MULHERES
NO JORNALISMO
BRASILEIRO
MULHERES NO JORNALISMO BRASILEIRO
“Quando o colega homem fala,
parece que já tem mais garantia.
Quando a gente fala tem que ter
todas as provas na mesa para que
aquilo seja levado em conta”.
SUMÁRIO
Apresentação
Metodologia
Resultados da pesquisa
Assimetrias de gênero
no mercado de trabalho
Discriminação de gênero
Segurança e assédio
no exercício da proissão
Respostas organizacionais
à discriminação e assédio
Perspectiva de gênero
na cobertura jornalística
Conclusões
Recomendações
Referências
Anexos
APRESENTAÇÃO
EM AGOSTO DE 2017, UMA
JORNALISTA DA CBN DENUNCIOU TER SOFRIDO ASSÉDIO DO
DEPUTADO WLADIMIR COSTA
(SD-PA) DURANTE COBERTURA
POLÍTICA EM BRASÍLIA. No mês
anterior, o técnico do Sport Club
Internacional, ao ser questionado por uma repórter sobre
a atuação do time, respondeu:
“Desculpe, eu não vou fazer essa
pergunta para você porque você
é mulher e de repente não jogou
(futebol)”. Em abril do mesmo
ano, uma jornalista da RecordTV
do Rio Grande do Sul decidiu
relatar um caso de assédio sexual que sofreu quando era produtora do canal.
Enquanto a presente pesquisa
era realizada, estes foram alguns
dos casos de discriminação
de gênero no jornalismo que
vieram à tona. E representam
apenas uma pequena amostra
das diiculdades enfrentadas por
mulheres jornalistas no exercício
proissional. Além de denúncias
de assédio moral e sexual, dentro e fora das redações, o trabalho jornalístico apresenta outros
entraves ligados a estereótipos e
papéis de gênero.
Para buscar mapear os limites que questões de gênero impõem ao desempenho
de repórteres, fotógrafas,
editoras ou executivas de
mídia, a Gênero e Número
e a Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo, com
o apoio do Google News Lab,
lançam a pesquisa “Mulheres no
Jornalismo Brasileiro”. As organizações entrevistaram jornalistas brasileiras sobre suas experiências, acessando questões que
as afetam e buscando projetar
desaios para 2018.
A Abraji, como uma das principais associações proissionais
de jornalismo do país, ocupa
um lugar privilegiado na relação com os mais importantes
meios de comunicação e seus
trabalhadores, o que garantiu a
participação na pesquisa de um
grupo diversiicado de jornalistas mulheres. A Abraji também
tem um histórico de atuação
em defesa da liberdade de
expressão e trabalha desde sua
fundação para que repórteres
tenham um ambiente de trabalho democrático e favorável à
sua atuação.
A Gênero e Número existe para
dar para visibilidade a dados e
a evidências relevantes para o
debate sobre equidade de gênero no Brasil. A organização aportou sua experiência em análises
e narrativas guiadas por dados
com enfoque em questões de
gênero para a construção da
metodologia de pesquisa.
O resultado do trabalho destas duas organizações é um
levantamento inédito e em
profundidade, obtido a partir da
realização de grupos focais e da
aplicação de um questionário
online, que traz insights cruciais
A Gênero e Número
existe para dar para
visibilidade a dados e
a evidências relevantes
para o debate sobre
equidade de gênero no
Brasil.
para ampliar o debate sobre
situações que prejudicam as
mulheres e afetam a cobertura
jornalística.
A partir de agora, as empresas jornalísticas já contam com
um diagnóstico mais preciso
para perseguir mudanças nas
relações de trabalho e promover ambientes mais seguros e
menos discriminatórios para
mulheres. Isso signiica melhorar
a qualidade de trabalho para a
maioria dos seus proissionais1, o
que, em última instância, contribui para a produção de um
jornalismo melhor e mais plural.
1 Dados do Censo de 2010 indicam que as
mulheres representam 58% dos jornalistas de
20 a 29 anos e são 64% dos estudantes dos
cursos de jornalismo.
“Por estar há três anos no jornal
e fazendo uma pauta bem pesada,
achei que era um bom momento
para pedir um aumento. Apenas
ouvi: ‘Você veio me pedir um
aumento com esse barrigão?”
METODOLOGIA
A pesquisa “Mulheres no
Jornalismo Brasileiro” alia métodos quantitativos e qualitativos
com o objetivo de investigar
diversas dimensões das vivências e percepções das mulheres
jornalistas no Brasil. Na fase
qualitativa, foram realizados
grupos focais com mulheres em atividade no mercado
jornalístico nas quatro cidades
brasileiras onde se concentra o
maior número de proissionais
— Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Brasília e São Paulo. Os grupos
focais tiveram um total de 42
participantes, uma média de 120
minutos de discussão e um total
de 70 páginas transcritas.
No método de grupo focal,
a participação em um grupo
proporciona um ambiente mais
natural e interativo do que a
entrevista individual e tende a
estimular a espontaneidade das
respostas. Como é mais lexível
e menos explicitamente dirigido
pelo pesquisador, o grupo focal
revela melhor a multiplicidade
de visões e as molduras de referência dos pesquisados, permitindo que elaborem as questões
em seus próprios termos e
linguagem e que dêem ênfase
àquilo que lhes parece mais relevante (Finch & Lewis, 2003).
Nessa fase da pesquisa, através
de um conjunto mínimo de perguntas, procuramos estimular as
participantes a se pronunciar a
respeito dos temas:
1. SATISFAÇÃO PESSOAL NO
TRABALHO.
2. PERCEPÇÃO DE ATITUDES SEXISTAS E FORMAS DE ASSÉDIO NO
TRABALHO.
3. AVALIAÇÃO SOBRE CHANCES E
OPORTUNIDADES.
4. PERCEPÇÃO DO IMPACTO
DE GÊNERO NO DESEMPENHO
PROFISSIONAL.
5. AVALIAÇÃO SOBRE GÊNERO E A
COBERTURA MIDIÁTICA
O que resultou dos grupos
focais foi um material empírico
qualitativo e em profundidade,
que nos permitiu conhecer quais
são as dimensões da relação
entre gênero e proissão consideradas mais importantes pelas
próprias participantes. A primeira questão a ser salientada
com relação aos grupos focais
foi a grande responsividade das
jornalistas. Estimuladas por perguntas curtas e objetivas, elas
discutiram com entusiasmo os
temas propostos, aprofundando
e fazendo conexões com outras
questões que lhes pareceram
relevantes. Chamou também
atenção a dominância de menções a situações concretas para
ilustrar seus argumentos, fossem elas vivências das próprias
jornalistas, fossem seus testemunhos de situações ocorridas no
trabalho com outras mulheres.
Isso nos conduz à segunda etapa da pesquisa: os grupos focais
nos proporcionaram informações valiosas sobre quais são as
questões mais importantes para
as entrevistadas e permitiram
uma descrição aprofundada do
seu conteúdo. No entanto, eles
têm duas limitações. A primeira
está relacionada à própria dinâmica do grupo: a falta de privacidade pode fazer com que as
participantes deixem de reportar
situações mais sensíveis. Em se
tratando de uma pesquisa que
lida com temas como assédio
e discriminação, isso pode ser
particularmente delicado. A
segunda diz respeito à capacidade de generalização das descobertas: como as respondentes
são pré-selecionadas de forma
não aleatória e estão em número
Obteve-se também
grande diversidade
de veículos: na
pesquisa quantitativa
participaram mulheres
que atuam em
271
veículos diferentes
relativamente pequeno, não é
possível airmar que os dados
produzidos a partir da técnica
de grupo focal sejam válidos
para todo o conjunto de mulheres jornalistas2.
2 Na pesquisa qualitativa, esse segundo
problema é contornado através da técnica
de comparação entre os grupos para
veriicar se os temas que emergiram
em um grupo também apareceram nos
demais. Quando se constata que os relatos
se repetem e que realizar novas rodadas
de conversa não acrescenta novidade à
pesquisa, diz-se que se atingiu a “saturação”
dos dados. A ideia de “saturação” é um
critério de validade que se refere àquele
momento em que a continuidade da
pesquisa não proporciona mais novas
informações (Fusch & Ness, 2015).
Assim, a pesquisa foi composta também por uma segunda
etapa, quantitativa, que permitiu
produzir testes mais rigorosos
dos achados da fase qualitativa.
