terapeuta deve tentar interpretar o signiicado e o proṕsito dos
princípios envolvidos "de maneiras que são íis às pŕprias regras e às atividades
que as regras são projetadas para facilitar" W“LL“CE,
, p.
.
O respeito pela autonomia da cliente para tomar decisões sobre sua
pŕpria vida ́ fundamentado no respeito das pessoas por outras pessoas. “s
pessoas não acreditam que seja apropriado que outra pessoa tome decisões
importantes sobre suas vidas sem o seu conhecimento e consentimento. “s pessoas
tamb́m acreditam que não ́ apropriado mentir para outra pessoa, porque esse
comportamento mostra uma falta de respeito pela pessoalidade do indivíduo.
“ĺm disso, o respeito pela autonomia relete a crença das pessoas no potencial
dos seres humanos para o crescimento e autocompreensão. Não se pode então
ser verdadeiramente autônomo sem conhecimento de aspectos relevantes do
passado, conhecimento que foi negado a esta jovem mulher atrav́s do engano
perpetrado por parentes paternalistas. Na ́poca, ela era uma menor de idade,
mas, aparentemente, ningúm a tinha informado da verdade quando se tornou
adulta. Negar o acesso às informações contidas em seu registro sobre sua família ́
concordar com esse padrão contínuo de desrespeito por sua autonomia.
156
TÓPICO 3 | MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS
“ preocupação com seu bem-estar era, sem dúvida, uma grande
consideração na decisão em curso de sua família de não contar a ela as verdadeiras
circunstâncias da morte de seus pais, pois suas diiculdades com a depressão
persistiram episodicamente at́ a idade adulta. O princípio da preocupação com
o bem-estar dos outros baseia-se no respeito e consideração dos proissionais de
saúde mental, assim como o princípio concorrente do respeito pela autonomia de
uma pessoa. Não ś os proissionais clínicos têm a obrigação de nunca prejudicar
intencionalmente outra pessoa, mas tamb́m têm o dever de tentar proteger os
outros contra danos sempre que possível.
“ questão fundamental aqui ́ se o terapeuta se justiica em proteger sua
cliente de danos, agindo de forma paternalista e negando seu acesso a informações
potencialmente perturbadoras. Negar seu acesso à informação pode servir para
protegê-la de danos, mas apenas à custa de ignorar a obrigação de respeitar sua
autonomia como indivíduo. O terapeuta percebe que poderia argumentar que um
cliente, de fato, "sofre danos" sempre que outros interferem com seu funcionamento
autônomo. É bastante difícil justiicar causar danos a um indivíduo negando sua
autonomia para protegê-lo de outros danos. Infantilizar algúm, como foi feito
no caso desta mulher, comunica um profundo desrespeito por sua pessoalidade.
“lternativamente, proporcionando-lhe acesso supervisionado ao registro para que
ela possa aprender a verdade sobre seu passado e trabalhar com as implicações
dessas revelações com seu terapeuta demonstraria respeito pela sua autonomia
pessoal e tamb́m abordar sua preocupação com seu bem-estar psicoĺgico. Esta
estrat́gia tamb́m eliminaria a possibilidade de que ela pudesse aprender a
verdade sobre seus pais, em algum momento aṕs a alta, quando ela não poderia
ter qualquer apoio disponível para ajudá-la a lidar com a descoberta dolorosa.
Essa resolução pode ter ocorrido espontaneamente em muitos leitores, na
medida em que eles pensaram sobre o caso. No entanto, outras pessoas podem ter
tido diferentes respostas para este caso. O ponto importante ́ que o processo de
raciocínio prático descrito acima resultou em uma solução que ́ apoiada por boas
razões e ́ consistente com os proṕsitos das considerações ́ticas relevantes para
a situação, em vez de um curso de ação arbitrariamente determinado que poderia
ser visto como reletindo os preconceitos ́ticos pessoais do proissional envolvido.
Para o contextualista ́tico, o comportamento moral inteligente baseiase sempre na compreensão de como os princípios ́ticos foram aplicados no
passado e os ins que foram atendidos por essas aplicações W“LL“CE,
.
O contextualista ́tico demonstra uma compreensão dos "modos de vida" que
representam a sabedoria prática acumulada de uma sociedade ou, neste caso, das
proissões de saúde mental . O contextualista reconhece que o raciocínio prático
exige que as pessoas adaptem essas formas a situações novas. “ resolução de
problemas ́ticos ́, portanto, um empreendimento criativo. Resolver um dilema
́tico raramente envolve simplesmente escolher um princípio sobre outro. Em vez
disso, ele precisa elaborar uma solução consistente com o proṕsito de todos os
princípios envolvidos W“LL“CE,
. O contextualista ́tico se esforça para
157
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
tomar decisões que reletem as considerações que as pessoas valorizam mais ou
seja, que provaram ser mais importantes e úteis para seus modos de vida , ao
modiicar ou excluir o que as pessoas valorizam menos.
7.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO CONTEXTUALISMO ÉTICO
Wallace
airmou que a experiência cotidiana das pessoas fornece
evidências consideráveis em apoio à visão de que a capacidade prática de raciocínio
dos seres humanos ́ eicaz para enfrentar os desaios ́ticos apresentados pelos
contextos sempre em mudança da vida moderna. Embora a teoria contextualista
parece fornecer um meio muito promissor para resolver o conlito ́tico atrav́s
do uso da razão prática, a aplicação bem-sucedida do ḿtodo de Wallace parece
exigir uma soisticação metática considerável por parte de um proissional de
saúde mental. É necessário que os proissionais se familiarizem não apenas com
os valores e princípios ́ticos que devem orientar a sua conduta, mas tamb́m
com as justiicativas metáticas desses princípios. Caso contrário, eles não estarão
em condições de entender a função das considerações ́ticas envolvidas em
uma situação, o que ́ necessário para reconhecer os pontos de conexão entre as
considerações e priorizar os princípios de forma razoável.
O fato de que o comportar-se eticamente ́ um desaio difícil não ́ uma
acusação formal ao contextualismo ́tico. É simplesmente uma realidade com a
qual o proissional ́tico deve esforçar-se para lidar. Exercitar o raciocínio prático
para se comportar de forma ́tica não ́ uma tarefa fácil. No entanto, como Wallace
apontou, tamb́m não ́ impossível. “ atenção dedicada às teorias ́ticas
normativas na primeira unidade e no primeiro t́pico desta unidade e os modelos
de raciocínio ́tico e fontes de justiicação metática no t́pico anterior e no presente
t́pico representam o passo inicial no desenvolvimento da competência no
raciocínio prático. Este processo continua no pŕximo t́pico. Será apresentado um
modelo de tomada de decisão ́tica com base no contextualismo ́tico de Wallace.
Este modelo foi criado para fornecer orientação e estrutura para as deliberações
́ticas de proissionais de saúde mental que lhes permitirão resolver situações
eticamente complexas de forma racionalmente defensável.
158
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que
• Os ćdigos de ́tica das proissões de saúde mental nem sempre fornecem
informações suicientes sobre como os proissionais podem resolver conlitos
́ticos.
• Os modelos de resolução de conlitos ́ticos o relativismo ́tico, o utilitarismo,
a teoria formalista de Kant, a ́tica situacional de Fletcher e a teoria do
contextualismo ́tico de Wallace. “s duas últimas teorias são especiicamente
destinadas a abordar dilemas ́ticos.
• O relativismo ́tico airma que os dilemas ́ticos não podem ser resolvidos de
forma racional.
• Tanto o utilitarismo como a teoria formalista de Kant negam a existência de
dilemas ́ticos, embora uma análise mais aprofundada das teorias demonstre
que o conlito ́tico ́ realmente possível dentro dos quadros dessas teorias, mas
́ irresolúvel.
• Em sua ́tica situacional, Fletcher argumenta que os dilemas não são possíveis
quando se age de acordo com o amor cristão, que ́ o único verdadeiro princípio
moral universal.
• Mesmo que a teoria de Fletcher tenha o ḿrito de ser sensível a contextos em
mudança, a análise desta teoria não elimina a possibilidade de conlitos ́ticos e
o fato de que não nos proporciona um meio racional e efetivo para resolver esses
conlitos.
• “ teoria do contextualismo ́tico de Wallace tamb́m enfatiza a importância de
adaptar diretrizes ́ticas a fatores situacionais.
• Wallace argumentou que o conlito ́tico pode ser resolvido e que uma
justiicativa racional pode ser providenciada para a tomada de decisões ́ticas.
Ele airmou que as pessoas são capazes de resolver conlitos ́ticos, aproveitando
uma sabedoria prática comunicada a eles por sua cultura e comunidade.
• Quando confrontadas com um verdadeiro dilema ́tico, as pessoas podem
praticar um raciocínio prático efetivo, envolvendo discussões metáticas sobre
as funções das considerações ́ticas relevantes. Essas deliberações envolvem a
relexão sobre como cada consideração contribui para os modos de vida das
pessoas ou seja, de que forma o valor ́tico ́ valioso na vida humana , a im
de elaborar uma solução consistente com o proṕsito de cada princípio ́tico
envolvido na situação.
159
• Uma lacuna da teoria do raciocínio prático de Wallace ́ que ele subestima a
diiculdade de atingir o nível de soisticação metática que um proissional
precisaria para lidar efetivamente com considerações ́ticas concorrentes.
160
AUTOATIVIDADE
Como podemos caracterizar a avaliação crítica do ponto de vista utilitarista
em relação ao conlito ́tico?
Como podemos caracterizar a avaliação crítica do ponto de vista formalista
kantiano em relação ao conlito ́tico?
161
162
TÓPICO 4
UNIDADE 2
UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE
DECISÃO ÉTICA
1 INTRODUÇÃO
Os ćdigos ́ticos proissionais têm duas deiciências principais. Primeiro,
os ćdigos proissionais são necessariamente vagos. Eles oferecem princípios gerais
para orientar a conduta proissional, juntamente com alguns padrões e proibições
especíicas, mas os ćdigos ́ticos não podem fornecer orientação sobre todas as
diferentes circunstâncias que surgem na prática de uma proissão de saúde mental.
Em segundo lugar, os proissionais de saúde mental ocasionalmente encontram
situações em que dois ou mais princípios ́ticos parecem entrar em conlito por
exemplo, os princípios de conidencialidade e preocupação com o bem-estar dos
outros . Os ćdigos de ́tica das proissões de saúde mental não fornecem um
ḿtodo para resolver tais dilemas ́ticos. Como resultado, os proissionais têm
pouca orientação aĺm dos seus valores ́ticos pessoais para se referir ao decidir o
que fazer. Muitas vezes, eles icam desconfortáveis com o curso de ação que eles
selecionam, porque ́ inconsistente com um dos princípios ́ticos envolvidos na
situação SMITH et al.,
. Os proissionais precisam de um ḿtodo racional
para determinar um curso de ação eticamente aceitável em circunstâncias tão
complexas.
O T́pico examinou as formas como os principais modelos de raciocínio
́tico abordaram a questão da resolução de dilemas ́ticos. Este t́pico introduzirá
um novo modelo que os proissionais podem usar para fundamentar de forma
mais eicaz quando confrontados com problemas ́ticos complexos e fornecer uma
justiicativa racional para seus julgamentos ́ticos.
2 O PROPÓSITO DO MODELO
O modelo a ser apresentado fornece um ḿtodo que os proissionais
podem usar para organizar seu pensamento sobre considerações ́ticas que
garantam a abrangência de suas deliberações na tentativa de identiicar e resolver
dilemas ́ticos. “ĺm disso, empregar o modelo servirá para aumentar sua
consciência da complexidade ́tica associada à sua atividade proissional. Estar
consciente do potencial de complicações ́ticas em uma situação permitirá aos
proissionais evitar o desenvolvimento de conlitos em muitos casos. Os dilemas
́ticos muitas vezes têm uma maneira de "se esgueirar" para as pessoas quando não
reconhecem ou apreciam as implicações complexas de decisões e compromissos
163
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
aparentemente menores M“CK“Y O'NEILL,
. Por exemplo, suponha que
um cliente de psicoterapia peça ao seu terapeuta sobre suas crenças religiosas.
Qual consideração ́tica deve ser levada em conta na escolha de uma resposta a
essa consulta? Por outro lado, estar continuamente obcecado com a possibilidade
de que haja considerações ́ticas importantes que podem não ter sido detectadas
por exemplo, na decisão de oferecer ou não a um estudante ou participante da
pesquisa uma xícara de caf́ seria quase tão contraproducente para a eiciência de
um proissional, como uma insensibilidade grosseira às questões ́ticas.
O objetivo do modelo ́ a permitir aos proissionais diferenciar
contextos envolvendo considerações ́ticas múltiplas ou concorrentes daqueles
que são menos complexos eticamente e b fornecer um modelo de etapas que
os proissionais de saúde mental podem tomar para resolver questões ́ticas
complexas de uma maneira racional. O modelo não fornece respostas a problemas
́ticos, apenas um quadro que permita aos proissionais chegarem a suas pŕprias
decisões racionalmente bem informadas sobre o que fazer em um determinado
conjunto de circunstâncias. O modelo ́ projetado para se aplicar a questões ́ticas
que possam surgir em qualquer área da prática de uma proissão de saúde mental
por exemplo, ensino, pesquisa, trabalho clínico .
3 O MODELO
Vários outros interessados no treinamento de ́tica nas proissões de saúde
mental reconheceram o valor de fornecer aos alunos e proissionais um modelo
que descreva as etapas apropriadas para abordar questões ́ticas complexas e na
resolução de conlitos ́ticos, por exemplo, K. S. Kitchener
, Koocher e KeithSpiegel
, Francis
. O modelo apresentado aqui empresta extensivamente
dos estudos destes pesquisadores, mas acrescenta os insights importantes sobre a
teoria da ́tica contextualista de Wallace, apresentada no T́pico .
O princípio fundamental subjacente a este modelo ́ que a complexidade ́tica
de uma situação deve ser avaliada inicialmente, depois reavaliada continuamente
à luz das novas informações obtidas e do progresso do raciocínio prático do
proissional. Considerações ́ticas adicionais são muitas vezes identiicadas no
decurso dessas deliberações. Sempre que o proissional está convencido de que ele
abordou a complexidade ́tica da situação de forma adequada e uma opção viável
para a ação eticamente apropriada ou não ação está disponível, ele pode tomar
uma decisão e concluir suas deliberações. Um esquema do modelo ́ apresentado
no quadro a seguir.
164
TÓPICO 4 | UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA
QUADRO 8 - MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA
. “valiação Inicial das Considerações Éticas Implicadas
a. Se não houver conlito
Tome uma Decisão
b. Se aparentemente existe um conlito.
. Reúna Informações fatos especíicos do caso, diretrizes ́ticas e legais
pertinentes, consulta com colegas e especialistas .
. “valiação Secundária das Considerações Éticas Implicadas
a. Se o conlito foi resolvido
Tome uma Decisão
b. Se um conlito aparentemente ainda existe.
. Deliberações Metáticas Sobre a Relevância das Considerações Éticas
a. Se as deliberações de relevância resolverem o conlito
Tome uma Decisão
b. Se existe um dilema ́tico.
. Deliberações Metáticas Sobre a Resolução do Dilema Ético
. “valiação Terciária das Considerações Éticas
Geração de Opções
. Estime as Consequências de Cada Opção
. Tome uma decisão
. Documente a Justiicação e o Processo de Tomada de Decisão deve ser feito
ao longo do processo .
FONTE: O autor
Em situações que envolvem considerações ́ticas aparentemente conlitantes,
um proissional ́tico deve tentar resolver o conlito aparente de forma racional.
Para isso, ele precisará aplicar sua compreensão das fontes de deveres morais,
analisadas na primeira unidade e nos t́picos anteriores desta unidade, porque
165
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
não são os princípios ́ticos da proissão, mas os deveres morais subjacentes a esses
princípios, que são a fonte fundamental de suas obrigações ́ticas. “ lealdade a um
princípio ́tico proissional por exemplo, conidencialidade deve ser substituída
apenas por outra consideração ́tica de que um proissional determina ser uma
obrigação ́tica mais poderosa e fundamental em uma circunstância particular.
"Quando superamos um princípio moral, isso ś deve ser feito por boas razões
morais" KITCHENER,
, p.
.
O fracasso de um proissional em se esforçar para resolver conlitos ́ticos
de forma razoável representa uma atitude pouco proissional de indiferença em
relação à sua proissão e às pessoas a quem ele atende por exemplo, estudantes,
clientes, participantes da pesquisa . Podemos dizer que o Ćdigo de Ética
Proissional do Psićlogo CFP,
airma em sua apresentação que a eicácia
dos padrões ́ticos exige um compromisso pessoal com um esforço vital para
agir de forma ́tica. O desenvolvimento de habilidades de raciocínio prático ́ um
aspecto essencial desse compromisso, porque um proissional deve ser capaz de
fornecer uma justiicativa moral racional para suas decisões em casos envolvendo
um aparente conlito ́tico.
3.1 PASSO 1: AVALIAÇÃO INICIAL DAS CONSIDERAÇÕES
ÉTICAS IMPLICADAS
Este passo inicial de avaliação da presença de possíveis considerações ́ticas
aplica-se a todo tipo de situação ocupacional encontrada por um proissional de
saúde mental por exemplo, pesquisa, ensino, psicoterapia . Um proissional ́tico
deve ser particularmente cuidadoso para considerar se, com base nas informações
disponíveis, parece haver considerações ́ticas potencialmente conlitantes ou
seja, se cumprindo um dever ́tico na situação levará à violação de outro dever
igualmente importante .
Tenha em mente que a tarefa de avaliar a presença potencial de considerações
́ticas não ́ concluída quando o proissional identiicou um princípio que parece
ser importante para a situação. “o concentrar sua atenção de forma restrita em
um princípio, um proissional frequentemente ignorará, e talvez violará, outros
princípios relevantes. “ĺm disso, ́ importante lembrar que, embora a situação
possa envolver uma relação proissional com uma igura principal por exemplo,
um cliente de psicoterapia, aluno , frequentemente há mais de uma pessoa que se
afeta pela situação por exemplo, a família do cliente, os outros alunos da turma .
O proissional deve considerar se a situação envolve uma responsabilidade
proissional para outros sujeitos, aĺm do sujeito principal KOOCHER KEITHSPIEGEL,
.
“ identiicação efetiva da complexidade ́tica nesta fase inicial exige que o
proissional seja apropriadamente sensível à presença de considerações ́ticas. No
exemplo apresentado anteriormente de um cliente de psicoterapia perguntando ao
166
TÓPICO 4 | UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA
seu terapeuta sobre suas crenças religiosas, seria importante para ele ser sensível
à possibilidade de que seu cliente possa vê-lo como uma autoridade sobre isso,
bem como sobre outros assuntos. O potencial para o cliente ser indevidamente
inluenciado por seus valores pessoais, apresentado em um ambiente proissional,
́ uma importante consideração ́tica.
NOTA
Obviamente, as implicações éticas deste ou de qualquer outro cenário variam em
diferentes contextos. Se a pergunta for feita durante uma entrevista inicial de psicoterapia, o
cliente pode ser visto como solicitando informações relevantes para sua decisão sobre se deve
ou não proceder com a psicoterapia com o terapeuta.
Se não houver considerações aparentemente concorrentes, o proissional
deve encerrar suas deliberações e agir de acordo com o s princípio s ́tico s e/
ou legalidades envolvidas. É importante que um proissional considere válido o
ćdigo ́tico de sua proissão. Isto ́, o ćdigo ́tico ́ um guia válido para a conduta
proissional, a menos que algum princípio concorrente ou circunstância especial
seja ainda mais forte em sua obrigação ”E“UCH“MP CHILDRESS,
.
Por outro lado, se a situação envolver considerações ́ticas aparentemente
concorrentes, as deliberações devem continuar.
3.2 PASSO 2: REUNIR INFORMAÇÕES
Quando há considerações ́ticas aparentemente conlitantes, a primeira
tarefa ́ reunir o máximo de informações possível. Os fatos especíicos de uma
situação são extremamente importantes para as distinções precisas que podem
afetar os juízos ́ticos de um proissional KITCHENER,
, como se viu no
T́pico . “ tomada de decisão ́tica de um proissional geralmente ́ tão boa
quanto sua informação.
“ segunda tarefa no processo de coleta de informações ́ rever o ćdigo
́tico de sua proissão, dando especial atenção aos princípios e padrões relevantes
para as considerações ́ticas concorrentes que ele enfrenta. “ĺm disso, algumas
proissões, como a psicologia, geraram um, ou mais, conjunto de diretrizes que
regulamentam as especialidades. Estas orientações suplementares devem ser
consultadas se forem relevantes para o contexto em que surgiu o conlito por
exemplo, pesquisa com participantes humanos . “s informações relativas a
quaisquer diretrizes legais aplicáveis tamb́m são extremamente importantes,
na medida em que um estatuto jurídico pode indicar que uma das considerações
envolvidas constitui um dever legal na situação. Contudo, a existência de um
167
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
estatuto jurídico que aborda a situação pode ou não eliminar o conlito ́tico. Em
alguns casos, uma lei pode ser incompatível com o dever ́tico de um proissional,
como visto no T́pico da primeira unidade.
Os valores pessoais do proissional certamente podem prejudicar sua
percepção de uma situação e fazer com que ele favoreça um determinado curso
de ação ou dê um peso indevido a uma das considerações ́ticas concorrentes. Um
proissional de saúde mental precisa tornar-se consciente de seus preconceitos de
valor, suas tendenciosidades, para que possa evitar ser indevidamente inluenciado
por eles durante o processo de tomada de decisão ́tica.
Outra fonte potencialmente importante de informação para essas
deliberações ́ a opinião de colegas experientes e respeitados que lidaram com
situações similares ou com a Comissão de Ética do Conselho Regional ou Federal de
Psicologia. “ consulta com colegas mais experientes poderia fornecer informações
sobre soluções criativas que foram desenvolvidas em resposta a conlitos ́ticos
similares. Tais discussões podem tamb́m informar um proissional dos benefícios
e desvantagens que os outros experimentaram como uma consequência de dar
maior prioridade a uma das considerações ́ticas envolvidas. Como observou
Wallace
, a sabedoria prática de uma comunidade ou uma proissão
baseia-se nos valores de seus membros e na sua experiência cumulativa na
aplicação desses valores com sucesso aos contextos sempre em mudança da vida
comunitária ou proissional . O raciocínio prático efetivo ́ sempre fundamentado
em uma compreensão das maneiras pelas quais os dilemas semelhantes foram
resolvidos no passado. O desaio ́ adaptar essas formas ao contexto novo presente
W“LL“CE,
.
3.3 PASSO 3: AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA DAS
CONSIDERAÇÕES ÉTICAS IMPLICADAS
Se as informações obtidas de qualquer uma das fontes indicam claramente
ao proissional que um dos deveres aparentemente conlitantes tem prioridade em
uma situação como a que ele enfrenta, o conlito ́tico foi resolvido e ele está pronto
para tomar uma decisão. Por exemplo, um cliente pede para ver seu registro de
tratamento. Embora sua terapeuta acredite que deva respeitar sua autonomia, ela
tamb́m está preocupada em que, em sua condição atual, ele possa ser prejudicado
emocionalmente se confrontado com seu diagństico. “o perguntar ao cliente
sobre seus motivos para solicitar a exibição de seus registros, ela descobriu que
ele realmente viu seu diagństico há uma semana, enquanto uma enfermeira
estava atualizando seu registro, e agora simplesmente deseja entender melhor sua
situação. “ terapeuta pode simplesmente prosseguir permitindo que o cliente veja
seu arquivo, porque os deveres de respeitar a autonomia do cliente e proteger
seu bem-estar não estão em desacordo com essa situação. Se, por outro lado, a
informação adicional não resolveu o conlito ou aumentou a complexidade ́tica
da situação por exemplo, introduziu considerações conlitantes adicionais , em
seguida, com base em toda a informação obtida, ela deverá deinir as considerações
168
TÓPICO 4 | UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA
́ticas fundamentais que aparentam ser relevantes prima facie para a situação. Se
qualquer aspecto da situação ou as considerações não estiverem claras, ela deve,
em todos os casos, voltar ao Passo e reunir mais informações. Lembre-se sempre
de que os melhores juízos ́ticos são os baseados na melhor informação, porque os
fatores situacionais são de grande importância.
3.4 PASSO 4: DELIBERAÇÕES METAÉTICAS RELATIVAS À
RELEVÂNCIA DAS CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
Em situações que envolvem um aparente conlito entre deveres ́ticos, um
proissional deve, em seguida, ter um ḿtodo de determinar, de forma racional,
se cada consideração ́ genuinamente relevante para a situação. Embora todos os
princípios ́ticos sejam importantes, eles não se aplicam a todas as situações. Por
exemplo, a conidencialidade ́ um princípio ́tico de importância vital, mas não ́
relevante para uma situação em que um proissional de saúde mental observe seu
vizinho abusando de seu cônjuge. Conforme discutido no T́pico , as deliberações
relativas à relevância envolvem compreender o ponto de cada consideração. Isto
́, o proissional deve reletir sobre um nível metático para determinar os motivos
pelos quais cada princípio ou valor ́ levado a śrio como uma consideração ́tica como o princípio contribui para a vida humana W“LL“CE,
. Para deliberar
efetivamente, os proissionais devem ser capazes de rastrear a origem metática de
qualquer regra de conduta proissional. O contexto das teorias ́ticas previstas nos
t́picos anteriores ajudará os proissionais nesta tarefa.
Se o aparente conlito ́tico tiver sido abordado com base nas deliberações
sobre relevância, não deixando mais conlito, o proissional está em condições de
resolver a situação de maneira apropriada eticamente. Se for conlitante, ainda
existem considerações ́ticas relevantes, serão necessárias mais deliberações para
resolver racionalmente a situação, que agora ́ entendida como constituindo um
verdadeiro dilema ́tico.
3.5 PASSO 5: DELIBERAÇÕES METAÉTICAS RELATIVAS À
RESOLUÇÃO DO DILEMA ÉTICO
Todo o aporte obtido at́ agora deve ser aplicado à tarefa de analisar mais
detalhadamente as considerações ́ticas concorrentes para entender claramente o
ponto de cada consideração e o peso que a cada um deve ser dado no contexto
́tico especíico a ser tratado. Por que tem sido atribuído um tal prestígio a esse
valor no passado? Como contribui para os modos de vida de uma comunidade
ou de uma proissão? Essas deliberações metáticas geralmente esclarecerão e
simpliicarão um problema ́tico complexo, porque a multiplicidade de princípios
́ticos estabelecidos em um ćdigo proissional se funde em um conjunto muito
menor de fontes metáticas de valor. Diferentes princípios ́ticos por exemplo,
conidencialidade e respeito pela autonomia que parecem entrar em conlito
169
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
em uma situação dada são muitas vezes encontrados reletindo o mesmo valor
fundamental ou seja, o respeito pelas pessoas ́ a base tanto para a crença de que
as pessoas têm direito à sua privacidade e que elas deveriam ter permissão para
escolher como elas desejam realizar suas vidas . Nesse caso, resolver o problema
́tico ́ então uma questão de elaborar uma solução que sirva melhor o valor
fundamental que agora ́ reconhecido como a fonte do dever ́tico do proissional
na situação.
3.6 PASSO 6: AVALIAÇÃO TERCIÁRIA DAS
CONSIDERAÇÕES ÉTICAS - GERAR OPÇÕES
Depois de aplicar suas habilidades práticas de raciocínio para resolver o
dilema ́tico, um proissional deve novamente reavaliar a situação para avaliar o
progresso de suas deliberações. Se ele percebe alguma ambiguidade na situação
que ́ devido à inadequação de sua informação, ele sempre pode procurar
informações adicionais. Uma vez que ele reuniu as novas informações e determinou
a importância relativa de cada uma das considerações ́ticas concorrentes, ele deve
começar o processo de geração de opções comportamentais.
“o gerar opções, o proissional retorna ao nível pragmático de aplicar o
ćdigo ́tico à situação concreta. “ melhor opção será aquela que seja consistente
com a inalidade do valor ́tico mais fundamental relevante para a situação, mas
que não prejudica quaisquer outras considerações relevantes. Embora as opções
que relitam cada uma das considerações conlitantes devam ser consideradas,
́ extremamente importante lembrar que a solução que melhor serve o ponto de
cada uma das considerações concorrentes será, geralmente, uma solução criativa
que representa um afastamento das opções com base em considerações únicas que
geralmente orientam o pensamento das pessoas. O raciocínio prático deve ser visto
como uma atividade de resolução de problemas altamente criativa.
