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Identidade Suya

Ident idade Suya An t h o n y Seeg er F ala re i b re v e m e n te s o b re um a q u e s tã o q u e m e p re o cu p a p o r su as im p lic a ç õ e s nas a n á lis e s das s o c ie d a d e s in d íg e n a s no B ra s il e ta m b é m em n o ssa s d is c u s s õ e s s o b re p o lític a in d íg e n a . A q u e s tã o é a m a n e ira p e la qu a l os g ru p o s in d íg e n a s se id e n ti­ fic a m e c o m o nós os id e n tific a m o s : em su m a , os d e fe ito s do n o ss o c o n c e ito de tribo. M in h a in te n ç ã o não é s u b s titu ir um a te rm in o lo g ia de se n s o co m u m , e m b o ra que ina de q ua da , p o r um s is te m a de n e o lo g is m o s ou s o c io lo g is m o s , m as, s im p le s ­ m e n te , a le rta r p a ra c e rta s a rm a d ilh a s e n v o lv id a s em n o s s o u so de " t r i b o ” . O s a n tro p ó lo g o s a cab a ram de c o n v e n c e r o p ú b lic o de q u e o “ ín d io ” g e n é ric o não e x is te ; a go ra v a m o s c o m p lic a r a s itu a ç ã o a in d a m a is. O q u e q u e r d iz e r s e r " u m N a m b iq u a ra ” , um “ T ik u n a ” , ou um “ S u y á "? E sse s n o m e s não são os q u e e le s usam p ara se id e n tific a r. Na d e fin iç ã o tra d ic io n a l de " t r i b o ” te m o s : 1. 2. “ U m g ru p o de p e sso a s fo rm a n d o um a c o m u n id a d e e se d iz e n d o d e s c e n d e n te s de um a n c e s tra l c o m u m ” (Oxford English Dictionary, d e fin iç ã o N.° 1). “ O u s o m o d e rn o d o te rm o s u g e re q u e so c ie d a d e s t r i ­ b a is são tip ic a m e n te g ru p o s de p e q ue na e s ca la q u e m o s tra m a lg u m a fo rm a de u n id a d e c u ltu ra l, e c u jo s m e m b ro s re c o n h e c e m a lg u m a fo rm a de re la c io n a m e n to e n tre s i. A tr ib o é e s p e c ia lm e n te a u n id a d e q u e se re ú n e no caso d e g u e rra .” (H u n g e r & W h itte n , Encyclo­ pedia of Anthropology). In ad e q u a d o p a ra d is tin g u ir os “ N u e r” d o s “ D in k a ” , o u so d o c o n c e ito d e tr ib o na A fr ic a te m s id o a m p la m e n te c r itic a d o p o r re p re s e n ta r e s tá tic a m e n te um a s itu a ç ã o p ro c e s s u a l de id e n ti­ fic a ç ã o é tn ic a . No B ra s il, a peq ue na d e n s id a d e p o p u la c io n a l, a m u ltip lic id a d e de g ru p o s lin g ü ís tic o s , o is o la m e n to d as c o m u ­ 195 n id a d e s e n tre s i e as tra d iç õ e s d e g u e rra fa ze m co m q u e u s e ­ m o s a in d a o c o n c e ito de trib o , o n d e na Á fr ic a se u sa ria “ g ru p o é tn ic o ” . M a s a d e fin iç ã o d o que é um a tr ib o é g e ra lm e n te b ase ada em d is tin ç õ e s p o u co c la ra s baseadas em o b s e rv a ç õ e s durante^ um c u rto p e río d o a p ó s o c o n ta to co m u m a fre n te de e xp a n sã o . D e fin ir o s Suyá c o m o um a trib o , ou o s X a va n te , ou o s N a m b iq u a ra , p re s su p õ e o que d e v e ria v ir s o m e n te co m o re s u lta d o de a n á lis e : qual é, ou q u a is são, a (s) u n id a d e (s ) p o ­ lit ic a ls ) m a is im p o rta n te (s )? Para e n te n d e r os “ N a m b iq u a ra " é fu n d a m e n ta l c o n h e c e r o s g ru p o s lo c a is e as sua s re la ç õ e s e n ­ tr e s i; para fa la r s o b re o s “ S u y á ” d e ve -se le v a r em c o n ta um s is te m a m a is a b ra n g e n te d o s ín d io s do A lto X in g u , o s in im ig o s d o p assa d o e o s v iz in h o s de h o je . A d ife re n c ia ç ã o d o s g ru p o s lo c a is c o n tin u a e n tre os N a m b iq u a ra , P areci e o u tro s , in c lu in d o a m a n e ira c o m o e le s in te ra g e m co m a s o c ie