Desse modo, aproximamo-nos
de uma maior generalização das
descobertas para a população de
jornalistas mulheres brasileiras.
Na etapa quantitativa, utilizamos
os achados dos grupos focais
para elaborar um questionário
online, que foi respondido por
uma amostra expandida de
mulheres jornalistas recrutadas
através dos contatos institucionais dos realizadores da pesquisa
(Abraji e Gênero e Número) e
ampliada pelo método de bola-de-neve e divulgação nas redes.
O questionário icou disponível
online durante o período de
26 de junho até 28 de agosto de 2017, obtendo um total
de 531 respostas de mulheres
jornalistas. Após a exclusão dos
questionários respondidos pela
metade e de casos que não se
encaixavam no peril procurado
– particularmente as mulheres
que trabalham em assessorias de imprensa, que não são
o foco da pesquisa – obtivemos um número total de 477
respondentes.
O método de survey eletrônico
tem suas vantagens e também
limitações. Um benefício do seu
formato é o anonimato, o que
estimula a sinceridade nas respostas. Por outro lado, a amostra
obtida não é probabilística, isto
é, não há uma igual chance de
cada pessoa na população visada responder à pesquisa e pode
haver viés de seleção em favor
de pessoas mais próximas das
redes das(os) pesquisadoras(es)
ou ainda de mulheres mais interessadas no tema da pesquisa.
O que pudemos fazer para
reduzir em parte o erro amostral foi melhorar a qualidade do
recrutamento e da difusão do
questionário, buscando evitar
que setores importantes da
população estudada icassem
de fora da amostra (Dillman,
2006). Conseguimos obter relativa diversidade de peris, como
demonstram as características
gerais da amostra ilustradas na
tabela no anexo 1. Obteve-se
também grande diversidade de
veículos: na pesquisa quantitativa participaram mulheres que
atuam em 271 veículos diferentes, 40% dos quais são jornais,
16% veículos nativos digitais, 16%
televisão, 9,9% revistas, 8,2%
rádio, 2,5% agências de notícias,
7,1% outros e 0,4% não sabem /
não responderam3.
3 N = 477
RESULTADOS
DA PESQUISA
ASSIMETRIAS
DE GÊNERO NO
MERCADO DE
TRABALHO
O MERCADO JORNALÍSTICO
MUDOU SIGNIFICATIVAMENTE
NAS ÚLTIMAS DÉCADAS E A PROPORÇÃO DE HOMENS E MULHERES NAS REDAÇÕES SE TORNOU
MAIS EQUILIBRADA. No entanto,
ainda são registradas desigualdades salariais e ocupacionais
signiicativas no jornalismo
brasileiro: as mulheres tendem a
receber salários menores e a ser
excluídas dos cargos de maior
prestígio e remuneração, conforme dados do Censo de 2010.
Na pesquisa quantitativa, as
mulheres apareceram distribuídas entre as editorias conforme
o seguinte padrão:
TABELA 1: EM QUAL ÁREA OU EDITORIA VOCÊ DESEMPENHA A MAIOR PARTE
DAS SUAS ATIVIDADES?
NÃO ATUO EM NENHUMA EDITORIA ESPECÍFICA/ATUO EM
RESULTADOS
VÁRIAS EDITORIAS
41,3%
197
POLÍTICA/PAÍS
13,0%
62
CULTURA
9,2%
44
ECONOMIA
8,4%
40
CIDADE
6,7%
32
ESPORTE
4,6%
22
OUTRO (ESPECIFIQUE)
4,2%
20
INTERNACIONAL
2,9%
14
TURISMO, MODA, ESTILO DE VIDA, GASTRONOMIA
2,1%
10
9
ARTE/INFOGRAFIA
1,9%
RURAL E MEIO-AMBIENTE
1,5%
7
CIÊNCIA E SAÚDE
1,0%
5
SEGURANÇA E POLÍCIA
1,0%
5
EDUCAÇÃO
0,8%
4
TECNOLOGIA
0,6%
3
NÃO SABE / NÃO RESPONDEU
0,6%
3
N=477
A análise das respostas das
entrevistadas aponta uma situação de equilíbrio nos cargos de
editor: perguntadas qual o gênero do(a) responsável direto(a)
pela edição das matérias na área
em que trabalham, as respondentes airmaram que 44% são
homens, 37,5% são mulheres e
12% são elas próprias (somando
um total de 49,5% mulheres na
posição de editora). Em 6,2%
dos casos, a pergunta não se
aplicava. Quando cruzamos
477
os dados do gênero do(a)
editor(a) com o tipo de editoria, encontramos também um
quadro de relativo equilíbrio,
sem vieses gritantes de gênero. Nas áreas de Política/País,
Internacional, Cultura, Cidade
e Ciência as quantidades de
homens e mulheres editores são
proporcionais.
65%
alegaram haver mais
homens em cargos
de poder
O que encontramos de discrepante são as áreas de esportes,
educação e tecnologia, nas
mulheres que atuam em 271 mídias diferentes
73
%
das jornalistas que
responderam a pesquisa
afirmaram já ter escutado
comentários ou piadas de
natureza sexual sobre mulheres
no seu ambiente de trabalho
quais os homens estão sobrerrepresentados como editores.
Na área de economia há um
desequilíbrio expressivo de
gênero em favor das mulheres
editoras. Já na área de turismo,
moda, gastronomia e estilo
de vida há proporcionalmente mais mulheres editoras que
homens. Esse quadro sugere
uma certa divisão do trabalho
jornalístico conforme os antigos estereótipos que apontam
que os homens são mais aptos
a trabalhar em áreas como
esportes e tecnologia, enquanto mulheres teriam ainidade
com temas como viagem,
comportamento, moda etc.
No entanto, a forte presença
de mulheres editoras em áreas
como jornalismo econômico
mostram que há mais nuances
nesse quadro e que as mulheres têm conquistado posições
antes consideradas domínios
masculinos.
De modo geral, as jornalistas
que participaram da pesquisa
quantitativa veem equilíbrio
na proporção de homens e
mulheres no veículo em que
trabalham: 40,8% airmam que
a quantidade de colegas de
ambos os gêneros é proporcional, 34% apontam que há
mais mulheres do que homens
e apenas 24,2% alegam haver
mais homens do que mulheres. Contudo, elas tendem a
perceber desproporção em
favor dos homens nos cargos
de liderança – como editores,
coordenadores, diretores etc:
apenas 19,4% apontaram haver
proporções iguais de homens
e mulheres nessas posições,
enquanto 65,4% alegaram
haver mais homens em cargos
de poder e somente 15% disseram haver mais mulheres. No
tocante à cor ou raça, o quadro
é dramaticamente desigual. Um
total de 94,5% das respondentes disseram haver mais pessoas brancas do que negras
em seus veículos. Nos cargos
de liderança, esse percentual
foi de 95,6%.
DISCRIMINAÇÃO
DE GÊNERO
EM NOSSA PESQUISA CONSTATAMOS QUE AS MULHERES ESTÃO
BASTANTE ATENTAS À DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO TRABALHO. Nos grupos focais, por
exemplo, as participantes mencionaram episódios de discriminação de gênero em diversos
momentos como contratação,
demissão, promoção no trabalho, deinição de salário, direitos,
distribuição de tarefas e oportunidades de crescimento proissional e até mesmo deinição
de escalas de trabalho. Muitas
mostraram uma percepção aguda de que, embora haja muitas
proissionais mulheres no jornalismo, a ascensão na carreira
para elas é muito difícil. Alguns
depoimentos relatam episódios
que ilustram esse problema:
Meu chefe, quando eu ainda
era estagiária, me disse que
‘
não me efetivaria porque “só
trabalho com homens”.
...iquei sabendo que essa
editora queria, na verdade, um
homem porque “já tinha muita
mulher na equipe”
Eles não tiveram nenhuma
vergonha em me dizer que
optaram pelo rapaz porque ele
era homem e não tinha ilho
Eu descobri que ele — eu era
estagiária e tinha sido efetivada — era repórter, estava no
mesmo cargo que eu, só que já
entrou como repórter e ganhava o dobro do que eu ganhava.
Eu sou a repórter que ganha
menos na minha editoria. Eu
sou o menor salário.
Eu iquei dois anos como
produtora, mas fazia reportagens também, com um salário
menor do que o deles.
