CENTRO BRASILEIRO DE ARQUEOLOGIA
A PRÉ-HISTÓRIA DA REGIÃO DOS LAGOS
Alfredo José Altamirano1
Proibida a reprodução total ou parcial do presente texto sem a autorização do autor.
Cabo Frio, Março de 2009.
1
Arqueólogo, doutor em ciências, ex-professor da UNIRIO, FIOCRUZ, UNESA,
UNMSM (Lima), bolsista do CNPq, ex-pesquisador de Armação dos Búzios, criador
do Museu de Arqueologia de Búzios, Membro consultor do Centro Brasileiro de
Arqueologia (CBA) e da Paleopathology Association.
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
INDICE
AGRADECIMENTOS ....................................................................................... p. 4
INTRODUÇÃO .................................................................................................. p. 5
Cap. 1.- A geografia da Região dos Lagos, aspectos físicos .............................. p 15
Cap. 2.- O período Lítico e as ocupações sambaquianas.................................... p. 19
2.1.- A Are lítica sambaqui: A Pedra do Lagarto de Iguaba Grande ....... .p. 47
2.2.- O Centro cerimonial do Morro da Guia de Cabo Frio ...................... p. 68
2.3.- A Pirâmide das Cobras de Armação dos Búzios................................ p. 95
2.4.- Conclusões ....................................................................................... p. 125
Cap. 3.- O período Formativo Expansivo ...........................................................p. 127
3.1.- A Sociedade Una de Cabo Frio ........................................................ p. 133
Cap. 4.- O período Tardio: os tupinambás ......................................................... p. 140
3.1.- Os tamoios ......................................................................................... p. 146
3.2.- Os Goitacá ......................................................................................... p. 148
3.3.- Os instrumentos musicais pré-históricos da região............................ p. 150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... p. 156
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
RESUMO
As recentes pesquisas arqueológicas efetuadas nos sete municípios da Região dos Lagos
têm permitido reconstruir uma seqüência histórico-cultural conformado por 5 períodos:
Os sambaquis (3000-1000 a.C) que construiram suas estruturas de forma de montículos
com base de conchas e moluscos e formaram sete agrupações socioculturais
independentes com identidades étnicas próprias baseada no xamanismo. Eles estavam
localizados nas praias de Arraial do Cabo (Massambaba, Pontal da Atalaia), Cabo Frio
(Sambaqui do Forte, Boca da Barra, Morro da Guia), Búzios (Geribá, Manguinhos,
Tucuns), Araruama, Saquarema (Moa, Beirada, Pontinha), Iguaba Grande (Pedra do
Lagarto, Curral dos Índios) e Rio das Ostras (Tarioba). Eram bandos sedentários que
viviam principalmente da pesca marinha (tainhas e carapebas), pesca lacustre, colheita
de mariscos (iriris), e caça de teiús nas restingas.
Numa segunda fase temos a cultura Araruama ou fase Itaipu (1.000 a.C.- 900 d.C.),
assentados na lagoa de Araruama, formando parte do complexo Malhada e Corondó.
Eram horticultores da mandioca, batata doce e caçadores da restinga. Este período foi
uma evolução cultural dos sambaquianos a uma nova ordem sócio-economica e
religiosa.
A terceira ocupação foi a sociedade Una (900-1.200 d.C.) considerados povos
ceramistas procedentes de Minas Gerais e Goiás, falavam a língua Proto-Jê e estavam
assentados nas margens dos rios Una e São João. Eram agressivos e praticavam a
antropofagia ritual com os índios de outras aldeias.
No quarto período podemos perceber a chegada dos Tupinambás (1.200-1.400 d.C.),
localizado entre Saquarema, Araruama, Iguaba (na região da Capivara e Igarapiapunha),
Cabo Frio e Búzios. Eram expertos pescadores e utilizavam a técnica da pesca da
gamboa e caiçara de tradição milenar.
No quinto período surgem os Tamoios e Goitacá (1.400-1.575 d.C.), povos inimigos e
praticavam a antropofagia ritual. Os primeiros eram pescadores e moradores no litoral
lacustre descendentes dos Tupinambás e, os segundos caçadores da restinga e do
mangue, descendentes dos Una. Ambos os grupos tinham estilos de cerâmica diferente,
cultivavam a mandioca e recoletavam diversos frutos e plantas da restinga.
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História, Cabo Frio, RJ.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho começou ser escrito paulatinamente a partir de 1998, sem apoio
econômico, época em que cheguei à cidade de Cabo Frio quando cursava o doutorado
na FIOCRUZ, no Rio de Janeiro, gostei dela e fiquei enfeitizado para sempre por sua
beleza ecológica, praias paradisíacas e pelos amigos buzianos, iguabenses e
cabofrienses, formados durante quase mais de uma década.