No entanto, às vezes ocorrem situações nas quais nenhuma das opções
parece ideal. Nessas circunstâncias, o princípio da não maleicência tornase particularmente importante. Por exemplo, se não houver nenhuma opção
disponível que permita que um proissional ajude todos os envolvidos na situação,
existe pelo menos uma opção que o capacitará a ajudar a pessoa que mais precisa
de ajuda e ainda evitar causar danos a algúm? “o gerar opções, ele tamb́m deve
sempre considerar a possibilidade de que o curso eticamente mais apropriado
seja não tomar nenhuma ação. Em algumas circunstâncias por exemplo, uma
ameaça vaga contra algúm relatado como tendo sido feita por um participante
da pesquisa , esta opção pode ser mais consistente com o princípio da falta da não
maleicência.
170
TÓPICO 4 | UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA
3.7 PASSO 7: ESTIMAR AS CONSEQUÊNCIAS DE CADA
OPÇÃO
Uma vez que um proissional gerou um menu de potenciais opções
de ação, ele deve estimar as consequências prováveis de cada opção para cada
pessoa envolvida, utilizando qualquer evidência disponível para sustentar
essas estimativas. Embora tal estimativa seja extremamente difícil e nunca pode
ser feita com precisão absoluta como foi discutido anteriormente em relação
ao utilitarismo , a probabilidade de resultados particulares ́, no entanto, uma
consideração importante. “ĺm disso, dadas as deliberações muito cuidadosas
envolvidas at́ este ponto no processo, ele provavelmente terá um senso bastante
claro das consequências prováveis de uma determinada opção. Se não o izer,
talvez seja necessária a coleta de mais informações. No mínimo, o exercício de
estimar as consequências das soluções que ele gerou diminuirá a probabilidade
de agir de forma impulsiva, sem ter levado devidamente em conta as implicações
potenciais de sua decisão para cada pessoa afetada, ou seja, embora este processo
não revele qual opção ́ absolutamente correta, será muito improvável que ele vá
buscar uma opção eticamente inapropriada ou insensível.
3.8 PASSO 8: TOMAR UMA DECISÃO
Mesmo na situação mais complexa, considerações ́ticas conlitantes
exigem algum tipo de resolução. Se o tempo e as circunstâncias o permitirem,
um proissional pode cercar sua decisão um pouco mais, propondo sua solução
para um supervisor ou colega experiente antes de implementá-la. De fato, diante
de uma questão ́tica difícil, ́ sempre desejável aproveitar o máximo de tempo
possível para deliberar. Os maus juízos são muito mais prováveis de ocorrer
quando um proissional está sob intensa pressão de tempo. “inda assim, no inal,
ele precisará agir. Embora ele geralmente não tenha certeza de que está tomando
o curso correto, seu grau de conforto na atuação será signiicativamente maior se
ele atendeu atentamente suas deliberações ́ticas e desenvolveu uma justiicativa
ślida, bem informada e racional para a ação que está tomando.
3.9 PASSO 9: DOCUMENTAR A JUSTIFICAÇÃO E O
PROCESSO DE TOMADA DE DECISÕES
Sempre que um proissional toma uma ação que relete uma ou mais
considerações ́ticas, mesmo que não haja conlito ́tico, as ações tomadas e a
justiicativa da decisão devem ser registradas. Documentar a decisão e o processo
de deliberações ́ticas será feito atrav́s de qualquer forma de manutenção de
registros apropriada ao contexto proissional por exemplo, arquivo do cliente,
registro de pesquisa .
171
UNIDADE 2 | RACIOCÍNIO ÉTICO E A PSICOLOGIA
Em situações que envolvem um aparente conlito entre considerações ́ticas
ou seja, questões de relevância e em situações que representam dilemas ́ticos
genuínos, um proissional deve manter registros cuidadosos ao longo do processo
de suas deliberações, tanto para organizar seus pensamentos sobre o assunto,
quanto para fornecer uma explicação permanente dos passos tomados em suas
tentativas para resolver o problema. É essencial que ele registre cuidadosamente o
raciocínio de sua ação. “o lidar com um dilema particularmente difícil, ́ provável
que algumas pessoas não concordem com a decisão a que ele chegou. É importante
que ele seja capaz de documentar os cuidados que tomou ao chegar à sua decisão
e o fato de que ele estava ciente das considerações relevantes, reuniu informações,
consultou colegas etc., para que qualquer revisor de sua decisão reconheça que ele
agiu de boa-f́, isto ́, com base em deliberações cuidadas e racionais.
“s Comissões de Ética de iscalização proissional vinculadas aos Conselhos
Regionais e Federal de Psicologia não esperam que os proissionais tenham
julgamento perfeito em questões ́ticas difíceis, mas esperam que os proissionais
demonstrem cuidados e preocupações adequadas para lidar com situações
eticamente problemáticas. Geralmente, reconhece-se que diferentes indivíduos,
que possuem vários graus de experiência, podem diferir em suas opiniões
́ticas H““S M“LOUF M“YERSON,
. “ negligência não ́ atribuída a
proissionais baseados simplesmente em uma diferença de opinião em relação a
uma questão ́tica. “ negligência envolve um julgamento de que o proissional agiu
de modo impulsivo ou imprevisível, com aparente desrespeito por importantes
considerações ́ticas. Deliberações ́ticas cuidadosas, reletidas com precisão na
manutenção de registros oiciais, demonstrarão um comportamento proissional
apropriado.
172
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que
• Duas principais deiciências dos ćdigos ́ticos proissionais são a que
os ćdigos não podem fornecer orientação especíica sobre o curso de ação
eticamente apropriado em cada circunstância que um proissional possa
enfrentar e b que os ćdigos não fornecem um ḿtodo para resolver situações
nas quais dois ou mais princípios ́ticos codiicados parecem entrar em conlito.
• O modelo de tomada de decisão ́tica apresentado neste t́pico fornece aos
proissionais de saúde mental uma estrutura de raciocínio mais eicaz ao tentar
resolver problemas ́ticos complexos. Empregar este modelo aumentará a
sensibilidade dos proissionais à presença de múltiplas considerações ́ticas em
situações que surjam no decorrer de sua atividade proissional.
• O modelo exposto não ś ajudará os proissionais a resolver conlitos ́ticos, mas
tamb́m os permitirá prever e evitar potenciais conlitos que, de outra forma,
poderiam atrapalhá-los.
• “ premissa fundamental subjacente a este modelo ́ que a complexidade ́tica
de uma situação deve ser avaliada inicialmente, então continuamente reavaliada
à luz das novas informações obtidas e do progresso das deliberações de decisão.
• Cada vez que as considerações ́ticas envolvidas na situação são avaliadas, o
proissional deve determinar se existe um conlito.
• Se não houver conlito, ele deve tomar uma decisão sobre um curso de ação. Se
existe um conlito, ele deve passar por etapas adicionais envolvendo a coleta de
informações e a realização de deliberações metáticas.
• Este processo permitirá que ele gere opções viáveis, estimar as consequências
prováveis de cada opção e chegar a uma decisão, que ele terá documentado
como sendo a alternativa mais racional disponível no caso.
173
AUTOATIVIDADE
Descreva, na ordem correta, os passos do processo de tomada de decisão
́tica proposto no modelo deste t́pico.
174
UNIDADE 3
O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL
E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos
• relatar o processo de regulamentação da formação e da proissão do psićlogo no ”rasil, bem como a criação e a estrutura do Sistema Conselho
• analisar o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo
• apresentar as principais resoluções do Conselho Federal de Psicologia
• examinar o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos
pelo psićlogo.
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro t́picos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
T2PICO - REGUL“MENT“ÇÃO D“ PROFISSÃO E OS 2RGÃOS DE
CLASSE
T2PICO - C2DIGO DE ÉTIC“ PROFISSION“L DO PSIC2LOGO
T2PICO - RESOLUÇ6ES DO CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“
T2PICO - PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOL2GICOS
175
176
TÓPICO 1
UNIDADE 3
A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS
ÓRGÃOS DE CLASSE
1 INTRODUÇÃO
Historicamente, o nascimento da Psicologia como ciência ́ atribuído à
data de fundação do primeiro laborat́rio de Psicologia em Leipzig, por Wilhelm
Wundt, em
, e sua evolução ocorreu de forma acelerada na Europa e nos
Estados Unidos com o desenvolvimento de diversas abordagens téricas e
pesquisas, bem como na aplicação de suas t́cnicas psicoĺgicas SILV“ JUNIOR
C“NT“RINI PRUDENTE,
. E a psicologia como proissão no ”rasil, como
se deu sua construção? Quais são as instituições que orientam e normatizam a
atuação do psićlogo em nosso país?
Vamos começar entendendo o que signiica o termo proissão . Esta
palavra vem do latim professione ou professio, e de acordo com Passos
, p.
seu signiicado remete ao ato ou efeito de professar, e quem professa explicita o
que acredita uma crença, valores, compromissos etc. . Segundo Freidson
apud PEREIR“ PEREIR“ NETO,
, p.
, proissão ́ um tipo especíico
de trabalho especializado, teoricamente fundado que apresenta algumas
características, como ter um conhecimento que lhe ́ pŕprio, possuir instituições
que defendam seus interesses e regulem a conduta de seus membros atrav́s de
normas e regras, por exemplo, os ćdigos de ́tica, aĺm de ser reconhecida como
necessária pela sociedade e pelo Estado.
“ssim, para que domine as normativas e o compromisso ́tico da práxis do
psićlogo no ”rasil, nesta unidade você irá conhecer e discutir sobre os aspectos
hist́ricos do reconhecimento da proissão e da sua organização enquanto categoria
proissional. Posteriormente, trataremos sobre a conduta ́tica e as normativas que
orientam sua atuação.
2 A PROFISSIONALIZAÇÃO DO PSICÓLOGO NO BRASIL
Para que a psicologia fosse reconhecida como proissão no ”rasil, foi
necessário um longo percurso de lutas e articulações. Para entender esse processo,
́ importante conhecermos um pouco da hist́ria da Psicologia no ”rasil, isso
porque, como airma Pato
, p.
177
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Escreve-se a hist́ria não para perilar cronologicamente nomes, fatos
e datas, tendo em vista celebrar os grandes vultos ou a grande ciência
que ajudaram a construir, mas para entender a constituição hist́rica do
presente e reletir sobre o futuro no marco do inevitável engajamento da
ciência ou de seu compromisso ́tico.
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONSOLIDAÇÃO DA
PSICOLOGIA COMO PROFISSÃO NO BRASIL
No ”rasil, de acordo com “ntunes
, desde a ́poca colonial pode-se
localizar escritos onde se encontra uma preocupação com fenômenos psicoĺgicos.
Soares
aponta que a partir de
, no período do ”rasil Imperial, foram
produzidas teses escritas por ḿdicos das faculdades de Medicina do Rio de
Janeiro e da ”ahia que versavam sobre temas do interesse da Psicologia. Com o
avanço da Psicologia na Europa, passam a ser produzidas publicações no ”rasil já
com objetos de conhecimento e t́cnicas psicoĺgicas com rigor cientíico pŕprios
da psicologia enquanto ciência. Tamb́m foram construídos, no ”rasil, a partir
de
, laborat́rios de Psicologia em hospitais e clínicas psiquiátricas com
equipamentos trazidos de Leipzig e Paris.
“ĺm dos ḿdicos, ainda no śculo XIX, os educadores tamb́m
contribuíram grandemente para a inserção da Psicologia em nosso país atrav́s
das Escolas Normais, que eram institutos de formação de professores. “trav́s de
estudos sobre a aprendizagem e desenvolvimento, as ideias psicoĺgicas foram
aos poucos sendo incorporadas na pedagogia, o que levou ”enjamin Constant, em
, aṕs a proclamação da República, a propor uma reforma no ensino brasileiro
e modiicar a disciplina de Filosoia nas Escolas Normais para Psicologia e Ĺgica
“NTUNES,
.
Nos primeiros anos do śculo XX a sociedade brasileira passou por
transformações devido ao processo de industrialização e urbanização do país, o que
exigiu mudanças sociais nas áreas da saúde, educação e organização do trabalho,
por exemplo, a necessidade de creches e de cursos proissionalizantes. Foi a partir
desse período, principalmente aṕs
, que vemos a consolidação da psicologia
no ”rasil, ao contribuir com práticas psicoĺgicas que atendessem essa demanda,
como a atuação de psicot́cnicos em organizações e hospitais psiquiátricos, na
seleção proissional em indústrias e convite para que pesquisadores da Psicologia
da Europa e dos Estados Unidos viessem capacitar os proissionais que atuassem
com a Psicologia no país ”“PTIST“,
.
Sobre o ensino formal da Psicologia, em
, o ainda Minist́rio da
Educação e Saúde, atrav́s de uma portaria aprovada pelo ministro Ernesto de Souza
Campos, concedeu o título de Especialização em Psicologia para quem cursasse
três anos do curso de Filosoia e izesse, aĺm de cursos de Psicologia, estágios em
serviços psicoĺgicos. Tamb́m a especialização de Psicologia Educacional passou
178
TÓPICO 1 | A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS ÓRGÃOS DE CLASSE
a ser concedida a proissionais que concluíssem o curso de Pedagogia e disciplinas
especíicas da Psicologia, bem como estágios em Psicologia “plicada SO“RES,
.
“lguns anos depois, em
, foi criado no Minist́rio da Guerra, por meio
de uma portaria, um curso de Classiicação de Pessoal . Sua instalação merece
destaque, pois a conclusão desse curso outorgava o Diploma de Psićlogo
SO“RES,
.
Conforme aponta ”aptista
, foi no inal da d́cada de
que se
iniciou um movimento pela regulamentação da psicologia como proissão no
”rasil. Proissionais fundaram então, em
, a Sociedade de Psicologia de São
Paulo e, em
, propuseram um debate sobre a formação dos psicologistas ,
como eram chamados os proissionais que atuavam com práticas psicoĺgicas na
́poca. Outra questão tratada pela classe era a necessidade dos cursos de Psicologia
se separarem dos de Filosoia e Pedagogia e se tornarem autônomos devido ao
status da Psicologia como ciência independente.
Em
, ocorreu a criação do primeiro curso de formação em Psicologia no
Rio de Janeiro e a apresentação do primeiro anteprojeto de lei sobre a formação e a
regulamentação da proissão ao Minist́rio de Educação e Cultura. É interessante
perceber que, neste documento, em sua parte introdut́ria, se justiica a importância
da proissão em suas três principais áreas de atuação escolar, trabalho e clínica, e
pleiteava que a formação fosse dividida em duas a do psicologista, considerada
uma formação térico-prática com três anos de curso de bacharel e dois anos de
licenciado ou a de auxiliar-psicologista aṕs a conclusão somente do bacharelado.
Nesse mesmo ano foi realizado, em Curitiba, o I Congresso ”rasileiro de Psicologia,
onde aṕs discussões foi elaborado um documento com uma segunda proposta de
formação e regulamentação da proissão que tamb́m foi entregue ao Minist́rio
da Educação e Cultura ”“PTIST“,
.
DICAS
SUGESTÃO DE FILME
Em 2012, o Conselho Federal de Psicologia lançou um vídeo em comemoração aos 50
anos de profissão no Brasil e que faz um resumo da história da Psicologia no país desde o
período colonial até os dias atuais. O vídeo está disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=82shonzH99A>.
179
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
2.2 A REGULAMENTAÇÃO DA FORMAÇÃO E DA
PROFISSÃO DE PSICÓLOGO NO BRASIL
“pesar de todos os movimentos dos psicologistas, o projeto de lei referente
à formação e regulamentação da proissão foi elaborado apenas em
, pela
Comissão de Ensino Superior do Minist́rio da Educação. Nesse documento,
segundo ”aptista
, consta que na ́poca já existiam mais de mil proissionais
atuando na área, alguns como autodidatas, devido à falta de formação especíica.
O parecer tamb́m aponta que a especialidade Psicologia Clínica deveria icar a
cargo da proissão ḿdica, visto que esta categoria defendia que as expressões
clínica e psicoterapia eram consideradas privativas dos ḿdicos. Essa proposta
não agradou aos proissionais que atuavam na área clínica, que se mobilizaram em
conjunto com a “ssociação ”rasileira de Psićlogos e a Sociedade de Psicologia de
São Paulo e apresentaram um projeto de lei substituto que solicitava, entre outras
mudanças, a adoção da denominação de psićlogo sem divisão de funções entre
psicologista e psicologista auxiliar.
Foram necessárias ainda outras propostas e emendas para que no dia
de agosto de
, a Lei nº .
fosse assinada pelo presidente João Goulart.
Esta lei, que dispõe sobre a formação em Psicologia e regulamenta a proissão
do psićlogo , determinou que a formação em Psicologia ocorreria em nível de
bacharelado, licenciatura e formação de psićlogo, aĺm de estabelecer, no “rt. ,
§ º, que
Constitui função privativa do psićlogo a utilização de ḿtodos e
t́cnicas psicoĺgicas com os seguintes objetivos
a diagństico psicoĺgico
b orientação e seleção proissional
c orientação psicopedaǵgica
d solução de problemas de ajustamento ”R“SIL,
.
Como você pode perceber, no texto da lei não consta a expressão
psicoterapia como atribuição privativa do psićlogo, e sim solução de problemas
de ajustamento . “ utilização da psicoterapia como prática do psićlogo foi
regulamentada apenas no ano de
, atrav́s de uma resolução do Conselho
Federal de Psicologia, a qual trataremos no T́pico .
NOTA
Você sabia que, apesar de ser considerado o dia 27 de agosto, data da aprovação
da Lei 4.119, como o Dia Nacional do Psicólogo, esta data só foi oficializada no ano de 2016
através da Lei 13.407? Para saber mais, acesse: <http://site.cfp.org.br/dia-nacional-do-psicologoagora-e-oficial/>.
180
TÓPICO 1 | A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS ÓRGÃOS DE CLASSE
Outra questão tratada pela Lei .
/
e que merece destaque ́ sobre
a regularização da situação dos proissionais que já atuavam como psićlogos.
Estes, que possuíam especialização em Psicologia Educacional, Psicologia Clínica
e Psicologia “plicada ao Trabalho, ou que já exerciam por mais de cinco anos
atividades dentro da Psicologia “plicada, tiveram o direito de requerer o registro
como psićlogo.
Em
, atrav́s do Decreto nº .
, a Lei nº .
foi regulamentada e
se ampliou as funções do psićlogo, pois, onde aĺm das citadas anteriormente,
segundo seu “rt. º, tamb́m ́ da sua competência
Dirigir serviços de Psicologia em ́rgãos e estabelecimentos públicos,
autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.
Ensinar as cadeiras ou disciplinas de Psicologia nos vários níveis de
ensino, observadas as demais exigências da legislação em vigor.
Supervisionar proissionais e alunos em trabalhos téricos e práticos
de Psicologia.
“ssessorar, tecnicamente, ́rgãos e estabelecimentos públicos,
autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.
Realizar perícias e emitir pareceres sobre a mat́ria de Psicologia
”R“SIL,
.
NOTA
Sobre a formação dos psicólogos, é importante que você saiba que em 2004
foram aprovadas as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em
Psicologia. Se antes a graduação era estruturada por meio de um currículo mínimo, agora
passa a ter um núcleo comum composto por um conjunto de competências básicas que
objetivam desenvolver no acadêmico o domínio de conhecimentos da Psicologia e habilidades,
garantindo uma formação ampla, pluralista, que o capacite a “utilizá-los em diferentes contextos
que demandam a investigação, análise, avaliação, prevenção e intervenção em processos
psicológicos”. Define ainda que cada instituição pode organizar seu curso a partir de ênfases
curriculares e a realização de estágios básicos e específicos. Você pode conhecer mais sobre o
assunto acessando o Parecer do Conselho Nacional de Educação sobre o tema, disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ces062.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2017.
Com a deinição da formação e da regulamentação da proissão psićlogo
no país, outros problemas surgiram, pois, quem seria responsável por conceder
os registros para os proissionais? Quem iscalizaria a atuação desses psićlogos?
Quais normas deveriam ser seguidas? Para resolver essas questões, ́ necessário
que exista um ćdigo de conduta, bem como um ́rgão de classe para cuidar dos
interesses e proteger proissionais e usuários dos serviços. Sobre o Ćdigo de Ética
Proissional do Psićlogo, trataremos de forma mais detalhada no T́pico . “
seguir, veremos como foi que ocorreu a criação do Sistema Conselhos, formado
pelo Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais de Psicologia.
181
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
2.3 A CRIAÇÃO DO SISTEMA CONSELHOS
“ssim como na regulamentação da proissão em lei, para que houvesse a
criação de um ́rgão responsável por zelar pela proissão do psićlogo tamb́m
foram necessários alguns anos de articulação entre os proissionais da classe. De
acordo com Passos
, a organização dos trabalhadores em grupos proissionais
́ uma conquista não ś proissional, mas tamb́m social, pois visa a segurança e o
cuidado de uma classe com as questões ́ticas e o compromisso com as necessidades
da sociedade.
Como vimos, a formação e a regulamentação da proissão psićlogo no
”rasil ocorreram em
. “companhando a hist́ria do ”rasil, vemos que a partir
de
passamos a viver sob a ditadura militar, o que levou a mudanças no cenário
nacional. Instalou-se na sociedade brasileira um clima de tensão e insegurança
devido à repressão política e à perda de direitos LEITE,
.
Em
foi aprovada uma nova Lei de Diretrizes e ”ases da Educação
Nacional, Lei nº .
, onde a Psicologia sofreu uma perda, já que esta disciplina foi
retirada da grade curricular do então º Grau hoje nomeado como Ensino Ḿdio .
Poŕm, nesse mesmo ano, no mês de fevereiro, a Sociedade Mineira de Psicologia
deu o primeiro passo em direção à organização da proissão e propôs a realização
de um Encontro Nacional de Entidades da Psicologia ”rasileira. O encontro
ocorreu em março, na Cidade Universitária em São Paulo, e como resultado
tivemos a decisão dos psićlogos ali presentes de promover mais congressos em
nível nacional e a necessidade de mobilizarem as autoridades competentes para a
aprovação de uma lei para a instalação de um ́rgão representativo da categoria.
Em dezembro do mesmo ano, depois de nove anos de regulamentação da proissão,
́ aprovada a Lei nº .
, que criou os Conselhos Regionais e o Conselho Federal
de Psicologia LEITE,
.
“ referida lei estabelece, em seu “rt. º, que o conjunto dos Conselhos
Regionais e Federal forma uma autarquia de direito público com autonomia
administrativa e inanceira cujo objetivo ́ orientar, disciplinar e iscalizar o
exercício da proissão de psićlogo e zelar pela iel observância dos princípios
de ́tica e disciplina da classe . Tamb́m estão previstas na lei as atribuições
dos Conselhos Regionais e Federal, bem como o funcionamento deles, tendo
inicialmente como sede local cedida pelo Minist́rio do Trabalho e Previdência
Social SO“RES,
.
No entanto, para que o Conselho fosse efetivado seria necessária a
regulamentação da lei e a articulação dos psićlogos para a eleição e posse dos
primeiros conselheiros. Para isso, em
foi marcado o II Encontro Nacional das
Sociedades de Psicologia em ”arbacena MG , para discutir os rumos da psicologia
enquanto proissão. Foi no ano seguinte, de acordo com Soares
, em
, dia
de dezembro, que o ministro do Trabalho, Julio ”arata, convocou em ”rasília
a assembleia prevista na Lei nº .
, com a presença dos delegados de todas as
Sociedades de Psicologia. “o indar da sessão, estava eleito o Primeiro Conselho
182
TÓPICO 1 | A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS ÓRGÃOS DE CLASSE
Federal de Psicologia CFP , com representantes de todas as regiões do país e seus
suplentes, sendo eleito como o primeiro presidente o psićlogo “rrigo Leonardo
“ngelini, que foi reeleito em assembleia posterior, terminando seus mandatos em
.
UNI
Arrigo Leonardo Angelini – graduado em Pedagogia pela USP em 1944, em 1953
obtém o título de doutor em Psicologia pela mesma instituição. Participou do movimento
para a regulamentação da Psicologia no país enquanto profissão. Foi presidente da Sociedade
de Psicologia de São Paulo, Presidente da Associação Brasileira de Psicólogos, Presidente
da Sociedade Interamericana de Psicologia e o primeiro Presidente do Conselho Federal de
Psicologia no Brasil.
FONTE: Academia Paulista de Psicologia (2005). Disponível em: <www.psi.bvs.br/local/file/
subsidios/atuais/ArrigoAngelini.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2017.
Os consiliários do primeiro conselho teriam pela frente grandes desaios na
tarefa de estruturar a proissão, como a elaboração de uma legislação para regular o
exercício proissional, por exemplo, o Ćdigo de Ética Proissional dos Psićlogos.
Uma das providências tomadas por essa primeira gestão foi a aprovação, em
,
de um anteprojeto de regulamentação da Lei n. .
, que ś ocorreu por meio do
Decreto .
, em
de junho de
LEITE,
.
O Conselho Federal de Psicologia, enquanto ́rgão central do Sistema
Conselhos, tem a sua sede no Distrito Federal e jurisdição em todo o territ́rio
nacional. Você vai conhecer sua organização e funcionamento com base no
estabelecido em lei e nas decisões tomadas atrav́s de resoluções.
3 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP)
O CFP, segundo a Lei n. . , ́ formado por nove conselheiros efetivos e
nove suplentes eleitos na “ssembleia Regional dos Delegados, cujo mandato ́ de
três anos, sendo permitida a reeleição consecutiva apenas uma vez. “ lei descreve
183
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
ainda as atribuições dos membros eleitos, o registro, o patrimônio da autarquia,
o funcionamento das assembleias, a iscalização da proissão e a deinição
das infrações disciplinares, que trataremos mais adiante. Listaremos agora as
competências do CFP que estão descritas no “rt. º da supracitada Lei
a elaborar seu regimento e aprovar os regimentos organizados pelos
Conselhos Regionais
b orientar, disciplinar e iscalizar o exercício da proissão de psićlogo
c expedir as resoluções necessárias ao cumprimento das leis em
vigor e das que venham modiicar as atribuições e competência dos
proissionais de Psicologia
d deinir, nos termos legais, o limite de competência do exercício
proissional, conforme os cursos realizados ou provas de especialização
prestadas em escolas ou institutos proissionais reconhecidos
e elaborar e aprovar o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo
f funcionar como tribunal superior de ́tica proissional
g servir de ́rgão consultivo em mat́ria de Psicologia
h julgar em última instância os recursos das deliberações dos Conselhos
Regionais
i publicar, anualmente, o relat́rio de seus trabalhos e a relação de
todos os psićlogos registrados
j expedir resoluções e instruções necessárias ao bom funcionamento do
Conselho Federal e dos Conselhos Regionais, inclusive no que tange ao
procedimento eleitoral respectivo
l aprovar as anuidades e demais contribuições a serem pagas pelos
psićlogos
m ixar a composição dos Conselhos Regionais, organizando-os à sua
semelhança e promovendo a instalação de tantos Conselhos quantos
forem julgados necessários, determinando suas sedes e zonas de
jurisdição
n propor ao poder competente alterações da legislação relativa ao
exercício da proissão de psićlogo
o promover a intervenção nos Conselhos Regionais, na hiṕtese de sua
insolvência
p dentro dos prazos regimentais, elaborar a proposta orçamentária
anual a ser apreciada pela “ssembleia dos Delegados Regionais, ixar
os crit́rios para a elaboração das propostas orçamentárias regionais e
aprovar os orçamentos dos Conselhos Regionais
q elaborar a prestação de contas e encaminhá-la ao Tribunal de Contas
”R“SIL,
.
Você pode perceber que, embora tenha sido criado durante a ditadura
militar e ligado ao Estado pela necessidade de manter sua estrutura inicial, cabe
ao Conselho Federal de Psicologia a tarefa de não apenas iscalizar e disciplinar
o exercício da proissão, mas tamb́m de orientar os proissionais na sua prática,
defender seu campo de atuação e contribuir com a escuta das necessidades sociais
do seu povo LEITE,
, p.