‘
‘
‘
‘
‘
Algumas dessas falas apontam e
exempliicam formas de discriminação de gênero já amplamente registradas pela literatura
acadêmica. Na área de pesquisa
sobre gênero e organizações,
por exemplo, já foi constatado
que, de modo geral, estereótipos sobre homens e mulheres
inluenciam a determinação de
salários, promoção no emprego
e até mesmo distribuição de
tarefas entre os funcionários
(Ridgeway, 1997).
De modo geral, os resultados
dos grupos focais encontram
conirmação na pesquisa quantitativa: de um universo de 477
mulheres, 53,4% delas airmaram
acreditar que nas suas organizações as mulheres têm menos
oportunidades de progredir na
carreira que os homens. Entre
as demais, 39,5% airmaram que
as chances são as mesmas, 1,7%
disseram que as chances são
maiores e 5,3% alegaram não ter
reletido sobre esse assunto.
Entre as jornalistas mulheres que
responderam à pesquisa, 86,4%
admitiram já ter passado por
pelo menos uma situação de
discriminação de gênero no trabalho, enquanto somente 13,6%
não assinalaram nenhuma experiência de discriminação. Dentre
as situações listadas, aquela que
foi apontada como mais comum
foi a distribuição de tarefas no
ambiente de trabalho conforme
o gênero dos jornalistas, seguida por obtenção de promoção
no emprego, oportunidade de
trabalho, obtenção de aumento e, por im, determinação de
escalas de horário.
VOCÊ JÁ SENTIU ALGUMA VEZ QUE SER MULHER TE PREJUDICOU EM ALGUMA DESSAS SITUAÇÕES?
N
%
OPORTUNIDADE DE TRABALHO
176
36,9%
OBTENÇÃO DE AUMENTO
169
35,4%
OBTENÇÃO DE PROMOÇÃO NO EMPREGO
188
39,4%
275
57,7%
DETERMINAÇÃO DE ESCALAS DE HORÁRIO
113
23,7%
OUTRO
56
11,7%
DISTRIBUIÇÃO DE TAREFAS NO AMBIENTE
DE TRABALHO
N = 477
De fato, as informantes dos
grupos focais relatam tanto
situações de preterição em
benefício de colegas homens –
“ele colocou um fotógrafo para
fazer meu trabalho”, “ele assinou
uma matéria que eu tive que
ditar para ele escrever”, “ele me
tirou de lá e colocou uma outra
pessoa, mesmo sabendo que eu
já fazia aquilo há muito tempo” – como situações em que o
trabalho foi distribuído conforme
estereótipos de gênero, produzindo uma espécie de divisão
sexual do trabalho jornalístico:
Já me tiraram de uma pauta
justamente por ser mulher e
deram para o homem fazer
porque seria algo perigoso
para mim.
Foram dividir os acontecimentos diários pelos diretores executivos e ela, a única
mulher ali, icou com “Beleza e
comportamento”.
Eu deixo de fazer determinados jogos e coberturas pelo
fato de ser mulher.
Em contrapartida, quando
aparece uma pauta que tem
um apelo mais sensível sempre
se coloca menina. Quando é
pauta com criança é mulher
fazendo, sempre!.
‘
‘
‘
‘
Com respeito à discriminação em obtenção de aumento, apontada por 35,4% das
jornalistas participantes da
pesquisa quantitativa como uma
situação pela qual já passaram
no trabalho, as falas das participantes dos grupos focais são
bastante elucidativas. O que elas
mostram é que a persistência do
imaginário do “homem provedor” e a ideia de que o trabalho
feminino é “complementar” e
“inferior” ao do homem inluenciam a determinação de salários
e direitos do trabalho:
Eu tive um colega na mesma
posição que eu, antes de eu
ter o cargo de cheia, com o
salário muito mais alto por ele
ser o homem da família. Então,
eu não podia ganhar mais do
que ele porque ele sustentava a casa. Então ele precisava
ganhar mais do que eu.
[no jornal X] as mulheres não tinham o direito de
colocar os maridos no plano
de saúde porque os maridos
precisam ganhar mais porque
eles sustentam a casa. Por isso
eles precisam ter as mulheres (enquanto dependentes)
porque são frágeis, são donas
de casa... Então eles precisam
ter plano de saúde pros ilhos
e pra mulher; e a mulher não
pode ter o marido porque
ele está na rua trabalhando
e quem é ela pra sustentar o
marido?.
‘
‘
Outro tema muito mencionado
pelas mulheres que participaram
dos grupos focais foi o constante assédio moral sofrido por
mulheres jornalistas para que
não engravidem e usufruam de
licença maternidade. Segundo
algumas delas, tal questão entra
também no cálculo salarial, como
expõe a fala dessas informantes:
...eu tava fazendo três anos
no [jornal X], estava fazendo
uma pauta muito pesada e
achei que o momento era ótimo [para pedir um aumento]. A
resposta que eu tive foi: “Você
veio me pedir um aumento
com esse barrigão?
Uma vez eu fui pedir aumento também. Pedi o aumento,
disseram que me dariam e uma
semana depois eu falei que
estava grávida. Eles disseram
que eu iria receber o meu
aumento depois dos meus seis
meses da licença.
[Com a gravidez] rolou um
climão lá. Eu vi que eles começaram a pegar mais no meu
pé”. [...] eu percebi que o clima
estava muito chato e fui conversar. “Realmente a Ciclana
icou muito chateada por você
ter engravidado...
Eu já ouvi em proposta de
emprego: “Você não quer ter
ilho, né? E se quer para quando?” Eu já ouvi isso em processo
seletivo, o RH perguntando isso.
‘
‘
‘
‘
Só que na hora que você
‘oicializa
que você vai ter um
ilho — porque a gravidez não
dá para disfarçar — parece
que você cometeu uma traição
dobrada
Curiosamente, esse tema não
apareceu com muita força na
pesquisa quantitativa: somente
2,3% das respondentes airmaram ter sofrido ameaças de
perder o emprego em caso de
gravidez. No entanto, cabe lembrar que essa pode ser apenas
uma de outras formas de intimidação com relação à maternidade que não foram captadas
pela pesquisa. Os grupos focais
nos permitiram ouvir relatos
de jornalistas sobre mecanismos estruturais de produção
de desigualdades de gênero,
apontando como a proissão é
concebida para um trabalhador
masculino, sem responsabilidades parentais e/ou familiares.
Os relatos oscilaram entre a
auto-responsabilização por
manter a vida proissional e
familiar compatíveis e em funcionamento até críticas a um
ambiente proissional dominado
por uma perspectiva masculina
sobre o trabalho e insensível às
solicitações da vida pessoal das
mulheres. Algumas proissionais apontaram diiculdades em
“Um dia uma repórter foi
'encoxada' na sala por um editor.
Depois disso, sempre quando
voltava das pautas ela tinha que
subir acompanhada para evitar
certos tipos de problema.”
conciliar a maternidade com o
trabalho em vista do que julgam
serem exigências irrealistas de
disponibilidade de tempo e até
mesmo desorganização dos
chefes e colegas com as tarefas
e horários de trabalho.
Embora não tenhamos abordado
questões mais inas e estruturais
na pesquisa quantitativa, o fato
de 84,9% das respondentes não
possuírem ilhos menores de 18
anos (ver anexo 1) sugere que as
redações jornalísticas seguem a
mesma tendência das organizações que nas últimas décadas
absorveram mão de obra feminina, mas não modiicaram seus
processos de trabalho e estruturas organizacionais: as pressões
sobre o tempo, a imprevisibilidade de horários e as exigências
de escalas nos inais-de-semana
em vez de separar mulheres e
homens, separam agora homens
e mulheres responsáveis pelo
cuidado de ilhos – desencorajando as últimas a atuar em
uma ocupação incompatível
com suas obrigações familiares
(Connell, 2016).
A discriminação pode ainda assumir a forma de tratamento diferencial de homens e mulheres.
Nos grupos focais, as jornalistas
relatam situações em que sofreram humilhações públicas, foram
hostilizadas, seja na relação
com chefes, seja na relação com
fontes. A forte incidência desse
tipo de episódio no cotidiano
foi corroborada pela pesquisa
quantitativa: 83,6% das jornalistas relataram já ter sofrido ao
menos uma das oito situações
de violência psicológica listadas
abaixo. As formas mais comuns
são abuso de poder ou autoridade, intimidação verbal, escrita ou
física e insultos verbais.
