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E-BOOK

Leitura e Produção de Texto Sílvio Luís da Silva José Romerito Silva Edna Maria Rangel de Sá Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – NEaD Leitura e Produção de Texto Livro-texto EaD Natal/RN 2010 DIRIGENTES DA UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP Reitoria Sâmela Soraya Gomes de Oliveira Pró-Reitoria de Graduação e Ação Comunitária Sandra Amaral de Araújo Pró-Reitoria de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação Aarão Lyra NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DA UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP Coordenação Geral Barney Silveira Arruda Luciana Lopes Xavier Coordenação Pedagógica Edilene Cândido da Silva Coordenação de Produção de Recursos Didáticos Michelle Cristine Mazzetto Betti Coordenação de Produção de Vídeos Bruna Werner Gabriel Revisão de Linguagem e Estrutura em EaD Priscilla Carla Silveira Menezes Thalyta Mabel Nobre Barbosa Úrsula Andréa de Araújo Silva Apoio Acadêmico Flávia Helena Miranda de Araújo Freire Assistente Administrativo Eliane Ferreira de Santana Gabriella Souza de Azevedo Gibson Marcelo Galvão de Sousa Giselly Jordan Virginia Portella Coordenação de Logística Helionara Lucena Nunes L533 Silva, Silvio Luis da. Leitura e produção de texto / Sílvio Luís da Silva... [et al]. – Natal: EdUnP, 2010. 208p. : il. ; 20 X 28 cm Ebook – Livro eletrônico disponível on-line. ISBN 978-85-61140-17-5 I. Silva, José Romerito. II. Sá, Edna Maria Rangel. III. Silva, Celia Maria Barbosa de Medeiros. RN/UnP/BCSF CDU 504.064.2 Sílvio Luís da Silva José Romerito Silva Edna Maria Rangel de Sá Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva Leitura e Produção de Texto Livro-texto EaD Natal/RN 2010 EQUIPE DE PRODUÇÃO DE RECURSOS DIDÁTICOS Organização Luciana Lopes Xavier Michelle Cristine Mazzetto Betti Coordenação de Produção de Recursos Didáticos Michelle Cristine Mazzetto Betti Revisão de Linguagem e Estrutura em EaD Priscilla Carla Silveira Menezes Thalyta Mabel Nobre Barbosa Úrsula Andréa de Araújo Silva Ilustração do Mascote Lucio Masaaki Matsuno EQUIPE DE EDITORAÇÃO GRÁFICA Delinea - Tecnologia Educacional Coordenação de Editoração Charlie Anderson Olsen Larissa Kleis Pereira Coordenação Pedagógica Margarete Lazzaris Kleis Ilustrações Alexandre Beck Revisão Gramatical e Normativa Vera Vasilévski Diagramação Leniza Wallbach e Silva Olá! Meu nome é Sílvio Luís da Silva, um dos autores deste livro-texto. Como estaremos “juntos” nesta jornada, gostaria de me apresentar. Sou bacharel em Letras – Português e Inglês, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e licenciado em Português e Inglês pela Faculdade de Educação (FE), ambas da Universidade de São Paulo (USP). Estudei sobre o Campo da Comunicação e as Teorias do Discurso na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e sou mestre em Língua Portuguesa, Leitura e Redação, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Fui professor substituto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente, sou professor da graduação na Universidade Potiguar (UnP) e coordeno a pós-graduação em Língua Inglesa da mesma instituição. JOSÉ ROMERITO SILVA Como vai? Sou José Romerito Silva, também autor deste livro-texto. Assim, gostaria de me apresentar a você. Sou licenciado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), desde 1981, e em Pedagogia pela UFRN, desde 1990. Sou mestre em Estudos da Linguagem, área de concentração Linguística Aplicada, pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), do curso de Letras da UFRN (2000), doutor em Estudos da Linguagem – Linguística Aplicada, pelo PPgEL (2008), professor adjunto da UFRN, onde leciono na Escola de Ciências e Tecnologia (ECT) e no PPgEL, e membro do Grupo de Pesquisa Discurso & Gramática, do PPgEL, no qual desenvolvo pesquisas na linha teórica da Linguística Cognitivo-funcional. EDNA MARIA RANGEL DE SÁ Meu nome é Edna Maria Rangel de Sá. Sou formada em Letras pela UFRN, mestre em Literatura Comparada e doutora em Educação, pela UFRN. Trabalhei doze anos como professora da UnP, atuando nos cursos de Letras, Pedagogia, Medicina, Engenharia Civil, Arquitetura, Psicologia e Nutrição. Fui diretora adjunta do Curso de Letras, e tenho 33 anos de experiência como docente. Atualmente, sou professora adjunta da UFRN, na Escola de Ciências e Tecnologia, onde trabalho com Práticas de Leitura e Escrita (PLE). CÉLIA MARIA MEDEIROS BARBOSA DA SILVA Olá! É um prazer estar com você nesta jornada! Meu nome é Célia Maria Medeiros Barbosa da Silva. Sou graduada em Letras com habilitação em Português e Inglês e respectivas literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, desde 1986, mestre em Letras pela UFRN (2002) e doutora em Letras pela UFRN (2010). Trabalho como professora do Curso de Letras da Universidade Potiguar, onde, atualmente, exerço também a função de diretora do curso. Tenho experiência na área de Língua Portuguesa, Linguística, Linguística Aplicada, Ensino e Aprendizagem de Língua Materna e Estrangeira, Políticas Públicas para o Ensino de Línguas e Livro Didático. CONHECENDO O AUTOR SÍLVIO LUÍS DA SILVA Desde muito cedo, na escola, ouvimos falar em Leitura e Produção de Texto. Passamos por vários momentos em nossa formação, em que a ideia de texto é vista e revista, e nós, apesar de sermos conscientes das necessidades de escrever bem, ainda pecamos em algumas formas de nos comunicar, especialmente por escrito. Isso, por certo, acontece porque muito de o que aprendemos sobre a leitura e a produção textuais são regras que parecem distantes de nossa realidade, porque são por demais eruditas. Em momentos diversos, ouvimos “isso está errado”, “isso não pode” e, de tantos nãos, ficamos apreensivos quanto à melhor forma de empregar nosso conhecimento linguístico. Neste trabalho que agora iniciamos, vamos desmistificar alguns dos conceitos fechados que nos foram mostrados, para passar a entender a leitura e a produção de textos como uma forma prazerosa de encarar nossa necessidade de comunicação, especialmente quando se trata de textos escritos, com os quais, querendo ou não, temos contato diário. Vamos começar nosso trabalho, percebendo que a leitura não é uma atividade passiva, que fazemos sem ter em mente nossa capacidade de interpretar o que estamos lendo e nossa capacidade de interferir nesse texto, a partir do conhecimento que adquirimos ao longo de nossa existência. Isso também deverá acontecer com nosso processo de escrever. Aqui, o entenderemos mais profundamente, pois passaremos a compreender que os procedimentos normativos de se produzir comunicação escrita estão permeados por procedimentos pragmáticos, situacionais, que permitirão sermos mais flexíveis e agradáveis para nosso leitor, seja ele de nossa escrita ou de nossa fala, porque, em ambos os casos, estamos fazendo texto. Nosso trabalho, a partir de agora, será entender nossa capacidade de lidar com as palavras e, com o auxílio delas, nos expressar para o mundo. CONHECENDO A DISCIPLINA LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO CURSO: NEaD - DISCIPLINAS DE GRADUAÇÃO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO PROF. AUTOR: SILVIO LUIS DA SILVA, JOSÉ ROMERITO SILVA, EDNA MARIA RANGEL DE SÁ GOMES e CÉLIA MARIA MEDEIROS BARBOSA DA SILVA MODALIDADE: A DISTÂNCIA 2 EMENTA Leitura e produção de texto. Relações de significação e construção de sentido. Os gêneros textuais e a interação entre autor, texto e leitor. A textualidade e suas relações com o processo de construção discursiva. 3 OBJETIVOS Aperfeiçoar os conhecimentos relativos à leitura e produção de textos, por meio de um suporte teórico-metodológico que possibilite o desenvolvimento dessas habilidades de forma competente. 4 HABILIDADES E COMPETÊNCIAS • Conhecimento dos mecanismos da organização textual. • Capacidade de produzir textos coerentes. 5 VALORES E ATITUDES Compreensão da produção textual como uma prática ético-estéticopolítica, vinculada ao contexto de interação e ao perfil dos interlocutores. 6 CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS UNIDADE I • • • • Conceitos de linguagem, língua e gramática. Oralidade e escrita. Variações linguísticas. O texto e o discurso: a construção dos sentidos. UNIDADE II • • • • Estrutura do período e do parágrafo. Fatores de textualidade. Estratégias argumentativas. Organização textual: práticas de leitura e de produção de gêneros textuais. PLANO DE ENSINO 1 IDENTIFICAÇÃO 7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS • Utilização de material didático impresso (livro-texto). • Interação por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem. • Utilização de material complementar (sugestão de filmes, livros, sites, músicas, ou outro meio que mais se adapte à realidade do aluno). 8 ATIVIDADES DISCENTES • Pontualidade e assiduidade na entrega das atividades propostas no material didático impresso (livro-texto) e solicitadas pelo tutor, no Ambiente Virtual de Aprendizagem. • Realização das avaliações presenciais obrigatórias. 9 PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO A avaliação ocorrerá em todos os momentos do processo ensino-aprendizagem considerando: • leitura do material didático impresso (livro-texto); • interação com o tutor por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem; • realização de atividades propostas no material didático impresso (livro-texto) e pelo tutor no Ambiente Virtual de Aprendizagem; • aprofundamento de temas em pesquisa extra material didático impresso (livro-texto). 10 BIBLIOGRAFIA 10.1 BIBLIOGRAFIA BÁSICA FARACO, C. A.; TEZZA, C. Oficina de texto. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2009. 319p. KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009. 220p. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 3.ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. 295p. 10.2 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2008. 216p. 2.reimp. 2008. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 9.ed. São Paulo: Cortez, 2008. 133p. Capítulo 2 - Oralidade e escrita .................................................................. 35 2.1 Contextualizando ........................................................................................................... 35 2.2 Conhecendo a teoria..................................................................................................... 36 2.2.1 A soberania da escrita ........................................................................................ 36 2.2.2 A praticidade e importância da oralidade .................................................. 39 2.2.3 Paradoxo entre oralidade e escrita ................................................................ 42 2.2.4 Semelhanças e diferenças entre oralidade e escrita ............................... 46 2.2.5 A oralidade na escrita e escrita na oralidade ............................................. 48 2.3 Aplicando a teoria na prática .................................................................................... 51 2.4 Para saber mais ............................................................................................................... 52 2.5 Relembrando ................................................................................................................... 53 2.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................. 54 Onde encontrar ...................................................................................................................... 56 Capítulo 3 - Variações linguísticas.............................................................. 57 3.1 Contextualizando ........................................................................................................... 57 3.2 Conhecendo a teoria..................................................................................................... 58 3.2.1 Os planos de ocorrência da variação linguística ...................................... 61 3.2.2 Variação de registro ou estilísticas ................................................................. 63 3.2.3 Variações históricas ............................................................................................. 64 3.2.4 Variação diatópica ou geográfica .................................................................. 66 3.2.5 Variação diastrática ou social ........................................................................... 67 3.3 Aplicando a teoria na prática ..................................................................................... 72 3.4 Para saber mais ............................................................................................................... 73 3.5 Relembrando ................................................................................................................... 74 3.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................. 75 Onde encontrar ...................................................................................................................... 76 Capítulo 4 - O texto e o discurso: a construção de sentidos ..................... 77 4.1 Contextualizando .......................................................................................................... 77 4.2 Conhecendo a teoria .................................................................................................... 78 4.3 Aplicando a teoria na prática ..................................................................................... 94 4.4 Para saber mais .............................................................................................................. 95 4.5 Relembrando ................................................................................................................... 96 4.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................ 97 Onde encontrar .................................................................................................................... 99 SUMÁRIO Capítulo 1 - Desmistificando linguagem, língua e gramática .................. 13 1.1 Contextualizando ........................................................................................................... 13 1.2 Conhecendo a teoria..................................................................................................... 14 1.2.1 As concepções de linguagem ......................................................................... 15 1.2.2 O que é, então, a língua? ................................................................................... 19 1.2.3 Gramática................................................................................................................ 25 1.3 Aplicando a teoria na prática ..................................................................................... 27 1.4 Para saber mais ............................................................................................................... 30 1.5 Relembrando ................................................................................................................... 30 1.6 Testando os seus conhecimentos ............................................................................. 31 Onde encontrar ...................................................................................................................... 33 Capítulo 5 - Estrutura do período e do parágrafo .......................................................101 5.1 Contextualizando .................................................................................................................................101 5.2 Conhecendo a teoria ...........................................................................................................................102 5.2.1 Frase.................................................................................................................................................103 5.2.2 Oração .............................................................................................................................................104 5.2.3 Período ...........................................................................................................................................107 5.2.4 Parágrafo ........................................................................................................................................109 5.3 Aplicando a teoria na prática ............................................................................................................118 5.4 Para saber mais .....................................................................................................................................119 5.5 Relembrando .........................................................................................................................................120 5.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................121 Onde encontrar ............................................................................................................................................122 Capítulo 6 - Fatores de textualidade ..........................................................................123 6.1 Contextualizando .................................................................................................................................123 6.2 Conhecendo a teoria ...........................................................................................................................124 6.2.1 Fatores de coerência textual ...................................................................................................125 6.2.2 Os mecanismos de coesão textual .......................................................................................131 A coesão referencial ..................................................................................................................................................... 131 A coesão sequencial ou sequenciadores lógico-argumentativos ............................................................... 137 6.3 Aplicando a teoria na prática ............................................................................................................145 6.4 Para saber mais .....................................................................................................................................148 6.5 Relembrando .........................................................................................................................................148 6.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................149 Onde encontrar ............................................................................................................................................152 Capítulo 7 - Estratégias argumentativas ....................................................................153 7.1 Contextualizando .................................................................................................................................153 7.2 Conhecendo a teoria ...........................................................................................................................154 7.2.1 Argumentos retóricos ...............................................................................................................157 7.2.2 Defeitos de argumentação ......................................................................................................165 7.3 Aplicando a teoria na prática ............................................................................................................172 7.4 Para saber mais .....................................................................................................................................174 7.5 Relembrando .........................................................................................................................................174 7.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................176 Onde encontrar ............................................................................................................................................176 Capítulo 8 - Organização textual: práticas de leitura e de produção de gêneros textuais ......................................................................................................177 8.1 Contextualizando .................................................................................................................................177 8.2 Conhecendo a teoria ...........................................................................................................................178 8.2.1 A leitura e sua complexidade .................................................................................................178 8.2.2 Gêneros textuais: definição e constituição........................................................................186 8.3 Aplicando a teoria na prática ............................................................................................................196 8.4 Para saber mais .....................................................................................................................................198 8.5 Relembrando .........................................................................................................................................199 8.6 Testando os seus conhecimentos ...................................................................................................200 Onde encontrar ............................................................................................................................................201 Referências ....................................................................................................................203 CAPÍTULO 1 DESMISTIFICANDO LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 1.1 Contextualizando Você lembra quando estudou na escola os conceitos de língua e gramática? Bem, neste capítulo você verificará que tanto a língua como a gramática são vistas no ensino regular de forma um tanto equivocada. A língua, como veremos, não está sujeita, exatamente, às regras de uma única normatização, a Gramática Normativa, aquela que encontramos nos livros e que diz que aqui se usa uma mesóclise, aqui está errada a concordância, aqui isso e aqui aquilo. Na verdade, aqui vamos demonstrar que a língua é um sistema de comunicação, parte integrante da linguagem, que é extremamente dinâmico e não espera as regras surgirem para se realizar. Vamos descobrir que a gramática, a Normativa, deveria obedecer à língua falada pelo povo de determinada localização geográfica e respeitar as escolhas que esse povo fez para produzir significados em suas relações de comunicação. Diante disso, estamos certos de que você já percebeu que não falamos sempre do mesmo modo em todas as situações. Em casa, no contato com nossa família, e também na rua, com os amigos mais íntimos, não estamos preocupados se vamos seguir ou não a gramática normativa. Simplesmente falamos e nos comunicamos, pronto. Mas, se vamos fazer uma entrevista de emprego, se vamos falar com alguém que acreditamos ser mais importante ou ter mais conhecimentos do que nós, fazemos o quê? Buscamos as palavras mais “chiques”, escolhemos formas mais densas para nos expressar, e até nossa postura muda. Leitura e Produção de Textos 13 Capítulo 1 Pois bem, isso significa que, embora todos nós, brasileiros, falemos a mesma língua, ela não é igual, não apresenta sempre as mesmas características nos vários contextos sociais em que somos inseridos, e há contextos específicos em que nos tornamos, conscientemente, sujeitos a obedecer a uma determinada regra e em outros, não. Por isso, este capítulo torna-se tão relevante para sua formação, pois compreender as implicações da linguagem, da língua e da gramática na comunicação é importante para que você seja mais bem compreendido pelos outros, se expresse como quer e atinja seus objetivos. Ao final deste capítulo você estará apto a: • • • • adequar sua linguagem às situações de comunicação; compreender diferentes gramáticas e seus usos; aproximar-se mais de seu interlocutor, fazendo-se compreender; e atingir seus objetivos com a comunicação oral e escrita. 1.2 Conhecendo a teoria REFLEXÃO Linguagem, língua e gramática são a mesma coisa? Por que se discute tanto a respeito delas? Precisamos, primeiramente, dar uma resposta clara à primeira pergunta: Não! Linguagem, língua e gramática não são a mesma coisa. Cada qual tem sua maneira de existir, cada qual tem empregos distintos no processo de comunicação, mas todas elas são parte da interação social e obedecem (ou estabelecem, por si mesmas) a maneiras e lugares específicos para se manifestar. 14 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 Ao pensar na inter-relação entre as três, notamos que elas são “encaixadas” umas nas outras, pois a linguagem é algo mais amplo, que abarca tanto a língua quanto a gramática, e a língua, que está contida na linguagem, tem em sua composição aspectos gramaticais. Ao estabelecer uma relação entre elas, temos: Linguagem Língua Gramática Figura 1 - Relação entre linguagem, língua e gramática Vamos dar início a nosso estudo com a linguagem. 1.2.1 As concepções de linguagem O autor Ataliba Castilho (1998), ao perceber a importância das concepções de linguagem para o ensino de língua portuguesa, esclarece que há três maneiras de se entender a língua do homem: • a língua como atividade mental, ou seja, a linguagem é entendida como a expressão do pensamento; • a língua como uma estrutura, ou seja, a linguagem é vista como um instrumento de comunicação; e • a língua como atividade social, ou seja, a linguagem é entendida como uma forma ou meio de interação social entre as pessoas. Vamos ver, então, como essas maneiras de se entender a linguagem humana são interpretadas em suas especificidades. a) A linguagem como expressão do pensamento tem sua base na tradição gramatical grega, que foi aceita pelos latinos e passou pela Idade Média e Moderna. Ela só recebeu críticas contundentes no século XX, Leitura e Produção de Textos 15 Capítulo 1 especialmente por Ferdinand de Saussure (1969), nos primórdios dos estudos da Linguística. Essa perspectiva entende que a linguagem é uma forma de representar o que se passa em nossa mente e deriva do conhecimento de mundo do indivíduo, de seu conhecimento empírico de o que está posto na realidade que ele experimentou ao longo de sua vida. Por essa razão, o uso da linguagem é tido como ato monológico, dependente das leis psicológicas do próprio indivíduo e de sua capacidade de organizar e verbalizar o pensamento de maneira lógica. BIOGRAFIA Ferdinand de Saussure (1857-1913) nasceu em Genebra, na Suíça, e estudou Física e Química em Leipzig, ao mesmo tempo em que estudava Linguística com cursos de gramática grega e latina. Ingressou na Sociedade Linguística de Paris e, ainda como estudante, publicou, em 1879, aos 21 anos, um estudo sobre o sistema das vogais indoeuropeias. Em 1906, começou a lecionar Linguística Geral na universidade de Genebra. Passou, então, a realizar conferências que apresentaram conceitos que mudaram a forma de os estudiosos verem a Linguística. O livro que reúne seu pensamento, Curso de Linguística Geral, porém, foi publicado após sua morte, a partir das anotações de dois de seus alunos, Charles Bally e Albert Séchehaye. Esse livro é considerado um marco nos estudos linguísticos. Essa maneira de conceber a linguagem deu origem a estudos como os desenvolvidos pela gramática tradicional, que se preocupa, principalmente, com estabelecer regras para se falar e escrever “corretamente”. Por isso, as regras são como um guia para se produzir comunicação, então, o texto falado ou escrito deve obedecer às regras de concordância nominal e verbal, de ordem dos elementos na sentença, de colocação pronominal etc. Um exemplo disso é defender que não se pode falar “Me dê um copo d’água, por favor”, porque na língua portuguesa não se deve usar um pronome oblíquo em início de sentença. Apenas para começarmos a pensar, você já ouviu, por acaso, alguém dizer “Dê-me um copo d’água, por favor”? Pois é, se fôssemos guiados em todos os momentos por essa perspectiva de o que é a linguagem humana na comunicação verbal, deveríamos falar assim e nosso pensamento deveria ser organizado para se expressar segundo essa regra normativa. 16 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 b) A linguagem como instrumento de comunicação entende que a língua é um código por meio do qual um emissor transmite sua mensagem a um receptor. Para isso, é necessário que esse código seja comum aos falantes do grupo social que o utiliza. A novidade dessa perspectiva é a inclusão do destinatário a quem a informação é dirigida no processo de comunicação. Com isso, a proposta é mais social do que a anterior, que se estruturava apenas em regras, sem pensar na pessoa que vai ouvir ou ler o que outra fala ou escreve. Porém, o enfoque dado a essa concepção de linguagem é unidirecional, porque ela entende que apenas o emissor é um elemento ativo no processo de comunicação, e relega o receptor a ser um elemento passivo, que só recebe a informação posta na comunicação, e não questiona o entendimento de o que se “quer” comunicar, nem age sobre isso. Permanece, assim, o caráter monológico atribuído à linguagem. Podemos dizer, então, que não é difícil de entender também que a língua, nessa proposta, é estudada apenas em seus aspectos internos (isto é, estruturais), desvinculada do uso, o que significa dizer que não se leva em conta o contexto sociodiscursivo da produção textual. Além disso, ignoram-se as características dos interlocutores (idade, sexo, posição social), a situação enunciativa (uma entrevista, um professor em sala de aula, um diálogo com parentes ou colegas) e as determinações que cada uma das situações impõe aos usuários. c) A linguagem como forma ou meio de interação social acrescenta uma perspectiva muito importante para que se compreendam os usos da linguagem humana: a perspectiva do intercâmbio discursivo, ou seja, passa-se a entender a linguagem como um trabalho coletivo, de natureza social e histórica e com finalidade específica. Nas palavras de Brasil (1998, p.20), trata-se de “uma ação orientada para uma finalidade específica [...] que se realiza nas práticas sociais existentes, nos diferentes grupos sociais, nos distintos momentos da história”. A linguagem deixa de ser uma abstração, e passa a fazer parte do processo comunicativo todo, no qual os papéis sociais dos interagentes influenciam sua forma de se comunicar. Assim, a comunicação se dá em processo de co-autoria, pois não são duas entidades abstratas que se comunicam, mas um pai com um filho, um patrão com um empregado, Leitura e Produção de Textos 17 Capítulo 1 um médico com um paciente, um escritor com um leitor etc.. Ainda, ambos são produtores de sentido, ambos contribuem para que o que é dito seja efetivamente compreendido e a informação dada seja recebida em sua plenitude, ou seja, em processo de interação. REFLEXÃO Quando estamos falando sozinhos ou escrevendo um diário íntimo, ainda é possível preservar o caráter interacional e dialógico da linguagem? A resposta é: “É claro que sim!”. Mesmo em situações como essas, a linguagem não perde sua natureza interativa. Em momentos assim, é como se o locutor se desdobrasse em outro, que se torna seu interlocutor e com quem interage e trava um diálogo. Vista desse modo, a linguagem não viabiliza apenas a interlocução entre falante e ouvinte ou entre escritor e leitor, mas, sobretudo, o diálogo entre representantes de posições sociais, histórico-culturais e ideologicamente definidas. Como se pode observar, nessa nova maneira de conceber a linguagem, não há mais lugar para as figuras polarizadas do emissor e do receptor. Ambos são redefinidos como interlocutores e, assim, co-responsáveis pelo estabelecimento da relação sociodiscursiva. Isso nos leva a concluir que a linguagem, de acordo com essa perspectiva, não independe dos usuários nem do contexto de interação. Ao contrário, ela mantém relação intrínseca com o uso, e é moldada conforme as condições de produção do discurso. Assim, por exemplo, numa propaganda dirigida ao público infantil, a linguagem assume características próprias da fala dessa faixa etária. Por outro lado, caso seja direcionada aos jovens ou a profissionais de determinada área, ela deve ajustar-se ao perfil específico dos respectivos interlocutores. Caso isso seja desconsiderado, pode haver falhas na interlocução. Concorda? 18 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 Vamos a um desafio? Leia o Texto 1 a seguir: TEXTO 1 Maria Gulora Vem cá, Maria Gulora! Escuta, que eu quero agora uma coisa te contar. É uma recordação dos dias das inlusão que faz a gente chorar. Eu antonte andei na varze. Não morri, mas porém quase enlouqueço, de repente. Quando meus óio avistou as casa que tu morou, Quando nóis era inucente. Fonte: CARVALHO, G. P. poeta pássaro do Assaré. Fortaleza: Omni Ed. Associados Ltda, 2002. p. 42. Agora, responda, com base no texto lido: DESAFIO a) Pelos aspectos linguísticos do texto, em qual das teorias que vimos você acredita que o autor se baseou para escrever o texto? b) Ainda pelos aspectos linguísticos, como você descreveria o autor? c) Quais elementos do texto contribuíram para você identificar o autor? d) Reescreva o trecho do poema seguindo as regras da gramática normativa. 1.2.2 O que é, então, a língua? Percebemos que a linguagem é um sistema criado pelo homem para atender a suas necessidades de comunicação e, como sabemos, existem várias línguas no mundo, pois cada país (ou grupo de países) escolhe um determinado código linguístico para se comunicar verbalmente. Antes de entrar, precisamente, no conceito de língua, precisamos entender outra coisa: a composição da linguagem. Leitura e Produção de Textos 19 Capítulo 1 Vamos, então, esclarecer os elementos que constituem a linguagem. A primeira coisa que precisamos saber é que a linguagem de determinado grupo é composta por signos socialmente construídos e partilhados por toda a comunidade, porém, “conquanto constitua a linguagem dom comum de todos os homens, nem todos eles se comunicam pelas mesmas palavras. O conjunto de palavras, ou melhor, a linguagem própria de um povo chama-se língua ou idioma” (ALMEIDA, 1999, p.17). Como estamos falando de signo, precisamos saber direito o que é um signo, não é? Pois bem, os signos não são apenas as palavras. Podemos entender o conceito de signo como sendo qualquer objeto, som, palavra, imagem etc., capaz de representar outra coisa. Hoje em dia, por exemplo, ao dirigir, estamos sujeitos à interpretação de inúmeros signos, como uma buzinada, que indica que fizemos algo errado no trânsito, as placas que indicam a velocidade, os semáforos que nos dizem para continuar, se estão verdes, pararmos, se estão vermelhos, e inúmeros outros fatores. Cada um desses fatores são signos que representam coisas que devemos saber e que nossos pares sociais também entendem. Assim, para se compreender a relevância do termo, é preciso notar que viver em sociedade implica, necessariamente, entender os signos que nossa sociedade escolheu para significar para nós e para nos significar. CONCEITO Um signo é a união de um componente de expressão (falado, escrito, gestual, audiovisual etc.) com um conceito (ou significado). Contudo, sua significação não é dada em si mesmo, mas depende de quem o utiliza, da situação e da finalidade. Assim, o signo é contextualmente (sociocultural e historicamente) determinado. Como já percebemos, os signos que constituem a linguagem são divididos em não-verbais, mistos e verbais. Vamos diferenciá-los? a) Signos não-verbais: podem ser gestuais (movimentos e expressões corporais e faciais), plásticos (tais como monumentos, esculturas etc.), pictóricos (desenhos, tabelas, gráficos, esquemas, gravuras, fotografias etc.), acústicos (sons de buzinas, campainhas, sirenes etc.), dentre outros. Veja os exemplos a seguir: 20 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 Crystian Cruz Carola Koffiemetkoek Figuras 2 e 3 - Exemplos de signos não-verbais b) Signos mistos: são aqueles em que encontramos a combinação de itens verbais, escritos ou falados, e os demais, como imagens, fotos, gravuras etc. A utilização desses signos se dá de diversas maneiras, como, por exemplo, em uma conversa em que os elementos não-verbais, acrescidos da fala dos interagentes, são formas de significar, como a gesticulação, a entonação, a expressão facial e até mesmo a postura adotada pelos falantes e seu modo de se vestir. Incluímos nessa categoria os textos audiovisuais, como as charges televisivas, o desenho animado etc., que se valem de vários elementos para produzir significação na comunicação. Assim, a TV, o cinema e o teatro são ótimas evidências da articulação bemsucedida das diferentes formas de linguagem. Vejamos alguns exemplos: Figuras 4 e 5 - Exemplos de signos mistos Fonte: < http://portal.saude.gov.br>. c) Signos verbais: são os signos linguísticos, isto é, aqueles que compõem uma língua natural (português, inglês, alemão, russo, japonês, guarani) e até mesmo as línguas artificiais, criadas para fins específicos, como o esperanto. É o que se pode também chamar de linguagem verbal. Leitura e Produção de Textos 21 Capítulo 1 Aqui entramos, especificamente, no conceito de o que é a língua, um dos itens – talvez o mais importante – do processo de significação, na construção de sentidos nas interações sociais. As sociedades organizam-se em torno da língua, que é, na realidade, um código específico dentro da linguagem. O linguista Ferdinand de Saussure entende a língua como um sistema de signos linguísticos que: [...] existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e independa da vontade dos depositários (SAUSSURE, 1970, p.27). Para simplificar, podemos entender a língua como um sistema variável, composto por signos verbais, postos em movimento durante o processo de comunicação verbal, que possibilitam a interação e a compreensão da informação. Assim, esses signos verbais escolhidos pela comunidade ocorrem na comunicação oral e na comunicação escrita. São, portanto, divididos segundo esta perspectiva: • Signos orais: são aqueles realizados pela fala (ou língua falada). Exemplos disso são as conversas informais (face a face ou ao telefone), as conferências, as aulas expositivas, as transmissões de rádio etc. Veja os exemplos que se seguem: Saul Godilho ESMTG Figura 6 e 7 - Exemplos de signo oral • Signos escritos: são aqueles expressos por meio de caracteres gráficos (ou língua escrita). Como exemplos deles, temos os livros, os jornais, as revistas, as correspondências, dentre outros. Observe os seguintes exemplos: 22 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 Beck Figura 8 - Exemplo de signo escrito (nos balões) Já podemos perceber que, mesmo que tentemos estabelecer uma divisão didática para compreender os signos verbais, essa divisão nos permite compreender cada um dos tipos de ocorrência, mas eles se dão, muitas vezes, de maneira mista. Veja o exemplo da tira, em que os elementos visuais são produtores de significado tanto quanto as palavras escritas, que podem eventualmente acompanhar a comunicação; ou mesmo a televisão, os outdoors, os panfletos, em que muitos dos recursos de significação estão imbricados. Não se pode conceber, por exemplo, um filme em que só ocorram imagens, pois, mesmo na época do chamado “cinema mudo”, a ocorrência de sons, com as músicas de fundo, ajudava no processo de significação, além das palavras que eram utilizadas em quadros, para “contar” algo de que a imagem não dava conta. Para concluir, cabe esclarecer que não existe uma modalidade de linguagem prioritária, superior ou melhor do que outra. Também não é correto supor que uma forma de expressão possa substituir a outra com a mesma eficácia. Isso significa que cada comunidade desenvolve as modalidades de linguagem – e de uso da língua – dentro de suas condições e demandas socioculturais, e procura utilizá-las apropriadamente, de acordo com as situações de interação, de modo a atingir objetivos pretendidos. Vamos a uma atividade? Observe o cartaz a seguir: Leitura e Produção de Textos 23 Capítulo 1 Figura 9 - Cartaz Fonte: <www.greenpeace.org>. PRATICANDO No cartaz, tente destacar os signos verbais e não-verbais. De que forma os signos não-verbais o ajudaram nesse entendimento? Qual signo verbal contribuiu para sua interpretação? Com o que vimos até agora, já sabemos, claramente, que língua e linguagem são duas coisas distintas, mas complementares. Entendemos também que a língua se divide em oral e escrita. Não fica difícil, então, de perceber que há regras distintas para a ocorrência de cada uma delas. Assim, a língua oral tem suas formas de ocorrer e a escrita, outras tantas. A essas normas de ocorrência chamamos gramática. Contudo, gramática não é apenas aquele amontoado de regras que aprendemos para engessar nossa comunicação ou mesmo aquela variedade enorme de nomes estranhos, como predicativo do sujeito, morfema etc. 24 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 Gramática é um sistema de organização das produções verbais. Vejamos, então, a seguir, como entender a gramática e qual é seu papel na composição dos três elementos que analisamos neste capítulo: linguagem, língua e gramática. 1.2.3 Gramática Uma das primeiras coisas que precisamos saber é que aquela gramática que vemos na escola se chama Gramática Normativa, e não é a única existente. Na verdade, há várias gramáticas além dessa, como a descritiva, a internalizada, a implícita, a explícita, a reflexiva, a contrastiva ou transferencial, a geral, a universal, a histórica e a comparada. Por certo, não vamos aqui nos alongar em todas elas, apenas nas três mais importantes, para que possamos entender as gramáticas que nos ajudam a usar a língua adequadamente: a Normativa, a Descritiva e a Internalizada. A primeira a ser aqui tratada é a Gramática Normativa ou Tradicional, que é entendida como um conjunto de regras para o bom uso da língua. Essa gramática é aquela encontrada nos manuais, tão conhecidos por nós, que dita normas – por isso é normativa – e toma os escritores consagrados da língua como parâmetros para estabelecer essas regras. Todos os desvios desses parâmetros, para essa gramática, são considerados erros, pois ela entende que a única forma realmente válida de se usar a língua é a variedade culta ou padrão. Para os autores Cipro Neto e Infante (1997, p.16) a Gramática Normativa: [...] estabelece a norma culta, ou seja, padrão lingüístico que socialmente é considerado modelar... as línguas que têm forma escrita, como é o caso do português, necessitam da Gramática normativa para que se garanta a existência de um padrão lingüístico uniforme. Essa visão tão fechada da Gramática Normativa tem sido muito questionada, especialmente quanto à soberania dessa normatização da comunicação escrita. O autor Marcos Bagno (2006, p.64) diz que: [...] a gramática normativa é decorrência da língua, é subordinada a ela, depende dela. Como a gramática, porém, passou a ser instrumento de poder e controle, surgiu essa concepção de que os falantes e escritores da língua é que precisam da gramática, como se ela fosse uma espécie de fonte mística invisível da qual emana a língua “bonita”, “correta” e “pura”. Leitura e Produção de Textos 25 Capítulo 1 A Gramática Normativa é uma tentativa de se estabelecer patamares de qualidade e, de certa forma, uniformizar a comunicação de um povo. É preciso que saibamos que essa concepção enxerga “apenas uma variedade da língua como válida, como sendo a língua verdadeira” (TRAVAGLIA, 2001, p.30), o que, sabemos, não é a verdade absoluta. Concorda? A segunda, a Gramática Descritiva, é “um conjunto de regras que o cientista encontra nos dados que analisa, à luz de determinada teoria e método” (NEDER apud TRAVAGLIA, 2001, p.27). Assim, ela tem como parâmetro o anseio de se descrever a estrutura e o funcionamento da língua, sem se preocupar com conceitos de certo ou errado, pois seu objeto de estudo é a produção dos falantes, a forma com que os usuários da língua a tomam para se comunicar e, evidentemente, produzir significados. No cerne da Gramática Descritiva está a noção de que é considerado gramatical tudo o que os falantes efetivamente usam para se comunicar, sem se preocupar com regras de uso, mas sim com o produto da comunicação e sua efetiva consumação. Não fica difícil de compreender, a partir disso, que a variação linguística – que antes mencionamos com as palavras de Marcos Bagno – é tida como uma forma “correta” de se empregar o aparato linguístico disponível no idioma. Chegamos, por fim, à terceira concepção de gramática que mais nos interessa neste capítulo, a Gramática Internalizada, ou seja, aquela que o falante tem em si e adquiriu com o contato com a língua no decorrer de sua vida. Essa noção é entendida pelos teóricos como “o conjunto das regras que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar” (TRAVAGLIA, 2001, p.28). Essa gramática internalizada é formada na mente do falante a partir da interpretação e do desenvolvimento gradual da compreensão que ele faz das produções orais e escritas que lhe são apresentadas. É fácil, então, compreender o porquê de ela se chamar de internalizada, pois o falante não tem plena consciência de que “sabe” as regras, ele simplesmente as usa, pois todo falante: [...] possui um conhecimento implícito altamente elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicitar esse conhecimento [...] adquirido de maneira tão natural e espontânea quanto a nossa habilidade de andar. Mesmo pessoas que nunca estudaram gramática chegam a um conhecimento implícito perfeitamente adequado da língua. São como pessoas que não conhecem a anatomia e a fisiologia das pernas, mas que andam, dançam, nadam e pedalam sem problemas (PERINI, 2001, p.13). 