.
Retomando a hist́ria do ”rasil, na d́cada de
o país vivenciou o
processo de redemocratização. Em
tivemos a aprovação da nova Constituição
Federal, com avanços signiicativos na conquista de direitos sociais, tanto que
icou conhecida como a Constituição Cidadã . “companhando esse movimento
de mudanças sociais, o Conselho convocou, em
, um Congresso Uniicado
da Psicologia CONUP , onde os presentes discutiram a necessidade de tamb́m
184
TÓPICO 1 | A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS ÓRGÃOS DE CLASSE
democratizar o Sistema Conselhos enquanto instituição representativa de toda a
classe dos psićlogos, pensando o desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência
e proissão para poder atender à demanda da sociedade com compromisso ́tico e
social ”OCK,
.
Nesse sentido, foi convocado, em
, o Congresso Constituinte da
Psicologia em Campos do Jordão, que debateu os novos compromissos dos
conselhos e sua reestruturação, priorizando, como nos aponta ”ock
, p.
, o
papel de orientadores da categoria . Desde então, o funcionamento do Conselho
está organizado da seguinte forma, conforme descrito no Regimento Interno do
CFP e aprovado pela Resolução CFP nº
/
“rt. º - O Conselho Federal de Psicologia ́ composto pelos seguintes
́rgãos
I - Plenário
II - Diretoria
III - Secretarias
IV - “ssembleia das Políticas “dministrativas e Financeiras
V - Congresso Nacional da Psicologia.
Parágrafo único - Quando necessário, serão constituídos Grupos
de Trabalho para ins especíicos CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
.
Trataremos agora de cada um dos ́rgãos listados acima conforme retratado
no Regimento Interno do CFP
.
3.1 PLENÁRIO
É o ́rgão deliberativo do CFP, sendo composto pelo conjunto dos
conselheiros eleitos. Seus membros se reúnem ao menos uma vez por mês, sendo
que, se forem convocados, podem tamb́m participar conselheiros regionais de
Psicologia e convidados. Dentre suas funções podemos citar
• aprovar e fazer ser cumprido o plano de ação da gestão
• aprovar a realização de inqúritos ou adotar medidas necessárias sobre o
funcionamento dos Conselhos Regionais de Psicologia
• autorizar o funcionamento de Grupos de Trabalho
• editar resoluções, instruções normativas e portarias.
3.2 DIRETORIA
É o ́rgão executivo do CFP, responsável, segundo o “rt. º do Regimento
Interno, pela operacionalização de diretrizes e decisões do Plenário CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
. É formado pelo presidente, vice-presidente,
secretário-geral e tesoureiro, que são eleitos na primeira reunião ordinária de cada
ano pelo Plenário. “ĺm das atribuições de cada cargo, compete à Diretoria tamb́m
185
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
elaborar propostas de atuação que serão apreciadas pelo Plenário, subsidiar as
discussões e executar as decisões do Plenário. Para atender suas tarefas e cumprir
com as deliberações do Plenário, a Diretoria pode se reunir quantas vezes forem
necessárias.
3.3 SECRETARIAS
No CFP estão discriminadas cinco Secretarias Regionais uma para cada
região geográica do país , bem como a Secretaria de Orientação e Ética e a
Secretaria de Comunicação. Os secretários tamb́m são eleitos na primeira reunião
ordinária do ano pelo Plenário e respeitando a região de residência dos secretários
regionais. Essas Secretarias têm como função, segundo o “rt. , dialogar com os
Conselhos Regionais e instituições da sua região com o objetivo de viabilizar a
execução de projetos e ações do Conselho Federal de Psicologia CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Especiicamente sobre a Secretaria de Orientação e Ética, ́ importante que
você conheça suas responsabilidades, que são
“rt. - São atribuições do Secretário de Orientação e Ética conduzir os
processos, responder a consultas e tomar as medidas relacionadas à
I - legislação interna
II - orientação e iscalização do exercício proissional
III - processos eleitorais
IV - processos, consultas e medidas relacionadas ao Ćdigo de Ética
Proissional do Psićlogo e de todas as questões que envolvam a Ética
proissional, assim como todos aqueles correlatos que lhe sejam
atribuídos
pelo Plenário do Conselho Federal de Psicologia CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Desta forma, aṕs ser recebido pelo presidente do CFP, cabe ao Secretário de
Orientação e Ética emitir parecer sobre processos ́ticos instaurados nos Conselhos
Regionais de Psicologia, visto que o CFP funciona como tribunal superior de ́tica
da nossa proissão. Mais detalhes sobre processos ́ticos serão trabalhados nos
pŕximos t́picos, já que aqui o objetivo ́ apenas conhecer a estrutura do Sistema
Conselhos.
DICAS
Para entender melhor o funcionamento e atribuições dos Conselhos de Psicologia,
assista ao vídeo produzido pelo CFP, disponível em: <https://goo.gl/K6pYU4>.
186
TÓPICO 1 | A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS ÓRGÃOS DE CLASSE
3.4 CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA (CNP)
Como você já viu anteriormente, por volta dos anos , os psićlogos já
haviam conseguido que fossem criados, por meio de lei, o CFP e os Conselhos
Regionais de Psicologia. No entanto, passaram a surgir debates sobre o futuro da
proissão e do seu compromisso social, assim como do papel do CFP na condução
dessas decisões. Para tentar encontrar respostas para essas questões, foi convocado,
em
, o CONUP, que decidiu pela realização de um Congresso Constituinte da
Psicologia que ocorreu em
, considerado o primeiro CNP. “ partir de então, a
cada três anos, reúnem-se delegados eleitos nos Congressos Regionais para decidir
as diretrizes de atuação do CFP e dos Conselhos Regionais para os pŕximos três
anos, por isso ele ́ deinido como a instância máxima de deliberação. Tamb́m ́
um espaço de articulação política, pois ́ durante o CNP que ocorre a inscrição das
chapas que concorrerão à eleição para a gestão vindoura.
Para que aconteça o CNP são necessárias várias etapas de mobilização,
organização, debates e levantamento de propostas dos psićlogos de todas as
regiões do país sobre as ações a serem executadas pelos Conselhos de Psicologia,
de forma a atender às necessidades da sociedade e tamb́m o desenvolvimento da
Psicologia como ciência e proissão. Todo psićlogo pode participar e se candidatar
como delegado, desde que esteja inscrito regularmente no Conselho Regional de
Psicologia e estar adimplente com o pagamento da sua anuidade.
No quadro a seguir estão descritas todas as etapas desse importante
instrumento de construção da Psicologia no país.
QUADRO 9 – ETAPAS DO CNP
EVENTOS PREPARATÓRIOS – Mesas redondas, encontros temáticos, debates
realizados em diversas cidades. São elaboradas propostas para serem votadas
nos pŕ-congressos.
PRÉ-CONGRESSOS – Discussão e aprovação das propostas levantadas nos
eventos preparat́rios. Tamb́m podem ocorrer em mais de uma cidade de um
Conselho Regional. Eleição dos delegados que representarão os psićlogos
daquela região no Congresso Regional.
CONGRESSOS REGIONAIS COREPs – Ocorre um em cada Conselho
Regional com a participação dos delegados eleitos nos pŕ-congressos. “provação
das propostas que serão encaminhadas para o CNP e eleição dos delegados que
representarão aquele Conselho no CNP. Inscrição das chapas para as eleições dos
Conselhos Regionais.
CONGRESSO NACIONAL – Realizado em ”rasília com a presença dos
delegados eleitos nos COREPs. São discutidas e aprovadas as deliberações a
serem implantadas pela pŕxima gestão do CFP. Inscrição das chapas para a
eleição do CFP.
FONTE: Adaptado de <http://nucleodeatendimento.weebly.com/
uploads/6/0/0/8/60089183/2_-_revista_do_conselho_federal_de_psicologia_2016.pdf>.
Acesso em: 18 ago. 2017.
187
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
“o todo já foram realizados nove CNPs. “o inal, tanto do COREPs quanto
do CNP, são produzidos relat́rios com as deliberações inais, que são divulgadas
amplamente, garantindo transparência e acesso às informações por parte de todos
os psićlogos.
NOTA
Você pode ter acesso às deliberações finais do 9º CNP através do site <http://9cnp.
cfp.org.br/> e assim ficar conhecendo sobre as ações a serem desenvolvidas pelo CFP.
3.5 ASSEMBLEIA DE POLÍTICAS, DA ADMINISTRAÇÃO E DAS
FINANÇAS (APAF)
“ “P“F foi criada em
durante o II CNP e, desde então, acompanha
a execução das deliberações do CNP e as ações do CFP. É formada por três
conselheiros do CFP e conselheiros dos Conselhos Regionais nas seguintes
proporções, de acordo com o “rt.
do Regimento Interno do CFP
§ º - Os integrantes da “ssembleia das Políticas “dministrativas e
Financeiras, por Conselho Regional e Federal, serão escolhidos da
seguinte
forma
I - CRP com at́ .
três mil proissionais
um representante
II - CRP com .
três mil e um at́ .
dez mil proissionais
dois
representantes
III - CRP com mais de .
dez mil proissionais três representantes
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Por meio de suas reuniões, que ocorrem ordinariamente duas vezes por
ano, os psićlogos de todas as regiões são ouvidos atrav́s de seus representantes,
continuando a construção democrática da Psicologia enquanto ciência e proissão.
3.6 GRUPOS DE TRABALHO
Quando necessário, o Plenário pode criar um Grupo de Trabalho para
executar um projeto ou ações especíicas dentro de um prazo especíico. São
formados, preferencialmente, por conselheiros federais, mas tamb́m podem ser
convidados conselheiros regionais, outros psićlogos e at́ proissionais de outras
categorias que possam contribuir com aquela tarefa. “s reuniões são marcadas de
acordo com a necessidade da execução do trabalho.
188
TÓPICO 1 | A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS ÓRGÃOS DE CLASSE
3.7 COMISSÕES PERMANENTES
Cabe aqui mencionar, enquanto falamos da estrutura do CFP, que existem
Comissões Permanentes que tratam de assuntos de responsabilidade do CFP e que
foram criadas atrav́s de Resoluções do CFP. “tualmente, são as seguintes
•
•
•
•
Comissão de Direitos Humanos
Comissão de “nálise sobre Título de Especialistas
Comissão Nacional de Credenciamento de sites
Comissão Consultiva em “valiação Psicoĺgica
Dada a importância desses temas para a Psicologia, eles serão tratados
mais detalhadamente nos T́picos e .
NOTA
Você percebeu que são muitas as atribuições e atividades desenvolvidas pelos
conselheiros do CFP. É importante registrar também sua atuação em fóruns de entidades e
nos Conselhos de Direitos, por exemplo, Conselho Nacional da Saúde, Conselho Nacional da
Criança e do Adolescente, Conselho Nacional de Segurança Pública e Conselho Nacional de
Assistência Social.
4 CONSELHOS REGIONAIS (CRPs)
De acordo com ”ock
, a partir da Lei nº .
/ e consequentemente
a instalação do Conselho Federal de Psicologia, foram criados tamb́m sete CRPs
de acordo com a distribuição dos psićlogos nas regiões do país. Em
já eram
e atualmente são
CRPs que, junto com o CFP, formam o Sistema Conselhos.
Como vimos no “rt. º da referida lei, os Conselhos são dotados de personalidade
jurídica de direito público, autonomia administrativa e inanceira, constituindo,
em seu conjunto, uma autarquia, destinados a orientar, disciplinar e iscalizar o
exercício da proissão de psićlogo e zelar pela iel observância dos princípios de
́tica e disciplina da classe ”R“SIL,
.
Sobre sua organização e funcionamento, você vai encontrar a descrição na
Resolução do CFP nº
/
, que Institui a Consolidação das Resoluções do
Conselho Federal de Psicologia . Essa normativa estabelece em seu “rt. º que
O número de membros dos Conselhos Regionais de Psicologia será
ixado proporcionalmente ao número de proissionais inscritos,
utilizando-se os seguintes crit́rios
I - at́ .
dez mil proissionais
nove conselheiros efetivos
II - de .
dez mil e um at́ .
quinze mil proissionais
treze conselheiros efetivos
189
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
III - acima de .
quinze mil proissionais
quinze conselheiros
efetivos.
§ º - Em cada Conselho Regional de Psicologia o número de conselheiros
suplentes será idêntico ao de conselheiros efetivos CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
“ssim como vimos ao descrever as instâncias do CFP, todo CRP participa
do CNP e da “P“F. Tamb́m aprendemos que ́ durante o COREP que se faz
a articulação política e a inscrição das chapas que concorrem à gestão do CRP.
“ṕs eleitos para mandatos de três anos, os conselheiros participam do Plenário e
elegem a Diretoria, que tem as mesmas funções referidas no CFP presidente, vicepresidente, secretário e tesoureiro.
Para facilitar a comunicação dos proissionais e dos usuários de
serviços psicoĺgicos com o CRP, seguindo os princípios de democratização e
descentralização administrativa, podem ser instaladas subsedes que são geridas
por comissões gestoras. Nestes espaços são oferecidos os serviços que envolvem
o registro proissional, suporte a evento da categoria e orientação aos psićlogos e
comunidade.
Outra instância do CRP ́ a “ssembleia Geral Regional, que de acordo com
a Lei .
/ , deve ocorrer pelo menos uma vez por ano, tendo como inalidade
deinir o valor da anuidade e aprovar o plano de ação da gestão do CRP.
Dentre as atribuições dos CRPs podemos destacar sua responsabilidade
em cumprir as resoluções do CFP em sua jurisdição, funcionando como tribunal
regional de ́tica proissional. Para isso existe em sua estrutura a Comissão de
Orientação e Ética COE e a Comissão de Orientação e Fiscalização COF . “ COE
́ responsável por analisar e dar encaminhamento às denúncias ́ticas recebidas
pelo Conselho. “ apuração e o julgamento das denúncias são feitos de acordo com
o estabelecido no Ćdigo de Processamento Disciplinar instituído pela Resolução
CFP n°
/
.
Sobre as penalidades previstas para as infrações ́ticas dos psićlogos,
veremos mais adiante no T́pico , poŕm ́ importante que você saiba que qualquer
pessoa pode fazer uma denúncia sobre psićlogos que estejam infringindo as
normativas previstas para o exercício da proissão. Para isto, basta acessar o
formulário de denúncia no site do Conselho Regional da sua área de jurisdição.
Quando a denúncia ́ feita de forma anônima, ela não pode ser acolhida
e tratada inicialmente pela COE, pois antes deve ser analisada pela COF, que
primeiro deve veriicar se existem provas dessa infração para posteriormente,
atrav́s do presidente do CRP, fazer o envio da infração à COE.
“ COF ́ responsável por coordenar as atividades de orientação e iscalização
da proissão. Suas atribuições e funcionamento estão previstos na Resolução CFP nº
/
, que aprova o Manual Uniicado de Orientação e Fiscalização. “ssim, ela
́ responsável pelas orientações quanto a direitos e deveres do psićlogo, visitas de
190
TÓPICO 1 | A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS ÓRGÃOS DE CLASSE
inspeção às pessoas jurídicas, visitas de veriicação do exercício proissional, como
no caso de denúncias citadas acima, mas tamb́m desenvolve ações de iscalização
sobre as condições mínimas para o exercício da proissão em instituições. Toda
a normativa que estabelece a Política de Orientação e Fiscalização do Sistema
Conselhos de Psicologia está descrita na Resolução CFP nº
/
.
Outra importante atribuição do CRP ́ o registro proissional dos psićlogos
e expedição da Carteira de Identidade Proissional. “s normas para a inscrição na
categoria proissional estão previstas na Resolução CFP nº
/
, e para que faça
seu requerimento o proissional deve apresentar no CRP os seguintes documentos,
de acordo com o “rt. º
I - diploma de psićlogo, devidamente registrado, ou certidão de
colação de grau de curso autorizado pelo ́rgão ministerial competente
II - ćdula de identidade
III - comprovantes de votação da última eleição ou justiicativas
IV - CPF CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
DICAS
No site do CRP da sua região você encontrará todas as orientações de como
proceder para solicitar sua inscrição. Em Santa Catarina temos o Conselho Regional de
Psicologia – 12ª Região, que você pode consultar através do site: <http://www.crpsc.org.br>.
Acesso em: 15 jul. 2017.
É importante que você saiba que, se o psićlogo exercer atividades
proissionais em regiões diferentes, fora da abrangência do CRP da sua inscrição
principal por tempo superior a
dias por ano, deverá realizar a inscrição
secundária no CRP da região onde ocorrerá esse trabalho proissional, para que
receba uma autorização daquele Conselho. Essa inscrição secundária não acarreta
ônus inanceiro, ou seja, não necessita do pagamento de duas anuidades por ter
inscrições em Conselhos diferentes.
“ĺm de todas essas atribuições e instâncias referidas, em Santa Catarina o
CRP tamb́m dispõe de Comissões e Grupos de Trabalho que tratam de assuntos
pertinentes à categoria e de interesse da sociedade, dentre estes podemos citar
a Comissão de Políticas Públicas, que se divide em Eixos com o objetivo de
oportunizar espaços de discussão de uma determinada área de atuação, como
Educação, Saúde, “ssistência Social, Psicologia Organizacional e do Trabalho,
Psicologia na Relação com a Justiça e o Centro de Referência T́cnica em Psicologia
e Políticas Públicas CREPOP , sobre o qual falaremos a seguir.
191
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
5 CREPOP
Foi durante o V CNP que surgiu a ideia de criar um espaço responsável
por identiicar as práticas e produzir referenciais sobre a atuação dos psićlogos
em políticas públicas. Essa demanda já vinha sendo percebida desde os anos de
, quando se passou a reletir sobre a atuação dos psićlogos no ”rasil e seu
compromisso social no atendimento à população, e que foram ampliadas nas
d́cadas seguintes aṕs a implantação de diversas políticas públicas, por exemplo,
Saúde, “ssistência Social, Educação, Criança e “dolescente, dentre outras
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
O CREPOP tem sede no CFP, mas está estruturado em rede com
ramiicações em todos os CRPs, para identiicar as necessidades sociais e oferecer
contribuições ao Estado brasileiro junto ao Executivo, Legislativo ou Judiciário.
Em cada instância do CREPOP a equipe ́ composta por um psićlogo conselheiro
e um t́cnico que conduzem as pesquisas e a articulação política da Psicologia nas
políticas públicas.
Desde a sua criação, o CREPOP já publicou diversas Referências T́cnicas
e documentos com orientações para gestores de políticas públicas, entre tantas,
citaremos aqui
• Práticas Proissionais de Psićlogos e Psićlogas na “tenção ”ásica à Saúde
.
• Referências T́cnicas para a “tuação do Psićlogo em Varas de Família
.
• Referências T́cnicas para a “tuação das os Psićlogas os no Sistema Prisional
.
• Referências T́cnicas para a “tuação das os Psićlogas os em Questões
Relativas a Terra
.
• Referências T́cnicas para a “tuação de Psićlogas os na Educação ”ásica
.
• Referências T́cnicas para a “tuação de Psićlogas os no C“PS – Centro de
“tenção Psicossocial
.
• Referências T́cnicas para a “tuação de Psićlogas os nos Centros de Referência
Especializado de “ssistência Social – CRE“S
.
• Nota t́cnica com parâmetros para atuação das dos proissionais de psicologia
no âmbito do Sistema Único de “ssistência Social SU“S
.
DICAS
Para você ter acesso à lista completa dos documentos produzidos pelo CREPOP
você pode acessar o site: <http://crepop.pol.org.br>.
192
TÓPICO 1 | A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO E OS ÓRGÃOS DE CLASSE
Neste t́pico, conversamos sobre como transcorreu a proissionalização
dos psićlogos em nosso país, bem como a lei que regulamentou os cursos de
formação em Psicologia e o exercício proissional. “o tratarmos sobre a lei que
criou o CFP e tamb́m os CRPs foi apresentada a organização e a estrutura do
Sistema Conselhos, assim como a preocupação do ́rgão com a democratização das
decisões e o fortalecimento da relação entre o Conselho e a sociedade. Todas essas
informações são importantes para que se compreenda a construção das normativas
que regulam o exercício proissional e que serão estudadas nos pŕximos t́picos.
193
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que
• “ Psicologia passou a ser discutida no ”rasil atrav́s das teses produzidas por
ḿdicos e das Escolas Normais nas disciplinas de formação de professores.
• “ partir da d́cada de , a Psicologia foi percebida como ciência e tamb́m
como proissão capaz de contribuir com o processo de modernização vivido no
país.
• “ṕs a mobilização de associações e sociedades de psicologia compostas por
proissionais que utilizavam de práticas psicoĺgicas, no dia
de agosto de
foi aprovada a Lei nº .
, que regulamentou a formação e a proissão de
psićlogo no ”rasil.
• Decorridos nove anos da regulamentação da proissão, ́ aprovada a Lei nº .
que cria os Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Psicologia.
,
• O Conselho Federal de Psicologia, junto aos Conselhos Regionais de Psicologia,
forma o Sistema Conselhos, que tem por inalidade orientar, disciplinar e
iscalizar o exercício da proissão de psićlogo, zelando pelo cumprimento dos
princípios ́ticos e disciplina da classe.
• São ́rgãos do Conselho Federal de Psicologia a Plenária, a Diretoria, as
Secretarias, a “ssembleia das Políticas “dministrativas e Financeiras e o
Congresso Nacional de Psicologia.
• “tualmente, existem
Conselhos Regionais em nosso país. Entre suas
atribuições estão o acolhimento de denúncias do exercício irregular da proissão
e infrações ́ticas e o registro de psićlogos no Conselho.
194
AUTOATIVIDADE
Por que o Dia Nacional do Psićlogo ́ comemorado no dia
De acordo com a Lei .
do psićlogo?
/
de agosto?
, quais são as funções consideradas privativas
Qual a lei que cria o Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos
Regionais? Qual a inalidade destas instâncias segundo a lei?
Cite duas atribuições dos Conselhos Regionais de Psicologia
195
196
TÓPICO 2
UNIDADE 3
CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO
PSICÓLOGO
1 INTRODUÇÃO
No t́pico anterior você aprendeu sobre o caminho percorrido pelos
proissionais da Psicologia para que essa ciência fosse reconhecida no ”rasil
tamb́m como proissão. Tal discussão foi necessária para que você compreenda
quais são e como funcionam as instituições que orientam e iscalizam a práxis dos
psićlogos.
Neste t́pico vamos discutir questões ligadas à ́tica proissional, bem
como ao Ćdigo de Ética. Você vai conhecer os ćdigos que já foram produzidos
pela categoria e aprender sobre o atual Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo,
assim como as resoluções a ele relacionadas, por exemplo, o Ćdigo Processual,
que ́ aplicado em questões consideradas infrações ́ticas de acordo com as normas
vigentes.
2 A ÉTICA PROFISSIONAL E O CÓDIGO DE ÉTICA
PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
“ntes de falarmos sobre o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo ́
importante abordarmos o signiicado de ́tica proissional. Segundo Passos
,
ela ́ considerada como uma deontologia. Essa palavra vem do grego e ́ o resultado
da composição de dois termos deon, que signiica dever, e logos, traduzida como
estudo, ou seja, estudo dos deveres.
Esteves
, p.
, grifo do original aborda o tema e indica que a
deontologia pertence à ́tica normativa, que ́ uma disciplina da ilosoia que busca
fornecer diretrizes ou princípios gerais para nos orientarmos em nossas decisões
ou escolhas concernentes a problemas morais particulares com que topamos na
vida cotidiana .
Em relação à ́tica proissional, Camargo
apud P“SSOS,
a deine
como a aplicação da ́tica no exercício proissional e se articula com a deontologia,
mas não se reduz a ela, pois vai aĺm de deveres a serem seguidos, deinindo
princípios e valores do ser humano que se evidenciam atrav́s da conduta do
proissional diante da vida e da sociedade. Dito em outras palavras, esse conjunto
dos deveres prescritos aos proissionais ́ muito importante, poŕm sua práxis deve
197
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
estar alicerçada em uma relexão ilośica que deina sua concepção de mundo e,
consequentemente, seu comportamento ́tico.
Feitas essas considerações, devemos agora ponderar que, diante do avanço
das ciências e da multiplicidade de campos de atuação proissional, a sociedade, de
maneira geral, passou a perceber a necessidade de poder contar com mecanismos
que estabelecessem regras para resolver problemas surgidos nas relações dos
proissionais com os usuários dos serviços prestados e tamb́m entre os pŕprios
proissionais diante dos interesses das categorias. “ssim, conforme Maciel, Frizzo
e Castro
, ́ principalmente durante o śculo XX que foram construídos os
ćdigos deontoĺgicos de cada proissão, ou como habitualmente são chamados,
Ćdigos de Ética.
De acordo com “mendola
, uma das grandes conquistas dos
psićlogos aṕs o reconhecimento da Psicologia enquanto ciência e proissão, foi a
construção do seu Ćdigo de conduta. “inda segundo essa mesma autora
Um Ćdigo de conduta tem por inalidade apresentar os princípios que
determinado grupo de pessoas deverá utilizar como referência para
suas ações. Inversamente, estes mesmos princípios tamb́m servirão
como recurso para avaliar e julgar as ações desse grupo em relação à
sociedade se tais ações estão ou não em conformidade com o Ćdigo
p.
.
“ssim, podemos deinir que ́ atrav́s do Ćdigo de Ética Proissional
do Psićlogo, formalizado como norma jurídica, que o Conselho Federal e os
Conselhos Regionais regulam a conduta moral do psićlogo, ao indicar princípios,
direitos e deveres, bem como as punições, caso exista um descumprimento deles
“MENDOL“,
.
Reforçamos ainda que, embora o objetivo desta unidade seja apresentar o
conjunto de regras que normatizam a práxis do psićlogo, ́ de suma importância
salientar que o fazer ́tico do psićlogo não está restrito a uma disciplina especíica
ou a um ćdigo de conduta, ou seja, não basta conhecer o Ćdigo de Ética e
as resoluções do Conselho de Psicologia, mas sim ter a compreensão de que o
compromisso ́tico da proissão ́ transversal a todas as disciplinas e ações do
psićlogo. Como airma Passos
, p.
, o psićlogo trabalha com pessoas na
perspectiva da sua subjetividade, assim, seu compromisso ́tico já está explícito
nos objetivos da Psicologia, que consistem em ajudar o indivíduo a ser livre,
especiicamente, de suas angústias, suas ansiedades e seus medos e, no plano
maior, fortalecer e defender direitos humanos .
2.1 BREVE HISTÓRICO DOS CÓDIGOS
PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
DE
ÉTICA
Você se recorda que no t́pico anterior falamos sobre o processo de
proissionalização da Psicologia no ”rasil, que alcançou seu status de proissão
198
TÓPICO 2 | CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
em
, atrav́s da Lei nº .
. Vimos tamb́m que toda categoria proissional
necessita de uma legislação que forneça ferramentas para orientar e regular suas
ações protegendo e defendendo os direitos dos proissionais, mas tamb́m dos
usuários dos serviços. Por conseguinte, “mendola
aponta que o Ćdigo
de Ética contribui na construção da identidade proissional dando legitimidade à
proissão diante da sociedade.
“ssim, antes mesmo da criação do Conselho Federal e dos Conselhos
Regionais, atrav́s da “ssociação ”rasileira de Psićlogos, que era na ́poca presidida
por “rrigo “ngelini, e da Sociedade de Psicologia de São Paulo, foi elaborado um
anteprojeto de um Ćdigo de Ética para a categoria. O texto proposto foi embasado
em uma publicação da New York State Psychological Association e aprovado durante
a “ssembleia Geral da “ssociação ”rasileira de Psicologia realizada em ”lumenau,
no ano de
. Esse documento foi nomeado pela categoria, na ́poca, como o
Ćdigo de Ética dos Psićlogos ”rasileiros, e era composto por cinco princípios
fundamentais e
artigos. Na ocasião, tamb́m foram deinidos os membros do
Conselho de Ética Proissional, um ́rgão que seria responsável por zelar pelo
cumprimento do Ćdigo de Ética da proissão “MENDOL“,
ROM“RO,
.
No entanto, era necessário que essa entidade fosse regulamentada na
forma de lei, o que ocorreu em
. Como vimos no t́pico anterior, foram
criados os Conselhos, por meio da Lei nº .