N
%
INSULTOS VERBAIS
211
44,2%
HUMILHAÇÃO EM PÚBLICO
193
40,5%
ABUSO DE PODER OU AUTORIDADE
305
63,9%
INTIMIDAÇÃO VERBAL, ESCRITA OU FÍSICA
285
59,7%
TENTATIVA DE DANOS À SUA REPUTAÇÃO
148
31,0%
AMEAÇA DE PERDER O EMPREGO EM CASO DE GRAVIDEZ
11
2,3%
AMEAÇAS PELA INTERNET
64
13,4%
INSULTOS PELA INTERNET
118
24,7%
N = 477
Às formas explícitas de discriminação somam-se formas
mais sutis – ou veladas – de
discriminação de gênero. Nos
grupos focais, as jornalistas
relataram ter o seu esforço e
competência questionados
com frequência, serem tratadas com menos seriedade e
com condescendência, descreveram dinâmicas de distribuição desigual do poder
e da palavra dentro das suas
organizações e disseram ter
seu trabalho tornado invisível
ou mesmo apropriado por
pares do gênero masculino.
Além disso, algumas perceberam obstáculos à realização
do seu trabalho em virtude do
machismo de chefes, colegas
e fontes.
Eu já ouvi coisas do tipo
“você tem cara de ser tão
novinha tão criança para tá
fazendo uma matéria tão difícil tão pesada quanto essa...”.
Cara, eu tô cobrindo [o
tema x] há quase 3 anos!
Chega a ser ridículo ele me
explicar uma coisa que eu já
sei há muito tempo.
Uma fonte minha não
parava de falar, não prestava
atenção no que eu dizia e me
interrompia todas as vezes
que eu falava.
Ela estava ali desde 9h da
manhã, apurando, sabia o
‘
‘
‘
‘
84%
das jornalistas
relataram já ter
sofrido ao menos uma
das oito situações de
violência psicológica
que era, mas prevaleceu o
que ele disse.
Quando o colega homem
fala, parece que tem mais
garantia nisso. Quando a
gente vai apresentar uma
coisa tem que estar com
todas as provas na mesa para
mostrar que aquilo que a
gente está dizendo é aquilo
que a gente tá dizendo.
‘
Essas formas de discriminação cotidiana foram apontadas como recorrentes por um
número expressivo de mulheres na pesquisa quantitativa.
Perguntadas, por exemplo, se
“Alguma vez você já teve sua
competência questionada ou
viu uma colega ter a competência questionada por
colegas ou superiores pelo
fato de ser mulher? (exemplo:
“mas essa matéria é muito
complicada para uma mulher
realizar”, “foi você mesma
que conseguiu essa pauta?)”,
7,5% das respondentes disseram que isso já aconteceu ao
menos uma vez, 41,8% mais
de uma vez e 12,4% alegaram
que sempre acontece. Apenas
34,3% disseram nunca ter
testemunhado ou sofrido com
esse tipo de comentário.
O sexismo se manifesta no
ambiente de trabalho de outras
formas, mais ou menos explícitas: a atribuição de estereótipos às mulheres relacionados
a ideias de fragilidade, sensibilidade excessiva, instabilidade
emocional e incapacidade de
lidar com determinados temas.
Isso se traduz muitas vezes na
desvalorização do seu trabalho
e capacidade.
Mas já tive chefe — que eu
me dou super bem hoje —
que fazia umas coisas tipo se
eu reclamar de alguma coisa
ele perguntar “você está
menstruada?”.
Ele tava desqualiicando
meu problema, ele estava
diminuindo dizendo que eu
‘
‘
estava fora do meu estado
normal. “Eu só queria que
você me levasse a sério”
Homem chefe descontrolado é porque está tentando
resolver algum problema.
Mulher descontrolada é maluca, está de TPM.
‘
Além dos estereótipos, são
recorrentes nas falas das jornalistas referências a um clima
generalizado de suspeição com
respeito à moral feminina dentro das redações. De acordo
com um número expressivo de
informantes, as jornalistas são
alvo de comentários sobre sua
honestidade e moral sexual.
Seus êxitos proissionais são
frequentemente interpretados
como resultado de barganha
sexual com seus superiores
hierárquicos.
Fora que eu escuto direto de
coleguinha de setor “Mas como
você conseguiu essa informação?” Assim, várias vezes.
...ele disse que era ”A
mulherzinha que ica abrindo
as pernas pro chefe”
Tem muita situação de “Ah,
mas se tu subiu (de cargo)
é porque você deu para seu
chefe”
Pessoas falando que eu só
consegui a vaga porque eu
“tinha feito alguma coisa com
‘
‘
‘
‘
meu chefe, talvez alguma coisa com conotação sexual
Na pesquisa quantitativa esse
padrão se repete: 73% das
mulheres airmaram já ter
escutado comentários ou piadas de natureza sexual sobre
uma mulher ou mulheres no
seu ambiente de trabalho.
Perguntadas se já ouviram piadas machistas – isto é, comentários que ridicularizam as
mulheres, propagam estereótipos e/ou banalizam a violência
contra a mulher – no ambiente
de trabalho, 92,3% airmaram
que sim. 77,1% delas responderam ter vivenciado ao menos
uma das situações cotidianas
de machismo no ambiente de
trabalho abaixo:
O que é possível depreender
desse estado de coisas é que,
apesar dos avanços e da presença proporcional de homens
e mulheres nas redações, o
gênero ainda é uma forma de
diferença presumida bastante
presente nas interações cotidianas no exercício da proissão
de jornalista. O gênero e os
estereótipos de gênero colaboram para produzir desigualdades nos arranjos institucionais
no interior das organizações
jornalísticas, inluenciando as
relações, as redes proissionais,
determinando formas de divisão do trabalho e inluenciando
processos de ascensão proissional e econômica de forma
prejudicial às mulheres e favorável aos homens.
ASSINALE AS SITUAÇÕES ABAIXO QUE JÁ ACONTECERAM COM VOCÊ NO
SEU AMBIENTE DE TRABALHO
N
%
64
13,4%
109
22,9%
251
52,6%
348
73,0%
41
8,59%
JÁ RECEBI DE COLEGAS DE TRABALHO MATERIAL DE
NATUREZA SEXUAL POR E-MAIL OU MÍDIAS SOCIAIS QUE
NÃO SOLICITEI
JÁ FORAM EXIBIDOS NO MEU LOCAL DE TRABALHO DESENHOS OU FOTOGRAFIAS PORNOGRÁFICAS
JÁ OUVI PIADAS SOBRE SEXO QUE ME DEIXARAM
DESCONFORTÁVEL
JÁ OUVI COMENTÁRIOS OU PIADAS DE NATUREZA SEXUAL
SOBRE UMA MULHER OU MULHERES
NÃO SABE OU NÃO RESPONDEU
N = 477
SEGURANÇA E
ASSÉDIO
SEGURANÇA
E ASSÉDIO
NO EXERCÍCIO
DA PROFISSÃO
O TEMA MAIS MENCIONADO E
COMENTADO PELAS PARTICIPANTES DOS GRUPOS FOCAIS FOI O
ASSÉDIO SEXUAL. Os assédios
relatados por elas vão desde
aqueles de natureza episódica a
um assédio contínuo e, às vezes,
crescente e intimidador. Os autores do assédio são usualmente
de chefes, colegas, fontes e audiência. Os assédios relatados são
às vezes iniciativas individuais
e feitos às escondidas, em uma
sala fechada, por mensagens ou
e-mails, e em outras são o que
uma das informantes classiicou
como “assédio coletivo”, isto é,
quando um grupo de homens se
utiliza do assédio sexual como
forma de interagir e socializar
uns com os outros, às expensas da dignidade das colegas
mulheres. Para algumas das
informantes, esse último tipo de
assédio estabelece um clima de
tolerância, cumplicidade masculina e normalidade com relação
aos comentários, piadas e outras
formas de assédio sexual nas
redações, o que torna a reação ou denúncia mais difícil e
penosa, uma vez que o comportamento do(s) assediador(es) é
validado pelo grupo.
E quando trabalhei como
estagiária era assediada por
ele quase que diariamente.
Comigo ele foi bem direto
em tom de brincadeira, mas
ele falou “E aí quando é que
você vai dar para mim?”
Mas porque você tá falando
isso?” “Eu quero transar!” E
quando ele disse isso eu tinha
18, 19 anos “Mas você é um
senhor!