26 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 Pois bem, entendemos que a gramática que tanto nos assustava nada mais é do que a sistematização do uso da língua em suas mais variadas situações enunciativas ou ocorrências em estado normal de comunicação. Podemos entender, a partir disso, que existe uma gramática que rege as comunicações familiares, outra que rege as comunicações empresariais, outra que rege as cartas comerciais e assim por diante. A gramática, então, não é nossa inimiga, ao contrário, é com ela que nos fazemos entender. Agora, sabemos que gramática não é apenas a memorização de termos, mas a compreensão de um sistema de uso da língua que pode ser analisado de várias maneiras. Os exercícios que fazíamos na escola eram para descrever e dizer que um termo é ajudante do outro, que é chamado de adjunto, lembra?, e as regras que aprendemos são uma forma de prescrever, para que sigamos instruções de como se deve escrever. Porém, essas duas atividades são apenas duas maneiras de se entender gramática. Descrever ou prescrever são apenas duas vertentes dessa possibilidade de se compreender o termo. Você percebeu, com isso, como a noção de gramática que tínhamos até então era um tanto limitada? REFLEXÃO Imagine duas situações de seu cotidiano. Tente observar como seu comportamento linguístico se altera em cada uma delas. Agora que estudamos a respeito, você consegue perceber as diferenças de uma e de outra? Pois, é... e nós fazíamos tudo isso sem nos apercebermos, não é? 1.3 Aplicando a teoria na prática Vamos verificar, no decorrer de seu dia, como os elementos aqui vistos se consolidam na execução de suas atividades e em seu uso linguístico dos recursos disponíveis na linguagem para se comunicar e se fazer entender. Para que possamos entrar, efetivamente, nas mais variadas situações, devemos pensar que estamos à procura de emprego e, a partir disso, estabelecer o que vamos fazer durante nosso dia. Assim, responda ao que se pede, com base no que estudamos até este momento: Leitura e Produção de Textos 27 Capítulo 1 a) É segunda-feira, você se levanta, não encontra o jornal em que você, no dia anterior, anotou os telefones para os quais você ligaria para marcar a entrevista. Como você se comunica com sua família para saber “onde está seu jornal”? b) Finalmente, lhe deram o jornal. Você o abre e verifica os anúncios que marcara no dia anterior. Quais são os tipos de linguagem que estão presentes nos anúncios? c) Agora, você vai pegar o número do telefone de um dos anúncios e ligar para a empresa que fornece a vaga, para marcar a entrevista. Que língua você vai usar ao telefone? Por quê? d) Para sua sorte, a entrevista é hoje. Você se arruma, sai, chega à recepção da empresa e o chefe de recursos humanos da empresa lhe atende. Como é seu comportamento linguístico nessa situação? Quais aspectos não-verbais você põe em prática para conseguir a vaga? e) Para sua sorte, você conseguiu a vaga! Pronto, você vai começar a trabalhar na quarta-feira! Você está tão feliz, e não vê a hora de chegar a sua casa e contar para todo mundo. No caminho, encontra um velho colega, aquele amigão do peito. Como você conta para ele essa sua segunda-feira maravilhosa? Quais são os recursos que você usa para expressar sua felicidade? O que você acha de respondermos juntos às perguntas sobre como utilizar a língua? Vamos começar com a primeira situação, quando me acordo e não acho o jornal. Nesse caso, como eu sou falante da língua, possuo um conhecimento empírico, que eu aprendi simplesmente de viver e conviver com os outros, de que minha família me conhece o suficiente para me entender e não ficar preocupada com as regras gramaticais. Vou falar, então, espontaneamente. Assim, não vou me preocupar com como vou dizer. Preciso do jornal e vou falar com ênfase, nervoso e não vou ligar para o que os parentes vão pensar. É claro que tentarei ser um pouco educado. Vou perguntar: “Vocês viram meu jornal?”, mas se ninguém se manifestar, vou me exasperar e gritar: “Cadê meu jornal?!”. Na segunda situação, a em que eu vou ler o jornal e procurar os anúncios, vou encontrar algo diferente, pois os anúncios, em geral, apresentam uma 28 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 linguagem mais próxima de o que vimos até aqui como Gramática Normativa, porque ela estabelece o que é a: [...] norma culta, ou seja, padrão lingüístico que socialmente é considerado modelar... as línguas que têm forma escrita, como é o caso do português necessitam da Gramática normativa para que se garanta a existência de um padrão lingüístico uniforme (CIPRO NETO e INFANTE,1997, p.16). E os anúncios são uniformizados para que uma parcela maior da população possa entendê-los. Depois, na situação em que eu atendo ao telefone, tenho de ser mais cauteloso do que com minha família, por isso, eu vou utilizar uma língua mais homogênea, próxima de o que é estabelecido pela norma culta, pela gramática normativa. Vou fazer isso, porque quero que a telefonista, a empresa em que quero trabalhar, saiba que eu sei usar o código linguístico mais aceito em minha sociedade. Quando eu chegar para fazer a entrevista, vou ter de mostrar que eu sei me comunicar bem, então, meu comportamento linguístico vai ser parecido com o que usei ao telefone. Como a situação agora é face a face, emposto minha voz para oferecer segurança ao que eu falo e me aproximo da linguagem culta, emprego as regras da gramática normativa sem exageros, mas sempre tentando manter as coisas mais importantes, como a concordância. Afinal, eu estou usando a língua como “uma ação orientada para uma finalidade específica [...] que se realiza nas práticas sociais existentes” (BRASIL, 1998, p.20). A prática social é a entrevista, e meu objetivo específico é conseguir o emprego. Na última situação, inicialmente, me contive para não dar um grito de alegria ao saber que tinha um emprego. Naquele momento, apenas sorri e demonstrei minha satisfação. Em seguida, encontrei o meu amigo! Vou abraçá-lo e dar um tapa nas suas costas. Isso vai demonstrar a minha alegria. Provavelmente, minha voz vai se alterar, vou falar mais alto. Esses aspectos extralinguísticos significam a minha felicidade e, quanto ao padrão de linguagem que vou utilizar, bem, sequer vou lembrar que existe essa coisa de base grega de tradição da linguagem. Vou é me comunicar, sem me preocupar com parâmetros de correção ou adequação. Aliás, vou é adequar a minha língua, a minha gramática e a minha linguagem à minha emoção. Afinal, estou empregado, e é isso que ele – e o povo de casa – precisa saber! Leitura e Produção de Textos 29 Capítulo 1 1.4 Para saber mais LUFT, C. P. Língua e liberdade. 6.ed. São Paulo: Ática, 1998. Embora o livro seja destinado ao ensino de língua e gramática e tenha como público-alvo os professores de português, oferece inúmeros conceitos básicos da diferença entre ambas e problematiza a noção de língua como um sistema de regras apenas. Não obstante, toma o conceito de gramática para esclarecer que a gramaticalização da língua é uma forma de cercear a liberdade de expressão do falante. NASI, L. O conceito de língua: um contraponto entre a Gramática Normativa e a Lingüística. Revista Urutágua, n.13, 2007. Disponível em: <http://www. urutagua.uem.br/013/13nasi.htm#_ftn1 >. Acesso em: 05 jun. 2010. O texto oferece uma perspectiva sobre as abordagens de língua e de Gramática Tradicional e traça um panorama sobre as diferentes noções de língua, desde os conceitos mais clássicos até aqueles empregados atualmente pela linguística. 1.5 Relembrando Neste capítulo, você aprendeu que: • língua e linguagem não são a mesma coisa, porque percebemos que a linguagem é mais ampla do que a língua, pois engloba todas as formas de comunicação, seja por meio de textos verbais, não-verbais ou mistos. Já a língua, como uma fração da linguagem, é responsável apenas pelos textos escritos e orais.A gramática não é apenas o tão temido manual de normas e regras de uma língua, aliás, existe mais de uma. Vimos as três principais: a Normativa, que fornece os parâmetros para a construção de textos oficiais; a Descritiva, que abrange as formas com as quais os falantes utilizam a língua; e a Internalizada, que é a que todo o falante possui e foi adquirida pelo contato com a língua. 30 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 1.6 Testando os seus conhecimentos 1) Observe a capa da revista Veja, edição 2049, de 27 de fevereiro de 2008, abaixo, e responda ao que se pede: Figura 10 - Capa da revista Veja Edição 2049, de 27/02/2008 a) Como a linguagem não-verbal contribui para a construção do sentido? b) O que é preciso saber, ainda sobre a linguagem não-verbal, para se compreender a mensagem? c) O texto fala em “fim melancólico”. Para se saber do que se trata, exatamente, quais outros elementos linguísticos contribuem para a construção da mensagem? d) No cantinho esquerdo da capa, há a figura do presidente Lula. Nessa figura, como os aspectos não-verbais contribuem para a noção que a revista quer dar em seu uso? e) Se pensarmos no que vimos sobre Gramática Normativa, você entende que a utilização da palavra “surfa” no texto está adequada à situação de enunciação? Por quê? Leitura e Produção de Textos 31 Capítulo 1 2) Observe a placa abaixo e explique quais são os elementos que a compõem. Figura 11 - Placa de trânsito 3) A gramática normativa pode ser entendida como: a) Um conjunto de regras do funcionamento prático da língua; b) Um conjunto de regras que determina como os falantes devem falar; c) Um conjunto de regras que tem por função tentar unificar a comunicação em determinado idioma; d) Um conjunto de regras que demonstra como os usuários da língua escrita se comportam. 4) A respeito da Gramática Internalizada, responda com (V) para verdadeiro e (F) para falso: ( ) É um conjunto de regras da língua que o usuário apreende no decorrer de sua vida. ( ) É adquirida natural e espontaneamente pelos falantes e pode ser comparada ao ato de andar de bicicleta. ( ) Faz parte de um conjunto de habilidades que o falante já nasce sabendo. 32 Leitura e Produção de Textos Capítulo 1 ( ) As pessoas que nunca estudaram gramática jamais conseguirão saber como a língua é estruturada para comunicação. ( ) É um conjunto de regras que o falante aprendeu e lança mão na hora de falar. Onde encontrar ALMEIDA, N. M. Gramática metódica da língua portuguesa. 43.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é e como se faz. 47.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa: terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998. CARVALHO, G. de. Patativa poeta pássaro do Assaré. Fortaleza: Omni Editora Associados Ltda., 2002. CIPRO NETO, P.; INFANTE, U. Gramática da língua portuguesa. São Paulo: Scipione, 1997. PATATIVA DO ASSARÉ. M. G. In: CARVALHO, G. Patativa poeta pássaro do Assaré. Fortaleza: Omni Editora Associados Ltda., 2002. p.42-43. PERINI, M. Gramática descritiva do português. 4.ed. São Paulo: Ática, 2001. SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1970. Leitura e Produção de Textos 33 CAPÍTULO 2 ORALIDADE E ESCRITA 2.1 Contextualizando Você deve ter percebido, no capítulo anterior, que há alguns mitos a respeito do funcionamento da língua e de algumas coisas que aprendemos, as quais são, na verdade, formas de se entender o processo de comunicação. Já percebemos que não há apenas uma forma de se compreender a gramática e que a Gramática Normativa é apenas uma dessas formas. Outra coisa que muito se escuta a respeito da língua portuguesa é que ela é difícil por sua estruturação, mas as palavras não são assim tão difíceis, exceto por alguns detalhes de ortografia, por exemplo, aquilo de se escrever uma palavra com “x” ou com “s”. Mas será que é verdade que a gente fala como se escreve ou escreve como se fala? Se repararmos, falamos muita coisa que não se vê escrita, pelo menos, não em documentos oficiais, em textos acadêmicos, em notícias de jornal etc. Quer ver um exemplo? Você está procurando um amigo. No shopping, encontra outra pessoa, um amigo comum seu e do amigo que você procura. Imediatamente, ao ver esse amigo em comum, você pergunta: “Cê viu fulano?”. E seu amigo, prontamente, responde: “Nos últimos instantes, não o vi. Não obstante, ao vê-lo, digo-lhe que tu estás a sua procura”. Já imaginou como você se sentiria? Não teria vergonha de ter-lhe dito “Cê”? Você não acha que seu amigo é esnobe demais? Quem estava mais adequado ao se expressar nessa situação? Você, que se mostrou próximo, descontraído, camarada, ou seu amigo, que se pautou pela Gramática Normativa para se comunicar consigo em uma situação extremamente informal? Leitura e Produção de Textos 35 Capítulo 2 Por certo, ambos fizeram escolhas, ambos estabeleceram parâmetros distintos para a comunicação, e isso ficou marcado pela forma com que tomaram a língua portuguesa, que algumas pessoas dizem ser escrita e falada de forma igual. Neste capítulo, vamos descobrir que os iguais não são tão iguais assim e que, para se comunicar corretamente, oralidade e escrita, embora possam se imiscuir uma na outra de vez em quando, não são comutáveis sem critérios específicos. Assim, não se pode usar uma em lugar de outra, sem que isso seja um procedimento realizado sob critérios que atendam a um propósito. Ao final desta etapa, você será capaz de: • distinguir as marcas de oralidade presentes na escrita; • perceber as especificidades tanto da oralidade quanto da escrita; • adequar sua fala e escrita à situação de comunicação; e • valorizar adequadamente as idiossincrasias da oralidade. 2.2 Conhecendo a teoria Como vimos, língua falada não é língua escrita. Ambas têm funções sociais distintas e podem ser entendidas como duas formas específicas de se utilizar a língua. Cada qual, então, deve ter suas características. Vejamos, agora, como ambas são entendidas e estudadas. 2.2.1 A soberania da escrita Os valores sociais atribuídos à escrita são tantos que, na história da humanidade, são considerados dois períodos, a Pré-história e a História, separados por um divisor de águas: o surgimento da escrita. O período que chamamos de Pré-história é assim intitulado porque, naquele período, não existia a escrita. Na chamada Pré-história, os povos se valiam de figuras gravadas em pedras. Essa forma de comunicação, de expressar pensamentos e emoções por intermédio desses símbolos é conhecida como escrita pictórica, mas não era, exatamente, escrita. 36 Leitura e Produção de Textos Capítulo 2 O surgimento da escrita – chamada de cuneiforme – se deu, mais ou menos, por volta do ano 4000 a.C., na Mesopotâmia, e marca o que conhecemos como o período da História, porque muito de o que hoje sabemos da história do homem se deu pelo conhecimento dos registros encontrados nas placas de argila daquele povo. Poderíamos, então, dizer que a humanidade se divide em período Pré-escrito e período Escrito. Figura 1 - Exemplo de escrita pictórica Fonte: <www.infoescola.com>. Figura 2 - Exemplo de hieróglifos Fonte: <www.algosobre.com.br>. Os egípcios antigos também se valeram de uma forma de “escrita” para registrar seus feitos e suas impressões do mundo. Para eles, no Antigo Egito, havia duas formas de se expressar por intermédio da escrita: uma chamada de demótica, mais simplificada; e outra conhecida como hieroglífica, mais complexa e composta de um misto de símbolos e desenhos. CURIOSIDADE Na Mesopotâmia, por volta do ano 3000 a.C., existiam duas espécies de “escrita”: uma, oficial, feita sobre pedra ou metal importado, com a qual se registravam apenas os acontecimentos entendidos pelo governo como importantes; e outra mais “popular”, feita em argila fresca. Percebe-se, com isso, que nem mesmo a escrita é uniforme. Evidentemente, a forma escrita como hoje entendemos não tem muitas semelhanças com o que se via naquela época, mas já podemos vislumbrar que: [...] aproximadamente em 3.100 a.C., a escrita, segundo vários autores, chegou com propósitos bem definidos: servir à ideologia monárquica que pretendia unificar o país. O escrever passou a funcionar como um instrumento capaz de registrar os feitos do rei para, em conseqüência, reforçar seu poder (FERREIRA, 2004, p.40). Leitura e Produção de Textos 37 Capítulo 2 Com isso, já se esboça, mesmo antes do surgimento de o que conhecemos como a escrita moderna e a sociedade letrada, uma cisão entre aqueles que se expressam apenas oralmente e aqueles que lançam mão de outras maneiras de comunicação que não seja a fala. Segundo o professor Luiz Antonio Ferreira (2004, p.41), A escala social dos letrados, entretanto, não se limitou à Mesopotâmia ou ao Egito. Na China, a escrita ideográfica alcançou sua função máxima com relação ao poder: como a língua falada se dividira em muitos dialetos, os diversos povos não conseguiam se comunicar [...]. A escrita [...] passou a ser código de uma elite e até mesmo objeto de uma arte: caligrafia estilizada. Nosso alfabeto, o romano, tem suas origens por volta do século VII a.C., quando Roma se valia de 21 símbolos dos 26 símbolos etruscos e escrevia da direita para a esquerda. Só algum tempo depois se passou a escrever da esquerda para a direita e, na Roma Antiga, as letras Y e Z passaram a fazer parte do sistema de escrita para representar sons gregos. Porém, a abstração alfabética, ou seja, a representação de um som por uma letra, como hoje fazemos, é atribuída aos fenícios, por volta de 1000 a.C., e sua popularização se deu em razão de que esse povo, o fenício, era comerciante e navegador, o que facilitou que seu sistema de representação escrita ganhasse o mundo e influenciasse o idioma hebraico, o copta, o árabe, o grego e o latim. Figura 3 - Exemplo de alfabeto manual 38 Leitura e Produção de Textos Como sabemos que o português – e o espanhol, o francês etc. – se originou do latim, agora entendemos a história de nosso alfabeto, a história da escrita, que precedeu a forma atual de nos comunicarmos verbalmente em textos escritos. O alfabeto é tão importante para nossa comunicação, que até mesmo as línguas dos deficientes auditivos, como a Língua Brasileira de Sinais (Libras), que são compostas por vários gestos para se “falar” algo, têm representação baseada no alfabeto manual, para se “soletrar” palavras que são desconhecidas do interlocutor ou que ainda não receberam da comunidade surda um gesto que as represente. Capítulo 2 O próprio pensamento platônico aceita a importância da escrita ao dizer, em Fedro (1980, p.179), que, “uma vez escrito, um discurso sai a vagar por toda a parte”. Porém, esse discurso, como é proferido assincronicamente, ou seja, de forma que pode ser lido posteriormente por qualquer pessoa, é difundido “não só entre os conhecedores, mas também entre os que não o entendem” (Idem, p. 179). A escrita é entendida, por essa perspectiva, como uma forma de perpetuar o pensamento, o conhecimento, mas sua forma, por não se adequar a todos os interlocutores no momento da comunicação, pode dificultar o entendimento de muitos deles. Isso mostra que, ao se expressar por meio da oralidade, o locutor, quem fala, interage melhor com o interlocutor, quem escuta, porque faz as adequações concomitantemente à produção do discurso, como veremos em nosso próximo tópico. 2.2.2 A praticidade e importância da oralidade Bem... já entendemos que a escrita tem sua complexidade e sua importância, mas, antes de existir a escrita, os povos já se comunicavam uns com os outros oralmente. A cultura oral, naquela época, era a única forma de se transmitir conhecimento. Por isso, as pessoas mais velhas eram consideradas mais sábias do que as mais jovens, porque tinham repertório oral mais vasto. A oralidade era tão importante, que a morte de uma pessoa era tida como uma perda inestimável por duas razões: a primeira, porque, com sua morte, morria uma parte da cultura do povo, que não poderia ouvir essa pessoa contar suas histórias; a segunda, porque a inteligência estava associada à memória. Mesmo nos dias atuais, sabemos que a forma mais comum de o ser humano externar seus pensamentos e suas concepções de mundo é por meio da oralidade, pois conversamos muito mais do que escrevemos, aprendemos a falar antes de aprender a escrever etc. Por isso a comunicação oral é o maior veículo de comunicação entre os homens, mesmo que a comunicação escrita receba reconhecimento maior entre os povos. Leitura e Produção de Textos 39 Capítulo 2 REFLEXÃO Se o ser humano se comunica mais frequentemente na modalidade oral do que na modalidade escrita, por que a escrita tem mais prestígio na sociedade? Independentemente do valor social da escrita ou da fala, o ser humano se vale das formas de comunicação para se fazer entender, para persuadir o outro, para influenciá-lo, para obter ajuda, para tudo. Não há sociedade sem comunicação e, por isso, as práticas oral e escrita são as duas formas mais importantes que os homens encontraram para formar grupos e constituir sociedades. CONCEITO A oralidade seria “uma prática social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora: ela vai desde uma realização mais informal a mais formal nos vários contextos de uso” (MARCUSCHI, 2001, p.21). A supervalorização da escrita a que hoje assistimos em nossa sociedade é o resultado de um processo cultural que foi se solidificando no decorrer do tempo. Na Grécia Antiga, por exemplo, ao contrário de hoje em dia, a oralidade era valorizada, e seu prestígio, reconhecido por todos. Um dos três maiores filósofos da Antiga Grécia de que já tratamos, Platão, “preferia o pensamento em busca de si mesmo pela linguagem oral e, por isso, ressaltou o diálogo, a interrogação como passos constitutivos do pensar, do senso crítico” (FERREIRA, 2004, p.74). Veja como a oralidade ajudou e ajuda a constituir as significações do mundo! Assim, a humanidade veio se valendo da oralidade para conseguir evoluir nos mais variados sentidos. Por exemplo, a oralidade, sendo mais fácil de ser entendida, tornou-se imprescindível nos veículos de mídia em massa que transmitem informação. Você já reparou como os jornalistas apresentam um telejornal hoje em dia? Parece até que estão conversando com a gente. 40 Leitura e Produção de Textos Capítulo 2 No Brasil, por exemplo, onde parte da população é não-alfabetizada ou não letrada, “a fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia-a-dia da maioria das pessoas” (MARCUSCHI, 2002, p.21). Ao perceber isso, entendemos que não é erro afirmar que a oralidade, então, é mais importante do que a escrita na comunicação entre os membros de nossa sociedade, não apenas em termos quantitativos, mas também em termos qualitativos. SAIBA QUE Oralidade não é a mesma coisa que linguagem verbal, que foi vista no primeiro capítulo, mas traços e características de textos orais, falados. Os textos escritos podem ser dotados de oralidade e, também, os textos orais podem ter algumas características da escrita. Quanto mais formal for uma situação, mais aspectos da escrita ela conterá, e vice-versa. Além disso, a oralidade está presente em todas as camadas sociais. Nem mesmo os professores de gramática famosos que escrevem guias de como falar corretamente abandonam traços de oralidade em seus textos orais, pois eles sabem que devem se adequar à situação de comunicação e que a oralidade é importante para a manutenção da sociedade. Na verdade, a gente não deve valorizar mais a escrita do que a oralidade ou vice-versa, é preciso que tenhamos consciência de que ambas são parte do processo comunicativo em todos os sentidos. Elas dialogam entre si e se ajudam mutuamente no processo de desenvolvimento social, pois “o desenvolvimento da língua oral e o desenvolvimento da escrita se suportam e se influenciam mutuamente” (KLEIMAN, 1995, p.91). PRATICANDO Discuta com um amigo os problemas da fome no Brasil. Anote as observações de seu amigo e as suas a respeito do tema. Em seguida, escreva um texto jornalístico, uma reportagem, a respeito disso. Observe as diferenças que ocorreram em ambas as situações. Leitura e Produção de Textos 41 Capítulo 2 Percebemos que a oralidade é a forma mais recorrente de interação entre membros de uma sociedade, que a valorização da escrita é uma questão histórica e que ambas se influenciam mutuamente. Pois bem, vamos nos aprofundar nessas questões e entender os porquês de cada uma delas. Lucas Ribeiro Figura 4 - Interação verbal 2.2.3 Paradoxo entre oralidade e escrita O caminho percorrido pela História até chegar ao que conhecemos hoje como escrita moderna não foi feito igualitariamente entre as culturas orientais e ocidentais. A cultura oriental desenvolveu características ideográficas para representar graficamente as ideias da fala. Já as culturas ocidentais, das quais o português faz parte, escolheu representar graficamente os fonemas da fala, ou seja, escolheram representar cada um dos sons da fala na escrita. A partir da junção desses fonemas, criam-se sílabas, que se unem para formar palavras que, por sua vez, unem-se para formar sentenças. Bem... a escrita, então, é uma espécie de desdobramento da fala, pois, a partir da produção fonética dos usuários de determinada língua, forma-se o alfabeto, que constitui o meio de representação do grupo. Até para as formas de se entoar, optou-se por uma representação gráfica, para que a escrita pudesse ser a representante da fala. Veja, por exemplo, o uso do sinal de interrogação, que altera completamente o sentido de uma sentença. Se alguém escreve “Você está feliz.”, assim, com ponto final, entendemos a sentença como uma afirmação e deduzimos que o produtor está exprimindo uma opinião. Se a mesma frase receber um sinal de interrogação no final: “Você está feliz?”, automaticamente, percebemos a vontade de saber a respeito do interlocutor. 42 Leitura e Produção de Textos Capítulo 2 A escrita, então, buscou formas de ser uma representante da oralidade e dela extrair significados, representando-os em outro continuum, e escolheu, inclusive, divisões diferentes desse continuum. No processo da fala, não dizemos exatamente todos os fonemas, emendamos palavras, “comemos” pedaços delas e, em alguns casos, até omitimos muitas palavras, o que não pode acontecer na escrita. Talvez o fato de a escrita ser mais constante, mais estanque, a tenha tornado a forma escolhida para a sociedade registrar sua história. A questão não é qual das duas, oralidade ou escrita, é mais importante, mas qual delas é mais adequada em determinada situação. Embora a oralidade seja mais importante para a comunicação diária, a escrita tem mais estima, porque não morre com o falante e se tornou a forma de se registrar para a posteridade os fatos e as ideologias de determinada época ou sociedade. Ambas fazem parte de o que podemos chamar de multiplicidade da língua, que, por ser utilizada por todos os membros da sociedade, recebe deles influência de várias maneiras. Podemos pensar que a língua corrente, assim entendida porque está envolvida em um processo comunicativo, torna-se a base de tudo o que fazemos para interagir. Assim, em nossa sociedade, todos os membros, com maior ou menor frequência, encontram-se e partilham seu entendimento de como devem proceder para produzir significação nos momentos de interação. Para isso, escolhem o gênero do texto que vão utilizar, as palavras mais adequadas, as entonações de voz que melhor se adaptam à situação etc. SAIBA QUE Gênero Textual é um termo que designa o jeito com que se usam as palavras em um texto falado ou escrito. Assim, são exemplos de gêneros escritos a carta comercial, o artigo de opinião, a receita, a notícia etc., e de gêneros orais o diálogo, a entrevista, o debate, a aula etc. Eles são assim definidos porque têm características específicas que os diferem dos outros. Como vemos, fala e escrita são interdependentes, pois, como diz o professor Antonio Marcuschi (2001, p.34-35), Leitura e Produção de Textos 43 Capítulo 2 [...] o contínuo dos gêneros textuais distingue e correlaciona os textos de cada modalidade (fala e escrita) quanto às estratégias de formulação que determinam o contínuo das características que produzem as variações das estruturas textuais discursivas, seleções lexicais, estilo, grau de formalidade etc., que se dão num contínuo de variações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de contínuos sobrepostos. A questão é que falar e escrever são duas formas de expressão distintas, é como se houvesse duas línguas, uma falada e uma escrita, inclusive, com gramáticas diferentes, como vimos no capítulo anterior. Conceber oralidade e escrita como modalidades diferentes é primordial para entendermos a importância e as características de cada uma delas. Vimos que Platão achava melhor o discurso oral do que o escrito, pelo fato de o escrito poder ser lido por outras pessoas, inclusive, pessoas que o autor do texto nunca vira na vida, o que acabaria por tirar o direcionamento do texto. Entretanto, é essa a função principal da escrita, é esse o motivo pelo qual ela foi criada. Por meio da escrita, a humanidade pode perpetuar conhecimento, pode acumular ideias e se desenvolver, como vimos no primeiro item. No entanto, não é porque a escrita teve (e tem) esse papel fundamental que devemos torná-la soberana e nos esquecer da importância social e histórica da oralidade. Como Marcuschi (2002, p.24) diz, nós devemos “formar a consciência de que a língua não é homogênea nem monolítica”, ou seja, a língua, a portuguesa, em nosso caso, não é igual em todas as situações, em todas as camadas sociais e em todos os lugares: a língua não é única. REFLEXÃO A gente às vezes discrimina uma determinada forma de falar. Como você costuma reagir quando ouve expressões como: “Arrenti fumo pra praia”; “Cheguêmu gurinha mes”; e “Que o macho lá dexô ela, dexô ela lá na rua...”? Você, em seu dia-a-dia, reafirma a exacerbada importância da escrita e perpetua o preconceito contra a oralidade? 44 Leitura e Produção de Textos Capítulo 2 É em razão da visão errônea de que a língua é única que se repudiam as marcas de oralidade em alguns textos. Muitas vezes, essas marcas repudiadas são inadequadas à situação de comunicação. Nos meios de comunicação, por exemplo, há certo tabu em relação ao uso da oralidade, mesmo ela sendo importante para o entendimento da maioria. Alega-se que a oralidade está acabando com a capacidade de se dominar a linguagem formal, com todas as regras e convenções da Gramática Normativa, além de haver interesse de manipular o público menos instruído, devido ao uso da linguagem simplificada, entretanto: [...] não há mal em si no verbal da televisão, do rádio, dos cinemas, dos comerciais publicitários ou do discurso político. Eles cumprem seu papel. E se atingem tantos e alienam muitos é porque se lê mal o que transmitem, porque ainda existe inércia que impele milhões a receber, sem dar retornos, a voz que se produz eletronicamente (FERREIRA, 2004, p.147). Além disso, em algumas situações, as marcas da oralidade são muito importantes para representar o falante e sua identidade. Quem não conhece o famoso personagem de Maurício de Sousa, o Chico Bento, que fala como um campesino? Sua fala, se fosse escrita na norma culta, não teria a mesma força que tem com todas suas marcas regionais, que representam não só o jeito de ele falar, mas quem ele é, sua identidade. Mas ele não é o único, muitas pessoas marcam a sua identidade pelo modo como falam, pelas palavras que escolhem e, também, pelo tom que usam ao falar. Quem de nós não conhece alguém que fala como alguém do campo? Pois bem, eles falam assim porque ao falar representam toda a cultura da comunidade. Outra pessoa famosa que usa os recursos da fala representados na escrita é o poeta Patativa do Assaré que, em seus poemas, mistura a língua chamada de culta e a linguagem do nordestino. Veja um exemplo disso no seu poema “Maria Gulora” (Texto 1), cujas palavras em negrito (destacadas por nós) representam o falar regional: Leitura e Produção de Textos 45 Capítulo 2 TEXTO 1 Vem cá Maria Gulora! Escuta, que eu quero agora uma coisa te contar. É uma recordação dos dias das inlusão que faz a gente chorar. Eu antonte andei na varze. Não morri, mas porém quase enlouqueço, de repente. [...] Fonte: Carvalho, G. P. poeta pássaro do Assaré. Fortaleza: Omni Ed. Associados Ltda, 2002. p. 42. Pois bem, percebemos que não existe uma briga entre o discurso oral e o escrito. Eles se complementam e se enriquecem mutuamente e conservam suas peculiaridades. Vejamos, a seguir, essas particularidades. 2.2.4 Semelhanças e diferenças entre oralidade e escrita O grande diferencial da oralidade, segundo Ferreira (2004, p.144) é que ela alcança todos, todas as camadas da sociedade, pois: [...] há uma voz coletiva que denota fala nas produções escritas de nossos vestibulandos, uma voz que denota seres amplamente dominados por um senso comum moldado, em maior ou menor proporção, pela mídia, pela família, pela própria escola. Todo mundo sabe falar, mas nem todos sabem escrever. Aprender a escrever é parte de um processo educacional que tem implicações socioeconômicas, por isso, a escrita é mais restrita, afinal: [...] todos necessitam de um modo ou de outro saber ler certas coisas, mas o número cai enormemente quando se conta quem necessita produzir a escrita na proporção do que lê. Muitas pessoas podem até ler jornais todos os dias, mas escrevem muito raramente (CAGLIARI, 1989, p.102). Quanto maior for o poder econômico de uma pessoa, mais propensa a ter maior contato com a escrita ela será. Toda cultura, letrada ou não, vale-se da oralidade como principal forma de comunicação, todavia, quanto mais complexa a cultura é, mais a escrita é necessária para essa sociedade. Marcuschi (1997, p.39) diz que: 46 Leitura e Produção de Textos Capítulo 2 A fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia a dia da maioria das pessoas. Contudo, as instituições escolares dão à fala atenção quase inversa à sua centralidade na relação com a escrita. Crucial neste caso é que não se trata de uma contradição, mas de uma postura. [grifo do autor] Isso confirma o que dissemos acima quanto à supervalorização da escrita frente à oralidade. Essa supervalorização, que faz com que se crie preconceito contra aqueles que não dominam as regras da língua escrita ou pouco utilizam as regras da Gramática Normativa na fala, inicia-se principalmente nas escolas, que se esquecem de esclarecer as diferenças entre uma e outra e postulam a norma culta como a única correta. A despeito do fato de que “a escrita tem sido vista como de estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto” (FÁVERO, 2005, p.09), já sabemos que a história não é bem assim. É preciso conhecer ambas melhor para se discutir a questão com propriedade. Vejamos, então, as peculiaridades de cada uma: a) Quanto à forma  a fala contém vários termos implícitos, ao passo que a escrita se mostra muito mais prolixa;  a fala apresenta muitas repetições e redundâncias, enquanto a escrita é condensada, pouco repetitiva e com muitas retomadas feitas por elementos gramaticais, como os pronomes;  a fala é menos elaborada, com frases curtas, ao passo que a escrita é elaborada em frases mais longas e complexas; e  a fala se dá com o uso de palavras mais simples do cotidiano das pessoas, conquanto a escrita se vale de léxico mais rebuscado. b) Quanto ao uso  a fala se dá em situações mais informais, e a escrita, em situações mais formais;  a fala é sincrônica, acontece no exato momento da interação, por sua vez, a escrita é assíncrona, primeiro o texto é escrito e só depois ele é lido; Leitura e Produção de Textos 47 Capítulo 2  a fala contém menos informações e, por isso, é menos densa, à proporção que a escrita contém mais informações, por isso, é mais densa, com textos mais longos. c) Quanto à produção  a fala é produzida no momento da interação e há pouco tempo para ser elaborada, enquanto a escrita é produzida anteriormente a sua leitura, o que lhe permite a reescrita, a busca de termos mais específicos, ou seja, o planejamento estratégico;  a fala é sempre individual, enquanto a escrita pode ser produzida por mais de uma pessoa;  A fala não permite ser apagada, o produtor tem de refrasear o que disse e, se for o caso, desculpar-se, ao passo que a escrita permite o apagamento e o reajuste do texto. Percebemos que a fala não é desestruturada, como muitos podem alegar, mas tem características diferentes da escrita. O fato de a escrita poder ser mais complexa não implica, exatamente, que ela seja melhor do que a fala, mas que ela tem características diferentes. É fácil de explicar o porquê de isso se dar: se você não entender um texto escrito, basta que volte a ele e o releia. Já imaginou você pedir para alguém repetir exatamente o que acabou de dizer? Isso seria impossível, pois, depois de dita, a fala não é totalmente recuperável. O que vai acontecer, nessa situação, é que a pessoa vai tentar recuperar apenas o significado de o que disse e, para redizer, vai reelaborar a fala, e isso será um novo texto, com tom de voz diferente, com outras palavras e, muitas vezes, outro sentido. PRATICANDO Em uma conversa com um colega, preste atenção no que ele diz e, em seguida, apenas para verificar o que dissemos aqui, peça-lhe para repetir exatamente o que ele disse. Note que, quanto mais longo tiver sido o texto oral de seu colega, mais alterações ele fará ao tentar repeti-lo. 48 Leitura e Produção de Textos Capítulo 2 Como já percebemos que oralidade e escrita são formas diferentes de se comunicar, vamos ver como elas se imiscuem simbioticamente, para facilitar a comunicação entre as pessoas e criar efeitos de sentido. 2.2.5 A oralidade na escrita e escrita na oralidade Na verdade, a fala e a escrita apresentam superficialmente formas diferentes de se realizar. Apesar disso, em sua estrutura mais profunda, em sua essência, são muito parecidas, porque utilizam o mesmo sistema léxico e semântico e sua variação se dá, especialmente, na escolha de termos e na distribuição dos elementos escolhidos nas sentenças produzidas, além de no vocabulário que é, em geral, mais difícil na escrita do que na fala. A oralidade apresenta-se mais maleável, mais versátil e, muitas vezes, invade a escrita. Alguns textos, literários ou não, valem-se dela pra causar determinado efeito no leitor. Por exemplo, temos presença da oralidade em textos jornalísticos, em poesias, em crônicas, em receitas etc. o que facilita o entendimento do texto, pois, como você sabe, os textos orais são mais presentes na sociedade do que os textos escritos. Então, para facilitar a compreensão dos textos escritos, levou-se um pouco dos textos orais para dentro daqueles. Veja como a escritora Hilda Hilst, na crônica “Tô Só” (Texto 2), publicada no jornal Correio Popular, de Campinas, São Paulo, em 16 de agosto de 1993, faz uso da oralidade para produzir um efeito de sentido no texto e, com isso, aproxima o texto do leitor: Leitura e Produção de Textos 49 Capítulo 2 TEXTO 2 Tô Só Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá de teta de azul de berimbau de doutora em letras? E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar... Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro? Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor? nave ave moinho e tudo mais serei para que seja leve meu passo em vosso caminho.* Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha. No Texto 2, encontramos os verbos que deveriam estar no infinitivo, como brincar, fazer, sonhar, sem o “r” final, porque a gente não fala, geralmente, esses erres. Ela também fala “bestando”, “zoiando”, “mundão”, “pinel”, que não são palavras que a gente vê escritas com muita frequência, não é? Mas isso não é um privilégio da oralidade, porque: [...] existem textos escritos que se situam, no contínuo, mais próximos da fala conversacional (bilhete, carta familiar, textos de humor), ao passo que existem textos falados que mais se aproximam do pólo da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais para altos cargos administrativos dentre outros), existindo, ainda, tipos mistos, além de muitos outros intermediários (KOCH, 1997, p.32). 50 Leitura e Produção de Textos Capítulo 2 Veja como os aspectos da escrita são, também, incutidos na oralidade. No discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 09 de setembro de 2009, feito em rede nacional de televisão, encontramos essas marcas. Veja o Texto 3: TEXTO 3 Queridas brasileiras e queridos brasileiros, É comum que o 7 de Setembro sirva para a gente enaltecer o passado e pensar o presente. Desta vez é diferente: este é o 7 de Setembro do Brasil festejar o futuro. De celebrar uma nova independência. Esta nova independência tem nome, forma e conteúdo. Seu nome é pré-sal; seu conteúdo são as gigantescas jazidas de petróleo e gás descobertas nas profundezas do nosso mar; sua forma é o conjunto de projetos de lei que enviamos, há poucos dias, ao Congresso Nacional. E que vai garantir que esta riqueza seja corretamente utilizada para o bem do Brasil e de todos os brasileiros. Peço a cada um de vocês que acompanhe passo a passo as discussões destas leis no Congresso. Que se informe, reflita, e entre de corpo e alma nesse debate tão importante para os destinos do Brasil e para o futuro de nossos filhos e netos. [...] Sabemos que o presidente estava falando para a nação e, nesse falar, encontram-se as marcas da escrita. Ora, não faz sentido pensarmos que um pronunciamento, uma ocasião bastante formal, não tenha sua aproximação com a língua mais formal, a escrita. Aqui, na conversa que o presidente tem com seu povo, temos uma maneira de perceber que, quanto mais formal for a situação de comunicação, mais regras são utilizadas em sua construção. As frases são mais longas, as concordâncias são respeitadas, o uso dos pronomes é mais complexo. Veja, por exemplo, como a palavra pré-sal é repetida várias vezes pelo pronome possessivo seu e sua. Se fosse uma fala menos formal, com certeza haveria a repetição do termo ou o uso da palavra dele. Assim, a frase seria “o nome dele é pré-sal...”, “o conteúdo dele são as jazidas...” ou, ainda, “a forma do pré-sal é o conjunto de projetos de lei...”. Para sintetizar, é fato que as sociedades letradas são aquelas em que se encontram mais registros históricos, justamente porque a escrita tem esse caráter de perpetuar a história e permitir que as coisas não se apaguem com seus produtores. Os grandes pensamentos que hoje norteiam a humanidade são retomados, séculos depois, e estudados por muitos. Porém, não é possível negar a importância da oralidade na vida das pessoas e no desenvolvimento dessas sociedades. Leitura e Produção de Textos 51 Capítulo 2 Reparou em como a oralidade está presente na escrita e que é completamente possível e comum a representação da oralidade na escrita? Isso prova que oralidade e escrita estão interligadas, não podem ser separadas. Então, quando você vir na televisão, Internet, bancas de jornal e livrarias guias para falar melhor o português, você, agora, sabe que são tentativas de ensinar a usar a oralidade mais próxima à escrita. REFLEXÃO Como bem vimos no capítulo 1, a Gramática Normativa foi feita para servir de guia para a escrita formal, então, é certo, do ponto de vista da oralidade como comunicação entre sujeitos de determinada sociedade, que se queira “forçar” os falantes do português a falar como as regras e os padrões da Gramática Tradicional? 