O CONVENTO DA ENCARNAÇÃO
DAS COMENDADEIRAS DE SÃO
BENTO DE AVIS
ANDRÉ MARTINS DA SILVA
NOVEMBRO DE 2017
O CONVENTO DA ENCARNAÇÃO DAS
COMENDADEIRAS DE SÃO BENTO DE AVIS
por
André Martins da Silva*
andre.msilva@scml.pt
https://fcsh-unl.academia.edu/AndreMartinsdaSilva
Separata de Cadernos Culturais – Lumiar - Olivais - Telheiras, 2ª Série N.º 10, de
Novembro de 2017, edição do Centro Cultural Eça de Queiroz sob direcção de Fernando
Andrade Lemos e José António Silva.
SILVA, André Martins da – O Convento da Encarnação das Comendadeiras de São Bento de Avis. Cadernos
Culturais – Telheiras - Lumiar - Olivais. ISBN 978-989-8180-12-4. 2ª Série Nº 10 (Novembro 2017), pp. 1733
* – Técnico Superior do Serviço de Públicos e Desenvolvimento Cultural da Direcção da Cultura da Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa. Guia-Intérprete e Historiador de Arte.
205
O Convento de Nossa Senhora da
Encarnação1
Fig. 1 – O Convento da Encarnação visto do Miradouro
de São Pedro de Alcântara.
Fotografia do autor.
Apesar de se erguer em local de destaque na colina
de Sant’Ana, impondo-se perante o edificado
circundante numa posição sobranceira à baixa lisboeta,
o Convento da Encarnação permaneceu largamente
desconhecido pelo público em geral, tendo, também,
recebido relativamente pouca atenção por parte dos
investigadores. Para este desconhecimento terá
1
Nos documentos que aqui publicamos segue-se a seguinte
metodologia de transcrição paleográfica: respeito pela estrutura do
texto original, tanto ao nível da pontuação como da ortografia
(mantendo-se maiúsculas e minúsculas tal como estão no original e
não se actualizando caracteres, por exemplo a letra U pela V ou a
letra J pela I, entre outras); fins de linha assinalados com uma barra
inclinada à direita e fins de página com duas barras inclinadas à
direita; partes de texto que foram excluídas por razões de economia
da transcrição, assinaladas por reticências entre parêntesis rectos;
informação que foi acrescentada por razões de clareza, não se
encontrando no documento original, entre parêntesis rectos; tudo o
que foi transcrito está entre aspas e em itálico e as letras
acrescentadas por motivo de desenvolvimento de abreviaturas estão
em formato normal. O sinal de igual e o hífen correspondem a
hifenizações, sendo usados de acordo com a forma em que se
encontram no original.
contribuído, por um lado, a atenção limitada que a arte
do período filipino obteve até há relativamente poucos
anos, desconsiderada que era devido ao seu
entendimento como produto de um ocupante
estrangeiro e, como tal, merecedora de enfoques mais
superficiais. Por outro lado, o até há pouco tempo
dificultoso acesso ao espaço terá sido outro factor,
situação que se tem vindo a minimizar graças às visitas
à zona conventual – guiadas pelos técnicos do Serviço
de Públicos e Desenvolvimento Cultural da Direcção da
Cultura da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa –, ao
que se acrescentam outras actividades culturais
promovidas pela Instituição.
Facilitadas com a entrega dos Recolhimentos da
Capital2 à Santa Casa, estas visitas guiadas
contribuíram, ainda, para uma atenção redobrada ao
Convento da Encarnação por parte dos guias que as
conduzem, o que tem permitido trazer à luz informações
de interesse. Tivemos também oportunidade de estudar
este convento no âmbito do Mestrado em História das
Artes da Época Moderna e da Expansão, da FCSHNOVA, por ocasião do nosso trabalho final da unidade
curricular de Arte Monástico-Conventual da Época
Moderna em Portugal, leccionada pelo Professor Doutor
Carlos Moura, a quem agradecemos pelo
enquadramento e encaminhamento ao longo do mesmo.
Na sequência de todo o esforço que de alguns anos a
esta parte vem a ser desenvolvido à volta do Convento
da Encarnação, vimos assim partilhar alguma da
informação a que chegámos, no seguimento do repto
lançado pelo Centro Cultural Eça de Queirós, na pessoa
do seu coordenador, o Senhor Professor Fernando
Andrade Lemos, a quem aproveitamos para manifestar
o nosso agradecimento e respeitosa amizade.
2
Os Recolhimentos da Capital, incluindo a Encarnação, foram
entregues à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em 2011, até
então à guarda da Segurança Social. São cinco, a saber:
Encarnação, Santos-o-Novo, Grilo, São Cristóvão e Merceeiras.
17
Em 1833, Luís Gonzaga Pereira situava em 15 de
Setembro de 1630 a instalação da comunidade no local,
data durante muito tempo depreendida como próxima
do momento de arranque das obras, como é expectável.
Segundo o mesmo autor, o convento terá sido
reconstruído depois de 1734, a mando de D. João V, no
rescaldo de um violento incêndio que o consumiu3.
Depois disto, o convento foi referido por vários
olisipógrafos, como Norberto de Araújo ou Fernando de
Almeida, porém carece ainda de um estudo de cariz
monográfico, que, através de uma abordagem profunda,
permita elucidar – de uma forma detalhada e bem
fundamentada – a sua real dimensão histórico-artística.
Mais recentemente, o Convento da Encarnação foi
abordado por Adélia Caldas no âmbito do Projecto Lx
Conventos4, que partilhou algumas conclusões no
colóquio organizado pela ocasião e tomou a seu cargo a
redacção da respectiva ficha de inventário5.
Ao longo das páginas que se seguem, procuraremos
minimizar temporariamente o referido desconhecimento
que recaiu sobre o monumento, até este receber o
estudo detalhado que verdadeiramente merece.
Com efeito, este interessantíssimo convento
seiscentista foi ocupado até finais do século XIX por
membros da mais distinta nobreza feminina portuguesa
– dignidade em grande medida devida à sua afectação
à Ordem de Avis – fundado que foi no ano de 1614 para
“[…] ha=/uerem de recolherse nelle as pessoas de
mayor qualidade deste Rej=/no, pera depois poderem
cazár”6. Estas conseguiram, por isso mesmo, chamar a
si a colaboração de gerações sucessivas de arquitectos
cimeiros, tais como Baltazar Álvares, Mateus do Couto,
João Antunes, Custódio Vieira ou Manuel Caetano de
Sousa, que foram somando os seus contributos a partir
de 1625, quando o convento se instalou na colina de
Sant’Ana.
A fundação de um convento
3 PEREIRA, Luís Gonzaga – Monumentos sacros em Lisboa em
1833, p. 245 e segs.
4 Vd. http://lxconventos.cm-lisboa.pt/
5 Vd. CALDAS, Adélia – Convento de Nossa Senhora da
Encarnação, In Lx Conventos (código LxConv040),
(http://patrimoniocultural.cmlisboa.pt/lxconventos/ficha_imprimir.aspx?id=617)
6 Documento de 1641. AN/TT - MCO Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055, doc. 7
A fundação do Convento de Nossa Senhora da
Encarnação deve-se à vontade da Infanta D. Maria, filha
do rei D. Manuel I, que, em 18 de Julho de 1577, doente
e consciente da possibilidade de morrer – como
efectivamente morreu – passou a escrito as suas
últimas vontades. Uma das mulheres mais ricas do seu
tempo, D. Maria foi amiúde pretendida para fins
matrimoniais nunca concretizados, o que lhe valeu o
epíteto de A sempre-noiva. Através do seu testamento
distribuiu muita da riqueza que tinha, tendo, além de
outras doações pias, manifestado a intenção de fundar
“[…] hum moesteiro de freiras da ordem de sam / Bento,
no lugar que ao geral & padres de Sam Bento (de cuja
obe-/diencia as freiras hão de ser) parecer bem […]”, no
qual não haja “[…] nun-/ca mais, nem menos freiras,
que sesenta & duas, & vinte seruido-/ras: deste numero
de freiras, as vinte & cinco seram de nobre ge-/ração, &
se receberaõ sem dote, nomeadas por el Rey meu
senhor […] a que peço por me fa/zer merce queira ser
padroeiro & protector deste mosteiro, pera / que (se
nosso Senhor me leuar sem o eu edificar) dee Sua
Alteza ordem para os ditos padres de sam Bento o
edeficarem, a quem mando se / entregue hum conto &
meo de juro, que he o dote com que doto / e fundo o tal
moesteiro”. Acrescenta ainda que “A inuocação desta
casa sera, nossa Senhora da Encarnação: Os /
estatutos & modo da vida, sejão os da ordem onde mais
refor-/mada a ouuer”7. É muito provável que a
preferência da Infanta por esta invocação se deva à
ligação onomástica com o seu próprio nome, Maria, na
linha de uma tradição que sabemos ter uso naquela e
noutras épocas. A título de exemplo, o santo patrono do
seu meio-irmão, o Rei D. João III, era S. João Baptista,
como se vê nalguma iconografia régia, designadamente
o painel do coro-alto da Igreja da Madre de Deus, de
Cristóvão Lopes.