d a d e n a cio n a l e ta m b é m co m o o u tro s g ru p o s in d íg e n a s e x e rc e m in flu ê n c ia . Se em vez d e “ t r ib o ” u s a rm o s " g ru p o s é tn ic o s ” , p ro b le m a tiz a m o s a q u e s tã o de re la ç õ e s e n tre g ru p o s lo c a is e p o s tu ­ la m o s — m as não d e fin im o s — um tip o de s is te m a de in te ra ­ ção nu m n ív e l m a is a b ra n g e n te . Iss o e v ita o is o la m e n to de g ru ­ p o s q u e fa la m lín g u a s d ife re n te s , m as in te ra g e m em v á ria s m o d a lid a d e s e a d m ite a p o s s ib ilid a d e d e q u e um c o n ta to m u ito o c a s io n a l é s u fic ie n te para fo rm a r um s is te m a d e in te ra ç ã o e n tre g ru p o s q u e e s tã o lo n g e um do o u tro no e sp a ço . Ig u a lm e n ­ te im p o rta n te , p o s s ib ilita n o ssa a p re c ia ç ã o da m a n e ira p e la qu a l um g ru p o se id e n tific a em te rm o s da s itu a ç ã o em q u e se e n c o n tra , o q u e m e p a re ce fu n d a m e n ta l para e n te n d e r a p o ­ lític a in d íg e n a em q u a lq u e r n ív e l. C o m o é o m e u c o s tu m e , v o u m e r e fe r ir a os ín d io s S uyá, q u e s e m p re m e a ju d a m a p e n s a r s o b re as q u e s tõ e s m a is g e ­ ra is da e tn o lo g ia b ra s ile ira , m as p o d e ria u s a r o s d a d o s d e m u ito s o u tro s p e s q u is a d o re s . No tra b a lh o p u b lic a d o no A n u á rio A n tro p o ló g ic o 1978 s o b re id e n tid a d e é tn ic a e os S uyá, n o te i q u e o o b je to da m in h a p e s q u is a e n tre o s S uyá e n fa tiz a v a a p a rte Jê das su as a tiv id a d e s e q u e a p ró p ria id e n tid a d e d o g ru p o m u d o u v á ria s v e z e s d e sd e a sua in tro d u ç ã o no A lto X in g u no s é c u lo p a ssa d o. A rg u m e n te i q u e a id e n tid a d e é tn ic a d o s Suyá é um p ro c e s s o , não um e s ta d o , e q u e e s te p ro c e s s o p o d e ria se to rn a r b a s ta n te c o m p le x o , h a ve n do m o d ific a ç õ e s na c o n ju n ­ tu ra em q u e o g ru p o se in s e re . E ste tra b a lh o re p re s e n to u um a te n ta tiv a d e re p e n s a r m in h a p ró p ria a titu d e d ia n te (e ju n to ) d o s S u yá d e 1970 a 1978. A q u i q u e ro m o s tra r c o m o a id e n tid a d e d o s S uyá nu m dad o m o m e n to te m v á rio s n ív e is de in c lu s ã o e e x c lu s ã o e u sa p rin ­ c íp io s de d ife re n c ia ç ã o q u e são em s i m e sm o s im p o rta n te s . Na 196 v id a s o c ia l, um a d is tin ç ã o fu n d a m e n ta l p a ra o s S u yá é a q u e la e n tre “ n ó s ” e “ o s o u tr o s ” . E sta te m e x p re s s ã o no c o n tra s te e n ­ tr e kwoiyi (n ó s , p a re n te s ) e kukldi (o u tro s ). E ste s te rm o s tê m c in c o n ív e is d e c o n tra s te , c o n fo rm e a fig u ra 1. F ig u ra 1: N ív e is d e c o n tra s te d o te rm o kwoiyi karai não índios Outros, aldeias onde não existem parentes kupen (k u k ld i) índios de outras aldeias kukldi 'outro' afins e não parentes muhai kwoiyi "distante” “parente’ parentu distante kwoiyi uso possível (mas não observado) para incluir todos os “índios” em oposição aos não índios. kwoiyi Suyá e seu? parentes em outras aldeias do Xingu, por extensão outras aldeias inteiras. \ kwoiyi todos os Suyá, parentes e não parentes e afins. kwoi kwoiyi parentes cognáticos, incluindo ‘distantes” e “classiíicatórios”. kwoi humeni 'parente” ■ ‘verdadeira, enfaticamente’ parente próximo. Se kwoiyi q u e r d iz e r p a re n te s p ró x im o s (a b ase de u m a fa c ç ã o , ou um g ru p o lig a d o p o r la ç o s d e s u b s tâ n c ia ) n u m a o c a s iã o em q u e se d e s e ja d is tin g u ir e s s e s d o s p a re n te