2.3 Aplicando a teoria na prática No capítulo anterior, você foi levado a pensar como se comportaria para conseguir um emprego. Você se deu muito bem e o conseguiu, porque se adequou. Agora que você está empregado, tem de trabalhar, claro. Seu novo emprego é de secretário(a). Seu chefe chega de manhã e diz: “Faz um memorando pro departamento de pessoal dizendo que vou viajar amanhã, para uma feira de exposição tecnológica. Diz pra eles providenciá as passage e a estadia. Diz aí que é importante pra gente”. Em seguida, ele lhe entrega um panfleto informativo sobre a FENART – Feira Nacional de Artigos Tecnológicos, que será de 03 a 06/11/2010, em São Paulo. Como você faria esse trabalho? Vamos pensar juntos? Bom... primeiro, já sei que o texto escrito e o texto falado têm suas regras e suas especificidades, por isso, não estranho meu chefe cometer uns errinhos de gramática ao me dar uma ordem, afinal, ele está falando comigo. Depois, ele nem fala tudo o que precisa dizer para eu entender o que tenho de fazer. Sua fala não diz quando, nem onde será a feira. Essa informação eu recolho do panfleto que ele me entregou. Depois, eu não posso escrever “amanhã” no memorando, porque preciso ser claro e dar todas as informações 52 Leitura e Produção de Textos Capítulo 2 para meu interlocutor me entender, já que eu não vou estar presente quando ele ler o memorando. Afinal, “cada modalidade (fala e escrita) [determina] o contínuo das características que produzem as variações das estruturas textuais discursivas, seleções lexicais, estilo, grau de formalidade etc.” (MARCUSCHI, 2001, p.34-35), que deverão ser utilizados nas situações de comunicações. É por isso que também não posso dizer simplesmente que é importante “pra gente”, preciso dizer os porquês. Também não posso deixar de dizer se ele vai de avião, de trem ou de jegue, porque vou ter de pedir para que eles comprem a passagem e reservem um hotel etc. Ao final, vou ter de refazer tudo o que ele disse, nos moldes mais formais, explicar tudo, não deixar lacuna nenhuma de interpretação e, claro, vou caprichar no vocabulário, para mostrar que sei as diferenças e sei adequar o texto à situação de comunicação. Além disso, quem vai assinar é o chefe... e eu não posso perder esse emprego! 2.4 Para saber mais ROLINDO, J. e SOUZA, F. Leitura/Escrita: um processo de construção de sentido. Revista de Educação, XI, n.12, 2008. Disponível em: <http://sare.unianhanguera.edu.br/index. php/reduc/article/viewFile/274/273>. Acesso em: jun. 2010. Embora o artigo tenha como foco principal oferecer uma análise do processo de leitura e escrita como um processo unificado, trata também dos aspectos importantes da oralidade e da escrita como uma forma de expressão muito importante na sociedade e aborda, inclusive, os processos do desenvolvimento cognitivo para o desenvolvimento da criticidade. FÁVERO, L. L.; ANDRADE, M. L. O.; AQUINO, Z. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 2002. O foco principal do livro é o ensino de língua portuguesa, porém, os autores traçam um panorama da evolução da escrita e oferecem várias dicas para se entender o processo de comunicação oral e escrita, inclusive, com as estruturas da escrita e da organização conversacional. Leitura e Produção de Textos 53 Capítulo 2 2.5 Relembrando Neste capítulo, você aprendeu que: • a língua escrita foi criada por causa da necessidade de se guardar dados que se perderiam na língua falada, e que ela, mesmo sendo uma forma secundária de comunicação, é mais valorizada em nossa sociedade e cultura letrada; • a oralidade, mesmo desvalorizada em relação à escrita, tem uso mais frequente, muito contribui para a manutenção da sociedade e se encontra presente mesmo em textos escritos, o que mostra sua importância; • a fala, além da simplificação do vocabulário, não tem grandes preocupações com regras gramaticais de concordância, regência etc., nem com a clareza das construções sintáticas; • a língua escrita mantém contato indireto com quem a lê, o que possibilita a reescrita e a reelaboração das ideias, sem deixar marcas disso no texto; • a língua falada conta com outros elementos para produzir significado, como os gestos, o contexto, o tom de voz etc., por isso, é mais “simples”; e • a ausência de recursos extralinguísticos torna a escrita mais elaborada e prolixa, pois o produtor deve expressar em palavras tudo o que pretende comunicar. 2.6 Testando os seus conhecimentos 1) Já vimos bastante coisa sobre oralidade e escrita, afinal, esse é o objetivo deste capítulo. Agora, discorra sobre o processo de evolução da escrita, perpassando desde as primeiras representações pictóricas até o alfabeto de nossa língua. Lembre-se também de falar sobre a escrita oriental. 2) O texto que segue apresenta traços de oralidade? Explique detalhadamente. 54 Leitura e Produção de Textos Capítulo 2 TEXTO 4 O Analista de Bagé Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vêm de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas. Mas não adianta. Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem educada) mas, pensando bem, ele não poderia vir de outro lugar. Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão. — Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho. — O senhor quer que eu deite logo no divã? — Bom, se o amigo quiser dançar uma marca, antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro. — Certo, certo. Eu... — Aceita um mate? — Um quê? Ah, não. Obrigado. — Pos desembucha. — Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano? — Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope. — Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe. — Outro. — Outro? — Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque. — E o senhor acha... — Eu acho uma pôca vergonha. —Mas... — Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê! Fonte: VERÍSSIMO, L. F. In: Todas as Histórias do Analista de Bagé. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. 3) Os traços de oralidade são mais comuns em: a) b) c) d) e) Cartas comerciais; Diálogos; Entrevistas de emprego; Comerciais televisivos; Sentenças judiciais. 4) Marque (V) para as afirmações verdadeiras e (F) para as falsas. Leitura e Produção de Textos 55 Capítulo 2 ( ) A escrita apresenta muitas repetições e redundâncias. ( ) A fala é individual. ( ) A oralidade pode ser encontrada na escrita, mas a escrita jamais será encontrada na oralidade. ( ) O alfabeto romano sofreu principal influência do alfabeto fenício. ( ) Numa novela é mais comum o uso da escrita pelos atores. Onde encontrar CAGLIARI, L. C. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione, 1989. FERREIRA, L. A. Oralidade e escrita: um diálogo pelo tempo. São Paulo: Efusão Editora, 2004. HILST, H. Tô Só. Jornal Correio Popular, Campinas, SP, 16 ago. 1993. KLEIMAN, A. B. (Org.). Os significados do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995. KOCH, I. G. V. Interferência da oralidade na aquisição da escrita. In: Trabalhos em Linguística Aplicada, Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, 30, Campinas: Editora da Unicamp, 1997, p.31-38. MAC-KAY, A. P. M. G. Atividade verbal: processo de diferença e integração entre fala e escrita. São Paulo: Plexus, 2000. p.13-19. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001. _____. Oralidade e ensino, uma questão pouco ‘falada’. In: DIONÍSIO, A. P. e BEZERRA, M. A. (Orgs.). O livro didático de português. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. PLATÃO. F. In: Diálogos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1980. VERÍSSIMO, L. F. Todas as histórias do analista de Bagé. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. 56 Leitura e Produção de Textos CAPÍTULO 3 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS 3.1 Contextualizando Você percebeu, nas atividades que já fizemos juntos nos capítulos anteriores, que não nos comportamos da mesma maneira em todas as situações que nos são apresentadas cotidianamente. Lembra-se, por exemplo, de quando estávamos procurando um emprego e, ao acordar, não achamos o jornal? Naquela situação, praticamos nossa fala de acordo com a situação em que estávamos: em casa, nem nos preocupamos com a forma com que falamos – afinal, somos íntimos do povo de casa! –, mas, na hora da entrevista, bem... na hora da entrevista nós fomos mais certinhos, falamos mais bonitinho, caprichamos, mesmo, né? “Pois é, mano, a gente manera no vocabulário. A gente pensamo se as palavra tão de acordo com os sujeito da oração. A gente ajeita o jeito de falá as palavra, a gente fala mais alto, mais baixo...”, alongamos um grupo fonético para enfatizar e atingir a intenção comunicativa. Em suma, modalizamos o discurso e o adequamos aos propósitos que temos. Só de ler o parágrafo anterior, você percebe que a forma com que falamos interfere no significado do que dizemos e nos situa socialmente. Muitas das formas com que nos comunicamos nos identificam, nos colocam em uma posição social e nos situam em um contexto regional da produção linguística. Não é muito comum, por exemplo, vermos um homem falar: “Oi, lindo, como você está?”, nem uma mulher dizer: “Diga aí, macho, tudo bem?”. A escolha lexical, a organização sintática e o sotaque, por exemplo, nos dão indícios do sexo do falante, de sua posição social, sua idade, de onde mora etc. Apesar de nós, brasileiros, utilizarmos um sistema linguístico único (o português), não é preciso ser especialista para perceber a imensa diversidade com Leitura e Produção de Textos 57 Capítulo 3 que essa língua é empregada. É como se houvesse vários portugueses, ou melhor, várias formas de se usar a língua portuguesa, seja nos aspectos morfossintático (organização dos termos de uma oração), fonético-fonológico (quanto às questões dos sons das palavras) e lexical (o vocabulário). Repare que aqui falamos exatamente o que dissemos no segundo parágrafo, e veja a diferença! Por isso, neste capítulo, estudaremos este assunto, as variações linguísticas. É muito importante compreendêlas, para que possamos respeitar as peculiaridades da fala e da escrita do outro. Ao final de nosso trabalho, você estará apto a: • • • • compreender o conceito de variação linguística; identificar as origens e as razões das escolhas dos usuários da língua; perceber o efeito de sentido provocado pela variação do falante; e entender e respeitar as peculiaridades da produção textual. 3.2 Conhecendo a teoria Sabemos que a língua, como descrita no capítulo I, é um fato social, porque é um sistema de organização dos elementos lexicais e sintáticos, de acordo com a comunidade. O indivíduo social, então, adquire a língua durante seu convívio social. Pois bem, se o falante de uma língua a usa porque convive com outros falantes, podemos inferir que ele também absorve outros aspectos da produção desses falantes e os toma para si. Nós podemos constatar isso muito facilmente. Aqui no Brasil, no âmbito da família, temos um exemplo clássico. Nas regiões sul e sudeste, as crianças tratam sua mãe de “mamãe” no seio da família, no nordeste, a mãe é tratada por “mainha”. Esse uso representa um laço de afetividade existente entre os filhos e os pais, e cada região escolhe uma maneira de expressá-lo. Outro aspecto muito comum e que podemos elencar é a escolha das palavras para designar as coisas. Os termos mandioca, usado no sudeste, e macaxeira, usado no nordeste não tratam de itens diferentes. Para quem sabe bem sobre o assunto, há, sim uma diferença, que vamos aqui explicar, apenas a título de ilustração. A palavra mandioca designa o tubérculo usado na produção de farinha que, em tese, não serviria para a alimentação, se fosse cozido ou frito, ao passo que a macaxeira não serve para a produção de farinha e é usada na alimentação cozida ou frita e como ingrediente de bolos, de salgadinhos, de nhoque etc. Esse 58 Leitura e Produção de Textos Capítulo 3 é um detalhe que as pessoas que não são especialistas em tubérculos não sabem. Aliás, nem precisam saber, pois, se chegarem a um lugar e pedirem mandioca frita ou macaxeira frita, o que querem é que venha o tubérculo comestível. Ele virá, por certo. Como se não bastasse, o mesmo tubérculo, no Rio de Janeiro, que faz parte da região sudeste, nem é macaxeira, nem é mandioca, é aipim. Alguns termos são, também, usados diferentemente pelas pessoas, segundo sua profissão ou classe social. Veja, por exemplo, um policial militar falando a respeito de uma pessoa que foi presa. Em quase todos os momentos ele irá se referir a essa pessoa como meliante ou elemento, além do mais, para o policial, a pessoa não foi presa, foi detida. Um advogado, ao se referir à mesma pessoa, vai dizer infrator ou cidadão ou, ainda, acusado, dependendo da circunstância. Esses aspectos de que estamos tratando são tão incrustados nas pessoas, que elas sequer percebem o que estão fazendo com a língua no momento em que a usam. Observe o exemplo a seguir do uso da língua em momento de descontração: Beck Figura 1 - Exemplo de variação linguística Observe, na tira, a fala da mulher, no primeiro quadro, as marcas “meu querido” e “cafezinho”, no diminutivo, são características marcadamente femininas de falar. O garçom, por sua vez, tem uma linguagem de subserviência, de prestatividade, que é marcada pela interrogação, neste caso, e também pelo uso de “pois não”, uma característica social marcada por aqueles que prestam serviços e servem os outros. O homem, no segundo quadro, além de ter uma cara “fechada”, diz apenas “Capuccino!” e nos permite inferir certa objetividade no falar, sem muitos rodeios, sem muita gentileza. No terceiro quadro, então, temos outra variação: a da intimidade, a da repreensão, permitida por quem tem proximidade maior com o falante e se coloca em condição de repreender. Leitura e Produção de Textos 59 Capítulo 3 Apresenta, também, um indício de ciúme, que se instaura por uma questão do desconhecimento do uso linguístico das pessoas do sexo feminino. Por certo, em nenhum momento a mulher vê o garçom como “querido”, como o homem entende, ela apenas faz uso da língua como seu sexo, seu lugar social de falante, lhe permite, sem que isso seja, de fato, uma forma de ser “íntima” do garçom. E isso ocorre em diversas situações, basta que você mesmo verifique os falares a sua volta. Por isso, devemos tomar esse aspecto como base para perceber que há características intrínsecas dos falantes, adquiridas por razões diversas como discutimos acima. É preciso, também que entendamos que o processo de uso da língua nos identifica como seres de determinado sexo, de determinada idade, de determinada posição social e de determinada região. Se cada sociedade tem determinada língua para se comunicar e se distingue com línguas diferentes, é interessante observar que essas mesmas sociedades possuem marcas que lhes distinguem dentro de si mesmas, de modo que possibilitam a seus falantes identificar um locutor a partir das escolhas linguísticas que ele faz. Isso se dá, evidentemente, porque ao usuário da língua é apresentado um número de variedades, para que ele faça suas escolhas. Assim, se uma região adota determinada forma de utilizar a língua, uma determinada forma de falar, e outra região, outra, os falantes dessas comunidades terão um repertório tanto léxico quanto fonético diferente para escolher, mesmo que isso não se dê conscientemente. LEMBRETE Entendidos como uma variação ligada a fatores psicológicos e emocionais, os graus de formalismo adotados pelo falante são denominados variação diafásica, também relacionada à circunstância da fala. Esses graus podem ser divididos em dois grandes grupos: • Formal, culto ou padrão: linguagem mais próxima da gramática normativa, como a encontrada nos jornais e revistas e nas falas em situações mais rebuscadas. • Informal, coloquial ou popular: linguagem despreocupada com a normatividade, como a encontrada na linguagem familiar, nos regionalismos, nos dialetos e, também, nas gírias e na linguagem vulgar. 60 Leitura e Produção de Textos Capítulo 3 É dessa forma que as pessoas adquirem o que chamamos de variação linguística, ou seja, as características que a língua apresenta nas mais diversas situações de uso, incluindo-se nessa diversidade: os fatores regionais, que entendemos mais claramente ao falarmos dos sotaques; e os fatores sociais, que são percebidos pela escolha das palavras e pela formalidade ou informalidade no uso. A primeira, regional, é chamada de variação diatópica, a segunda, social, é nomeada variação diastrática. Além disso, temos também a variação histórica, que trata das mudanças ocorridas em decorrência do tempo, e a de registro ou estilística, afeita às escolhas dos falantes. Todas as línguas, seja o português, o inglês, o italiano, o russo etc. apresentam essas variações, assim: [...] qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variações. Pode-se afirmar mesmo que nenhuma língua se apresenta como uma entidade homogênea. Isso significa dizer que qualquer língua é representada por um conjunto de variedades (ALKIMIM, 2005, p.33). SAIBA QUE O termo dialeto, mais conhecido, é um termo mais genérico, que representa o conjunto das variações linguísticas naturais. Assim, podemos entender dialeto como uma palavra que se refere às diferentes variedades linguísticas originadas de aspectos regionais ou territoriais, das diferenças de idade, sexo, grupo social e até mesmo da evolução da língua. Antes de detalhar os aspectos diatópicos e diastráticos da variação, devemos perceber que, como a língua se apresenta em diferentes planos de análise, suas variações podem ser percebidas nesses diferentes planos, a saber: lexical, fonético, morfológico, sintático e semântico. 3.2.1 Os planos de ocorrência da variação linguística a) Plano lexical Ocorre variação linguística no plano lexical, quando determinado conceito é expresso diferentemente, isto é, por meio de palavras ou expressões distintas, dependendo da localidade ou de outros fatores, como o nível cultural ou a situação comunicativa. Uma evidência disso está nas variadas formas de se referir à brincadeira Leitura e Produção de Textos 61 Capítulo 3 de “soltar pipa”, “brincar de arraia”, “empinar papagaio” etc., as quais diferem de uma região para outra. A mesma coisa acontece quanto à designação de “pinha”, “ata” ou “fruta de conde”, ou quanto ao grau de (in)formalidade, como em “vir a óbito”, “falecer”, “morrer”, “ir pro andar de cima”, “bater as botas”, dentre outras. b) Plano fonético A variação linguística no plano fonético tem a ver com os variados modos de pronúncia das palavras. Um exemplo disso é a palavra “tia”, que, em algumas localidades, é pronunciada com chiado na consoante /t/ (“tchia”); c) Plano morfológico Esse tipo refere-se à variação na forma da palavra. Uma evidência para esse caso é a diferença entre as formas “está” (conforme o padrão culto) e “tá” (da linguagem coloquial). Percebe-se aí a alteração no radical da palavra. Outro exemplo disso pode ser observado em sentenças do tipo “Se eu tivesse dinheiro, eu lhe emprestava agora mesmo”, na qual a forma do futuro do pretérito “emprestaria” é normalmente substituída pela do pretérito imperfeito “emprestava”. d) Plano sintático Trata-se da variação encontrada nas relações entre palavras na sentença, tais como a posição de um termo em relação a outro, a concordância entre termos, a regência nominal ou verbal etc. Como prova disso, podemos citar a colocação do pronome oblíquo, que, segundo a norma culta, não deve iniciar a frase, por exemplo: “Empreste-me seu livro” (emprego da ênclise). No entanto, na conversa informal, é bastante comum dizermos: “Me empreste seu livro” (emprego da próclise). Pode-se também citar como exemplo a distinção entre “assistir ao filme” (padrão culto – com preposição) e “assistir o filme” (uso popular – sem preposição). e) Plano semântico Existe, ainda, a variação no plano semântico que, em geral, não é considerada em muitas abordagens sobre o assunto. É o caso de uma mesma palavra receber diferentes significados, de acordo com a comunidade de fala. Por exemplo, no sudeste do país, principalmente entre os cariocas, é normal chamar um menino de “moleque”. Entretanto, no nordeste, isso 62 Leitura e Produção de Textos Capítulo 3 seria considerado uma ofensa, pois esse termo tem conotação extremamente negativa. Em Portugal, alguém dizer que “pegou uma tremenda bicha”, será interpretado que “enfrentou uma fila imensa”. Aqui, no Brasil, no entanto, esse mesmo enunciado teria uma conotação sexual, exatamente por causa do sentido do termo “bicha” para nós, brasileiros. Observe que esses planos de variação de que tratamos aqui ocorrem no cotidiano das pessoas sem que elas se deem conta disso. A língua vai sendo utilizada pelo falante para produzir significados, e esse processo é natural da aquisição e do desenvolvimento da linguagem humana. Durante a produção comunicativa, ninguém, exceto os estudiosos do assunto, fica pensando muito nisso, seja porque desconhece o assunto e sua complexidade, seja porque esse conhecimento não é necessário para os objetivos que o usuário tem naquele momento, mas as variações acontecem, mesmo assim. Entendidos os planos de análise, precisamos também conhecer mais outros aspectos que compõem a diversidade de formas e contextos de uso linguísticos de que o falante de um idioma dispõe, além dos aspectos diatópicos e diastráticos que trataremos mais adiante. São eles: as diferenças de registro e as mudanças históricas. Assim, vejamos. 3.2.2 Variação de registro ou estilística Compreendem esse aspecto da variação linguística os fatores que determinam como o indivíduo, ao interagir com outro(s) por meio da palavra, procura adequar sua linguagem às características sociais de seu(s) interlocutor(es), à situação enunciativa – que tem a ver com o contexto em que se realiza a interação comunicativa – e aos propósitos discursivos, que são os objetivos para os quais se orienta determinada interlocução, quer dizer, são os efeitos de sentido que se deseja alcançar por meio do uso interpessoal da linguagem. Por esse motivo, não nos expressamos sempre do mesmo modo. Se, por exemplo, conversamos com nosso(s) colega(s) no intervalo das aulas, utilizamos palavras e expressões que, certamente, não empregaríamos, caso tivéssemos de dar um aviso ou apresentar um trabalho acadêmico para essas mesmas pessoas durante uma aula. Até mesmo um indivíduo com baixo nível escolar ou sem qualquer escolaridade procura se expressar “melhor”, se estiver diante de alguém que considera socialmente superior ou em um ambiente comunicativo que julga exigir dele comportamento mais formal. Leitura e Produção de Textos 63 Capítulo 3 Assim, em decorrência dessas variações de desempenho linguístico, existe o que denominamos grau de formalismo (ou níveis de linguagem), tanto na fala como na escrita, e que pode variar entre o modo mais formal e sofisticado, que marca distância social e formalidade entre os interlocutores, e aquele mais coloquial e despojado, que sinaliza intimidade e descontração entre os parceiros na interação verbal. 3.2.3 Variações históricas Existe, ainda, outro tipo de diferença linguística. Trata-se das alterações ocorridas na língua com o passar do tempo, ou seja, são as mudanças históricas. Isso significa que a língua não só apresenta variações coexistentes em uma mesma época, mas também se modifica de um período para outro, ao longo dos anos. Veja, por exemplo, o que ocorreu com o pronome de tratamento “Vossa Mercê”, utilizado antigamente como demonstração de submissão e respeito à pessoa a quem se dirigia o locutor. Esse pronome se transformou em “vosmecê” e “vossuncê”, até chegar às formas atuais “você” e, simplesmente, “cê” (como na canção Não me arrependo, de Caetano Veloso, a qual diz: “Fiz você crescer/vi cê me fazer crescer também/pra além de mim...) que, ao contrário, revelam aproximação e informalidade com o interlocutor. Certamente, você deve se lembrar de alguma telenovela brasileira de época em que o pronome de tratamento “vosmecê” é utilizado pela classe privilegiada, e a forma “vossuncê” é falada principalmente pelos escravos. Temos aí um caso de variação linguística desse pronome em uma dada fase histórica da língua. Esse mesmo fenômeno também pode ser observado na escrita, em que as modificações acontecem com maior lentidão e resistência. Basta citar, dentre outros, os casos de “pharmacia”, “êlle” e “sciencia”, que hoje se escrevem, respectivamente, “farmácia”, “ele” e “ciência”. Além disso, se muda a forma de falar e de escrever, muda também o sentido das palavras com o passar do tempo, porque a língua é, como já o dissemos, um sistema em movimento, que aquiesce aos desejos dos usuários, que vão escolhendo como usá-la, em um processo natural, o qual sequer percebem. O poeta Carlos Drummond de Andrade ilustra muito bem esse processo na crônica Antigamente. Vejamos um excerto dela (Texto 1): 64 Leitura e Produção de Textos Capítulo 3 TEXTO 1 ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água. [...] Fonte: ANDRADE, C. D. (1962). In: Quadrante. Quadrante Obra coletiva reproduzida em Caminhos de João Brandão. São Paulo: José Olympio, 1970. Nós percebemos que muitos dos termos utilizados pelo poeta são marcados historicamente por seu uso. Hoje, uma pessoa dificilmente chamaria um avião de “aeroplano”, por exemplo, e isso é um aspecto da história da língua. Outro exemplo que podemos dar do processo histórico de evolução da língua é o uso atual do termo “empório” que, antigamente, designava uma pequena venda, uma bodega, uma quitanda ou um mercadinho simples, nos bairros das cidades, e hoje é utilizado para designar um mercado elitizado, em que são encontrados produtos mais caros. O termo, por sua evolução histórica, passou a ser elitizado, e deixou para trás sua marca de simplicidade. Pois bem, percebemos que o tempo é fator importantíssimo no processo linguístico. Se pegarmos o primeiro documento sobre o Brasil, a Carta de Pero Vaz de Caminha, teremos dificuldade para compreender muitos dos termos lá encontrados. Ademais, não sabemos ao certo como, com o passar dos anos, vamos designar as coisas que nos cercam. Podemos alterar algumas coisas, recuperar outras do passado com outros sentidos – ou com o mesmo sentido – e, com certeza, novos termos serão criados, porque se trata de um processo histórico e natural de toda língua. Leitura e Produção de Textos 65 Capítulo 3 3.2.4 Variação diatópica ou geográfica O espaço físico em que residem os falantes de uma língua determina o modo como esses falantes se comunicam. Sabemos que o português é um idioma falado em Portugal, Guiné Bissau, Cabo Verde, Angola, Timor Leste, Moçambique, São Tomé e Príncipe e, claro, no Brasil. Em cada um desses países, há o mesmo idioma, mas ele não é falado da mesma forma. Mesmo com o acordo ortográfico que une os países de língua portuguesa, cada país guardará suas características, especialmente na fala, pois o acordo unifica a escrita desses oito países. Esse é um dos grandes exemplos de variação diatópica. Para exemplificar mais, tomemos um fato que ocorre tanto na fala quanto na escrita: o uso do gerúndio e o uso do infinitivo em sentenças cujo significado é igual. Um português, ao perguntar para alguém o que essa pessoa está fazendo no momento, diria: “O que tu estás a fazer?”, um brasileiro, por sua vez, diria: “O que você está fazendo?”. Note que uma escolha lexical, o uso dos pronomes tu e você, e a escolha sintática, “está fazendo” ou “estás a fazer”, caracterizam a fala e registram a origem regional desse texto. No Brasil, o uso do infinitivo “a fazer” em sentenças ocorre pouco, mesmo se tratando de um país continental. Já em Portugal, o uso do gerúndio “fazendo” nessa mesma situação é igualmente raro. Além disso, o jeito de falar é diferente, o sotaque e o ritmo do português de Portugal não é igual ao nosso. Todos nós sabemos disso. Contudo, não são os limites da nacionalidade que traçam o parâmetro das configurações das variações regionais, pois é dentro da língua e pela língua “que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente” (BENVENISTE, 1976, p.27). Há muitas características no discurso dos brasileiros que identificam sua regionalidade. Dentre elas, podemos elencar: a) As variações fonéticas: a palavra “dia”, por exemplo, é pronunciada  no sudeste, com o som do /d/ chiado, e em algumas regiões do nordeste, como Natal/RN, pronuncia-se , com o /d/ seco. Outro exemplo mais evidente é a pronúncia das vogais pretônicas, como o  em “verdade”, em que se observa o  aberto, ou seja,  (“é”), no norte e nordeste, onde se fala , e no sul, . 66 Leitura e Produção de Textos Capítulo 3 b) As variações lexicais: a palavra que designa a vestimenta de jogadores de futebol, por exemplo, em algumas regiões do nordeste, designa-se pela palavra “terno” e, em são Paulo, é designada por “uniforme”. c) As variações sintáticas: exemplificam-nas as construções “não tem” e “tem não”, em que o advérbio “não” precede o verbo nas regiões sul e sudeste, e o sucedem, nas regiões norte e nordeste, bem como a presença ou não do artigo, em frases como “Cadê o João?”, mais comum no sul e sudeste, e “Cadê João?”, no norte e nordeste. d) As variações semânticas: é o caso do termo “rapariga”, que no sul designa moça, feminino de rapaz (como em Portugal), mas no nordeste designa prostituta. Com isso, podemos compreender a complexidade da variação linguística regional no uso corrente. É certo que você, ao se deparar com essas constatações em seu cotidiano, poderá identificar a origem do falante e, a partir disso, determinar alguns aspectos de sua cultura e formação identitária. PRATICANDO Observe, nas conversas que você mantém em ambiente virtual, como o Messenger, o Twitter, o Orkut etc., as diferenças na forma de se expressar das pessoas. Anote pelo menos cinco delas e compare com sua forma de dizer as mesmas coisas. 3.2.5 Variação diastrática ou social Como já percebemos, inúmeros fatores contribuem para a formação do aparato morfológico, lexical, sintático e semântico de que os falantes fazem uso. Resta-nos, agora, discutir um dos mais complexos deles: a variação de acordo com os aspectos socioculturais, ou seja, a variação diastrática ou social, que: [...] não é o resultado do uso arbitrário e irregular dos falantes. Ao contrário: se, por um lado, encontra sua motivação em circunstâncias lingüísticas determinadas, é, por outro, o resultado sistemático e regular de restrições impostas pelo próprio sistema linguístico em uso (CAMACHO, 2005, p.54). Leitura e Produção de Textos 67 Capítulo 3 Assim, como o sistema linguístico define algumas das variantes e os falantes são sujeitos sociais que agem na sociedade, podemos inferir que esses sujeitos sociais também oferecem suas contribuições para o desenvolvimento e funcionamento do sistema linguístico de que fazem uso. A linguagem, e a língua como uma de suas vertentes, é entendida como um organismo natural, que está sujeito a processos naturais de desenvolvimento. Assim pensando, o professor Câmara Jr., ao tratar de sua evolução, lembra-nos que: [...] cada língua é o produto da ação de um complexo de substâncias naturais no cérebro e no aparelho fonador [...] a diversidade das línguas depende da diversidade dos cérebros e órgãos fonadores dos homens [...] (CÂMARA JR., 1975, p.51). Ora, se cada homem oferece à língua sua contribuição para a diversidade, seria ingênuo de nossa parte pensar que essa atuação sobre a língua não a influenciasse. Assim se dão as variações diastráticas, a partir das contribuições que os sujeitos sociais oferecem para o bom – ou mau – funcionamento do sistema linguístico de comunicação, que produzem efeitos na organização cultural da comunidade linguística e refletem a identidade do falante. LEMBRETE Quanto aos fatores sociais, verificamos que a situação e o contexto de fala também influenciam o comportamento da língua e são, portanto, variações diastráticas, como em nossa atividade do “Aplicando a Teoria na Prática”, do capítulo 2, em que estávamos em nosso novo emprego e mudamos nosso texto para atender a uma determinada situação de comunicação. Podemos, a partir dessa premissa, elencar a classe social, a idade e o sexo do falante como fatores que influenciam a produção do discurso do usuário da língua. 68 Leitura e Produção de Textos Capítulo 3 Gilberto Mellaci Jaume d’Urgell Eliel Freitas Jr Figuras 2, 3 e 4 - A produção do discurso varia segundo classe social, idade e sexo SAIBA QUE As sociedades são constituídas por grupos – como os médicos, os jovens, os idosos, os pobres, os ricos etc. – e cada um desses grupos partilha de uma variedade da língua. A essa variedade dá-se o nome de socioleto. a) Variação segundo a classe social Como o próprio nome diz, essa variação se dá em razão da estrutura social vigente e, por isso, é determinada sócio-historicamente. Na atualidade, podemos entender essa divisão não apenas pelas questões financeiras que trazem aspectos mais evidentes das diversas escalas da sociedade, mas, também, por outras variantes, sejam elas derivadas da organização econômica ou não. Não podemos negar que as classes mais abastadas possuem um leque maior de contato com os diversos tipos de produção discursiva disponíveis na sociedade. A própria escolarização é um exemplo disso. As classes menos favorecidas têm menos acesso à educação do que as mais favorecidas, e isso pode determinar a forma como elas tomam o aparato idiomático. Além disso, as situações de formalidade são mais presentes nos grupos abastados do que nos menos abastados. Leitura e Produção de Textos 69 Capítulo 3 Por isso, encontramos diferenças como: • uso de dupla negação em classes menos abastadas, como em “eu num vi, não”, que, nas mais abastadas seria “eu não vi”, ou construções mais sutis, como “Ninguém nunca me disse isso”, que seria dito “Ninguém me disse isso” ou “Nunca me disseram isso”; • presença de rotacismos, a troca do “l” pelo “r”, em palavras como “pranta”, “Cráudia”, “bicicreta”, “frecha”, “probrema” etc., que se dá nas classes menos abastadas, e não ocorre nas mais favorecidas. b) Variação segundo a idade Em cada momento de nossas vidas usamos diferentemente a língua, por isso, criamos ou adotamos termos e maneiras específicas para nos comunicar em cada uma das fases de nossa vida. Na infância, falamos de um jeito, na adolescência, de outro, na vida adulta, de outro e, na terceira idade, ainda de outro. Um dos grandes marcos dessa variação é o uso das gírias pelos jovens, que fazem largo uso de termos do grupo de mesma idade. Os exemplos são inúmeros, e independem da classe social, como “Êi, boy”, “Fala, mano!”, “Tá ligado?”. Beck Figura 5 - Exemplo de variação linguística segundo a idade Note que, na Figura 5, temos um adolescente, cuja linguagem é, geralmente, bem flexível e com gírias. No caso, temos um termo sem nenhuma significação para a sentença, “tipo”, mas que é uma característica encontrada em vários adolescentes, uma espécie de “marca registrada da idade”, se assim podemos dizer. Também temos o uso do verbo “rolar”, sem a sua acepção dicionarizada, mas com um sentido específico. 70 Leitura e Produção de Textos Capítulo 3 Na fala da mãe, porém, não encontramos esse uso espontaneamente. Pelo contrário, ela até marca a diferença ao se utilizar do verbo “rolar”, em destaque, com a acepção dada pelo filho adolescente para mostrar lhe a sua postura de descompromisso. Devemos também observar o uso do “você” pelo adolecente, que atualmente já não marca diferenças de idade ou de gênero, pois os filhos mais novos já se comunicam com seus pais, na grande maioria de nossa sociedade, usando esse termo, que foi sempre usado pelos mais velhos para falar com os mais novos. Se a tira retratasse os anos de 1940, por exemplo, certamente, o menino, mesmo com o uso da gíria, falaria “a senhora”. CURIOSIDADE Quando a gíria está ligada à profissão, recebe o nome de jargão. Os economistas, por exemplo, têm uma linguagem própria que lhes identifica, como o uso dos termos “participação nos lucros”, “dividendos”, royalites, para tratar da transferência de renda do produtor para quem financia. c) Variação segundo o sexo Embora a variação relacionada ao sexo possa parecer um pouco mais sutil do que as outras, o sexo dos usuários também influencia a forma como eles vão se comunicar com os demais. Uma mulher pode tranquilamente se valer de alongamento de vogais, por exemplo, e dizer “Liiiindooo!”, sem causar estranhamento. É uma forma de se mostrar mais delicada, mais alegre, mais amistosa etc. Mas, se um homem o fizer, o significado será muito diferente. Por isso, os homens não as alongam, e dizem simplesmente “Lindo!”. Na verdade, especificamente esse vocábulo o homem pouco utiliza e, numa situação hipotética, diria apenas “Bonito”. Pelo exemplo anterior, percebemos que até a escolha lexical é um item que faz a diferença na variação linguística quanto ao sexo. As palavras mais rudes (ou chulas) são mais presentes no aparato léxico masculino do que no feminino. Da mesma forma, o uso de diminutivo não é presente no falar masculino, mas aparece com grande frequência na voz das mulheres, como em “Oi, bonitinho.” ou “cheirosinho”. Já pensou no efeito que essas palavras têm no discurso masculino? Leitura e Produção de Textos 71 Capítulo 3 Pois bem, como percebemos, é muito importante compreender as variações linguísticas, porque elas consubstanciam a identidade do falante em vários aspectos. Revelam sua historicidade, suas práticas culturais, suas vontades, sua capacidade de se adequar – ou não – às situações de comunicação, e jamais delatam incapacidade de falar corretamente, próximo a uma variante mais valorizada na sociedade, a variedade padrão. Além disso, já sabemos que dominar as formas da língua padrão não significa, necessariamente, ser um bom comunicador ou um bom usuário da língua. 3.3 Aplicando a teoria na prática Fizemos, no capítulo anterior, um memorando, e nos saímos muito bem. Pois é, a empresa está crescendo, inclusive, porque você é um funcionário competente. Foram comprados novos equipamentos e, por sorte, novos funcionários foram contratados. Sua sala ganhou um novo funcionário, que veio de longe. Ele não tem, portanto, o mesmo comportamento linguístico que os outros têm: fala umas palavras diferentes, usa construções sintáticas estranhas, e seu sotaque, então, é bem diferente do da maioria. Todos os outros funcionários – exceto você, é claro! – começaram a, de certa forma, excluí-lo do grupo, por causa de seu comportamento linguístico. Nessa situação, o que você faria para banir esse preconceito que os outros estão demonstrando e, também, para dizer a ele que isso é “normal”? Como a gente sempre faz junto a atividade desta seção, vamos começar... Se os outros funcionários estão tendo certo preconceito com o comportamento linguístico do novo funcionário, isso se dá porque somos parte de um grupo, e os grupos são identificados por sua forma de usar o idioma. Eu faria, então, um primeiro esclarecimento aos colegas, dizendo que, se achamos que o novo funcionário é diferente da gente, é só porque ele faz algumas escolhas ao usar o aparato lexical e sintático da língua que nós preferimos não fazer e que isso não o torna menor ou maior do que nós, apenas nos empresta uma identidade. Também vou esclarecer aos colegas que o novo funcionário não fala como fala porque quer, simplesmente, mas porque carrega em si aspectos da comunidade de fala que o originou e, também, que ele próprio tem suas 72 Leitura e Produção de Textos Capítulo 3 formas de enxergar o idioma e sofre, ainda, das questões físicas, de modo que seu sotaque, por exemplo, é o resultado de um costume de realizar este ou aquele som de determinado jeito. Aí, para que eles entendam e saibam que eu não estou falando achismos, mas que isso é o que dizem os estudiosos, vou buscar referência no professor Câmara Jr., para quem: [...] cada língua é o produto da ação de um complexo de substâncias naturais no cérebro e no aparelho fonador [...] a diversidade das línguas depende da diversidade dos cérebros e órgãos fonadores dos homens [...] (CÂMARA JR., 1975, p.51). Bem... depois de ter dito aos outros colegas que o novo funcionário não é um alienígena, vou conversar com ele. Vou, primeiro, mostrar a ele o quanto é interessante sermos de lugares tão diferentes e, ainda assim, conseguir nos comunicar de maneira geral. Vou, também, perguntar se ele não acha estranhas algumas coisas que a gente fala e ele não. Depois que ele me responder, vou perguntar como ele diria uma expressão nossa e perguntar como ele diz a mesma coisa. Vou, também apontar as peculiaridades e dizer a ele que, felizmente, temos essa variação e que, com o contato que estamos tendo, tanto eu quanto ele estamos nos enriquecendo, porque estamos conhecendo não só novas palavras e jeitos de dizer coisas, mas estamos entendendo como nos identificamos por meio da manifestação de nossa língua. 3.4 Para saber mais LÍNGUA: VIDAS EM PORTUGUÊS. Direção: Victor Lopes. Produção: Renato Pereira e Suely Weller. Roteiro: Ulysses Nadruz e Victor Lopes. Distribuição: TV Zero e Sambascope. Brasil, 2004. 105 min. O documentário Língua: Vidas em português é uma co-produção BrasilPortugal, filmado em seis países (Brasil, Moçambique, Índia, Portugal, França e Japão), que mostra a vida de pessoas que têm em comum a língua portuguesa como meio de comunicação. Em um retrato da vida cotidiana, o filme apresenta as peculiaridades do idioma e conta com a presença de usuários famosos da língua, como José Saramago, Mia Couto, Martinho da Vila, João Ubaldo Ribeiro etc., além de vendedores, pregadores, músicos etc. Leitura e Produção de Textos 73 Capítulo 3 3.5 Relembrando Neste capítulo, nós aprendemos que: • a língua não tem erros, mas variações, que são causadas por fenômenos socioculturais. Essas variações não comprometem o entendimento do texto, muito pelo contrário, pois um texto pode ser mais bem entendido por uma pessoa ou por uma comunidade quando é escrito ou falado segundo a variação mais comum para o(s) interlocutor(es); • a grande questão de se saber que não há erros na língua é banir o preconceito linguístico. Nós temos de dominar a língua não para oprimir quem não tem esse conhecimento, mas para nos adequarmos às diversas ocasiões que necessitarão de seu uso; • é importante perceber que a variação linguística não se encontra única e exclusivamente nos textos orais. A própria escrita pode valerse disso para causar impacto ou um efeito desejado; • as variações linguísticas podem ser divididas em: a) diatópica, que diz respeito às diferenças regionais do uso, b) diastrática, que diz respeito às diferenças sociais de uso, c) diafásica, que é relacionada aos aspectos psicológicos do falante em situação de comunicação. 74 Leitura e Produção de Textos Capítulo 3 3.6 Testando os seus conhecimentos 1) Observe o texto abaixo e elenque as marcas linguísticas que identificam o falante. TEXTO 2 – Leonor – repetiu seu Ruzivelte a todo instante – é uma moça prendada, não é por ser filha minha, não. Vive de estudar, inda por cima borda, costura e cozinha, direitinho a finada mãe dela, que Deus a tenha. Estuda até língua de estranjas com uma ex-freira que mandei buscar em Natal. A certa altura, com umas talagadas de cana na cabeça, Ojuara não resistiu à curiosidade: – Que mal pergunto, seu Ruzivelte: onde está a menina Leonor? – Trancada no quarto, estudando. Imagine que ela já sabe inglês – O fazendeiro deu uma risada cheia de orgulho. – ela bota nome nos bichos tudo em inglês, só você vendo. Fonte: CASTRO, N. L. As pelejas de Ojuara Ojuara: o homem que desafiou o diabo. São Paulo: Arx, 2006. p.185. 2) Das alternativas abaixo, quais você julga verdadeiras e quais seriam falsas? ( ) A variante social é chamada de variedade diastrática. ( ) O /e/ aberto é característico na posição pretônica no sudeste. ( ) Homens e mulheres apresentam as mesmas variantes. ( ) Os grupos sociais (médicos, estudantes, professores etc.) têm suas próprias variantes. ( ) As variantes são um ultraje à língua portuguesa. 3) Fale sobre as diversas formas de variação por meio de um texto dissertativo. Leitura e Produção de Textos 75 Capítulo 3 Onde encontrar ALKIMIM, T. M. Sociolingüística. Parte I. In: MUSSALIN, F. e BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2005. p.21-47. ANDRADE, C. D. (1962). In: Quadrante. Obra coletiva reproduzida em Caminhos de João Brandão. São Paulo: José Olympio, 1970. BENVENISTE, E. Problemas de lingüística geral. São Paulo: Cia. Editora nacional/ EDUSP, 1976. CAMACHO, R. G. Sociolinguística. Parte II. In: MUSSALIN, F. e BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2005. p.48-75. CÂMARA JR. J. M. História da lingüística. Rio de Janeiro: Vozes, 1975. CASTRO, N. L. As pelejas de Ojuara: o homem que desafiou o diabo. São Paulo: Arx, 2006. 