/ , com a inalidade de orientar
e iscalizar o exercício proissional, bem como funcionar como tribunal superior
de ́tica. Para cumprir com essas tarefas, em
, durante a primeira gestão do
Conselho Federal, o Ćdigo proposto em
foi reformulado e aprovado por
meio de Resolução, sendo considerado o Primeiro Ćdigo de Ética Proissional
do Psićlogo. Nele estavam previstos como princípios fundamentais o exercício
proissional pautado no respeito ao outro, a sua integridade e a importância da
formação e responsabilidade proissional, entre outros. “presentava tamb́m
capítulos que versavam sobre os deveres do psićlogo e das responsabilidades
com os clientes, instituições empregadoras, outros psićlogos e demais disposições
presentes na Resolução CFP
/
ROM“RO,
.
“mendola
aponta que de
a
o número de psićlogos
inscritos nos Conselhos aumentou muito, chegando a
mil. “ autora tamb́m
menciona que surgiram novos campos de atuação proissional que demandaram
a necessidade de revisão do Ćdigo de Ética. Para isso foram consultados os
Conselhos Regionais e professores de ́tica dos cursos de Psicologia para saber as
ânsias surgidas nas diversas regiões, bem como a análise de Ćdigos de Ética de
outras proissões. O resultado foi apresentado ao Plenário do CFP, que culminou
na aprovação da nova versão do Ćdigo de Ética da categoria em
de agosto de
, em comemoração ao centenário da Psicologia.
199
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Conforme lembra Romaro
, os dois primeiros ćdigos foram
aprovados em meio ao regime militar, poŕm, no ano de
pode-se observar
a diminuição do autoritarismo político e o fortalecimento de movimentos sociais.
Com cinco princípios fundamentais e
artigos, distribuídos em
capítulos,
este Ćdigo trouxe de forma mais clara as questões sobre o respeito ao sigilo
proissional, a conidencialidade das informações, as relações com a Justiça e a
deinição do grau de parentesco permitido nos casos de perícia. Tamb́m excluiu
um artigo que falava de interrogat́rios sob ação hipńtica.
Em conjunto com a reformulação do Ćdigo de Ética, foi instituída, em caráter
permanente, a Comissão de Fiscalização do Exercício Proissional desmembrando
a função de iscalização da Comissão de Ética COE “MENDOL“,
. Cabe
lembrar que o funcionamento dessas duas comissões foi tratado no t́pico anterior.
Com o movimento de democratização vivido pelo país na d́cada de
,
os psićlogos, atrav́s dos Conselhos de Psicologia, novamente perceberam a
necessidade de rever o Ćdigo de Ética com a inalidade de atender às transformações
sociais e as demandas dos proissionais. Foram criados então grupos de trabalho
com objetivo de realizar pesquisas junto aos psićlogos de todo o país e tamb́m
proissionais de outras categorias. “ssim, ao completar anos de regulamentação
da Psicologia no ”rasil, aṕs ampla discussão, foi proposto e aprovado um novo
Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo, atrav́s da Resolução CFP nº
, de
de agosto de
“MENDOL“,
.
Na parte introdut́ria no Ćdigo de
consta uma Exposição de Motivos
que evidencia o ser humano enquanto sujeito em constante transformação e, sendo
a psicologia uma ciência que estuda e interpreta o comportamento humano, seu
Ćdigo de Ética precisa acompanhar essas mudanças e ser representativo dessa
realidade, estando sujeito a alterações e atualizações contínuas. “ssim, esse Ćdigo
́ elaborado com o proṕsito de orientar os proissionais, apresentando as regras
de forma clara, mas tamb́m deve servir como fonte de relexão
O Ćdigo ́ a expressão da identidade proissional daqueles que nele
vão buscar inspirações, conselhos e normas de conduta. Ele ́, ao
mesmo tempo, uma pergunta e uma resposta. É um apelo-pergunta no
sentido de ver o ser humano não apenas como uma unidade isolada,
mas como um subsistema de um grande sistema. É uma resposta
enquanto encarna uma concepção da proissão dentro de um contexto
social e político, que lhe confere o selo da identidade, naquele momento
hist́rico CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
Nesse preâmbulo, o Conselho Federal de Psicologia tamb́m aponta sua
concepção de ́tica destacando que, aĺm da importância de o psićlogo cumprir
com os seus deveres enquanto proissional, agindo de acordo com a norma, o
ser ́tico pressupõe compromisso social. Um Ćdigo será falho se izer uma
́tica para o psićlogo, esquecendo-se da ́tica do homem. É essa ́tica que fará
do psićlogo um proissional engajado social e politicamente no mundo, e não
um proissional a serviço exclusivo do indivíduo CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p. .
200
TÓPICO 2 | CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
“ṕs essa exposição, o Ćdigo apresenta seus sete princípios fundamentais
e seus
artigos, distribuídos em responsabilidades gerais do psićlogo que se
subdividem em deveres fundamentais e vedações proissionais responsabilidades
e relações com instituições empregadoras e outras relações com outros proissionais
ou psićlogos relações com a categoria relações com a Justiça sigilo proissional
comunicações cientíicas e sua divulgação ao público publicidade e honorários
proissionais CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
De acordo com “mendola
, o Ćdigo de
recebeu críticas por ser
mais incisivo que o anterior. Outros comentários foram favoráveis à criticidade
política e social apresentada. Cabe aqui mencionarmos que em
, o “rt. º deste
Ćdigo e seus respectivos parágrafos foram revogados e, em
, foi incluída
uma alínea no “rt. º, que determinava ser vedado ao psićlogo prestar serviços
ou mesmo vincular seu título de psićlogo a serviços de atendimento psicoĺgico
via telefônica CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
DICAS
Você pode acessar o conteúdo completo do Código de Ética Profissional do
Psicólogo de 1987 no site: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/resolucao1987_2.
pdf>. Acesso em: 15 jul. 2017.
Você percebeu que de tempos em tempos, devido às transformações
políticas e sociais, os psićlogos, atrav́s da representação nos seus Conselhos,
indicaram a necessidade de reformular o Ćdigo de Ética. Como já apontado,
devemos entender as normativas como resultado de um determinado contexto
ścio-hist́rico. O que não foi diferente aṕs a promulgação da Constituição
Federal em
, visto que a categoria passou a expressar a necessidade de se
harmonizar com o contexto institucional-legal vivido pelo país, bem como com
as demais políticas e leis que vieram aṕs esse grande marco na hist́ria do ”rasil
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
“mendola
descreve que esse movimento de mudança foi percebido
durante o I F́rum Nacional de Ética realizado em
, mas foi posteriormente,
em
, durante o II F́rum Nacional de Ética promovido pelo Sistema Conselhos,
que os participantes construíram as proposições que constituiriam o novo Ćdigo
de Ética dos Psićlogos.
O II F́rum foi antecedido por F́runs Regionais que elaboraram
propostas para discussão. O relat́rio inal desse trabalho foi encaminhado para a
“P“F, que criou um Grupo de Trabalho para formular uma minuta do Ćdigo de
201
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Ética. Esse documento foi então aprovado pela Plenária do Sistema Conselhos e,
posteriormente, pela “P“F, entrando em vigor no dia
de agosto de
, e que
discutiremos a partir de agora.
3 O ATUAL CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO
PSICÓLOGO
Como vimos, aṕs dois anos de muito debate e propostas apresentadas pela
categoria, em
foi aprovado, por meio da Resolução CFP nº
/
, o atual
Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo. “ título de apresentação, o documento
enfatiza que as normas lá presentes não visam estabelecer apenas uma compilação
de regras que determinam o padrão de conduta para o exercício proissional do
psićlogo, mas, principalmente, sirva como um instrumento que proporcione
a autorrelexão exigida de cada indivíduo acerca da sua práxis, de modo a
responsabilizá-lo pessoal e coletivamente, por suas ações e suas consequências no
exercício proissional CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
No atual Ćdigo ica explícito o seu compromisso com os Direitos Humanos.
Estes são entendidos como valores universais traduzidos em princípios pautados
no respeito ao sujeito humano e seus direitos fundamentais CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. . Esses princípios são considerados
grandes eixos que balizam a práxis do psićlogo atrav́s de constante relexão
sobre a sociedade, a proissão e as instituições.
DICAS
Para saber mais sobre a história dos Direitos Humanos, assista ao vídeo produzido
por United Human Rights, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uCnIKEOtbfc>.
Passaremos agora a apresentar na íntegra todos os sete princípios e os
artigos presentes no vigente Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo Resolução
CFP
/ , com comentários sobre os temas abordados.
3.1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
O primeiro Princípio Fundamental do Ćdigo de Ética Proissional do
Psićlogo estabelece que “O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na
promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser
humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos
Humanos” CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. , grifo nosso .
202
TÓPICO 2 | CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
“ Declaração Universal dos Direitos Humanos mencionada neste princípio
foi promulgada pela “ssembleia Geral das Nações Unidas em
de dezembro
de
como uma resposta aos horrores vividos na Segunda Guerra Mundial,
documento este tamb́m assinado pelo ”rasil. No seu preâmbulo, os EstadosMembros se comprometem a adotar a declaração como ideal de todos os indivíduos
e instituições sociais e a promover, atrav́s do ensino e da educação, o respeito aos
direitos e liberdades registradas. Storck
esclarece que a Declaração Universal
dos Direitos Humanos retoma os ideais da Revolução Francesa, mas acrescenta o
ideal de solidariedade.
TUROS
ESTUDOS FU
Ao final desta unidade é apresentada a Declaração Universal dos Direitos Humanos
na íntegra, como leitura complementar, devido à sua importância na formulação das atuais
legislações, como a Constituição Federal do Brasil de 1988 e o Código de Ética Profissional do
Psicólogo de 2005.
Cabe destacar que o Ćdigo de Ética, na primeira parte, aborda os
Princípios Fundamentais e, na sequência, estabelece artigos, ou seja, regras. Essa
diferenciação acontece, de acordo com Storck
, p.
, porque os princípios
são, de certo modo, mais importantes do que as regras . Os princípios necessitam
ser interpretados e guiam a construção das regras. “ssim, de acordo com o mesmo
autor e seguindo essa ĺgica, os Direitos Humanos devem ser tomados como
princípios e não regras.
“tendendo a essas recomendações, o Sistema Conselhos embasa
seus princípios na Declaração Universal dos Direitos Humanos, irmando o
compromisso de todos os psićlogos em relação à saúde e qualidade de vida
das pessoas e seu empenho em empregar valores como a não discriminação, não
violência e responsabilidade social, conforme expressos nos princípios II e III
II - O psićlogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de
vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de
quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
III - O psićlogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica
e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
Tamb́m como um princípio ́tico proissional vemos a necessidade do
psićlogo se manter atualizado, em um processo contínuo de formação, como
airma o IV Princípio Fundamental “O psicólogo atuará com responsabilidade,
por meio do contínuo aprimoramento proissional, contribuindo para o
desenvolvimento da Psicologia como campo cientíico de conhecimento e
de prática” CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. , grifo nosso .
203
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
“ssim, ao desenvolver pesquisas ou acompanhar os avanços téricos e t́cnicos
da ciência psicoĺgica, o proissional cumpre com seu dever enquanto categoria
comprometida não ś com a qualidade dos serviços oferecidos aos usuários, mas
tamb́m em encontrar soluções que proporcionem o bem-estar social. Seguem a
esse princípio os demais, que são
V - O psićlogo contribuirá para promover a universalização do acesso
da população às informações, ao conhecimento da ciência psicoĺgica,
aos serviços e aos padrões ́ticos da proissão.
VI - O psićlogo zelará para que o exercício proissional seja efetuado
com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo
aviltada.
VII - O psićlogo considerará as relações de poder nos contextos em que
atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades proissionais,
posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais
princípios deste Ćdigo CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
Perceba que estes princípios manifestam o compromisso com a
democratização dos serviços psicoĺgicos, instruindo a população sobre o papel do
psićlogo na sociedade com transparência, sem descuidar do rigor ́tico P“SSOS,
. “ĺm disso, ressalta a importância da criticidade para que sua conduta esteja
de acordo com os ideais desse Ćdigo, sem separação entre o dizer e o fazer ́ticos
SILV“ Z“NELLI TOLFO,
.
“ssim, vimos que os Princípios Fundamentais dispostos no Ćdigo de Ética
Proissional do Psićlogo servem como norte para guiar a relação do proissional
com a sociedade, com as instituições e com a pŕpria Psicologia enquanto ciência
e proissão.
3.2 DAS RESPONSABILIDADES DO PSICÓLOGO
Neste momento você deve estar se perguntando quais são as regras que
o psićlogo deve seguir no seu exercício proissional? O Ćdigo de Ética, aṕs
enfatizar quais são os Princípios Fundamentais da proissão, passa a apresentar
seus artigos, iniciando pelos deveres fundamentais no “rt. º e alíneas, a saber
“rt. º - São deveres fundamentais dos psićlogos
a Conhecer, divulgar, cumprir e fazer cumprir este Ćdigo.
b “ssumir responsabilidades proissionais somente por atividades
para as quais esteja capacitado pessoal, térica e tecnicamente.
c Prestar serviços psicoĺgicos de qualidade, em condições de trabalho
dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios,
conhecimentos e t́cnicas reconhecidamente fundamentados na ciência
psicoĺgica, na ́tica e na legislação proissional.
d Prestar serviços proissionais em situações de calamidade pública ou
de emergência, sem visar benefício pessoal.
e Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos
do usuário ou beneiciário de serviços de Psicologia.
204
TÓPICO 2 | CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
f Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicoĺgicos,
informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo
proissional.
g Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação
de serviços psicoĺgicos, transmitindo somente o que for necessário
para a tomada de decisões que afetem o usuário ou beneiciário.
h Orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados,
a partir da prestação de serviços psicoĺgicos, e fornecer, sempre que
solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do trabalho.
i Zelar para que a comercialização, aquisição, doação, empŕstimo,
guarda e forma de divulgação do material privativo do psićlogo sejam
feitas conforme os princípios deste Ćdigo.
j Ter, para com o trabalho dos psićlogos e de outros proissionais,
respeito, consideração e solidariedade, e, quando solicitado, colaborar
com estes, salvo impedimento por motivo relevante.
k Sugerir serviços de outros psićlogos, sempre que, por motivos
justiicáveis, não puderem ser continuados pelo proissional que os
assumiu inicialmente, fornecendo ao seu substituto as informações
necessárias à continuidade do trabalho.
l Levar ao conhecimento das instâncias competentes o exercício ilegal
ou irregular da proissão, transgressões a princípios e diretrizes deste
Ćdigo ou da legislação proissional CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p. .
Neste primeiro artigo ́ explicitado o zelo que o psićlogo deve ter na
sua atuação proissional. Todos os proissionais da categoria devem conhecer e
cumprir o estabelecido nas normas vigentes, oferecendo serviços de qualidade em
condições dignas e adequadas ao que se propõe. Ser zeloso com o outro e com
a proissão signiica tamb́m não assumir responsabilidades proissionais para
as quais não esteja preparado térica e tecnicamente. “ competência t́cnica ́
necessária a im de não provocar danos materiais e morais causados por erros
proissionais P“SSOS,
.
De acordo com Goldim e Protas
, os erros proissionais podem ser
classiicados em três grupos por imperícia, imprudência e negligência. O primeiro
grupo ocorre nos casos onde o proissional, mesmo não sendo devidamente
qualiicado, se compromete a prestar um serviço e acaba expondo o usuário a um
risco desnecessário. O segundo grupo envolve situações em que o proissional
toma decisões sem ponderar que imprevistos podem ocorrer, ou seja, sem a devida
prudência, por supor que tem domínio total da situação. Por último, a negligência
representa a falta de atenção aos deveres proissionais, como em casos de omissão.
Os autores ainda alertam para a importância da supervisão e da discussão de casos
com proissionais mais qualiicados que possam contribuir na tomada de decisão
apropriada.
Observe ainda que as alíneas g e h tratam da devolutiva, entrega
de documentos e encaminhamentos necessários aṕs a prestação de serviços
psicoĺgicos, que aqui são entendidos como um dever do psićlogo e um direito
do usuário, mas sem esquecer sobre a conidencialidade das informações, onde o
psićlogo deve comunicar apenas o que for necessário para se compreender aquela
situação especíica.
205
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
DICAS
Para saber mais sobre a atuação da Psicologia nas Emergências e Desastres,
consulte o site do Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina – 12ª Região, através do
link: <http://www.crpsc.org.br/psicologia-nas-emergencias-e-desastres>. Lá você encontrará
vídeos e materiais publicados que detalham esse campo da Psicologia.
Outro tema que merece destaque está indicado na alínea l , que fala
sobre o exercício ilegal ou irregular da proissão. Mas você sabe diferenciar uma
situação da outra? O CRP de São Paulo publicou em seu Jornal PSI
uma
mat́ria que apresenta situações onde são exempliicados casos em que ocorre o
chamado exercício ilegal da proissão. Isso ocorre quando o proissional, mesmo
com formação na área da Psicologia, não estiver devidamente inscrito no CRP, por
exemplo, aṕs ter solicitado o cancelamento do seu registro proissional, ou ter a
sua inscrição suspensa ou cassada como penalidade ́tica, mesmo assim continuar
atuando como psićlogo. Tamb́m pode ser considerado exercício ilegal da
proissão pessoas que não têm a formação de psićlogo, mas se identiicam como
tal ou realizam atividades que são pŕprias do psićlogo. “ mat́ria ressalta que
estão incluídos nessa categoria estudantes de Psicologia que estejam praticando
atividades de psićlogo sem a devida formalização do contrato de estágio. Nos
casos em que se veriica o exercício ilegal da proissão, cabe à justiça o recebimento
das denúncias e a instalação do processo visando a possível aplicação de uma
pena, que varia da prisão simples, de
dias a três meses, aĺm da aplicação de
multa pecuniária, conforme prevê o artigo , da Lei de Contravenções Penais.
Quanto ao exercício irregular da proissão, podemos citar o exemplo do
proissional que deixa de fazer a inscrição secundária ao atuar por mais de
dias em um Estado diferente da área de abrangência do seu Conselho Regional
de Psicologia. Esse fato ́ considerado uma infração e o proissional responde a
Processo Disciplinar Ordinário PSI JORN“L DE PSICOLOGI“,
.
“s questões que dizem respeito à violação dos direitos humanos e ao
exercício ilegal da proissão são novamente abordadas no “rt. º, que trata das
vedações proissionais, como pode ser observado a seguir
“rt. º - “o psićlogo ́ vedado
a Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou
opressão.
b Induzir a convicções políticas, ilośicas, morais, ideoĺgicas,
religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito,
quando do exercício de suas funções proissionais.
c Utilizar ou favorecer o uso de conhecimento e a utilização de práticas
psicoĺgicas como instrumentos de castigo, tortura ou qualquer forma
de violência.
206
TÓPICO 2 | CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
d “cumpliciar-se com pessoas ou organizações que exerçam ou
favoreçam o exercício ilegal da proissão de psićlogo ou de qualquer
outra atividade proissional.
e Ser conivente com erros, faltas ́ticas, violação de direitos, crimes
ou contravenções penais praticados por psićlogos na prestação de
serviços proissionais.
f Prestar serviços ou vincular o título de psićlogo a serviços de
atendimento psicoĺgico cujos procedimentos, t́cnicas e meios não
estejam regulamentados ou reconhecidos pela proissão CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
UNI
EXEMPLO DE UM CASO DE INDUÇÃO A CONVICÇÕES RELIGIOSAS, SIGILO E
MAPA ASTRAL
Uma adolescente, atendida em orientação vocacional, queixou-se de que o psicólogo
influenciava pacientes a participar de cultos, relacionando acontecimentos à vontade de Deus,
utilizava-se de mapa astral em suas orientações e trocava informações de diferentes pessoas
de uma mesma família entre elas. Em sua defesa, o psicólogo negou ter devassado o sigilo,
destacando ser a inviolabilidade relativa por ser a atendida menor de idade. Afirmou utilizar-se
eventualmente da técnica de mapa astral para melhor compreender os pacientes e abreviar
os processos psicoterápicos. Foi constatado o uso de mapas astrológicos em sessões de
orientação vocacional, como ferramenta complementar de análise e a indução a convicções
morais e religiosas. A Astrologia não pode ser considerada prática complementar da Psicologia
e nem um método científico compatível com a mesma. Deste modo, não pode ser utilizada
direta ou indiretamente no decorrer de um processo ou tratamento psicológico. Houve
transversalidade no atendimento a diversos membros da família, sem ser definida uma terapia
familiar, mas sim atendimentos individuais, caracterizando quebra de sigilo profissional. O fato
de a pessoa atendida ser menor de idade não justifica repasse de informações sem a presença
do interessado. Entendeu-se que o profissional infringiu o Código de Ética dos Psicólogos nos
seguintes artigos: Art. 1º “c”; Art. 2º “b” e Art. 9º.
FONTE: Adaptado de PSI Jornal da Psicologia, (mar./abr. 2012). Disponível em: <http://www.
crpsp.org.br/portal/comunicacao/jornal_crp/168/frames/fr_processos_eticos.aspx>.
Acesso
em: 15 jul. 2017.
Seguindo ainda com o “rt. º, vemos que tamb́m ́ vedado ao psićlogo
g Emitir documentos sem fundamentação e qualidade t́cnico-cientíica.
h Interferir na validade e idedignidade de instrumentos e t́cnicas
psicoĺgicas, adulterar seus resultados ou fazer declarações falsas.
i Induzir qualquer pessoa ou organização a recorrer a seus serviços.
j Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha
vínculo com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos
objetivos do serviço prestado.
k Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus
vínculos pessoais ou proissionais, atuais ou anteriores, possam afetar
a qualidade do trabalho a ser realizado ou a idelidade aos resultados
da avaliação.
l Desviar para serviço particular ou de outra instituição, visando
207
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
benefício pŕprio, pessoas ou organizações atendidas por instituição
com a qual mantenha qualquer tipo de vínculo proissional.
m Prestar serviços proissionais a organizações concorrentes de modo
que possam resultar em prejuízo para as partes envolvidas, decorrentes
de informações privilegiadas.
n Prolongar, desnecessariamente a prestação de serviços proissionais.
o Pleitear ou receber comissões, empŕstimos, doações ou vantagens
outras de qualquer esṕcie, aĺm dos honorários contratados, assim
como intermediar transações inanceiras.
p Receber, pagar remuneração ou porcentagem por encaminhamento de
serviços q Realizar diagństicos, divulgar procedimentos ou apresentar
resultados de serviços psicoĺgicos em meios de comunicação, de forma
a expor pessoas, grupos ou organizações CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p.
.
Sobre a produção de documentos psicoĺgicos, o T́pico desta unidade ́
todo dedicado a esse assunto, desde a sua elaboração at́ sua guarda. No entanto,
conv́m destacar que a emissão de documentos psicoĺgicos sem fundamentação
e qualidade t́cnico-cientíica tem sido uma das principais causas de denúncias à
COE nos Conselhos Regionais PSI JORN“L DE PSICOLOGI“,
.
Dando continuidade às ações vedadas ao psićlogo, o Ćdigo deixa
explícita a proibição de condutas que possam prejudicar o usuário dos serviços
psicoĺgicos. Goldim e Protas
deinem essas ações como má prática
proissional e abrangem relacionamentos sociais e sexuais entre terapeutas e
pacientes, a manutenção do vínculo de dependência do usuário pelo proissional
de forma indevida a im de obter benefícios inanceiros, sociais ou políticos. “inda
mencionam como má prática proissional quando terapeutas se utilizam das
mídias para ganhar notoriedade falando de personalidades públicas que foram
seus pacientes, o que expõe o atendido, ferindo, deste modo, o sigilo proissional.
O “rt. º vai abordar a necessidade de avaliação por parte do psićlogo dos
valores das instituições de que possa vir a fazer parte, para que sejam coerentes com
os princípios expressos no Ćdigo de Ética. Observe que, havendo antagonismos,
cabe ao interessado oferecer denúncia aos ́rgãos competentes
“rt. º - O psićlogo, para ingressar, associar-se ou permanecer em uma
organização, considerará a missão, a ilosoia, as políticas, as normas
e as práticas nela vigentes e sua compatibilidade com os princípios e
regras deste Ćdigo. Parágrafo único Existindo incompatibilidade,
cabe ao psićlogo recusar-se a prestar serviços e, se pertinente,
apresentar denúncia ao ́rgão competente CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p.
.
Um assunto que desperta curiosidade por parte dos acadêmicos diz
respeito aos honorários que são ixados pelo psićlogo na execução do seu serviço.
Veja o que diz o Ćdigo a respeito disso
“rt. º - “o ixar a remuneração pelo seu trabalho, o psićlogo
a Levará em conta a justa retribuição aos serviços prestados e as
condições do usuário ou beneiciário.
208
TÓPICO 2 | CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
b Estipulará o valor de acordo com as características da atividade e o
comunicará ao usuário ou beneiciário antes do início do trabalho a ser
realizado.
c “ssegurará a qualidade dos serviços oferecidos independentemente
do valor acordado CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p.
.
No Ćdigo são anunciadas apenas situações da conduta ́tica do psićlogo
ao estabelecer sua remuneração, que deve ponderar o serviço prestado e a condição
do contratante. Para saber sobre a ḿdia de remuneração cobrada pelos serviços
psicoĺgicos, você pode consultar a Tabela de Honorários disponível no site do
Conselho Federal de Psicologia, e tamb́m nos sites dos Conselhos Regionais.
O Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo tamb́m prevê, no “rt. º,
a conduta do proissional ao participar de greves e paralisações, indicando
a necessidade de garantir que “a) as atividades de emergência não sejam
interrompidas; b) haja prévia comunicação da paralisação aos usuários ou
beneiciários dos serviços atingidos pela mesma” CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p. , grifo nosso .
Vamos agora saber o que falam os artigos º e º do Ćdigo
“rt. º - O psićlogo, no relacionamento com proissionais não
psićlogos
a Encaminhará a proissionais ou entidades habilitados e qualiicados
demandas que extrapolem seu campo de atuação.
b Compartilhará somente informações relevantes para qualiicar o
serviço prestado, resguardando o caráter conidencial das comunicações,
assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o
sigilo.
“rt. º - O psićlogo poderá intervir na prestação de serviços
psicoĺgicos que estejam sendo efetuados por outro proissional, nas
seguintes situações
a “ pedido do proissional responsável pelo serviço.
b Em caso de emergência ou risco ao beneiciário ou usuário do serviço,
quando dará imediata ciência ao proissional.
c Quando informado expressamente, por qualquer uma das partes, da
interrupção voluntária e deinitiva do serviço.
d Quando se tratar de trabalho multiproissional e a intervenção
izer parte da metodologia adotada CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p.
.
Esses artigos falam da relação do psićlogo com outros psićlogos e com
proissionais não psićlogos, como no caso de trabalhos desenvolvidos em equipes
multiproissionais. Manifesta que o psićlogo deve discernir o que vai aĺm do seu
campo de atuação e encaminhar as demandas aos proissionais competentes na
área, sempre lembrando da importância da conidencialidade das informações a
que teve acesso e do repasse das informações com responsabilidade e compromisso
́tico.
“inda sobre o caráter conidencial das comunicações, Goldim e Protas
ilustram o assunto com o juramento hipocrático, do śculo V a.C., in verbis
209
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Qualquer coisa que eu veja ou ouça, proissional ou privadamente, que não deva
ser divulgada, eu conservarei em sigilo e contarei a ningúm HIP2CR“TES,
apud GOLDIM PROT“S,
, p.
. Destarte, pode-se extrair deste texto a
importância atribuída ao sigilo nas proissões de saúde já indicado desde a Gŕcia
antiga.