s “ d is ­ ta n te s ” (d e a lia n ç a p o lític a m e n o s c e rta e p a ra q u e m não se o b s e rv a re s g u a rd o ), n um a o u tra o c a s iã o o te rm o kwoiyi p o d e s e r usad o p a ra d e s ig n a r to d o s o s p a re n te s em c o n tra s te c o m o s a fin s e não p a re n te s . N um o u tro c o n te x to a in da , a p a la v ra kwoiyi se re fe re à a ld e ia to d a , p a re n te s , a fin s e não p a re n te s . O c o n tra s te n e s te ca so s e ria co m o u tra s a ld e ia s . N u m n ív e l m a is g e ra l, co m re la ç ã o a os g ru p o s d o s q u a is há d e s c e n d e n te s 197 na a ld e ia Suyá, p o d er-se -ia r e fe r ir aos g ru p o s da re g iã o co m o kwoiyi, em o p o siçã o aos o u tro s . F in a lm e n te , p o d e r-se -ia im a ­ g in a r um a s itu a ç ã o (e m b o ra n u n ca p o r m im o b s e rv a d a ) em que a p a la v ra kwoiyi fo s s e usada p ara c o n tra s ta r g ru p o s in d íg e n a s co m não ín d io s . E ste p ro c e s s o d e c re s c e n te in c lu s ã o é co m u m na id e n tid a d e é tn ic a e não m e re c e ria m a io re s c o m e n tá rio s se não h o u ve ss e um a te n d ê n c ia p o r p a rte d o s a n a lis ta s , a se a ch a r c e rto s n ív e is m a is le g ítim o s ” do que o u tro s . Por e xe m p lo , já p a rtic ip e i em v á ria s c o n v e rs a s em que se q u e s tio n a v a a v a li­ d ad e de um a id e n tid a d e é tn ic a g e ra l de “ ín d io ” . Q u a n d o se e s ­ ta b e le c e um n ív e l de id e n tific a ç ã o , não é n e c e s s á rio a b a n do n ar o s n ív e is m e n o s g e n e ra liz a n te s . A d e fin iç ã o de um a “ nação in d íg e n a " é ig u a lm e n te c o m p le x a . A d o ta n d o a d e fin iç ã o de R o nald C o hen em seu tra b a lh o " E th n ic ity : P rob le m and Focus in A n th ro p o lo g y (Annual Review of Anthropology v o lu m e 7), eu d iria que A etnicidade é, pois, um conjunto de identificadores culturais utilizados para colocar pessoas em grupos que expandem e contraem na relação inversa da escala de inclusão. Os lim ites étnicos não são necessaria­ mente estáveis e duradouros, podendo ser múltiplos e incluir conjuntos justapostos de lealdades atribuídas que podem produzir identidades múltiplas ( : 387). E m bora o e s ta b e le c im e n to das fro n te ir a s s e ja um fa to im ­ p o rta n te em s i, a m a n e ira c o m o se d e fin e m os g ru p o s é ig u a l­ m e n te im p o rta n te p ara um a a n á lis e d o s g ru p o s e n v o lv id o s . Um g ru p o d e fin e o u tro s g ru p o s d e a c o rd o co m v a lo re s im p o rta n te s p o r e le m a n tid o s . Não é um s im p le s c o n tra s te c o m o e n tre P e B, m as e s tá ch e io de s ig n ific a d o p ró p rio . A lc id a R am os nos dá um e xe m p lo d ra m á tic o nos e s c rito s do Padre A lc io n ílio Brüzzi A lv e s da S ilv a (Hierarquia e Simbiose, 1980 : 1-4), em q u e os v a lo re s im p lic ita m e n te d a d o s à s o c ie d a d e e u ro p é ia já d a ria m um a in v e s tig a ç ã o a n tro p o ló g ic a : s e r d ilig e n te , h o n e s to , s in c e ro , e s p e rto , lú c id o , s e n s ív e l, s e n s a to , a ltru ís ta , e tc . (: 3). O s Suyá e s ta b e le c e m os c o n tra s te s e n tre si e o u tro s g ru ­ p os p e la o rn a m e n ta ç ã o c o rp o ra l (d is c o s la b ia l e a u ric u la r) e p e lo c a n to cha m a d o akia. Eles usam e s s e s tra ç o s p a ra se d is ­ tin g u ir d o s ín d io s d o a lto X in g u e das v iz in h a n ç a s . M a s ta m ­ bé m c a n ta m c a n çõ e s de o u tro s g ru p o s e p o d e m se r e fe r ir à a u te n tic id a d e de s e r ín d io p e lo u so ou não de u ru c u (tra ç o c o ­ m u m a to