76 Leitura e Produção de Textos CAPÍTULO 4 O TEXTO E O DISCURSO: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS 4.1 Contextualizando Depois de aprendermos a importância da linguagem utilizada pelo sujeito na comunicação, chegou o momento de perceber as nuances dos elementos constitutivos do texto, como objeto material da produção de sentido, e de outros elementos, como o contexto, que dá suporte ao texto na produção de sua significação. Ainda, vamos ver como os elementos autor/falante e receptor/ouvinte participam da efetiva construção do sentido, da significação, do significado de uma produção comunicativa. É chegada a hora, então, de perceber que estamos envolvidos em inúmeros fatores socioculturais, para que possamos exercer nossa capacidade de sujeito social: interagir. Também sentimos, a partir deste momento, necessidade de compreender como os elementos que nos constituem podem constituir nossas produções comunicativas e ser presentificados. Entre pressupostos e subentendidos, vamos nos constituindo e dando ênfase a aspectos de nossa produção comunicativa, seja no papel de autor, seja no papel de receptor. Isso nós fazemos com elementos que nos são intrínsecos, ou seja, nós exercemos, como em nossa mente bipartida após as descobertas freudianas, funções, ora conscientemente ora inconscientemente. Assim, neste capítulo, vamos entender o porquê de, em determinados momentos, elaborarmos um texto ambíguo por razões específicas e, em outros, construirmos inconscientemente a ambiguidade, que faz com que nosso interlocutor questione o que quisemos, efetivamente, dizer com o que dissemos. Leitura e Produção de Textos 77 Capítulo 4 Pois bem, esse é nosso cenário neste capítulo. Esse é o cenário que compõe mais um de nossos momentos de interação, assim, eu e você produzimos sentido, em um processo dialógico. Ao final de nosso trabalho, você estará apto a: • entender os elementos constitutivos do texto e do discurso; • perceber a importância dos interagentes na produção de sentidos; • reconhecer que os sujeitos, na produção do discurso, são revestidos de papéis sociais; • compreender que nem todos os significados produzidos pelos textos são intencionais; e, • atentar para a importância dos elementos da construção de sentido. 4.2 Conhecendo a teoria Um dos conhecimentos mais importantes que precisamos adquirir para podermos começar a discutir o que são discurso e texto é que o texto é a materialização do discurso, ou seja, é aquilo que é posto na realidade concreta, de forma que possa ser lido, ou ouvido, ou visto por outra pessoa. O texto, portanto, não é o pensamento, mas sua expressão: é aquilo que você vê, ouve ou lê. Com essa perspectiva em mente, surge, então, o questionamento de o que é o discurso, já que o texto é sua materialização, e deve constituir um conjunto significativo para quem o toma para interpretar. Assim, é importante saber alguns aspectos constitutivos do texto, por um lado, e do discurso, por outro, pois “as bases linguísticas [do texto] facilitam o estabelecimento de um sentido configuracional e a determinação de um propósito argumentativo”, porém, “o julgamento definitivo de [sua] coerência resulta da articulação do texto com o contexto sociopragmático da interação, ou seja, com a dimensão discursiva englobante” (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2004, p. 467-468). Podemos, então, vislumbrar que as relações do texto com seu contexto e com os propósitos da comunicação constituem um processo, na busca da 78 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 construção de significados, seja por parte do autor, seja por parte do leitor, aqui entendidos como produtores que partilham de conhecimentos que possibilitam a comunicação efetiva. Mas o discurso não é, como pode parecer em uma análise superficial, a relação do texto com seu contexto apenas. Destaca-se, nesse ínterim, que os estudos atuais a respeito do texto o entendem como indissociável de seu contexto de produção, ou seja, uma produção textual é uma produção de sentidos e, com isso: O texto será entendido como uma unidade lingüística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão (TRAVAGLIA, 1997, p. 67). As definições de texto, como podemos vislumbrar, levam-nos a entender que quaisquer produções com sentido podem ser consideradas texto. Nesse sentido, é importante deixar claro que essas definições, por se tratar de um amplo campo de estudos, são diversas, mas não são dicotômicas: a produção do sentido é o que constitui uma forma de comunicação como texto. Para finalizar a questão de uma definição (que jamais poderia ser única), lembramos que: “O texto é considerado por alguns especialistas como uma unidade semântica onde os vários elementos são materializados através de categorias lexicais, sintáticas, semânticas, estruturais” (KLEIMAN, 1995, p.45). Resta-nos, então, compreender exatamente o que pode ser entendido como discurso, já que o texto é sua materialização. Comecemos por esclarecer que o discurso pode ser entendido como o texto, seu contexto – que seria a premissa para a existência efetiva de um texto –, acrescido de outro conjunto de elementos: os interagentes e suas respectivas influências na produção de sentido. DESAFIO Ao se deparar com o sinal de trânsito vermelho, por exemplo, temos aí um texto. Determine quais são os outros elementos que constituem o significado desse texto, cuja mensagem é uma ordem: PARE. Leitura e Produção de Textos 79 Capítulo 4 São os produtores de sentido, falante/ouvinte e escritor/leitor, que efetivamente constituem comunicação por intermédio desses textos. Esses usuários não constroem significação sozinhos. Há sempre uma produção dialógica, em que estão imbricadas ambas as partes do discurso, e essa produção dialógica constitui a base da significação da comunicação e forma o que chamamos de processo discursivo. Em nosso desafio anterior, o que constitui a significação do texto são o texto propriamente dito – perceba que não se trata de um texto escrito, mas de um texto não verbal: a cor vermelha –, em um contexto específico: o trânsito. Também há o produtor, as leis que determinam o comportamento no trânsito e, por fim, o leitor, o motorista, que conhece as regras e empresta significado à luz vermelha do farol. LEMBRETE Neste estudo, temos utilizado os termos significação, significado e sentido como equivalentes, sem nos determos em suas diferenças teóricas. É por essa razão que “quando conhecemos o processo discursivo podemos dispensar o material de análise inicial, pois estaremos de posse do funcionamento discursivo que pode ser generalizado para outros conjuntos de material, outros textos” (ORLANDI, 2006, 17). Para melhor entendermos, vamos verificar alguns aspectos da Figura 1 a seguir: Figura 1 – Capa da Revista Veja Edição 2174, de 21/07/2010 80 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 Um dos aspectos importantes para se compreender a imagem é sabermos que “Veja” é uma revista nacional, de tiragem semanal, que trata dos assuntos do país, como um jornal, e que tem muitos leitores. E se não soubéssemos disso, apenas a imagem nos daria a informação de que se trata de uma revista, por causa do formato, que nos remete ao nosso conhecimento e nos faz identificar a “estética” de uma produção textual que não é nem jornal, nem livro. Podemos, facilmente perceber isso. Em seguida, passamos a verificar a relação estabelecida entre a imagem de uma criança nua e o texto maior, “Mas nem uma palmadinha?”. Já aqui estamos ativando o nosso conhecimento para produzir significado. A relação entre a palavra palmadinha e a criança da imagem nos leva a entender que o texto pretende aludir às punições físicas sofridas pelas crianças. Assim entendemos o que é discurso. Apenas com a visão do texto, mesmo com a composição completa, a imagem que acompanha a parte escrita, não se pode recuperar esse aspecto, pois o leitor precisa ter conhecimento de mundo para fazer a relação e entender boa parte de o que o texto pretende expor. Além disso, se vamos além, temos o texto menor, abaixo do mencionado acima, “Vai ser lei, mas a educação e a felicidade deles depende do pulso dos pais.” , que nos conduz a outros aspectos que não estão, exatamente postos no texto, mas que são imprescindíveis para poder compreendê-lo. É preciso ter consciência do projeto de Lei n. 2654/2003, da deputada Maria do Rosário, cujo intento é acrescentar artigos à Lei n. 8069, de 13/07/1990, O Estatuto da Criança e do Adolescente, e da Lei n.10.406, de 10/01/2002, o Novo código Civil, para acrescentar, dentre outros aspectos, o artigo 18A, que tem como texto “A criança e o adolescente têm direito a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, no lar, na escola, em instituição de atendimento público ou privado ou em locais públicos”. Certo é que não precisaríamos saber exatamente o que o projeto de lei diz, como vimos agora, mas saber de sua existência ajudaria muito na produção de sentido. Entendemos, também, que a proposta do texto da capa da revista é aguçar a curiosidade dos leitores, fazendo-os comprar e ler a edição. Com isso, percebemos que toda a mensagem, a construção do sentido do texto, dá-se por Leitura e Produção de Textos 81 Capítulo 4 intermédio de inúmeros aspectos que contribuem para a transmissão da ideia que só se consubstancia em sentido quando o leitor movimenta todos esses conhecimentos para produzir um entendimento do o que o produtor do texto pretendia (ou que o próprio texto permitia) passar. É por essa razão que podemos entender que o discurso se estabelece no interior de uma atividade social, daí ele ser constitutivamente interativo e dialógico. As pessoas estão cotidianamente envolvidas em uma série de ações conjuntas, em razão de necessidades e interesses mútuos. No curso dessas ações, realizam troca de sentidos, os quais interpretam e orientam suas experiências. Assim, o discurso constróise nas práticas sociais e é, ao mesmo tempo, o fio condutor de seus significados. Tome-se como exemplo a ida ao cinema para assistir a um filme. No trajeto, o(a) interessado(a) realiza um conjunto de atividades sociais necessárias para chegar a seu destino. Todas elas envolvem interações discursivas: se for de ônibus, precisará identificar aquele que o(a) levará ao lugar desejado; durante a viagem, poderá ler alguma coisa para passar o tempo, conversar com um (des)conhecido ou, simplesmente, por alguma curiosidade, ver as diversas propagandas comerciais nos outdoors. Se for de carro, inevitavelmente se deparará com placas e sinais de trânsito, os quais servem de orientação de como se locomover na cidade. No cinema, terá de adquirir o bilhete que lhe permitirá acesso à sala de exibição e, finalmente, o contato com o filme e a construção dos significados que esse encontro lhe possibilitará. Percebemos, com isso, que o discurso se constitui na interatividade dialógica e por meio dela. Isso significa que, em sua produção, o discurso não se estabelece unilateralmente nem de forma monológica. É importante reiterar o caráter interativo e dialógico do discurso, não apenas porque ele requer, necessariamente, a coparticipação atuante de sujeitos de linguagem (os sujeitos responsáveis pela encenação do discurso, isto é, os interlocutores que assumem (ou não) o que é dito na interação), mas também por instituir a intersecção com outros discursos antecedentes e sucessores. Como exemplo disso, podemos citar este trabalho que estamos, eu e você, realizando. Se você observar bem, verá que nele estamos envolvidos em uma situação coprodutiva de discursos. Isso se dá por alguns motivos: nesta produção discursiva, contamos com sua cooperação no estabelecimento dos significados que, conjuntamente, construímos; além disso, os conteúdos colocados neste estudo são uma apropriação parcial de outros discursos 82 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 socialmente partilhados (por exemplo, as fontes bibliográficas nas quais fundamentamos os conteúdos aqui apresentados) e, ao mesmo tempo, estamos preparando o caminho para o surgimento de novos discursos. Cabe alertar, todavia, que a dialogicidade entre os discursos nem sempre se dá de modo consensual. Ela pode também se configurar de maneira tensa e confrontativa, na qual se contrapõem diferentes visões de mundo. O discurso envolve sujeitos investidos de papéis e posições sociais. Isso significa que, ao interagir discursivamente, os parceiros desempenham papéis socialmente definidos. Por exemplo, o discurso entre pai e filho, entre empresa e cliente(s), entre colegas de classe, ou ainda entre desconhecidos, numa fila de banco etc. Em todos eles, os participantes coatuam dentro de limites culturalmente estabelecidos, de acordo com as relações de poder existentes entre eles, porque: [...] o discurso é moldado por relações de poder e ideologias e os efeitos construtivos que o discurso exerce sobre as entidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento e crença, nenhum dos quais é normalmente aparente para os participantes do discurso (FAIRCLOUGH, 2001, p.31-32). Nesse sentido, essas relações revelam igualdade ou desigualdade social entre os sujeitos, bem como aproximação ou distanciamento. Outro fator importante diz respeito às posições discursivas assumidas pelos interlocutores. Esclarecendo isso melhor: na produção do discurso, os enunciadores encenam visões de mundo particulares e, também, das instituições sociais que eles representam. Assim, eles orientam seu discurso para determinada perspectiva ideológica. Vamos supor uma interação entre pai e filho: o sujeito que exerce o papel social de pai pode assumir a posição do discurso tradicional autoritário ou se posicionar discursivamente alinhado com a visão progressista mais liberal. Isso pode se dar quanto à interação patrão-empregado, que pode ser marcada pelo discurso capitalista ameaçador ou pelo discurso também capitalista, mas conquistador. O discurso tem historicidade e é marcado por ela. Entenda-se por historicidade não apenas o fato de o discurso ser um acontecimento histórico, no sentido de transcorrer em um dado momento cronologicamente situado na história de vida dos interlocutores, mas, sobretudo, por pertencer a determinado contexto sociocultural historicamente identificável. Nesse sentido, o discurso revela traços específicos da forma de organização, da Leitura e Produção de Textos 83 Capítulo 4 produção cultural, das atividades sociais e das diferentes visões de mundo da comunidade em que é produzido. Para ilustrar isso, basta pensar no discurso da globalização, que ronda e assombra as relações sociais no atual mercado de trabalho. As ideias sobre economia, nacionalidade, mão de obra, dentre outras, veiculadas por esse discurso, são uma característica marcante do novo modo de produção material e desta era dominada pela informática e pela Internet, os quais alteraram significativamente a visão de mundo da sociedade contemporânea. Tal visão era praticamente impensável no início do século XX. Essas características anteriores atribuídas ao discurso nos levam a uma outra delas decorrente: a de que o discurso obedece a determinadas normas de conduta sociocultural. Isso quer dizer que, na constituição do discurso, segue-se uma espécie de “ritual”, ancorado nas especificidades das práticas sociais, que determina não apenas o que deve ou não ser comunicado, mas também o modo como deve ser expresso. Para exemplificar, lembre-se de como se aborda um desconhecido na rua para lhe pedir alguma informação. Em geral, as regras do bom convívio social ensinam que, numa situação assim, em que o provável informante, além de ser um estranho, está em posição superior em relação ao solicitante, deve-se agir com polidez, utilizando-se expressões como “Por favor, o(a) senhor(a) poderia me dizer... ?”. Por outro lado, o interlocutor (informante) deverá limitar-se a fornecer a informação o mais direta e objetivamente possível, mantendo o distanciamento afetivo-social em relação ao outro. Isso é assim em virtude de haver um acordo comunitário, ideologicamente estabelecido, que regula a interação social em um contexto dessa natureza. Esse comportamento também se dá, respectivamente, em relação a outras esferas das ações intercomunicativas do cotidiano social. Com isso, podemos conceber a interseção do elemento material do discurso, o texto, com o próprio discurso e sua realização no seio da sociedade que o entende, a partir da complexidade das relações estabelecidas para se chegar a uma possível significação. Assim, [...] um texto faz sentido não por sua relação com o contexto, ou em decorrência de conhecimentos que o leitor tenha estocado ou que rememora e coloca em funcionamento ao ler/ouvir [...] Ou seja, não há propriamente texto, concebido como uma unidade; o que há são linearizações concretas (materiais) de discursos (POSSENTI, 2004, p.365). 84 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 Já entendemos que o discurso é uma entidade complexa, da qual o texto faz parte. Precisamos, então, compreender um pouco melhor esse integrante do discurso, para que possamos dar andamento a nosso processo de aprendizagem. A primeira coisa que devemos saber especificamente sobre o texto é que ele é composto por dois elementos básicos, que lhe emprestarão o caráter de texto: a coesão e a coerência. A coesão diz respeito aos elementos materiais da construção de um texto, especialmente do texto escrito. Devemos, então, entender o termo como os elementos constitutivos das frases, orações, dos períodos, parágrafos e das partes maiores de um texto. Os elementos coesivos garantem a linearidade da sequência do texto. Dentre eles, estão os termos gramaticais, como as conjunções, as preposições, os elementos dêiticos etc. A coerência, por sua vez, diz respeito à estruturação lógica e semântica que possibilita que o leitor/ouvinte compreenda o texto e lhe dê significado, portanto, é o resultado das articulações das ideias que compõem o que se pretende dizer. LEMBRETE No capítulo 6, entraremos em maiores detalhes quanto aos elementos de coerência e coesão, ao tratarmos dos fatores de textualidade. Por ora, basta-nos saber que o texto, elemento constitutivo do discurso, vale-se de vários recursos para construir significados. Como veremos mais acuradamente os elementos de coesão e coerência em outro momento de nosso trabalho em conjunto, destacamos que os textos são produzidos e admitem interpretações denotativas e conotativas. As primeiras, conotativas, dizem respeito ao sentido literal de o que se diz, as segundas, denotativas, são as interpretações que podem ser depreendidas do texto e pelo texto, mas que não são a exata significação de o que efetivamente se diz, ou seja, são o que os interagentes (o produtor ou o leitor/ouvinte) pretendem compreender ou são capazes de compreender a partir do texto. Cientes disso, vejamos os outros elementos que se destacam na produção de sentido na interação comunicativa: Leitura e Produção de Textos 85 Capítulo 4 a) A linguagem figurada O sentido figurativo ocorre quando uma palavra ou uma expressão perde seu sentido denotativo, literal, e é utilizada fora de seu plano convencional de significação, ou seja, com um significado diferente do habitual, de forma que seu sentido é transposto, para se referir a outra realidade conceitual. Em outras palavras, ela assume sentido conotativo, metafórico, não-literal (FIORIN e SAVIOLI, 1998). SAIBA QUE Estamos considerando aqui apenas os usos figurativos especiais, isto é, quando palavras ou expressões são utilizadas de modo inovador e incomum, com a finalidade de produzir determinados efeitos de sentido. Por exemplo, provavelmente, você já conhece a expressão “cair do cavalo”, que pode ser utilizada em sentido literal, para falar de “alguém que se encontra montado num cavalo e, por algum motivo, despenca no chão”. Por outro lado, em nossa cultura, essa mesma expressão também possui uma acepção figurativa, que se refere à “frustração de uma expectativa”. PRATICANDO Compare agora os sentidos atribuídos a “coração”, na amostra textual que se segue: Sabe o que alimenta um coração? um sorriso um elogio um abraço [...] Alimentar bem o coração é adotar hábitos saudáveis no seu dia-a-dia, como praticar exercícios, evitar o stress e, principalmente, ter uma dieta balanceada. [...] Nestlé Omega Plus. Leites e iogurtes para o seu coração bater feliz. (grifos nossos) Fonte: REVISTA VEJA, s.d. (reprod.) 86 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 Mesmo que sua interpretação seja diferente, veja que, na primeira linha, “coração” é tomado como o centro das emoções, está, portanto, em sentido figurado (aliás, esse sentido já é tradicionalmente conhecido em nossa cultura). Na segunda menção, essa palavra tem conceito denotativo, uma vez que está relacionada aos cuidados que devemos ter para preservar a saúde cardíaca. Já na terceira citação, esses significados se superpõem, podendo-se atribuir-lhe tanto uma noção literal como metafórica. O valor desse recurso reside no fato de se poder utilizá-lo em uma situação em que a expressão literal de sentido equivalente não surtiria o mesmo efeito. Dessa forma, a linguagem figurada atende a uma necessidade comunicativa, uma vez que seu uso produz um resultado interacional que não seria tão satisfatório por outro meio. Assim como o sentido figurado revela a propriedade que a linguagem tem de adquirir outra significação em um contexto específico, existem palavras ou expressões às quais se pode atribuir mais de uma interpretação em um mesmo contexto. Veja, então, o caso do duplo sentido (ou ambiguidade), que passamos a explicitar a seguir. b) O duplo sentido (ou ambiguidade) Você certamente já ouviu alguém dizer que tal palavra ou expressão tem duplo sentido, ou seja, é ambígua. Também já deve ter ficado em dúvida quanto ao real sentido de determinado enunciado, pelo fato de ele permitir mais de uma interpretação. O duplo sentido, portanto, tem a ver com a propriedade que a linguagem possui de, por meio de uma mesma forma, exprimir diferentes significados em uma dada situação comunicativa. Observe os seguintes enunciados: (1) Do Yázigi todo mundo sai falando bem. (grifo nosso) Inglês e Espanhol [...] Fonte: GAZETA. 2001. (2) Ele recebeu uma foto da namorada. Leitura e Produção de Textos 87 Capítulo 4 Veja que, no primeiro texto, pode-se interpretar que, por se tratar de uma escola de línguas, as pessoas saem do Yázigi dominando o(s) idioma(s) que lá estudaram. Fica, portanto, implícita a boa qualidade do ensino dessa escola, e daí vem o outro sentido que se pode atribuir ao texto: a boa formação dos alunos leva-os a sair divulgando positivamente a imagem da escola. PRATICANDO Agora, contamos com você para apresentar a dupla interpretação do segundo enunciado. Vamos lá? Mas será que a ambiguidade se dá por um processo consciente do falante/produtor? Muitas vezes, sim, mas há momentos em que estamos conversando com alguém e, no processo, produzimos um texto cuja significação o ouvinte/leitor questiona. Nós somos obrigados a esclarecê-la a ele. Por isso, a ambiguidade, que serve como recurso estilístico para produzir uma comunicação mais elaborada, pode também ser um entrave para ela. Assim, teremos dois tipos de ambiguidade: a intencional e a involuntária. • O Duplo Sentido Intencional (ou Ambiguidade Intencional) Esse caso ocorre quando uma palavra ou uma expressão é utilizada voluntariamente de modo ambíguo, resultante de um planejamento textual, para provocar determinado efeito de sentido. Esse recurso é comum, por exemplo, em textos literários e publicitários, em que o locutor deseja jogar com diferentes sentidos, contando com a capacidade de percepção do interlocutor e esperando despertar-lhe alguma reação emotiva (FIORIN e SAVIOLI, 1998). 88 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 Figura 2 – Exemplo de ambiguidade intencional Fonte: <www.filologia.org.br>. Nesse caso, entenda que se trata de uma estratégia estilística a que o produtor do texto recorreu, e que evidencia sua habilidade de manipular inteligentemente a linguagem para atingir o resultado desejado. PRATICANDO Considere o seguinte texto: NOKIA 3320 O mundo todo só fala nele. (grifo nosso). Fonte: REVISTA VEJA, 2001. p.19. Por certo, você percebeu a ambiguidade que se dá no uso de “fala nele”, não é? Então, explicite as possíveis interpretações. • O Duplo Sentido Involuntário (ou Ambiguidade Involuntária) Outro aspecto que caracteriza o duplo sentido das palavras é quando uma sentença é mal elaborada, e causa incerteza quanto ao que o locutor realmente quer dizer. Em outras palavras, o modo confuso como o texto foi produzido resulta em falta de clareza e imprecisão de sentido. Em casos assim, ao contrário de o que se viu no item anterior, o produtor do enunciado não pretende provocar duplo sentido, e a situação revela deficiência em codificar as informações adequadamente, o que deixa margem para diferentes interpretações. Em consequência disso, o texto não produz o efeito de sentido esperado, uma vez que o interlocutor não consegue reconhecer a verdadeira intenção discursiva do locutor (CEREJA e MAGALHÃES, 2001). Leitura e Produção de Textos 89 Capítulo 4 Observe o seguinte exemplo: O rapaz que cuida do bezerro foi informar ao fazendeiro que a mãe dele morreu. Afinal, quem morreu? A mãe do rapaz ou a mãe do fazendeiro? Não podemos saber, porque o elemento dêitico “dele” pode se referir ao rapaz, cuja mãe morreu, nessa interpretação, ou ao fazendeiro, cuja mãe morreu. No entanto, ainda há outra interpretação, o bezerro tem, certamente, uma mãe e, novamente, podemos interpretar que o rapaz foi ao fazendeiro avisar que a vaca, mãe do bezerro, morreu. Percebe como a ambiguidade pode ser não intencional? O produtor do texto, certamente por saber de quem estava falando, pressupôs que o leitor entenderia, mas se equivocou na construção da frase. PRATICANDO Observe os exemplos a seguir e perceba a ambiguidade presente em cada um deles: • O assessor do presidente informou que ele viajará daqui a uma semana. • Foi observado o acidente da ponte. • Mataram o filho do empresário que foi sequestrado. c) As Informações Implícitas Do mesmo modo como a linguagem figurada e a ambiguidade evidenciam o fato de as formas linguísticas poderem expressar mais de um sentido, muitos dos enunciados que produzimos na comunicação dizem muito mais do que aquilo que está na aparência imediata das palavras. Boa parte de o que é afirmado explicitamente, às vezes, constitui apenas “a ponta do iceberg”, e pode esconder muitos outros significados e intenções discursivas. Essas são as informações implícitas, as quais dependem da capacidade inferencial do interlocutor, ou seja, de suas condições de “ler nas entrelinhas”, a fim de captar plenamente os sentidos comunicados (FIORIN e SAVIOLI, 1997; FIORIN, 2003). Os implícitos que você verá a seguir são os pressupostos e os subentendidos. 90 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 • Pressuposto Trata-se de uma ou mais informações não-veiculadas de maneira explícita, mas que decorrem logicamente do sentido de certas palavras ou expressões contidas no enunciado. Isso significa que esse enunciado comunica, de modo indireto, mais do que o que demonstra o nível superficial de suas palavras, isto é, além daquilo que diz abertamente, traz outro(s) sentido(s) subjacentes ao significado de algum termo. Você entenderá isso com mais clareza, observando o exemplo logo a seguir: Novo Focus [...] O que já era um Focus ficou ainda melhor Com o motor mais potente da categoria. (grifos nossos). [...] Fonte: REVISTA VEJA, 2005. p.21-23. Perceba que a expressão “ficou ainda melhor”, além da informação em si, também diz implicitamente que “o Focus já era bom”. Por meio do superlativo “o... mais”, podemos inferir que “os outros veículos da categoria possuem motor com potência inferior” à do Focus. • Subentendido Resulta de quando o locutor produz um enunciado para, por meio dele, realizar outro ato de fala, cujo efeito de sentido não é diretamente explicitado. Por meio dessa estratégia, o falante “mascara” sua intenção comunicativa, deixando-a por conta da inferência do interlocutor. Assim, o falante/escritor não assume a informação implícita, transfere para o ouvinte/ leitor a responsabilidade de interpretar o que realmente ele quis dizer. Você perceberá isso no seguinte trecho, extraído da propaganda sobre o veículo Focus, já apresentada no item anterior: Leitura e Produção de Textos 91 Capítulo 4 Você nunca dirigiu um Focus? Onde você esteve esse tempo todo? Fonte: REVISTA VEJA, 2005. p.21-23. Você consegue perceber o que o enunciador (os termos enunciador, locutor, falante e escritor serão utilizados como equivalentes) deixou subentendido nessas perguntas aparentemente simples? Pois é. Na verdade, o que interessa aí não é saber se o interlocutor já dirigiu um Focus, muito menos obter informação sobre por onde ele andou. Como se trata de um anúncio comercial sobre esse automóvel, então, o que de fato está implícito é a afirmação de que o indivíduo que não dirige/possui um Focus está ultrapassado, não tem acompanhado a evolução tecnológica. Fica, assim, a sugestão indireta para o interlocutor adquirir esse veículo, para, desse modo, inserir-se no mundo moderno e avançado. Como você pode ver, diferentemente do pressuposto, que se deduz a partir de determinadas pistas linguísticas expressas na superfície do texto, o subentendido não vem marcado nas palavras do enunciado. Em função disso, exige do interlocutor maior capacidade de percepção, isto é, de inferência, a fim de que ele interprete a verdadeira intenção discursiva do locutor. PRATICANDO Crie exemplos que demonstrem as diferenças entre pressuposto e subentendido. d) Sentido Ancorado na Situação Comunicativa Um enunciado pode apresentar o mesmo conteúdo proposicional, e ter seu sentido variável determinado pelo contexto comunicativo (TRAVAGLIA, 2003). Suponha que você está lendo, por exemplo, um enunciado como o que segue: 92 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 A porta está aberta. Você vai perceber, pelas opções dispostas a seguir, que, dependendo da situação interativa, ele pode ter efeitos de sentido distintos. Veja: • em meio a uma discussão, pode significar uma ordem indireta para que o interlocutor saia; • para uma pessoa que bate à porta, soa como um convite para entrar; • pode ser uma advertência de perigo, sugerindo que a porta deve ser fechada; • se a ventania está perturbando o ambiente, pode parecer um pedido indireto para que o interlocutor feche a porta; • pode estar sendo usado metaforicamente, significando uma oportunidade que deve ser aproveitada; • para um funcionário que está deixando a empresa, significa uma promessa de que ele será recebido de volta caso queira retornar; • pode ser uma afirmação literal após constatar que determinada porta se encontra aberta, pressupondo que estivesse fechada. Portanto, como você pôde perceber, a partir do conteúdo visto, o sentido de uma palavra, expressão ou sentença não está predeterminado nela, pois é resultante da negociação entre os interlocutores no contexto de interação verbal. Por esse motivo, devemos estar atentos à forma como utilizamos os recursos linguísticos, a fim de podermos tirar o melhor proveito de suas possibilidades de sentido. Pudemos perceber, também, que o processo de significação só se consubstancia com a junção dos elementos textuais presentes no texto, porque o autor o possibilitou e, portanto, ele, autor, faz também parte desse sentido, bem como a capacidade do leitor, que empresta significados diversos a partir do conhecimento que possui para poder significar. Leitura e Produção de Textos 93 Capítulo 4 4.3 Aplicando a teoria na prática Pois bem... no capítulo anterior, você conseguiu convencer seus colegas de trabalho de que o recém-contratado não falava errado, apenas usava uma variação diferente da que se costumava ouvir naquele ambiente. Dessa vez, seu chefe, que chegou há alguns dias da feira de informática, disse ao novo funcionário: “Fulano, ligue para o departamento pessoal e pergunte se a passagem já foi aprovada”. Em seguida, saiu. Você percebeu que seu colega ficou assustado, sem saber o que fazer exatamente. Nessa situação, o que você faria? Você já sabe que fazemos essa resolução sempre juntos. Então, vamos lá... Se ele ficou assustado e sem saber o que fazer, a culpa não é sua, não é? Afinal, ele não sabe de que passagem se fala, ele é novo na empresa. O chefe, portanto, produtor do texto, não lhe ofereceu os elementos necessários para a compreensão e, por isso, a mensagem não se consolidou. O novo funcionário ouviu o texto materializado, mas não tinha subsídios para estabelecer-lhe o sentido, primeiro, porque a palavra “passagem” é ambígua. Pode ser a passagem de que falava o chefe, um bilhete de viagem ou uma porta que se queria abrir no departamento. Ele sabia que era uma ordem e, na incapacidade de realizá-la, se ressentiu. Nesse sentido, sabemos, não é?, que “as bases linguísticas [do texto] facilitam o estabelecimento de um sentido configuracional e a determinação de um propósito argumentativo”, mas não consolidam a significação. Para que o novo funcionário o entendesse, seria necessária a “articulação do texto com o contexto sociopragmático da interação, ou seja, com a dimensão discursiva englobante” (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2004, p.467-468). Bem... como nós sabemos disso, vamos, então, tranquilizá-lo e dar-lhe os elementos textuais e contextuais que lhe faltam para entender completamente a ordem. Como somos muito colaborativos, vamos até ele e, para completar, explicamos que o chefe irá a uma feira de informática em São Paulo e que a gente já fez o memorando solicitando a passagem, reserva de hotel etc. Apenas com isso, a ideia de abrir uma porta no departamento se esvai, porque o contexto já explica que se trata de um bilhete de viagem. Em seguida, esclarecemos que esse procedimento é normal, que precisamos solicitar ao 94 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 departamento de pessoal a liberação das passagens, do hotel etc. para o chefe, que eles precisam cotar as passagens, o departamento tal deve fazer isso, e o departamento tal aquilo. Demos ao novo funcionário informações sobre o funcionamento da empresa, ou seja, acrescentamos-lhe o conhecimento de mundo necessário. Vamos esclarecer a ele, também, que o chefe partiu do pressuposto de que ele sabia do que se tratava e, portanto, a informação estava subentendida. Daí fica tudo mais fácil, não é? Agora, pronto! Ele tem os elementos contextuais, já sabe da complexidade da produção do discurso e angariou subsídios para a completa compreensão da ordem que recebera. Basta, então, ligar e perguntar. Quando o chefe chegar, seu colega terá a resposta na ponta da língua. 4.4 Para saber mais FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: leitura e redação. 2.ed. São Paulo: Ática, 1997. Obra que trata especificamente de temas relacionados à leitura e à produção de textos, indispensável para os que desejam desenvolver essas habilidades. BRONCKART, J. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Trad. A. R. Machado e P. Cunha. São Paulo: EDUC, 1999. O texto aborda questões relativas ao discurso e ao texto, com ênfase nos mecanismos do processamento textual. Veja também estudos sobre o texto, inclusive com exemplos e comentários, em: BENTES, A. C. Linguística textual. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à linguística 1: domínios e fronteiras. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2001. p.245-87. Leitura e Produção de Textos 95 Capítulo 4 4.5 Relembrando Neste capítulo, você aprendeu que: • o texto é uma unidade linguística concreta, percebida pela visão ou audição, tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica; • o discurso é uma atividade de comunicação que produz sentido desenvolvido por interlocutores por intermédio de textos e que se vale de outros elementos que também fazem parte da construção de sentido do texto. • a linguagem figurada é uma expressão utilizada fora de seu plano convencional. • o duplo sentido ou ambiguidade pode ser de dois tipos: a) intencional: quando uma palavra, uma expressão ou um texto é intencionalmente utilizado com mais de um sentido; b) involuntário: quando um enunciado não produz o efeito de sentido desejado por faltar-lhe clareza e precisão. • as informações implícitas presentes no texto são divididas em: a) pressuposto: ideia(s) não veiculada(s) de maneira explícita; b) subentendido: quando o locutor insinua alguma coisa sem dizê-la abertamente, deixando a interpretação por conta do interlocutor. • sentido ancorado na situação comunicativa: um enunciado pode apresentar o mesmo conteúdo proposicional e ter seu sentido variável, determinado pelo contexto comunicativo. 96 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 4.6 Testando os seus conhecimentos 1) Leia o Texto 1 e, em seguida, responda às questões propostas. TEXTO 1 O Meu Guri (Chico Buarque) Quando, seu moço, nasceu meu rebento Não era o momento dele rebentar Já foi nascendo com cara de fome E eu não tinha nem nome pra lhe dar Como fui levando, não sei lhe explicar Fui assim levando ele a me levar E na sua meninice ele um dia me disse Que chegava lá Olha aí Olha aí Olha aí, ai o meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri E ele chega Chega suado e veloz do batente E traz sempre um presente pra me encabular Tanta corrente de ouro, seu moço Que haja pescoço pra enfiar Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro Chave, caderneta, terço e patuá Um lenço e uma penca de documentos Pra finalmente eu me identificar, olha aí Olha aí, ai o meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri E ele chega Chega no morro com o carregamento Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador Rezo até ele chegar cá no alto Essa onda de assaltos tá um horror Eu consolo ele, ele me consola Boto ele no colo pra ele me ninar De repente acordo, olho pro lado E o danado já foi trabalhar, olha aí Olha aí, ai o meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri E ele chega 05 10 15 20 25 30 Leitura e Produção de Textos 97 Capítulo 4 Chega estampado, manchete, retrato Com venda nos olhos, legenda e as iniciais Eu não entendo essa gente, seu moço? Fazendo alvoroço demais O guri no mato, acho que tá rindo Acho que tá lindo de papo pro ar Desde o começo, eu não disse, seu moço Ele disse que chegava lá Olha aí, olha aí Olha aí, ai o meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri 35 40 45 Fonte: Disponível em: <http://analisedeletras.com.br/chico-buarque/o-meu-guri/>. Acesso em: jul. 2010. 1) O verbo “chegar” foi empregado com o mesmo sentido nas linhas 8 e 14, respectivamente? 2) Esclareça o que se pode inferir (ou seja, quais são as informações implícitas) nos seguintes trechos: a) “Quando, seu moço, nasceu meu rebento Não era o momento dele rebentar”. b) “Chega no morro com o carregamento Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador” 3) Quem é o sujeito locutor no texto? Fundamente sua resposta apontando algumas pistas dadas no texto. 4) Qual questão da realidade brasileira é indiretamente tratada no texto? 98 Leitura e Produção de Textos Capítulo 4 Onde encontrar CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Texto e interação. São Paulo: Atual, 2001. CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. (Org.). Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004. FIORIN, J. L. A linguagem em uso. In: _____. (Org.). Introdução à lingüística I: objetos teóricos. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2003. p.166-186. FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para entender o texto: leitura e redação. 6.ed. São Paulo: Ática, 1998. KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 4.ed. Campinas: Pontes, 1995. KOCH, I. G. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2005. KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 1984. –––––. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1989. –––––. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. –––––. Introdução à lingüística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Coleção texto e linguagem. ORLANDI, E.; RODRIGUES, S. (Org.). Introdução às ciências da linguagem III: discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2006. v.III. POSSENTI, S. Análise do discurso: um caso de múltiplas rupturas. In: MUSSALIM, F. e BENTES, A. C. (Org.). Introdução à lingüística: fundamentos epistemológicos. São Paulo: Editora Cortez, 2004, v. 3, p. 353-392. TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de 1º. e 2º. graus. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2003. Leitura e Produção de Textos 99 CAPÍTULO 5 ESTRUTURA DO PERÍODO E DO PARÁGRAFO 5.1 Contextualizando No capítulo 4, Texto e discurso: a construção de sentidos, nós discutimos as questões que envolvem o processo de significação no discurso e entendemos o que é um texto. No capítulo 1, Conceitos de língua e gramática, vimos que aquilo que queremos dizer é dito (ou escrito) sob a égide de uma gama de fatores que influenciam o modo de produzir textos. Pois bem, se nos valemos de vários aspectos de nosso conhecimento para “pôr em palavras” o que queremos expressar, para explicitar nossas intenções, é chegado o momento de vermos como são organizadas as palavras que representam nossas ideias, seja na produção escrita, seja na produção oral. Na produção oral, nos valemos de muitos aspectos que nos ajudam a produzir o significado que queremos, e nosso interlocutor, por saber de muitas outras tantas coisas apreensíveis do contexto, passa a colaborar muito conosco e nos deixa livres para falar. Ele, nesse processo mútuo de produção de sentido, nos ajuda tanto, que muitas das regras de organização são dispensadas e, se por acaso ele não nos entender, simplesmente pede para que falemos de novo, de forma diferente. Na escrita, porém, a organização de nosso discurso deve ser muito maior, pois a colaboração do interlocutor não é tão grande, e, por isso, somos levados a pensar mais nas palavras que escolhemos, a rever muitos aspectos de concordância entre os termos escolhidos e, inclusive, podemos apagar tudo o que escrevemos e reescrever. Essa possibilidade é um recurso apenas da escrita e, como podemos reestruturar, devemos conhecer as regras que organizam textualmente nosso pensamento. Leitura e Produção de Textos 101 Capítulo 5 Por isso, neste capítulo, vamos compreender melhor o processo de produção escrita que é, como já vimos, a forma de comunicação mais valorizada em nossa sociedade. Você não pode, então, deixar de conhecer como a gramática determina que façamos a escrita, não pode deixar de entender os processos que envolvem a produção de um texto que é dividido em parágrafos, que, por sua vez, são divididos em períodos, e estes, em orações e frases. Assim, ao final deste capítulo, você estará apto a: • diferenciar frase, oração e período; • reconhecer a importância dos processos de coordenação e de subordinação no processamento textual; e • identificar a relação lógico-semântica estabelecida entre os segmentos do período e do parágrafo. 5.2 Conhecendo a teoria É importante percebermos que nossa fala tem uma organização que apreendemos sem ter consciência dela. Ao falar, usamos uma entonação específica para cada um dos propósitos de nossa comunicação e, também, marcamos o início e o fim das ideias com silêncios e pausas, que tornam compreensíveis o que pretendemos passar a nosso interlocutor. Ninguém fala sem parar ou sem um tom apropriado, pois a alteração do tom e do momento do silêncio faz com que o significado de o que dizemos seja alterado. Assim, organizamos as ideias de nosso discurso. Pois bem, na escrita, essa organização é marcada por sinais gráficos, como a vírgula e o ponto final, a entonação é marcada pelos pontos de exclamação e de interrogação e assim por diante. Não é? Essa marcação é denominada enunciado, pois os enunciados são a junção de palavras para produzir significado ou simplesmente o uso de uma única palavra com significado específico. Essa mesma definição podemos empregar ao termo período. Assim, podemos entender período e enunciado como sinônimos. 102 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 Bem, como nos comunicamos por enunciados (ou períodos), precisamos entender como esses enunciados são formados, já que não são sempre compostos por uma única palavra. Se juntarmos mais de uma palavra para produzir significado, construímos frases e orações. Vamos, então, entender todos esses termos que compõem uma unidade maior do texto, o parágrafo. 