UNI
EXEMPLO DE UM CASO DE DENÚNCIA ÉTICA: PSICÓLOGO EM EQUIPE
MULTIDISCIPLINAR
Psicólogo que atuava na atenção à saúde, responsável por atendimento de pacientes, aos
quais eram dispensados cuidados de outros colegas da equipe de saúde. Em denúncia
junto ao Conselho de Psicologia, familiar do atendido alega que o mesmo não realizou o
trabalho de modo ético, negligenciando o atendimento. A partir dos dados colhidos através
do devido processo ético, concluiu-se que o profissional não realizou encaminhamentos aos
demais colegas da equipe multiprofissional quando necessário; não cumpriu o procedimento
de anotar corretamente, em prontuário, o andamento dos atendimentos e, quando
poucas vezes o fez, expôs questões do usuário, além do necessário, a terceiros alheios ao
tratamento. Ademais, o psicólogo não cuidou do aspecto ético do sigilo profissional, expondo
informações que não cabiam serem repassadas, sem o devido cuidado ético de preservar o
melhor interesse do usuário, sem ponderar o repasse apenas daquilo que fosse estritamente
necessário à compreensão e favorecimento da atenção integral à saúde desse usuário, pela
equipe de saúde. Como resultado, houve prejuízos nos encaminhamentos do tratamento do
usuário, houve imprudência por parte do profissional da Psicologia e o usuário abandonou
o tratamento multidisciplinar, o que acarretou em maior comprometimento das condições
de saúde do atendido. Pelo exposto, o profissional, no caso em questão, não cuidou de
preservar os princípios éticos de sua profissão, comprometendo sua prática, como também,
comprometendo os atendidos. Ao atuar do modo como o fez, o profissional cometeu infração
ética, segundo os seguintes artigos do Código de Ética Profissional: Princípios Fundamentais I
e II; Art. 1º “b”, “c”; Art. 3º; Art. 6º “a”, “b” e Art. 9º.
FONTE: Adaptado de PSI Jornal da Psicologia (dez./jan., 2009). Disponível em: <http://www.
crpsp.org.br/portal/comunicacao/jornal_crp/163/frames/fr_questoes_eticas.aspx>. Acesso em:
15 jul. 2017.
O “rt. º aborda a necessidade de autorização dos responsáveis legais no
atendimento à criança, adolescente ou interdito, que ́ uma pessoa incapacitada de
tomar suas pŕprias decisões
“rt. º - Para realizar atendimento não eventual de criança, adolescente
ou interdito, o psićlogo deverá obter autorização de ao menos um de
seus responsáveis, observadas as determinações da legislação vigente
§ ° - No caso de não se apresentar um responsável legal, o atendimento
deverá ser efetuado e comunicado às autoridades competentes.
§ ° - O psićlogo responsabilizar-se-á pelos encaminhamentos que
se izerem necessários para garantir a proteção integral do atendido
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p.
.
210
TÓPICO 2 | CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
Passos
observa que este artigo está de acordo com as leis vigentes,
como o Estatuto da Criança e do “dolescente e a Resolução
/
do Conselho
Nacional de Saúde CNS .
Uma das questões mais comentadas da prática do psićlogo diz respeito
ao sigilo e quando ́ permitido a quebra deste. Observe o que o Ćdigo de Ética
Proissional do Psićlogo diz a respeito
“rt. º - É dever do psićlogo respeitar o sigilo proissional a im de
proteger, por meio da conidencialidade, a intimidade das pessoas,
grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício proissional.
“rt.
- Nas situações em que se conigure conlito entre as exigências
decorrentes do disposto no “rt. º e as airmações dos princípios
fundamentais deste Ćdigo, excetuando-se os casos previstos em lei, o
psićlogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na
busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput
deste artigo, o psićlogo deverá restringir-se a prestar as informações
estritamente necessárias. “rt.
– Quando requisitado a depor em
juízo, o psićlogo poderá prestar informações, considerando o previsto
neste Ćdigo.
“rt.
- Nos documentos que embasam as atividades em equipe
multiproissional, o psićlogo registrará apenas as informações
necessárias para o cumprimento dos objetivos do trabalho.
“rt.
- No atendimento à criança, ao adolescente ou ao interdito,
deve ser comunicado aos responsáveis o estritamente essencial para se
promoverem medidas em seu benefício.
“rt.
- “ utilização de quaisquer meios de registro e observação da
prática psicoĺgica obedecerá às normas deste Ćdigo e a legislação
proissional vigente, devendo o usuário ou beneiciário, desde o início,
ser informado CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p.
.
O “rt. º apresenta a deinição de sigilo, que ́ a proteção atrav́s da
norma da conidencialidade, das informações de usuários ou instituições, obtidas
no exercício da proissão. Sua obrigatoriedade ́ um dos pilares da atividade
proissional do psićlogo. Conidencialidade ́ uma palavra que procede da palavra
coniança , ou seja, o usuário relata informações da sua intimidade porque conia
que o psićlogo irá mantê-las sob sigilo GOLDIM, PROT“S,
.
Entretanto, existem situações que podem demandar a quebra do sigilo e o
Ćdigo, no “rt. , estabelece essa possibilidade quando surgirem conlitos entre
a regra de manter a conidencialidade das informações, mas que são confrontadas
com os princípios fundamentais previstos no pŕprio Ćdigo de Ética Proissional
do Psićlogo. “ decisão sobre a quebra do sigilo deve se pautar na busca do menor
prejuízo. Este ́ o caso da notiicação às autoridades competentes de situações
em que o psićlogo suspeite de violência ou maus-tratos a crianças, adolescentes
ou idosos, conforme tamb́m previsto no Estatuto da Criança e do “dolescente
e do Estatuto do Idoso. No entanto, se você vivenciar uma situação que ique
em dúvida sobre a quebra ou não do sigilo proissional, procure o Conselho
Regional de Psicologia, que dispõe, atrav́s da COF, de proissionais habilitados a
auxiliar na tomada de decisão de forma crítica e fundamentada PSI JORN“L DE
PSICOLOGI“,
.
211
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
E o que fazer com materiais sigilosos do psićlogo em casos de suspensão
ou encerramento do serviço, seja por questões da instituição ou por morte do
psićlogo? “companhe o que o “rt.
diz a esse respeito
“rt.
- Em caso de interrupção do trabalho do psićlogo,
por quaisquer motivos, ele deverá zelar pelo destino dos seus
arquivos conidenciais.
§ ° - Em caso de demissão ou exoneração, o psićlogo deverá
repassar todo o material ao psićlogo que vier a substituí-lo, ou
lacrá-lo para posterior utilização pelo psićlogo substituto.
§ ° - Em caso de extinção do serviço de Psicologia, o psićlogo
responsável informará ao Conselho Regional de Psicologia,
que providenciará a destinação dos arquivos conidenciais
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p.
.
UNI
EXEMPLO DE CASO DAS PROVIDÊNCIAS QUE DEVEM SER TOMADAS DIANTE DO
DESLIGAMENTO DO PSICÓLOGO DE UMA INSTITUIÇÃO.
A responsável técnica pelos serviços de Psicologia de uma clínica queixa-se de que o psicólogo
que trabalhou lá solicitou desligamento e partiu não finalizando seus atendimentos: não concluiu
relatórios de avaliação e não entregou prontuários e folhas de testes aplicados, comprometendo
os atendidos. Os pais de crianças atendidas informaram ter recebido e-mail do profissional
comunicando o desligamento. O psicólogo explica que comunicou seu desligamento à
clínica e conversou com as pessoas atendidas por ele. Entretanto, foi impedido de fazer os
desligamentos pela responsável técnica, que alegou que os pacientes eram da clínica, e não
dele. Afirma que terminou e encaminhou os relatórios e folhas dos testes; e entregou todos os
prontuários da clínica, sendo que a responsável técnica assinou confirmação de recebimento.
A Resolução CFP 07/03 e a Resolução CFP 01/09 estabelecem ser necessária a guarda de
material decorrente da prestação de serviços psicológicos pelo prazo mínimo de cinco anos.
Caso o(a) psicólogo(a) se desligue de uma instituição, ele(a) deverá repassar o material ao
profissional que irá substitui-lo. Caso não haja substituto(a), o material deverá ser lacrado
para posterior utilização pelo psicólogo(a) que for contratado(a) (Art. 15 do Código de Ética).
Neste caso, recomenda-se ao(à) psicólogo(a) solicitar ao(à) responsável a assinatura de um
Termo de Compromisso pela guarda e manutenção do material em sigilo. Se for prontuário
multiprofissional, outro(a) técnico(a) da equipe assume a responsabilidade. É imprescindível o
zelo com o encaminhamento das pessoas atendidas, considerando o melhor benefício a elas,
realizando encaminhamentos apropriados, fazendo fechamento do atendimento. Neste caso,
o psicólogo apresentou provas que comprovaram a entrega das documentações remetidas
à instituição e familiares responsáveis. Nesses documentos constam orientações quanto à
continuidade necessária a ser dada pelo profissional que vier a assumir os atendimentos. O
procedimento ético foi arquivado.
FONTE: PSI Jornal da Psicologia, (jan./fev., 2012). Disponível em: <http://www.crpsp.org.br/
portal/comunicacao/jornal_crp/171/frames/fr_questoes_eticas.aspx>. Acesso em: 15 jul. 2017.
212
TÓPICO 2 | CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
O Ćdigo de Ética tamb́m aborda a participação dos psićlogos em
pesquisas cientíicas, conforme o indicado nos artigos subsequentes
“rt.
- O psićlogo, na realização de estudos, pesquisas e atividades
voltadas para a produção de conhecimento e desenvolvimento de
tecnologias
a “valiará os riscos envolvidos, tanto pelos procedimentos, como
pela divulgação dos resultados, com o objetivo de proteger as pessoas,
grupos, organizações e comunidades envolvidas.
b Garantirá o caráter voluntário da participação dos envolvidos,
mediante consentimento livre e esclarecido, salvo nas situações previstas
em legislação especíica e respeitando os princípios deste Ćdigo.
c Garantirá o anonimato das pessoas, grupos ou organizações, salvo
interesse manifesto destes.
d Garantirá o acesso das pessoas, grupos ou organizações aos resultados
das pesquisas ou estudos, aṕs seu encerramento, sempre que assim o
desejarem.
“rt.
- Caberá aos psićlogos docentes ou supervisores esclarecer,
informar, orientar e exigir dos estudantes a observância dos princípios
e normas contidos neste Ćdigo.
“rt.
- O psićlogo não divulgará, ensinará, cederá, emprestará ou
venderá a leigos instrumentos e t́cnicas psicoĺgicas que permitam
ou facilitem o exercício ilegal da proissão CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p.
.
Devemos aqui aprender mais sobre a já citada Resolução do CNS
/
.
Este documento tem por objetivo estabelecer princípios ́ticos e normas para
regulamentar as pesquisas envolvendo seres humanos e foi constituído pelo
Minist́rio da Saúde tomando como base tratados internacionais, como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de
, a Declaração Internacional sobre os Dados
Geńticos Humanos de
e a Declaração Universal sobre ”iótica e Direitos
Humanos de
, dentre outros. Suas diretrizes ́ticas são estabelecidas mediante
a ponderação de que toda pesquisa envolve riscos e benefícios aos envolvidos
e por isso deve ser apreciada por um Comitê de Ética em Pesquisa antes de ser
iniciada. “ resolução prevê a necessidade de consentimento livre e esclarecido
por parte do participante da pesquisa e, em casos de crianças, adolescentes e
incapazes, aĺm do consentimento livre e esclarecido dos responsáveis, tamb́m
solicita o termo de assentimento, que deve ser produzido em linguagem acessível
ao sujeito da pesquisa. Tamb́m devem estar garantidos os sigilos e a privacidade
das informações MINISTÉRIO D“ S“ÚDE,
.
DICAS
Para obter a Resolução 466/2012 na íntegra, acesse o site: <http://bvsms.saude.
gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html>. Acesso em: 15 jul. 2017.
213
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Com relação à participação em veículos de comunicação ou publicidade de
seus serviços, observe os seguintes artigos
“rt.
- O psićlogo, ao participar de atividade em veículos de
comunicação, zelará para que as informações prestadas disseminem o
conhecimento a respeito das atribuições, da base cientíica e do papel
social da proissão.
“rt.
- O psićlogo, ao promover publicamente seus serviços, por
quaisquer meios, individual ou coletivamente
a Informará o seu nome completo, o CRP e seu número de registro.
b Fará referência apenas a títulos ou qualiicações proissionais que
possua.
c Divulgará somente qualiicações, atividades e recursos relativos a
t́cnicas e práticas que estejam reconhecidas ou regulamentadas pela
proissão.
d Não utilizará o preço do serviço como forma de propaganda.
e Não fará previsão taxativa de resultados.
f Não fará autopromoção em detrimento de outros proissionais.
g Não proporá atividades que sejam atribuições privativas de outras
categorias proissionais.
h Não fará divulgação sensacionalista das atividades proissionais
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p.
.
Coerente com os demais artigos, o Ćdigo de Ética salienta a
responsabilidade ́tica do psićlogo nas informações prestadas em veículos de
comunicação, pois devem contribuir para a eliminação de discriminação, violência
e o acesso da população ao conhecimento da ciência psicoĺgica e de serviços,
conforme destacado nos Princípios Fundamentais. Tamb́m deve assegurar-se de
que o ato não colocará em risco a conidencialidade de informações de pessoas ou
organizações.
O Ćdigo lembra ainda que ao fazer anúncios dos seus serviços, o psićlogo
deve informar obrigatoriamente seu nome completo, o CRP em que está inscrito
e o seu número de registro, não podendo fazer propaganda baseada no preço dos
serviços oferecidos ou em títulos e especialidades que não possua. Outra grande
preocupação e motivo de denúncias nos Conselhos Regionais ́ associar o título
de psićlogo com práticas não reconhecidas ou regulamentadas pelo CRP. Essa
norma, como já vimos, tamb́m está explícita no “rt. º, alínea f .
“inda sobre este tema, a Resolução CFP nº
/
disciplina a oferta
de serviços psicoĺgicos e produtos ao público. “ norma determina que, aĺm do
Ćdigo de Ética, o psićlogo deve nortear suas ações tamb́m pelo estabelecido no
Ćdigo de Proteção e Defesa do Consumidor em relação aos direitos básicos do
consumidor e sobre a publicidade.
3.3 DISPOSIÇÕES GERAIS
Como visto, um Ćdigo de Ética Proissional ́ um ćdigo de condutas
e por isso determina normas que regulam as atividades de uma determinada
proissão. Com o estabelecimento das normas tamb́m ́ necessário apontar quais
214
TÓPICO 2 | CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO
as penalidades a serem impostas àqueles que as infringirem. Desta forma, os
últimos artigos do Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo vão proferir quais
são as punições diante das infrações disciplinares, a saber
“rt.
- “s transgressões dos preceitos deste Ćdigo constituem
infração disciplinar com a aplicação das seguintes penalidades, na
forma dos dispositivos legais ou regimentais
a “dvertência.
b Multa.
c Censura pública.
d Suspensão do exercício proissional, por at́
trinta dias, ad
referendum do Conselho Federal de Psicologia.
e Cassação do exercício proissional, ad referendum do Conselho Federal
de Psicologia.
“rt.
- “s dúvidas na observância deste Ćdigo e os casos omissos
serão resolvidos pelos Conselhos Regionais de Psicologia, ad referendum
do Conselho Federal de Psicologia.
“rt.
- Competirá ao Conselho Federal de Psicologia irmar
jurisprudência quanto aos casos omissos e fazê-la incorporar a este
Ćdigo.
“rt.
- O presente Ćdigo poderá ser alterado pelo Conselho Federal
de Psicologia, por iniciativa pŕpria ou da categoria, ouvidos os
Conselhos Regionais de Psicologia.
“rt.
- Este Ćdigo entra em vigor em
de agosto de
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p.
.
O “rt.
estabelece quais são as penalidades previstas, inclusive estipula
que a suspensão do exercício proissional por at́
dias e a cassação do exercício
proissional são aplicadas mediante aprovação do Conselho Federal de Psicologia.
“ssim, como vimos na Lei .
/ , compete aos Conselhos Regionais de Psicologia
receber as representações ́ticas contra psićlogos, funcionando como tribunais
regionais de ́tica. Cabendo recurso, compete ao CFP a decisão inal dos processos,
bem como aplicação da suspensão ou cassação do exercício proissional, pois ele
atua como tribunal superior de ́tica quanto ao exercício proissional do psićlogo.
“ĺm disso, o Ćdigo de Ética tamb́m prevê que conv́m ao CFP, nos casos não
mencionados no presente Ćdigo, dirimir quaisquer dúvidas e preencher lacunas
existentes por meio da elaboração de normas adequadas.
Diante do exposto, você deve ter percebido que o “rt.
não deixa claro
como proceder nos casos de transgressões disciplinares at́ a aplicação da multa.
Para resolver situações como essa, o CFP e tamb́m os Conselhos Regionais
fazem uso de resoluções visando regulamentar situações não previstas no Ćdigo
e leis, como ́ o caso da Resolução CFP nº
/
, que instituiu o Ćdigo de
Processamento Disciplinar, o qual passaremos a estudar agora.
4 CÓDIGO DE PROCESSAMENTO DISCIPLINAR
“nterior ao Ćdigo de Processamento Disciplinar aprovado em
pelo CFP, já existiram outras resoluções para regulamentar os processos ́ticos
instaurados e, assim como vimos com o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo,
215
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
essas regras e normas vão sendo modiicadas buscando sempre o aperfeiçoamento
das ações e o atendimento da demanda dos psićlogos e sociedade. O atual Ćdigo
de Processamento Disciplinar determina nos seus três primeiros artigos que
“rt. º - “s faltas disciplinares e infrações ao Ćdigo de Ética praticadas
por psićlogos, no exercício proissional ou no cargo de Conselheiro,
serão apuradas em todo territ́rio nacional, pelos Conselhos de
Psicologia, nos termos do presente Ćdigo.
“rt. º - Os processos disciplinares serão iniciados mediante
representação de qualquer interessado ou, de ofício, pelos Conselhos de
Psicologia, por iniciativa de qualquer de seus ́rgãos internos ou de seus
Conselheiros, efetivos ou suplentes. “rt. º - Os processos disciplinares
ordinário, funcional e ́tico e os procedimentos a serem adotados em
cada caso seguirão o disposto neste Ćdigo CONSELHO FEDER“L
DE PSICOLOGI“,
.
Desta maneira, estabelece, como já visto, que qualquer pessoa pode fazer
uma representação junto a um Conselho Regional sobre o exercício proissional de
um psićlogo, que fará a apuração dela de acordo com a área de abrangência da
sua Regional.
Embora estejamos aqui estudando sobre as questões ́ticas, o supracitado
Ćdigo faz uma divisão dos processos disciplinares em ordinário, funcional e ́tico.
O processo disciplinar ordinário apura infrações de natureza administrativa, como
o exemplo dado do psićlogo que não faz sua inscrição secundária ao trabalhar
por mais de
dias em territ́rio de outro Conselho Regional que não o da sua
inscrição principal. O processo disciplinar funcional averigua situações praticadas
por conselheiro no exercício do cargo. E, por último, o processo disciplinar ́tico
investiga faltas e infrações ao Ćdigo de Ética CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
.
“o longo da Resolução estão detalhadas todas as etapas que devem ser
seguidas, desde a fase preliminar, passando pela fase de instrução at́ o julgamento.
Conv́m apontar que nem sempre uma representação ou denúncia chega a se
tornar um processo ́tico, pois pode ocorrer que ainda na fase preliminar se chegue
à conclusão de que não houve infração. Em todas as etapas se busca garantir a
imparcialidade e lisura, bem como a ampla defesa do psićlogo. O conteúdo do
processo ́ de caráter sigiloso, ou seja, apenas as partes e seus procuradores podem
ter acesso aos autos PSI JORN“L DE PSICOLOGI“,
.
DICAS
O Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina – 12ª Região, tem disponível
na sua página um fluxograma do código de processamento disciplinar que você pode acessar
através do link: <http://www.crpsc.org.br/ckfinder/userfiles/files/Fluxograma%20CPD(1).pdf>.
Acesso em: 15 jul. 2017.
216
“ṕs transcorrido todo o processo legal, são aplicadas as penalidades já
conhecidas, e em casos de reincidência na mesma mat́ria, dentro de um período
de dois anos, a penalização tende a ser mais rigorosa.
“inda sobre as penalidades, o Ćdigo de Processamento Disciplinar dispõe
que a advertência ́ aplicada em caráter conidencial, visto que um processo ́tico
tamb́m tem função orientadora. No tocante a censura pública, a suspensão e a
cassação do exercício proissional, o “rt.
aponta que
§ º - “ censura pública, a suspensão e a cassação do exercício
proissional serão publicadas em Diário Oicial, jornais ou boletins
do Conselho Regional e aixados na sua sede onde estiver inscrito o
psićlogo processado e nas suas Seções.
§ º - “ publicação tamb́m deverá ser feita na localidade onde ocorreu
o fato e onde reside o psićlogo processado, caso não coincidam
com as referidas no parágrafo anterior CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
.
“ Resolução ainda prevê que os Conselhos têm o dever de informar, quando
solicitados, sobre a existência de processos julgados com penalidades públicas
aplicadas, assim como tamb́m devem iscalizar se as penalidades estão sendo
cumpridas, especialmente quando da cassação. “inda sobre esta penalidade, o
psićlogo somente pode pedir a reabilitação e novamente poder exercer a proissão,
aṕs decorrido o prazo de cinco anos da decisão, que será deferida ou não pelo
Plenário, aṕs ouvida a Comissão de Ética.
DICAS
Para saber mais sobre o Código de Processamento Disciplinar, acesse a Resolução
CFP nº 006/2007, que está disponível no site do CFP: <http://site.cfp.org.br/wp-content/
uploads/2012/07/resolucao2007_6.pdf>.
217
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que
• Deontologia ́ o estudo dos deveres, das condutas proissionais. Ćdigos de
Ética tamb́m são conhecidos como ćdigos deontoĺgicos. Um Ćdigo de
conduta tem por objetivo estabelecer os princípios que os proissionais devem
utilizar como referência para suas ações.
• Ética proissional ́ a aplicação da ́tica ao exercício proissional e se articula
com a deontologia. “ práxis do proissional deve estar alicerçada em uma
relexão ilośica que deina sua concepção de mundo e, consequentemente,
seu comportamento ́tico.
• Os psićlogos já tiveram alguns ćdigos que foram sendo reformulados para
atender às demandas e interesses dos proissionais e da sociedade. “ṕs a
criação do Sistema Conselhos, em
, foram aprovados os seguintes Ćdigos
em
, o primeiro Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo, tendo sido
apresentada nova versão em
. Em
tivemos um novo Ćdigo na ocasião
da comemoração dos anos de regulamentação da proissão no ”rasil. O atual
Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo foi aprovado em
, aṕs ampla
discussão que envolveu todos os Conselhos Regionais de Psicologia do país.
• O atual Ćdigo de Ética foi aprovado e está disposto na Resolução CFP nº
/
.
Dispõe sete Princípios Fundamentais e artigos e traz uma apresentação onde
enfatiza seu compromisso com os Direitos Humanos estabelecidos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de
.
• Os artigos do Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo são divididos nos
seguintes temas ao falar sobre as responsabilidades do psićlogo expressos em
deveres fundamentais e o que ́ vedado ao psićlogo, aĺm de tratar sobre a
remuneração, da participação de greves ou paralisações, do relacionamento com
proissionais não psićlogos e com outros psićlogos, trata tamb́m sobre o sigilo
proissional, do zelo pelos arquivos conidenciais em situações de interrupção
do trabalho do psićlogo e da publicidade dos serviços psicoĺgicos.
• “s penalidades aplicadas em casos de transgressões do Ćdigo de Ética são
advertência, multa, censura pública, suspensão do exercício proissional por at́
dias e cassação do exercício proissional.
• Todas as etapas de um processo disciplinar estão descritas na Resolução do CFP
nº
/
, no Ćdigo de Processamento Disciplinar.
218
AUTOATIVIDADE
Em que ano foi aprovado o Ćdigo de Ética Proissional de Psićlogo
vigente? Seus valores estão embasados em qual documento internacional?
Quantos são seus Princípios Fundamentais? Cite um deles
Cite quatro condutas que são vedadas ao psićlogo de acordo com o Ćdigo
de Ética Proissional do Psićlogo
O que o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo dispõe sobre o sigilo
proissional? Em que situações o psićlogo pode decidir pela quebra de
sigilo?
Quais são as penalidades previstas diante de transgressão dos preceitos
determinados no Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo?
219
220
TÓPICO 3
UNIDADE 3
RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA
1 INTRODUÇÃO
Para orientar e disciplinar o exercício proissional do psićlogo e tamb́m
informar a sociedade sobre a Psicologia enquanto ciência e proissão com
compromisso ́tico, o CFP precisa contar com uma legislação que respalde suas
decisões. Essa atribuição lhe ́ imputada pela Lei .
/
, descrita no “rt. º,
nas seguintes alíneas
b orientar, disciplinar e iscalizar o exercício da proissão de psićlogo
c expedir as resoluções necessárias ao cumprimento das leis em
vigor e das que venham modiicar as atribuições e competências dos
proissionais de Psicologia
e elaborar e aprovar o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo
f funcionar como tribunal superior de ́tica proissional
g servir de ́rgão consultivo em mat́ria de Psicologia
n propor ao poder competente alterações da legislação relativa ao
exercício da proissão de psićlogo ”R“SIL,
.
Em conformidade a essas prerrogativas, o CFP e os Conselhos Regionais
elaboram resoluções, que nada mais são do que atos normativos que visam
disciplinar mat́rias especíicas. Em outras palavras, resoluções são normas
aprovadas pelo Sistema Conselhos que devem ser cumpridas pelos psićlogos, pois
para a categoria tais regras têm força de lei. “ criação de uma resolução envolve
discussões regionais da categoria, que são pleiteadas a partir da ocorrência de um
problema percebido na atuação proissional ou demanda social. “s resoluções
buscam acompanhar as transformações relacionadas à atuação do a psićlogo a ,
sendo a categoria incluída frequentemente nos debates realizados com esse im
CONSELHO REGION“L DE PSICOLOGI“ DE SÃO P“ULO,
, p.
Neste t́pico iremos apresentar as principais deliberações do Sistema
Conselhos. Estas não serão descritas na íntegra, somente serão apontadas as
principais características delas com o objetivo de informar e despertar o seu interesse
para que você possa acessá-las na íntegra atrav́s do site do CFP e dos Conselhos
Regionais. É importante que você tamb́m saiba que manter-se atualizado ́ um
dever de todo psićlogo, conforme estabelece o Ćdigo de Ética Proissional do
Psićlogo
. “ssim, procure sempre acompanhar as discussões da categoria
atrav́s do Sistema Conselhos e as atualizações da legislação vigente.
221
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Para facilitar a compreensão e a busca por determinado assunto de
interesse, as resoluções foram agrupadas de acordo com temas e estão classiicadas
da seguinte forma
•
•
•
•
•
•
•
Registro Proissional
Título de Especialista
Preconceito e Orientação Sexual
Psicoterapia
“valiação Psicoĺgica
Testes Psicoĺgicos
Registro Documental e Prontuário
2 REGISTRO PROFISSIONAL
De acordo com a Lei .
/
, para ser um psićlogo ́ obrigat́ria a
conclusão do Curso de Formação de Psićlogo. No entanto, para exercer atividades
como psićlogo, ́ exigido que o proissional faça sua inscrição no Conselho
Regional de Psicologia, conforme “rt.
da Lei .
/
Todo proissional de
Psicologia, para o exercício da proissão, deverá inscrever-se no Conselho Regional
de sua área de ação ”R“SIL,
.
No T́pico você já aprendeu sobre o registro proissional de psićlogo,
tais como quais os documentos que devem ser encaminhados ao Conselho
Regional de Psicologia CRP da sua região, visando a inscrição no Conselho da
categoria. São os CRPs que têm a atribuição de inscrever e manter atualizados os
registros proissionais dos psićlogos, de acordo com o Decreto nº .
/
,
que regulamenta a Lei .
, de
. No caso de psićlogos rećm-formados, que
ainda não possuem o Diploma de Formação de Psićlogo, estes podem solicitar sua
inscrição mediante a apresentação do Certiicado de Colação de Grau do Curso de
Psicologia. O psićlogo terá dois anos para substituir o Certiicado de Colação de
Grau pelo Diploma de Formação de Psićlogo. Nesse tempo, receberá uma carteira
de identidade proissional proviśria que será substituída pela deinitiva assim
que a documentação adequada for apresentada ao CRP.
“gora, no caso de o psićlogo deixar de exercer a proissão, ele pode
solicitar o cancelamento do seu registro no CRP. Seu número de registro poderá
ser reativado a qualquer momento por solicitação do psićlogo, tão logo retome a
proissão.