Ao testamento a infanta anexará depois um codicilo,
que achou por bem acrescentar “porque vão no dito
testamento algũas cou-/sas, que a meu parecer não vão
bem declaradas pola pressa com / que // que o fiz”8. E
esclarece:
“Declaro que o moesteiro que deixo no meu
testamento que se / faça de freiras da ordem de sam
7
8
Treslado do Testamento da Iffante, que Deos tem.
Treslado do Testamento da Iffante, que Deos tem.
18
Bento, que quero que seja fei-/to aqui em Lisboa, & que
se busque pera isso hum sitio que se / compre à custa
de minha fazenda, que seja muito alegre e saa-/dio, &
tenha muita agoa dentro: & os meus testamenteiros [o
Cardeal D. Henrique, o Arcebispo de Lisboa e o
Governador de Lisboa] / com o Geral e padres da dita
ordem, mandarão buscar este si-/tio […]”9. A infanta
pretendia também distribuir as relíquias em sua posse
pelos mosteiros que tinha fundado: “Mando que se as
reliquias que tenho, ao tempo que nosso Senhor / me
leuar as não tiuer já dadas, que as repartão meus
testamenteiros / por o moesteiro de nossa Senhora da
Luz, & por o moesteiro de / santa // santa Ilena de
Monte caluario que fiz em Euora, & polo moesteiro / que
mando fazer de freiras da ordem de sam Bento nesta
cidade / de Lisboa, & pera cada moesteiro destes
mandarão meus testa-/menteiros fazer seu relicario de
prata muito bem feito em que se / metão estas
reliquias”10. Ignoramos se o relicário chegou a ser feito e
sequer se as relíquias foram entregues à Encarnação.
Resumindo, no testamento a Infanta define a ordem
religiosa a que a casa estaria afecta e o seu número de
ocupantes, pedindo ao rei que sustentasse 25 freiras e
assegurasse a fundação do convento. Estipula uma
soma para custear a construção, define a invocação e
exige o rigor da observância. Impõe, ainda, que as
ocupantes sejam cristãs velhas e define uma tença para
o seu sustento. Acrescenta, depois, que a casa teria
que ser fundada em Lisboa, num local adquirido à custa
da sua fazenda.
Pese embora o grande cuidado que a infanta
manifesta no seu testamento, prevendo praticamente
tudo o que seria necessário para dar cumprimento à
fundação, a obra só vem efectivamente a iniciar-se
muito depois, já no reinado de Filipe II de Portugal. Ora,
como sabemos, um ano depois da morte da infanta, o
Rei D. Sebastião – a quem, recorde-se, tinha pedido
para ser patrono do convento – morreu no desastre
militar de Alcácer-Quibir, cujo contexto subsequente
contribuiu sobremaneira não só para o atraso do início
dos trabalhos, mas também para alteração das
orientações fundacionais estipuladas pela Infanta D.
Maria. Quando se começa a tratar de fazer cumprir a
sua vontade, na alvorada do século XVII, os desígnios
são já outros.
9
Efectivamente, as primeiras décadas da dinastia
filipina conheceram um fulgor construtivo de grande
importância política, particularmente focado na capital.
O Paço da Ribeira, epicentro do poder político
português, recebeu uma nova capela palatina (i.e. um
novo espaço de celebração da liturgia real), bem como
o imponente torreão do Terzi, marca visível e expressão
do poder do novo rei. Renovou-se integralmente São
Vicente de Fora, encomenda de D. Afonso Henriques e
portanto fortemente conotado com a fundação da
Nacionalidade, aproximando-se assim Filipe II à pessoa
do próprio rei-fundador. A refundação incluiu mesmo um
novo panteão dinástico, naturalmente ligado ao poder
político dos reis, e absorveu uma capela de origem
sebastianina então em construção do Terreiro do Paço,
precisamente dedicada a S. Sebastião.
Neste âmbito, e dentro da renovação espiritual
trazida pela reforma tridentina, várias ordens religiosas
vão beneficiar, também, do ímpeto construtivo.
Concluiu-se a casa-mãe da Companhia de Jesus, a
Casa-Professa de São Roque, em fase de construção
quando Filipe II subiu ao trono português, obra que o rei
apoiou com artistas a seu cargo enviados para o efeito.
A mesma ordem religiosa recebeu pouco depois um
novo colégio, o de Santo Antão-o-Novo, ao passo que
outras congregações receberam novos mosteiros, como
por exemplo São Bento da Saúde (beneditino) ou o
Desterro (cisterciense), entre várias casas religiosas
edificadas em Lisboa e não só.
As ordens militares não foram esquecidas e viramse favorecidas por iguais privilégios, onde a Corte
frequentemente interveio, movida por objectivos
políticos concretos. Com efeito, a fundação do Convento
da Encarnação enquadra-se num contexto mais vasto
de renovação das principais casas afectas às ordens
militares, ocorrido entre finais do século XVI e inícios do
XVII, indelevelmente associado à afirmação da nova
dinastia. Este conjunto de trabalhos determinou
intervenções importantes nas casas-mãe das ordens
militares cujo mestrado cabia ao rei: Cristo, Santiago e
Avis, ou seja, o Convento de Cristo, o de Palmela e o de
Avis, respectivamente. Segundo Miguel Soromenho, “a
continuidade cronológica das obras, a dimensão afim
dos programas arquitectónicos e o acompanhamento
Treslado do Testamento da Iffante, que Deos tem.
Treslado do Testamento da Iffante, que Deos tem.
10
19
directo das mais altas instâncias falam-nos de uma
política sistemática, cujo objectivo lógico seria o de
fidelizar algumas das mais importantes estruturas de
poder do Portugal do Antigo Regime”11.
Trabalhou-se também para erguer casas destinadas
às familiares dos cavaleiros pertencentes às ordens em
que o matrimónio era permitido, Santiago e Avis. Em
1609, cinco anos antes da fundação do Convento da
Encarnação, arrancaram as obras do novo Convento de
Santos-o-Novo, com um propósito em tudo igual ao
daquele, mas destinado às donas da Ordem de
Santiago. Como noutros casos (e.g. São Vicente de
Fora) foi basicamente uma refundação, herdeiro que era
de um anterior Convento de Santos-o-Novo fundado por
D. João II (hoje inexistente), por sua vez sucessor do
Convento de Santos-o-Velho.
Efectivamente, não é – de todo – por mera
coincidência que Santos-o-Novo e a Encarnação são
obras contemporâneas. Enquadram-se num conjunto de
iniciativas construtivas que incluiu importantes
intervenções nas casas-mãe e nos alojamentos para as
donas, cujo objectivo central não é favorecê-las, mas é,
pois, favorecer os cavaleiros seus familiares,
providenciando-lhes um local onde recolher as mulheres
e filhas, com uma finalidade política específica: fidelizálos à nova dinastia.
Com efeito, trata-se de duas obras cujos
paralelismos são não só funcionais mas também
cronológicos, formais e estruturais, sendo também
frequentes as referências documentais que fazem
menções cruzadas a ambas, ou encontrarem-se os
mesmos arquitectos a trabalhar nos dois sítios.
Basicamente, Santos-o-Novo e a Encarnação
desempenham exactamente a mesma função, mas a
favor de ordens militares diferentes, ocupando igual
papel dentro das respectivas estruturas. Se a primeira
referência à obra da Encarnação é de 160112, a de
Santos-o-Novo encontra-se no ano de 1605, incluindo
documentação de ordem financeira enviada ao rei e
exortações à urgência de se dar início aos trabalhos,
devido à falta de aposentos para as donas13. Muito
graças ao empenho dos envolvidos na refundação,
como a comendadeira D. Ana de Lencastre e o Marquês
SOROMENHO, Miguel – Os grandes programas arquitectónicos
filipinos para as Ordens Militares e o Mosteiro de Santos-o-Novo. In
Revista Monumentos. No. 15, p.19
12 Os aspectos cronológicos da fundação da Encarnação serão
desenvolvidos mais adiante.
13 SOROMENHO, Miguel – op.cit., p.20
de Castelo Rodrigo, D. Cristóvão de Moura, Santos-oNovo acabou por conhecer um avanço construtivo numa
fase relativamente inicial da sua fundação, logo a partir
do lançamento da primeira pedra a 9 de Fevereiro de
1609, dia de Santa Apolónia14. Poucos anos depois,
corria o ano de 1617, Mateus do Couto surge
documentado como olheiro da obra, o que – conforme
chamou à atenção Paulo Santos Costa – afasta a
possibilidade de lhe ser atribuída a autoria do projecto,
pois o cargo de olheiro corresponde ao que hoje
chamaríamos um supervisor, portanto “um executante
do trabalho por outrem projectado”15. É, no entanto, um
dado importante, pois o mesmo nome surge também na
Encarnação.
Por razões de ordem financeira, o Convento de
Santos-o-Novo nunca passou de menos de metade do
inicialmente projectado, pesem embora as ainda assim
impressionantes dimensões do conjunto. Já a
Encarnação, devido à escassez financeira relacionada
com a difícil gestão da fazenda da Infanta D. Maria,
problema pouco depois agravado pelas guerras dos
Trinta Anos e da Restauração, acabou por ser fundada
e iniciada décadas depois, com as respectivas obras a
arrastarem-se pelo século XVII adentro, tal como se
veio a verificar em Santos.