5.2.1 Frase A frase é um enunciado que tem sentido completo, ou seja, é “a unidade de texto que numa situação de comunicação é capaz de transmitir um pensamento completo” (CEREJA & MAGALHÃES, 1999, p.211). Entretanto, a frase se caracteriza por não ter um verbo explícito, ou seja, não apresenta relações predicativas, por isso, não há nas frases sujeito e predicado. Veja a seguir alguns exemplos de frases. Fogo! Socorro, depressa! Meu Deus, que calor infernal! Repare como a frase “Fogo!” é composta por apenas uma palavra, um substantivo, mas, ainda assim, possui significação por si só. Por certo, o contexto auxilia na interpretação, pois se há alguém gritando “Fogo!” é porque existe um incêndio e seu significado é alertar os outros ou representar um pedido de socorro, mas, se a mesma frase for dita em outra circunstância, seu significado será diferente. Imagine, por exemplo, uma pessoa com um cigarro na mão que a diga, seu significado será um pedido para alguém emprestar um isqueiro ou um fósforo. De qualquer maneira, uma única palavra produziu significação, por isso, é uma frase. Essa perspectiva se aplica também aos outros exemplos que, auxiliados pelo contexto, produzem significado próprio, pois as frases “são às vezes simples palavras, outras vezes uma reunião delas, que são transpostas à função do enunciado” (BECHARA, 2004, p.407). As frases, porém, não têm verbo explícito, pois se o tivessem seriam chamadas de orações. Leitura e Produção de Textos 103 Capítulo 5 5.2.2 Oração A oração é qualquer enunciado com sentido acabado ou não, que está organizado em torno de um verbo. Entende-se, portanto, que a ideia central da oração se dá nos movimentos semânticos que seus componentes, as palavras, fazem nas relações estabelecidas pelo verbo ou pela locução verbal. Veja alguns exemplos: Os estudantes compraram o livro de português. Matei a barata! Maria precisa de dinheiro para o remédio. Observe que, nos casos acima, os elementos que constituem o enunciado orbitam em torno do verbo. Esses elementos são chamados de argumentos dos verbos, ou seja, sujeito e objetos. Dessa forma, “compraram”, na primeira frase, pede que haja um sujeito que saia – “os estudantes” – e os termos “o livro de português”, dizem o que foi comprado. Na segunda, o verbo “matar” pede dois elementos: alguém que mate e algo que seja morto por esse alguém. Assim, em “Matei a barata”, o elemento que mata, sujeito, é depreendido por meio da flexão do verbo, em primeira pessoa – eu – e o elemento morto, “a barata”, completa as exigências – os argumentos – desse verbo. Na terceira oração, porém, temos elementos que parecem não ser exigidos pelo verbo. A especificação “para o remédio” não está ligada às exigências do verbo, porque o verbo “precisar” tem apenas dois argumentos, “Maria” e “dinheiro”, nesse caso. Assim, “para o remédio” liga-se ao termo “dinheiro”, dando-lhe especificidade, complementando a mensagem a ser passada. SAIBA QUE Há orações sem sujeito (impessoais), em que o predicado é a citação simples de um fato qualquer. Essas orações acontecem, geralmente, com verbos que designam elementos da natureza como chover, nevar, trovejar, relampejar etc. Na frase “Choveu muito ontem!”, os elementos “muito” e “ontem” não são exigências do verbo, mas da situação comunicativa. 104 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 Podemos notar que as relações estabelecidas em uma oração são entre um sujeito, mesmo que ele não apareça, e um verbo, o que estabelece as relações de predicação e gera nossas noções entre as relações sintáticas e semânticas das orações, ou enunciados com verbos. EXEMPLOS DE ORAÇÃO SUJEITO PREDICADO a) A casa foi vendida. b) João e Maria compraram a casa. c) Antonio e Célia venderam a casa a João e Maria. d) venderam a casa. Quadro 1 - Exemplos de oração Observe, no Quadro 1, que, além da relação sintática de existir ou não um sujeito realizado na oração, há uma relação semântica, de significado, pois, nos exemplos “b”, “c” e “d”, temos um sujeito que pratica uma ação expressa pelo verbo, ou seja, um sujeito agente. O mesmo não ocorre em “a”, pois o sujeito não pratica a ação, ele a sofre, o que o torna um sujeito paciente. SAIBA QUE Uma locução verbal se dá com a junção de dois (ou mais) verbos com valor de apenas um, ou seja, um verbo auxiliar e um verbo principal. O primeiro exerce as funções sintáticas, ou seja, informa quem e quando, o outro verbo tem função semântica, ou seja, informa o quê. Na oração “João está estudando gramática”, o primeiro verbo, “estar”, diz quando: no presente, atualmente, agora; diz quem: ele – o João, porque está em terceira pessoa do singular; e o segundo verbo, “estudar”, diz o quê, ou seja, a ação praticada por João no momento presente. Podemos perceber que a diferença de maior destaque entre os termos frase e oração é que o primeiro, frase, não tem predicação, e o segundo, oração, se organiza em torno de um verbo e, por isso, se estabelece em torno dele, numa relação de predicação. O sujeito e o predicado, termos tão conhecidos da gente, são fruto das relações estabelecidas apenas em orações. Leitura e Produção de Textos 105 Capítulo 5 Porém, é preciso que saibamos da existência de outra forma de se estabelecer essa diferença. Muitos autores entendem que o termo “frase” pode ser utilizado também para o que aqui estamos estudando como “oração”. Para eles, a classificação se dá em frases nominais, aquelas que não têm verbos, e frases verbais, construídas com verbos. CONCEITO Entre os tipos de enunciado, há um conhecido pelo nome de oração que, por sua estrutura, representa o objeto mais propício à análise gramatical, por melhor revelar as relações que seus componentes mantêm entre si, sem apelar fundamentalmente para o entorno (situação e outros elementos extralinguísticos) em que se acha inserido. É nesse tipo de enunciado chamado oração que se alicerça, portanto, a gramática (BECHARA, 2004, p.407, grifo nosso). Independentemente da terminologia utilizada – frase ou oração – é importante que nos lembremos de uma divisão feita a partir do propósito comunicativo. Assim, as frases (ou orações) podem ser divididas em: a) Interrogativas: expressam uma pergunta feita pelo emissor da mensagem. Ex.: Onde você mora? b) Imperativas: utilizadas para dar uma ordem, um conselho ou mesmo fazer um pedido. São expressas com verbos no imperativo e dependem muito da situação de comunicação para ter sentido. Ex.: Saia desta sala imediatamente. (Ordem) Você tem de ir ao médico para ver essa sua dor. (Conselho) Filho, ajude-me com as compras. (Pedido) c) Exclamativas: expressam, geralmente, um estado afetivo ou emocional do emissor e, na escrita, são marcadas por ponto de exclamação. Ex.: Estou morrendo de calor! Que carro mais lindo! Não gosto de jiló! 106 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 d) Declarativas: são utilizadas pelo emissor ao constatar um fato. Ex.: Que calor faz nessa cidade. O bandido foi preso ontem à noite. e) Optativas: exprimem um desejo do falante e, geralmente, se expressam com verbo no subjuntivo. Ex.: Quero que você volte logo. Espero que sejam muito felizes! Por fim, precisamos saber que as frases (ou orações) além da classificação que acabamos de ver, podem ser afirmativas ou negativas. Assim, podemos ter uma optativa negativa, como em “Quero que você não volte nunca mais!”, ou declarativa negativa, como em “O bandido não foi preso ainda!”. 5.2.3 Período Discutimos anteriormente que os enunciados são gramaticalmente conhecidos por períodos, mas naquele momento não nos aprofundarmos nesse conceito, pois queríamos, antes, que fôssemos capazes de distinguir frase e oração. Agora que o fizemos, podemos esclarecer o conceito com mais precisão, pois o período, que na fala é marcado pelo silêncio ou pela pausa, é constituído por uma ou mais frases ou orações, ou seja, a junção de significados menores compostos por elementos constituídos – ou não – por verbos. Na escrita, o período é determinado pela presença dessas marcas de pausa, ou seja, o ponto, o ponto de exclamação, o ponto de interrogação ou reticências, que encerram o que podemos entender por um sentido maior, mais claro sobre o que se pretende dizer. Por se tratar de ideias expressas em palavras, os períodos são divididos em: a) Período simples: constituído de apenas uma oração, como em: “A lua brilha por completo”. b) Período composto: constituído de duas ou mais orações ou frases, como em: “A lua brilha por completo e banha minha pele com seus raios prateados que iluminam a noite e o mar que encanta meus olhos tristes de dor e de amor”. Leitura e Produção de Textos 107 Capítulo 5 Como as orações são os objetos mais propícios às análises gramaticais e integram o que acabamos de entender por período, elas são organizadas de forma que podemos classificá-las. Temos, por essa razão, a classificação das orações em: a) Oração absoluta: apresenta-se única em um período. Ex.: A vida começa aos quarenta. b) Oração subordinada: apoia-se em outra oração e estabelece com ela uma relação de subordinação. A oração subordinada não faz sentido sem a outra, chamada de principal. Ex.: A filha do João, que se casou ontem, passa a lua de mel no Caribe. Observe que a oração “que se casou ontem” é dependente da outra oração, “A filha do João passa a lua de mel no Caribe”, e, sem ela, não tem sentido, porque não saberíamos a que se refere o termo “que”. c) Oração principal: serve de base para a oração subordinada, como vimos no exemplo acima. d) Oração coordenada: se dá quando as relações entre as orações de um período não são de subordinação, ou seja, as orações são perfeitamente compreensíveis e independentes. Ex.: A filha do João passa a lua de mel no Caribe e aproveita para praticar seu espanhol. Perceba que a relação entre as duas orações não é mais de dependência. Ambas são compreensíveis e não têm relações sintáticas entre si, apenas relações semânticas, pois o termo “e” dá ideia de adição ao que ambas dizem, ou seja, ambas se complementam apenas semanticamente. Até este momento, fomos capazes de compreender as relações entre frases, orações e períodos. Sabemos que o período pode ser simples ou composto e que essa divisão se dá em razão dos propósitos comunicativos do texto, por um lado, e da própria regra gramatical, por outro. Assim, os períodos são unidades maiores de significação, que comportam, igualmente, ideias mais completas sobre o que se pretende comunicar. Sabemos, porém, que há, nos textos, divisões ainda maiores do que o período. Essas divisões maiores têm suas especificidades e são chamadas de parágrafos. Vejamos, então, mais essa etapa da produção textual. 108 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 5.2.4 Parágrafo Percebemos que a produção textual obedece a certas regras utilizadas pelos falantes em favor de facilitar a comunicação e a clareza das ideias que se pretende impingir aos textos. Um texto, sabemos, não é constituído da junção desordenada de períodos ou frases. Esses chamados períodos, cuja organização já estudamos, se agrupam para formar o parágrafo, que, segundo Garcia (1983, p.203), “é uma unidade de composição constituída por um ou mais de um período, em que se desenvolve determinada idéia central, ou nuclear, a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela”. O parágrafo, nessa perspectiva, é uma divisão feita pelos escritores para facilitar ao leitor a leitura de seu texto. Ele pode ser constituído por apenas uma frase ou oração, por apenas um período ou, ainda, pela junção de várias orações e períodos em torno de uma ideia, que é o centro do parágrafo, tal qual o Sol no sistema solar, em torno do qual orbitam os outros planetas, os períodos secundários. Não há uma receita pronta para a construção correta de um período, mas é muito importante ter em mente que: O escritor reúne as idéias em parágrafos para que os leitores possam segui-las mais facilmente. Ao organizar o bloco de idéias contidas no parágrafo, o escritor deve apresentar a idéia central (por intermédio de um período) e construir idéias secundárias (por intermédio de outros períodos) orientadas para a idéia central, de modo a formar um raciocínio completo (FIGUEIREDO, 1999, p.17). Ora, para se formar um raciocínio completo, como alega o autor, é preciso que o parágrafo seja estruturado de forma que alguns elementos o completem e tenham uma sequência que facilite essa organização das ideias. Assim, o parágrafo deve ter introdução, desenvolvimento e conclusão, mesmo que parcial. Esses três elementos devem estar presentes, mas não obedecem a uma ordem canônica ou cronológica estática, porque são dispostos segundo as intenções do autor e outras variantes, que podem tornar o texto mais interessante, mais esclarecedor, mais didático, mais poético etc. Importante é que a proposta apresente: • Introdução: um período que situe o leitor sobre o que se diz. • Desenvolvimento: um ou mais períodos que oscilem em torno da ideia central e ofereçam mais esclarecimentos, aprofundem um ou outro Leitura e Produção de Textos 109 Capítulo 5 item importante, proporcionem mais elementos para consubstanciar o pensamento que se pretende apresentar no parágrafo etc. • Conclusão: um período em que a ideia seja “fechada”, concluída ou mesmo dê uma “brecha” para que o leitor tire sua conclusão ou que possa ser retomada no parágrafo seguinte, em um texto maior. Para melhor entender esse processo, tomemos como exemplo o parágrafo a seguir: A competência genérica varia de acordo com os tipos de indivíduos envolvidos. A maior parte dos membros de uma sociedade é capaz de produzir enunciados no âmbito de um certo número de gêneros de discurso: trocar algumas palavras com um desconhecido na rua, escrever um cartão postal para amigos, comprar uma passagem de trem numa bilheteria etc. Mas nem todo mundo sabe redigir uma dissertação filosófica, uma defesa a ser apresentada junto a uma jurisdição administrativa ou uma moção num congresso sindical. Pode-se ver aí uma manifestação particularmente clara da desigualdade social: numerosos locutores são desprezados porque não sabem se comunicar com facilidade em certos gêneros do discurso socialmente valorizados. Fonte: MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação comunicação. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2004, p.44. O parágrafo de Maingueneau tem uma estrutura que podemos chamar de canônica, pois apresenta os elementos do parágrafo exatamente na ordem que apresentamos acima. Veja: a) O tópico frasal está no primeiro período: “A competência genérica varia de acordo com os tipos de indivíduos envolvidos.”, que fala sobre o que o parágrafo irá tratar: a competência genética e sua relação com os indivíduos. b) O desenvolvimento tem início logo a seguir, vai de “A maior parte...” até “...congresso sindical.”. Ele é composto por dois períodos e nele se veem os desdobramentos da ideia central, com exemplificações de gêneros textuais e uma sentença adversativa, que explica as 110 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 competências dos falantes em relação aos textos possíveis de ser produzidos. c) A conclusão inicia-se em “Pode-se ver aí...” e conclui a ideia do parágrafo, dando-lhe um fechamento. É interessante perceber que, nessa conclusão, retoma-se o que se disse anteriormente, com o advérbio “aí”, que se relaciona com tudo o que foi dito, e a própria ideia expressa, que se relaciona com todo o parágrafo, sem sair da “órbita” e sem se tornar repetitivos, porque o leitor foi conduzido pelo texto. Essa organização de parágrafo é uma forma de apresentar uma ideia, dar-lhe substância com elementos com os quais o leitor vai, aos poucos, concordando (ou deles discordando) e formando um conceito a respeito de o que lê. Esse é o propósito da organização dos períodos em parágrafos: dar ao leitor a possibilidade de entender, paulatinamente, o que se pretende dizer. Muitas vezes, na escrita especialmente, elementos extratextuais não auxiliam na interpretação e, por isso, é importantíssimo que tudo que possa fornecer mais esclarecimentos seja textualmente expresso, para que não haja dupla interpretação, ambiguidades ou, até mesmo, apresentação de novas ideias que tirem o foco de o que se pretende naquele exato momento do texto. Há também de se considerar que ninguém estrutura um pensamento em forma de parágrafo, quando está se comunicando oralmente. Na escrita, porém, é preciso se ater às formas de apresentação dessa parte integrante do texto, que dá diretrizes aos leitores para compreendê-lo, a fim de estabelecer os momentos do texto. Até mesmo sua apresentação deve obedecer a certas convenções. Na escrita, o parágrafo é distinguido pelo recuo do início da primeira frase (como você pode observar neste nosso trabalho), mas há outras formas de se indicar que o parágrafo tem início, como, por exemplo, dando-se um espaçamento maior entre um parágrafo e outro. Observe no Texto 1 como, ao tratar justamente sobre nosso assunto de agora – o parágrafo –, o autor faz, graficamente, a divisão das ideias: Leitura e Produção de Textos 111 Capítulo 5 TEXTO 1 O parágrafo é a divisão lógica do todo. Agrupa ideias ao redor do mesmo raciocínio, permitindo ao leitor avançar de um raciocínio para outro, numa construção de fácil leitura, sinalizando o progresso das ideias para a compreensão do texto. O parágrafo possui uma lógica, que é o principal critério para determinar seu tamanho. Se a redação discute três características de certo assunto, a lógica determina que elas sejam englobadas em um parágrafo ou apresentadas em três parágrafos, um para cada característica. Se uma classificação apresenta quatro questões, elas devem ser debatidas em um parágrafo ou em quatro, um para cada questão; nesses casos, o tamanho de cada parágrafo deve ser mais ou menos o mesmo. Não se dedica longo parágrafo para discorrer sobre uma questão e parágrafos curtos para apresentar as outras questões, a não ser que haja justificativa especial, como a necessidade de se explicar a questão mais complexa. Quando se anuncia a divisão ou classificação, é mais fácil seguir a lógica dos parágrafos. Às vezes, porém, torna-se difícil separar as ideias e colocá-las dentro do parágrafo. Nesse caso, é bom lembrar-se de que o tamanho apropriado do parágrafo se relaciona com a sua estrutura: período tópico (ideia central) e ideias secundárias desenvolvidas ou orientadas para o período tópico. Assim que o escritor apresenta a ideia central e as ideias secundárias que a apoiam, ele saberá que está na hora de iniciar outra ideia central em novo parágrafo. É importante estar alerta para evitar parágrafos mal desenvolvidos, que dispersam e confundem o leitor. O escritor não deve hesitar em transferir um período de um parágrafo para outro, se a sequência de ideias se tornar mais clara; precisa lembrar que parágrafos são blocos coerentes, unidades substanciais do texto. Fonte: FIGUEIREDO, L. C. A redação pelo parágrafo parágrafo. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1999, p.71-72. Como pudemos observar, a estética do parágrafo pode variar, mas é importante que nos atenhamos às características gerais dessa formação, pois a escolha de um tamanho ideal diz respeito, também, a uma organização ideal das ideias que pretendemos apresentar. Assim, até mesmo os tamanhos utilizados têm finalidade própria, e devem ser adequados a essa finalidade. 112 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 Mesmo sem termos uma regra, é importante saber que: a) Parágrafos curtos concentram as ideias e, por isso, são adequados para textos pequenos, cujos leitores não vão se deter longamente em sua leitura, como vemos nas notícias de jornal e revistas populares, por exemplo. b) Parágrafos médios têm as ideias expandidas e possuem, por isso mesmo, mais palavras e períodos. O público leitor desses parágrafos terá uma concentração um pouco maior. São, geralmente, encontrados em artigos de revistas mais elitizadas, cujo público leitor se detém por um pouco mais de tempo no assunto que lhe interessa. c) Parágrafos longos apresentam ideias mais complexas, com explicações mais longas, argumentações com maior grau de complexidade e várias ideias específicas relacionadas ao tópico frasal. O público leitor, geralmente, é especializado e busca informações mais profundas sobre o assunto que lê. São encontrados, geralmente, em revistas científicas, em artigos de opinião em jornais e, também, em textos acadêmicos. CURIOSIDADE Embora não exista uma regra para se estabelecer o tamanho dos parágrafos, são considerados parágrafos médios aqueles que oscilam de 50 a 150 palavras, em média. Além da divisão dos parágrafos em tamanhos, em sua estética, e da organização das ideias em torno de uma única ideia central, é preciso que nos atenhamos às possibilidades e necessidades de cada um dos momentos do texto. O autor Abreu (1990), baseado nas propostas de Garcia (1983), fornece mais elementos que podem nos ajudar a entender a formação dos parágrafos. Para ele, a elaboração de parágrafos a partir dos tópicos frasais podem se dar de três formas distintas: Leitura e Produção de Textos 113 Capítulo 5 a) por declaração inicial, comentando-se ou declarando-se algo, com o uso de verbos no presente. Ex.: A vida no nordeste é muito melhor do que se imagina. b) por alusão histórica, narrando-se ou comentando-se algo, com o uso de verbo no passado. Ex.: Antigamente, os nordestinos migravam para o sudeste por causa da ilusão de uma vida melhor. c) por interrogação, fazendo-se uma pergunta. Ex.: Como entender o processo de migração? CURIOSIDADE São várias as formas de se classificar as características dos parágrafos, dependendo do autor selecionado. Porém, em geral, a classificação não diverge muito de o que está proposto em nosso trabalho. A título de ilustração, vejamos o que propõe o autor Abreu (1990): a) por detalhes, oferecendo uma sequência de questões relacionadas ao assunto abordado, sem, contudo, explicitá-las; b) por definição, conceituando algo; c) por exemplificação, trazendo exemplos; d) por fundamentação da proposição, utilizando-se de um argumento de uma autoridade (pessoa ou entidade, cuja credibilidade permite falar do assunto, como um cardiologista, ao tratar de problemas cardíacos) para dar sustentação ao comentário; e) por comparação, apresentando aspectos semelhantes ou opostos ao tema, comparando-os. 114 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 PRATICANDO Elabore um parágrafo médio a partir do tópico frasal “O nordeste não é só seca”. Agregue a essa ideia central períodos que a corroborem e esclareçam o leitor dos benefícios que se encontram nessa região do país. Lembre-se de apresentar uma conclusão que justifique sua proposta e que retome dados de que você se utilizou no desenvolvimento. Independentemente do tamanho do parágrafo a ser utilizado ou da forma como vamos construir o tópico frasal, é importante termos em mente que, em nosso cotidiano, várias são as formas como nos comunicamos: explicamos algumas coisas, perguntamos outras, descrevemos outras e, claro, argumentamos em torno de opiniões. Essa mesma divisão pode ser aplicada aos parágrafos, que vão tomar certas características, a fim de cumprir seu propósito comunicativo. Dessa forma, a partir da ideia central, os parágrafos podem ser organizados em: a) Descritivos: cuja ideia central se assemelha a um quadro ou uma figura, assim, a descrição tanto de uma pessoa, uma cena quanto de uma paisagem são exemplos desse tipo de parágrafo. Por isso, ele apresenta vários adjetivos e nele predominam verbos de ligação e orações justapostas. Ex.: “De um dos cabeços da Serra dos Órgãos desliza um fio de água que se dirige para o norte, e engrossando com os mananciais, que recebe no seu curso de dez léguas, torna-se rio caudal”. Fonte: ALENCAR, J. O Guarani Guarani. São Paulo: Klick Editora, s.d., p.15. b) Narrativos: expressam um fato ou um episódio e as circunstâncias, o tempo e como os fatos ocorreram. É comum a ele a presença de verbos de ação. Ex.: “Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé, mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como ‘freudiano barbaridade’. E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele desenvolveu a terapia do joelhaço”. Fonte: VERÍSSIMO, L. F. O analista de Bagé Bagé. São Paulo: Círculo do Livro, s.d., p.23. Leitura e Produção de Textos 115 Capítulo 5 c) Dissertativos ou argumentativos: os períodos se organizam em torno da ideia central, de forma a apresentar a opinião do autor a respeito do assunto tratado. O autor argumenta, então, de forma a tentar convencer o leitor de sua opinião, e evidencia dados para esse convencimento. Ex.: “Até outubro, a popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva é uma bênção para Dilma Rousseff. É, a rigor, o seu único ativo eleitoral. Tanto que foi suficiente para torná-la a candidata favorita, a julgar pela pesquisa Ibope divulgada ontem. Mas, a partir de novembro e, especialmente, a partir de 1.º de janeiro, se eleita, a bênção se transformará em cálice envenenado. Dilma terá que competir não contra adversários, mas contra o seu próprio padrinho. Terá que repetir os índices de popularidade de Lula, sob pena de sofrer um nível de desgaste maior do que aconteceria com governantes sem a sua gênese e sem tão imensa sombra. Se conseguir chegar perto, tudo bem. Ninguém razoável é capaz de supor que Dilma possa repetir os índices de Lula, ainda que faça uma excelente gestão. Lula tem uma empatia com o público que responde por uma parte importante de sua popularidade. Dilma não tem e não terá. Faz parte do DNA dele, mas não aparece no dela. [...]” Fonte: ROSSI, Clovis. Suave Veneno. Folha de S. Paulo, 24 jun. 2010. d) Explicativos: como o próprio nome define, explicam os fatos contidos na ideia central, dando objetividade e clareza ao que se expressa, para que o leitor possa compreender o que se diz. É importante lembrar que as explicações devem satisfazer as necessidades de um públicoalvo, não dar informações desnecessárias nem omitir aquelas que podem ser desconhecidas pelo leitor. Ex.: “Gosto do cheiro do corpo dela. Ao entardecer, quando se banha, deixando a pele liberar aquele perfume como o da terra molhada após as primeiras gotas de chuva. Gosto do seu rosto sem pintura alguma, do ar severo, das marcas sob os olhos, os cabelos curtos, partidos ao meio em bandós, presos na nuca por uma fita áspera, juta, saja. Se mais tarde alguém me perguntasse por que, só poderia responder quero Marília – soube disso pela primeira vez no momento exato que a vi levantar-se da mesa com o bordado nas mãos.” Fonte: ABREU, C. F. Triângulo das águas. águas Porto Alegre: LP&M, 2007, p.30. 116 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 PRATICANDO Elabore um parágrafo dissertativo a partir do tópico frasal: “Antigamente, os nordestinos migravam para o sudeste por causa da ilusão de uma vida melhor”. Lembre-se de que é preciso expor sua opinião e dar elementos ao leitor que o convençam de que sua opinião é a correta. Não podemos nos esquecer de que os parágrafos não são as maiores unidades de significação, pois eles fazem parte de um todo maior: o texto, que, como vimos no capítulo 4, tem também formas de se organizar. Na construção de textos, os parágrafos são elementos cruciais para se desenvolver ideias maiores, com maior complexidade e com perspectivas diferentes, que fomentem a formação de um todo coeso e coerente. Vamos tratar desse assunto mais profundamente nos capítulos que seguem, especialmente no capítulo 6, Fatores de textualidade, em que os elementos de coerência e coesão serão exemplificados. Por ora, para finalizar nossa proposta inicial neste capítulo, vale lembrar que há elementos de coerência e coesão dentro do próprio parágrafo, que dão indícios de sua boa organização. Evidentemente, não podemos elencar todas as formas de fazer com que um parágrafo seja construído, mas podemos dar algumas dicas para que façamos construções mais interessantes para nosso leitor, com os chamados marcadores ou articuladores textuais, cuja função é tornar as ideias mais bem conectadas. Vamos, então, a essas dicas: • Para a introdução: pode-se dizer que..., é possível que..., é inegável..., a questão... vem provocando..., é certo que..., não podemos esquecer de.... etc. • Para o desenvolvimento, há os chamados parágrafos secundários diretamente ligados à ideia central: Precisamos... em primeiro lugar.... em segundo lugar..., é preciso considerar/lembrar/observar..., observamos que..., observa-se...., além disso..., não obstante..., nesse aspecto..., ou seja..., tanto quanto... etc. • Para a conclusão: Portanto..., dessa maneira...., assim.... para concluir..., em suma..., nesse sentido..., dessa forma... etc. Leitura e Produção de Textos 117 Capítulo 5 Há, ainda, muitos outros aspectos que poderíamos explorar para dar conta de detalhes dos elementos formadores de parágrafos bem construídos e claros para o leitor. Neste capítulo, fizemos algumas escolhas para oferecer elementos suficientes para que você entendesse o processo de construção e organização dos parágrafos, mas não se contente apenas com o que estamos expondo. Afinal, um bom parágrafo, assim como um bom texto, precisa ser feito com muita leitura e muita prática. Não deixe de praticar o que propusemos aqui e busque mais informações para esse assunto tão importante para sua formação e para seu sucesso profissional. 5.3 Aplicando a teoria na prática No capítulo anterior, resolvemos mais um problema de nossa sala. Agora, a questão é um pouco diferente, pois o chefe, como sempre, saiu e deixou a ordem do que fazer pela metade, e pior, nem ao menos avisou pessoalmente, o que auxiliaria no entendimento, pelos elementos não-verbais, como o tom da voz, os gestos e tudo o mais que já estudamos. Ele deixou apenas um bilhete, e o deixou em sua mesa. Nele não tinha muita coisa escrita, na verdade, era apenas um curto recado que deveria ser transformado em um texto maior, em um documento (memorando) oficial, que deveria ser encaminhado ao departamento competente, ou seja, o departamento de compras. No bilhete dizia: “Pedir uma mesa nova para mim”. Agora, devemos criar esse documento. Ainda bem que aprendemos a estrutura dos enunciados, períodos e parágrafos, pois, como bem sabemos, não podemos pedir uma mesa assim do nada. Teremos de utilizar nosso conhecimento sobre argumentação, ou seja, sobre textos argumentativos ou dissertativos, para esclarecer os motivos pelos quais se faz necessária a troca da mesa do chefe. Faça esse memorando e, em seguida, vamos, como nos capítulos anteriores, resolver esse problema juntos? Faremos com que o pequeno bilhete deixado pelo chefe se transforme em um texto com todos os elementos necessários para se fazer entendível, pois sabemos que: O escritor reúne as idéias em parágrafos para que os leitores possam segui-las mais facilmente. Ao organizar o bloco de idéias contidas no parágrafo, o escritor deve apresentar a idéia central (por intermédio de um período) e construir idéias secundárias (por intermédio de outros períodos) orientadas para a idéia central, de modo a formar um raciocínio completo (FIGUEIREDO, 1999, p.17). 118 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 Por meio de uma introdução, que vai situar o leitor, que é o responsável pela autorização da compra da mesa, mostraremos o motivo pelo qual mandamos aquele memorando. Por se tratar de um documento que exige leitura mais rápida, passaremos logo a seguir para o desenvolvimento, em que daremos explicações dos porquês, com a utilização dos períodos secundários à ideia central. Nesse momento, discorreremos sobre a importância da troca da mesa. Alegaremos que a mesa dele está velha, corre o risco de quebrar a qualquer momento e que não é mais funcional, porque não tem mais o tamanho adequado. Na conclusão, no parágrafo final, faremos períodos curtos e diretos, que reiterem o pedido e a urgência da troca. Assim, certamente, o pessoal do departamento de compras trocará a mesa do chefe e poderemos falar com ele sobre uma possível promoção ou, pelo menos, um aumento de salário. Ademais, o texto será objetivo e claro, o que, aliado a parágrafos curtos e diretos, fará a diferença entre a troca e a não-troca da mesa. 5.4 Para saber mais BLIKSTEIN, I. Técnica de comunicação escrita. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2006. Esse livro informa, de maneira clara e objetiva, melhores maneiras de construir textos. Ele não foca pontos de ortografia, concordância etc., mas tenta fomentar uma busca por elementos que compõem os mecanismos de funcionamento dos textos escritos, pois escrever é escrever de maneira eficaz. Manual de Redação Folha de S. Paulo. São Paulo: Editora Folha de S. Paulo, 2010. Esse famoso e eficaz manual apresenta uma série de elementos que auxiliará na formação profissional ou não de usuários de textos escritos. Ele traz normas, pontos de gramática, fórmulas de produção escrita, dentre outros que auxiliarão a construção de textos coesos e coerentes. Leitura e Produção de Textos 119 Capítulo 5 5.5 Relembrando Neste capítulo, você aprendeu que: • as frases (ou orações nominais) são enunciados com significado e sem a utilização de verbo; • as orações (ou frases verbais) são enunciados com significado próprios e com a utilização de verbo(s); • as orações (ou frases verbais) são divididas em coordenadas e subordinadas. As coordenadas são independentes entre si, ao passo que as subordinadas estabelecem dependem da oração principal para fazer sentido; • os períodos são enunciados maiores, que contêm mais de uma oração ou frase. Eles são separados por pontos de exclamação, de interrogação, ponto final etc., na escrita, e, na fala, são marcados por silêncios; • os períodos podem ser simples, quando contêm apenas uma oração (ou frase) ou compostos, quando contêm mais de uma oração (ou frase); • o parágrafo é a junção de dois ou mais períodos unidos por laços semânticos, ou seja, por uma ideia central que norteia a divisão dos parágrafos de um texto; • segundo o tamanho, os parágrafos classificam-se em curtos, médios ou longos, mas não há delimitação clara sobre esses tamanhos, que devem obedecer aos propósitos da comunicação; • a partir do tópico frasal, os parágrafos podem ser construídos por declaração inicial, alusão histórica ou interrogação. 120 Leitura e Produção de Textos Capítulo 5 5.6 Testando os seus conhecimentos 1) Transforme os períodos simples a seguir em um período composto: • Maria foi ao cinema. • O filme não era bom. • Ela voltou para casa. 2) Observe os enunciados a seguir e indique quais são orações e quais são frases. a) b) c) d) e) Consegui! Corram! Cuidado! Suba logo, o jogo já vai começar! Socorro! 3) Veja a seguir um trecho da crônica Pai contra mãe, de Machado de Assis, e explique como se dá a estruturação do parágrafo, tomando como base o que aprendemos neste capítulo: O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado. Fonte: ASSIS, M. Pai contra mãe. mãe Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000245.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2010. Leitura e Produção de Textos 121 Capítulo 5 Onde encontrar ABREU, A. S. Curso de redação. 2.ed. São Paulo: Ática, 1990. ANDRADE, M. M. & MEDEIROS, J. B. Comunicação em Língua Portuguesa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2006. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna 2004. FIGUEIREDO, L. C. A redação pelo parágrafo. Brasília. Ed. Universidade de Brasília, 1999. GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna. 11.ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1983. MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. 3.ed. São Paulo: Cortez. 122 Leitura e Produção de Textos CAPÍTULO 6 FATORES DE TEXTUALIDADE 6.1 Contextualizando Muito de o que aprendemos na escola sobre o processo de construção de textos bem formados diz respeito a sua forma de apresentação, aos elementos que constituem essa apresentação e, ainda, sobre o que deve e não deve ser escrito. Esses elementos que constituem os arranjos para formar um texto inteligível são chamados de coerência e coesão. Articular sobre ambos, estabelecer seus limites, não é tão simples como se pode pensar. Coerência e coesão são elementos que se completam. Há textos coesos e incoerentes e textos coerentes e não coesos. Mas como isso de dá, efetivamente? Um dos aspectos mais importantes de que precisamos lembrar sempre é que nosso leitor deve ser servido de um arcabouço de elementos textuais que lhe possibilitem entender o que se quer dizer. Esse dizer, esse sentido que o texto deve ter na mente do leitor é de responsabilidade do autor, que o constrói e faz com que as ideias sejam concatenadas, organizadas segundo uma proposta específica e, especialmente, que o autor leve em conta que o leitor pode, sim, colaborar com a compreensão, mas que o leitor precisa de ter dados que subsidiem sua interpretação. Neste capítulo, vamos entender melhor os processos de construção textual, os elementos de textualidade necessários para a produção de um texto mais fácil de ser compreendido e, também, vamos perceber as nuances que estabelecem as diferenças entre a coerência e a coesão textuais. Leitura e Produção de Textos 123 Capítulo 6 Ao final deste capítulo, você estará apto a: • distinguir coerência de coesão; • utilizar os elementos coesivos a favor da boa construção do texto; • selecionar aspectos importantes para produzir a coerência textual; Escrever textos bem formados, consciente do papel do leitor ou interpretante e do autor na produção de sentidos. 6.2 Conhecendo a teoria Os elementos de coerência e coesão textuais compõem o texto e possibilitam seu entendimento. Na coerência e na coesão reside a maior carga interpretativa de um texto. Para entender bem essa relação, precisamos lembrar de que: [...] a coesão ocorre quando a interpretação de alguns elementos do discurso é dependente da de outro. Um pressupõe o outro, no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado a não ser por recurso ao outro (HALLIDAY & HASSAN apud KOCH, 2005, p.16). Assim, a coesão é aquilo que está presente no texto, são os elementos que lemos, como os pronomes, as conjunções, os numerais, os advérbios, os adjetivos etc., e que fazem as relações na superfície do texto. Já, no estabelecimento da coerência, do sentido mais amplo do texto, outros aspectos, inclusive não materializados no texto, são importantes, porque: [...] a coerência está diretamente ligada à possibilidade de estabelecer um sentido para o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo, portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido desse texto. Esse sentido, evidentemente, pode ser do todo, pois a coerência é global (KOCH, 2006, p.21). Pois bem, percebemos que a coerência depende de muitos outros fatores, inclusive do conhecimento prévio do leitor a respeito do gênero textual, de aspectos da situação de comunicação etc. Veremos, a seguir, como esses elementos de coerência e coesão textual corroboram o entendimento e a produção textuais. 124 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 6.2.1 Fatores de coerência textual Pudemos perceber que a divisão entre o que é coeso e o que é coerente perpassa uma análise mais acurada do texto. Por isso, começamos com um dos elementos da textualidade que é tanto referente à coesão quanto à coerência, e seus limites são muito tênues: a) Articulação Superficial (Coesividade) Esse fator diz respeito às conexões entre os elementos linguísticos (mecanismos de coesão, que veremos mais profundamente ainda neste capítulo) e não-linguísticos da superfície textual, os quais assinalam as relações de sentido. Um texto em que o locutor não respeita os critérios de interligação entre os componentes textuais pode comprometer o sentido das informações. Observe, por exemplo, os fragmentos textuais que se seguem: I. ...como aconteceu com o jogador Serginho, onde a ambulância estava trancada. II. ...brasileiros que somos, só atenta para isso [a saúde], quando algo nos acontece. Não que sendo assídua, não venha acontecer, pois estamos cansada de ver nos jornais... III. Esperamos que atitudes coniventes aos cargos obtidos pelos órgãos competentes... diante de situações que poderemos estar acometidos. UnP Natal/RN. Vestibular 2005.1 Fonte: UnP. Nesses exemplos, as palavras utilizadas estão todas corretas, mas a junção delas no texto não permite que o leitor entenda o sentido do texto. É certo que a marcação do sentido se dá por meio das palavras, mas não podemos simplesmente jogar as palavras, sem pensar no efeito de sentido que elas produzirão. Veja, por exemplo, o que foi feito no exemplo I, qual relação se estabelece ente o Serginho e a ambulância? Simplesmente não há relação alguma, não dessa forma como o texto foi construído. A mesma situação acontece com o exemplo II, pois não se vê nem a retomada do sujeito “brasileiros”, não é? Além disso, o que é “não que sendo assídua” e “estamos cansada”? O que quer dizer o excerto do exemplo III, “atitudes coniventes aos cargos obtidos pelos órgãos competentes”? Não conseguimos, por mais que nos esforcemos, dar um sentido para isso, não é? Pois é, o que falta em todos esses textos são elementos da articulação superficial do texto. Leitura e Produção de Textos 125 Capítulo 6 DESAFIO Você percebeu que o simples encadeamento das formas linguísticas não garante os nexos significativos do texto e que seu resultado não passa de mero ajuntamento de palavras sem sentido? Portanto, como sugestão de atividade, tente justificar por que o reconhecimento do conteúdo textual depende, em boa medida, do modo como foram feitas as combinações entre seus componentes linguísticos (palavras, expressões e frases). b) Distribuição Informacional (Informatividade) Outro aspecto importante para o estabelecimento da coerência textual tem a ver com o plano (ou o controle) informativo do texto (informação nova/ informação velha, referência a elementos e dados do contexto comunicativo, uso de implícitos etc.). O locutor monitora a quantidade das informações, explicita ou não determinados conteúdos. Para isso, conta com o conhecimento de mundo, o conhecimento partilhado e a capacidade inferencial do(s) seu(s) interlocutor(es), isto é, ele procede assim porque possui relativa noção quanto ao grau de domínio que seu público-alvo tem acerca do tópico (ou assunto) que está sendo comunicado. Assim, quanto menos conhecimento o interlocutor tiver, maior será a demanda de informação, e vice-versa. Caso contrário, a comunicação ficará prejudicada. É por isso, só para citar um exemplo, que, em uma aula expositiva em que determinado tema está sendo apresentado pela primeira vez, o(a) professor(a) tende a se alongar em suas explicações. É assim exatamente porque ele(a) parte do pressuposto de que seus alunos têm pouca ou nenhuma noção desse novo assunto. Isso seria diferente, caso ele soubesse que a turma já tem razoável conhecimento acerca do assunto tratado. Nesse caso, é provável que o tempo gasto com certos esclarecimentos fosse menor ou até mesmo que eles fossem dispensados. c) Focalização Intencional (Intencionalidade) Todo discurso é produzido com uma intenção. Assim, constrói-se o texto visando à consecução de certos objetivos. Daí, outro fator responsável pela coerência textual refere-se à perspectiva assumida pelo locutor, a partir da qual se constitui o conjunto dos significados textuais para um determinado fim (ou propósito). 126 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 Nesse caso, o autor fornece algumas “instruções” (ou pistas) ao interlocutor, conduzindo-o ao cálculo de sentido do texto e à finalidade pretendida. Exemplo disso ocorre quando o locutor tem uma visão positiva em relação a alguém ou a alguma coisa. A tendência, nesse caso, é o texto vir marcado por palavras e expressões valorizadoras. Caso a intenção seja contrária, isto é, se a perspectiva é negativa ou pessimista, então, é normal o texto conter marcas linguísticas de depreciação. Outro aspecto quanto a isso diz respeito ao fato de o enunciador expor, omitir ou realçar determinadas informações. Com essa estratégia, a “realidade” é apresentada sob determinado enfoque, recortada de acordo com o ponto de vista e os interesses do produtor do texto. Além disso, o locutor pode “disfarçar” sua intenção, e orientar, assim, seus parceiros de interação para um desfecho inesperado. Nesse caso, um dos objetivos é surpreender o ouvinte ou leitor e causar-lhe certo impacto. Ocorre, então, quebra de expectativa. Para esclarecer melhor isso, vejamos o Texto 1 a seguir: TEXTO 1 Conto Erótico n.