d o s os g ru p o s da re g iã o ). N um dad o m o m e n to um Suyá p o d e d iz e r q u e o s S uyá são a q u e le s q u e usam e s s e s o rn a ­ m e n to s e ca n ta m akia-, num o u tro m o m e n to a m e sm a p esso a 198 p o d e d iz e r q u e "n ã o e x is te m m a is S u yá to d o s são m is tu ra d o s ” q u a n d o e s tá p e n sa n d o na in c o rp o ra ç ã o em g ra n d e e s c a la de in d iv íd u o s d e o u tra s co m u n id a d e s in d íg e n a s d u ra n te o s ú lt i­ m o s c e n to e cin q ü e n ta a no s (a lé m d e W au rá , Ju run a , la ru m a , M a n its a u a , T ru m a i e K a iap ó , q u e d a ta m d e é p o ca s de g u e rra , há os K a yabi e o u tro s d e p o is de sua p a c ific a ç ã o em 1959). A im p o rtâ n c ia da a ld e ia para d e fin ir o c o s m o s e a te n d ê n c ia a in c lu ir to d o s q u e e s tã o na a ld e ia co m o p a rte do g ru p o é m u ito fo r te e, p ro v a v e lm e n te , a re fe rê n c ia m a is im p o rta n te a tu a l­ m e n te , q u a n d o há ape nas um a co m u n id a d e “ S u yá ” . M a s ta n to nos c o n flito s fa c c io n a is q u a n to nas re la ç õ e s co m o u tro s g ru p o s in d íg e n a s, po d e-se v e r o p e ra n d o o u tro s p r in c íp io s de d is tin ç ã o e id e n tific a ç ã o . M e ta m o rfo s e é um p rin c íp io im p o rta n te na c o s m o lo g ía S uyá. U m S u yá p o d e “ v ira r b ra n c o ” , o u n ã o -ín d io . Is to é fe it o a tra v é s do a b a nd on o de u ru c u e do u so de ro u p a s. Ig u a lm e n te , o u so d e o rn a m e n to s Suyá tra n s fo rm a p e ss o a s n a sc id a s e m o u tra s s o c ie d a d e s . Pode-se m u d a r de id e n tid a d e p e la d e fin iç ã o da s itu a ç ã o , ou p e la p ró p ria a u to tra n s fo rm a ç ã o . E ste s m e s m o s m e ca n is m o s d e id e n tific a ç ã o e e s ta b e le c i­ m e n to de id e n tid a d e é tn ic a fu n c io n a m em o u tra s c o m u n id a d e s in d íg e n a s . A sua re la ç ã o co m h ie ra rq u ia d e v e s e r e s ta b e le c id a , p o is e la nem s e m p re e x is te . O s e le m e n to s e s c o lh id o s p a ra d i­ fe re n c ia ç ã o são b o n s in d ic a d o re s de v a lo re s im p o rta n te s da s o ­ c ie d a d e na su a p ró p ria p e rce p çã o . Para re s u m ir a m in h a d is c u s s ã o , o m eu p o n to é s im p le s . E x is te u m a te n d ê n c ia p a ra se d e fin ir o s grupos_ in d íg e n a s u sa n ­ d o p ara is s o a d e n o m in a ç ã o de “ t r ib o ” ou n ação. Is to n o s le va a um a te n d ê n c ia a ig n o ra r as re la ç õ e s e n tre g ru p o s , que p o d e m s e r im p o rta n te s e m b o ra o c a s io n a is ou h is tó ric a s e, ig u a lm e n ­ te , n os le va a um a v is ã o e s tá tic a da id e n tid a d e é tn ic a . Se os S u yá a d o ta re m no fu tu ro o te rm o kwoiyi para se r e fe r ir às c o ­ m u n id a d e s in d íg e n a s no B ra sil e s te s e rá o re s u lta d o de um n o v o c o n te x to p o lític o e m q u e e s te c o n tra s te e n tre " n ó s ” e o s " o u t r o s ” p o d e rá s e r u tiliz a d o . Não le va rá , n e c e s s a ria m e n te , ao aba nd on o d o s o u tro s n ív e is , ne m da im p o rtâ n c ia s im b ó lic a d e ss e s n ív e is . A p e s q u is a a n tro p o ló g ic a ju n to a os g ru p o s in d í­ g e n a s p re c is a in c lu ir um a in v e s tig a ç ã o d o s princípios de id e n ­ tific a ç ã o e o s v á rio s n ív e is de in c lu s ã o e m q u e e sse s p r in c í­ p io s o p e ra m . S o m e n te a s s im s e rá p o s s ív e l um a a p re c ia ç ã o da d in â m ic a da p o lític a in d íg e n a em to d o s o s s e u s n ív e is e e m to d a s as su a s ra m ific a ç õ e s . 199