Da mesma forma, empresas que oferecem serviços de Psicologia como
atividade principal tamb́m devem solicitar a inscrição no CRP como pessoa
jurídica, estando tamb́m sujeitas ao pagamento da anuidade.
Tamb́m já vimos no T́pico que, caso um psićlogo exerça por mais de
dias atividades proissionais em outra regional, deve requerer sua inscrição
secundária, que não terá ônus inanceiro. No entanto, se o motivo for mudança de
222
TÓPICO 3 | RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
endereço proissional, o psićlogo deve solicitar a transferência de registro do seu
CRP de origem para o CRP de destino.
Toda essa legislação detalhada você encontra nas Resoluções CFP
/
e
/
, que dispõem sobre a Consolidação das Resoluções do CFP. Este
documento delineia tamb́m sobre a arrecadação das anuidades, taxas e multas e
a sua distribuição no Sistema Conselhos.
E
IMPORTANT
A Resolução do CFP nº 003/2007, enquanto Consolidação das Resoluções do
CFP, traz normatizações importantes para a categoria, por exemplo, o conceito das funções
consideradas privativas do psicólogo. Esses termos, algumas vezes são usados de forma
indiscriminada ou causam confusão, por isso observe suas definições:
Art. 2º - Os métodos e as técnicas psicológicas utilizados no exercício das funções privativas
do psicólogo a que se refere o § 1º do art. 13 da Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, são
entendidos da seguinte forma:
I - MÉTODO – conjunto sistemático de procedimentos orientados para fins de produção ou
aplicação de conhecimentos;
II - TÉCNICA – entende-se como toda atividade específica, coerente com os princípios gerais
estabelecidos pelo método;
III – MÉTODOS PSICOLÓGICOS – conjunto sistemático de procedimentos aplicados à
compreensão e intervenção em fenômenos psíquicos nas suas interfaces com os processos
biológicos e socioculturais, especialmente aqueles relativos aos aspectos intra e interpessoais;
IV – DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO - é o processo por meio do qual, por intermédio de métodos
e técnicas psicológicas, se analisa e se estuda o comportamento de pessoas, de grupos, de
instituições e de comunidades, na sua estrutura e no seu funcionamento, identificando-se as
variáveis nele envolvidas;
V – ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL - é o processo por meio do qual, por intermédio de métodos
e técnicas psicológicas, se investigam os interesses, aptidões e características de personalidade
do consultante, visando proporcionar-lhe condições para a escolha de uma profissão;
VI – SELEÇÃO PROFISSIONAL - é o processo por meio do qual, por intermédio de métodos
e técnicas psicológicas, se objetiva diagnosticar e prognosticar as condições de ajustamento
e desempenho da pessoa a um cargo ou atividade profissional, visando a alcançar eficácia
organizacional e procurando atender às necessidades comunitárias e sociais;
VII - ORIENTAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA - é o processo por meio do qual, por intermédio de
métodos e técnicas psicológicas, proporcionam-se condições instrumentais e sociais que
facilitem o desenvolvimento da pessoa, do grupo, da organização e da comunidade, bem
como condições preventivas e de solução de dificuldades, de modo a atingir os objetivos
escolares, educacionais, organizacionais e sociais;
VIII - SOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE AJUSTAMENTO - é o processo que propicia condições
de autorrealização, de convivência e de desempenho para o indivíduo, o grupo, a instituição
e a comunidade, mediante métodos psicológicos preventivos, psicoterápicos e de reabilitação
(CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA, 2007).
Outra norma que diz respeito ao registro proissional ́ a Resolução CFP
/
. Esta deliberação dispõe no seu “rt. º que ́ assegurado às pessoas
transexuais e travestis o direito à escolha de tratamento nominal a ser inserido no
campo observação da Carteira de Identidade Proissional do Psićlogo, por meio
223
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
da indicação do nome social CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.“
decisão se estende à assinatura de documentos psicoĺgicos ou na publicização
do seu trabalho, que deve ser acompanhado de seu nome e número de registro
proissional.
3 TÍTULO DE ESPECIALISTA
Se um psićlogo desejar registrar sua especialidade proissional na sua
Carteira de Identidade Proissional, esta pode ser concedida pelo Conselho de
Psicologia aṕs decorridos dois anos de inscrição no CRP. Para isto, o interessado
precisa atender alguns crit́rios que foram regulamentados atrav́s da Resolução
CFP nº
/
. No entanto, observe o que está explicitado no “rt.
O título de
especialista em Psicologia ́ uma referência à maior dedicação do proissional na
área da especialidade, não se constituindo condição para o exercício proissional
de psićlogo CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
. “ssim, a obtenção
do título de especialista não ́ obrigat́ria, no entanto, ele qualiica sua formação
proissional, reconhecendo a área de especialidade de atuação do psićlogo.
Embora existam muitas especialidades na Psicologia, at́ o momento foram
regulamentadas somente as que se seguem
“rt. º - “s especialidades a serem concedidas são as seguintes
I - Psicologia Escolar/Educacional
II - Psicologia Organizacional e do Trabalho
III - Psicologia de Trânsito
IV - Psicologia Jurídica
V - Psicologia do Esporte
VI - Psicologia Clínica
VII - Psicologia Hospitalar
VIII - Psicopedagogia
IX - Psicomotricidade
X - Psicologia Social
XI - Neuropsicologia
“rt. º - Novas especialidades poderão ser regulamentadas, pelo CFP,
sempre que sua produção térica, t́cnica e institucionalização social
assim as justiiquem CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
,
p. .
Conforme descrito no referido documento, outras especialidades podem
ser reconhecidas pelo Sistema Conselhos. Foi o que aconteceu em
, atrav́s da
Resolução CFP nº /
, que reconheceu a especialidade Psicologia em Saúde
em seu rol.
Os psićlogos poderão solicitar o registro de at́ dois títulos de especialistas,
podendo tamb́m solicitar a substituição de um título por outro e, at́ mesmo, o
cancelamento da especialidade. Para obtenção da titularidade, o psićlogo deve
atender a um dos seguintes requisitos conclusão de cursos de especialização
credenciados pelo CFP ou credenciados pelo MEC ou aprovação em concurso de
224
TÓPICO 3 | RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
provas e títulos e comprovação de dois anos de experiência proissional. Sobre o
concurso, cabe ressaltar que ele ́ realizado uma vez por ano pelo CFP para todas
as especializações regulamentadas.
DICAS
Para saber sobre os editais, provas e gabaritos do concurso de provas e títulos do
CFP e/ou outras formas de obtenção do Título de Especialista em Psicologia, acompanhe o site
do CFP, através do link: <http://site.cfp.org.br>. Acesso em: 15 jul. 2017.
4 PRECONCEITO E ORIENTAÇÃO SEXUAL
Um assunto que merece destaque no estudo da conduta ́tica do psićlogo ́ a
preocupação do Sistema Conselhos com o enfrentamento do racismo, preconceitos
́tnicos e a homofobia. Tanto que a categoria possui duas deliberações que tratam
desses temas. “ primeira delas, a Resolução CFP nº
/
, estabelece normas de
atuação para os psićlogos em relação à questão da Orientação Sexual. Dentre seus
artigos, salientamos os seguintes
“rt. ° - Os psićlogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para
uma relexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações
e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou
práticas homoeŕticas.
“rt. ° - Os psićlogos não exercerão qualquer ação que favoreça a
patologização de comportamentos ou práticas homoeŕticas, nem
adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para
tratamentos não solicitados.
Parágrafo único - Os psićlogos não colaborarão com eventos e serviços
que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
“rt. ° - Os psićlogos não se pronunciarão, nem participarão de
pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa,
de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação
aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
O segundo expediente que mencionaremos aqui ́ a Resolução CFP nº
/
, que estabelece normas de atuação para os psićlogos em relação ao
preconceito e à discriminação racial e deixa explícito no “rt. º que Os psićlogos
não exercerão qualquer ação que favoreça a discriminação ou preconceito de raça
ou etnia CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
. “ norma vale tamb́m
para instrumentos ou t́cnicas psicoĺgicas que não devem ser utilizados para
gerar ou reforçar esterétipos ou discriminação racial.
Essas duas resoluções vão ao encontro do discutido no t́pico anterior
sobre os Princípios Fundamentais estabelecidos no Ćdigo de Ética Proissional
do Psićlogo. Como vimos, este documento versa o compromisso de toda a
225
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
categoria para com os valores que norteiam os Direitos Humanos, tais como a
liberdade, dignidade, igualdade e a integridade do ser humano. Lembrando ainda
que o trabalho do psićlogo, aĺm de ter como objetivo a promoção da saúde e
qualidade de vida, deve contribuir para eliminar quaisquer formas de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
“ necessidade de relexão e de defesa dos Direitos Humanos ́ o que
motivou o CFP a criar, em
, uma Comissão de Direitos Humanos do CFP em
caráter permanente e tamb́m nos Conselhos Regionais. Essa comissão atua em
diversas frentes, com destaque, aĺm dos temas abordados nas resoluções referidas,
ao enfrentamento da violência de Estado e da tortura e tamb́m sobre os direitos e
assistência aos usuários de drogas e suas famílias JORN“L DO FEDER“L,
.
5 PSICOTERAPIA
Embora a psicoterapia seja conhecida como uma prática tradicional do
psićlogo, vimos que a Lei nº .
/
, que regulamenta a formação e a proissão
do psićlogo, não considera esta atividade como função privativa da categoria.
Entretanto, com o objetivo de respaldar a atuação do psićlogo
psicoterapeuta, bem como zelar pelo usuário desse serviço, o CFP aprovou a
Resolução
/
, que qualiica a psicoterapia como prática do psićlogo. No
“rt. º está especiicado
“ Psicoterapia ́ prática do psićlogo por se constituir, t́cnica e
conceitualmente, um processo cientíico de compreensão, análise
e intervenção que se realiza atrav́s da aplicação sistematizada e
controlada de ḿtodos e t́cnicas psicoĺgicas reconhecidos pela
ciência, pela prática e pela ́tica proissional, promovendo a saúde
mental e propiciando condições para o enfrentamento de conlitos e/ou
transtornos psíquicos de indivíduos ou grupos CONSELHO FEDER“L
DE PSICOLOGI“,
.
5.1 USO DA HIPNOSE COMO RECURSO AUXILIAR DE
TRABALHO DO PSICÓLOGO
“tendendo ao disposto na norma citada, assim como o estabelecido no
Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo de somente utilizar teorias e t́cnicas que
sejam reconhecidas ou regulamentadas pela legislação proissional, o CFP editou
a Resolução nº
/
, que trata do uso da hipnose, determinando o seguinte
“rt. º - O uso da hipnose inclui-se como recurso auxiliar de trabalho
do psićlogo, quando se izer necessário, dentro dos padrões ́ticos,
garantidos a segurança e o bem-estar da pessoa atendida.
226
TÓPICO 3 | RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
“rt. º - O psićlogo poderá recorrer à hipnose, dentro do seu campo de
atuação, desde que possa comprovar capacitação adequada, de acordo
com o disposto na alínea a do artigo º do Ćdigo de Ética Proissional
do Psićlogo.
“rt. º - É vedado ao psićlogo a utilização da hipnose como instrumento
de mera demonstração fútil ou de caráter sensacionalista ou que crie
situações constrangedoras às pessoas que estão se submetendo ao
processo hipńtico.
Esse debate suscita muitas dúvidas de quais são as práticas consideradas
regulamentadas pelo CFP, aĺm da hipnose. O entendimento ́ de que devem ser
seguidas as orientações da Resolução CFP nº
/
e
/
, que estabelecem
os crit́rios para pesquisa, divulgação, publicidade e o exercício proissional do
psićlogo de práticas em desacordo com crit́rios cientíicos estabelecidos na
ciência psicoĺgica. “ legislação recomenda que a utilização delas seja feita em
caráter experimental, com a devida aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa
CONSELHO REGION“L DO RIO DE J“NEIRO,
.
UNI
A PRÁTICA DA ACUPUNTURA PELO PSICÓLOGO
A Resolução CFP nº 005/2002, que dispunha sobre a prática da acupuntura como prática
complementar do psicólogo, foi anulada após decisão do STF. O entendimento do tribunal
é que, diante da inexistência de lei específica para o exercício da acupuntura, sua prática é
livre para todas as categorias. Para saber mais sobre esse tema, acesse: <http://site.cfp.org.br/
acupuntura-2/>. Acesso em: 15 jul. 2017.
5.2 SERVIÇOS PSICOLÓGICOS REALIZADOS POR MEIOS
TECNOLÓGICOS DE COMUNICAÇÃO A DISTÂNCIA
Devido à atual facilidade de acesso à internet e as possibilidades de
comunicação que essa ferramenta proporcionou, bem como a discussão pela
categoria e da sociedade sobre o uso dessa ferramenta por proissionais da
Psicologia, o CFP, por meio da Resolução nº
/
, regulamentou a oferta de
serviços psicoĺgicos por meios tecnoĺgicos de comunicação a distância e, em
caráter experimental, o atendimento psicoterapêutico.
Primeiro ́ preciso discriminar que a resolução supracitada entende por
meios de comunicação a distância todas as mediações computacionais com
acesso à internet, por meio de televisão a cabo, aparelhos telefônicos, aparelhos
conjugados ou híbridos, ou qualquer outro modo de interação que possa vir a ser
implementado CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
227
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
“ Resolução
/
está dividida em duas partes. “ primeira especiica
quais os serviços psicoĺgicos que podem ser realizados atrav́s dos referidos
equipamentos e a quantidade de contatos virtuais. São eles
I - “s orientações psicoĺgicas de diferentes tipos, entendendo-se por
orientação o atendimento realizado em at́
encontros ou contatos
virtuais, síncronos ou assíncronos.
II - Os processos pŕvios de seleção de pessoal.
III - “ aplicação de testes devidamente regulamentados por resolução
pertinente.
IV - “ supervisão do trabalho de psićlogos, realizada de forma eventual
ou complementar ao processo de sua formação proissional presencial.
V - O atendimento eventual de clientes em trânsito e/ou de clientes
que momentaneamente se encontrem impossibilitados de comparecer
ao atendimento presencial CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Quando a prática não for eventual, ou seja, quando a atividade for prestada
de forma regular pelo psićlogo, ́ preciso que se faça um cadastramento no site no
Conselho Regional da sua jurisdição. “ deliberação detalha que o site precisa ser
exclusivo para a oferta desse serviço, sem links para outros sites, com exceção para
os endereços eletrônico do CFP e CRP. “ Resolução tamb́m regulamenta toda a
documentação necessária para se obter essa licença.
“ segunda parte trata da possibilidade do atendimento psicoterapêutico
ser realizado à distância, por meios tecnoĺgicos de comunicação. “ permissão
para essa prática está condicionada ao caráter exclusivamente experimental, sendo
assim, por ser considerada então uma pesquisa com seres humanos, está sujeita
à aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa. Como se trata de pesquisa,
ica proibido ao participante pesquisado o recebimento de qualquer forma de
remuneração.
É importante frisar que, independentemente de ser um serviço psicoĺgico
ou atendimento psicoterapêutico, compete ao proissional garantir o sigilo das
informações, por meio de recursos tecnoĺgicos, devendo esclarecer o cliente sobre
isso, sempre respeitando os preceitos do Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo.
Os debates em torno desse assunto são vários e há necessidade de pesquisas
para a obtenção das respostas apropriadas. Por exemplo, cita-se a dúvida que se
tem em relação ao manejo em situações de crise em um atendimento à distância,
ou ainda, como diferenciar, na prática, uma orientação psicoĺgica, que pela
resolução pode ser realizada em at́
sessões de psicoterapia? No entanto, há
de se ponderar tamb́m os avanços conquistados pela sociedade com os recursos
tecnoĺgicos e a comodidade proporcionada pela internet. “s respostas para essas
perguntas poderão ser obtidas em estudos e pesquisas dessas transformações
sociais e sua discussão de forma crítica e comprometida com a ́tica e com a
sociedade CONSELHO REGION“L DE PSICOLOGI“ DO RIO DE J“NEIRO,
.
228
TÓPICO 3 | RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
6 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
“ realização de avaliação psicoĺgica ́ uma função privativa do psićlogo
e pode ser considerada como uma das atividades mais importantes e complexas do
exercício proissional. Esta prática pode ser deinida como um processo t́cnicocientíico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito
dos fenômenos psicoĺgicos, que são resultantes da relação do indivíduo com a
sociedade, utilizando-se, para tanto, de estrat́gias psicoĺgicas – ḿtodos, t́cnicas
e instrumentos CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
Realizada com indivíduos, grupos ou instituições, nos diversos campos de
atuação do psićlogo, a avaliação psicoĺgica tem por objetivo subsidiar o trabalho
do proissional. Para tanto, requer planejamento e metodologias especíicas de
acordo com a demanda e os ins aos quais se destina. Tamb́m se deve considerar
que
Os resultados das avaliações devem considerar e analisar os
condicionantes hist́ricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com
a inalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente
sobre o indivíduo, mas na modiicação desses condicionantes que
operam desde a formulação da demanda at́ a conclusão do processo de
avaliação psicoĺgica CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Visando fornecer informações téricas, metodoĺgicas e ́ticas sobre
a avaliação psicoĺgica, o CFP lançou em
uma Cartilha sobre “valiação
Psicoĺgica. O manual distingue avaliação psicoĺgica de testagem psicoĺgica,
apontando a avaliação psicoĺgica como um processo que envolve várias etapas
e busca informações em diversas fontes, como entrevistas, observações e testes
psicoĺgicos. Logo, testagem psicoĺgica pode ser entendida como uma parte
da avaliação psicoĺgica que utiliza de diferentes tipos de testes psicoĺgicos
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Não nos cabe aqui fazer um estudo detalhado sobre avaliação
psicoĺgica, mas sim apontar que esta atividade do psićlogo demanda dúvidas
e questionamentos por parte não ś da categoria, como tamb́m dos usuários
deste serviço, sendo esta prática responsável por um grande número de denúncias
́ticas nos CRPs contra os psićlogos CONSELHO REGION“L DE PSICOLOGI“
DO RIO DE J“NEIRO,
. Consciente destas questões, o Sistema Conselhos
aprovou algumas resoluções que tratam da avaliação psicoĺgica nos diversos
contextos, como a avaliação psicoĺgica para obtenção da Carteira Nacional de
Habilitação CNH , avaliação psicoĺgica para concessão de registro de arma de
fogo, a atuação como perito e assistente t́cnico no Poder Judiciário.
“s supracitadas resoluções serão descritas a seguir.
229
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
6.1 A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PARA OBTENÇÃO DA
CNH
“ Resolução CFP nº
/
institui normas e procedimentos para a
avaliação psicoĺgica no contexto do trânsito e tamb́m revoga a norma de
que versava sobre este assunto. O expediente tem por objetivo deinir exigências
mínimas de qualidade na avaliação psicoĺgica dos candidatos à CNH. Para isso,
dispõe sobre o conceito de avaliação psicoĺgica e as habilidades mínimas do
candidato à CNH, indicando que, independentemente de o condutor do veículo
automotor ter essa atividade como proissão, o candidato deve ser avaliado
quanto às suas habilidades de tomada de decisão atenção em seus diferentes
tipos , processamento de informação inteligência, meḿria, orientação espacial ,
comportamento e traços de personalidade.
Para atingir o objetivo da avaliação, o psićlogo se utiliza de instrumentos
de avaliação psicoĺgica, dentre os quais, como citados na resolução, a entrevista
psicoĺgica e testes psicoĺgicos. No dispositivo tamb́m são indicadas, de forma
detalhada, as condições necessárias para a aplicação dos testes psicoĺgicos, sua
mensuração, avaliação e orientações quanto aos resultados e a elaboração do laudo
resultante da avaliação psicoĺgica CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
“inda, no expediente da Consolidação das Resoluções do CFP, está
estabelecida a seguinte norma para atuação de psićlogos que atuam no contexto
do trânsito, segundo o “rt.
Cada psićlogo ś poderá efetuar atendimento
de, no máximo,
dez candidatos por jornada diária de oito horas de trabalho
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
6.2 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PARA REGISTRO E PORTE
DE ARMA
O psićlogo interessado em realizar avaliação para registro e porte de arma
deve atentar para a Resolução CFP nº /
e para as Resoluções nº
/
e nº
/
, que alteram alguns artigos da primeira resolução citada. Especiicamente,
a Resolução CFP nº
/
estabelece que Parágrafo único - Para atuar na área
de avaliação psicoĺgica para a concessão de registro e/ou porte de arma de fogo,
́ indispensável que o psićlogo esteja inscrito no Conselho Regional de Psicologia
de sua região e credenciado pela Polícia Federal CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
.
Observe que para oferecer este serviço psicoĺgico, o proissional
deve se credenciar na Polícia Federal. Tamb́m ́ importante que o psićlogo
conheça a legislação nacional concernente ao tema, como a Instrução normativa
do Departamento de Polícia Federal nº
, de
/ /
, que estabelece os
procedimentos para o credenciamento do proissional junto à Polícia Federal
230
TÓPICO 3 | RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
e tamb́m como deve ser realizada a avaliação psicoĺgica e o que deve estar
registrado no laudo que conclui sobre a aptidão psicoĺgica ou não, necessária para
o manuseio de arma de fogo. “inda segundo esta norma, o exercício da proissão
de vigilante exige a anterior avaliação psicoĺgica por parte de um proissional
devidamente habilitado.
Outras orientações presentes na resolução do CFP sobre a avaliação
psicoĺgica para o porte de arma tratam sobre a proibição de vínculo empregatício
com as instituições que formam ou contratam vigilantes, e sobre a devolutiva
“rt. º - “os psićlogos responsáveis pela avaliação psicoĺgica ica
vedado estabelecer qualquer vínculo com os centros de formação de
vigilantes, empresas de segurança privada, escolas de formação ou outras
empresas e instituições públicas que possa gerar conlitos de interesse
em relação aos serviços prestados. “rt. º - É de responsabilidade do
psićlogo encaminhar o resultado da avaliação ao solicitante, mediante
protocolo de recebimento, bem como garantir a entrevista devolutiva ao
candidato CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
DICAS
Para saber mais sobre o credenciamento na Polícia Federal para avaliação
psicológica para porte de arma, visite o site da Polícia Federal em: <www.dpf.gov.br>.
6.3 PSICÓLOGO COMO PERITO E ASSISTENTE TÉCNICO
Entendendo a necessidade de estabelecer diretrizes para a atuação do
psićlogo como perito nos diversos contextos, o CFP aprovou a Resolução nº
/
, que dispõe sobre a atuação do psićlogo como perito. Cabe informar
que no Decreto nº .
/
está descrito como função do psićlogo, aĺm das
já citadas aqui, realizar perícias e emitir pareceres sobre a mat́ria de psicologia
”R“SIL,
. “ssim, a resolução conceitua que o psićlogo, ao atuar como perito,
realiza uma avaliação direcionada a responder demandas especíicas, originada
no contexto pericial CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
. Observe
os seguintes artigos
“rt. º – Conforme a especiicidade de cada situação, o trabalho pericial
poderá contemplar observações, entrevistas, visitas domiciliares e
institucionais, aplicação de testes psicoĺgicos, utilização de recursos
lúdicos e outros instrumentos, ḿtodos e t́cnicas reconhecidas pela
ciência psicoĺgica, garantindo como princípio fundamental o bemestar de todos os sujeitos envolvidos.
“rt. º – O periciado deve ser informado acerca dos motivos, das t́cnicas
utilizadas, datas e local da avaliação pericial psicoĺgica.
231
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Caso o periciado seja uma criança, adolescente ou interdito, ́ necessário o
consentimento formal de pelo menos um dos responsáveis legais.
“ realização de uma perícia pode demandar atuação em equipe
multiproissional, onde devem ser respeitadas as atribuições de cada proissão,
cabendo ao psićlogo, conforme estabelecido no seu Ćdigo de Ética Proissional,
compartilhar somente as informações que foram necessárias para responder àquela
demanda. O psićlogo deve, ainda, ao comunicar os resultados, sinalizar o caráter
conidencial das informações e a responsabilidade por parte de quem as receber,
de preservar o sigilo.
Em
foi elaborada pelo CFP uma norma que dispõe especiicamente
sobre a atuação como perito e assistente t́cnico no Poder Judiciário. Trata-se da
Resolução nº
/
. Em sua apresentação, a deliberação diferencia o perito do
assistente t́cnico, informando que o perito ́ um proissional designado para
assessorar a Justiça no limite de suas atribuições e, portanto, deve exercer tal função
com isenção em relação às partes envolvidas e comprometimento ́tico para emitir
posicionamento de sua competência térico-t́cnica, a qual subsidiará a decisão
judicial CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Já o assistente t́cnico ́ um proissional contratado pela parte para
assessorar e garantir o direito a uma opinião que pode ser contrária da parte
oposta, ou seja, perito e assistente t́cnico são proissionais do mesmo campo de
saber, poŕm o perito ́ nomeado pelo juiz e o assistente t́cnico ́ indicado pelas
partes CONSELHO REGION“L DE PSICOLOGI“ DO RIO DE J“NEIRO,
.
Quanto à realização da perícia, a resolução versa que
“rt. º - O psićlogo perito e o psićlogo assistente t́cnico devem evitar
qualquer tipo de interferência durante a avaliação que possa prejudicar
o princípio da autonomia térico-t́cnica e ́tico-proissional, e que
possa constranger o periciando durante o atendimento.
“rt. º - O psićlogo assistente t́cnico não deve estar presente
durante a realização dos procedimentos metodoĺgicos que norteiam
o atendimento do psićlogo perito e vice-versa, para que não haja
interferência na dinâmica e qualidade do serviço realizado.
Parágrafo Único - “ relação entre os proissionais deve se pautar no
respeito e colaboração, cada qual exercendo suas competências,
podendo o assistente t́cnico formular quesitos ao psićlogo perito.
“ resolução ainda deixa explícito que o psićlogo psicoterapeuta das partes
que estão em litígio não pode aceitar ser perito ou assistente t́cnico e, caso lhe
seja solicitado que forneça informações sobre o processo psicoterápico, necessita o
consentimento formal da pessoa atendida.
Sempre ́ importante relembrar que as resoluções são construídas com
base no Ćdigo de Ética, que determina que o psićlogo não deve assumir
responsabilidades proissionais pelas quais não esteja preparado pessoal, térica e
tecnicamente. “ponta tamb́m que este proissional ś deve utilizar conhecimentos
e t́cnicas reconhecidos pela ciência psicoĺgica e que não deve, segundo a alínea
k do “rt. º do Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo Ser perito, avaliador
232
TÓPICO 3 | RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou proissionais, atuais
ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a idelidade
aos resultados da avaliação CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
7 TESTES PSICOLÓGICOS
“ssim como a avaliação psicoĺgica, os testes psicoĺgicos tamb́m são
instrumentos de uso exclusivo do psićlogo. Devido à quantidade de instrumentos
e o compromisso ́tico de oferecer serviços psicoĺgicos de qualidade aos usuários,
o Sistema Conselhos entendeu a necessidade de estabelecer diretrizes para a
elaboração, a comercialização e o uso dos testes psicoĺgicos. Estes são deinidos
pelo CFP como
procedimentos sistemáticos de observação e registro de amostras de
comportamentos e respostas de indivíduos com o objetivo de descrever
e/ou mensurar características e processos psicoĺgicos, compreendidos
tradicionalmente nas áreas emoção/afeto, cognição/inteligência,
motivação, personalidade, psicomotricidade, atenção, meḿria,
percepção, dentre outras, nas suas mais diversas formas de expressão,
segundo padrões deinidos pela construção dos instrumentos
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
“ Resolução CFP nº
/
, que trata da mat́ria, atendeu à necessidade
de aprimorar os instrumentos e procedimentos t́cnicos de trabalho dos psićlogos
e de revisão perídica das condições dos ḿtodos e t́cnicas utilizados na avaliação
psicoĺgica CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Mediante essas considerações, a referida resolução estabelece a criação de
uma Comissão Consultiva em “valiação Psicoĺgica. Esta comissão, formada por
psićlogos de reconhecido saber em testes psicoĺgicos, tem como atribuição, de
acordo com o “rt. º
analisar e emitir parecer sobre os testes psicoĺgicos encaminhados ao
CFP, com base nos parâmetros deinidos nesta Resolução, bem como
apresentar sugestões para o aprimoramento dos procedimentos e
crit́rios envolvidos nessa tarefa, subsidiando as decisões do Plenário a
respeito da mat́ria CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
“ Comissão avalia os testes psicoĺgicos a partir dos requisitos que
os instrumentos devem ter e que foram deinidos pela resolução, tanto para os
inventários e escalas, quanto para os testes projetivos e os testes estrangeiros que
foram traduzidos para o português. “ṕs avaliação e análise, os testes recebem
parecer favorável ou desfavorável no Plenário do CFP. Caso a decisão ao uso do
teste psicoĺgico seja desfavorável, ́ possível que o mesmo seja reapresentado
aṕs passar por revisão e adequação quanto às condições mínimas estabelecidas.