º 1 – Assim? – É assim. – Mais depressa? – Não. Assim está bem. Um pouco mais par... – Assim? – Não, espere. – Você disse que... – Para o lado. Para o lado! – Querido... – Pronto. – Não! Continue. – Puxa, mas você... – Deixa ver... – Não, não. Mais para cima. – Aqui? – Mais. Agora para o lado. – Assim? – Para a esquerda. O lado esquerdo! – Aqui? – Isso! Agora coça. Fonte: VERÍSSIMO, L. F. O rei do rock. Porto Alegre: RBS/Globo, 1978, p.43-44. Leitura e Produção de Textos 127 Capítulo 6 Você observou que, já a partir do título do texto (Conto erótico n.º1), o autor orienta a atenção do interlocutor para determinado tema: o sexo? Isso se reforça por meio do cenário apresentado no texto, o qual, pela estrutura dialogal, nos faz acreditar que o texto se refere a um casal em seu momento de intimidade. No entanto, essa focalização dada não se confirma, uma vez que, no fim do texto, percebemos tratar-se de outra coisa: na verdade, é uma mulher tentando orientar seu companheiro a lhe coçar em algum lugar do corpo – as costas, provavelmente. Desse modo, a expectativa criada no início e ao longo do texto é subitamente desviada no final para outra direção, e o resultado é um efeito humorístico. Isso só é possível por se tratar de um texto literário, no qual esse tipo de liberdade informativa é perfeitamente normal. Entretanto, esse procedimento seria bastante desaconselhável no caso de uma notícia jornalística ou de um comunicado acadêmico, porque esses textos devem obedecer a outra regra, na qual a surpresa não é bem vista. d) Relação Contextual (Situacionalidade) A coerência textual tem a ver também com a ancoragem e o ajuste do texto à situação interacional em que ele é produzido e com seu propósito, ou seja, todo texto mantém relação de dependência com o contexto imediato e histórico-cultural em que é circulado. Por isso, é comum um texto fazer referência a elementos da situação comunicativa, tais como locutor e interlocutor(es), localizações espaciais e temporais, seres e objetos que estão em volta dos participantes da interação etc. Nesse sentido, todo evento discursivo é único, porque depende dos elementos da comunicação efetivamente dada, ou seja, não se podem repetir todas as variantes que ocorrem em uma comunicação. Assim, um mesmo texto produz diferentes efeitos de sentido e tem objetivos variados, dependendo da situação, uma vez que as experiências intercomunicativas são únicas e, a cada vez que o mesmo texto é repetido, os autores podem variar, a situação pode variar e, pelo simples fato de mudarem autores, interlocutores e situação comunicativa, variará o sentido que esse texto produz. Um texto simples, como “Que bonito, heim!”, pode conter inúmeras interpretações. Veja, por exemplo, se ele for dito por uma mãe ao filho que está num quarto todo bagunçado, o sentido é de repreensão, se for dito por uma mulher ao ver um vestido na vitrine de uma loja, será um elogio. Mudou o contexto ou os interlocutores, mudou o sentido. 128 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 Outro aspecto a se considerar quanto à dependência texto-contexto é a importância que os conhecimentos partilhados entre locutor e interlocutor(es), o conhecimento de mundo deste(s) e sua capacidade inferencial exercem na compreensão do texto. O ouvinte ou leitor que não dispõe de informações suficientes sobre os vínculos existentes entre o texto e suas condições de produção poderá ter dificuldade de estabelecer determinadas relações de sentido ou, simplesmente, poderá considerá-lo “incoerente”. e) Conexão Intertextual (Intertextualidade) Esse fator de coerência textual refere-se à apropriação de conteúdo, estrutura ou estilo de outro(s) texto(s). Na verdade, todo texto tem alguma relação com textos que o antecederam e, ao mesmo tempo, serve como fio condutor para os que virão. Desse modo, mantém-se uma cadeia ininterrupta dos discursos que circulam socialmente, em um movimento constante de retomadas e projeções das diferentes visões de mundo assumidas pelos interlocutores. Para entendermos bem o que estamos dizendo, vamos ler o Texto 2 a seguir e, durante a leitura, tentar fazer as relações que o autor pretende. Lembre-se de que, para isso, seremos levados a pôr em movimento nosso conhecimento de mundo, certo? Leitura e Produção de Textos 129 Capítulo 6 TEXTO 2 Chapeuzinho Amarelo Era a Chapeuzinho Amarelo. Amarelada de medo. Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho. Já não ria. Em festa, não aparecia. Não subia escada nem descia. Não estava resfriada mas tossia. Ouvia conto de fada e estremecia. Não brincava mais de nada, nem de amarelinha. Tinha medo de trovão. Minhoca, pra ela, era cobra. E nunca apanhava sol porque tinha medo da sombra. Não ia pra fora pra não se sujar. Não tomava sopa pra não ensopar. Não tomava banho pra não descolar. Não falava nada pra não engasgar. Não ficava em pé com medo de cair. Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo. Era a Chapeuzinho Amarelo. E de todos os medos que tinha o medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO. Um LOBO que nunca se via, que morava lá pra longe, do outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, cheio de teia de aranha, numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do LOBO nem existia. Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO. Um LOBO que não existia. E Chapeuzinho Amarelo, de tanto pensar no LOBO, de tanto sonhar com o LOBO, de tanto esperar o LOBO, um dia topou com ele que era assim: carão de LOBO, olhão de LOBO, jeitão de LOBO e principalmente um bocão tão grande que era capaz de comer duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa. Mas o engraçado é que, assim que encontrou o LOBO, a Chapeuzinho Amarelo foi perdendo aquele medo, o medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO. Foi passando aquele medo do medo que tinha do LOBO. Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo. Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo. [...] O lobo ficou chateado. [...] LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO BO [...] Fonte: HOLANDA, C. B. Chapeuzinho Amarelo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. 130 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 Após a leitura do Texto 2, é praticamente impossível não notarmos a relação que o autor faz com a história clássica Chapeuzinho Vermelho, dos Irmãos Grimm e, também, não perceber a criticidade em relação à ingenuidade da Chapeuzinho Vermelho do conto inicial, em que a menina tem medo do lobo, é salva pelo lenhador etc. Nesse conto que agora lemos, a menina é “modernizada” pela ausência do medo, que também se relaciona com o contexto histórico da produção, pois as menininhas não são mais tão ingênuas e não se amedrontam tão facilmente nos dias de hoje. Além disso, há focalização intencional, a surpresa no final, pois nosso imaginário está permeado socioculturalmente da história anterior. Com isso, já começamos a perceber que esses fatores de coerência não ocorrem isoladamente. Os textos têm, em certa medida, um pouco de cada um desses fatores, ora com maior, ora com menor intensidade. INTERAGINDO Encontre um texto que faça intertextualidade com outros textos e explique quais são os elementos de coerência que influenciam a produção dos sentidos dos textos escolhidos. Em seguida, discuta com seus colegas no Ambiente Virtual de Aprendizagem o que encontrou. 6.2.2 Os mecanismos de coesão textual A coesão se dá em dois planos: o referencial e o sequencial. O primeiro diz respeito às relações entre os elementos (referentes) citados no texto; o segundo estabelece um encadeamento entre os elementos textuais e permite que haja uma progressão do texto. Vejamos como ambos se dão, especificamente: A coesão referencial Conforme vimos no parágrafo anterior, a coesão referencial tem a ver com a inter-relação entre os componentes lexicais, isto é, entre palavras e expressões referenciais. Dentre os meios mais comuns de se estabelecer essa inter-relação, estão a remissão referencial, a (re)ativação associativa, a sinalização co-textual, a associação analógica e a repetição enfática (PLATÃO & FIORIN, 1997; KOCH, 2002). Leitura e Produção de Textos 131 Capítulo 6 a) Remissão Referencial A remissão referencial é a retomada ou antecipação de referentes textuais, operada por meioL de pronomes, verbos, numerais, advérbios, definitivação, diversos recursos lexicais (sinonímia, hiperonímia, hiponímia, meronímia) ou, ainda, por elipse. Vejamos alguns exemplos: I. “O que define uma empresa socialmente responsável é a forma como ela busca o sucesso e a sustentação de seu negócio.” Fonte: VASSALO, C. Um novo modelo de negócios. Revista Exame, São Paulo: Ed. Abril, n.728, p.8-11, 2000, p.4. II. Só aconselho isto: que você faça todos os exercícios. III. Naquela noite, Maria sentiu-se retesada de dor. A moça não queria sofrer tanto, nem precisava. A mulher que nasceria no dia seguinte não seria assim. DESAFIO • Você observou que, no exemplo I, o pronome pessoal “ela” (co-referente) e o pronome possessivo “seu” (co-referente) retomam o substantivo “empresa”, dito anteriormente (referente)? • Você pode justificar por que denominamos isso de remissão referencial por retomada e por que todo termo que serve para retomar outro é chamado de anafórico? No exemplo I, sem esse mecanismo de coesão, o enunciado ficaria “pesado”, pois a palavra empresa seria repetida várias vezes, fazendo com que o leitor se saturasse dela. Veja: O que define uma empresa socialmente responsável é a forma como a empresa busca o sucesso e a sustentação da empresa. No exemplo II, também temos um caso de remissão referencial, mas, dessa vez, o termo isto antecipa o que será dito (que você faça todos os exercícios). Quando um termo antecipa (ou anuncia) outro, chamamos esse fenômeno de remissão referencial por antecipação ou catáfora. 132 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 No exemplo III, temos um caso de retomada por meio de termos equivalentes, isto é, pela sinonímia. Observe que o referente Maria é reativado por meio dos vocábulos remissivos moça e mulher. Em alguns casos, a remissão pode ser feita por elipse, ou seja, quando ocorre o apagamento do referente ou de parte do texto, que podem ser facilmente recuperados pelo contexto linguístico. Vamos aos exemplos. I. Afinal, se o sujeito não conhece seu político e (0) não sabe como e onde ele atua, como (0) vai fiscalizá-lo? Fonte: PARNAMIRIM NOTÍCIAS, 2002, p.2. II. Somos autores de boa parte de nossas escolhas e (0) omissões, (0) audácia ou (0) acomodação, (0) nossa esperança e (0) fraternidade ou (0) nossa desconfiança. Sobretudo, devemos resolver como empregamos e (0) saboreamos nosso tempo, que é afinal sempre o tempo presente. Fonte: LUFT, L. Perdas e ganhos. Rio de Janeiro: Record, 2003, p.16. Obs.: O sinal (0) significa apagamento, isto é, um termo ou trecho que não está explícito, mas é facilmente percebido dentro do co-texto (refere-se ao contexto linguístico, isto é, às informações que estão explícitas no texto). Portanto, no exemplo I, o sinal (0) antes de “não sabe” e de “vai fiscalizá-lo” indica a omissão do referente, o “sujeito”. No exemplo II, temos seis vezes o apagamento de “somos autores de boa parte de nossas” e uma vez a omissão de “devemos resolver como”. No entanto, apesar de não estarem textualmente explícitas, são informações facilmente recuperadas no co-texto. Elas são tão naturalmente recuperáveis que, na maioria das vezes, nem nos damos conta desse apagamento. b) (Re)Ativação Associativa A (re)ativação associativa é a relação entre elementos de um mesmo universo (ou quadro) conceitual ou, ainda, campo semântico. Assim, por exemplo, quando alguém fala sobre “escola”, é comum aparecer em seu texto palavras como “professor”, “alunos”, “sala de aula”, “livros”, “avaliação”, dentre outras, pois todas elas se relacionam semanticamente (significado e sentido das palavras) ao universo escolar. Leitura e Produção de Textos 133 Capítulo 6 Observe o exemplo a seguir: Dourei o bacon, a carne e os legumes separadamente. Depois, coloquei tudo de volta na panela e adicionei vinho tinto, uma colher de extrato de tomate, alho amassado, e uma folha de louro. Deixei ferver lentamente e, em seguida, levei ao forno a 160 graus. Fonte: POWEL, J. Julie e Julia. Trad. Alide França. Rio de Janeiro: Record, 2005, p.123. Note que o exemplo faz uso de um universo conceitual que nos é muito familiar: o da culinária. Assim, os termos bacon, carne, legumes, extrato de tomate, alho e folha de louro nos levam à noção de um hiperônimo: comida. Esse universo conceitual nos permite não estranhar a utilização desses elementos em um mesmo parágrafo, para fazer as relações de que precisamos. Note que o vinho tinto, embora não seja originalmente dessa mesma ordem, também é inserido, porque podemos utilizá-lo como tempero. Os outros termos, como panela e colher, também se relacionam à ideia central, de alimentação, mas são, nesse campo, utensílios usados. Há também o emprego dos verbos dourar e ferver, que são especificamente do campo que norteia o parágrafo. Até mesmo o verbo levar, acrescido de “ao forno”, nos induz ao verbo assar e, portanto, completa o quadro que delineamos como “universo de alimentação”, ao ler o texto. Esse fenômeno no qual se ativa um campo lexical, formado por um conjunto de palavras ou expressões inter-relacionadas semanticamente, também é conhecido como contiguidade semântica ou colocação. c) Sinalização Co-textual Sinalização co-textual refere-se às orientações que apontam para itens ou segmentos textuais anteriores ou posteriores. Você pode estar achando este item muito parecido com a remissão referencial anafórica ou catafórica, mas preste atenção: enquanto a remissão referencial anafórica ou catafórica retoma ou antecipa, respectivamente, um determinado referente, a sinalização aponta para constituintes textuais anteriores ou posteriores a fim de orientar o ouvinte ou leitor quanto à localização desses constituintes. Observe este exemplo: 134 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 Este texto tem a seguinte organização: em primeiro lugar, apresentaremos noções básicas relacionadas aos domínios dos estudos morfológicos, em seguida, apresentaremos discussões sobre o papel da Morfologia...; por fim tentaremos fazer perceber que o momento atual vai na direção de um maior acordo sobre o papel da Morfologia na Gramática. Fonte: SANDALO, F. Morfologia. In: MUSSALIM, F. e BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística. São Paulo: Cortez, 2004, v.1, p.181. As palavras em destaque no texto, “a seguinte”, “em primeiro lugar”, “em seguida” e “por fim”, não retomam nem antecipam um referente, elas apenas apontam para constituintes textuais posteriores e orientam o leitor quanto à sequência em que as informações estão organizadas. d) Associação Analógica A associação analógica é a inter-relação existente entre dois ou mais campos de significação, comumente expressa por meio da metaforização, em que um conjunto de significados é comparado, direta ou indiretamente, com outro. Vejamos como isso ocorre com os exemplos a seguir: I. “Se o estudo é a luz da sabedoria, o investimento é o seu interruptor.” Fonte: REVISTA VEJA, 2002, p.114. II. “...Por isso o shopping center é tão fascinante... É o paraíso. Pelos corredores ouve-se canto gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. O sujeito fica ali contemplando aquelas veneráveis capelas de consumo, com belíssimas sacerdotisas. Alguns se sentem no inferno porque não podem comprar; outros vão para o purgatório do cheque especial. Depois todos comungam na eucaristia pós-moderna do McDonald’s.” Fonte: BETTO, Frei. Alfabetto: autobiografia escolar. São Paulo: Ática, 2002, p.62. Leitura e Produção de Textos 135 Capítulo 6 No exemplo I, temos uma associação comparativa metafórica entre universos distintos: o mundo do conhecimento, o da energia elétrica e o da economia, percebidos pelas palavras “estudo” e “sabedoria”, “luz” e “interruptor” e “investimento”, respectivamente. O “estudo” remete à “sabedoria”, assim como “luz” e “interruptor” estão ligados metaforicamente à ideia de que o investimento é o interruptor que acende a luz da sabedoria. Já no exemplo II, temos a intersecção do universo do comércio e da religião cristã, por meio das palavras “shopping center”, “paraíso”, ”capelas de consumo”, “belíssimas sacerdotisas”, “inferno”, “não podem comprar”, “purgatório do cheque especial”, “comungam na eucaristia pós-moderna do McDonald’s”. A associação analógica só faz sentido se for para fazer comparações, com certo objetivo. Nesse caso, qual é o objetivo desse mecanismo no exemplo II? Veja que “shopping center” (universo comercial) nos passa a ideia de ser um “paraíso” (universo cristão), pela presença de suas veneráveis “capelas de consumo” (aqui, os dois universos conceituais aparecem completamente entrelaçados), onde somos atendidos por “belíssimas sacerdotisas” (as vendedoras). Na continuação do exemplo, aparece o “inferno” para aqueles que “não podem comprar” e o “purgatório do cheque especial” como única saída possível para o consumo. No final, “todos comungam na eucaristia pósmoderna do McDonald’s”. Aqui fica bastante clara a intersecção dos dois campos de significação, não é? E qual é o objetivo dessa associação analógica? Chamar a atenção do leitor e fazer uma crítica aos costumes modernos do consumismo obsessivo. e) Repetição Enfática A repetição enfática é a recorrência de elementos e estruturas nos níveis fonológico (rima, assonância, aliteração), lexical (reiterações), semântico (paráfrases) ou sintático (anáfora, paralelismo). Observe os exemplos: 136 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 I. “Existem coisas que não podem ser medidas pelos padrões convencionais. Elas têm outra dimensão, outro volume, outro peso. É o caso da imaginação. É o caso da fantasia. E é o caso dos sonhos...” Fonte: Colégio Positivo. Nova Escola, mar. 2002, p.3. II. “...Tudo foi dado a eles: o sacrifício de direitos, o sacrifício de milhões de empregos, o sacrifício de incontáveis empresas brasileiras, o sacrifício da legitimidade do congresso, o sacrifício do patrimônio nacional, o sacrifício da Constituição. E eles quebraram o país... liberando o valor do dólar em relação ao real. Ou seja, desvalorizando ainda mais o real...” Fonte: FREITAS, J. Quem são eles. Folha de S. Paulo, 17 jan. 1999. No exemplo I, temos a recorrência de dois elementos: “Outra/outro” e ”É o caso”. Trata-se de reiteração lexical, com o fim de dar ênfase às informações evidenciadas no texto. No exemplo II, temos, no primeiro caso, a reiteração lexical por meio da expressão “O sacrifício”. No segundo caso, temos, no nível semântico, uma paráfrase. Veja que o trecho “desvalorizando ainda mais o real” traz as mesmas informações do trecho anterior, “liberando o valor do dólar em relação ao real”, mas dito com outras palavras. A coesão sequencial ou sequenciadores lógico-argumentativos Os mecanismos de coesão sequencial, também chamados de operadores lógico-argumentativos, são responsáveis pela concatenação entre os segmentos sentenciais e textuais, e manifestam as relações de sentido entre as partes dos enunciados (os intrafrasais), bem como entre as partes do texto (os interfrasais). Os sequenciadores são responsáveis, ainda, pelo estabelecimento da progressão textual, isto é, pela continuidade informacional do texto. Dentre as diversas noções que os conectivos exprimem, estão as de tempo, espaço, causa, consequência, explicação, alternância, restrição, hierarquia, contrajunção, adição, paráfrase, exemplificação, enumeração, correção, comparação, finalidade, conclusão etc. Leitura e Produção de Textos 137 Capítulo 6 Vejamos agora esses conectivos e suas respectivas noções mais detalhadamente: a) Contrajunção (Oposição ou Adversidade) Os conectivos de contrajunção contrapõem elementos, orientam o argumento para uma conclusão oposta, em que o enunciado seguinte descredencia o anterior, assim, provoca quebra de expectativa. Dentre eles, temos mas, e, porém, todavia, contudo, entretanto, no entanto, não obstante, senão, embora, apesar de etc. Exemplos: • Ela tem tudo para ser uma pessoa feliz, mas não sabe viver. • Embora tenha chovido um pouco, o calor continua insuportável. b) Condicionalidade Os sequenciadores de condicionalidade relacionam elementos que orientam o argumento para a probabilidade entre causa e efeito. São eles: se, caso, contanto que, a não ser que, exceto se, a menos que, salvo se, na hipótese de, no caso de, dentre outros. Exemplo: • Sem que haja um rigoroso controle da inflação, o país pode cair no caos econômico. c) Disjunção Os conectivos de disjunção relacionam elementos com orientação argumentativa diferente entre si. Os mais comuns são ou, ou então, quer... quer, seja...seja, caso contrário e outros. Exemplo: • Venha se sentar com a gente. Ou vai ficar aí parado, olhando os outros comerem? 138 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 d) Conjunção (Adição) Os mecanismos de conjunção (ou adição) ligam informações ou acrescentam argumentos em favor de uma mesma conclusão. Dentre eles, temos e, também, ainda, nem, não só... mas também, tanto... como, além de, além disso, a par de etc. Exemplo: • Antônio é, sem dúvida, o melhor candidato: tem boa formação e apresenta um programa administrativo consistente. Além disso, revela pleno conhecimento dos problemas da população. Ressalta-se, ainda, que ele não faz promessas demagógicas. e) Conclusão Os conectivos de conclusão introduzem enunciados de valor conclusivo, ou que demonstram algum resultado em relação ao que foi dito anteriormente. Dentre os mais comuns, estão e, logo, portanto, pois, que, por conseguinte, por isso, a ponto de, então, por isso etc. PRATICANDO Que argumentos justificam o uso do conectivo de conclusão “por isso” no exemplo a seguir? Eu já lhe disse que não estou mais a fim de você. Por isso, não me procure mais. f) Explicação ou Justificativa Os sequenciadores de explicação ou justificativa encadeiam atos da fala em que o primeiro é explicado ou justificado pelo seguinte. São eles que, pois, porquanto, porque, como, já que, uma vez que, desde que, visto que, em virtude de, devido a, em consequência de, dentre outros. Exemplo: • Parece que já passou o encanto da lua de mel, porque eles agora vivem brigando. Leitura e Produção de Textos 139 Capítulo 6 g) Retificação ou Redefinição Os conectivos de retificação ou redefinição introduzem uma correção ou um esclarecimento em relação ao enunciado anterior. Dentre eles, temos ou melhor, de fato, pelo contrário, isto é, quer dizer, ou seja, em outras palavras etc. Exemplo: • Prometo passar de ano, quer dizer, vou tentar. h) Inclusão Os mecanismos de inclusão introduzem enunciados com elementos de reforço argumentativo para o enunciado anterior. São eles: até, mesmo, até mesmo, inclusive e outros. Exemplo: • Ninguém ficou de fora da brincadeira, mesmo os mais tímidos participaram. i) Finalidade Os conectivos de finalidade introduzem enunciados que exprimem objetivo, propósito, intenção, completando o que foi expresso pelo enunciado anterior. Os mais comuns são: para, para que, a fim de que, com o propósito de, com o intuito de. Exemplo: • Pense muito bem antes de agir, para que não venha lamentar depois. j) Comprovação Os sequenciadores de comprovação introduzem enunciados que exemplificam ou comprovam algo que foi dito anteriormente, servindo como reforço argumentativo. Dentre eles, temos: por exemplo, como, tais como etc. Exemplo: 140 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 • Houve ganho real de salário com o plano de estabilização econômica. O consumo de alimentos, por exemplo, aumentou 20%. k) Comparação/Hierarquização Os mecanismos de comparação e hierarquização introduzem um enunciado com valor comparativo (menor, igual ou maior) em relação a outro. Os mais comuns são: tanto... quanto, tão... quanto, mais...(do) que, menos... (do) que etc. Exemplo: • A educação brasileira precisa de uma reforma muito mais profunda do que promover mudanças no currículo e o aumento de verbas. Do mesmo modo, não se melhorou o sistema de saúde pública com a cobrança de mais impostos. l) Focalização Os conectivos de focalização introduzem enunciados que indicam mudança de perspectiva na argumentação. São eles: de outra forma, por outro lado e similares. Exemplo: • Após a queda da aristocracia feudal, a burguesia industrial emergente assumiu o poder. Por outro lado, começou a formar-se, em torno dos novos centros de produção, uma classe operária pobre e desclassificada. m) Restrição Os sequenciadores de restrição introduzem um enunciado com ideia limitada em relação às de outro(s) enunciado(s). Dentre eles, encontramos: só, simplesmente, tão somente, apenas etc. Exemplo: • Um trabalho não precisa ser grande para ser um grande trabalho. Leitura e Produção de Textos 141 Capítulo 6 Precisa apenas ter qualidade. Fonte: Adaptado de Informática Exame, abr. 1996, p.32. n) Causa e Consequência Os conectivos de causa e consequência ligam proposições em que há relação de causa e efeito. Dentre eles, temos: por, pelo fato de, em decorrência de, em virtude de, de maneira que, de forma que, tão... que, tanto... que etc. Exemplo: • Em virtude da seca que castiga o sertão nordestino, o governo abrirá várias frentes de emergência. o) Ordenação Os sequenciadores de ordenação relacionam uma sequência de enunciados que desenvolvem uma ideia anterior. Dentre eles, encontramos: primeiro, primeiramente, segundo, finalmente, por último etc. PRATICANDO Indique, no texto, a função dos sequenciadores em destaque: A sua família de impressoras e copiadoras merece o novo Copimax Alcalino. Primeiro porque ele imprime melhor em frente e verso; depois, é mais branco e mais resistente; finalmente, o que é mais importante, custa a mesma coisa que os outros. Fonte: Adaptado de Informática Exame, abr. 1996, p. 24-25. p) Sintetização Os mecanismos de sintetização introduzem um resumo como argumento final ao que foi exposto anteriormente. Os mais comuns: são enfim, resumindo, em resumo, em síntese, em suma. 142 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 Exemplo: • O governo congelou os salários, esvaziou os movimentos grevistas e, de quebra, acabou com a estabilidade dos funcionários. Em suma, deixou o servidor público na lona. q) Temporalidade Os sequenciadores de temporalidade estabelecem relação cronológica entre ações e eventos. Dentre eles, podemos citar: desde que, desde então, nem bem, no momento em que, à medida que. Exemplo: • O casal consumou o divórcio. Desde então, nunca mais se encontraram. r) Localização Os conectivos de localização expressam relação espacial entre elementos nas cláusulas. Os mais comuns são à esquerda, atrás, na frente, ao lado, mais adiante e similares. Exemplo: • Em frente à minha casa tem uma padaria; mais adiante, há uma videolocadora. Agora que elencamos as formas de se fazer a sequenciação do texto, vamos observar, na prática, como esses elementos são utilizados e como contribuem para o bom desenvolvimento do texto. Leitura e Produção de Textos 143 Capítulo 6 I. A educação a distância seria uma boa alternativa para a ampliação do número de vagas nas universidades públicas, já que o modelo em vigor nas universidades nunca vai conseguir atender à demanda crescente de alunos, mesmo se o orçamento for ampliado. Fonte: MELFI. In: Revista Nova Escola, São Paulo, dez. 2003, p.11. II. O problema é que o mundo para o qual a televisão comercial prepara o telespectador não é o mundo do trabalho, nem o mundo da solidariedade, nem o mundo da participação política, mas o mundo do consumo e dos prazeres típicos do consumo... Na vida das crianças, isso é no mínimo preocupante. Fonte: BUCCI. In: Revista Nova Escola, São Paulo, dez. 2003, p.8. No exemplo I, temos os conectores “para” (que dá noção de finalidade), “já que” (noção de explicação ou justificativa) e “mesmo se” (noção de contrajunção). Juntos, eles ajudam a formar a cadeia semântica do texto. No exemplo II, temos “para” (dando noção de), “nem, nem” (adição), ”mas” (contrajunção) e “no mínimo” (sintetização). Juntos, também formam as engrenagens da cadeia semântica desse enunciado. SAIBA QUE Também é possível a coesão sequencial feita por justaposição, isto é, sem o auxílio de conectivos, os quais ficam implícitos na relação entre os enunciados do texto, como, por exemplo, em: I. Alfabetização: investimento resultado nos números. nas letras, Fonte: Anúncio de CIEE. Agitação, Agitação n.45, p.36, 2002. II. Não faça do seu carro uma arma: a vítima pode ser você. Fonte: Anúncio do DETRAN. s.d. 144 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 Agora, você deve estar se perguntando: – Como é que eu vou descobrir um termo que não posso ver no texto? Note que o lugar do conector é sempre marcado por sinais de pontuação (vírgula, ponto, ponto e vírgula, dois pontos) e você pode reconstruir, com base nas sequências, os operadores discursivos que irão ajudá-lo a construir o sentido do texto. Existe ainda o contexto em que o texto está inserido. No exemplo I, a justaposição torna implícitos os termos “é” (antes de “investimento” e depois dos dois pontos) e “e é” (antes de “resultado” e depois da vírgula), que são facilmente recuperáveis pelo contexto. No exemplo II, podemos facilmente recuperar o termo implícito “pois” (que vem antes de “a vítima” e depois dos dois pontos). Pois bem... agora somos capazes de estabelecer as diferenças entre coerência e coesão e, ainda, de nos valermos da coesão referencial e sequencial para produzir nossos textos coesos e coerentes, não é mesmo? Pudemos, neste capítulo, nos aprofundar um pouco mais nos modos de escolher como lidar com as palavras, e vamos deixar de lutar contra elas, para lutar com elas em nossa escalada do conhecimento. 6.3 Aplicando a teoria na prática Agora que nós elaboramos um texto para comprar a mesa do chefe, que nos deixou apenas um bilhete, sem nada que subsidiasse uma proposta para a compra, ele se acostumou com sua eficiência em redigir e deixa a seu cargo muitas atividades textuais, inclusive, ele tem pedido para que você revise o texto de outros colegas. Dessa vez, seu chefe mandou seu colega de trabalho redigir um novo pedido, agora mais volumoso do que os anteriores, e quando o recebeu em sua mesa – nova, diga-se de passagem – ficou estarrecido. Então, pediu, claro!, para você reescrever e consertar os problemas encontrados, porque seu chefe tem de mandá-lo para outro departamento. Então, mãos à obra: Leitura e Produção de Textos 145 Capítulo 6 Caro Pedro, Primeiramente, Pedro desejo bom dia, aproveite muito. Infelizmente não conseguimos agilizar as nossa pendências antes, portanto, José temos bastante trabalho. Em relação, ao treinamento da área comercial, já conseguimos definir quais são as filiais e quantidade de turmas. No total são 3 turmas para cada módulo, nas seguintes localidades RN e CE. Aguardo resposta. Bem, como sempre resolvemos juntos essa atividade, vamos lá. Já sabemos que o texto não atende aos elementos de coerência, pois: [...] a coerência está diretamente ligada à possibilidade de estabelecer um sentido para o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo, portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido desse texto. Esse sentido, evidentemente, pode ser do todo, pois a coerência é global (KOCH, 2006, p. 21). Além disso, há muitos problemas de coesão. Começamos com o início do texto, que tenta estabelecer uma relação de temporalidade e aponta para uma enumeração com “primeiramente”, e nós não encontramos nem o segundamente nem o terceiramente, que, aliás nem existem lexicalmente. Devemos usar ”em primeiro lugar”, “em segundo lugar”, não é? O que o autor quer dizer, ser gentil com o interlocutor, não pode ser marcado temporalmente, pois ninguém pode garantir que o leitor vai ler o texto de manhã, quando falamos “bom dia”. Aspectos de temporalidade devem ser coerentes com o texto e, nesse caso, isso não pode acontecer. Seria correto se fosse, por exemplo, um bilhete deixado à mesa, para um funcionário lê-lo quando chegasse pela manhã, não é? Sabemos, também, que a sintetização é um item de coesão importante, mas não podemos exagerar. O texto não dá as informações necessárias ao leitor para que ele tenha como entender a mensagem, por isso, fere o princípio da informatividade, elemento de coerência. Com esse texto, não sabemos quem é o José, que aparece do nada, nem quais são as filiais que farão o treinamento, 146 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 também, não é informada a quantidade de módulos, nem quando deve iniciar o curso, nem quanto tempo dura, enfim, sabemos nada a respeito. Isso deve ser dito, afinal, é um documento. Você consegue imaginar onde, no CE e no RN (Ceará e Rio Grande do Norte) vão acontecer os treinamentos? Depois, encontramos um problema de concordância, que estudamos anteriormente, sabemos que o artigo as deve concordar com o pronome possessivo nossa, e aqui, as nossa ficou muito deselengante. No trecho “as filiais e quantidade de turmas”, como temos numerais diferentes, a primeira, “filiais”, é plural e a segunda, “quantidade”, é singular, precisamos estabelecer o paralelismo. Então, o artigo “a” deveria ser repetido, no singular, claro!, antes de quantidade. A ideia de conclusão estabelecida por “portanto” também não faz sentido, especialmente porque não sabemos quem é o José e, mesmo que soubéssemos, seria inadequado para a proposta. Isso sem falar na pontuação, que está mal empregada em vários lugares, como aquela vírgula depois do “em relação”. Sabemos que não se pode colocar vírgula após essa expressão, porque a expressão é sempre “em relação a alguma coisa”, e esses termos todos não são separáveis. Enfim, como o texto está com muitos problemas, teremos de ir até seu escritor e perguntar-lhe todos esses dados, para podermos reescrevê-lo e mandálo ao departamento correto. Então, vamos aproveitar nossa capacidade de escrever e nosso conhecimento sobre construção de textos coesos e coerentes para ensinar nosso colega. Quem sabe, assim, ele passa a fazer textos melhores e ajuda a desafogar nosso trabalho, que já não é pouco, não é? Se continuarmos assim, vamos ser promovidos! Leitura e Produção de Textos 147 Capítulo 6 6.4 Para saber mais TREVISAN, E. Leitura: coerência e conhecimento prévio: uma exemplificação com o frame carnaval. Santa Maria: Ed. da UFSM, 1992. A obra trata dos elementos coesivos aplicados ao frame de carnaval e oferece ao leitor a possibilidade de compreender como os elementos do universo semântico auxiliam na construção do texto e dos possíveis sentidos apreensíveis dele. ANTUNES, I. Lutar com as palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005. Embora a obra tenha como foco os professores de português, ela faz um apanhado geral de como se utilizar dos elementos de coesão e coerência, em uma linguagem bastante simples e acessível. Assim, proporciona excelente entendimento para aqueles que pretendem produzir textos bem formados. Além disso, a obra fornece vasto número de exemplos de cada um dos itens formadores dos textos. 6.5 Relembrando Neste capítulo, você aprendeu que: • a coerência textual diz respeito aos elementos que subsidiam a compreensão do texto e que esses elementos não estão obrigatoriamente presentes no texto, mas fazem parte do universo dos usuários da língua. Esses elementos são chamados de fatores de textualidade, e se dividem em: a) b) c) d) e) articulação superficial (Coesividade); distribuição informacional (Informatividade); focalização intencional (Intencionalidade); relação contextual (Situacionalidade); conexão intertextual (Intertextualidade). • a coesão textual é composta por elementos materializados no texto, e se divide em coesão referencial e sequencial. 148 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 • a coesão referencial se dá por: a) b) c) d) e) remissão Referencial; (re)Ativação Associativa; sinalização Co-textual; associação Analógica; repetição Enfática. • a coesão sequencial se dá por: a) contrajunção (oposição ou adversidade); b) condicionalidade; c) disjunção; d) conjunção (adição); e) conclusão; f) explicação e justificativa; g) retificação e redefinição; h) inclusão; i) finalidade; j) comprovação; k) comparação e hierarquização; l) focalização; m) restrição; n) causa e consequência; o) ordenação; p) sintetização; q) temporalidade; r) localização. 6.6 Testando os seus conhecimentos 1) Leia o Texto 3, a seguir, um texto teórico sobre retomada por palavra lexical, em que há ausência de algumas palavras, indicada por lacunas. Utilize o banco de palavras dado e preencha as lacunas, a fim de completar seu sentido. muitas vezes – por exemplo – pois – mas – quando – por – porque – mas – o que – ou Leitura e Produção de Textos 149 Capítulo 6 TEXTO 3 Retomada por Palavra Lexica Nesse caso, pode-se retomar um termo, repetindo-o ou substituindo-o por um sinônimo, por um hiperônimo ou hipônimo (a) ____ por uma antonomásia. Comecemos o estudo desse mecanismo de coesão, explicando (b) ______são hiperônimo, hipônimo e antonomásia. Hiperônimo é um termo que mantém com outro uma relação do tipo contém/está contido; hipônimo é uma palavra que tem com outra uma relação do tipo está contido/contém: flor é hiperônimo de rosa, que é seu hipônimo. O significado de rosa está contido no de flor, (c) _________toda rosa é uma flor, (d)_____ nem toda flor é uma rosa. O máximo da hiperonímia são palavras que podem substituir praticamente todas as outras da mesma classe: coisa, coisar, negócio, elemento. Antonomásia é a substituição de um nome próprio por um comum ou de um comum (e) _____um próprio. Há antonomásia, principalmente, (f) __________se indica uma pessoa célebre não por seu nome, (g) _____ por uma característica muito conhecida: O ex-titã em vez de Arnaldo Antunes; ele é um Joaquim Silvério dos Reis em lugar de ele é um traidor. Voltemos agora à questão da coesão por retomada com uma palavra lexical. No exemplo, Lia muito, toda espécie de livro. Policiais, então, nem se fala, devorava, o termo livro é retomado por um hipônimo, policiais. É preciso manejar com muito cuidado a repetição de termos lexicais, (h) _____, se ela não estiver a serviço da criação de um efeito de sentido de intensificação, (i) _____________, é considerada uma falha de estilo. À repetição de palavras prefere-se sempre sua retomada por sinônimos, hiperônimos e hipônimos. (j) ______________, a repetição produz belos efeitos de sentido. [...] Fonte: FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: leitura e redação. 2.ed. São Paulo: Ática, 1997, p.373. 2) Leia o Texto 4 a seguir e responda ao que se pede: TEXTO 4 A questão é a seguinte: onde se deve abrir novas escolas médicas? Melhor ainda: por que abrir novas escolas médicas? O Conselho Regional de Medicina (Cremesp) trabalha preservando a sociedade e os médicos por meio da prática da boa medicina e de sua fiscalização e regulamentação. Essa cobertura não deve seguir a lógica do mercado. Fonte: PERES, J. A. Diálogo médico, Ano 29, n.5, out. 2003, p.16. 150 Leitura e Produção de Textos Capítulo 6 a) Explique que mecanismo de coerência ou coesão textual foi utilizado no trecho “A questão é a seguinte:” b) Que noção é expressa no texto pelo conector “onde”? c) Qual é o mecanismo de coesão que foi utilizado em “melhor ainda”? d) Explique os mecanismos utilizados em “e” e “por meio” e escreva um enunciado utilizando os mesmos conectores, com a mesma noção expressa no Texto 2. e) Você percebeu que “essa” é um elemento linguístico que faz remissão (coesão referencial) a um referente presente no texto, não percebeu? Então, diga qual é o referente e se chamamos esse fenômeno de anáfora ou catáfora. Leitura e Produção de Textos 151 Capítulo 6 Onde encontrar BARROS, D. L. P. de. Estudos do discurso. In: FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à lingüística II: princípios de análise. São Paulo: Contexto, 2003. p.187-219. BRONCKART, J. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Trad. A. R. Machado e P. Cunha. São Paulo: EDUC, 1999. BUCCI, E. A deseducação educativa. Nova Escola, São Paulo, dez. 2003. KOCH, I. G. V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2005. ______. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 2006. ______. Desvendando os segredos do texto. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2002. ______. O texto e a construção dos sentidos. 5.ed. São Paulo: Contexto, 2001. (Col. Caminhos da Lingüística). MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. Trad. C. P. de Souza-eSilva e D. Rocha. São Paulo: Cortez, 2001. MENEZES, A. Notícias do Brasil. In: Ciência e cultura: temas e tendências. SBPC, 2005. MEURER, J. L. Esboço de um modelo de produção de textos. In: ________.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). Parâmetros de textualização. Santa Maria, RS: EDUFSM, 1997, p.13-28. PLATÃO, F. e FIORIN, J. Para entender o texto: leitura e redação. 5 ed. São Paulo, Aática, 1997 TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de 1.º e 2.º graus. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2003. 152 Leitura e Produção de Textos CAPÍTULO 7 ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS 7.1 Contextualizando Depois de tudo o que temos discutido em nosso trabalho, por certo, você já percebeu que, com o desenvolvimento das sociedades, o homem passou a perceber a importância da comunicação para sua própria sobrevivência. Hoje, muito mais do que antes, diante da velocidade das informações e da universalidade dos conhecimentos, o homem precisa ter domínio, principalmente, das formas verbais de comunicação para conquistar seu espaço em uma sociedade que, sabe-se, está cada vez mais competitiva e seletiva. Se pararmos para pensar, veremos que, em nosso cotidiano, fazemos uso constante da argumentação nas mais diversas manifestações discursivas: na publicidade, no comércio, nas inter-relações pessoais, no trabalho, nas aulas, em conversas sobre futebol, religião, ética, política etc. É exatamente para melhor compreender os esquemas, ou procedimentos argumentativos, sua utilização e função, que iremos estudar, neste capítulo, o discurso argumentativo e as estratégias utilizadas para convencer o outro. O conhecimento dos mecanismos construtores da argumentação ajudará você a formular seus pontos de vista, elaborar e expor melhor suas ideias, assumindo, de forma consciente, seu posicionamento em relação a determinado tema que venha a ser discutido em sua vida acadêmica, profissional e pessoal. Podemos mesmo dizer que o domínio desse conteúdo é também questão de cidadania, pois, como veremos, o discurso tanto pode libertar como oprimir, confundir como esclarecer, construir como destruir, conscientizar como alienar. Vai depender do domínio que temos e do uso que fazemos dele. Leitura e Produção de Textos 153 Capítulo 7 No decorrer de nosso trabalho, você perceberá que irá precisar de todos os conhecimentos adquiridos até aqui, por isso, sugerimos que você retorne aos outros capítulos, dê uma boa revisada, tire suas dúvidas, refresque a memória sobre os assuntos estudados. Assim, não sentirá dificuldade de entender o texto argumentativo. Ao término deste capítulo, você será capaz de: • • • • compreender os processos de argumentação; identificar os defeitos argumentativos; produzir um texto argumentativo; e convencer e influenciar os outros por meio da organização coerente das ideias em um texto. 