Em especial ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq) que concedeu
uma bolsa de pesquisa Processo No. 553669/2006-0 sob o titulo Criação do Museu de
Arqueologia de Armação dos Búzios, 2006-07 e à historiadora e museóloga Nilma
Teixeira Aciolli que permitiu indiretamente a descoberta da Pedra do Lagarto em março
de 2008.
É também meu desejo honrar a destacados historiadores cabofrienses como Hilton
Massa, Abel Beranger, Márcio Werneck da Cunha, Elíseo Gomes Filho, o poeta Clébio
Gonçalves, José Casimiro, Mery Damaceno, Luiz Carlos da Cunha Silveira, o Dr.
Demócrito e José Correia, que suas contribuições, sem dúvida, constituem pilares sobre
a história da região e são motivos de carinho e estímulo para a população da Região dos
Lagos.
Em especial para os meus filhos Yanê Castor e Gary Alfredo, e a Cristiane dos
Santos, minha mulher, que me apoiaram com amor, carinho e acicate pelo êxito do
presente trabalho.
Finalmente, ao doutor Reginaldo Peçanha Brazil, destacado pesquisador e amigo
que conheci na Fiocruz no ano 2000, ávido de conhecimento pela pré-história brasileira
e ao biólogo Evangelos Pagalidis, diretor da Casa 500 anos de História de Cabo Frio,
parceiro, pelo apoio incomensurável de ceder um ambiente para as diversas palestras e
cursos da arqueologia brasileira e mitologia tupinambá entre os anos de 1998 e 2009. A
todos eles meu sincero aprecio pessoal.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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INTRODUÇÃO
O termo Pré-História significa o tempo anterior à História que abrange um amplo
período de ausência da escritura ideográfica e simbólica. Em realidade, mais de 99% da
história humana constitui a pré-história. A história, em sentido estrito, consiste no
estudo das mudanças e continuidades dos grupos humanos explicadas em seu ambiente
cultural, desde sua chegada, crescimento e queda, organizados em ordem cronológica e
sequencial, tendo por base os documentos legados, os quais, para os períodos mais
recuados precisam da recuperação sistemática de diversos assentamentos associados de
artefatos líticos, cacos, ossos humanos e animais, cavernas com pinturas rupestres e
outras evidências chamadas arqueológicas (Mendonça de Souza, 1981).
Contudo, a história da humanidade na faz da Terra é uma só, que tem sido
dividida em diversas áreas e períodos por motivo de sua grande complexidade, evolução
e difusão, pela vasta cultura material legada durante milênios e pela analise da
variabilidade tecnológica e adaptativa a diversos ambientes. A idade do ser humano é
certamente bem superior a um milhão de anos, porém, ele só começou a escrever sua
história nas regiões de Mesopotâmia e Egito há mais de 5.000 anos antes do presente
(A.P.), constituindo os primeiros focos de civilizações do Velho Mundo, junto com a
Índia e a China. Somente através da arqueologia e da antropologia física que estudam a
cultura material e a biologia humana, respectivamente, - cuja interação é conhecida
como o enfoque biocultural - podemos resgatar, aprofundar e elucidar a vida cotidiana
das antigas populações humanas que viveram naquelas regiões.
A chegada do homem às Américas pode ser recuada até 50 mil anos, quando havia
ocorrido um grande esfriamento da Terra durante o período do Pleistoceno, chamado a
glaciação Wisconsin que permitiu a descida do nível do mar em quase 50 metros e
formando a ponte terrestre de Bering para unir a Sibéria nor-oriental com Alasca. Essa
ponte ocorreu em dois grandes períodos, uma entre 50 e 40 mil anos e outra entre 28 mil
e 10.000 anos, quando marca o fim desse período glacial e surge o período do
Holoceno. Porém, animais de grande porte como mamutes peludos, caribus, renas,
bisões, paleolamas, cavalos, pecaris, entre outros, cruzaram a ponte em diversas
direções e foram capturados pelos caçadores generalizados. Mas até agora a hipótese de
culturas anteriores à sociedade caçadora de Clovis com grandes e toscas ferramentas
líticas já estavam ocupando as terras tropicais da América do Sul como São Raimondo
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Nonato em Piauí e Monte Verde no Chile central com antiguedades entre 50 e 30 mil
anos.
Porém, a arqueologia brasileira é muito complexa, versátil e rica que devido ao
extenso espaço geográfico que ocupa na América do Sul foi pouco pesquisada. Sua
importância surge paulatinamente a partir da década dos anos 70. Para entendê-la tem
sido dividida em seis geossistemas: a Amazônia, o Nordeste (a caatinga), o planalto
brasileiro (o cerrado), a Mata Atlântica, o pantanal e a planície do sul, que
simultaneamente constituem as principais regiões do país com enormes implicâncias
sociais e econômicas (Costa, 1980; Prous, 1991).