Mesmo com parecer favorável, os testes precisam de revisões perídicas.
O prazo estabelecido para apresentar os estudos necessários ́ de at́
anos para
os dados referentes à padronização do teste psicoĺgico e de at́
anos para
233
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
estudos referentes à validade e precisão do instrumento. Caso não apresentar as
revisões necessárias, o teste ́ excluído da lista dos testes com parecer favorável e
os psićlogos não poderão mais fazer uso dele.
“ Resolução CFP nº
/
prevê ainda que o CFP mantenha a relação de
testes favoráveis para consulta dos psićlogos e de toda a comunidade. Para atender
a essa determinação foi criado o Sistema de “valiação de Testes Psicoĺgicos, o
S“TEPSI. “ listagem dos testes citada há pouco ica localizada no site do S“TEPSI,
possibilitando por esse meio desse recurso a consulta aos testes psicoĺgicos
favoráveis e aos desfavoráveis. Tamb́m pode veriicar a legislação completa e a
relação dos testes que não são privativos do psićlogo, mas que podem ser usados
por ele desde que exista respaldo térico na sua utilização.
DICAS
Você pode acessar o SATEPSI através do site: <http://satepsi.cfp.org.br/>.
Sobre a utilização dos testes pelos psićlogos, ́ importante apontar os
seguintes artigos da Resolução CFP Nº /
“rt. – “s condições de uso dos instrumentos devem ser consideradas
apenas para os contextos e proṕsitos para os quais os estudos empíricos
indicaram resultados favoráveis.
Parágrafo Único – “ consideração da informação referida no caput
deste artigo ́ parte fundamental do processo de avaliação psicoĺgica,
especialmente na escolha do teste mais adequado a cada proṕsito e
será de responsabilidade do psićlogo que utilizar o instrumento.
[...]
“rt.
- Será considerada falta ́tica, conforme disposto na alínea c
do “rt. º e na alínea m do “rt. º do Ćdigo de Ética Proissional do
Psićlogo, a utilização de testes psicoĺgicos que não constam na relação
de testes aprovados pelo CFP, salvo os casos de pesquisa.
Parágrafo Único - O psićlogo que utiliza testes psicoĺgicos como
instrumento de trabalho, aĺm do disposto no caput deste artigo, deve
observar as informações contidas nos respectivos manuais e buscar
informações adicionais para maior qualiicação no aspecto t́cnico
operacional do uso do instrumento, sobre a fundamentação térica
referente ao construto avaliado, sobre pesquisas recentes realizadas
com o teste, aĺm de conhecimentos de Psicometria e Estatística
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
234
TÓPICO 3 | RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
UNI
Em 2013, o CFP lançou uma campanha contra a banalização do uso de testes
psicológicos, principalmente nas redes sociais e em canais do YouTube. O objetivo é defender
o uso responsável e a qualidade dos resultados dos testes psicológicos. A campanha faz parte
de uma ação do CFP em que também foi emitida uma nota técnica esclarecendo o assunto.
A matéria completa está disponível em: <http://site.cfp.org.br/campanha-do-cfp-quer-barrarbanalizacao-de-testes-psicologicos/>.
8 REGISTRO DOCUMENTAL E PRONTUÁRIO
Vamos falar agora de um assunto que merece muita atenção de todos os
psićlogos como deve ser realizado o registro das informações obtidas na prestação
de serviços psicoĺgicos. Essa padronização icou estabelecida na Resolução CFP nº
/
, que determinou a obrigatoriedade do registro documental das atividades
proissionais, visto que, at́ esta data, a dever de manter um registro existia apenas
na resolução que fala da Psicoterapia como prática do psićlogo, conforme vimos
anteriormente Resolução CFP nº
/
. “gora, essas regras passam a se
estender a todas as áreas de atuação de Psicologia, por isso preste muita atenção
a todas as deliberações sobre o tema, pois as informações registradas dos serviços
psicoĺgicos são instrumentos valiosos, objeto de pesquisa cientíica, mas tamb́m
para a orientação ́tica e iscalização das atividades do psićlogo, possibilitando
veriicar a responsabilidade t́cnica adotada e como meio de prova idônea para
instruir processos disciplinares e à defesa legal CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
.
O registro documental, assunto tratado na resolução supracitada, ́ de
caráter sigiloso e está deinido no § º do “rt. º como um conjunto de informações
que tem por objetivo contemplar de forma sucinta o trabalho prestado, a descrição
e a evolução da atividade e os procedimentos t́cnico-cientíicos adotados .
“ Resolução CFP nº
/
, que posteriormente foi alterada pela Resolução
CFP
/
, estabelece ainda que o registro das informações provenientes da
prestação de serviços psicoĺgicos deve ocorrer prioritariamente na forma de
prontuário psicoĺgico, ou seja, um arquivo, em papel ou informatizado, que
contenha as seguintes informações dispostas no “rt.
I - identiicação do usuário/instituição
II - avaliação de demanda e deinição de objetivos do trabalho
III - registro da evolução do trabalho, de modo a permitir o conhecimento
do mesmo e seu acompanhamento, bem como os procedimentos t́cnicocientíicos adotados
IV - registro de encaminhamento ou encerramento
V - ćpias de outros documentos produzidos pelo psićlogo para
o usuário/instituição do serviço de psicologia prestado deverão ser
arquivadas, aĺm do registro da data de emissão, inalidade e destinatário.
235
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
É importante destacar que o usuário do serviço psicoĺgico, ou terceiro por
ele autorizado, pode ter acesso integral e irrestrito às informações que constam no
seu prontuário. “ssim, a resolução tamb́m delibera no inciso III do “rt. º que,
para atendimento em grupos não eventual, o psićlogo deve manter, aĺm dos
registros dos atendimentos, a documentação individual referente a cada usuário
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Quando se tratar de atendimento em equipe multiproissional, as
informações devem ser registradas em prontuário único. Entretanto, neste caso,
o psićlogo deve registar somente as informações necessárias ao cumprimento de
seus objetivos, protegendo assim a intimidade das pessoas.
No entanto, no inciso VI do “rt. º da referida Resolução, consta que
documentos resultantes da aplicação de instrumentos de avaliação psicoĺgica
deverão ser arquivados em pasta de acesso exclusivo do psićlogo CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
. Explicando melhor, nos casos onde
existir intervenções psicoĺgicas os documentos precisam icar restritos do
compartilhamento de informações com o atendido, como ́ o caso dos documentos
mencionados ainda há pouco, estes devem ser arquivados em pasta exclusiva
do psićlogo, ou seja, em arquivo denominado Registro documental. De forma
geral, podemos dizer que todo prontuário ́ um registro documental, poŕm nem
todo registro documental se conigurará em um prontuário PSI JORN“L DE
PSICOLOGI“,
.
/
Sobre o registro documental do estagiário de Psicologia, a Resolução
diz o seguinte
“rt. ° Em caso de serviço psicoĺgico prestado em serviços-escola
e campos de estágio, o registro deve contemplar a identiicação e a
assinatura do responsável t́cnico/supervisor que responderá pelo
serviço prestado, bem como do estagiário.
Parágrafo único. O supervisor t́cnico deve solicitar do estagiário
registro de todas as atividades e acontecimentos que ocorrerem com os
usuários do serviço psicoĺgico prestado CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
.
Outro assunto que tamb́m ́ tratado na resolução no “rt. º, diz respeito à
guarda do registro documental
“rt. ° “ guarda do registro documental ́ de responsabilidade do
psićlogo e/ou da instituição em que ocorreu o serviço.
§ ° O período de guarda deve ser de no mínimo cinco anos, podendo
ser ampliado nos casos previstos em lei, por determinação judicial, ou
ainda em casos especíicos em que seja necessária a manutenção da
guarda por maior tempo.
§ º O registro documental deve ser mantido em local que garanta
sigilo e privacidade e mantenha-se à disposição dos Conselhos de
Psicologia para orientação e iscalização, de modo que sirva como meio
de prova idônea para instruir processos disciplinares e à defesa legal
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
236
TÓPICO 3 | RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
“ssim, quando o registro for feito no computador, este deve estar protegido
com senha exclusiva do psićlogo, e caso o registro for físico, em papel, que tenha
um espaço separado, que pode ser um arquivo ou um armário protegido com
chave.
Lembramos que as resoluções aqui mencionadas podem sofrer mudanças
e alterações, pois, como visto, a regulamentação da proissão acompanha as
transformações e demandas da categoria e da sociedade. Deste modo, ́ muito
importante manter-se atualizado acerca das discussões da categoria atrav́s do site
do CFP e do Conselho Regional.
DICAS
Acessando os sites do CFP e do CRP de Santa Catarina, você poderá conhecer
todas as resoluções da categoria, além de se cadastrar e receber via e-mail ou aplicativo para
celular as últimas notícias da profissão. Site do CFP: <site.cfp.org.br>. Site do CRP SC – 12ª
Região: <www.crpsc.org.br>.
237
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que
• Para orientar, disciplinar e iscalizar o exercício proissional do psićlogo, o
Sistema Conselhos elabora e aprova resoluções. Estas são atos normativos com
força de lei que devem ser cumpridas pelos psićlogos sob pena de cometer
infração ́tica. “ criação de uma norma surge de problemas na atuação percebidos
pelos proissionais ou pela sociedade.
• “ inscrição no CRP ́ obrigat́ria para poder exercer a proissão. Mediante a
solicitação de inscrição e a entrega necessária de alguns documentos, o psićlogo
recebe um número de registro proissional que ica anotado na Carteira de
Identidade Proissional fornecida pelo CRP. Um psićlogo pode ter mais de
uma inscrição em Conselhos Regionais diferentes, desde que trabalhe por mais
de dias em área de jurisdição de outro Conselho de Psicologia. Essa inscrição,
chamada de secundária, não tem custo adicional para o psićlogo.
• Pessoas transexuais e travestis têm o direito da inserção do nome social no
campo observação da Carteira de Identidade Proissional do Psićlogo .
• O psićlogo pode solicitar o registro em sua Carteira de Identidade Proissional
de at́ duas especialidades de sua atuação, desde que apresente documentos
comprobat́rios de conclusão de cursos de especialização credenciados pelo
CFP ou pelo MEC ou mediante aprovação em concurso de provas e títulos com
comprovação de dois anos de experiência proissional.
• É proibido ao psićlogo atuar de forma que favoreça a patologização de
comportamentos ou práticas homoeŕticas ou que contribuam para a
discriminação ou preconceito de raça ou etnia.
• “ psicoterapia foi qualiicada como prática do psićlogo pela Resolução do CFP
nº
/
. O uso da hipnose como recurso auxiliar no trabalho do psićlogo
foi reconhecido pela Resolução CFP nº
/
.
• Serviços psicoĺgicos como orientações psicoĺgicas, processos pŕvios de
seleção de pessoal, aplicação de testes, supervisão do trabalho do psićlogo
e atendimento eventual de clientes em trânsito podem ser realizados por
meios tecnoĺgicos de comunicação a distância com número limitado de at́
encontros. Os atendimentos psicoterapêuticos atrav́s dos referidos meios
tecnoĺgicos ś são permitidos em caráter experimental.
238
• “valiação psicoĺgica ́ uma função privativa do psićlogo que se caracteriza
como processo t́cnico e cientíico de coleta de dados e análise das informações
sobre fenômenos psicoĺgicos. Para se realizar uma avaliação psicoĺgica ́
necessário planejamento e uso de estrat́gias psicoĺgicas, como ḿtodos,
t́cnicas e instrumentos psicoĺgicos, entre estes, os testes psicoĺgicos,
considerando a demanda e os ins aos quais se destinam.
• “ regulamentação da avaliação psicoĺgica no contexto do trânsito ́ apresentada
na Resolução
/
, onde são estabelecidas as habilidades mínimas
psicoĺgicas a serem avaliadas nos candidatos à CNH. Tamb́m estabelece as
regras para a aplicação dos testes psicoĺgicos e a elaboração do laudo com os
resultados da avaliação.
• Para oferecer o serviço psicoĺgico de avaliação para registro e porte de arma, o
proissional deve se credenciar junto à Polícia Federal.
• O psićlogo perito realiza avaliações psicoĺgicas para responder perguntas que
surgiram no contexto pericial. “ssistente t́cnico ́ um proissional contratado
por uma das partes para avaliar determinadas demandas, garantido o direito ao
contradit́rio. “mbos devem atuar sem prejudicar a autonomia térico-t́cnica
do outro proissional e sem constranger o avaliado durante o atendimento. O
psićlogo psicoterapeuta das pessoas que estão na disputa judicial não pode
atuar como perito ou assistente t́cnico do litígio.
• Os testes psicoĺgicos são avaliados por uma Comissão Consultiva em “valiação
Psicoĺgica e recebem parecer favorável ao seu uso ou desfavorável mediante
análise de crit́rios mínimos estabelecidos por resolução do CFP. O S“TEPSI –
Sistema de “valiação de Testes Psicoĺgicos – possui listagem completa dos testes
com parecer favorável ou desfavorável e tamb́m dos testes de uso exclusivo do
psićlogo e os que podem ser utilizados por outras categorias proissionais.
• “ Resolução CFP nº
/
dispõe sobre a obrigatoriedade do registro
documental decorrente da prestação de serviços psicoĺgicos. “ obrigatoriedade
se estende a todos os campos de atuação e estabelece que o registro documental
do psićlogo tem caráter sigiloso e deve contar com a descrição, a evolução
e os procedimentos psicoĺgicos adotados. Preferencialmente deve ser feito
no formato de Prontuário Psicoĺgico, cujo acesso ́ livre ao usuário. No
entanto, se houver informações ou documentos que precisam icar restritos do
compartilhamento com o usuário, deve estar então em arquivo exclusivo do
psićlogo, documento este denominado de Registro Documental.
239
AUTOATIVIDADE
1 O CFP, fazendo uso de suas atribuições que foram conferidas em lei, aprova
resoluções. “ssim, como pode ser deinida resolução ? Como ́ o processo
de elaboração de uma resolução pelo CFP?
Quais são os crit́rios que o psićlogo deve atender para solicitar o registro
de especialista em sua Carteira de Identidade Proissional?
De acordo com a Resolução CFP nº
/
, quais são os serviços que podem
ser realizados à distância, pelo computador ou outros meios tecnoĺgicos de
comunicação? O que a resolução diz a respeito de atendimento psicoterápico
realizado atrav́s da internet?
Sobre a atuação do psićlogo como perito no Poder Judiciário qual a
diferença entre essa função com a de assistente t́cnico?
O registro documental da prestação de serviços psicoĺgicos ́ obrigat́rio
em todos os campos de atuação do psićlogo. Quais são as possibilidades
de registro previstas pela Resolução CFP nº
/
e qual a diferença que
existe entre elas?
240
TÓPICO 4
UNIDADE 3
PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS
PSICOLÓGICOS
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade você tem acompanhado as discussões sobre as questões
́ticas do exercício proissional, enquanto obrigações deontoĺgicas a serem
seguidas pelo psićlogo. “t́ aqui você já aprendeu sobre as leis que regulamentam
a proissão e a formação do psićlogo, sobre o Ćdigo de Ética Proissional da
categoria e sobre algumas resoluções que são essenciais para exercer a função de
psićlogo dentro dos princípios ́ticos da proissão. Neste último t́pico, você vai
aprender sobre um assunto que desperta muitas dúvidas no dia a dia do psićlogo
a produção de documentos psicoĺgicos. Que tipos de documentos o psićlogo
pode utilizar? Como devem ser elaborados? O que deve constar neles? “ resposta
para tais perguntas ́ o objetivo de aprendizagem deste t́pico.
2 DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
Como já foi citado anteriormente, situações envolvendo a avaliação
psicoĺgica e a produção de documentos pelo psićlogo são os principais motivos
de representações contra os proissionais da área no CRP. Essa informação ́
ratiicada por autores como Lago, Yates e ”andeira
, Preto e Fajardo
e “lmeida et al.
, que, a partir desses dados, apontam a relevância de se
discutir esse tema e exercitar sua execução ao longo da formação.
Visando subsidiar o proissional da Psicologia na elaboração dos
documentos escritos decorrentes de avaliação psicoĺgica, o CFP formulou
princípios e regras para assegurar uma padronização e qualidade na sua produção.
“ primeira norma sobre documentos psicoĺgicos foi aprovada em
, atrav́s
da Resolução CFP nº /
. Ela foi revogada pela Resolução CFP nº /
, que,
por sua vez, tamb́m acabou sendo revogada pela atual norma, a Resolução CFP
nº
/
.
Cabe ressaltar que o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo já trata
especiicamente sobre a responsabilidade do psićlogo diante da produção de
documentos psicoĺgicos, como o que se observa na alínea h do “rt. º Orientar
a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação
de serviços psicoĺgicos, e fornecer, sempre que solicitado, os documentos
pertinentes ao bom termo do trabalho . Tamb́m ́ proibido, segundo o “rt.º ,
241
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
alínea g Emitir documentos sem fundamentação e qualidade t́cnico-cientíica
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
Destarte, a Resolução CFP nº
/
tem o proṕsito de instituir e
apresentar o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo
psićlogo, decorrentes de avaliação psicoĺgica. Ela determina que a produção
escrita, fruto de avaliação psicoĺgica, deve obedecer às diretrizes apresentadas na
resolução, caso contrário incorre em falta ́tico-disciplinar.
O Manual está organizado em alguns itens, conforme a seguinte ordem
Princípios Norteadores da elaboração documental Modalidade de Documentos
Conceito/Finalidade/Estrutura Validade dos documentos e Guarda dos
documentos.
3 PRINCÍPIOS NORTEADORES NA ELABORAÇÃO
DOCUMENTAL
Como já ́ sabido, quando falamos de princípios, nos referimos a diretrizes
que servem como referência para a práxis do psićlogo. No Manual são adotados
como princípios na elaboração dos documentos escritos por psićlogos os aspectos
t́cnicos da linguagem escrita e os princípios ́ticos e t́cnicos.
3.1 PRINCÍPIOS TÉCNICOS DA LINGUAGEM ESCRITA
Quanto à linguagem escrita, conforme “lmeida et al.
, a elaboração
de documentos psicoĺgicos exige do proissional o desenvolvimento de
habilidades e competências, que devem ser desenvolvidas durante a formação,
pois a diiculdade está em redigir um documento que necessita de uma linguagem
precisa sobre dados de natureza subjetiva. Para se alcançar esse resultado, o Manual
de Elaboração de Documentos decorrentes de “valiações Psicoĺgicas
, p.
estabelece crit́rios t́cnicos para a linguagem escrita, apontando que o documento
deve apresentar uma redação bem estruturada e deinida, expressando o que se
quer comunicar. Deve ter uma ordenação que possibilite a compreensão por quem
o lê, o que ́ fornecido pela estrutura, composição de parágrafos ou frases, aĺm da
correção gramatical .
Na busca pelo aperfeiçoamento deste importante momento da avaliação
psicoĺgica, o Manual destaca que, na construção das frases, deve-se utilizar
da linguagem proissional, evitando a linguagem popular, que pode levar a
interpretações equivocadas das informações. Sobre o emprego dos termos
psicoĺgicos, a resolução alerta que se deve considerar a quem o documento está
destinado.
Explicando melhor essa questão, Cunha
deine que em um
processo de avaliação psicoĺgica existem os seguintes elementos o examinando,
242
TÓPICO 4 | PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
o psićlogo, as t́cnicas psicoĺgicas, o informe dos resultados da avaliação e o
receptor. “o comunicar os resultados, se faz necessária a adaptação do conteúdo
em níveis diferentes de especiicidade, profundidade e extensão, de acordo com
o receptor que solicitou a avaliação e que busca determinadas respostas, como
́ o caso, por exemplo, de psiquiatras, empresas, escolas, Poder Judiciário, os
responsáveis legais pela criança ou adolescente ou o pŕprio sujeito.
Essa recomendação já está prevista no Ćdigo de Ética Proissional
,
ao estabelecer, na alínea f do “rt. º, que o psićlogo deve Fornecer, a quem
de direito, na prestação de serviços psicoĺgicos, informações concernentes ao
trabalho a ser realizado e ao seu objetivo proissional . No entanto, tamb́m
determina que esse informe deve preservar a intimidade das pessoas, e, conforme
a alínea g do mesmo artigo citado, deve constar somente o que for necessário
para a tomada de decisões que afetem o usuário ou beneiciário .
“inda, são estabelecidas pela resolução como diretrizes para a linguagem
escrita a clareza, a concisão e a harmonia, que são deinidas como
“ clareza se traduz, na estrutura frasal, pela sequência ou ordenamento
adequado dos conteúdos, pela explicitação da natureza e função de
cada parte na construção do todo. “ concisão se veriica no emprego
da linguagem adequada, da palavra exata e necessária. Essa economia
verbal requer do psićlogo a atenção para o equilíbrio, que evite uma
redação lacônica ou o exagero de uma redação prolixa. Finalmente,
a harmonia se traduz na correlação adequada das frases, no aspecto
sonoro e na ausência de cacofonias CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p. .
3.2 PRINCÍPIOS ÉTICOS
O psićlogo, na elaboração de documentos, deve atender aos princípios
e normas estabelecidos no Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo, atentando
para a sua responsabilidade com a pessoa atendida, com o sigilo proissional e com
o impacto das informações ali apresentadas, visto que subsidiam decisões, como
processos de seleção de pessoas, avaliações psicoĺgicas em concursos públicos,
manutenção do poder familiar, habilitação de veículos automotores, dentre
outros tantos contextos a que se destina uma avaliação psicoĺgica CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
“gir de acordo com os princípios ́ticos signiica observar o que está
anunciado na introdução do Manual sobre o pŕprio conceito de avaliação
psicoĺgica, enquanto processo t́cnico-cientíico de coleta de dados, estudos
e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicoĺgicos, que são
resultantes da relação do indivíduo com a sociedade CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p. , ou seja
243
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Os resultados das avaliações devem considerar e analisar os
condicionantes hist́ricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com
a inalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente
sobre o indivíduo, mas na modiicação desses condicionantes que
operam desde a formulação da demanda at́ a conclusão do processo
de avaliação psicoĺgica CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
Cabe ainda ressaltar que cumprir com os preceitos ́ticos signiica tamb́m
prestar um serviço de qualidade, alicerçado no compromisso social da Psicologia.
3.3 PRINCÍPIOS TÉCNICOS
que
Com relação aos princípios t́cnicos, a Resolução CFP nº
/
determina
Os psićlogos, ao produzirem documentos escritos, devem se basear
exclusivamente nos instrumentais t́cnicos entrevistas, testes,
observações, dinâmicas de grupo, escuta, intervenções verbais que se
coniguram como ḿtodos e t́cnicas psicoĺgicas para a coleta de dados,
estudos e interpretações de informações a respeito da pessoa ou grupo
atendidos, bem como sobre outros materiais e documentos produzidos
anteriormente e pertinentes à mat́ria em questão CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
Lembramos que, em concordância com o estabelecido na Resolução CFP
nº
/
, que regulamenta o uso de testes psicoĺgicos e que foi estudada
no t́pico anterior, ś podem ser utilizados instrumentos que tiveram parecer
favorável da Comissão Consultiva em “valiação Psicoĺgica e tiverem sido
aprovados pelo CFP. O psićlogo deve atentar para a utilização de testes somente
para os proṕsitos e contextos em que os estudos indicaram resultados favoráveis,
ou seja, ́ responsabilidade do psićlogo a escolha do teste mais apropriado para
os objetivos da avaliação psicoĺgica a que se propôs realizar.
“ĺm de todas essas considerações, a resolução leva o psićlogo a reletir
que uma avaliação psicoĺgica sinaliza um resultado de uma determinada situação
em um momento delimitado. “ssim, estabelece que o proissional, ao elaborar o
documento, deve considerar a natureza dinâmica, não deinitiva e não cristalizada
do seu objeto de estudo CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
“ resolução adverte ainda que o psićlogo deve rubricar o documento da
primeira at́ a penúltima página, sendo que a última deverá estar assinada e nela
constar o registro da sua inscrição no CRP.
244
TÓPICO 4 | PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
UNI
EXEMPLO DE PROCESSO ÉTICO - DOCUMENTO ELABORADO POR PSICÓLOGO
No caso em análise, uma psicóloga foi procurada por uma mãe para emitir atestado
psicológico da filha de quatro anos e sua relação com a figura paterna. A profissional
realizou duas sessões com a genitora e oito sessões com a criança, utilizando caixa lúdica
e material gráfico. O trabalho se estendeu pelo período de três meses e ela alega que não
se ateve a uma abordagem teórica específica. O pai, por sua vez, queixa-se que a psicóloga
elaborou 'Parecer Psicológico' para ser anexado em processo de regulamentação de visitas,
contendo julgamento sobre seu estado psicológico e índole. No documento consta que foi
realizada a avaliação psicológica da "menor" e diagnosticada dificuldade no relacionamento
pai-filha. A relação tem sido esporádica, por não residirem na mesma casa, e tumultuada.
A profissional considerou que o pai expõe a criança a riscos, além de causar prejuízos
psicológicos e morais à criança. Em razão disso, recomendou a suspensão das visitas. Após
analisar os autos, a Comissão de Ética aponta que o documento carece de fundamentação
técnico-científica que sustente suas conclusões. Este não menciona os indícios levantados
em sua análise para chegar à conclusão de prejuízos provocados pelo pai. Destaca, ainda,
que as afirmações sobre o pai não foram apresentadas em forma de hipótese, mas sim
conclusivas sobre as intenções e atitudes de uma pessoa que não foi avaliada pela profissional.
Diante do exposto, ficou comprovado que a psicóloga infringiu: o Código de Ética Profissional
do Psicólogo, Art. 1º, alínea “c”, Art. 2º, alínea “g” e a Resolução CFP nº 007/2003, que institui
o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes de
avaliação psicológica.
FONTE: PSI Jornal da Psicologia, (maio/jun., 2015). Disponível em: <http://www.crpsp.org.br/
portal/comunicacao/jornal_crp/183/frames/fr_processos.aspx>. Acesso em: 15 jul. 2017.
4 MODALIDADES DE DOCUMENTOS
São consideradas modalidades de documentos psicoĺgicos a Declaração,
o “testado Psicoĺgico, o Relat́rio/Laudo Psicoĺgico e o Parecer Psicoĺgico.
“ Resolução CFP nº
/
faz uma ressalva quanto à Declaração e o
Parecer Psicoĺgico, indicando que não são documentos decorrentes da avaliação
psicoĺgica, embora muitas vezes apareçam desta forma CONSELHO FEDER“L
DE PSICOLOGI“,
, p. , mesmo assim estão incluídos no Manual para que
sejam diferenciados.
“ssim, são apresentados na sequência os documentos aludidos há pouco,
detalhando o conceito, a inalidade e a estrutura que deve conter cada um deles.
5 CONCEITO/ FINALIDADE/ ESTRUTURA
“ṕs conhecer os princípios norteadores para a elaboração de documentos
psicoĺgicos contemplados na Resolução CFP
/
, ́ importante que você
saiba o conceito, inalidade e a estrutura que cada um destes documentos deve ter.
245
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
5.1 DECLARAÇÃO
“ Declaração ́ um documento que se limita a fornecer informações
situacionais do atendimento psicoĺgico J“CINTO et al.,
. De acordo com a
Resolução CFP nº
/
, sua inalidade ́ declarar sobre
a Comparecimentos do atendido e/ou do seu acompanhante, quando
necessário.
b “companhamento psicoĺgico do atendido.
c Informações sobre as condições do atendimento tempo de
acompanhamento, dias ou horários CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p. .