7.2 Conhecendo a teoria As discussões a respeito de texto, que temos tido desde o início de nosso trabalho, já nos mostraram que é por meio da linguagem que expressamos nossos sentimentos, desejos, objetivos, crenças, medos, alegrias, tristeza, ou seja, é pela linguagem, ou pelas linguagens (porque aqui incluímos as linguagens não-verbais, como gestos, trejeitos, cores, sinais e até silêncios), que expressamos nossos pensamentos e interagimos com o outro. Mas a linguagem também só pode se manifestar por meio do pensamento, ou melhor, podemos até afirmar que “a linguagem é o próprio pensamento em ação. Ou, ainda, o pensamento só se materializa na linguagem” (CITELLI, 1994, p.10). Portanto, pensamento e linguagem estão intrinsecamente ligados e um é parte do outro. Ambos se manifestam sempre em conjunto ou inter-relacionados, pois o pensamento se concretiza via linguagem, que, por sua vez, se manifesta por meio da fala. Além disso, quando falamos, estamos, invariavelmente tentando convencer ou persuadir o outro, porque a expressão do pensamento é uma forma de se prover o outro daquele pensamento e, com isso, fazer com que esse outro tenha conhecimento e “aceite-o”. Nessa perspectiva, é interessante notar que: Somente o homem convence. Isso talvez o institua como o ser da palavra. Convencer, para o homem, é uma atividade complexa, multiforme. Trata-se tanto – numa acepção ampla dada a esse termo – de convencer o ambiente material a submeter-se a um projeto que se formula a seu respeito (entalhar um osso como uma ponta de flecha ou na forma de agulha para costurar os sacos indispensáveis às migrações) como convencer outra pessoa a partilhar determinada opinião ou a 154 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 adotar certo comportamento. Num plano antropológico, a aptidão para convencer é talvez a matriz da própria técnica, quer se trate de técnicas materiais como a capacidade de fabricar instrumentos, ou intelectuais. A palavra humana engloba esses três registros: exprimir, informar, convencer. Ela é fruto de uma combinação original desses três elementos no interior da qual o convencer poderia de fato desempenhar um papel preponderante (BRETON, 1999, p.24). Ora, com você ocorre isso também. Seu pensamento se exterioriza pela linguagem, e o que você diz, a linguagem utilizada por você, se materializa a partir de seu pensamento. De maneira bem geral, isso quer dizer que devemos “pensar” melhor nossa linguagem e “escrever” melhor nossos pensamentos. Falar ou escrever bem é, em grande parte, saber argumentar, ou, ainda, saber organizar em linguagem aquilo que pensamos. Se é assim, como utilizar de maneira eficiente e a nosso favor a linguagem em nossa produção textual? PRATICANDO E agora? Será que já dá para você tentar fazer sua própria definição de texto argumentativo? Vamos tentar? Então, com suas palavras, escreva o que você entende que seja um texto argumentativo. Vamos começar pensando o que é um texto argumentativo. Há várias definições desse tipo de texto, de variados estudiosos dessa área. Aqui vamos utilizar texto um clássico, o Tratado da argumentação: a nova retórica, de Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, para dar a você uma visão mais profunda do processo de transposição do pensamento em linguagem, que é, sem dúvida, uma forma de argumentar. CURIOSIDADE Traité de l’argumentation: na nouvelle rhétorique, de Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca foi publicado em 1958, na França, e chegou ao Brasil em 1996, numa tradução de Maria Ermantina Galvão, pela Editora Martins Fontes. Ele tornou-se um clássico da filosofia e da lógica contemporâneas, além de marcar o retorno da retórica aos estudos acadêmicos e colocar em pauta os dados da argumentação como forma de persuadir e convencer, consciente ou inconscientemente. Leitura e Produção de Textos 155 Capítulo 7 Antes de dar início às propostas de Perelman e Tyteca, vamos estabelecer que, a priori, todo texto é argumentativo, se pensarmos que, por trás dele, há um produtor que tenta persuadir seu leitor ou ouvinte a crer naquilo que seu texto diz e a agir de acordo com o que ele propõe. Podemos dizer, então, que o texto argumentativo é aquele que, por meio de argumentos, tenta convencer o leitor ou ouvinte daquilo que ele está afirmando ou negando. Em um texto argumentativo apresentamos argumentos, dados, opiniões de autores renomados, exemplos, imagens e figuras, a fim de defender determinada ideia ou questionar determinado assunto. Vale salientar que chamamos de argumento todo procedimento linguístico que tenha a função de persuadir, de fazer o ouvinte ou leitor aceitar o que lhe foi dito, de levá-lo a crer no que foi comunicado e a fazer o que lhe foi proposto. LEMBRETE A partir de agora, vamos ver o que dizem os autores sobre a argumentação, de forma bem específica. Apresentaremos o texto original, para que você exerça sua capacidade de interpretar, e, em seguida, exemplificaremos com uma atividade prática, para fazermos um raciocínio juntos. Vamos lá? Perelman & Olbrechts-Tyteca, em seu Tratado da argumentação: a nova retórica, fornecem um esquema para os estudos da argumentação, ao propor uma nova leitura da retórica clássica. Em seu trabalho, enfatizam que não estão à caça de uma lógica dos juízos de valores vigentes, e assinalam que “o estudo da argumentação nos obriga, de fato, a levar em conta não só a seleção dos dados, mas igualmente o modo como são interpretados, o significado que se escolheu atribuirlhes” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.137), ao que acrescentam: [...] a interpretação pode ser, não mera seleção, mas também criação, invenção de significações –, essas diversas interpretações nem sempre são incompatíveis, mas o destaque de uma delas, o lugar que ela ocupa no primeiro plano da consciência, amiúde recua as outras para a sombra (Idem, p.138). Assim, se debruçar sobre um discurso é com ele interagir e fornecer interpretações a partir do conhecimento prévio acerca do assunto tratado, do 156 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 falante ou emissor e de si mesmo, o que oferece uma gama de possibilidades interpretativas. Interpretar é, por essa razão, tomar partido e pinçar, das várias possibilidades apresentadas, apenas uma, relegando as outras para a sombra. Para este trabalho, porém, interessa mais a distinção que os autores fazem dos tipos de argumentos retóricos. Por isso, oferecemos uma compilação das palavras dos autores, a fim de esboçar algumas definições que, embora possam parecer vagas em uma primeira leitura, serão oportunamente recobradas, exemplificadas e amiúde discutidas. 7.2.1 Argumentos retóricos a) Argumentos quase lógicos Argumentos quase lógicos são aqueles que se apresentam explicitamente, têm sua força persuasiva em sua proximidade (semelhança) com argumentos formais: “o orador designará os raciocínios formais aos quais se refere prevalecendo-se do prestígio do pensamento lógico, ora estes constituirão apenas uma trama subjacente” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.220). Nessa categoria, encontramos: • a contradição e a incompatibilidade: “a contradição entre duas proposições pressupõe um formalismo, ou pelo menos um sistema de noções unívocas, a incompatibilidade é sempre relativa a situações contingentes, sejam estas constituídas por leis naturais, fatos particulares ou decisões humanas” (Idem, p.223). Ao entrar em conflito com uma opinião já aceita, sem justificativa, uma contradição torna-se ridícula. A incompatibilidade, por sua vez, expõe ao ridículo aquele a quem ela é imputada. O maior exemplo desse uso é a ironia. • a identidade e a definição: enfatizam o que há em comum entre os elementos a que se aplicam. A indução, a classificação e a definição exemplificam essa técnica argumentativa. Vale lembrar que “o uso argumentativo das definições pressupõe a possibilidade de definições múltiplas, extraídas do uso ou criadas pelo autor, entre as quais é preciso fazer uma escolha [...] estando feita esta escolha, seja ela apresentada como óbvia ou seja ela defendida por argumentos, a definição utilizada é considerada expressão de uma identidade” (Ibidem, p.243). Leitura e Produção de Textos 157 Capítulo 7 Também está inserida nessa subcategoria da argumentação quaselógica a regra de justiça, cuja premissa é oferecer tratamento igualitário aos elementos ou situações de uma mesma classe ou categoria. Como o leitor ou ouvinte possui especial relevância na argumentação, sua concordância com o “enquadramento” dos elementos ou situações em uma mesma categoria é condição indispensável. Assim, temos: • a transitividade: os argumentos ditos de transitividade vislumbram, como nas relações de implicação, determinadas relações como transitivas; • inclusão da parte no todo: valoriza o todo apenas pelo aspecto enfatizado de sua parte; • divisão do todo em partes: fragmenta o todo, a fim de provar a existência ou não de uma de suas partes (ou o próprio todo) ou, ainda, enfatizar sua existência, ou criar um dilema. b) Argumentos baseados na estrutura do real (de uma realidade) Valem-se da realidade para estabelecer as conexões que pretende o orador perante seu leitor ou ouvinte. Uma vez que tais argumentos estão calcados nas ligações entre as coisas e fatos, estas são divididas em: • ligações de sucessão: pressupõem um vínculo causal, seja pela relação de dois acontecimentos sucessivos, seja pela evidência de um efeito, seja pela descoberta de uma causa. Encontram-se, basicamente, no mesmo plano fenomênico. Saliente-se que “essa argumentação, para ser eficaz, requer um acordo entre os interlocutores sobre os motivos de ação e sua hierarquização” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.301). Aqui se inserem: I. o argumento pragmático, cuja essência se dá no exame de um ato ou acontecimento, segundo suas consequências favoráveis ou desfavoráveis; II. o argumento do desperdício, “uma vez que já se iniciou uma obra... cumpre prosseguir na mesma direção” (idem, p.317); e III. o argumento da direção: “consiste, essencialmente, no alerta contra o uso do procedimento das etapas: se você ceder [d]esta vez, deverá ceder um pouco mais na próxima” (ibidem, p.321). 158 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 • ligações de coexistência: “unem duas realidades de nível desigual... O caráter mais estruturado de um dos termos é que distingue essa espécie de ligação (ibidem, p.333), em que se inserem: I. o argumento de autoridade: o prestígio, o caráter, o ethos do orador é fator crucial para a validação de suas intenções, e II. o argumento de hierarquia dupla: a hierarquia dupla exprime, normalmente, uma ideia de proporcionalidade, direta ou inversa, ou pelo menos um vínculo entre termo e termo (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.384). Definições como Fulano é mais rico do que Beltrano recorrem ao argumento de hierarquia dupla, haja vista que a valoração de ambos proporciona a comparação. c) Argumentos que fundamentam a estrutura do real (de uma realidade) São aqueles que lidam com as argumentações fundamentadas pelo recurso de usar uma situação real em particular, e isso pode ocorrer de três maneiras distintas, a saber: • como exemplo: permite uma generalização e tem como função fundamentar uma regra; • como ilustração: embasa uma regularidade já estabelecida, reforçando-a; e • como modelo (ou antimodelo): incentiva ou evita a imitação inspirada em um caso particular. Também é incluído nesse tipo de argumentação o raciocínio por analogia, para o qual a metáfora é a maior tradução. Para os autores, a analogia é a “semelhança de relações entre dois pares de termos. Na sua concepção, a estrutura da analogia reside no confronto de estruturas semelhantes, embora pertencentes a áreas diferentes” (Ibidem, p.447). Veja bem... parece que essa teoria sobre argumentação é algo que nunca usamos, porque se trata de uma análise profunda de tudo o que dissemos, mas em uma simples notícia, muitos desses elementos estão presentes, e pensamos que é apenas um “retrato da realidade”. Vamos agora a nossa atividade prática, a fim de esclarecer o que vimos? Leia o Texto 1, uma notícia sobre uma reunião que aconteceria em 03 e 04/10/2003, em Santa Catarina: Leitura e Produção de Textos 159 Capítulo 7 TEXTO 1 Câncer de mama mata cerca de 300 mulheres por ano em Santa Catarina Fonte: <www.saude.sc.gov.br>. Estatísticas revelam que cerca de 300 mulheres morrem por ano vítimas do câncer de mama em Santa Catarina. Preocupada com a grande incidência, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) patrocina nesta sexta-feira e sábado, 03 e 04 de outubro, a partir das 8 horas, no Plenário da Assembléia Legislativa, um encontro para discutir o avanço da doença no território catarinense. Com o tema “Câncer de Mama na Mulher Jovem”, profissionais de renome nacional levantarão questões como sexualidade, gravidez, tratamento e prevenção. Os direitos das pacientes com o tumor também será tema de discussão. Mulheres portadoras da doença também participarão do encontro, onde farão um relato de suas experiências. Para facilitar o acesso das mulheres aos serviços, possibilitando a realização do diagnóstico precoce, o Centro de Estudos e Pesquisas Oncológicas (Cepon) pretende realizar, no ano que vem, um levantamento do número de equipamentos como mamógrafos, ultra-sons e pistolas para realização de biópsias e saber os locais onde estão instalados. Além disso, mapeará as regiões com maior incidência da doença e a quantidade de profissionais especializados para fazer o atendimento. O objetivo é identificar pólos de referência, auxiliando na realização de exames e no tratamento da paciente, que terá os serviços próximos à sua casa. A preocupação com o câncer de mama é justificada pelos dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). A doença atinge uma em cada oito mulheres no Brasil, sendo que os três estados do Sul são os que registram maior incidência e maior número de mortes. No mundo, o tumor nas mamas é o terceiro câncer mais comum, com o registro de 910 mil casos em 1996. Atualmente, esse número já deve ter ultrapassado a casa do um milhão. “Os hábitos de vida dos sulistas são semelhantes aos dos europeus, que também notificam muitos casos de câncer de mama. A ingestão de gordura, o sedentarismo e o uso do cigarro são fatores que contribuem para o aparecimento da doença. Outro motivo da instalação do tumor nas mamas é a falta de preocupação com os exames, que devem ser feitos regularmente”, observa a coordenadora estadual do Programa Viva Mulher, Deise de Carvalho Dias. 160 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 A recomendação dos médicos é que as mulheres façam, primeiramente, o autoexame todos os meses. Tocando as mamas, é possível identificar caroços, o que pode significar a presença do câncer. Mesmo fazendo o exame de toque mensalmente, a avaliação do médico é fundamental e deve ser feita pelo menos uma vez por ano. Só um profissional tem condições de diagnosticar o tumor. Os cuidados também devem ser estendidos para a alimentação, que deve ser rica em frutas e verduras, evitando a ingestão de álcool, o uso do cigarro e o ganho de peso. O encontro tem o apoio da Sociedade Catarinense de Mastologia, da Escola Brasileira de Mastologia, da Sociedade Brasileira de Cancerologia e da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Fonte: Adaptado de <www.saude.sc.gov.br>. Acesso em: 20 jul. 2010. Vamos começar por uma forma de argumentar que não tratamos nos itens anteriores, para dar essa tacada inicial em nosso trabalho em conjunto. Perelman & Olbrechts-Tyteca também tratam de um argumento chamado de ad humanitatem, que serve para toda a humanidade racional. Veja, então, o slogan da campanha, utilizado junto de uma imagem para noticiar do encontro. Observe que a imagem é, também, um elemento argumentativo, pois expõe um seio sendo apalpado pela própria mulher, ou seja, um exemplo de como se faz o exame de toque. A junção dessa imagem com o próprio título, “Câncer de Mama”, torna-se consenso para toda a humanidade, pois todos sabemos da existência da doença, da necessidade de ela ser tratada e da forma de sua detecção, a que se faz alusão. O período que o segue “Mulher que se toca, se cuida”, imediatamente nos remete a nossa consciência sobre a necessidade do tratamento e, a partir de um conhecimento pragmático, de mundo, nós entendemos que a palavra “toca” é utilizada em duas acepções: a primeira, literal, trata do exame de toque, feito nas mamas para detectar caroços, indício do início do câncer; a segunda é uma gíria para a pessoa “prestar atenção”, o que é, também, um uso do argumento pragmático. De certa forma, temos também a utilização de um argumento que fundamenta a estrutura do real como modelo, pois incentiva a imitação inspirada em um caso particular. Leitura e Produção de Textos 161 Capítulo 7 Já com o título, “Câncer de mama mata cerca de 300 mulheres por ano em Santa Catarina”, estabelece-se uma argumentação também baseada na estrutura de uma realidade, a relação de coexistência, que se dá entre a saúde e a doença, incitada pelo número de mulheres doentes no estado. É uma argumentação pela quantidade, que se insere na oração e estabelece parâmetro para convencer o leitor da importância do tema. Há, ainda, uma relação estabelecida, que nos remete ao argumento da hierarquia dupla, porque os vínculos entre saúde e doença se estabelecem inconscientemente na mente do leitor. A importância da saúde sobre a doença é um recurso que fomenta a argumentação do texto, já em seu início, sem mesmo mencionar os dois elementos da realidade que sustentam esse recurso. Note que o primeiro parágrafo reitera o que diz o título e a imagem de apoio, e isso se reforça com um argumento que podemos dizer tratar-se de argumento de autoridade, a Secretaria de Estado da Saúde (SES); que será reforçado com uma utilização genérica no segundo parágrafo, “profissionais de renome nacional”; o que vai se efetivar com a citação do Centro de Estudos e Pesquisas Oncológicas (Cepon) do Instituto Nacional do Câncer (Inca); e com o recurso do discurso direto da coordenadora estadual do Programa Viva Mulher, Deise de Carvalho Dias. Se não bastasse, o argumento de autoridade é tão presente, que o parágrafo final do texto se volta para mais instituições de renome que são marcos no tratamento do câncer: “O encontro tem o apoio da Sociedade Catarinense de Mastologia, da Escola Brasileira de Mastologia, da Sociedade Brasileira de Cancerologia e da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica”. Uma visão simplista nos diria que se trata apenas de uma forma de noticiar o encontro, mas já estamos percebendo que a notícia nos leva a crer em algo, nos tenta convencer de algo, nesse caso, de que o encontro é importante e que devemos dele participar ou apoiá-lo. Isso, já vimos, é uma forma elaborada de proporcionar convencimento e, portanto, argumentar. De forma inversa, o argumento da direção está presente, pois o apoio ao tema tratado é de relevância, como já discutimos, e tal apoio deve ser sempre maior e maior. O leitor, ao partilhar da opinião do enunciador do texto, convence-se de sua importância e passa a apoiar a causa ou, pelo menos, a simpatizar com ela. Note que o texto não tem argumento que leve a contradição ou a incompatibilidade, porque se pauta em um argumento ad humanitatem, premissa calcada em uma verdade consensual da humanidade, o que facilitou nossa adesão. 162 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 Quem, em sã consciência, não apoiaria uma causa dessas, não é mesmo? No penúltimo parágrafo, há uma argumentação baseada em uma ilustração, que fundamenta uma regularidade já estabelecida, reforçando-a. Nesse caso, trata-se do exame feito pela própria mulher e da necessidade do acompanhamento médico. Essa ilustração nos leva também a uma argumentação, cujos recursos se baseiam na identidade e na definição. Perceba que, nesse caso, o que se define não é a doença, mas a forma de se fazer o exame de toque. Assim, a questão do argumento pelo exemplo também está presente, pois o exame, ao mesmo tempo, é uma definição de como se fazer e fundamenta a regra de como se fazer. Percebeu como a arte de argumentar é algo que nós utilizamos cotidianamente? Pois é, estamos juntos entendendo que até um simples “Bom dia!” pode ser uma forma de estabelecer influência no outro, ou seja, de convencê-lo. Nesse exemplo em especial, ao dizer “Bom dia!”, estamos estabelecendo relações sociais que fornecem subsídios para o bom desenvolvimento da sociedade. Ao dizer isso, argumentamos que estamos desejando algo de bom para o outro e, com isso, convencendo-o de que também merecemos essa benesse. Como você pôde observar, conseguimos encontrar alguns recursos argumentativos mesmo em um texto que, aparentemente, não é argumentativo, por se tratar de uma notícia. Tudo isso seria bem mais claro, se se tratasse de um texto eminentemente argumentativo, feito especialmente para convencer. Muitas vezes, em textos argumentativos, discutimos assuntos polêmicos. Temas como legalização do aborto, pena de morte, diferenças e semelhanças entre os sexos, são temas sobre os quais não há consenso. Nesses casos, o que importa não é a tese em si, mas a coerência de o que se afirma. Importante é que suas argumentações estejam de acordo com sua tese e que a conclusão seja um desembocar natural e lógico de o que você afirma no texto, ou seja, de seus argumentos. Você não pode esquecer que, ao discutir um tema, é necessário pensar antes em que direção você deseja ir ou em que enquadramento você deseja dar àquele tema. A partir daí, você deverá decidir por onde conduzirá sua argumentação, buscando um posicionamento em relação ao assunto e criando, então, seus recursos argumentativos, que deverão desembocar em uma conclusão convincente. Leitura e Produção de Textos 163 Capítulo 7 Também não imagine que, depois dos estudos sobre o assunto, você vai sentar diante de um computador ou folha de papel e produzir um texto pronto, acabado, sem defeitos. Pode até ser, mas não é o que acontece na maioria das vezes. Nós mesmos fizemos e refizemos nossos textos, até acharmos que ele estava o mais próximo de o que desejávamos. Também contamos com a valiosa leitura dos revisores, que perceberam detalhes ou falta de detalhes, que nós não tínhamos percebido. A escritura necessita de prática, de certa humildade diante do texto e da consciência de que precisamos sempre melhorar para nos comunicarmos bem. Só conhecer as regras ou os passos de como produzir um bom texto não basta, pois, como diz o ditado, “Falar sobre touros não lhe qualifica para entrar na arena; é preciso lutar com o touro”. Vamos ver, por meio de mais um texto, como são utilizados os recursos argumentativos. TEXTO 2 Bomba Atômica Um gigantesco cogumelo de fumaça elevando-se na atmosfera, visível a grande distância, enquanto, no chão, um inferno de fogo e sangue varria do mapa a cidade de Hiroshima e dezenas de milhares de pessoas. Foi assim que o mundo assistiu à entrada em cena da mais poderosa (e pavorosa!) arma já construída pelo homem – a bomba atômica – há quase 60 anos, em 06 de agosto de 1945. O Japão é o único país a ter experimentado seu enorme potencial de aniquilação. Em 1945, os norte-americanos soltaram duas bombas nucleares sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki (esta em 09 de agosto). No total, mais de 180 mil pessoas morreram. O calor queimou tudo em um raio de quilômetros: edifícios, animais e seres humanos. Grande parte das construções sumiu sem deixar vestígios. A onda de choque provocada pela explosão causou ventos fortíssimos, que ampliaram a devastação. As terríveis conseqüências da bomba ainda se fazem sentir seis décadas depois, pois os efeitos da radiação causaram um aumento nos casos de leucemia, câncer, catarata e microcefalia da população exposta à explosão. Fonte: ABRIL. Atualidades Vestibular 2005. p.76. 164 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 Como você já deve ter percebido, o Texto 2 apresenta uma unidade temática. O título já diz sobre o que o texto vai discorrer: a bomba atômica. Você já deve ter percebido também que nele se pretende criar um sentido de objetividade, quebrado (e facilmente perceptível) pelas adjetivações (gigantesco, pavorosa, ventos fortíssimos, terríveis). PRATICANDO Diga que recursos argumentativos são utilizados no texto Bomba atômica, explique cada um e mostre com passagens do texto como isso acontece. Estávamos caminhando no sentido de dizer o que se deve fazer no momento de argumentar, mas é importante pensar que o processo de escrita depende de muitos fatores, pois: A utilização dos dados tendo em vista a argumentação não pode ser feita sem uma elaboração conceitual que lhes confira um sentido e os torne relevantes para o seguimento do discurso. São os aspectos dessa elaboração – dessa formalização – que fornecem um dos ângulos pelos quais se pode apreender melhor o que distingue uma argumentação (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.136). Por isso, de agora em diante, vamos fazer o percurso inverso, o que não deixa de ser uma forma de escolha argumentativa, para dizer o que não devemos fazer. Nesse caminho, retomaremos o que já vimos, com mais profundidade ainda. Para isso, vamos, com base em Fiorin e Savioli (1998), elencar alguns defeitos que podem aparecer em seu texto e que, portanto, devem ser evitados ou corrigidos. 7.2.2 Defeitos de argumentação a) Emprego de noções confusas Na língua, existem palavras que contêm um leque de significados muito abrangente. Em decorrência disso, elas aparecem nos mais variados contextos discursivos e com noções bem variadas e até contraditórias entre si. Ao usar tais palavras, precisamos deixar bem claro seu significado no contexto, a fim de evitar duplo entendimento por nosso ouvinte ou leitor. Um exemplo dessas palavras é “liberdade”. Veja nos enunciados a seguir: Leitura e Produção de Textos 165 Capítulo 7 • Os adolescentes precisam de liberdade para amadurecer e se tornar adultos responsáveis. • O problema de os adolescentes não amadurecerem e não se tornarem adultos responsáveis é a liberdade que têm hoje em dia. Pois bem, podemos perceber como a mesma palavra, “liberdade”, foi usada com sentidos contrários nos dois enunciados. No primeiro caso, é usada como “espaço de expressão”, “possibilidade de vivenciar experiências novas”, “poder de tomar decisões” e até “direito de errar”. Aqui prevalece o sentido positivo da palavra, ao passo que, no segundo enunciado, a palavra é utilizada como “falta de cuidado por parte dos pais”, “falta de disciplina” e até “abandono”. Nesse caso, prevalece o sentido negativo da palavra. Além da palavra “liberdade”, fazem parte desse repertório de palavras de significados abrangentes, variados e, por vezes, contraditórios as palavras democracia, justiça, ordem, alienação, massificação, materialismo, idealismo dentre outras. Algumas dessas palavras têm sentido quase sempre ligado ao valor negativo (guerra, injustiça, violência, autoritarismo, autocracia, desonestidade, infelicidade etc.), outras aparecem, na maioria das vezes, ligadas ao valor positivo (paz, justiça, honestidade, democracia etc.). Veja bem, não é que não possamos utilizar esses termos em nossos textos, apenas temos de ficar atentos para que eles sejam utilizados de forma a não deixar margem para duplo entendimento, não possibilitar a nosso interlocutor a criação de uma ideia diferente da que tentamos transmitir. Afinal, isso pode deixar brechas para que o interlocutor, o cara que contra-argumenta, refute nosso texto e, consequentemente, nossas ideias. 166 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 PRATICANDO Nos enunciados a seguir, diga que noções são expressas pelas palavras em negrito. • A guerra contra o tráfico de drogas precisa ser constante e envolver toda a população. • A guerra no Iraque é constante e envolve toda a população. • A guerra entre os sexos tem separado e unido gerações inteiras de homens e mulheres. • A liberdade feminina tem conquistado adesões mesmo entre os homens. • Muitos homens estão cada vez mais tímidos diante da liberdade feminina. • Alguns homens se sentem inseguros e até ofendidos diante de certas liberdades femininas. b) Emprego de noções de totalidade indeterminada O emprego de noções de totalidade indeterminada acontece quando empregamos palavras em um sentido muito abrangente ou totalitário, comprometendo, assim, todo o esquema argumentativo do texto. Lembre-se de que não é como a argumentação ad humanitatem, que é intencional, uma forma consciente de generalização, por assim dizer. Quando empregamos noções de totalidade indeterminada, fazemos com que a ideia de um texto se torne vaga, o que abre a possibilidade de refutação. No enunciado “todas as mulheres precisam de uma profissão para se sentir realizadas e felizes”, por exemplo, o leitor pode refutar a afirmação, dizendo que nem todas as mulheres são assim e até citar exemplos de donas de casa que são felizes e realizadas sem nunca ter trabalhado fora de casa. Isso de fato seria, no mínimo, uma grosseria, pois o locutor do texto estaria colocando, sob perspectiva muito infeliz, por sinal, todas as mulheres da sociedade em um mesmo grupo, generalizando-as. Leitura e Produção de Textos 167 Capítulo 7 Veja alguns enunciados que apresentam esse mesmo defeito de argumentação. • O nordeste é uma região de mulheres pobres e batalhadoras. • O petróleo é a maior riqueza do país. • No Brasil, as crianças são vítimas da violência dentro de casa. • Todos os políticos são iguais: roubam, são corruptos e nunca assumem o que fizeram. • Toda mulher sonha com a maternidade. • Todo pobre é ingênuo e incapaz de pensar por si só. • A mulher é, por natureza, frágil e insegura. Viu como os argumentos mal formados por essa perspectiva são falhos e facilmente refutáveis? Qualquer dos enunciados acima pode ser posto em questão por qualquer pessoa que tenha um mínimo de bom senso e conhecimento de mundo para saber que, por exemplo, no nordeste nem todas as mulheres são trabalhadoras, tampouco pobres. INTERAGINDO Crie cinco ou mais enunciados que apresentem esse defeito de argumentação, divulgueos e discuta-os no Ambiente Virtual de Aprendizagem com seus demais colegas, ok? c) Emprego de noções semiformalizadas Outro defeito de argumentação é a utilização indevida de alguns termos que foram “criados” a partir de estudos filosóficos ou científicos e que, por isso, têm significado restrito, apenas são precisos de acordo com o contexto em que surgiram e, portanto, não admitem significação ampla ou mesmo fora daquilo que originalmente especificam. Esses termos trazem em seus significados uma noção especificada da teoria que os emprega. Usá-los de forma indiscriminada é correr o risco de ao invés de exibir erudição, exibir uma forma equivocada ou, ainda pior, usar como semelhantes termos de correntes científicas que são opostas entre si. 168 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 Podemos tomar como exemplo palavras ou expressões do tipo: sistema, estrutura, classe social, infraestrutura, burguesia, proletariado, corpo social, cultura de massa, socialismo, comunismo, neoliberalismo, estruturalismo e, para citar algumas de nosso cotidiano, gênero textual e tipo textual, por exemplo. Esses termos têm uso específico, qualquer utilização indevida de tais palavras pode trazer sérias complicações para o entendimento e para a própria argumentação do texto. Geralmente, a utilização inapropriada desses termos se dá por pessoas que acreditam ter certeza de sua significação, mas, provavelmente, essas pessoas ouviram tais palavras e deduziram seu significado sem recorrer ao auxílio de um dicionário ou de alguém que tivesse conhecimento do verdadeiro sentido do termo. Vejamos alguns enunciados como exemplo. I. Deixe de ser comunista, menino! Me dê o direito de explicar! II. Mário é um judeu: adora judiar da pobre mulher. III. A narração e o texto jornalístico são tipos textuais semelhantes: ambos contam uma história. No exemplo I, foi usado o termo “comunista” como sinônimo de autoritário, quando, na realidade, não é esse o sentido da palavra. Podemos dizer, de maneira bem simplificada, e em linhas gerais, que o comunismo é um sistema econômico que não permite que os meios de produção fiquem nas mãos de particulares. No exemplo II, “judeu” foi utilizado como ruim, perverso, por causa do verbo “judiar”, mas, originalmente “judiar” significa “tratar alguém como os judeus eram tratados”. No entanto, o significado do enunciado II expressa que o marido trata mal a mulher, e não o contrário. No exemplo III, há também uma confusão de conceitos linguísticos. “Narração” é um tipo textual e “texto jornalístico” é um dos gêneros do discurso, aliás, esse assunto nos espera no próximo capítulo. Mais uma vez, vale salientar que não estamos dizendo para você não utilizar esses termos, apenas alertamos para que você se certifique de que os está utilizando corretamente e de acordo com o que realmente significam. Não é possível baratear impunemente termos que estão ligados a conceitos complexos e que passam por Leitura e Produção de Textos 169 Capítulo 7 uma série de outros conceitos, definições e aplicações socioculturais e científicas. Muitas vezes, ao usar inadvertidamente certos termos, acabamos por vulgarizálos, dando-lhes uma significação muito subjetiva e até grosseira. Nesses casos, tornamos nosso texto pobre, confuso e nada persuasivo, além de demonstrar pobreza de ideias, de vocabulário e da capacidade de produção textual. PRATICANDO Construa três enunciados que tragam essas noções semiformalizadas em sua construção. d) Defeitos de argumentação pelo exemplo, pela ilustração ou pelo modelo Sabemos que os exemplos e as ilustrações são procedimentos muitos úteis à argumentação, como bem tratamos anteriormente, mas apenas se forem utilizados com bom senso e seriedade. Ao citar um exemplo, devemos estar certos de que ele corresponde a um dado concreto da realidade e pode ser verificado pelo leitor, se este desejar conferi-lo. A ilustração também deve ajudar, criando um efeito de veracidade em favor dos argumentos utilizados. Mas quando as utilizamos de maneira impensada ou apressada, corremos o risco de, no mínimo, dizer besteiras, não é mesmo? Vejamos um defeito de argumentação pelo exemplo: Maria não aguentou as críticas do professor e, ao invés de se defender, explicando que não havia colado, desatou a chorar sem parar, aos soluços. Por mais que o professor tentasse conversar com ela, não adiantava, Maria não conseguia conter os soluços. As mulheres são mesmo assim: só sabem chorar diante das situações difíceis. É por isso que os dois sexos não se entendem. Como podemos notar, a partir da situação específica de uma menina que chora ao ser inquirida pelo professor, chega-se a uma conclusão muito mais abrangente 170 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 de que “todas as mulheres agem assim diante de todas as situações difíceis”. Além disso, são atribuídas a esse choro específico todas as diferenças existentes entre homens e mulheres. Com um procedimento construído dessa forma, o argumento é facilmente refutado. Note que o erro da argumentação pelo exemplo se deu por um defeito no emprego de noções de totalidade indeterminada, ou seja, um erro que pode se dar por outro erro, os defeitos estão interligados. Analisemos, agora, um enunciado que apresenta defeito de argumentação por ilustração. Note como esse tipo de defeito ocorre quando tentamos comprovar com dados concretos e particularizados uma afirmação de caráter geral. O nordestino, como todo mundo sabe, é um povo magro, sofrido, sem instrução e que carece sempre da ajuda dos governantes. Basta olhar as comunidades que dependem dos carros-pipas para ter água para beber e das cestas básicas para ter o que comer. Esse é um tipo de argumentação dada também pelo erro do emprego de noções de totalidade indeterminada, por isso, é inconsistente e facilmente refutada, bastando citar, para isso, o próprio Presidente da República ou outras figuras, como Ariano Suassuna, que são nordestinos, mas não se encaixam na definição dada no exemplo. No defeito de argumentação por modelo, cita-se um modelo de alguém que agiu bem, que foi honesto, que venceu na vida por meio de muita luta, que venceu grandes dificuldades e conclui-se que todos devemos agir assim, ou se usa um modelo de alguém que agiu mal, foi corrupto e desonesto ou covarde diante das dificuldades e conclui-se que ele é um modelo a ser evitado, que nunca devemos agir daquela forma. É como se pegassem sempre alguém como exemplo para fazer uma analogia e incutir no leitor aquela ideia. O principal problema nesse tipo de argumento é que ele empobrece o texto, torna-o cópia, sem nenhuma reflexão, repleto de lugares comuns, de situações estereotipadas e falsas. Assim como nas histórias infantis as pessoas boas são sempre bonitas, as más são sempre feias, as crianças são sempre puras, os pobres sempre honrados e sensíveis, os ricos sempre arrogantes, e assim por diante. Além disso, cria-se uma dicotomia inaceitável entre bem e mal, bom e ruim, belo e feio, certo e errado. Ou se é uma coisa que todos devem seguir, ou se é outra que todos devem evitar. Leitura e Produção de Textos 171 Capítulo 7 Um texto que segue modelos preestabelecidos pode cair facilmente em uma reprodução vazia e preconceituosa de valores, crenças, costumes e até ideias. Então, sabendo disso, devemos cada vez mais tomar cuidado com todos os textos orais e escritos que produzimos. Dessa forma, seguindo as lições mostradas neste capítulo, os erros e defeitos da argumentação serão banidos de nossas produções. 7.3 Aplicando a teoria na prática No capítulo anterior, fomos convidados a ajudar nosso colega de trabalho e, depois, ainda lhe ensinamos como fazer um e-mail em que elementos textuais estavam ausentes e havia incorreções e inadequações. Estamos, como vemos, progredindo na empresa, e a empresa sabe disso. Nosso trabalho tem sido visto por muitos e, agora, imagine!, você recebeu um convite! Há, na empresa, uma política de aproveitar bem quem faz bem e, por isso, com o surgimento de uma vaga de chefe do departamento de comunicação, a empresa resolveu convidar alguns funcionários a participar do processo para preencher a vaga. Você foi um dos escolhidos para se candidatar a ela, mas, claro, as coisas não seriam tão fáceis assim. O primeiro passo para participar, mesmo, do processo é a formulação de uma carta de intenções, na qual devem ser expostas as razões para que o candidato seja o escolhido. É preciso, também, além de uma boa argumentação, como você já sabe, dizer qual é sua importância para a empresa e o quanto você contribui para o desenvolvimento dela, além de, por se tratar do departamento de comunicação, ser um bom comunicador. Então, ponha sua capacidade para funcionar e consiga, com seu esforço, essa vaga! Aguardaremos você escrever sua carta, para, em seguida, fazermos juntos a atividade desta seção. Então, vamos começar, não é? O que deveria ser dito numa carta como essa? Acreditamos que devemos começar por lembrar que “a palavra humana engloba esses três registros: exprimir, informar, convencer. Ela é fruto de uma combinação original desses três elementos no interior da qual o convencer poderia de fato desempenhar um papel preponderante” (BRETON, 1999, p.24). Vamos começar expressando a nossa capacidade de trabalho. Na carta, então, vamos começar dizendo que gostaríamos de fazer parte do grupo de comunicação. Assim, já damos o nosso foco, já estabelecemos o nosso 172 Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 interesse. Isso fazemos logo no primeiro parágrafo, para que seja clara a nossa intenção e a nossa força de decisão. Não vamos titubear numa situação dessas, não é mesmo? No segundo parágrafo, então, vamos nos valer do segundo aspecto: o de informar. Aqui vamos pontuar a nossa contribuição para a empresa nos últimos meses. Exporemos o que fizemos, numa argumentação pelo uso do exemplo assim, vamos sustentar nossa proposta também como ilustração, já que a nossa ideia é que os responsáveis pela seleção façam uma analogia da nossa eficiência no cargo de agora com a nossa eficiência (ou capacidade) no cargo que almejamos. Também faremos uso do argumento pragmático, que, como estudamos, se dá no exame de um ato ou acontecimento segundo as suas consequências favoráveis, ou seja, vamos expor nosso trabalho, encaminhando a argumentação para que eles percebam o quanto somos úteis e como as consequências de nossa utilidade favorecem a empresa. No último parágrafo, antes do famoso “Atenciosamente”, usado para terminar as cartas mais formais, vamos dar a tacada final: vamos usar o argumento de autoridade, chamando, em nosso texto, o testemunho do chefe, que tem presenciado nosso esforço durante esses meses que estamos trabalhando. Podemos até mesmo fazer isso informando que ele poderá ser consultado para confirmar o que dizemos (ou negar – mas a gente sabe que ele não é gente ruim e vai nos ajudar, não é? Afinal, ele tá vibrando com a mesa nova ainda e com nossa ajuda naquele e-mail sem pé nem cabeça que evitamos de ele assinar). Pronto. Se não conseguirmos a vaga, tudo bem... pelo menos mostramos a nossa capacidade e poderemos concorrer a outras, num futuro bem próximo. Mas, depois de termos provado que “o estudo da argumentação nos obriga, de fato, a levar em conta não só a seleção dos dados, mas igualmente o modo como [eles] são interpretados” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p.137), sabemos que a única interpretação possível para nossa proposta é: A vaga é dele! Leitura e Produção de Textos 173 Capítulo 7 7.4 Para saber mais KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 1984. Obra dedicada à abordagem teórica acerca de questões relacionadas à argumentatividade, que serve, ao mesmo tempo, como “guia” para os que desejam aperfeiçoar sua habilidade de construir o texto argumentativo. VIANA, A. C. (Coord.) et al. Roteiro de redação: lendo e argumentando. São Paulo: Scipione, 1998. Mesmo sendo indicado para o Ensino Médio, esse livro traz algumas orientações básicas sobre produção textual. O 8.º capítulo trata particularmente da “montagem” do texto argumentativo. PECORA, A. Problemas de redação. São Paulo: Martins Fontes, 1983. Esse livro trata de questões vinculadas ao discurso dissertativoargumentativo, e aproveita, também, para discutir defeitos de argumentação, muito frequentes nos textos dos alunos. 7.5 Relembrando Neste capítulo, você aprendeu: I. Sobre os processos de argumentação: • Nos argumentos quase lógicos encontramos: • • • • • 174 a contradição e a incompatibilidade; a identidade e a definição; a transitividade; a inclusão da parte no todo; e a divisão do todo em partes. Leitura e Produção de Textos Capítulo 7 • Nos argumentos baseados na estrutura do real estão presentes as ligações de sucessão, que são: • o argumento do desperdício; e • o argumento pragmático. • Nos argumentos que fundamentam a estrutura do real estão inclusas três maneiras distintas: • como exemplo; • como ilustração; e • como modelo (ou antimodelo). II. Sobre os defeitos argumentativos: • emprego de noções confusas: ocorre quando usamos palavras de significação muito abrangente, sem especificar seu significado em nosso texto, deixando margem para que o leitor faça outras leituras, e, assim, possa refutar nossos argumentos; • emprego de noções de totalidade indeterminada: acontece quando se empregam palavras em um sentido muito abrangente ou totalitário, que compromete todo o esquema argumentativo do texto; • emprego de noções semiformalizadas: emprego inadequado de termos que foram “criados” a partir de estudos filosóficos ou científicos, por isso, são usados com um significado restrito, preciso, de acordo com o contexto em que surgiram, portanto, não admitem significação ampla ou mesmo fora daquilo que originalmente especificam. • defeitos de argumentação pelo exemplo, pela ilustração ou pelo modelo: ocorrem quando utilizamos dados não verdadeiros ou não comprováveis, ilustrações fora da lógica argumentativa ou modelos preestabelecidos, criados para ser seguidos ou rejeitados automaticamente, sem reflexão crítica. Leitura e Produção de Textos 175 Capítulo 7 7.6 Testando os seus conhecimentos 1) Qual dos seguintes enunciados apresenta defeito de argumentação no que tange às questões de emprego de noções semiformalizadas? Cientistas põem à prova o aquecimento global. O aquecimento global está cada vez mais visível. Por conta do aquecimento global as geleiras vão derreter. Esse aquecimento global na minha geladeira está quase estragando a comida toda. e) N.D.A a) b) c) d) 2) Discorra brevemente sobre os argumentos quase lógicos. Explique o que são e dê suas subcategorias. 3) Explique o que é o argumento pragmático. 4) Marque a alternativa em que há indícios de noções confusas no enunciado. O ataque ao Afeganistão ocorreu no início do século XXI. As mulheres batalharam pelo direito de ser iguais aos homens. O time do meu pai goleou o meu time ontem. Tenho sempre que aprender que a louça é para ser lavada depois da janta. e) N.D.A. a) b) c) d) 7.7 Onde encontrar BRETON, P. A manipulação da palavra. São Paulo: Edições Loyola, 1999. CITELLI, A. O texto argumentativo. São Paulo: Scipione, 1994. _____. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 2002. PERELMAN, C. & OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PLATÃO, F. e FIORIN, J. Para entender o texto: leitura e redação. 5. ed. São Paulo: Ática,1997. 