Entre 1930 e 1950, os estudos pioneiros realizados por Julian Steward, Gerardo
Reichel-Dolmatoff e Helen Palmatary, sobre a arqueologia brasileira, apontaram que as
culturas da floresta amazônica e atlântica eram sociedades marginais e periféricas
procedentes das altas civilizações andinas, principalmente de Colômbia e Venezuela,
alcançando somente o nível sócio-cultural de tribo (Steward, 1946/50). A partir da
Segunda Guerra Mundial, o casal Clifford Evans e Betty Meggers começa liderar a
arqueologia amazônica e da América do Sul com a aplicação de uma nova teoria da
ecologia cultural, difusionismo, neo-evolucionsimo e funcionalismo, mas apontado
enfaticamente que o meio ambiental condiciona limites ao desenvolvimento humano.
Naquela época surgiu a primeira critica a esse modelo determinista, o de Roberto
Carneiro que trabalhando no alto Xingu demonstrou que os Kuikuro tinham
domesticado a mandioca a pelo menos 8.000 anos passando da variedade silvestre,
amarga e venenosa, para o doce e agradável aipim (Carneiro, 1974). Posteriormente
novos estudos arqueológicos estavam em contra desse modelo dominante como os de
Donald Lathrap (1985), Anna Roosevelt (1995) e Michael Heckenberger (1996),
revelando que no século XVI, quando chegaram os primeiros europeus à bacia
amazônica, houve densas populações humanas que alcançaram o nível sóciopolítico de
chefia, um grau incipiente de Estado. Hoje sabemos que a Amazônia concentrou
grandes populações indígenas nas várzeas e se integravam através da guerra e do
comércio com diversas populações humanas das savanas, da Terra Firme e do Cerrado,
formando redes econômicas de controle horizontal através de caminhos e de ríos.
O presente trabalho se concentrará na área da mata Atlântica do Rio de Janeiro,
especificamente as sociedades litorâneas prístinas da Região dos Lagos ou a região de
Cabo Frio, lugar eixo deste estudo, localizada na costa central do Estado do Rio de
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Janeiro. Constitui-se em importante unidade fisiográfica e sócio-cultural dentro do
complexo geopolítico do Estado, por apresentar características ambientais e culturais
impares. A conjunção dessas peculiaridades - geológicas, ecológicas e sociais - produz
como resultado paisagens contrastantes de alto valor cênico (Fig. 1).
Fig. 1.- Localização da Região dos Lagos e os sítios arqueológicos (baseado de Gaspar
et al. 2007).
O estado atual do conhecimento sobre as primeiras manifestações culturais e
biológicas do homem pré-histórico que deram origem à ocupação humana do Município
de Cabo Frio, está contemplado aqui através de uma sequência evolutiva e ordenada que
nos conduze desenvolver através duma metodologia de trabalho concernente à
construção cultural das antigas sociedades que ocuparam a região (Tabela 1). Aliás,
recuperamos as diversas contribuições arqueológicas efetuadas desde fins da década de
50 até os 90s por destacados arqueólogos nacionais como Lina Maria Kneip, Maria C.
Beltrão, Marília do Mello Alvim, Eduardo Salles Cunha, Ondemar Dias Júnior, Alfredo
Mendonça de Souza, Sheila Maria Ferraz, Lilia Cheuiche Machado, Maria D. Gaspar e
Maria C. Tenório, entre outros.
A partir da colonização das terras de Cabo Frio, no século XVI, iniciou-se intensa
devastação dos ecossistemas, com exploração dos recursos naturais, tais como o paubrasil (Caesalpinia echinata LAMARCK 1789), que abundava nas matas litorâneas, a
extração da cal dos sambaquis, seguida da criação do gado nos séculos XVII-XIX,
exploração do sal entre o século XIX até meados do XX, e a drenagem dos brejos para
estabelecimento de assentamentos humanos a partir de 1950. Hoje tais devastações
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continuam com a implantação de loteamentos desordenados na orla marítima e invasão
de terras, causando em curto prazo, a extinção das espécies importantes para a
manutenção das relações harmônicas da natureza.
PERÍODO E
HORIZONTE
PERIODO
TARDIO
(1,400-1,575 d.C.)
Masacre dos
tamoios
ORGANIZAÇÃO
SOCIAL
Tamoio e Goitacá Chefias
agrícolas
de
extração de caju, castanha e
aipim; aldeias guerreiras.
Línguas Tupi-Guarani e Jé.
HORIZONTE
TUPIGUARANI
(1.200-1,400 d.C.)
Tupiguarani ou
Tupinambá
FORMATIVO
EXPANSIVO
(900-1,200 d.C.)
Chegada da
cerâmica
ARCAICO
(1,000 a.C.- 900
d.C.)
CULTURA
Chefias de horticultores,
pescadores,
guerreiros,
coletores de moluscos e
caçadores e agricultores de
coivara.
Língua
TupiGuarani.
Tradição Una
Tribos
com
aldeias,
(Fase B)
horticultores de milho,
feijão e algodão, originários
de
MG,
pescadores
especializados e caçadores.
Incremento demográfico.
Língua Proto-Jé.