E do lado da pessoa passou
uma menina super bonita que
‘
‘
‘
‘
eu não lembro quem é. E aí
essa pessoa que estava com
ele fez um aceno de cabeça.
Ou seja, oferecendo a menina
que passou pro cara novo.
...ele perguntou se o meu
chefe tem alguma estagiariazinha bonitinha para poder ir
com ele tomar um vinhozinho
junto com ele. Daí o meu chefe
chegou na mesa rindo, contando aquilo e meio que jogou a
história pra cima de mim e eu
disse que não iria porque eu
namorava.
Mas o cara falou aquilo
com uma segurança, uma
‘
‘
65,7
%
das jornalistas que
responderam a pesquisa
afirmaram ter tido sua
competência
questionada ou visto
uma colega ter a
competência
questionada por colegas
ou superiores
naturalidade, porque ninguém
ia julgar, se importar e fazer
nada... Que foi algo chocante.
O assédio impõe restrições ao
trabalho cotidiano das jornalistas. Além de relatarem sensações de incômodo, infelicidade
no trabalho e estresse vivenciados no ambiente proissional como resultado do assédio
de chefes e colegas, o assédio
impacta diretamente a sua
atividade em especial quando
provém das fontes. Propostas
de sexo, toques sem consentimento, perseguição, piadas
de cunho sexual e comentários
sobre o corpo são algumas das
modalidades de assédio relatadas. Dentre essas, o toque e
tentativas de agarrar aparecem
como as formas mais críticas:
Passou um cinegraista e deu
um tapa na minha bunda. Juro!
E, um dia, [...] ela foi encoxada na sala [...] por um
editor. Depois disso, icou
um clima horroroso e sempre
quando ela voltava das pautas
ela tinha que subir [acompanhada] para evitar certos
tipos de problema.
‘
‘
No meio político tem muito mais
e tem essa questão do cara querer falar com você e te tocar.
E aí quando ele me viu ele
veio com a mão na minha
‘
477
mulheres que
atuam em 271
mídias diferentes
nuca tentando alguma coisa.
Eu iquei acuada, sem reação
e fui embora.
Na pesquisa quantitativa, encontramos evidências de que esses
episódios não são excepcionais
ou esporádicos. 70,4% das 477
mulheres que responderam
ao questionário admitiram já
terem recebido cantadas que
as deixaram desconfortáveis
no exercício da proissão. Além
disso, 10,7% das respondentes
admitiram já terem recebido no
exercício do trabalho propostas
ou demandas por favores sexuais em troca de algum benefício
proissional ou material. Essas
propostas vieram mais frequentemente de fontes e superiores
hierárquicos do gênero masculino. 14,9% das mulheres disseram já se sentiram intimidadas
ou perseguidas no exercício da
proissão em virtude da insistência de alguma pessoa em
manter uma relação sexual com
elas. Perguntadas se “Alguma
vez em exercício da sua proissão alguém tocou ou apoiou
em partes do seu corpo sem
seu consentimento”, 32,5% das
mulheres disseram que sim.
12,2% das mulheres airmaram
ainda que colegas, superiores, fontes ou desconhecidos
já tentaram beijá-las sem seu
consentimento.
“Cheguei para cobrir o judiciário,
que assim como a política, é
machista, e tem uma cultura de
‘mulher gostosa", a estagiária
gostosa, a novinha…”
ALGUMA VEZ RECEBEU EM EXERCÍCIO DA SUA PROFISSÃO UMA CANTADA
QUE A DEIXOU DESCONFORTÁVEL?
N
%
DE UM COLEGA HOMEM
221
46,3%
DE UMA FONTE HOMEM
176
36,9%
DE UM SUPERIOR HIERÁRQUICO HOMEM
133
27,9%
DE UMA PESSOA DESCONHECIDA
66
13,8%
DE UMA FONTE MULHER
6
1,3%
DE UMA COLEGA MULHER
5
1,0%
DE UMA SUPERIOR HIERÁRQUICA MULHER
ISSO NUNCA ACONTECEU COMIGO NO EXERCÍCIO
1
0,2%
93
19,4%
48
10%
PROFISSIONAL
NÃO SABE OU NÃO RESPONDEU
N = 477
70,2% das respondentes airmaram ainda que já presenciaram
ou tomaram conhecimento
de uma colega sendo assediada
em seu ambiente de trabalho,
seja por colegas ou superiores.
59% também presenciaram ou
tomaram conhecimento de uma
colega sendo assediada no exercício de sua proissão por uma
fonte. Além dos impactos psicológicos desse tipo de assédio, as
mulheres jornalistas sofrem um
ônus proissional. Elas tentam se
proteger do assédio das fontes,
evitando estar sozinhas com
seus informantes, recusando
convites para cafés, jantares etc
e, enim, restringindo o contato
ao essencial e evitando ambientes hostis. Dessa maneira, a
prática do assédio colabora para
reforçar a tendência daquilo que
a literatura chama de “homoilia” nas redes proissionais, isto
é, a propensão das pessoas de
constituir suas redes sociais com
indivíduos parecidos em gênero, classe, raça etc (Ridgeway,
1997). Isso é limitador para a sua
própria atuação como repórteres. Como bem resumiu uma
informante: “Eu não janto com
fonte, e isso já nos coloca atrás”.
Cheguei para cobrir o judiciário, que assim como a política,
é machista, e tem uma cultura
de “mulher gostosa”, a estagiária gostosa, a novinha…
Na política — iquei no [veículo X] no Judiciário — você tem
que frequentar jantares, e teve
‘
‘
uma vez uma festa na casa de
um deputado, com um monte
de autoridade, e eu me senti
extremamente constrangida
porque só tinha homem. Estava
com um amigo repórter e a
forma como os homens me tratavam e tratavam ele era muito
diferente e ele não conseguia
entender o porquê de eu dizer
“Eu quero sair daqui. Não estou
me sentindo bem. É inútil eu
estar aqui porque eu não vou
conseguir pegar informações
assim como você”.
Além do assédio, constatou-se
que as mulheres são também
expostas a situações de violência
física no trabalho: 17,3% (ou seja,
80 mulheres) alegaram já ter
sofrido algum tipo de agressão
física no exercício da proissão.
Na metade dos casos (52,8%) a
agressão veio de um(a) desconhecido(a), mas foram identiicados como agressores também
superiores hierárquicos (18%),
colegas de trabalho (15%) e fontes (14%). Em 90,3% dos casos o
gênero do agressor era masculino. Apesar desse quadro preocupante, apenas 24,3% das mulheres responderam positivamente
à pergunta “Você diria que a sua
empresa adota medidas para
proteger a sua segurança pessoal?”, enquanto 49,9% airmaram que não e 25,8% admitiram
nunca ter pensado no assunto.
A percepção de perigo e a falta
de apoio das cheias modela
as estratégias das mulheres em
exercício da proissão:
Às vezes a fonte quer fazer
uma denúncia que eu não sei
quem é e eu aviso para alguém
que eu vou estar em um lugar
tal, para não correr o risco.
‘
Por im, há uma fala muito recorrente entre as jornalistas participantes dos grupos focais, que
descrevem formas cotidianas
de controle do seu comportamento, aparência e vestuário.
Esse controle oscila entre exigir
que a proissional cubra o corpo
a im de ser respeitada e não
“distrair” os homens até o seu
inverso: com frequência chefes
e colegas sugerem que as jornalistas exponham e usem o corpo
como instrumento de trabalho,
instrumentalizando o interesse
sexual dos homens a seu favor na
cobertura jornalística.
Aí alguma pessoa veio me
dizer que eu tinha que entender que era complicado eu ir
de vestido. “Mas eles estão de
bermuda e com a perna de
fora também”.
Já aconteceu de “Você não
vai poder entrar com essa
blusa...” “Amigo, eu estava [na
favela x]! É fevereiro! É óbvio
que eu tô de alça!”
‘
‘
Com a roupa que eu estou
‘hoje,
numa sessão da plenária
machismo de mulheres,
‘tiveSobre
uma chefe mulher que fala-
do Supremo, eu não sentaria
na primeira ileira porque eu
estou de saia. E eu já fui retirada da primeira ileira por estar
de saia, porque atrapalharia a
TV Justiça e desconcentraria
os Ministros.
E aí ele falava “Olha, você
não pode usar sapato aberto
porque as pessoas podem
reparar os teus pés...”