176 Leitura e Produção de Textos CAPÍTULO 8 ORGANIZAÇÃO TEXTUAL: PRÁTICAS DE LEITURA E DE PRODUÇÃO DE GÊNEROS TEXTUAIS 8.1 Contextualizando Nosso trabalho, até este momento, nos deu subsídios para entendermos como funcionam os aspectos do texto e sua relação com o mundo que o cerca. Falamos sobre gramática, oralidade, escrita, discurso e a construção de sentidos, estrutura do parágrafo e período, fatores de textualidade e das estratégias argumentativas. Nesses momentos, discorremos sobre muitos aspectos da própria essência da comunicação, pois já percebemos que não há construção de texto sem a intenção de comunicar e, mesmo sem muita intenção, não há texto que não comunique algo a alguém. Pois bem... é chegado o momento de nos voltarmos para esse alvo do texto: o leitor, seja ele de texto escrito, falado ou de figuras, fotos, cartazes, slogans, bilhetes, cartas, anúncios, tirinhas, quadrinhos, charges, hipertexto, diálogos etc. Já ao mencionar os nomes dos textos, você já deve tê-los colocado em uma espécie de caixinha em sua cabeça, em que as características de um e de outro são os divisores de águas entre um e outro. Isso que você fez automaticamente, separar as tirinhas e as cartas, são os limites que separam os gêneros textuais. Isso mesmo, cada um desses nomes que acabamos de elencar se designa gênero textual. Mas por que, então, pensarmos em um público-alvo para esses gêneros? É certo que nos pomos diante de um texto e assumimos uma postura, certa vontade de entender o que o texto está a dizer, o que o texto transmite, o que o texto pode permitir que nele leiamos. É por isso que pensamos no público-alvo, o leitor, e, também, estabelecemos algumas características para que esse leitor possa entender o que o texto propõe. Assim se dão nossas práticas de leitura. A partir de uma preconcepção a respeito do texto, nós nos posicionamos diante dele com determinada predisposição, e é isso que nos torna leitores. Leitura e Produção de Textos 177 Capítulo 8 Neste capítulo, veremos como a organização textual nos auxilia a pensar uma forma de organizar nossas práticas de leitura e de produção de gêneros textuais, para que possamos depreender dos textos sua essência, com a colaboração de nossa capacidade de compreensão. Ao final deste capítulo, você estará apto a: • identificar os diversos gêneros textuais presentes no dia a dia; • produzir diferentes gêneros textuais adequados às situações de comunicação; • ler com mais acuidade os diversos textos no cotidiano; e • compreender o processo de construção dos textos, segundo o gênero a que pertencem. 8.2 Conhecendo a teoria Para que possamos compreender as idiossincrasias da leitura e compreensão de textos e as características dos textos que os agrupam em gêneros, precisamos entender como nós, leitores e produtores constantes de textos, pensamos o texto e suas relações com o mundo. 8.2.1 A leitura e sua complexidade Geralmente, pensamos que estamos lendo algo quando nos deparamos com um texto escrito, em uma situação específica em que nos postamos diante de determinado agrupamento de signos com significação. Veja que não falamos de um texto escrito apenas, mas de “agrupamento de signos”. Pois bem, antes de mais nada, precisamos entender que: A leitura é um processo complexo e abrangente de decodificação de signos e de compreensão e intelecção do mundo que faz rigorosas exigências ao cérebro, à memória e à emoção. Lida com a capacidade simbólica e habilidade de intenção mediada pela palavra. É um trabalho que envolve signos, frases, sentenças, argumentos, provas formais e informais, objetivos, intenções, ações e motivações. Envolve especificamente elementos da linguagem, mas também os da experiência de vida dos indivíduos (GARCEZ, 2002, p. 23). 178 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 Para entender melhor a ideia de o que é leitura, vamos nos despir de nossa concepção de que o que se lê é o que está escrito, pois os signos, os quais têm capacidade de difundir significados, não são apenas os signos escritos. Em uma situação pela qual todos já passamos, ou, se não passamos, temos conhecimento dela, a leitura se põe em movimento: pegar (ou tomar) um ônibus. Veja que é uma situação absolutamente corriqueira, em que sequer pensamos que estamos lendo alguma coisa, mas, para pegar o ônibus, temos um objetivo: ir a algum lugar. Há signos que indicam qual ônibus devemos tomar, e nem estamos – ainda – falando de uma leitura de palavras. Pense que você está no ponto (ou na parada) de ônibus e, lá adiante, vem um ônibus de cor verde. Pronto, já começa o processo de leitura. Você sabe que o ônibus que o leva para seu destino não é da empresa cujos veículos são verdes, então, para aí o processo de leitura desse ônibus, porque ele não cumpre os objetivos que levarão você a pegar ou não o transporte. Logo a seguir, vem lá adiante, um ônibus de cor azul. Pronto, é o da empresa que você precisa pegar. Ao se aproximar, o veículo vai ficando mais próximo do seu ponto (ou parada), e mais próximo (ou distante) do seu objetivo. Você Já consegue ver o número dele, 57. Não é o seu. Então, voltamos à estaca zero, não vamos mais “ler” esse ônibus. Depois de uns três verdes e dois amarelos lá vem outro azul. Recomeça o processo automatizado de leitura, pois: [...] a leitura faz inúmeras solicitações simultâneas ao cérebro, é necessário desenvolver, consolidar e automatizar habilidades muito sofisticadas para pertencer ao mundo dos que lêem com naturalidade e rapidez. Trata-se de um longo e acidentado percurso para a compreensão efetiva e responsiva (GARCEZ, 2002, p. 26). Nesse processo automatizado, você movimenta todos seus conhecimentos, faz seleção e não desperdiça seu tempo com leituras que não lhe darão frutos. Mas, como o ônibus é azul, sua leitura pode dar frutos. Ao ver ônibus se aproximar, você lê o número, 36, pronto, é o seu. Apenas para confirmar – porque você pode pegar o 36-A ou 36-B, e o caminho a ser percorrido pode mudar, tomar mais de seu tempo etc. –, você espera ele chegar ao ponto (ou parada) e lê completamente o destino. Para ter mesmo certeza, você verifica o itinerário na lateral (geralmente ao lado da porta) e, consciente de que ele é o que você esperava, entra. Leitura e Produção de Textos 179 Capítulo 8 Logo após a entrada, você passa da posição de leitor para autor. É isso mesmo. Ao dizer “bom dia!” ao motorista, você entra em um processo de autoria, com propósitos específicos, com a produção efetiva de textos etc. Viu como a leitura é um processo que se realiza cotidianamente? Nas situações, mesmo sem ter um olhar acurado, nem boa noção de o que é leitura e produção de textos, ela “acontece” quase naturalmente. Ler, para o homem moderno, é isto: uma manifestação não apenas de conhecimentos sobre as letras, mas de conhecimento a respeito do funcionamento do mundo, pois: [...] a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto (FREIRE, 1997, p. 11). PRATICANDO Observe em seu cotidiano uma situação em que a leitura e a produção de textos efetivamente aconteçam. Pense nessa concepção de o que é leitura, para compreender perfeitamente o caminho do leitor. Observe, em seus amigos, sua vestimenta, sua forma de agir, sua postura, e busque uma maneira de unir a leitura nãoverbal com a verbal, para a produção de sentido. Agora que compreendemos que o processo de leitura não é exatamente aquele a que estamos acostumados, vamos nos preparar para compreender melhor como o processo de leitura e produção de textos escritos, mistos e nãoverbais se dá. Nosso trabalho, neste capítulo, é nos aprofundarmos no processo de interpretação, levando em consideração os aspectos que influenciam a produção de sentido, para entender nossa proficiência na língua. 180 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 CONCEITO A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. Fonte: BRASIL. PCNs PCNs: 3.° e 4.° ciclos do EF: Língua Portuguesa, 1998, p.69-70. (grifo nosso). O primeiro ponto de que precisamos nos conscientizar é que, para ler, utilizamos algumas estratégias que facilitam o processo e nos dão possibilidade de nos ater ao que efetivamente interessa na leitura, pois, mesmo em um texto de nosso interesse, há aspectos que não são importantes para nosso propósito ou não são relevantes para a compreensão geral de o que se lê. Esses procedimentos são chamados de estratégias de leitura, que é um tema bastante discutido nos meios acadêmicos, quando se trata do ensino e aprendizagem da leitura. Neste trabalho, vamos elencar as três que consideramos mais importantes: a antecipação, a inferência, a autorregulação e a autocorreção. SAIBA QUE Há inúmeros propósitos para se realizar a leitura: buscar informação, atualizar-se das ocorrências do mundo, divertir-se, fazer um bolo, enfim, para quase tudo. Em todos eles, quer queiramos quer não, somos invadidos por novos conhecimentos e, com isso, temos a possibilidade de enxergar um mundo diferente daquele a que estamos acostumados. Para entender cada um desses procedimentos, vamos nos valer do Texto 1, que segue: Leitura e Produção de Textos 181 Capítulo 8 Figura 1 - Texto 1 Fonte: FOLHA DE S. PAULO, 30 mai. 2010. Matéria de capa. Note que o Texto 1 é composto por um título, um breve texto e uma figura. Como estamos em um suporte de texto, o jornal, por antecipação, sabemos o que está por vir: uma notícia, geralmente, embora seja claro que não há apenas notícias nos jornais. Vamos partir do pressuposto de que o leitor, ao buscar um jornal, se antecipa ao que verá, pois o próprio jornal tem suas características, e o leitor as conhece. Um primeiro procedimento, em nosso exemplo, em especial, é fazer uma inferência, ou seja, os complementos que o leitor, a partir de seus conhecimentos prévios, dá ao texto. Em nosso texto, uma provável inferência que faríamos é a associação da foto com o texto. Vejamos: a expectativa de que a foto se relaciona com o texto, complementando-lhe o significado, precisa de ser confirmada com a averiguação das relações entre ambas, foto e texto. Para confirmar (ou negar) o que infere, o leitor passa a fazer a autorregulação, ou seja, estabelecer o vínculo entre o que supõe e as respostas que recebe com a leitura do texto. Pois bem, vamos, então, ao trabalho. Pelo título, Nordeste do país cresce em ritmo de “Chináfrica”, a primeira inferência dada é de que o país é o Brasil, o texto está em um jornal brasileiro e a omissão do país especificado é uma forma de enxugar o texto. A confirmação dar-se-á com elementos extratextuais, 182 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 pois, na capa, há data, local etc. Se não está posto o nome do país é porque se trata do Brasil. A foto, porém, não diz muito a respeito de o que o título permite inferir. Vamos, então, ao processo de autocorreção, ou seja, provar que a antecipação que fizemos faz sentido. Olhamos o jornal e, na legenda da foto, vemos outro assunto, divergente de o que se pode depreender do título. Nesse momento, nos perguntamos: O que Ana Hickman e Oprah Winfrey têm a ver com o nordeste brasileiro? Nossa resposta é: Nada! Ana Hickman é uma apresentadora de TV, Oprah, idem. O conhecimento prévio do leitor, mesmo não sabendo maiores detalhes sobre ambas, elimina a relação estabelecida por antecipação e inferência, porque: De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa, (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se locutor (BAKHTIN, 2000, p. 290). Na sequência, mais provável é que voltemos ao título e recomecemos o processo. Por antecipação, já sabemos que o aspecto econômico deve permear o discurso presente no texto, porque o crescimento de uma região só se dá por relações econômicas ou populacionais (como populacionais tem estreita relação com econômico, então, a economia nos guia). A menção a “Chináfrica” deve causar estranhamento. Imediatamente, o leitor se vê levado a considerar a formação do neologismo e entender sua significação. Temos, então, a junção de China com África, sob a perspectiva da economia. Vejamos: a China tem crescido em ritmo rápido, alcança destaque em seu desenvolvimento e ascende a um dos países em desenvolvimento mais reconhecidos como emergente. A África, porém, figura no imaginário como um continente subdesenvolvido, cheio de carências e problemas econômicos e sociais. Inferimos, portanto, que o ritmo do crescimento tem características tanto africanas quanto chinesas. Vamos, então, ao processo de autorregulação, com a leitura do texto. Temos, na leitura, a confirmação da inferência: o crescimento tem características da expansão chinesa e a infraestrutura que o sustenta tem características da deficiência africana de gestão e gerenciamento, passando pela própria infraestrutura precária. Reitera essa perspectiva a menção ao crescimento de 330% no investimento imobiliário, sobretudo, o que nos leva a uma nova inferência: Leitura e Produção de Textos 183 Capítulo 8 não há investimento na infraestrutura econômica de base. Nossa inferência a partir do título, então, confirma-se, não sendo necessária a autorregulação, posto que não há “consertos” a fazer no que antecipamos em nossa mente. SAIBA QUE Durante a leitura podemos exercer um relativo controle consciente sobre as nossas atividades mentais, disciplinando-as e submetendo-as aos nossos interesses. Esse controle é essencial para que a leitura seja produtiva. Ele não é espontâneo e depende de treino e concentração. Por isso, é necessário prestar bem atenção no que fazemos enquanto lemos para termos mais domínios sobre as nossas próprias habilidades de leitura. Fonte: GARCEZ, L. H. C. Técnica de redação redação... São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.43. Como as etapas acontecem em nossa mente caleidoscopicamente, vamos elencar alguns procedimentos que facilitam nossa leitura e a tornam mais eficiente. Vamos nos valer da proposta de Garcez (2002), que adaptamos a nosso propósito, para quem a leitura fica facilitada se forem observados os seguintes procedimentos, para melhor seleção e hierarquização do processo leitor: • observar os títulos e subtítulos para dar início à antecipação e inferência; • analisar as ilustrações, para fazer novas conexões e confirmar ou refutar as inferências e antecipações; • reconhecer elementos paratextuais, ou seja, legendas, parágrafos, negritos e itálicos, quadros etc.; • sublinhar palavras-chave, que concentram as ideias do texto; • consultar dicionário sempre que for necessário; • anotar dados percebidos como importantes, a fim de delimitar as possíveis digressões na leitura; • perceber a intertextualidade, que fornece elementos que não estão exatamente presentes no texto, mas que lhe compõem a significação. 184 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 Vê? Assim funcionam nossas estratégias de leitura. Todas acontecem simultaneamente em nossa mente, sem ordem exata de o que é antecipação ou inferência. A autorregulação, em que se confirma ou se nega o que se previu, é um processo posterior, que se dá no movimento da leitura. Para cristalizar o que acabamos de ver, vamos a uma atividade a partir do Texto 2, que segue. Certo? Figura 2 - Texto 2 Fonte: FOLHA DE S. PAULO, 19 jun. 2010. Matéria de capa. PRATICANDO Observe o Texto 2 e, a partir dos conhecimentos sobre as estratégias de leitura adquiridos até este momento, explique como se dão a antecipação, a inferência e a autorregulação (como fizemos no Texto 1). Por certo, você já notou que os textos não são iguais, que há características que os diferem, como começamos a discutir no início deste capítulo. Chegamos ao momento de ver mais profundamente como os textos são constituídos e como eles são entendidos, segundo o gênero a que pertencem. Leitura e Produção de Textos 185 Capítulo 8 8.2.2 Gêneros textuais: definição e constituição Por certo, você já deve ter ouvido falar em tipos e gêneros textuais, no decorrer de sua aprendizagem formal. Os gêneros e os tipos, embora haja grande discussão a respeito da terminologia adotada, são considerados os “formatos” em que os textos se apresentam. Essa definição pode parecer-lhe meio bisonha, por isso, vamos nos aprofundar na questão e compreender melhor o que são os gêneros, cuja compreensão passa por muitos aspectos, pois apenas: Podemos chegar a uma compreensão mais profunda de gêneros se os compreendermos como fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente organizadas. Gêneros são tão-somente os tipos que as pessoas reconhecem como sendo usados por elas próprias e pelos outros. Gêneros são o que nós acreditamos que eles sejam. Isto é, são fatores sociais sobre os tipos de atos de fala que as pessoas podem realizar e sobre o modo como elas os realizam. Gêneros emergem nos processos sociais em que pessoas tentam compreender umas às outras suficientemente bem para coordenar atividades de compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos (BAZERMAN, 2005, p. 31, grifo nosso). Para melhor compreender o que estamos dizendo, observe os textos que seguem: 186 TEXTO 3 TEXTO 4 Exercícios propostos Cartas 1. Escreva com símbolos: 4 pertence ao conjunto dos números naturais pares 9 não pertence ao conjunto dos números primos 2. Escreva o conjunto expresso pela propriedade: x é uma número natural menor do que 8 x é um número natural múltiplo de 5 e menor do que 31 3. Escreva o conjunto dado pelas condições: y é um número tal que y² - 5y + 6 = 0 y é um divisor de 16 tal que y³ = 8 Albert Einstein Fonte: DANTE, L. R. Matemática: Matemática contexto e aplicação. Ensino Médio. São Paulo: Ática, 2001, p. 15. Fonte: VEJA, 2005, p. 34. Leitura e Produção de Textos Sinto-me privilegiada por ter acesso à reportagem especial “Einstein – 100 anos das teorias que mudaram nosso modo de ver o universo” (27 de julho). De modo muito característico, a revista homenageou Albert Einstein, relacionando suas idéias ao mundo moderno, e construiu uma imagem nova e envolvente do cientista. Parabéns pela inovação e obrigada por propiciar-me momentos agradáveis de leitura. Mariane Manso Musso Baependi, MG Capítulo 8 TEXTO 5 TEXTO 6 Letras louvando Pelé Sempre bem-vinda Pelé, pelota, peleja. Bola, bolão, balaço. Pelé sai dando balõezinhos. Vai, vira, voa, vara, quem viu, quem previu? GGGGoooolll. A sogra vai visitar a filha e o genro. Ela toca a campainha e o genro abre a porta e exclama: Menino com três corações batendo nele, mina de ouro mineira. Garoto pobre sem saber que era tão rico. Riqueza de todos, a todos doada na ponta do pé, na junta do joelho, na perna do peito. E dança. Bailado de ar, bola, beijada. A boa bola, bólide, Brasil-brincando. A trave não trava, trevo de quatro, de quantas pétalas, em quantas provas que se contam? Mil e muitas. Mundo. [...] Fonte: ANDRADE, C. D. In: MONTEIRO, J. L. A estilística. estilística São Paulo: Ática, 1991, p. 120. — Sogrinha! Há quanto tempo a senhora não aparece! Quanto tempo vai ficar conosco desta vez? A sogra, querendo ser gentil: — Oh, meu genro, até vocês ficaram cansados de mim! O genro responde: — Sério? Não vai nem mesmo tomar um cafezinho?! Amanda J. L. Martins Curitiba, PR Fonte: Atrevida/Quá-Quá, 2005. Você deve ter percebido que cada um desses textos possui determinadas propriedades que os distinguem dos outros. Mas que propriedades são essas? Veja que cada texto aborda um tema diferente, tem uma forma de organização particular e utiliza linguagem própria. LEMBRETE Ao tratar da estrutura do parágrafo, no capítulo 5, vimos aspectos da tipologia textual. Seria interessante você voltar às explicações lá elencadas, para melhor compreender nosso trabalho de agora. Além disso, como você já sabe, cada um deles tem uso específico em dado contexto de interação e se destina a determinada função sociodiscursiva. Essas diversas formas de dizer são o que chamamos de gêneros discursivos, e consubstanciam o que vimos acima como uma definição mais teórica do termo, pois se constituem no interior de uma situação comunicativa, em que interagem dois ou mais indivíduos engajados em uma atividade da vida social. Leitura e Produção de Textos 187 Capítulo 8 Para esclarecer melhor esse assunto, vamos explicar mais detalhadamente o que são gêneros do discurso. Sintetizando o que diz Bazerman (2005), eles são formas de comunicação que emergem nos processos de interação social, por meio das quais se coordenam atividades e se compartilham significados, com vistas a atingir determinados propósitos. Para Rojo (2002), são objetos enunciativos, os quais se configuram em três dimensões essenciais: 1) o(s) tema(s), que são os conteúdos comunicados, cujos sentidos exprimem valores sociais (visões de mundo); 2) uma forma composicional, que equivale aos elementos das estruturas comunicativas; 3) um estilo, definido como as formas de codificação da linguagem, as quais revelam os traços da forma composicional do gênero e do posicionamento enunciativo do locutor. Essas três dimensões são estabelecidas pelas circunstâncias de produção do discurso, nas quais se considera a atitude apreciativa do locutor ou produtor em relação a seu(s) interlocutor(es) e ao(s) tema(s), bem como as instituições sociais (isto é, os sistemas ideológicos), que se representam nos enunciados produzidos. Assim, os gêneros discursivos se constituem e se definem em função da situação de sua produção, em um dado contexto de atividade intercomunicativa (FARACO, 2003). Vejamos, então, as imbricações que atravessam a concepção de gêneros textuais: a) A diversidade dos gêneros discursivos e sua dependência históricocultural Os gêneros discursivos materializam-se em textos objetivamente produzidos, por meio de um conjunto de atos de fala realizados em uma modalidade de linguagem e expressos por meio de um dado suporte midiático (a voz face a face, um documento, a fala ao telefone, a TV, um jornal, a Internet, um outdoor etc.). Desse modo, os gêneros se efetivam concretamente em diversas formas de textos, que se configuram, por exemplo, em: uma bula de medicamento, um e-mail, um blog, uma reportagem, uma aula, uma monografia, um ofício, uma nota fiscal, um bate-papo entre amigos, uma 188 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 piada, um prontuário médico, uma palestra acadêmica, uma novela, um programa de auditório, uma fábula, um poema, uma charge, um bilhete etc. Como os gêneros dependem das necessidades, circunstâncias históricoculturais e interesses da sociedade que os produz, segundo as formações discursivas que orientam suas práticas, eles não estão constituídos de uma vez por todas, nem são os mesmos em todas as comunidades de fala. Isso significa que os gêneros discursivos variam de um grupo social para outro, tanto geográfica como historicamente, uma vez que cada cultura se organiza dentro de determinadas condições de vida material, e a partir dela coordena suas atividades sociais. Assim, um dado gênero pode ser extremamente útil em uma certa tribo indígena, mas não ter valor em uma cultura tecnologicamente mais avançada, e vice-versa. Também, um determinado gênero poderia ser bastante funcional em uma época de nossa história, como o telegrama, por exemplo, e hoje se encontrar praticamente em desuso, dada a atual sofisticação ocorrida nos meios de comunicação. Outro fato sobre os gêneros é que, apesar de se organizarem em formas relativamente estáveis, o que facilita sua circulação e reconhecimento nas respectivas esferas da vida social, eles estão, de certo modo, sujeitos à criatividade e aos interesses dos indivíduos que os utilizam. Assim, podem ter sua configuração alterada, em virtude de novas demandas culturais e sociocomunicativas. Podemos citar como exemplo disso o gênero “novelístico”, que tem passado por algumas modificações, em decorrência dos avanços dos suportes midiáticos (jornal, rádio e TV), e os gêneros relativos à “correspondência a distância” (cartas em geral), principalmente com o advento da Internet. b) O diálogo entre os gêneros discursivos Ainda, uma particularidade sobre os gêneros é que um gênero de discurso pode mesclar-se com outro, adotar traços característicos deste. Por exemplo, um anúncio comercial de um brinquedo, no período natalino, pode “travestirse” do discurso infantil em uma carta para Papai Noel. Do mesmo modo, um anúncio comercial que antecede o dia dos namorados pode converter-se em um bilhete de uma garota para seu namorado, em uma linguagem típica dos jovens, e assim por diante (FARACO, op. cit.). Leitura e Produção de Textos 189 Capítulo 8 Um gênero também pode abrigar outro(s) gênero(s) em seu interior. É o caso, por exemplo, de um programa de auditório, que, em sua produção, agrega outros gêneros, tais como a entrevista, o anúncio comercial, a reportagem etc. Outro exemplo disso é uma aula, na qual podem ser produzidos outros gêneros, como o seminário, o aviso, a conversa, o resumo, o teste avaliativo. Quando se dá a ocorrência de um gênero incorporar características próprias de outro, se estabelece o que chamamos de interdiscurso, que é o diálogo entre um discurso e outro. Esse encontro dialógico pode revelar afinidades ou discordâncias entre determinadas visões de mundo. Isso também acontece quando um gênero acolhe outro(s) em seu espaço discursivo. PRATICANDO Retorne aos textos 3, 4, 5 e 6 dados no início desta seção. Diga a que gênero pertence cada um, indique seus respectivos temas e características particulares. c) Os domínios discursivos Neste ponto, queremos introduzir a noção de domínio discursivo, proposta por Marcuschi (2000), a qual diz respeito a determinada esfera de atividade da vida social, que engloba um conjunto de práticas interativas, responsável pelo surgimento das formações discursivas, nas quais se inscreve uma variedade de gêneros de discurso. O domínio discursivo, portanto, é uma instância de produção discursiva. Essa instância de produção discursiva pode ser representada, por exemplo, pela escola, pelo comércio, pela prática jurídica, pelo meio acadêmico, pela atividade médica, pela religião, pelo jornalismo, pela publicidade, pelas diversas formas de manifestação artística, pelas entidades da administração pública, pela vida militar, pelo ambiente doméstico e demais instituições sociais. Em todos esses domínios, realizamos, conjuntamente, uma série de atividades diárias, nas quais são produzidos os mais variados gêneros de discurso, que se concretizam nas diversas formas textuais produzidas nessas interações. 190 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 CURIOSIDADE A perspectiva de se adotar os gêneros discursivos como instrumento que norteia o ensino de leitura e produção de textos tem sua base no filósofo e estudioso da linguagem Mikhail Bakhtin (1895-1975), que entende os gêneros discursivos como sendo “tipos relativamente estáveis de enunciados, presente em cada esfera da atividade humana” (BAKHTIN, 2000, p.279), ou seja, são as formas típicas de enunciados, sejam eles falados ou escritos, que se dão em situações específicas e cujas finalidades determinam sua utilização nas mais diferentes situações de comunicação e interação social. O autor entende que os gêneros são divisíveis em primários, que acontecem em situações cotidianas de comunicação, e os secundários, que ocorrem em situações comunicativas mais complexas, como os da esfera científica, artística, jurídica etc. Veja, no Quadro 1 a seguir, uma amostra parcial e provisória da distribuição dos gêneros do discurso – na fala e na escrita –, em alguns desses domínios discursivos, mais ou menos conforme apresenta Marcuschi (2000), de quem extraímos a ideia central. Deve-se esclarecer que a listagem a seguir não constitui uma classificação completa de todos os gêneros em seus respectivos domínios. Domínios discursivos GÊNEROS DISCURSIVOS FALA Conferência, debate, exposição, sessão de comunicação, aula, entrevista de campo, defesa de trabalho, seminário, Acadêmico/ colóquio, palestra. científico Entrevista, notícia de rádio e de TV, reportagem ao vivo, comentário de reportagem, debate, documentário. Jornalístico ESCRITA Relatório científico, anotação de aula, diário de campo, tese, dissertação, monografia, resumo, resenha, biografia, projeto, solicitação de bolsa, manual de ensino, ficha catalográfica, formulário de matrícula, histórico, curriculum vitae, artigo científico. Editorial, notícia, reportagem, artigo de opinião, crônica policial, entrevista, carta do leitor, resumo de filme ou de novela, capa de revista, cartum, charge, tirinha, aviso, edital, crônica jornalística, coluna social. Leitura e Produção de Textos 191 Capítulo 8 GÊNEROS DISCURSIVOS Domínios discursivos FALA Tomada de depoimento, arguição, sessão de júri popular, queixa-crime. Contrato, lei, regimento, estatuto, certidão, atestado, certificado, diploma, norma, nota promissória, boletim de ocorrência, licitação, auto de penhora, documentação pessoal, alvará, procuração, intimação, escritura de imóvel, processo, ata. Jingle, publicidade em rádio e TV, propaganda política em rádio e TV, propaganda de rua em veículos. Anúncio de utilidade pública, outdoor, propaganda comercial impressa, classificados, panfleto, propaganda política por meio de “santinhos”, encartes, faixa, letreiro luminos, Banner, cartaz, fôlder. Diálogo de compra e venda, atendimento bancário. Cheque, cartão de crédito, fatura, balanço financeiro. Repente, declamação, canção, narrativa oral, jogral. Romance, novela, conto, fábula, parábola, crônica literária, crítica literária, resenha literária, cordel, poema. Reza, oração, ladainha, benzeção, homilia, sermão, bênção, confissão, cântico, novena, terço. Missal, ordem de culto, escritura sagrada, hinário, livro doutrinário, folheto. Consulta, palestra de orientação médica. Receita, prontuário, bula, ficha médica, cartão de vacina, guia de internamento, boletim médico, solicitação de exame, resultado de exame, parecer médico. Conversa familiar, conversa íntima, telefonema, comunicação por interfone, cumprimento, radiotransmissão. Carta íntima, bilhete, e-mail, chat (sala de bate-papo), blog, convite, cartão postal, telegrama. Jurídico Publicitário Financeiro/ ESCRITA Comercial Literário Religioso Medicina Interpessoal 192 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 Domínios discursivos Lazer Escolar GÊNEROS DISCURSIVOS FALA ESCRITA Fofoca, piada (anedota), adivinhação, trava-língua, cantiga de roda, brincadeira, jogo. Piada, jogo, adivinhação, história em quadrinhos, palavras cruzadas. Aula expositiva, seminário, chamada dos alunos, arguição oral, debate, reunião de pais e mestres, reunião pedagógica, conselho de classe. Apontamento, avaliação escrita, diário de classe, ficha de matrícula, histórico escolar, boletim escolar, mural, plano de ensino, roteiro de aula, exercício de fixação, livro didático, livro paradidático, apostila. Aula em vídeo, aula pelo rádio, aconselhamento. Placa de advertência, glossário, dicionário, placa de trânsito, catálogo, receita caseira, receita culinária, manual de instrução, mapa, regra de jogo, edital de concurso, guia turístico, manual técnico. Sessão plenária, audiência, discurso parlamentar, mensagem, cerimonial. Decreto, portaria, emenda, reforma, ofício, requerimento, ordem de serviço, memorando, despacho, protocolo, parecer técnico, formulário, edital, cadastro funcional. Instrucional Administração pública Obs.: Muitos desses gêneros discursivos são, ao mesmo tempo, falados e escritos, como é o caso daqueles veiculados pela TV, por exemplo. Há também os que combinam linguagem verbal e não-verbal, tais como a propaganda televisiva, outdoors, fôlderes, dentre outros. REFLEXÃO Você percebeu que o Quadro 1 é apenas uma tentativa de relacionar certos gêneros de discurso a suas respectivas instâncias de atividade interpessoal? Trata-se, portanto, de uma amostragem incompleta, sem pretensão de alcançar a totalidade dos gêneros discursivos existentes e de seus respectivos domínios, dada a imensa variedade com que eles se apresentam nas diversas esferas da vida social. Leitura e Produção de Textos 193 Capítulo 8 Convém observar que, pelo fato de os gêneros discursivos pertencerem, respectivamente, a um domínio relacionado a determinada prática social, esta impõe um conjunto de normas ao discurso. Isso significa que o contexto em que se constrói o discurso seleciona não apenas o que deve ser dito, mas também o modo (a estrutura textual e seu formato de codificação) e o meio (o veículo de expressão) de o dizer, bem como a perspectiva adotada sobre esse dizer, isto é, a partir de que ponto de vista o conteúdo é apresentado. Quando escrevemos uma carta, por exemplo, obedecemos a certas regras que regem o gênero. Temos a data, uma saudação inicial, o texto propriamente dito e uma assinatura. Note que esses marcadores, esses itens, estarão presentes em todas as cartas, sejam elas comerciais ou pessoais, para que a carta esteja completa, por assim dizer. Vemos, nos e-mails por exemplo, resquícios dessas marcas do gênero carta. Quem nunca viu um e-mail que, mesmo tendo o nome do remetente feito eletronicamente, tem, no final, o nome do remetente? Pois bem, percebemos características de um gênero sendo utilizadas por outros. Além disso, muitos gêneros transitam entre um domínio e outro, tornando difícil enquadrá-los em um domínio específico. Nesse caso, precisase considerar a predominância de suas características e sua funcionalidade. Vamos a outro exemplo: a popularização da ciência em um gênero de discurso que, apesar do conteúdo científico, é publicado em periódicos populares, tais como Ciência Hoje, Superinteressante, Galileu. Nesses veículos de comunicação, a linguagem científica serve de base para se noticiar algo, para informar a população de que uma descoberta da ciência se deu. A forma como essa informação é passada ao público não é, exatamente, a mesma dos cientistas, mesmo porque, se assim fosse, boa parte da população leitora não a compreenderia por completo. Assim, seu domínio discursivo tanto poderia ser “científico” como “jornalístico”. Por fim, lembre-se de que, em razão de novas exigências sociais, podem surgir outros gêneros discursivos. Também aqueles existentes, apesar de manter relativamente estáveis suas peculiaridades, podem passar por determinadas adaptações. Sendo assim, para manter-se atualizado, você precisa acompanhar essas mudanças, com vistas a aperfeiçoar sua competência comunicativa. 194 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 PRATICANDO Vamos, então, verificar sua capacidade de delimitar os gêneros textuais em seus mais diversos contextos de uso. A partir do Texto 7 a seguir, uma letra de música, portanto, pertencente ao gênero música (ou canção), identifique os gêneros textuais utilizados pelo autor para produzir os efeitos de sentido que pretendia. TEXTO 7 Os anjos Letra: Renato Russo Música: Dado Villa Lobos Hoje não dá Hoje não dá Não sei mais o que dizer E nem o que pensar. Hoje não dá Hoje não dá A maldade humana agora não tem nome Hoje não dá. Pegue duas medidas de estupidez Junte trinta e quatro partes de mentira Coloque tudo numa forma Untada previamente Com promessas não cumpridas Adicione a seguir o ódio e a inveja As dez colheres cheias de burrice Mexa tudo e misture bem E não se esqueça: antes de levar ao forno Temperar com essência de espírito de porco, Duas xícaras de indiferença E um tablete e meio de preguiça. Hoje não dá Hoje não dá Esta um dia tão bonito lá fora E eu quero brincar Mas hoje não dá Hoje não dá Vou consertar a minha asa quebrada E descansar. Gostaria de não saber desses crimes atrozes É todo dia agora e o que vamos fazer? Quero voar pra bem longe mas hoje não dá Não sei o que pensar e nem o que dizer Só nos sobrou do amor A falta que ficou. Leitura e Produção de Textos 195 Capítulo 8 Bem... com essa atividade, pudemos constatar como as relações de leitura e produção de textos estão imbricadas nos gêneros textuais disponíveis em nossa sociedade. Também pudemos observar que os limites que estabelecem que um gênero se chama isso ou aquilo são bastante tênues, especialmente, porque os gêneros são mistos, em geral. O que define a categorização em uma nomenclatura é a predominância de características intrínsecas a determinado gênero socialmente constituído. Chegamos ao final de nossos encontros aqui, neste gênero textual, que é um misto de muitas coisas que nos cercam. Em nosso trabalho em conjunto, trocamos conhecimentos, aprendemos uns com os outros, fomos leitores ativos, apreendemos vários aspectos da formação de textos, aprendemos não apenas sobre como devemos abordar o texto, mas como somos abordados por todos os momentos em que somos levados a praticar nossa habilidade de comunicação mais importante: a troca de conhecimentos. Todos nós, autores, somos gratos pela atenção que tivemos de você que partilhou conosco essa caminhada. Esperamos ter, com nosso trabalho – o seu e o nosso –, conseguido chegar aonde nos predispusemos inicialmente. 8.3 Aplicando a teoria na prática Bem... depois de ter escrito a carta argumentativa, pensamos que seríamos promovidos. Passaram-se duas semanas... e nada. Acho que seria interessante a gente começar a procurar nos classificados de emprego alguma coisa que pudesse ser melhor para nós, já que aprendemos muito nesse tempo, e a empresa não se manifesta em nos dar oportunidades. Deixemos isso para lá, não é? Vamos continuar nosso trabalho, como se nada houvesse. Temos nossos amigos e tal e tal. Hoje, porém, aconteceu algo estranho. Você chegou ao escritório, e, em sua mesa tem um buquê de flores, sem nenhum bilhete e, na parede, bem atrás de sua mesa, tem uma faixa enorme, em vermelho, escrito “PARABÉNS, LUCENILSON”. O que se pode ler disso? Afinal, nem é seu aniversário, nem tem bolo, nem nada. Nem dá para saber mais sobre a situação, porque você sempre chega antes de quase todo mundo, exceto daquele colega novato, o Genylson Kleython... Então, o que você consegue ler disso? 196 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 Pois bem... vamos, novamente – e pela última vez –, resolver esse perrengue juntos, amigo? Neste capítulo, descobrimos que: [...] a leitura faz inúmeras solicitações simultâneas ao cérebro, é necessário desenvolver, consolidar e automatizar habilidades muito sofisticadas para pertencer ao mundo dos que lêem com naturalidade e rapidez. Trata-se de um longo e acidentado percurso para a compreensão efetiva e responsiva (GARCEZ, 2002, p. 26). e que os procedimentos que nos levam a entender o texto são um misto dos processos de antecipação, inferência, autocorreção e autorregulação, e também já somos conscientes de que um leitor ou ouvinte de um texto deve ser responsável pelo processo de compreensão, como se fosse um coautor do texto, já que todo: [...] ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa, (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se locutor (BAKHTIN, 2000, p. 290). Por isso, o primeiro movimento que nosso cérebro faz, a partir de o que lê, é o de antecipação e inferência, que acontecem quase simultaneamente. Bem, se você é o Lucenilson, com certeza deve ter feito algo para merecer “parabéns”, mas o quê? Já que o Genylson Kleython é, como você sabe pelo seu conhecimento de mundo, o que chega primeiro, ele deve ser o autor da faixa ou, pelo menos, o responsável por ela estar ali. É preciso confirmar, ou melhor, fazer a autocorreção dessa antecipação/inferência, não é? Você olha para os lados e vê que, além dele, tem alguém mais na sala, pois a bolsa da secretária do Jurídico está na mesa dela. Temos, então, uma não-confirmação de o que antecipamos e inferimos ou, pelo menos, a inferência é posta em dúvida. Fazemos, então, uma autorregulação. Tudo bem, pode ter sido ele ou ela. Mas o que resta, então, para se ler bem o texto oferecido? Passamos, imediatamente, a perceber o gênero e sua adequação à situação. Bem... uma faixa numa parede do escritório não é algo que se indique, não é bem adequada ao universo discursivo que circula naquele meio e, como sabemos, isso só pode acontecer em ocasiões especiais, com Leitura e Produção de Textos 197 Capítulo 8 propósitos especiais, pois os gêneros são mistos, mas obedecem a uma regra de adequação, como vimos na atividade com a canção do Renato Russo, não é? Nesse caso, então, temos de fazer uma autorregulação, para checar se o gênero está adequado. Temos, ainda, de descobrir o que você fez para ser parabenizado. Como o texto é muito curto, sua mente provavelmente vai buscar confirmações sobre todas as possíveis razões de se ter um texto assim, só para você. A mesa do chefe não é algo assim tão importante. Ter ajudado nesse tempo o Genylson Kleython também não, mesmo porque ele poderia agradecê-lo de outra forma, aliás, já agradece com a amizade que demonstra. Bem.. quem sabe não é a promoção! É uma possibilidade bem plausível, não é? Quando você olha de lado, pronto, o chefe também já chegou! Ele está vindo lá da cozinha, e com cara de bravo. Então, imediatamente você faz uma autocorreção da inferência que você tinha feito. Se ele está com cara de bravo, é porque está zangado com o raio da faixa, e você nem tem nada com ela, sequer dela sabia! Ao se aproximar, vem a bomba: – Adeus, Lucenilson! Suas pernas tremem. Está demitido. E agora? Toda aquela luta para conseguir um novo emprego e tudo o mais. Fica triste. Vê? Nova inferência e, a seguir, a autocorreção (que o chefe fez): – O departamento de Comunicação ganha um excelente funcionário! 8.4 Para saber mais MEURER, J. L.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para o ensino da linguagem. Bauru, SP: Edusc, 2002. Além da abordagem teórica sobre os gêneros discursivos (aí denominados “gêneros textuais”), nessa obra, composta por textos de diversos autores, analisam-se alguns dos gêneros de grande circulação social atualmente. 198 Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 8.5 Relembrando Neste capítulo, você aprendeu que: • a leitura é um processo complexo e abrangente de decodificação de signos e de compreensão e intelecção do mundo. Além disso, você tomou conhecimento da antecipação, inferência, autorregulação e autocorreção. • para melhorar a leitura, tem-se de:  observar os títulos e subtítulos para dar início à antecipação e inferência;  analisar as ilustrações, para fazer novas conexões e confirmar ou refutar as inferências e antecipações;  reconhecer elementos paratextuais, ou seja, legendas, parágrafos, negritos, itálicos, quadros etc.  sublinhar palavras-chave, que concentram as ideias do texto;  consultar dicionário sempre que necessário;  anotar dados percebidos como importantes, a fim de delimitar as possíveis digressões na leitura;  perceber a intertextualidade, que fornece elementos que não estão exatamente presentes no texto, mas que lhe compõem a significação. • o gênero do discurso é um objeto de enunciação vinculado a determinada esfera de atividade social, que se caracteriza por possuir um conteúdo temático, uma forma composicional e traços estilísticos próprios; • o domínio discursivo é uma esfera de atividade social em que o discurso é produzido por meio da interação comunicativa. O domínio abriga uma quantidade de gêneros discursivos, cujas propriedades se definem em razão de sua funcionalidade, em um contexto específico de enunciação. Leitura e Produção de Textos 199 Capítulo 8 8.6 Testando os seus conhecimentos 1) Produza um texto que pertença ao gênero de discurso com o qual você mais se identifica ou que esteja relacionado a sua área acadêmica. 2) Crie um texto do gênero “receita” dizendo como arrumar um escritório. Lembre-se de especificar os “ingredientes” e o “modo de preparo”. 3) Marque a alternativa INCORRETA: a) A leitura serve também para o entretenimento. b) Os gêneros textuais estão presentes em nosso dia a dia. c) A charge não é um gênero que transmite informação, pois é a notícia quem faz isso. d) Jornal é um tipo de gênero discursivo. e) N.D.A. 4) Qual dos gêneros a seguir não está no âmbito do discurso literário? a) b) c) d) e) 200 Romance Poema Novela Conto N.D.A. Leitura e Produção de Textos Capítulo 8 Onde encontrar BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. DIONÍSIO, A. P.; HOFFNAGEL, J. C. (Orgs.). Trad. J. C. Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2005. BRANDÃO, H. N. (Coord.). Texto, gêneros do discurso e ensino. In: _____. Gêneros do discurso na escola. v.5. São Paulo: Cortez, 2000. (Col. Aprender e Ensinar com Textos). BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: 3°. e 4°. ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SFF, 1998. DIONÍSIO, A. P. et al. (Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba, PR: Criar Edições, 2003. FREIRE, P. A importância do ato de ler. 33.ed. São Paulo: Cortez, 1997. GARCEZ, L. H. do C. Técnica de redação: o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2002. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: o que são e como se constituem. 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