Construído a favor da Ordem de Avis, com expressa
intervenção por parte dos poderes régios, movidos por
intenções concretas, o Convento da Encarnação
constitui uma tipologia rara de casa monásticoconventual. Foi um convento feminino, adstrito a uma
ordem religioso-militar, por natureza de cariz masculino,
obviamente. Tal como muitas outras ordens militares, os
cavaleiros da Ordem de Avis não tinham, durante
praticamente toda a Idade Média, permissão para
contraírem matrimónio. Esta situação só se alterou em
finais do século XV, quando o famoso Papa Alexandre
VI Bórgia lhes concedeu autorização para se casarem.
Dos riscos da vida bélica a que estavam sujeitos adveio
a necessidade de casas conventuais que albergassem
as mulheres e filhas, quando o homem estava longe ao
serviço do rei ou quando morria em batalha. Se a
Ordem de Santiago respondeu a esta necessidade
11
SOROMENHO, Miguel – op.cit., p.20
COSTA, Paulo Santos – O projecto inicial e o projecto final. In
Revista Monumentos. No. 15, p.27
14
15
20
desde o século XII, com um recolhimento existente em
Arruda16, transferido no século seguinte para Lisboa,
ignoramos onde se recolheram as donas da Ordem de
Avis entre finais do século XV e a construção do
Convento da Encarnação. A mera presença na
Encarnação de património anterior ao século XVII não é
por si só indicadora da existência de um anterior
convento, pois é provável que fosse comum que, ao
entrarem, as donas trouxessem dos seus oratórios
privados imagens de santos da sua devoção pessoal.
Além de outras pinturas, refira-se a título de exemplo
um Menino entre os Doutores de Cristóvão de
Figueiredo, levado da Encarnação para o Museu
Nacional de Arte Antiga17, que em última análise não
será proveniente deste convento, pois antecede-o.
O papel deste convento dentro da estrutura da
Ordem de Avis é uma questão fundamental para o
compreender, pois distingue-o da esmagadora maioria
das demais casas monástico-conventuais. As habitantes
viviam num regime bastante mais permissivo que o
normal, muito distante da rigorosa observância exigida
pela Infanta D. Maria. Socorrendo-nos da conhecida
História dos Moesteiros, Conventos e Casas Religiosas
de Lisboa, “a obrigaçam que constitue o estado religioso
temperou o Pontifice de maneyra que o voto de
castidade de que professam he conjugal, e assim ficam
livres para poderem contrair matrimonio […]. No voto da
pobreza estam tambem dispensadas, porque podem
possuir bens e por morte dispor delles como lhe
parecer. A obediência tambem as nam obriga a culpa;
sam porem sogeytas a pena se nam cumprirem o que
lhes manda a Regra e a Prelada. A clausura que tem
lhes permitte sahir do mosteyro com licença da Prelada,
a qual se lhes concede pera visitar as parentas
proximas e tambem pera irem a algumas igrejas e a
outros mosteyros”18.
O nível de conforto era de tal ordem distinto da
maioria dos conventos que poderiam inclusivamente ter
criadagem, “conforme lhes he necessario e as posses
lhe permittem”19. O número de ocupantes
documentadas em 1708 fala claramente por si: o
convento era habitado por 1 comendadeira, 17
professas, 17 moças de coro, 9 seculares e 93
criadas20! Havia disponíveis 25 lugares para freiras
professas, de nomeação régia e providos pelo rei, ao
passo que as moças de coro eram obrigadas a trazer
um dote ao entrarem. As seculares recolheriam durante
a ausência do marido ou enquanto aguardavam pelo
casamento. À cabeça estava uma comendadeira,
nomeada pelo rei. Os estatutos do convento previam
que a prelada do convento seria perpétua e teria este
título, pois assim a chamava Sua Santidade nos breves
de fundação21. No reinado de D. João V está
documentada a existência de uma vice-comendadeira.
Esta organização dava ao Convento da Encarnação
uma estrutura interna distinta de grande parte das casas
monástico-conventuais. Estava, naturalmente, provido
com vários dos habituais espaços especializados da
vida cenobítica, tais como claustro, igreja, casa do
capítulo, portaria, casa da roda, etc., mas, por outro
lado, não tinha refeitório ou enfermaria, pois não
comiam em comunidade e se adoecessem recuperavam
nas suas habitações individuais. E este é, pois, o ponto
que provavelmente mais distingue a Encarnação: é um
espaço conventual que se encontra divido em várias
unidades habitacionais, onde as habitantes se
recolheriam e viveriam com alguma autonomia e em
economia própria. Para além dos domicílios individuais,
o convento tinha dois dormitórios para as religiosas22,
sabendo-se que pelo menos um deles estava encostado
à muralha fernandina, pois uma ruína de parte desta
levou uma parede do dormitório com ela23.
A comodidade em que viviam é curiosamente
espelhada numa petição para saída do convento, que
aqui transcrevemos parcialmente:
“Fes petiçaõ a Vossa Magestade neste Tribunal da
Meza da Consciencia E / ordens dona Maria da Cunha
professa no Mosteiro de nossa senhora / da Encarnaçaõ
da Ordem d Aviz, em que diz que ella tras
20
MATA, Joel Silva Ferreira – O Convento e as religiosas da Ordem
de Santiago. In Revista Monumentos. No. 15, p.15
17 Número de inventário 1575 Pint
18 História dos Moesteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa,
Tomo II, pp. 431-432
19 História dos Moesteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa,
Tomo II, p. 432
16
História dos Moesteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa,
Tomo II, p. 440
21 AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. 16
22 História dos Moesteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa,
Tomo II, p.440
23 Documento de 1644. AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055, doc. 27
21
há / muitos tempos grandes estimulos na sua alma de
ser capucha / em algũm dos mosteiros Recolectos desta
Cidade, e porque no do / sancto sacramento se uiue
com grande Rigor, a saber, naõ comendo / carne,
jejuando sete mezes continuos, naõ vsando de linho no
inte-/rior, naõ tendo cama, indo a matinas sempre a mea
noite, tendo duas horas de oraçaõ mental cada dia, naõ
sendo uistas de pessoas / de fora, nem ainda de pays, e
mays, seruindosse por ssy sem / criadas, nem
seruidoras, e com tanta pobreza que naõ tem / mais que
hũ pobre habito de burel branco, com outros muitos
Rigores particulares que naquela Casa se obseruaõ. O
que tudo he / pello contrario na Encarnaçaõ porque nem
tem profissão solémne / que lhe impida o casar, antes o
podem fazer segundo a sua regra, nem tem clausura,
saindo como saem a uisitar seus paren-/tes, nem tem
jejuns, nem abstinencias, nem aspereza de uestido, e
se seruem com prata, nem tem pobreza pois saõ
obri/gadas a ter Renda propria, e quantas mais tanto
melhor para / sostentarem estado e criadas […]”24.
Os anos iniciais na Ermida de São
Mateus
Se em 1577 a Infanta D. Maria manifestou a sua
vontade no sentido de mandar edificar o convento, só
em 1601 é que os poderes políticos se começaram a
mexer para a concretizar. Excluindo o testamento da
Infanta, data de 8 de Dezembro deste ano a referência
mais recuada que conhecemos relativamente ao
Convento da Encarnação, especificamente uma carta
régia de Filipe III de Espanha25 sobre o local onde
deveria ser fundado. Quatro anos depois, uma outra
carta dá indicações ao agente em Roma, D. José de
Melo, no sentido de conseguir bulas papais para que se
procedesse à fundação, e é apontada para fundadora
D. Luísa das Chagas de Noronha, religiosa no Convento
da Esperança de Lisboa26, vindo a ser, mais tarde, a
primeira comendadeira da Encarnação.
Em 1612, Paulo V emite um breve para que se
fundasse o convento em casas particulares27, passando,
a 8 de Outubro do mesmo ano, um segundo breve “[…]
24 Documento de 1649. AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055, doc. 38
25 Continuação do Inventário do supprimido Convento de Nossa
Senhora da Encarnação da Ordem de São Bento de Avis (Cartório),
fól.16 f. In Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora da
Encarnação de Lisboa.
26 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 8 f
27 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 2 f
alcançado, a instancia d’ / El Rei Fellippe de Castella, /
a favor do mosteiro, sobre a fun/dação e Commutação
da ulti-/ma vontade da Infante Dona / Maria”28. Esta
comutação disse respeito à entrega do convento não ao
ramo feminino da Ordem de São Bento, mas sim à
Ordem Militar de São Bento de Avis29, uma alteração
absolutamente fundamental para entender a história da
Encarnação. Especificamente solicitada pelo poder
régio, esta comutação deve ser compreendida à luz da
conjuntura em que então se vivia e no âmbito de uma
campanha construtiva então em marcha, a favor das
ordens militares.