...um editor me falou “Ah,
eu sugiro que você bote um
decote bem caprichado e vá
falar”.
Quando eu cheguei na redação o meu chefe falou para
mim que me levaria para coletivas mais vezes e de vestido.
va “Você vai falar com Fulano
de Tal? Coloca uma saia curta,
um decote… Aproveita que você
tem isso e use a teu favor”.
‘
‘
‘
Esses relatos se coadunam
com os resultados da pesquisa
quantitativa. 75,3% das mulheres admitiram já ter ouvido no
exercício da sua proissão um
comentário ou elogio sobre suas
roupas, corpo ou aparência que
as deixaram desconfortáveis.
56,8% das mulheres admitiram já
ter escutado comentários dessa
natureza de colegas homens,
35,8% de fontes homens e 35,8%
de superiores hierárquicos do
gênero masculino.
ALGUMA VEZ OUVIU NO EXERCÍCIO DA SUA PROFISSÃO UM COMENTÁRIO
OU ELOGIO SOBRE SUAS ROUPAS, CORPO OU APARÊNCIA QUE A DEIXOU
DESCONFORTÁVEL?
DE UM COLEGA HOMEM
N
%
271
56,81%
DE UMA FONTE HOMEM
171
35,85%
DE UM SUPERIOR HIERÁRQUICO HOMEM
171
35,85%
DE UMA PESSOA DESCONHECIDA
82
17,19%
DE UMA COLEGA MULHER
59
12,37%
DE UM SUPERIOR HIERÁRQUICO MULHER
21
4,40%
DE UMA FONTE MULHER
4
0,84%
77
16,10%
41
8,59%
ISSO NUNCA ACONTECEU COMIGO NO EXERCÍCIO
PROFISSIONAL
NÃO SABE OU NÃO RESPONDEU
N = 477
RESPOSTAS
RESPOSTAS
ORGANIZACIONAIS
À DISCRIMINAÇÃO E
ASSÉDIO
DE MODO GERAL, AS PARTICIPANTES DOS GRUPOS FOCAIS
SE REVELARAM MUITO DESAPONTADAS COM A CONDUTA
DAS EMPRESAS COM RELAÇÃO
AOS CASOS DE ASSÉDIO E
SEXISMO VIVIDOS POR ELAS E
SUAS COLEGAS. Segundo seus
depoimentos, quando porventura algum caso é solucionado,
normalmente isso ocorre por
meio de canais informais e relações pessoais. A tendência mais
geral descrita pelas jornalistas,
no entanto, é de se minimizar
e abafar os casos de assédio.
Algumas jornalistas relatam que
colegas são mais facilmente
punidos por falar mal de um
chefe ou fazer alguma brincadeira ofensiva com outros colegas homens do que por assediar
ou ofender colegas mulheres.
Em muitos casos, sugere-se às
jornalistas que elas devem saber
administrar o caso, seja reavaliando a sua própria conduta,
seja sabendo “se impor” nessas
situações.
No dia da rescisão eu tinha
que preencher um formulário
com questionário. Pergunta:
você concorda com a conduta
da empresa? E eu falei que não,
que a empresa apóia assédio
sexual...
“Fulano estava me mandando as mensagens muito que
esquisitas” e ele começou a rir.
Eu falei que não é para rir, que
era muito sério.
‘
‘
15%
das mulheres
afirmaram já ter feito
tais denúncias.
...quando você leva essas
‘queixas
pras redações — e
especialmente com chefes
homens —, eles dizem que
você tem que contornar isso e
não pode ser menos repórter
por ser mulher.
Eu já soube que foi feita denúncia
‘a um
editor-executivo, mas nada foi
feito. [X] protegeu, a patota protegeu, vários repórteres homens — e
mulheres!
E é bizarro porque você sabe que
tem um cara assim na redação e ao
invés de irem falar com ele para parar,
você diz “Mulheres, tomem cuidado
com esse homem”. E do tipo não use
saia curta!”. Tem todo um consentimento da redação com isso e é tido
como normal.
Agora o que eu acho interessante é
que do mesmo jeito que as empresas
estão pensando em compliance para
fazer um canal anônimo para falar
de corrupção, seria interessante um
‘
‘
canal anônimo para falar de assédio
que fosse seguro para elas falarem.
Eu já vi várias vezes alguém reclamando que Fulano foi denunciado na
empresa e dizerem que ele não tinha
feito nada para ser punido. É algo do
tipo Lavo as minhas mãos
que eles são adequados e eficazes. A
falta de canais ou a percepção da sua
inadequação parece resultar em baixos
índices de denúncia de assédios sofridos em exercício do trabalho: apenas
15,1% das mulheres afirmaram já ter
feito tais denúncias.
Conforme 46% das participantes da
pesquisa quantitativa, suas empresas atuais não possuem canais para
receber e responder a denúncias de
assédio e discriminação de gênero.
Apenas 30% apontaram que suas
empresas possuem tais canais, enquanto 15,7% disseram não ter pensado
sobre esse assunto e 7,5% não sabem
ou não responderam. Dentre aquelas
que afirmaram que suas empresas
possuem tais canais, 30,8% disseram
Com relação a outras políticas sensíveis
a questões de gênero no trabalho,
54,7% das jornalistas afirmaram que
suas organizações possuem ao menos
um dos direitos abaixo. Os mais frequentemente apontados foram licença
maternidade estendida e auxílio creche.
Políticas voltadas para a conscientização sobre assédio e progressão
equitativa para homens e mulheres são
menos comuns, bem como a licença
paternidade.
‘
SUA ORGANIZAÇÃO TEM ALGUMA DESSAS POLÍTICAS?
TRABALHO EM TEMPO PARCIAL COM REDUÇÃO DE SALÁRIO
477
mulheres
que atuam
em
271
mídias
diferentes
CAMPANHAS INTERNAS DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE
46
ASSÉDIO
PROGRESSÃO DE CARREIRA EQUITATIVA PARA HOMENS E
MULHERES
LICENÇA MATERNIDADE ESTENDIDA A 6 MESES
%
das jornalistas que
responderam a
pesquisa apontaram
que as empresas onde
trabalham não possuem
canais para receber
denúncias de assédio e
discriminação de
gênero
N
%
21
4,4%
45
9,4%
45
9,4%
131
27,5%
LICENÇA PATERNIDADE ESTENDIDA A 20 OU 30 DIAS.
53
11,1%
CRECHE
10
2,1%
AUXÍLIO CRECHE
173
36,3%
SALA DE AMAMENTAÇÃO
15
3,1%
NENHUMA DAS RESPOSTAS ACIMA
261
54,7%
NÃO SABE OU NÃO RESPONDEU
59
12,3%
N = 477
PERSPECTIVA
DE GÊNERO
NA COBERTURA
JORNALÍSTICA
NESTE ÚLTIMO TÓPICO EXPLORAMOS AS PERCEPÇÕES DAS
PARTICIPANTES DOS GRUPOS
FOCAIS A RESPEITO DA COBERTURA JORNALÍSTICA REALIZADA PELOS SEUS VEÍCULOS
NO TOCANTE À QUESTÃO DE
GÊNERO. Muitas delas se quei-
PERSPECTIVA
xam da mentalidade de seus
colegas homens, que na sua
percepção tendem a banalizar
temas como violência doméstica, estupro, feminicídio, discriminação e machismo. Algumas
delas reclamaram da interferência de editores em suas matérias, apontando sua tendência a
eufemizar os casos ou suavizar
as matérias incluindo trocadilhos ou brincadeiras nos títulos
de textos que reportam casos
de violência contra a mulher.
Mais de uma jornalista se queixou de, após ter tido o título de
uma matéria alterado, ter de
enfrentar a revolta de leitoras.
Em alguns casos, os editores
homens fazem sugestões para
o texto, visando a “equilibrá-lo”,
isto é, colocando os homens em
posição simétrica à das mulheres em casos de violência. Em
outros, são as fontes que tendem a tratar os casos segundo
um vocabulário e um repertório
que caracterizam os crimes contra a mulher como um problema
sistêmico e estrutural.
E aí teve uma vez que eu
iz uma matéria e era caso de
feminicídio, eu coloquei que
era feminicídio e alguém foi lá
e trocou por crime passional.
Às vezes até a forma como
você escreve “homem mata
companheira” aí chega a polícia diz que está trabalhando
com a hipótese de crime passional. Aí eu falo que é feminicídio e não um crime passional.