Cultura Araruama Tribos com aldeias de
= Tradição Itaipu horticultores de mandioca,
(Fases A e B)
pescadores especializados,
Sambaquis tardios caçadores e coletores de
vegetais,
Redução
de
bancos de moluscos.
LITICO II
(3,000-1,000 a.C.)
Sambaquis
Macro-bandos pescadores e
coletores de moluscos
(berbigão, pesca astesanal e
recoleta vegetal).
LITICO I
(6,000-3,000 a.C.)
Sambaquis
Bandos de pescadores,
coletores de moluscos
terrestres e mariscos, e
caçadores.
SÍTIOS
ARQUEOLÓGICOS
Sítio da Estação (Porto
do Carro), Aracy
Machado e campo de
futebol. Acampamentos
com agricultura de
coivara.
Expansão dos
"polidores e
amoladores fixos" e
Aldeias e
acampamentos do
litoral.
Tradição Una B, barra
de São João, Sítio
Grade de Una.
Tradição Mucuri,
ocupações de
Sernambetiba,
Guaratiba e Parati.
Malhada, Corondó,
4260 + 75; 4205 + 111,
Angelim, tradição
tardia sambaqui:
Geribá I e Boca da
Barra. Tauá.
Sambaqui do Forte
(4330 + 140; 5520 +
120), Massambaba (?),
Bela Vista (?), Peró
(4340 + 70), Geribá II
(5150 + 110). Pedra do
Lagarto.
Optimum Climaticum
Camboinhas (7958 +
224 (?), Itaboraí, 8100
+ 75.
Tabela 1.- Sequência cultural da pré-história da região de Cabo Frio.
A história das pesquisas arqueológicas em Cabo Frio pode ser dividida em 5 fases:
na primeira fase corresponde à época dos precursores entre meados do século XIX - ca.
1950; na fase 2, entre 1950 e 1960, ocorrem os trabalhos da Associação Brasileira de
Estudos do Patrimônio Arqueológico (ABEPA); na fase 3 surgem os trabalhos iniciais
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do IAB (entre 1961-64); na fase 4 surge o PRONAPA (entre 1965 e 70); na fase 5
ocorre o Programa Litoral Fluminense (entre 1974 e 2000), este último pode subdividirse em três sub-fases: de prospecção, de escavação e de salvamento.
Entre os precursores da pré-história de Cabo Frio destaca em primeiro lugar o
estudo do francês Charles Wiener (1876) que em 1874 visitou a região e descreveu os
rochedos sulcados do Morro da Guia. Posteriormente, a partir de 1912, Antônio Carlos
Simões da Silva escreveu vários artigos sobre os sambaquis do Rio de Janeiro,
destacando um trabalho sobre o "osso Inca" achado em crânios de populações de
sambaquis cabofrienses. Este osso, também chamado epactal, é uma formação
supernumeraria, não patológica, localizada entre o osso occipital e os parietais (Apud
Mendonça de Souza, 1991). Tem forma triangular e foram observadas anteriormente em
crânios incaicos e egípcios.
Simões da Silva (1917) também estudou as pedras sulcadas do Morro da Guia.
Após, em 1930 escavou o sítio arqueológico de Saquarema coletando utensílios e
transportando-os ao seu museu no Rio de Janeiro (Silva, 1932). Nesse momento, havia
grande preocupação em descobrir as cidades perdidas de El Dorado, Paititi ou aldeias
cheias de tesouros como ocorreram no Peru, Egito e México. Essa febre deu impulso
para novos estudos de Oton Leonardos (1938), Raimundo Lopes e Fróes Abreu que
estudaram os sambaquis de Cabo Frio, outrora abundantes, mas hoje raros pelo seu
emprego nas caieiras, achando-se pontas de flechas de quartzo hialino (Lamego, 1944).
Sílvio Fróes de Abreu (1928, 1932) realizou estudos comparativos entre as dunas
sambaquianas de Cabo Frio e as de Torres, em Santa Catarina, indicando que os sítiossobre-dunas de Cabo Frio foi o resultado de uma manifestação cultural distinta.
A segunda fase, entre 1950 e inícios da década dos anos 60, surge os trabalhos da
ABEPA, destacando o antropólogo Luiz Castro Faria (1959) do Museu Nacional que
denunciou sobre o péssimo estado de conservação de alguns sítios sambaquis da região
no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e indicou por
primeira vez os sítios no rio Una. No fim dessa década, Ondemar Dias Jr. publicou um
estudo sobre os polidores líticos do Morro da Guia de Cabo Frio (Dias Jr., 1959).
Naquele momento havia um pesquisador local chamado Lorenz que interpretava que as
pedras sulcadas eram antigas inscrições chamadas "runas".
Na terceira fase, entre 1961 e 64, quando se fundou o Instituto de Arqueologia
Brasileira (IAB), em abril de 1965, implantou-se o Programa Nacional de Pesquisas
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Arqueológicas (PRONAPA) 2, permitindo a localização do cemitério índio da "sede
náutica do Tamoio", assim como prospecções, levantamentos iniciais e coleta
superficial no Sambaqui do Forte (no Hotel a Beira Mar, onde existia uma velha
muralha) e seguiram as descobertas de sítios sambaquis no litoral da Região dos Lagos.