Uma referência documental de 1646 indica que “[…]
se deu prinçipio a este Mosteiro no anno d 614 […]”30,
data fundacional já apontada por outros autores, como
Adélia Caldas31. Neste mesmo ano, a 2 de Julho, o
Arcebispo de Lisboa emitiu uma patente “[…] mandando
a / Madre Soror Madanella do Or/to, Prioreza do
Convento da / Esperança, que deixe sair d’/elle a Madre
Soror Luiza das / Chagas para ir ás Casa do / Conde de
Monsanto, junto / á Ermida de Sam Matheus, / que sam
destinadas para o // Mosteiro da Ordem de Sam / Bento
d’Aviz”32. Sucederam-se, no mesmo ano, autorizações
para saídas de várias freiras de espaços monásticoconventuais como Odivelas, Anunciada, Esperança e
N.ª Sr.ª dos Poderes de Vialonga, com vista à
integração na comunidade inicial da Encarnação33.
Sendo a comendadeira um cargo de nomeação
régia, D. Luísa das Chagas de Noronha tomou posse no
ano seguinte, por “Carta d’El Rei / D Felippe II, de 22
agosto 1615 / pela qual nomeou Commen/dadeira do
Mosteiro da En-/carnação, da Ordem de Sam / Bento
d’Aviz a D. Luiza / de Noronha, a quem foi lan-/
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 3 f
Um documento de 1646 informa que “[…] sua sanctidade
dispensou a instançia de Vossa Magestade / que o llegado que
deixou a senhora Iffante Dona Maria, que Deos tem / para nesta
Cidade se fundar hũ mosteiro de freiras da Ordem de saõ / Bento, se
comprisse e comutasse, em freiras da ordem de sam / Bento d Auiz
[…]”. AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens –
MCO 055, doc. sem n.º
30 AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. sem n.º
31 CALDAS, Adélia – Convento de Nossa Senhora da Encarnação, In
Lx Conventos (código LxConv040), (http://patrimoniocultural.cmlisboa.pt/lxconventos/ficha_imprimir.aspx?id=617)
32 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 11 f / fól. 11 v
33 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 11 v / fól. 12 f
28
29
22
çado o habito da Ordem, e se / deu posse do cargo pelo
Bis-/po Frei Jeronymo de / Gouvêa”34. A partir deste ano
começam a aparecer diplomas régios mandando lançar
hábito a várias nobres, incluindo familiares do próprio
Conde de Monsanto, o que comprova o estado activo da
casa pelo menos a partir de 161535, não nos tendo sido
possível localizar nenhum lançamento de hábito
documentado em 1614. Mesmo a própria prelada só o
recebeu em 1615.
A comunidade inicial instalou-se temporariamente no
Paço dos Condes de Monsanto, a Este da Praça do
Rossio, perto do Poço do Borratém e junto à Ermida de
São Mateus, que, ao que parece, foi servindo de igreja
conventual, pois sabemos que foi lá que várias das
donas de Avis professaram. Foi preciso aguardar mais
uma década para que se localizasse uma casa
definitiva.
Fig. 2 – Localização da Ermida de São Mateus, a Este da
Praça do Rossio.
Planta da cidade de Lisboa (pormenor).
João Nunes Tinoco, 1650
Biblioteca Nacional de Portugal; cota do exemplar
digitalizado: cc-1647-a
A instalação na colina de Sant’Ana e
construção do edifício
Fundada a comunidade conventual, num espaço
assumidamente de cariz provisório, tratou-se, então, de
localizar um sítio para proceder à construção do
convento definitivo.
Para dar cumprimento a este desígnio, foram
propostos vários locais alternativos, com participação
directa da coroa. Logo em 1619, Filipe II de Portugal dá
indicações ao Vice-rei, o Marquês de Alenquer, para
que avalie os Paços de Xabregas, onde se pretendia
34
35
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 12 v
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 47 f / fól. 19 f
edificar o convento36. Apesar de a documentação não o
indicar, certamente que a avaliação foi negativa, pois
em 1623 há nova carta régia, sugerindo como
alternativas as Escolas Gerais, os Fiéis de Deus ou o
Chafariz de Arroios37. Documentação publicada por
Carla Alferes Pinto explica-nos o motivo da recusa dos
três locais38. A propriedade nas Escolas Gerais não
tinha nada que a favorecesse, a dos Fiéis de Deus era
demasiado pequena e a de Arroios era devassa e muito
cara. Adicionalmente, nenhuma das três tinha água
suficiente, algo que a Infanta D. Maria tinha exigido em
testamento. O mesmo documento publicado pela autora
sugere ao rei a instalação do convento numa quinta a S.
Sebastião da Pedreira, que de igual maneira não se
veio a concretizar.
Finalmente, a 22 de Maio de 1624, o rei ordena que
sejam vistas as casas de D. Aleixo de Meneses39, onde
o convento se viria a fixar. Trata-se, pois, de um dado
de especial importância, uma vez que em 3 de
Novembro de 1626 surge um acórdão “[…] ordenando /
que se tapasse o passadiço / do terreiro de D. Aleixo de
Me-/nezes, o que foi requerido pela / comendadeira do
Mosteiro de / S. Bento d’Aviz, que ali se / fundára”40. Isto
é, àquela data o convento já estava seguramente
situado na colina de Sant’Ana. Como também sabemos
que no ano anterior houve uma “[…] Consulta da Me-/za
da Consciencia e Ordens so/bre o dinheiro que faltou no
Co/fre applicado ás Obras do / Mosteiro d’Aviz […]”41 –
o que leva a crer no desenvolvimento de trabalhos à
época – podemos afirmar com um bom grau de certeza
que a construção do Convento de Nossa Senhora da
Encarnação se iniciou no ano de 1625.
Mais tardia foi a instalação da comunidade,
geralmente apontada para 15 de Setembro de 1630, no
seguimento da informação emanada pois Luís Gonzaga
Pereira42. No entanto, temos conhecimento da
existência de uma vistoria a 16 de Setembro de 1630,
feita pelos deputados da Mesa, por certo
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 16 f
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 16 v
38 PINTO, Carla Alferes – O Mecenato da Infanta D. Maria de
Portugal (1521-1577). Vol 2. pp. 12-14
39 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 18 v
40 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 18 v
41 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 19 f
42 PEREIRA, Luís Gonzaga – Monumentos sacros em Lisboa em
1833, p.245
36
37
23
com o intuito de ver a adequação do imóvel às
necessidades das futuras ocupantes, indicando a
comendadeira que “[…] logo se mandasse pas-/sar a
ellas [às casas de D. Aleixo] com as religiosas […]”43.
Ou seja, a instalação da comunidade terá ocorrido muito
perto de 15 de Setembro de 1630, é um facto, mas
pouco depois dessa data, ainda assim.
Nos anos que se seguiram sucederam-se mais
referências a trabalhos no conjunto. É provável que as
obras
anteriormente
referidas
tenham
sido
essencialmente de adaptação das antigas casas de D.
Aleixo e que o convento propriamente dito tenha sido
edificado a partir da instalação da comunidade, dados
os meros 5 anos decorridos entre a escolha do local e a
entrada das ocupantes. Em 1634 há uma consulta à
Mesa da Consciência e Ordens relativamente à
construção do convento com a fazenda da Infanta44, que
muito provavelmente se revelou insuficiente uma vez
que nos anos seguintes há referências a empréstimos
contraídos para financiar a construção do edifício,
comprovando a continuidade dos trabalhos. A falta de
financiamento parece ter sido uma constante ao longo
da história do convento, surgindo documentada com
frequência. Três anos depois, contraiu-se um
empréstimo destinado a obras através de um
instrumento de obrigação, no qual se admitia, no
entanto, haver já outras dívidas45, e isto depois de uma
petição ao Arcebispo de Lisboa no sentido de serem
atribuídas rendas destinadas à fábrica do convento46.
Estando adstrito à Ordem de Avis, a atribuição da
condução dos trabalhos aos vários artistas que foram
ocupando o cargo de Arquitecto das Ordens Militares
parece ser um dado relativamente seguro. Em 1625,
aquando do início dos trabalhos, tal posto cabia a
Baltazar Álvares, tendo passado em 1629 para Mateus
do Couto, tio47. Tal como em Santos-o-Novo, não há
documentação que coloque Álvares nos primeiros anos
da Encarnação, o que não impede que o risco do
edifício santiaguista lhe seja atribuído de forma
consensual pelos especialistas48, sendo também
relativamente segura a sua passagem pelo convento
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 18 f
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 25 v
45 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 91 f
46 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 46 v
47 COSTA, Paulo Santos – O projecto inicial e o projecto final. In
Revista Monumentos. No. 15, p.28
48 Vd. COSTA, Paulo Santos – op. cit., pp.25-32 e SOROMENHO,
Miguel – Os grandes programas arquitectónicos filipinos para as
Ordens Militares e o Mosteiro de Santos-o-Novo. In Revista
Monumentos. No. 15, pp. 19-23
homólogo da Ordem de Avis49, ainda que tenha ficado
no cargo durante pouco tempo depois do início dos
trabalhos.