Qual é o crime passional? A
mulher estava apaixonada e
ele teve que matar ela. Ele foi
movido pela paixão? Não! Ele é
um criminoso! Ele matou uma
mulher e é feminicídio. Então
eu não vou usar crime passional, vou usar feminicídio
‘
‘
De acordo com os dados da
pesquisa quantitativa, muitas
jornalistas têm se esforçado
para modiicar esse quadro:
56,6% delas airmaram já ter
publicado mais de uma vez
matérias que tinham como foco
uma questão de gênero, seja um
pauta envolvendo desigualdade,
discriminação, representatividade da mulher em espaços
de poder ou outras, enquanto
14,6% airmaram ter publicado
esse tipo de conteúdo ao menos
23%
Apenas disseram não
ter trabalhado com
o tema
uma vez. Apenas 22,9% disseram não ter trabalhado com o
tema e 9,4% não sabem ou não
responderam. Segundo 43,1%
das mulheres, suas colegas têm
feito esforços ativos para diversiicar suas fontes no tocante
ao gênero, buscando entrevistar
mais mulheres em suas matérias. Conforme os relatos dos
grupos focais, as Iniciativas das
jornalistas e leitoras têm modiicado alguns aspectos da cobertura jornalística. Muitas vezes
a estratégia de sensibilização
empregada tem sido a de estreitar os contatos entre jornalistas
mulheres e leitoras. Em vista da
demanda crescente, apontam
as jornalistas, algumas empresas
começam a apoiar a diversiicação das fontes sob a perspectiva de gênero e raça.
Hoje é mais fácil emplacar
‘esse
tipo de matéria – só essa
última que a gente conseguiu
que foi um pouco mais complicado — mas a gente conseguiu
emplacar assim mesmo e foi
bastante elogiada, principalmente por essa questão de
relacionamento abusivo, que
é algo que pode ser muito
comum que pode estar tão
perto que às vezes a gente
nem consegue ver o quão perto de estar da gente.
Ainda assim, para muitas das
participantes dos grupos focais,
o feminismo e pautas relacionadas são tratados de modo geral
como tabu dentro da redação.
Acontece com frequência de
colegas homens e editores
alegarem que esses temas não
são pautas verdadeiramente
jornalísticas.
Por exemplo, eu sempre
tenho matérias que falem sobre
a mulher e é sempre muito
difícil emplacar. Tem que ter
um argumento a + b + c, mas
a gente só pode falar se tiver
um gancho. Pra poder falar
tem que ter acontecido uma
tragédia para a gente poder
falar de mulher.
Daí o pessoal me chamou
para conversar, mas para
conseguir fazer foi bem
complicado.
‘
‘
“A trabalho, fui a uma festa na
casa de um deputado. Só tinha
homem. Estava com um amigo
repórter e a forma como me
tratava m e tratava m e le era
m uito diferente. Eu me senti
extremamente constrangida”
CONCLUSÕES
CONCLUSÕES
OS RESULTADOS DA PESQUISA
APONTAM PARA UMA NATURALIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DISCRIMINATÓRIAS NO AMBIENTE
JORNALÍSTICO EM PREJUÍZO DAS
MULHERES. Ser mulher prejudi-
ca relações e redes de contato,
produz formas especíicas de
estresse e risco no trabalho e
tem efeito negativo sobre as
chances de ascensão proissional e econômica. A cobertura
jornalística, por sua vez, tende a
reletir as dinâmicas de desigualdade no interior das redações.
Isso porque os critérios de noticiabilidade, o enquadramento e
os informantes selecionados para
a produção das notícias reletem
as preferências de quem está nos
cargos da alta gerência—e esses
continuam sendo majoritariamente homens.
As mulheres atuantes em redações de todo o Brasil enfrentam
constrangimentos e precisam
lidar rotineiramente com atitudes
machistas de colegas, superiores
e fontes. Algumas delas - como
ouvir comentários ou piadas de
natureza sexual sobre as mulheres e receber cantadas - foram
apontadas por mais de 70% das
respondentes da pesquisa, ou
seja, são práticas generalizadas
nestes espaços.
Nos grupos focais realizados
em quatro capitais brasileiras, as
mulheres descreveram como o
poder e a palavra se distribuem
desigualmente dentro das suas
organizações. Muitas disseram
ter seu trabalho tornado invisível ou mesmo apropriado por
pares do gênero masculino e
ver as pautas distribuídas nas
reuniões conforme estereótipos.
As mulheres percebem que o
simples fato de serem mulheres já lhes impõe obstáculos à
realização do seu trabalho, um
preconceito que se manifesta em
interrupções frequentes à sua
fala e na presunção de que são
incapazes de lidar com determinados temas ditos “masculinos”.
Elas reportaram ainda a necessidade de terem sempre que
trabalhar dobrado para provar
seu empenho e capacidade.
A rotina proissional também é
prejudicial às mulheres. Apesar
de terem absorvido mão de
obra feminina, as organizações
jornalísticas não modiicaram
seus processos de trabalho. As
pressões de tempo, a imprevisibilidade de horários e as escalas
nos inais de semana penalizam
particularmente as mulheres
responsáveis por ilhos, desencorajando-as a atuar na área.
Não é à toa que no survey 85%
das jornalistas airmaram não ter
ilhos menores de 18 anos e que,
de acordo com o IBGE, no setor
privado, as mulheres sem ilhos
possuem carteira assinada mais
frequentemente do que as que
são mães.
No tocante à cobertura jornalística, as participantes da pesquisa
se mostraram sensíveis a pautar
histórias com foco em assimetrias de gênero (71% das jornalistas que participaram do survey
airmaram já ter publicado ao
menos uma matéria). Entretanto,
nos grupos focais muitas reclamaram da interferência de editores em suas matérias, denunciando sua tendência a inserir
trocadilhos ou brincadeiras nos
títulos de textos que reportam
17,3
477
%
das jornalistas que responderam a pesquisa
alegaram já ter sofrido algum tipo de agressão física
no exercício da profissão
no survey
85%
das jornalistas
afirmaram não ter
filhos menores de 18
anos
casos de violência contra a
mulher. Segundo elas, às vezes,
os editores homens fazem intervenções no texto sob a alegação
de que é preciso “equilibrá-lo”,
isto é, colocando os homens em
posição simétrica à das mulheres
em casos de violência. Outras
relataram diiculdades em emplacar matérias que versam sobre
desigualdade de gênero, relatando a resistência dos editores em
aceitar esse tipo de pauta.
Diante desse cenário, ica para
2018 o enorme desaio de
modiicar a estrutura e a cultura
organizacional das empresas
jornalísticas brasileiras. Entre
os principais objetivos a serem
buscados estão: a paridade de
gênero e de cor nas posições de
poder e de tomada de decisão,
o combate ao assédio sexual, a
modiicação da cultura sexista no
cotidiano da organização e o tratamento ético e justo das mulheres nas notícias. Para tal, um
primeiro passo é coletar dados
e monitorar as desigualdades de
gênero—precisamente o objetivo
da pesquisa da Abraji & Gênero e
Número.
Conforme 46% das participantes do survey, suas empresas
atuais não possuem canais para
receber e responder a denúncias
de assédio e discriminação de
gênero. Entre as jornalistas que
têm acesso a tais canais, apenas
30,8% disseram que eles são
adequados e eicazes. Nesse
sentido, a criação ou solidiicação dessas instâncias é uma das
prioridades para 2018.
Para tal, é necessário cobrar
das organizações jornalísticas
que produzam e disseminem
dados de natureza similar aos
da pesquisa, assumindo a responsabilidade de desenvolver
uma política clara e explícita de
igualdade de gênero, bem como
monitorar sua execução. Isso
passa pela deinição de metas
de composição paritária para os
seus conselhos e políticas transparentes de combate à discriminação e assédio no trabalho.
RECOMENDAÇÕES
é especialmente importante
ressaltar o caráter de violação
à liberdade de expressão que
essa conduta acarreta.