Nesse momento, Dias Jr. também começava a formular o conceito da fase Itaipu,
mantendo relações com a duna e sítios em praias. Itaipu constitui um morro de 17m de
altura, localizada em Niterói, com camadas arqueológicas e alternando com níveis de
areia, cuja base era um típico sambaqui.
Entre 1965-70, durante o programa do PRONAPA, foram realizados os registros,
a catalogação, as descrições e as análises dos sambaquis da praia do Forte. Dias Jr.,
dirigindo o IAB, descobriu outro sítio cerâmico na base aérea naval que se inseria na
fase Sernambetiba em São Pedro da Aldeia. Também se concentrou nos sítios do rio
Una e formulou por primeira vez a fase Una.
Na quarta fase, entre 1966 e 1970, Maria C. Beltrão e Lina Maria Kneip
realizaram pesquisas nas aldeias Tupiguarani de Cabo Frio e o Sambaqui do Forte ou
Morro do Índio com abordagem interdisciplinar e observando as mudanças
geomorfológicas da região (Beltrão & Kneip, 1967, 1969). Entre 1971 e 1973, L. Kneip,
do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, conduziu escavações
sistemáticas no Sambaqui do Forte devido à construção do Cassino Atlântico que
produziu o tombamento desse sítio pelo IPHAN. Tais estudos arqueológicos
permitiram-lhe escrever sua dissertação de mestrado em 1973 e, depois, em 1976, a tese
de doutoramento: "Pescadores e coletores pré-históricos do litoral de Cabo Frio, Rio de
Janeiro", defendida na Universidade de São Paulo. Kneip, que morrera tragicamente
num acidente de trânsito em Araruama em 2002, deixou uma grande produção científica
sobre a Região dos Lagos, tinha muito carinho pelas cidades balneárias de Saquarema,
Araruama e Cabo Frio e defendia com muito orgulho pela custodia do patrimônio
arqueológico da Região dos Lagos.
Na quinta Fase, entre 1974 até os tempos atuais, surgiu o Programa Litoral
Fluminense3, coordenado por Dias Jr. e Eliana Carvalho do IAB, que na fase inicial,
2
O primeiro período deste Programa, realizado entre 1965 e 70, foi coordenado pelos Drs. Betty J.
Meggers e Clifford Evans da Smithsonian Institution de Washington D.C e do CNPq, deu grande impulso
às pesquisas arqueológicas brasileiras. No Rio de Janeiro, foi amplamente beneficiado o IAB através de
apoio financeiro da Smithsonian Institution e da National Geographic Society.
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Este Programa foi desenvolvido entre 1974 até os dias atuais. Impulsionado pelo IAB teve apoio
financeiro da Secretária de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), do Conselho Nacional de
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1970-73, realizaram prospecções em 20 sítios da região e descobrindo o famoso sítio de
Corondó. Este programa tinha como principal propósito à obtenção de dados sobre as
características bio-culturais dos grupos indígenas pré-históricos que ocuparam o litoral
central brasileiro, no atual Estado do Rio de Janeiro, e a suas modalidades de
relacionamento com o ambiente. Enfocando principalmente a antropologia física e
paleopatologia. Entre 1974-92, concentraram-se em 37 sítios e a sistematização das
pesquisas resultou na escavação de sítios litorâneos, como o Corondó e Malhada I da
Tradição Itaipu, entre São Pedro de Aldeia e Cabo Frio, recuperando um número
significativo e bem documentado de restos ósseos humanos que possibilitaram
interpretações mais acuradas. Esta fase se estendia entre Rio Grande do Sul até Espírito
Santo (Dias Jr., 1975).
Em junho de 1977 aconteceu o I Encontro do Patrimônio Cultural de Cabo Frio
organizado por Alfredo Mendonça de Souza, Sheila Ferraz Mendonça de Souza, César
Lotufo e Hermelinda Mendonça de Souza representantes do Instituto Superior de
Cultura Brasileira, Rio de Janeiro durante o governo do prefeito Ivã Saldanha e tendo
como secretario de turismo ao finado colega Marcio Werneck da Cunha. A equipe de
Alfredo Mendonça continuou desenvolvendo, entre 1977-78, o projeto "Levantamento,
Cadastramento e Diagnóstico dos sítios arqueológicos de Cabo Frio", o que resultou em
informações sobre a localização, contexto ecológico, conteúdo cultural e grau de
destruição das jazidas arqueológicas dispersadas na área estudada e conduzindo
pesquisas de salvamento no sítio sobre duna Colônia de Pesca 05, Arraial do Cabo e do
Morro da Guia por Joaquim Perfeito da Silva.