Quanto a Mateus do Couto, documentação revelada
por Miguel Soromenho indicava já que o arquitecto tinha
estado presente aquando das fundações de Santos-oNovo e da Encarnação50. A esta referência
acrescentam-se as menções a trabalhos no edifício da
colina de Sant’Ana, acompanhados pelo arquitecto:
No ano de 1641, “Donna Joanna de Noronha Vigaria
do mosteiro da Encarnaçaõ / da ordem de Saõ Bento de
Auijs, se queixou a Vossa Magestade do preiuizo / que
ao ditto mosteiro resulta das cazas que iunto a elle faz
Dona Tereja / Ximenes, com as quais naõ só lhe tira
grande parte da uista / de que necessita mais que os
outros conuentos, por estar no meo desta cida=/de, E
careçer por este respeito, das çerras, E órtas, que os
outros mos=/teiros tem, mas porque com a altura, em
que a ditta obra se pos se aue=/zinharaõ tanto as uistas
de huma, E outra parte, que fica sendo / grande a
deuassidaõ, que no dito mosteiro se padeçe; o que lhe
he de / grande preiuizo, assi em respeito das cazas que
a ditta Donna Tereja faz, / serem de pessoas seculáres,
E que ao diante se poderaõ alugár, E resulta=/rem de
uizinhança taõ chegada grandes inconuenientes, a
authori=/dade E recolhimento das religiosas do ditto
mosteiro, como porque se en=/costaõ ao muro da
clausura, com o que poderaõ dellas entrár no di=/to
mosteiro, o que Matheus do Couto, architeto de Vossa
Magestade, que fes a plan=/ta inclusa, testefica,
acressentando, que se se leuantarem as paredes / na
altura necessaria, pera se impedir este danno, se ficará
tomando / ao mosteiro a principál uista que tem […]”51.
Tivemos a boa fortuna de localizar a referida planta,
assinada pela mão de Mateus do Couto, cuja estrutura
aproveitamos para aqui reproduzir graficamente52.
43
44
SOROMENHO, Miguel – A arquitectura do ciclo filipino. p. 43
SOROMENHO, Miguel – Os grandes programas arquitectónicos
filipinos para as Ordens Militares e o Mosteiro de Santos-o-Novo. In
Revista Monumentos. No. 15, p.20
51 AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. 7
52 AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. 8 e segs
49
50
24
Dormitorio das
Religiosas
Sjsterna
do
mosteiro
jardim do mosteiro
Rua da Barroqua
Casas de donna Tareja
Fig. 3 – Reprodução digital de planta da autoria de
Mateus do Couto, tio, assinada e datada de 1641.
Reprodução digital do autor.
Original em AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055, doc. 8 e segs.
A esta, Mateus do Couto acrescentou algumas
notas, dizendo basicamente o mesmo que o anterior
excerto. O arquitecto identificou também – para além
das casas de D. Tareja –, o jardim do convento, o
dormitório das religiosas, a cisterna e uma rua, a Rua da
Barroca. Havendo dois “Mateus do Couto”
documentados, tio e sobrinho, valerá a pena esclarecer
que em causa estaria Mateus do Couto, tio, pois em
1661 este, já idoso, solicitava através de uma petição
que o cargo de arquitecto das ordens fosse entregue a
Mateus do Couto seu sobrinho quando morresse53,
significando isto que pelo menos até este ano foi o tio
quem desempenhou o cargo.
É possível tentar-se uma sobreposição desta planta
ao edificado actual. Como Couto refere a importância de
se preservar a vista do convento, com certeza que a
zona em causa ficaria na sua vertente Oeste, virada
para a Baixa, onde inclusivamente existe um pequeno
jardim, certamente o referido pelo arquitecto.
2
N
1
b
a
c
d
3
Espaços na actualidade:
1 - Igreja
2 - Claustro
3 - Portaria
Possível localização dos
espaços identificados por
Mateus do Couto:
a - Dormitório das religiosas
b - Jardim
c - Cisterna
d - Rua da Barroqua
e - Casas de Dona Tareja
O espaço onde “encaixa” a cisterna foi
comprovadamente um torreão da muralha fernandina.
Terá sido reutilizado para armazenamento de água?
Fica por aprofundar…
Este aproveitamento do edificado pré-existente deu
origem a problemas, sabendo-se que logo em 1644,
nem quinze anos feitos da instalação da comunidade,
um troço da muralha desabou levando parte do
dormitório das freiras com ela. Na sequência do
desastre, provocado por uma tempestade, pediu-se que
o veador das obras, Gonçalo Pires de Carvalho,
acudisse ao muro da cidade com a maior brevidade
possível54. É também por volta desta altura que é
fundada a Irmandade das Escravas do Santíssimo
Sacramento, mais concretamente no ano de 1643, que
ainda hoje tem a seu cargo o património móvel e
integrado do Convento a Encarnação.
A falta de financiamento parece ter sido uma
constante ao longo do século XVII, em grande medida
relacionada com a complicada gestão da fazenda da
Infanta D. Maria, com a difícil situação económica que
se vivia em Espanha durante a primeira metade do
século XVII, agravada ainda pela Guerra dos Trinta
Anos (1618-1648) e depois pela Guerra da Restauração
(1640-1668), que conjuntamente ditaram a condução
dos meios financeiros e humanos para outras
necessidades de maior urgência. De facto, zonas de
maior investimento decorativo, como é o caso da igreja,
tiveram que esperar por tempos mais desafogados para
serem concluídas. Sabe-se que entre 1641 e 1646 as
obras comuns do convento chegaram mesmo a estar
paradas, havendo denúncias que o dinheiro estaria a
ser empregue noutras coisas, como o embelezamento
do quarto da comendadeira, em detrimento dos
trabalhos para benefício de toda a comunidade.
Chamou-se à atenção que – tal como se fazia em
Santos-o-Novo – devia-se dar prioridade às obras de
bem comum e só depois avançar para o restante55.
Para obter financiamento fez-se um apelo ao rei,
informando que o convento mal podia sustentar 7
freiras, quanto mais as 60 e poucas que a Infanta previu
no
seu
testamento. Pediu-se que
fosse
e
Fig. 4 – Proposta de sobreposição da planta de Mateus
do Couto ao edificado actual.
Google Maps (adaptado).
SOROMENHO, Miguel – Os grandes programas arquitectónicos
filipinos para as Ordens Militares e o Mosteiro de Santos-o-Novo. In
Revista Monumentos. No. 15, p.23, nota 12
53
54 AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. 27
55 AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. sem n.º
25
disponibilizado dinheiro do juro da Marquesa de Laguna,
que fora repartido por alguns conventos56, e dinheiro da
Comenda de Juromenha, recentemente vagada por
morte do Conde de Vimioso. As obras do convento
encontravam-se em estado de necessidade e
incompletude57.
Uma das campanhas urgentes era precisamente a
conclusão da igreja, referindo uma petição de 1656,
feita pela Comendadeira D. Joana de Noronha, que “[…]
ao presente estaõ em grande aperto por estar a Igreja
por / forrar […]”58. Teve que aguardar até finais do
século XVII para receber o seu revestimento e algumas
parcelas só chegaram já no século XVIII, como o
retábulo da capela-mor.
Parece que a fortuna também não ajudou nada e
alguns desastres contribuíram para agravar a situação.
Para além do já mencionado desabamento de parte da
muralha da cidade, uma outra ruína documentada dános notícia de um claustro e das dificuldades em que
viveria a comunidade. Sensibilizava-se assim o rei para
“[…] a mizeria e aperto em que se / vive naquelle
Mosteiro, assim pella lemitação da / fazenda, como
pellas ruinas que teve de Muros / que derrubaraõ
parede de hũ Claustro que estava feito / e o durmitorio
que ha pouco cahio; e porque Vossa Alteza / Como
Padroeiro e Protector deve acudir lhe con to/do o
cuidado […]”59. Seria tentador associar este claustro a
uma arcaria ainda hoje existente, situada no espaço que
Mateus do Couto idenficou como o jardim, mas não nos
parece que a sua relação planimétrica com a
localização da igreja e posição na encosta de Sant’Ana
o permitissem, ainda que a análise formal à referida
arcaria autorize a sua atribuição a meados do século
XVII e, eventualmente, ao risco deste arquitecto.
Fig. 5 – Arcaria do jardim conventual.
Mateus do Couto, tio (?).
Meados do século XVII (?).
Fotografia do autor.
O aperto em que o convento vivia terá forçado a
contracção de empréstimos, que tomam alguma
frequência em finais da centúria, vários deles
explicitamente associados à necessidade de custear
obras. De facto, também há empréstimos
documentados sem o estarem, no entanto, entre o que
os estão contam-se pelo menos os de 167460, 167861 e
167962, ao que se soma uma petição movida em 1678
pela comendadeira e mais religiosas do convento
relativa ao dinheiro que se arrecadava com destino às
obras63.