Neste documento não se deve fazer o registro de sintomas, situações ou
estados psicoĺgicos.
De acordo com o Manual instituído pela resolução referida, no que diz
respeito a sua estrutura
a Ser emitida em papel timbrado ou apresentar na subscrição do
documento o carimbo, em que conste nome e sobrenome do psićlogo,
acrescido de sua inscrição proissional Nome do psićlogo / Nº da
inscrição .
b “ declaração deve expor
- Registro do nome e sobrenome do solicitante.
- Finalidade do documento por exemplo, para ins de comprovação .
- Registro de informações solicitadas em relação ao atendimento por
exemplo se faz acompanhamento psicoĺgico, em quais dias, qual
horário .
- Registro do local e data da expedição da declaração.
- Registro do nome completo do psićlogo, sua inscrição no CRP e/
ou carimbo com as mesmas informações CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p. .
Lembramos, como já assinalado, que o documento deve contar com
a assinatura do psićlogo acima do carimbo ou identiicação do seu registro
proissional.
5.2 ATESTADO PSICOLÓGICO
O “testado Psicoĺgico ́ um documento redigido pelo psićlogo e tem
como objetivo certiicar uma determinada situação ou estado psicoĺgico de quem
o solicita, para ins de
a Justiicar faltas e/ou impedimentos do solicitante.
b Justiicar estar apto ou não para atividades especíicas, aṕs realização
de um processo de avaliação psicoĺgica, dentro do rigor t́cnico e ́tico
que subscreve esta Resolução.
c Solicitar afastamento e/ou dispensa do solicitante, subsidiado na
airmação atestada do fato, em acordo com o disposto na Resolução CFP
nº
/
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
246
TÓPICO 4 | PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
“ Resolução CFP nº
/
, citada no Manual de Elaboração de
Documentos Escritos produzidos pelo psićlogo, institui e regulamenta a concessão
de “testado Psicoĺgico para tratamento de saúde por problemas psicoĺgicos. Tal
resolução se fundamenta no fato de que o psićlogo ́ um proissional que tamb́m
trabalha na área da saúde e que pode realizar diagństicos de condições mentais
que ofereçam riscos para o paciente ou o incapacitem para o trabalho ou estudos.
“ norma supracitada estabelece que ́ facultado ao psićlogo o uso
do Ćdigo Internacional de Doenças – CID ou outros ćdigos como fonte de
enquadramento de diagństicos ao conceder um atestado. Tamb́m determina que
o psićlogo deve manter em seu registro documental a documentação que justiica
a concessão do atestado para afastamento do trabalho por motivo de tratamento
de saúde.
O “testado Psicoĺgico segue as mesmas normas que os atestados
concedidos por outros proissionais ao conferir afastamento do trabalho por mais
de
dias, o paciente deve fazer perícia junto à Previdência Social, encaminhado
pela empresa, para concessão de auxílio-doença CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
.
Embora a Resolução CFP n° / permita ao psićlogo a emissão de
atestados psicoĺgicos, de acordo com Lago, Yates e ”andeira
, muitas
empresas não aceitam o documento para afastamento do trabalho e alegam
que, conforme a Consolidação das Leis de Trabalho CLT , ś os ḿdicos estão
autorizados a fazê-lo. “s autoras indicam que o CFP tem estudado com outras
categorias a proposição de um projeto de lei para regulamentar um “testado de
Saúde ao inv́s de um “testado Ḿdico . Entretanto, já existe jurisprudência que
admite a validade do “testado Psicoĺgico para o afastamento do trabalho.
Voltando ao Manual de Elaboração de Documentos, este delimita que no
atestado deve constar apenas a informação solicitada pelo requerente, enunciando
apenas o fato constatado. Sua estrutura deve seguir determinadas normas, que
são
a Ser emitido em papel timbrado ou apresentar na subscrição do
documento o carimbo, em que conste o nome e sobrenome do psićlogo,
acrescido de sua inscrição proissional Nome do psićlogo / Nº da
inscrição .
b O atestado deve expor
- Registro do nome e sobrenome do cliente.
- Finalidade do documento.
- Registro da informação do sintoma, situação ou condições psicoĺgicas
que justiiquem o atendimento, afastamento ou falta – podendo ser
registrado sob o indicativo do ćdigo da Classiicação Internacional de
Doenças em vigor.
- Registro do local e data da expedição do atestado.
- Registro do nome completo do psićlogo, sua inscrição no CRP e/ou
carimbo com as mesmas informações.
- “ssinatura do psićlogo acima de sua identiicação ou do carimbo
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
247
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
O Manual tamb́m determina que ao elaborar o “testado Psicoĺgico,
o registro seja feito de forma corrida, sem parágrafos, separados apenas pela
pontuação com a inalidade de se evitar adulterações. Não podendo evitar o uso
de parágrafos, o psićlogo deve preencher esses espaços com traços CONSELHO
FEDER“L DE PSICOLOGI“,
.
5.3 RELATÓRIO/LAUDO PSICOLÓGICO
Como você pode observar, a Resolução CFP nº
/
descreve o relat́rio
psicoĺgico e o laudo como uma única modalidade de documento, com os mesmos
objetivos e estrutura de redação. Nas resoluções anteriores que tratavam sobre o
assunto, o relat́rio psicoĺgico e o laudo eram apresentados separadamente com
inalidades diferentes, mas, segundo Jacinto et al.
, os conceitos anteriores que
diferenciavam estes documentos eram confusos, embora que, na atual resolução,
a estrutura que deve ser obedecida para elaboração dos documentos foi pouco
alterada.
Por conseguinte, o relat́rio ou laudo psicoĺgico ́ conceituado pela atual
resolução como uma apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições
psicoĺgicas e suas determinações hist́ricas, sociais, políticas e culturais,
pesquisadas no processo de avaliação psicoĺgica CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
. “ssim como nos demais documentos, suas considerações
devem estar amparadas em instrumental t́cnico, como entrevistas, observação,
testes psicoĺgicos, dentre outros, e embasadas em referencial térico adotado pelo
proissional. Segundo o Manual, a inalidade do Relat́rio ou Laudo Psicoĺgico ́
apresentar os procedimentos e conclusões gerados pelo processo
da avaliação psicoĺgica, relatando sobre o encaminhamento, as
intervenções, o diagństico, o progństico e evolução do caso, orientação
e sugestão de projeto terapêutico, bem como, caso necessário, solicitação
de acompanhamento psicoĺgico, limitando-se a fornecer somente as
informações necessárias relacionadas à demanda, solicitação ou petição
CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
, p. .
Para Guzzo e Pasquali
, o laudo psicoĺgico expressa a competência
proissional do psićlogo, pois atrav́s das conclusões apresentadas neste
documento, intervenções de qualidade podem ser planejadas ou, de maneira
oposta, podem apenas discorrer sobre o ́bvio, sem o resultado esperado. Os
autores apontam que por muito tempo houve pouca discussão e orientações sobre
a elaboração de laudos psicoĺgicos no ”rasil, o que trouxe como consequência
a constatação de ineiciência quanto ao seu objetivo de subsidiar decisões e
ações destinadas aos usuários dos serviços psicoĺgicos e tamb́m uma grande
quantidade de processos ́ticos devido a problemas na sua elaboração. Desta
forma, entende-se que aprender o padrão mínimo estabelecido para a emissão de
relat́rios/laudos e o exercício de sua elaboração ́ essencial para o proissional
atuar dentro dos preceitos ́ticos, oferecendo serviços psicoĺgicos de qualidade.
248
TÓPICO 4 | PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
Diante desta demanda, o CFP estabelece no Manual disposto, atrav́s da
Resolução nº
/
, que o relat́rio psicoĺgico deve ter, no mínimo, estes cinco
t́picos identiicação, descrição da demanda, procedimento, análise e conclusão.
Passaremos agora a discorrer sobre cada um deles
I. IDENTIFICAÇÃO ́ a primeira parte do relat́rio e deve identiicar o
autor/relator nome do psićlogo que fez a avaliação e seu número de registro no
CRP o interessado nome do autor do pedido – o usuário, a escola, a empresa e
o assunto/inalidade motivo do pedido de avaliação psicoĺgica .
II. DESCRIÇÃO DA DEMANDA deve narrar as informações referentes
à problemática apresentada e os motivos e expectativas que motivaram o pedido
do documento. Nesta parte, deve-se apresentar a análise que se faz da demanda
de forma a justiicar o procedimento adotado CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p. .
III. PROCEDIMENTO: o psićlogo apresenta os instrumentos t́cnicos
utilizados na avaliação psicoĺgica para coletar as informações embasado em um
referencial térico. Descrever número de encontros, pessoas ouvidas etc.
IV. ANÁLISE: nesta parte do documento, alicerçado em um referencial
térico e tamb́m respeitando os princípios ́ticos estabelecidos para a comunicação
de resultados decorrentes da avaliação psicoĺgica, o psićlogo faz uma exposição
descritiva de forma met́dica, objetiva e iel dos dados colhidos e das situações
vividas relacionados à demanda em sua complexidade CONSELHO FEDER“L
DE PSICOLOGI“,
, p. .
V. CONCLUSÃO apresentação do resultado e considerações a respeito
da avaliação psicoĺgica. É importante que nesta parte se faça sugestões de
intervenções apropriadas para a situação analisada.
Como nos demais documentos, ao inal o relat́rio ́ encerrado com
a inserção do local, data de emissão, assinatura do psićlogo e seu número de
registro no CRP.
UNI
Exemplo de Processo Ético devido a documentos decorrentes de avaliação
psicológica
B. apresenta queixa de relatório elaborado pelo psicólogo, argumentando que ele apresentou
conclusão carente de dados. Trata-se de processo de destituição do poder familiar, com
suspeita de abuso de B. em face de seu filho, que culminou em decisão judicial de suspensão
das visitas.
O psicólogo afirma que agiu com correção no seu ofício, que a criança apresentou
manifestações de vivências traumáticas, expressou vontade de não manter contato com o
genitor e encontra-se em tratamento psicológico. Verificou-se que o relatório psicológico
produzido continha os itens indicados pela Resolução CFP 07/03, pontos esses fundamentais
para um documento escrito decorrente de uma avaliação psicológica, ou seja, apresenta a
identificação (autor, solicitante e finalidade/motivo do pedido), a descrição da demanda
249
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
(problemática), procedimentos utilizados (número de encontros, pessoas ouvidas, entrevistas,
testes com parecer favorável do CFP, hora lúdica), análise (histórico familiar, considerações
psicológicas dos dados colhidos, análise à luz do referencial teórico adotado) e sua conclusão.
Encerra o documento com indicação do local, data de emissão, assinatura do psicólogo e
número de inscrição no CRP SP. No que se refere à análise, buscou referência nos indícios
colhidos nas entrevistas, testes e histórico contido no processo. Traz o contexto para auxiliar
sua análise e conclusão. O psicólogo também demonstrou ter buscado suporte em referenciais
teóricos para embasar sua conclusão, fundamentando suas argumentações. Faz associações,
relacionando suas observações com o que descreve literatura especializada. As referências
sobre os envolvidos aparecem de modo não tendencioso, fazendo uma análise dinâmica e
não parcial dos aspectos observados, apresentando os indícios de onde tirou suas hipóteses
e conclusão. Dessa forma, entendeu-se que a psicóloga realizou seu trabalho de forma
condizente com os direcionamentos éticos/técnicos da profissão. Importante acrescentar que
o trabalho realizado esteve pautado pela busca do bem-estar da criança atendida.
FONTE: Adaptado de PSI Jornal da Psicologia, (ago./set. 2010). Disponível em: <http://www.
crpsp.org.br/portal/comunicacao/jornal_crp/166/frames/fr_indice.aspx>. Acesso em: 15 jul.
2017.
5.4 PARECER PSICOLÓGICO
O Parecer Psicoĺgico ́ um documento que expressa de forma resumida,
mas fundamentada, uma questão focal pertencente ao campo da Psicologia, cujo
resultado pode ser indicativo ou conclusivo. Sua inalidade ́ responder a questõesproblema por meio de uma avaliação t́cnica-especializada de proissionais de
referência no assunto. São exemplos de pareceres, de acordo com Lago, Yates e
”andeira
, a solicitação de um parecer psicoĺgico por um advogado sobre
a guarda compartilhada de crianças menores de dois anos de idade ou de um
psićlogo que ́ questionado por uma escola sobre a perspectiva de uma criança
com Transtorno do Espectro “utista poder acompanhar uma sala do º ano do
Ensino Fundamental regular. Nessas situações, o psićlogo não responderia com
base em um único sujeito, mas considerando o atual estado da arte que motivou tal
consulta L“GO Y“TES ”“NDEIR“,
, p.
.
O Manual esclarece ainda que o psićlogo parecerista, diante de quesitos
que lhe são perguntados
o psićlogo deve respondê-los de forma sint́tica e convincente, não
deixando nenhum quesito sem resposta. Quando não houver dados
para a resposta ou quando o psićlogo não puder ser cateǵrico, deve-se
utilizar a expressão sem elementos de convicção . Se o quesito estiver
mal formulado, pode-se airmar prejudicado , sem elementos ou
aguarda evolução CONSELHO FEDER“L DE PSICOLOGI“,
,
p. .
Sobre a estrutura do Parecer Psicoĺgico, este ́ composto por quatro itens
I. IDENTIFICAÇÃO nome do parecerista e sua titulação nome do autor
da solicitação e sua titulação.
250
TÓPICO 4 | PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
II. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS descrição do motivo do parecer, com
transcrição dos quesitos ou dúvidas do solicitante. Lembrando que o Parecer
Psicoĺgico não ́ realizado por meio de avaliação psicoĺgica, assim, na sua
estrutura não consta o item procedimentos .
III. ANÁLISE discussão e apresentação de forma minuciosa da pergunta
formulada embasada no conhecimento da ciência psicoĺgica, respeitando as
normas para elaboração de trabalhos cientíicos.
IV. CONCLUSÃO: na parte inal, o psićlogo apresentará seu
posicionamento, respondendo à questão levantada. Em seguida, informa o local
e data em que foi elaborado e assina o documento CONSELHO FEDER“L DE
PSICOLOGI“,
, p.
.
6 VALIDADE DOS CONTEÚDOS E GUARDA DOS DOCUMENTOS
Por último, a resolução delibera sobre a validade do conteúdo dos
documentos escritos, decorrentes das avaliações psicoĺgicas, que se deve respeitar
a legislação vigente para os casos em que já esteja deinida. Caso contrário, onde
for possível, o psićlogo deve indicar o prazo de validade do documento emitido
a partir dos objetivos da avaliação e das informações. Como exemplo, podemos
citar uma situação em que ́ feita uma avaliação neuropsicoĺgica de uma pessoa
que estava passando por um processo de desintoxicação por agentes químicos.
No laudo ́ indicado que se reizesse a avaliação aṕs um ano, com a inalidade
de se acompanhar os possíveis efeitos do tratamento na área da cognição L“GO
Y“TES ”“NDEIR“,
.
Em relação à guarda dos documentos, o Manual estabelece um prazo
mínimo de cinco anos, onde os documentos elaborados e todo o material que
subsidiou sua construção icam sob a responsabilidade do psićlogo e da
instituição em que ocorreu a avaliação psicoĺgica. Por determinação judicial, o
prazo pode ser ampliado, ou ainda em casos especíicos que exijam a manutenção
dos documentos por um tempo maior. Havendo extinção do serviço, devem ser
seguidas as orientações previstas no Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo, já
tratadas aqui, no T́pico .
Neste t́pico você aprendeu sobre os documentos produzidos pelo
psićlogo, decorrentes da avaliação psicoĺgica. Essa resolução encerra a discussão
tratada nesta unidade sobre a conduta moral dos psićlogos estabelecida pelo
́rgão de classe da categoria, o CFP, em conjunto com os Conselhos Regionais de
Psicologia. No entanto, como foram abordadas várias leis, decretos e resoluções
que regulamentam a proissão do psićlogo, para facilitar a consulta a elas, você
tem discriminados, a seguir, dois quadros que listam a legislação estudada e o
que cada uma delas delibera para sistematizar todos os assuntos tratados nesta
unidade.
251
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
QUADRO 10 - LEIS E DECRETOS FEDERAIS SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA FORMAÇÃO E DA
PROFISSÃO DE PSICÓLOGO
Decreto n° 79.822/77
Lei Federal n° 5.766/71
Lei Federal n° 5.692/71
Decreto nº 53.464/64
Lei Federal n° 4.119/62
Regulamenta a Lei nº .
, de dezembro de
, que
criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de
Psicologia e dá outras providências.
Cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de
Psicologia e dá outras providências.
Fixa diretrizes e bases para o ensino de ° e º graus,
e dá outras providências.
Regulamenta a Lei .
/ , que dispõe sobre a
proissão de psićlogo.
Dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e
regulamenta a proissão de psićlogo.
QUADRO 11 - RESOLUÇÕES DO CFP
Resolução
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Ementa
“ltera a Resolução CFP nº
/
, que institui
a Consolidação das Resoluções relativas ao Título
Proissional de Especialista em Psicologia e dispõe
sobre normas e procedimentos para seus registros.
Dispõe sobre a atuação do psićlogo como perito
nos diversos contextos.
Regulamenta os serviços psicoĺgicos realizados
por meios tecnoĺgicos de comunicação a distância,
o atendimento psicoterapêutico em caráter
experimental e revoga a Resolução CFP nº /
.
Dispõe sobre a inclusão do nome social no campo
observação da Carteira de Identidade Proissional
do Psićlogo e dá outras providências.
Revoga a Resolução CFP nº
/
, publicada
no DOU do dia de dezembro de
, Seção I, e
institui normas e procedimentos para a avaliação
psicoĺgica no contexto do trânsito.
“ltera a Resolução CFP nº
/
e dá outras
providências.
“ltera a Resolução CFP nº
/
e dá outras
providências.
Dispõe sobre a obrigatoriedade do registro
documental decorrente da prestação de serviços
psicoĺgicos.
Dispõe acerca do trabalho do psićlogo na avaliação
psicoĺgica para concessão de registro e/ou porte
de arma de fogo.
252
TÓPICO 4 | PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP n°
/
Resolução CFP n°
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Resolução CFP nº
/
Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao
Título Proissional de Especialista em Psicologia
e dispõe sobre normas e procedimentos para seu
registro alterada pela Resolução CFP nº /
.
Institui o Ćdigo de Processamento Disciplinar.
Institui a Consolidação das Resoluções do Conselho
Federal de Psicologia.
“prova o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo.
Institui o Manual de Elaboração de Documentos
Escritos produzidos pelo psićlogo, decorrentes
de avaliação psicoĺgica e revoga a Resolução CFP
/
.
Define e regulamenta o uso, a elaboração e a
comercialização de testes psicoĺgicos e revoga a
Resolução CFP
/
Estabelece normas de atuação para o psićlogo em
relação ao preconceito e discriminação racial.
“prova o Regimento Interno do CFP e estabelece
o funcionamento deste ́rgão. Determina como
os Conselhos de Psicologia devem proceder para
auxiliar da melhor forma os profissionais de
Psicologia em sua área de trabalho.
Disciplina a oferta de produtos e serviços ao público.
“prova e regulamenta o uso da hipnose como
recurso auxiliar de trabalho do psićlogo.
Especiica e qualiica a Psicoterapia como prática
do psićlogo.
Estabelece normas de atuação para os psićlogos
em relação à questão da orientação sexual.
Dispõe sobre a realização de pesquisas com ḿtodos
e t́cnicas não reconhecidos pela Psicologia.
Estabelece para divulgação, a publicidade e o
exercício proissional do psićlogo, associados a
práticas que não estejam de acordo com os crit́rios
cientíicos estabelecidos no campo da Psicologia.
Institui e regulamenta a concessão de atestado
psicoĺgico para tratamento de saúde por problemas
psicoĺgicos.
“prova o Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo
revogada pela Resolução CFP nº
/
.
253
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
LEITURA COMPLEMENTAR
Declaração Universal dos Direitos Humanos
“dotada e proclamada pela “ssembleia Geral das Nações Unidas Resolução
“ III em
de dezembro
.
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis ́ o fundamento
da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos
resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o
advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de
crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado
como a mais alta aspiração do ser humano comum.
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo
imṕrio da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à
rebelião contra a tirania e a opressão.
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações
amistosas entre as nações.
Considerando que os povos das Nações Unidas reairmaram, na Carta, sua
f́ nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa
humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover
o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla.
Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em
cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades
fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades.
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades ́
da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso.
“gora, portanto, a “ssembleia Geral proclama a presente Declaração
Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos
os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada ́rgão da
sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino
e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção
de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu
reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos
pŕprios Países-Membros quanto entre os povos dos territ́rios sob sua jurisdição.
254
TÓPICO 4 | PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
Artigo 1
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com
espírito de fraternidade.
Artigo 2
. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer esṕcie, seja de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, ordem nacional
ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
. Não será tamb́m feita nenhuma distinção fundada na condição política,
jurídica ou internacional do país ou territ́rio a que pertença uma pessoa, quer se
trate de um territ́rio independente, sob tutela, sem governo pŕprio, quer sujeito
a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo 3
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4
Ningúm será mantido em escravidão ou servidão a escravidão e o tráico
de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo 5
Ningúm será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante.
Artigo 6
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido
como pessoa perante a lei.
Artigo 7
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual
proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação
que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes
reḿdio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam
reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo 9
Ningúm será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública
audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus
direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
255
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Artigo 11
.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser
presumido inocente at́ que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com
a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias
necessárias à sua defesa.
. Ningúm poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no
momento, não constituam delito perante o direito nacional ou internacional. Tamb́m
não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era
aplicável ao ato delituoso.
Artigo 12
Ningúm será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no
seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser
humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo 13
. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro
das fronteiras de cada Estado.
. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o pŕprio
e a esse regressar.
Artigo 14
. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de
gozar asilo em outros países.
. Esse direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente
motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e
princípios das Nações Unidas.
Artigo 15
. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade.
. Ningúm será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do
direito de mudar de nacionalidade.
Artigo 16
. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,
nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família.
Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento
dos nubentes.
. “ família ́ o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à
proteção da sociedade e do Estado.
outros.
Artigo 17
. Todo ser humano tem direito à propriedade, ś ou em sociedade com
. Ningúm será arbitrariamente privado de sua propriedade.
256
TÓPICO 4 | PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
Artigo 18
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e
religião esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade
de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público
ou em particular.
Artigo 19
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão esse
direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber
e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras.
Artigo 20
. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacíica.
. Ningúm pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo 21
. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país
diretamente ou por interḿdio de representantes livremente escolhidos.
. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
. “ vontade do povo será a base da autoridade do governo essa vontade
será expressa em eleições perídicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto
secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo 22
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social,
à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo 23
. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a
condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração
por igual trabalho.
. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e
satisfat́ria que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível
com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de
proteção social.
. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar
para proteção de seus interesses.
Artigo 24
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável
das horas de trabalho e a f́rias remuneradas perídicas.
257
UNIDADE 3 | O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO
Artigo 25
. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar
a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
cuidados ḿdicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso
de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
. “ maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma
proteção social.
Artigo 26
. Todo ser humano tem direito à instrução. “ instrução será gratuita,
pelo menos nos graus elementares e fundamentais. “ instrução elementar será
obrigat́ria. “ instrução t́cnico-proissional será acessível a todos, bem como a
instrução superior está baseada no ḿrito.
. “ instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano
e pelas liberdades fundamentais. “ instrução promoverá a compreensão, a tolerância
e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que
será ministrada a seus ilhos.
Artigo 27
. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural
da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso cientíico e de seus
benefícios.
. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais
decorrentes de qualquer produção cientíica literária ou artística da qual seja autor.
Artigo 28
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os
direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente
realizados.
Artigo 29
. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e
pleno desenvolvimento de sua personalidade ́ possível.
. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito
apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o im de assegurar o
devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer
as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade
democrática.
. Esses direitos e liberdades não podem, em hiṕtese alguma, ser exercidos
contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
258
TÓPICO 4 | PRODUÇÃO DE DOCUMENTOS PSICOLÓGICOS
Artigo 30
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o
reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer
atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos
e liberdades aqui estabelecidos.
FONTE: Organização das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/
DUDH.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2017.
259
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que
• “ Resolução CFP nº
/
instituiu e apresentou o Manual de Elaboração
de Documentos Escritos produzidos pelo psićlogo, decorrentes de avaliação
psicoĺgica. Nele são apresentados os Princípios Norteadores da elaboração
documental Modalidade de Documentos Conceito/Finalidade/Estrutura
Validade e Guarda dos Documentos.
• Os Princípios norteadores na elaboração dos documentos escritos por psićlogos
são os aspectos t́cnicos da linguagem escrita e os princípios ́ticos e t́cnicos.
• Na linguagem escrita de um documento psicoĺgico se orienta que os mesmos
tenham uma redação bem estruturada, com ordenação adequada das frases e
correção gramatical. “ linguagem escrita precisa ter clareza, concisão e harmonia.
• “o elaborar um documento psicoĺgico, o proissional deve observar os
princípios e normas estabelecidos no Ćdigo de Ética Proissional do Psićlogo,
prestando um serviço de qualidade, alicerçado no compromisso social da
Psicologia.
• Como princípios t́cnicos estão as recomendações de se basear apenas em
ḿtodos e t́cnicas psicoĺgicas na produção dos documentos psicoĺgicos,
considerando que o objeto de estudo do psićlogo, ou seja, as questões psíquicas,
têm natureza dinâmica, não deinitiva e não cristalizada.
• São quatro modalidades de documentos psicoĺgicos a Declaração, o “testado
Psicoĺgico, o Relat́rio/Laudo Psicoĺgico e o Parecer Psicoĺgico.
• “ Declaração tem por inalidade declarar sobre comparecimentos do atendido ou
acompanhante acompanhamento psicoĺgico do atendido e informações sobre
as condições do atendimento e não deve constar de registro sobre sintomas,
situações ou estados psicoĺgicos.
• O “testado Psicoĺgico ́ produzido a im de justiicar faltas ou impedimentos do
solicitante justiicar estar apto ou não para alguma atividade especíica solicitar
afastamento do trabalho para tratamento de saúde, conforme o disposto na
Resolução CFP nº
/ . Este documento deve ser elaborado de forma corrida,
sem parágrafos e constar apenas a informação solicitada pelo requerente sobre
o fato constatado.
260
• O Relat́rio ou Laudo Psicoĺgico ́ uma descrição dos procedimentos e
conclusões de uma avaliação psicoĺgica, sugerindo encaminhamentos e
intervenções para a situação avaliada. Deve ser estruturado em cinco itens
identiicação, descrição da demanda, procedimento, análise e conclusão.
• O Parecer Psicoĺgico expressa de forma resumida uma questão focal pertencente
ao campo da Psicologia, cujo resultado pode ser indicativo ou conclusivo. Sua
inalidade ́ responder a questões-problema por meio de uma avaliação t́cnicaespecializada de proissionais de referência no assunto. Sua estrutura ́ composta
por quatro itens identiicação, exposição de motivos, análise e conclusão. Como
o Parecer Psicoĺgico não ́ realizado por meio de avaliação psicoĺgica, na sua
estrutura não precisam ser descritos procedimentos adotados.
• Todos os documentos psicoĺgicos devem possuir a indicação do local, data
de emissão, assinatura do psićlogo acima do carimbo ou identiicação do seu
registro proissional, e se forem produzidos em mais de uma lauda, as demais
deverão estar rubricadas.
• “ Resolução CFP nº
/
estabelece que o psićlogo, se for possível, deve
indicar o prazo de validade do documento emitido a partir dos objetivos
da avaliação e das informações. O prazo estabelecido para a guarda dos
documentos psicoĺgicos ́ de, no mínimo, cinco anos, podendo ser ampliado
por determinação judicial.
261
AUTOATIVIDADE
De acordo com a Resolução CFP nº
/
documentos produzidos pelo psićlogo?
, quais são as modalidades de
Como deve ser elaborado um “testado Psicoĺgico de acordo com o Manual
de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psićlogo Resolução
CFP nº
/
?
Quais são os t́picos que devem estar obrigatoriamente presentes em um
Relat́rio ou Laudo Psicoĺgico? O que cada um deles deve descrever?
262
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