Entre 1978 e 1985, A. Mendonça de Souza e sua equipe continuaram realizando
prospecções e escavações em Arraial do Cabo. O denominado "Projeto Vespúcio" foi
auspiciado pela Universidade Estácio de Sá (UNESA) do Rio de Janeiro, ampliando
suas pesquisas em Cabo Frio e Búzios (Mendonça de Souza, 1978, 1981). Quando
cheguei à cidade de Rio de Janeiro, em outubro de 1994, conheci ao finado Dr.
Mendonça de Souza, era um destacado professor de arqueologia da UNESA, mente ágil,
versátil, alegre e brincalhão. Seus alunos gostavam muito dele. Escavou a praia do
Manguinhos em Búzios, o sítio de Massambaba e a Colônia de Pesca em Arraial do
Cabo e apresentou relatório de pesquisa à Secretária de Turismo de Cabo Frio em 1980.
Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), Latin American Archaeology Fund da Smithsonian
Institution e da National Geographic Society.
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História, Cabo Frio, RJ.
Em 1980 se promulgou as leis de zoneamento e parcelamento de Cabo Frio que
incluía vários sítios arqueológicos e áreas arqueológicas em zonas de preservação
permanente. No ano seguinte, foi criado o Conselho Municipal de Patrimônio Artístico
e Cultural (COMUPAC) e do Instituto Municipal de Patrimônio e Cultura (IMUPAC)
com poderes de tombamento (Silva et al., 1985).
Entre 1978 e 1985, Oswaldo R. Heredia da Universidade de São Paulo (USP)
conduziu pesquisas ecológicas e arqueológicas na região, com financiamento da
Fundação Ford e da Finep levou a cabo o projeto de pesquisa "Cazadores-recolectorespescadores prehistóricos en el Estado do Rio de Janeiro", descrevendo as mudanças das
explorações
estacionais
e/ou
cíclicas
dos
recursos
naturais
em
diferentes
microambientes (Heredia, 1978). Nesse projeto colaboraram Ângela Buarque, Maria
Dulce Gaspar e Maria Cristina Tenório, que logo cada um delas vão conduzir seus
próprios projetos e continuam realizando pesquisas na região, sob auspícios do
Departamento de Arqueologia do Museu Nacional da UFRJ.
Entre 1988 e 1990, Maria D. Gaspar iniciou suas pesquisas na Região dos Lagos,
defendendo sua tese de doutoramento intitulada "Aspectos da organização social de um
grupo de pescadores, coletores e caçadores: região compreendida entre a baía da Ilha
Grande e o delta do Paraíba do Sul, Rio de Janeiro", defendida na USP em 1991. Em
1995 escavou o sítio das Salinas do Peró, frente à ilha do Japonês na boca da barra,
ainda suas escavações podem ser vistas nesse sítio. Em 2000, praticou explorações na
base aérea da marinha entre São Pedro d'Aldeia e Cabo Frio, descobrindo vários sítios
arqueológicos tupiguarani. Nesse mesmo ano ganhou por concurso público a vaga de
pesquisadora do Museu Nacional da UFRJ.
A partir da década 90, devido ao crescente número da expansão demográfica e
áreas turísticas, começou a fase de salvamento de vários sítios pré-históricos da Região
dos Lagos como em Cabo Frio no sítio Duna de Bela Vista (RJ-JC-10), em Niterói,
Duna Grande Itaipu (RJ-JC-18), os sambaquis de Araruama (RJ-JC-76) e em Arraial do
Cabo no sítio de Massambaba (RJ-JC-56). Tarefa que estavam ligadas todas as
instituições brasileiras, incluindo os municípios regionais.
Em novembro de 1998, no primeiro Fórum de Arqueologia de Cabo Frio,
organizada pelo Dr. Walter Bessa Teixeira e o biólogo Geraldo Monteiro, falamos da
necessidade de reconstruir e fortalecer a identidade cultural da região que permitisse
controlar essa onda de destruição e abandono dos monumentos pré-históricos da região,
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História, Cabo Frio, RJ.
tendo como base dois objetivos: um, a criação da escola de arqueologia, história e
turismo na Faculdade da Região dos Lagos (FERLAGOS); e dois, a construção do
Museu Arqueológico e Antropológico da Região dos Lagos, também em Cabo Frio.
Mas essa idéia não foi concretizada até que no ano 2000, a Universidade Veiga de
Almeida criou os cursos de história e turismo, com um bom número de alunos. Mas
ainda achamos que ambas as tarefas estão em processo de construção e que esse projeto
do Museu não é impossível.
Dedicamo-nos à pesquisa do processo de colonização da Região dos Lagos,
considerada uma área piloto, que está relacionado com a ocupação da porção leste da
América do Sul. Nosso estudo aborda colonização, arte lítica e controle de território
relacionado aos grupos Sambaquianos, Tupi, particularmente os Tupinambá, e MacroJê, especialmente os Goitacá. Ângela Buarque, desde 1993, estuda os Tupinambá, que
ocuparam a Região dos Lagos, e já produziu reflexões sobre o tratamento dos mortos
entre esses nativos (Buarque et al. 2003; Gaspar et al. 2004; Buarque 2004 mimeo).