Parte dos empréstimos foi certamente canalizada
para o financiamento da decoração da igreja, que
apresenta um programa decorativo datável grosso modo
de finais do século XVII, com capelas laterais64
valorizadas através da tardo-seiscentista talha dourada
em estilo nacional e um vasto programa pictórico da
autoria do pintor régio de D. Pedro II, Bento Coelho da
Silveira. Sabemos que em 1691 foi autorizado um
empréstimo “[…] pera se poder acabar a obra da
Cap=/pella Mór, a qual por muitas Rezois he=/ra precizo
findar se logo”65. Os trabalhos avançaram
imediatamente e, ainda no mesmo ano, “[…] dandosse
comprimento a Rezolluçaõ / de Vossa Magestade se
mandou o Arquiteto das / ordeñs Joaõ
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 91 v.
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 92 f.
62 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 91 v.
63 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 39 f.
64 Para imagens da igreja do convento, remetemos o caro leitor para
os conteúdos disponíveis no SIPA (www.monumentos.gov.pt IPA.00002535) e na página Flickr da Biblioteca de Arte da Fundação
Calouste Gulbenkian
(www.flickr.com/photos/biblarte/albums/72157624411964947).
65 AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. 145
60
61
56 Documento de 1658. AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055, doc. 49
57 Documento de 1657. AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055, doc. 50
58 AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. 51
59 Documento de 1669. AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055, doc. 67
26
Antunes fosse uer a Cap=/pella Môr do Conuento de
Nossa Senhora da En=/carnassaõ, e orsaçe o que
podera fazer de / custo, o que satisfes; Dizendo que /
por ordem de Vossa Magestade fora a Igreja da
Encar=/naçaõ ver, e orsar a obra que se intentaua /
fazer na Cappella Môr da dita Igreja e con=/forme a
planta, e prefil que fizera pera / a dita Cappella, fizera
orsamento muito / miudamente de toda a obra que
pertençe a ella / assim dos dezentulhos que se tiraraõ
dos / alicerçes, e paredes da Cappella, e caza / de
Trebuna aBobodas madeiramentos telha=/dos pedrarias
dos conhais, simalhas delles / e pedrarias do Arco,
Cruzeiro, portais, jene=/las, e mais pedrarias dos
pedestais em / que se hauia de sentar o Retabello,
Ban=/queta de Altar de pedraria, degraós prebi=/terios,
Lagedos do pauimento da Cappella / Retabello da Caza
da Trebuna, Caixilhos / dos paineis que uão nos lados
da Cappella / tudo de madeira de bordo emtalhada, e
dou=/rado desta obra, e pinturas dos paineis /
finalmente tudo acabado em sua perfeição […]”66. Tratase de uma referência documental de particular
importância, pois não só comprova a passagem de João
Antunes pela Encarnação, como significa que ao
arquitecto das ordens correspondia, efectivamente, a
coordenação do trabalho no seu todo, incluindo a
decordação dos interiores, para o que poderia recorrer a
outros artistas, como se verá mais adiante.
A Mesa da Consciência e Ordens manifestou-se ao
rei a favor da execução da obra, apesar de considerar o
orçamento demasiado caro. Por sua vez, o rei anuiu à
realização dos trabalhos, pois temos menções aos
mesmos em 169267, bem como “Um Caderno feito no
anno / de 1695, sendo Commenda-/deira do Mosteiro da
Encar-/nação D. Isabel Thereza de / Menezes, no qual
se acham / os nomes dos subscriptores e / as quantias
com que subscre/veram para a obra da Capella / Mór, e
o mais que se fez no di-//to mosteiro”68, o que aponta
para a necessidade de se recorrer a financiamento
externo e permite estabelecer que a obra da capela-mor
do Convento da Encarnação, dirigida por João Antunes,
teve provavelmente lugar entre 1691 e 1695.
No entanto, por alguma razão que somos incapazes
de esclarecer, o mais certo é não ter sido totalmente
concluída, pois o anónimo memorialista da História dos
AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. 146
67 AN/TT – MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. 50 e segs
68 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fóls. 41 v. e 42 f.
66
Moesteiros (…) de Lisboa regista que “E toda a mays
pedraria que vay por bayxo da ditta simalha até ao
pavimento sam almofadas embotidas. O tecto he em
meya laranja, de estuque, que será ornado de muyto
boa pintura. Falta ainda à capella [mor] o retabolo que
nam deyxará de ser de tam boa obra que diga muyto
bem com aquella de que a igreja está ornada”69. Isto
diz-nos duas coisas: em 1708 a capela-mor já tinha a
pedraria ainda hoje in situ, certamente de João Antunes,
mas estava ainda desprovida de retábulo, cuja
concepção só se veio a verificar após a sua morte.
O convento no século XVIII
Ao longo do reinado de D. João V estão
documentadas obras com alguma frequência, numa
primeira fase devidas em grande medida à continuação
de trabalhos trazidos do século anterior, como foram a
conclusão da capela-mor e do claustro. Depreende-se
que o volume dos mesmos terá levado a Corte a
disciplinar gastos, pois em 1716 foi emitido um alvará
fixando em 100.000 réis o valor máximo que se poderia
gastar anualmente70.
A História dos Moesteiros (…) de Lisboa documenta
obras a decorrer no claustro em 1708, cujo autor nos
informa que o convento “Nam tem grandes claustros
mas tem principiado hum com bastante grandeza,
porque em cada lanço tem nove arcos todos de pedraria
com varandas por cima, e no claustro ha já tres
capellas, e haverá mays como se acabar, com que virá
o claustro a ficar muyto fermoso”71. Em termos
estruturais (nove arcos com varandas por cima), a
descrição enquadra-se bastante bem com o que
actualmente ainda se vê, o que significa que à data
desta memória a obra estaria já num estado bastante
avançado e portanto certamente que vinha do século
anterior.
69
História dos Moesteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa,
Tomo II, p.434
70 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 110 v. e 111 f.
71 História dos Moesteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa,
Tomo II, p.440
27
Fig. 6 – Vista da arcaria do claustro.
Circa 1708.
Fotografia do autor.
No decénio de 1720, o então Arquitecto das Ordens
Militares, João Baptista Barros, interveio no claustro72.
Foi chamado devido à “[…] grande ne=/cessidade, que
havia de se lagear o claustro do dito / Convento, o qual
por ser de ladrilho, actualmente / se achava
damnificado, e se handava com consertos / nelle, vistas
as informações do Arquiteto das / ordens, se mandou
por este Tribunal fazer a ditta / obra do lageado; e
achando-se que em hũ dos lados / do ditto claustro hũas
cazas velhas, no tempo prezente / sem serventia algũa,
impediaõ a circulaçaõ do / mesmo claustro de tal sorte,
que nas occazioes / de procissaõ, chegava esta aquella
parte e voltava / para trâz, se mandou juntamente
demulir / as dittas casas, para effeito de focar corrente /
aquella circulaçaõ; fazendo porem o mestre // da obra
mediçaõ áos vaõs de todos os lados do ditto / claustro,
e achando na parte da demuliçaõ grande /
desigualdade, e ficar a obra muito imprefeita, fez / a
sobreditta Vigaria, e vice Comendadeyra [D. Anna Maria
de Atayde e Castro] a saber / a este Tribunal o Referido,
declarando que para / aquella obra ficar de todo
prefeita, e as naves / do ditto claustro com a mesma
igualdade era necessario Licença do Senado da
Camera para se / tomar seis, ou sette palmos de vaõ
em hũ becco / sem sahida, que ficava contiguo ao lado
do claustro / que necessitava daquella largura […]”73.
Estes trabalhos resultaram num dos vários
aumentos que o convento conheceu ao longo dos
tempos, neste caso pedido também devido à indecência
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 168 f.
Documento de 1729. AN/TT - MCO Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055, doc. 272 f. e v.
72
73
que seria um convento de religiosas ter vizinhança a
paredes meias, sublinhando-se mesmo que o Convento
da Encarnação “era o unico de Religiozas, que tivesse /
vizinhança de fora mística asy”74. O facto de se
poderem criar mais aposentos era outra vantagem. No
século anterior o convento também tinha sido
aumentado, após pedido da Comendadeira D. Joana de
Noronha, em 1658, para adquirir as casas de Vicência
de Castro, adjacentes ao edifício75.
Ainda na década de 20 há uma referência de 1729
(ao que acresce outra do ano seguinte), ao valor
deixado em testamento por D. Inês Clara Fialho de
Macedo, destinada ao “guisamento” de uma capela
instituída na igreja pela testadora76, pese embora o facto
de praticamente todas as capelas laterais serem
formalmente associáveis a um período anterior a este
ano. Porém, sabemos que efectivamente foi instituída,
pois entre 1806 e 1832 há recibos da celebração de
missas na capela instituída por D. Inês77. Trata-se de
uma questão que deverá ser melhor esclarecida
futuramente.
No início da década de 1730, a capela-mor foi
finalmente concluída. O douramento do retábulo foi
acordado entre o mestre Jerónimo da Silva e a Vicecomendadeira D. Anna Maria de Athayde e Castro em
12 de Outubro de 1727, pelo valor de um conto de
réis78. Acordado mas talvez não imediatamente feito,
pois dois anos depois a comendadeira requere ao
Senado da Câmara que permitisse tomar uma parcela
do Beco da Índia, de modo a fazer a capela-mor da
igreja79, o que permite apontar a execução do actual
retábulo para a década de 1730, datação que nos
parece ser autorizada pela análise formal ao mesmo,
pese embora o facto de as colunas se apresentarem
ainda muito apegadas ao barroco nacional.