# Os veículos devem investir em
# As redações devem organizar
RECOMENDAÇÕES
Os resultados da pesquisa mostram que há um longo caminho
a percorrer para que a igualdade de gênero se estabeleça no
jornalismo proissional. Algumas
recomendações simples podem
acelerar a transição para um
período de justiça com todas as
repórteres, editoras e trabalhadoras da imprensa brasileira:
# Os veículos devem produzir
cartilhas para funcionários e
colaboradores deinindo o
assédio cometido por uma
fonte e indicando os procedimentos a serem adotados
pelas repórteres quando forem
vítimas desses atos.
grupos de monitoramento
da diversidade de gênero nas
redações; esse grupo deve ter
um canal de comunicação direto com a direção do veículo e
a missão de produzir relatórios
periódicos com análise tanto
da cobertura, para identiicar desequilíbrios no gênero
das fontes ouvidas, quanto
da composição da redação,
para orientar possíveis novas
contratações.
# Todos os repórteres devem ser
orientados a tratar do tema
do assédio junto a suas fontes;
para que vítimas de abuso e
assédio possam fazer a denúncia formal.
# As redações devem criar um
canal de comunicação interno
capacitação de todos os repórteres em temas de diversidade;
há cursos, palestras, debates
e webinars disponíveis que
podem auxiliar no combate a
este tipo de violência.
# As redações devem encarar
como pautas relevantes todas
as investidas inapropriadas
de fontes sobre jornalistas
mulheres. Estampar o assédio
às trabalhadoras, bem como
dedicar espaço a reportagens
sobre diversidade de gênero
é um passo importante para
desestimular o abuso.
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
Connell, Raewyn. 2016. Gênero em termos gerais. São Paulo: nVersos
Dillman, Don. 2007. Mail and Internet surveys: The Tailored Design
Method. New Jersey: John Wiley & Sons,
Finch, Helen & Lewis, Jane. 2003. “Focus groups”. In: Ritchie, Jane &
Lewis, Jane (orgs.) Qualitative Research Practice: A Guide for Social
Science Students and Researchers. London: Sage. pp. 170-198
Fusch, Patricia & Ness, Lawrence. 2015. “Are We There Yet? Data
Saturation in Qualitative Research”. The Qualitative Report 2015, Vol.
20, No. 9, pp. 1408-1416
Ridgeway, Cecilia. 1997. “Interaction and the Conservation of Gender
Inequality: Considering Employment”. American Sociological Review,
Vol. 62, No. 2 (Apr., 1997), pp. 218-235
ANEXOS
ANEXO 1: CARACTERÍSTICAS DA
AMOSTRA
REGIÃO DE RESIDÊNCIA
SUDESTE
ESTADO CIVIL
EDUCAÇÃO
58,1%
ATÉ ENSINO MÉDIO
SOLTEIRA
58,1%
SUL
17,4%
COMPLETO
1,3%
CASADA / UNIÃO ESTÁVEL
36,1%
NORDESTE
11,1%
ENSINO SUPERIOR
12,2%
SEPARADA / DIVORCIADA
5,5%
NORTE
5,7%
INCOMPLETO
NÃO SABE / NÃO
0,4%
7,1%
ENSINO SUPERIOR
CENTRO-OESTE
COMPLETO
ESTADO DE RESIDÊNCIA
SÃO PAULO
40,3%
RIO DE JANEIRO
11,7%
RIO GRANDE DO SUL
11,1%
MINAS GERAIS
5,0%
PARANÁ
4,4%
DISTRITO FEDERAL
4,0%
CEARÁ
PERNAMBUCO
41,3%
3,6%
2,9%
AMAZONAS
2,7%
GOIÁS
1,9%
SANTA CATARINA
1,9%
BAHIA
1,5%
PARAÍBA
1,3%
ACRE
1,0%
ALAGOAS
1,0%
ESPÍRITO SANTO
1,0%
MATO GROSSO DO SUL
PARÁ
PÓS-GRADUAÇÃO LATO
TEM FILHOS MENORES DE 18 ANOS?
31,9%
SENSU
MESTRADO INCOMPLETO
4,6%
MESTRADO COMPLETO
7,1%
DOUTORADO INCOMPLETO 1,0%
DOUTORADO COMPLETO
COR OU ETNIA
21,4%
PARDA
15,7%
35 A 44 ANOS
21%
AMARELA
0,6%
45 ANOS OU MAIS
6,3%
INDÍGENA
0,4%
NÃO SABE / NÃO
1,4%
RESPONDEU
ORIENTAÇÃO SEXUAL
NÃO SABE / NÃO
1,9%
0,6%
RESPONDEU
RORAIMA
0,4%
0,6%
ANOS
50,9%
RIO GRANDE DO NORTE
NÃO RESPONDEU
31
25 A 34 ANOS
3,6%
0,2%
IDADE
ATÉ 24 ANOS
HOMOSSEXUAL
TOCANTINS
0,6%
RESPONDEU
4,8%
1,0%
0,2%
NÃO SABE / NÃO
PRETA
1,0%
PIAUÍ
84,9%
IDADE MÉDIA
84,1%
0,2%
NÃO
76,9%
10,5%
0,2%
14,5%
BRANCA
BISSEXUAL
MATO GROSSO
SIM
0,2%
HETEROSSEXUAL
AMAPÁ
RESPONDEU
N = 477
As respondentes da nossa pesquisa quantitativa descreveram
suas ocupações nos veículos
mais frequentemente como
repórteres (53,2% dos casos),
editoras (13,4%) e estagiárias
(11,3%).
OCUPAÇÕES
N
%
REPÓRTER
254
53,2%
EDITORA
64
13,4%
ESTAGIÁRIA
54
11,3%
EDITORA-ASSISTENTE
25
5,2%
PRODUTORA
16
3,4%
EDITORA-EXECUTIVA
12
2,5%
OUTRO (ESPECIFIQUE)
11
2,3%
DIRETORA DE REDAÇÃO
9
1,9%
APRESENTADORA/ÂNCORA
6
1,3%
TRAINEE
5
1,0%
COORDENADORA DE PRODUÇÃO
4
0,8%
FOTÓGRAFA
3
0,6%
DESIGNER
3
0,6%
EDITORA DE ARTE
3
0,6%
DIAGRAMADORA
2
0,4%
CHEFE DE REPORTAGEM
2
0,4%
CORRESPONDENTE
1
0,2%
CINEGRAFISTA
1
0,2%
DIRETORA EXECUTIVA
1
0,2%
NÃO SABE / NÃO RESPONDEU
1
0,2%
N = 477
As participantes ocupam seus
cargos em média há 3 anos
e meio (3,65) e trabalham no
veículo em média há 4 anos
(4,34). Costumam trabalhar em
média 33,8 horas, ainda que a
maioria se concentre no regime
de 40 horas, segundo cálculo da
mediana. A média das remunerações é de R$ 5.325 reais, mas
a maioria recebe em torno de
3.500 reais (segundo a mediana). 38,2% recebe até 3 salários
mínimos (2811 reais), 37% até 6
salários mínimos (5622 reais) e
21,6% recebe mais de 6 salários
mínimos.
A maioria exerce a atividade na
sede da organização (77,9%),
seguido por apuração externa (6,7%), em casa (6,5%), em
uma sucursal da organização
(5,9%) e outros (2,9%). O regime de trabalho mais frequente
é o de celetista (70%), seguido
por contrato temporário (11%),
pessoa jurídica (7,2%), autônomo (3,8%), estatutário (2,3%) e
outros (5,7%). A maioria (61,3%)
não exerce atividades remuneradas para outras organizações,
enquanto 29,8% o fazem esporadicamente e 8,9% em caráter
permanente.
“Já tive chefe que perguntava
se eu estava menstruada caso
reclamasse de algo”
REALIZAÇÃO
APOIO
EQUIPE DE REALIZAÇÃO
COORDENAÇÃO DE PESQUISA: NATÁLIA MAZOTTE E VERÔNICA TOSTE
EDIÇÃO: NATÁLIA MAZOTTE
CONSULTORIA EXECUTIVA: MAIÁ MENEZES, ALANA RIZZO E THIAGO HERDY
PESQUISADORA SÊNIOR: VERÔNICA TOSTE
PESQUISADORAS ASSISTENTES: ANDRESSA CABRAL E FERNANDA TÁVORA
GERÊNCIA DE PROJETO: GUILHERME ALPENDRE
WEBDESIGN, INFOGRAFIAS E ANIMAÇÕES: MARIANA SANTOS,
INÊS BARRACHA, RUI FREITAS, JOÃO ERBETTA & VICTOR ABARCA
DESIGN E DIAGRAMAÇÃO: LUCIANA JUNQUEIRA & INEZ TORRES