Jeanne Cordeiro, desde 2000, estuda os Goitacá, e, também, se dedica ao estudo dos
Tupinambá (2004, 2005). Mais recentemente, Escórcio & Gaspar (2005) e Gaspar et al.
(2007) iniciaram reflexões sobre construção de gênero entre os sambaquianos e a
comparação entre os padrões de enterramentos pré-historicos desta região.
Entre 2006 e 2008, o autor deste trabalho desenvolveu um projeto de Criação do
Museu de Arqueologia de Armação dos Búzios com apoio do CNPq e da UNIRIO,
recuperándo-se muito material arqueológico de áreas em destruição pela ação das
imobiliárias, mas no momento de sua inauguração em dezembro de 2008 o IPHAN
interveio como o ―protetor da cultura de região‖, sem ter feito nada pelo avanço do
estudo. No entanto, alegou que no local falta ar condicionado, segurança do acervo
cultural em circuito fechado, um caderno de visita, entre outros. Mas isto foi um total
atropelho à cultura buziana que com o intuito de construir seu próprio museu regional
não se subordinou ao ―rigor‖ desse órgão federal obsoleto. Hoje a Prefeitura Municipal
de Búzios fechou esse importante trabalho.
Em suma, tais estudos, muitas vezes contraditórios e polêmicos, têm permitido
sistematizar uma teoria arqueológica evolutiva do povoamento pré-histórico desta parte
do litoral do Rio de Janeiro, desde pelo menos há uns 5.500 anos antes do presente
(Gaspar et al. 2007; Dias & Carvalho, 1992; Kneip & Pallestrini, 1984). Aquelas
populações adaptaram, atuaram e dinamizaram-se no cenário litorâneo da Região dos
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Lagos através de diversas tradições sócio-culturais até o 27 de setembro de 1575 quando
ocorreu o massacre dos tamoios em Cabo Frio.
Nesse sentido, o presente livro procura fortalecer essa identidade, organizado de
modo ordenado e seqüencial em quatro capítulos. No primeiro capítulo trata sobre a
geografia e aspecto físico da região. O capítulo 2 concerne ao período Lítico/Arcaico, às
primeiras ocupações humanas da região, conhecida como a cultura sambaquiana e as
suas adaptações bio-culturais. O capítulo 3 aborda o período Formativo Expansivo e o
surgimento da cultura Una, introdução de novas plantas domesticadas e adaptação aos
recursos marinhos. Finalmente, no capítulo 4 falamos da cultura tupinambá como a
grande expansão brasileira, os tamoios e os goitacás até antes chegada dos portugueses à
região.
Esperamos que essa viagem ao passado pré-histórico de nossa região possa gerar
novas pesquisas e a você, amável leitor, permita procurar e achar os dados que precisa
para tua formação e consulta. Obrigado.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Cap. 1.- A GEOGRAFIA DA REGIÃO DOS LAGOS, ASPECTOS FISICOS
A costa brasileira está formada por uma extensa planície e coberta em grande parte
pela Mata Atlântica e as restingas, ecossistema característico dos cordões arenosos
litorâneos. A restinga está formada de um mosaico de diversos tipos de vegetação
apresentando um zoneamento que vai da praia até o interior. Ela varia de comunidades
abertas, com formações herbáceas e arbustivas (restinga aberta) até a mata de cordões
arenosos (mata de restinga). Mais para o interior, principalmente sobre as elevações
montanhosas, o litoral brasileiro é caracterizado pela existência da Mata Atlântica,
propriamente dita, uma floresta tropical densa que se estende do Estado do Rio Grande
do Norte (5ºS) até o Rio Grande do Sul (29ºS). Na região sul, apesar do clima
subtropical, as temperaturas invernais amenas ao longo da costa e as chuvas abundantes,
bem distribuídas ao longo do ano, permitem o desenvolvimento de uma floresta perene
com alta biodiversidade que é uma continuação da Mata Atlântica de zonas tropicais.
Scheel-Ybert (1999) apontou que a planície costeira da Região dos Lagos,
localizada no sudeste do Estado do Rio de Janeiro, se caracteriza por duas seqüências de
sistemas lagunares, cuja evolução paleogeográfica está intimamente ligada às variações
do nível do mar ocorrida durante o período Quaternário recente. (1) o sistema lagunar
externo se constitui por uma sequência de pequenas lagoas situadas em estreitas
depressões rochosas que originam os cordões arenosos (Vermelha, Pernambuca, Brejo
do Espinho, Massambaba, Coroinhas, etc.). E outro, (2) o sistema lagunar interno que
compreende as grandes lagoas (Saquarema, Araruama, Maricá e Jaconé, entre outras).