Também da década de 30 serão escadório
conventual, as respectivas sobreportas e o dossel que
resguarda a entrada conventual. Em 1731 o Rei
74 AN/TT - MCO Secretaria da Mesa e Comum das Ordens – MCO
055, doc. 272 v.
75 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 38 v.
76 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 118 f. e 118 v; 119 v.
e 120 f.
77 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 89 v.
78 Curiosamente o mesmo documento acrescenta que a vigária
vendeu a Jerónimo da Silva uma propriedade localizada à frente do
convento. Continuação do Inventário (…) (Cartório), fóls. 168 v. e
169 f.
79 Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 169 f. e v.
28
D. João V pôs à disposição alguns operários das Reais
Obras de Mafra80, o que certamente explica a aparência
claramente mafrense das referidas zonas e as permite
associar cronologicamente a este ano, ou mais
provavelmente às obras feitas na sequência do incêndio
ocorrido em 1734, dado o pouco tempo decorrido. Nesta
altura sabemos que está activo no convento um tal
mestre pedreiro Pedro Gomes, documentado nos dois
anos referidos81.
Efectivamente, mal se poderia adivinhar que todo o
trabalho feito até então seria colocado seriamente em
risco num curto espaço de tempo, com o incêndio de
1734 e o terramoto de 1755, que naturalmente forçaram
a necessidade de mais obras.
Depois do fogo as religiosas e a vigária recolheramse ao Convento de Santos-o-Novo, onde habitaram até
a Encarnação estar em condições de ser reocupada. Os
estragos deverão ter sido graves, não só porque se
viram obrigadas a sair mas também porque temos
notícia da “[…] obra, que Vossa Magestade foi servido
mandar fazer no / Real Mosteyro de Nossa Senhora da
Encarnação / da ordem de São Bento de Aviz, por
cauza do fogo / que nelle houve, e totalmente o aRuinou
[…]”82. Sentimo-nos tentados a colocar algumas
reticências neste “totalmente o aRuinou”, pois basta
uma visita ao espaço para perceber que ainda tem
bastante património anterior a 1734, designadamente
grande parte da decoração da igreja, a estrutura do
claustro e a decoração de várias das suas capelas.
Para recuperação do convento ardido, logo no
ano seguinte ficou decidido “[…] que o Mosteiro da
Encarnação desta ci/dade se Reedificasse das Ruinas
que padeceo com o fogo, confor/me a planta, de que
estâ encarregado de fazer o Capitão Enginhei/ro
Custodio Vieyra; e hey por bem aplicar para a ditta obra,
/ os Rendimentos das Comendas vagas, que se
acharem Livres / devidas da Ordem de São Bento de
Aviz, â qual pertence / o ditto Mosteiro, e que dos
Caydos, que se acharem no Cofre, / ou estiverem
devendo os Rendeiros dellas se apliquem tam-/bem
para a mesma obra, e pagamento das propriedades,
que se ham de comprar para ella. […]”83.
Prosseguem então os trabalhos no conjunto,
impostos pela voracidade das chamas. Refez-se o coro,
para o qual Vieira recorreu aos serviços de Jerónimo da
Silva, o que comprova o seu papel não só de autor da
planta mas também de coordenador: “Diz Jeronimo da
Sylva que por hordem do cappitam Cos-/todio Vieira
pintou no Conuento da Encarnação desta / Cidade, o
Coro que de nouo se fes em parte da Igreja, e
junta/mente varias portas, e janellas, grade da Escada
noua / pulpito, e uarias pesas pera o mesmo Coro, e
nelle hum / tecto engeçado, e uarios Romendos de
Couzas velhas […]”84. Manuel Pereira dos Santos pintou
também várias figuras e ornatos para o mesmo coro85, e
o carpinteiro Francisco de Lima concebeu uma roda de
bordo, uma grade igualmente para o coro, um púlpito
redondo, de pé torneado e portátil, e várias portas para
os confessionários e para o comungatório. Já os
trabalhos de pedreiro, ficaram a cargo do anteriormente
referido Pedro Gomes86. A noção de uma acção que se
repete, inferida através da expressão “de novo”87,
permite pensar num possível coro pré-existente,
eventualmente perdido no incêndio, ainda que não
tenhamos localizado qualquer documentação que o
comprove. De qualquer maneira, esta referência
documental permite-nos, pois, datar a obra do actual
coro de circa 1735 e associá-la ao risco de Custódio
Vieira. Da traça deste arquitecto e engenheiro militar
será também, muito possivelmente, o escadório
conventual.
84
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 46 f.
AN/TT - Mesa da Consciência e Ordens Mç 240 Cx 486 doc. sem
n.º
82 Documento de 1748. AN/TT - MCO Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055, doc. 338
83 AN/TT - Mesa da Consciência e Ordens Mç 240 Cx 486 doc. sem
n.º
80
81
Documento de 1734. AN/TT - Mesa da Consciência e Ordens Mç
240 Cx 486 doc. sem n.º
85 Documento de 1735. AN/TT - Mesa da Consciência e Ordens Mç
240 Cx 486 doc. sem n.º
86 Documento de 1734. AN/TT - Mesa da Consciência e Ordens Mç
240 Cx 486 doc. sem n.º
87 “De novo. Outra vez”, “Edificar de novo”, In BLUTEAU, Rafael Vocabulario portuguez e latino. Coimbra: Collegio das Artes da
Companhia de Jesu, Vol. 5, p. 761
29
aos danos provocados pelo fogo, designadamente
molduras de alguns painéis e vários tectos que faltava
engessar88. É possível que o tecto pintado do escadório
tenha sido feito por si por volta desta altura, pois surge
várias vezes documentado, hipótese para consolidar ou
refutar posteriormente através de uma comparação com
a obra conhecida do pintor.
Fig. 9 – Tecto do escadório conventual.
Jerónimo da Silva (?), 1735-44 (?).
Fotografia do autor.
Figs. 7 e 8 – Escadório conventual
Custódio Vieira (?), 1735-1744
Fotografia do autor
Depreende-se que as obras exigidas pelo incêndio
se terão demorado pelo menos até meados da década
de 40, havendo notícia ainda em 1744 de pintura a ser
feita por Jerónimo da Silva, explicitamente associada
Naturalmente, nada deixaria adivinhar que, pouco
mais de 10 anos depois, todo este trabalho seria
violentamente comprometido por uma segunda vez,
com grande terramoto do 1º de Novembro de 1755.
Os danos provocados foram de tal ordem que, cerca
de um mês depois, “dizem a Comendadeira e Religiozas
do Mosteiro da Incarnação / da Ordem de S. Bento de
Avis, que o prezente terremoto aRui/nou muito o dito
Mosteiro, Rachando e abrindo todas as abobodas e
pa/redes delle, e cahindo muitas cazas, e paredes de
outras que tudo o / faz innabitavel pella grande Roina
que amiasa, e pera que esta não se/ja maior he presizo
que se acuda com prontidão a apontoarse e te/lharse a
Igreja e Coros pera que não seja maior a perda das
pintu/ras e talhas douradas, e asim Recorre a Vossa
Magestade pera que seja ser/vido ordenar que pela
consignação aplicada as obras do dito Mosteiro / se lhe
acuda logo, pondose os pontoes e mais Reparos
necesarios pera / que não venha ao chão”89.
No dia 27 de Fevereiro de 1758 o futuro Marquês de
Pombal
ordena
que
a
comendadeira
88
Documento de 1744. AN/TT - Mesa da Consciência e Ordens Mç
240 Cx 486 doc. sem n.º
89 AN/TT – Mesa da Consciência e Ordens; Mç 239, Cx 485. doc.
sem n.º
30
e a comunidade regressem ao convento90, cujas obras
de reparação não estavam já concluídas como têm
afirmado alguns autores91, muito pelo contrário. Com
efeito, as descrições dos estragos com 1755 remetemnos para danos impossíveis de reparar no espaço de
apenas 3 anos e, por outro lado, estão documentadas
campanhas de trabalhos explicitamente associadas a
recuperações devido ao sismo pelo menos até finais da
década de 1770.
Ainda que tenha havido pedidos anteriores,
destacando a grande necessidade da intervenção, o
grosso dos trabalhos de reparação só decorreu a partir
de finais da década de 1760. A 21 de Maio de 1768,
sendo comendadeira D. Mariana Henriques de Bourbon,
as obras foram autorizadas após vários pedidos com
carácter de urgência, depois de o arquitecto Manuel
Caetano de Sousa ter inspeccionado o edifício a 20 de
Abril do mesmo ano e ter advertido para a necessidade
de trabalhos urgentes92. Já durante o mandato da
comendadeira seguinte, D. Anna Ritta de Noronha, as
obras são finalmente iniciadas, corria agora o ano de
177193.
São referidas ruínas no dormitório e nalgumas
casas, a que se terá acorrido no ano posterior. Grande
parte dos trabalhos terão sido assegurados pelos
mestres pedreiro e carpinteiro António Luís e Henrique
Luís, respectivamente, pois são referidos com
frequência na documentação ao longo da década94. A
referências documentais incluem, ainda, menções
explícitas ao acompanhamento por parte de Manuel
Caetano de Sousa95, a quem, desta feita, coube a
coordenação dos trabalhos. Acrescentam-se vários
documentos de pagamento assinados por si, o que
comprova o cargo que ocupava. Os trabalhos
estenderam-se durante a década praticamente toda,
estando registados pelo menos até 177996.
No século seguinte, sobretudo após a extinção das
ordens religiosas em 1834, as condições de vida no
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 133 v. e 134 f.
CORTEZ, Maria do Carmo – Convento da Encarnação, In
SANTANA, Francisco; SUCENA, Eduardo – Dicionário da História de
Lisboa. p. 336
92 AN/TT – Mesa da Consciência e Ordens; Mç 239, Cx 485. doc.
sem n.º
93 AN/TT – Mesa da Consciência e Ordens; Mç 239, Cx 485. doc.
sem n.º
94 AN/TT – Mesa da Consciência e Ordens; Mç 239, Cx 485. doc.
sem n.º
95 AN/TT – Mesa da Consciência e Ordens; Mç 239, Cx 485. doc.
sem n.º
96 AN/TT – Mesa da Consciência e Ordens; Mç 239, Cx 485. doc.
sem n.º
90
91
convento foram-se degradando. Como é sabido, a
extinção recaiu sobre as ordens masculinas, tendo sido
permitida a continuação das casas religiosas femininas
até à morte da última freira. Sendo um convento
feminino mas dependente de uma ordem masculina, a
partir de 1834 deixaram de entrar todos os rendimentos
provenientes da Ordem de Avis. No mesmo ano é
nomeada uma comissão administrativa97, estando
documentada a nomeação de uma comendadeira pelo
rei ainda em 183798.
Em suma…
Na conclusão desta breve abordagem ao Convento
da Encarnação, valerá a pena fazer uma síntese das
principais ilações que conseguimos aferir.
Em primeiro lugar, é possível perceber que houve
um envolvimento directo das mais altas instâncias do
poder régio, participando na escolha do local,
nomeando as comendadeiras e intervindo junto do
papado, não só no sentido de obter as necessárias
autorizações mas também a comutação da última
vontade da Infanta D. Maria. Este envolvimento deve
ser entendido à luz do contexto da época, sendo devido
a motivações políticas concretas, directamente
relacionadas com a afirmação da nova dinastia.
Por outro lado, se para o início deste convento a
historiografia detinha até ao momento apenas as datas
de 1614 e 1630, enquanto momentos de fundação e
entrada da comunidade, respectivamente, podemos
agora acrescentar o ano de 1625, quando quase
certamente arrancaram as obras na colina de Sant’Ana.
É provável que as obras à volta desta data tenham dito
respeito essencialmente a melhoramentos e adaptações
nas antigas casas de D. Aleixo de Menezes, e só a
partir de meados e sobretudo finais do século se
tenham procedido aos trabalhos de construção do
convento propriamente dito. Esta leitura deriva da (em
várias ocasiões) documentada falta de fundos para
financiar a construção; da contração de empréstimos,
que tomam um ritmo particularmente frequente em finais
do século; da análise formal do património integrado da
igreja (cujos programas pictórico e de entalhamento são
grosso modo de finais do XVII, como já foi referido) e do
facto de a História dos Moesteiros (…) de Lisboa
documentar
a
estrutura
do
claustro
97
98
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 166 v.
Continuação do Inventário (…) (Cartório), fól. 123 f.
31
num estado já relativamente avançado em 1708.
Quer isto dizer que, apesar dos danos provocados
em 1734 e 1755, houve efectivamente zonas que
resistiram, designadamente a arcaria do claustro, a
decoração de várias das suas capelas e grande parte
do recheio da igreja. Porém, o tecto desta perdeu-se no
sismo, o coro e o escadório foram feitos cerca de duas
décadas antes na sequência do fogo, e certamente que
muitos domicílios também foram gravemente afectados,
atendendo às descrições dos estragos.
Praticamente todas as intervenções passavam pela
comendadeira e pela Mesa da Consciência e Ordens,
carecendo depois de autorização régia, em virtude do
estatuto do rei enquanto Mestre da Ordem de Avis e
padroeiro do convento. Ao longo dos tempos são
frequentes as chamadas de atenção ao monarca
reinante, dizendo-lhe que este estatuto o obrigava a
acudir ao convento. Os trabalhos seriam então
conduzidos pelo arquitecto das ordens, sendo vários os
detentores deste cargo que se encontram
documentados na Encarnação. O arquitecto das ordens
poderia recorrer à colaboração de outros artistas, cujo
trabalho coordenaria, como vimos.
A quase sempre constante falta de financiamento
não deixa de suscitar uma certa ironia, tendo em conta
o estatuto social das ocupantes. Foi necessário contrair
empréstimos, recorrer a subscritores externos e apelar
ao rei para que, muito vagarosamente, os trabalhos
fossem avançando. O caso da igreja é sintomático.
Trata-se do elemento mais importante de qualquer casa
monástico-conventual e que, simultaneamente, exige o
maior esforço financeiro. O convento foi iniciado em
1625, em meados do século a igreja continuava por
forrar e só o vem a ser entre finais do século XVII e
primeira metade do XVIII.
Haveria naturalmente muito mais a ser dito neste
trabalho, onde apenas se teceu uma abordagem
superficial àquilo que são os cerca de 400 anos de
história do Convento da Encarnação, através do que foi
essencialmente um esforço de levantamento
documental. O estudo deste monumento fica a carecer
ainda de muita reflexão prolongada e análise
comparativa, e é por isso mesmo que chegamos ao fim
da presente publicação com uma única certeza: ainda
há muito trabalho para ser feito.
Bibliografia
AGUIAR, José Pinto – No Convento da Encarnação Uma visita dos “amigos de Lisboa”. Separata do
“Olisipo”, 1954
BLUTEAU, Rafael – Vocabulario portuguez e latino.
Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de
Jesu, 1712-1728
FRANCO, José Eduardo et al. (coord.) – Dicionário
Histórico das Ordens e Instituições Afins em
Portugal. Lisboa: Editora Gradiva, 2010 ISBN
9789896163693
História dos Moesteiros, Conventos e Casas
Religiosas de Lisboa, Tomo II. Lisboa: Câmara
Municipal de Lisboa, 1972.
LOBO RAMALHO, Robélia de Sousa – Guia de
Portugal artístico. Lisboa: Associação dos
Arqueólogos Portugueses, 1933
PEREIRA, Luís Gonzaga – Monumentos sacros em
Lisboa em 1833. Lisboa, Oficinas gráficas da Biblioteca
Nacional, 1927
PEREIRA, Paulo (coord.) – História da Arte
Portuguesa. Lisboa, Círculo de Leitores: 2007 ISBN
978-972-42-3963-7
PINTO, Carla Alferes – O Mecenato da Infanta D.
Maria de Portugal (1521-1577) [texto policopiado]. 2
vols. Dissertação de mestrado em História da Arte
Moderna apresentada à Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa,
1996
Revista Monumentos. No. 15 (Setembro 2001) ISSN
0872-8747
SANTANA, Francisco; SUCENA, Eduardo – Dicionário
da História de Lisboa. Lisboa: Gráfica Europam, 1994
ISBN 972-96030-0-6
SOROMENHO, Miguel – A arquitectura do ciclo
filipino. Colecção Arte Portuguesa da Pré-História ao
Século XX, vol. 10. Lisboa: Fubu Editores, 2009 ISBN
978-989-8207-01-2
SOUSA VITERBO, Francisco – Dicionário histórico e
documental dos arquitectos, engenheiros e
construtores portugueses, vol. I. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, reprodução fac-similada da
edição de 1899
32
Fontes primárias
Arquivo Nacional / Torre do Tombo
Consultas ao Convento da Encarnação – Mesa da
Consciência e Ordens, Secretaria da Mesa e Comum
das Ordens – MCO 055
Inventário de extinção do Convento de Nossa
Senhora da Encarnação de Lisboa. Ministério das
Finanças, Convento de Nossa Senhora da Encarnação
de Lisboa, Cx. 1955. [consultável em:
http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4224409]
Mesa da Consciência e Ordens – Mç 239, Cx 485
Mesa da Consciência e Ordens – Mç 240, Cx 486
Biblioteca Nacional de Portugal
Treslado do Testamento da Iffante, que Deos tem.
Colecção de Impressos Reservados, cota RES. 34A.
[consultável em: http://purl.pt/14752]
Recursos online
Página Flickr da Biblioteca de Arte da Fundação
Calouste Gulbenkian –
http://www.flickr.com/photos/biblarte/ [consultado a
14/Jun/2017]
Projecto Lx Conventos – http://lxconventos.cmlisboa.pt/ [consultado a 14/Jun/2017]
Sistema de Informação para o Património
Arquitectónico – http://www.monumentos.gov.pt/
[consultado a 14/Jun/2017]
33