Os homens do sambaqui da Região dos Lagos foram ocupando em primeiro lugar o
sistema lagunar externo e, após, com o incremento demográfico voltaram-se à conquista
do sistema lagunar interno. Isto teria ocorrido durante o período Sambaqui Tardio.
A região apresenta um clima tropical semi-árido próprio e agradável para a vida
humana com belezas de restingas, praias, dunas, ilhas e costões rochosos abundantes
para a pesca, rodeados a um conjunto de lagoas que vai caracterizar um ecossistema
lagunar centralizado na Lagoa Araruama e Saquarema, apresentando alta densidade de
sambaquis, em geral agrupados em pontos de grande produtividade. Vários rios
principais destacam como o rio Una e o São João. O primeiro nasce dos morros da
Sapiatiba próximo a Iguaba Grande e o segundo da Serra da Mar. Muitos outros rios já
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
foram assoriados como o Araçá, Camurupi, Trapiche e Gargoá, entre Cabo Frio e
Armação dos Búzios.
As lagoas de Jaconé, Maricá e do Padre devido à ausência de pesquisas
arqueológicas se acreditam ter tido pouca ocupação pré-histórica. Mas numa rápida
prospecção realizada em 2007 com alunos da UNIRIO observamos vários sítios
sambaquis que não estão registrados e merece atenção urgente devido ao crescimento
urbano e sua proximidade à cidade do Rio de Janeiro.
A formação orográfica dos morros da Guia e do Telégrafo, em Cabo Frio, surgiu
há dois bilhões de anos paralelamente com a formação dos morros das Emerências e da
Ponta do Pai Vitório em Búzios e os morros da Sapeatiba em Iguaba Grande (Reis &
Mansur, 1995; Mansur, com. pessoal 2008).
O clima da maior parte desta região é tropical úmido, quente e chuvoso no verão,
com uma curta estação seca no inverno, caracterizado como Aw na classificação de
Köppen. No extremo sudeste da Região dos Lagos, especificamente nos municípios de
Armação dos Búzios, Cabo Frio e Arraial do Cabo, o clima particularmente seco é
classificado como Köppen BSh, o que corresponde a uma variante do clima quente semiárido. Isto é devido ao fenômeno de ressurgência. Ou seja, ao encontro de duas correntes
marinhas, a do Atlântico de águas quentes e a de Falkland de águas frias, que condiciona
uma redução da precipitação local, a qual raramente excede 800 mm/ano (Barbière
1984). Formando uma das ecologias marinhas mais ricas e diversificadas do orbe.
A restinga constitui um mosaico de vários tipos de vegetação de zoneamento que
vai da praia e dos cordões arenosos litorâneos até o interior (Araújo & Henriques 1984).
A restinga aberta inclui desde as formações de praias de vegetação psamófita-reptante
até formações herbáceas brejosas, em pontos baixos do relevo, e formações arbustivas
abertas ou fechadas, podendo formar moitas ou ter as copas contínuas, e ocorrendo no
cordão externo, no cordão interno ou em pontos baixos do relevo. A mata de restinga se
divide em um tipo de mata seca arenosa, com troncos finos bem ramificados e copas em
geral contíguas, podendo ocorrer tanto no cordão externo quanto no cordão interno, e a
mata de restinga inundada, localizada nos pontos mais baixos do relevo, e apresentandose periódica ou permanentemente inundada (Araújo 2000).
Os afloramentos cristalinos próximos ao oceano, desde a Ilha de Cabo Frio em
Arraial do Cabo até o istmo de Armação dos Búzios, apresentam associações vegetais
que são únicas ao longo da costa e se caracterizam essencialmente pela vegetação
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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rupestre típica dos costões abruptos, pela formação arbustiva de vertente e pela floresta
xeromórfica de vertente, também conhecida como ―mata seca‖. Esta floresta, embora
ainda pouco conhecida, é distinta da mata de restinga e se aproxima mais, em alguns
aspectos florísticos, da mata Atlântica.
Desde inícios do século XX, a Região dos Lagos vem sendo estudada pelos
arqueólogos brasileiros, 24 sítios de pescadores e coletores sambaquis já foram alvos de
escavações e estão disponíveis 57 datações radiocarbônicas. A grande maioria das
intervenções arqueológicas constatou a presença de sepultamentos e, em alguns sítios, há
uma incidência significativa de esqueletos humanos. É inegável admitir que o ritual
funerário e a queima fossem fatores preponderantes no processo de construção dos
sambaquis (Gaspar et alli. 2007).
Vinte sítios sambaquis foram identificados por Kneip nos municípios de
Saquarema e Jaconé, os sítios principais são: Moa, Pontinha e Beirada, muito material
biológico, cultural e estratigráfico foram recuperados entre 1990 e 2000. Os sambaquis
da Beirada e da Pontinha se situam no dorso do cordão arenoso pleistocênico entre a
lagoa de Saquarema e o mar, a cerca de 400m de distância um do outro. O primeiro tem
área de 2320m2 e uma estratigrafia composta por matriz conchífera com quatro
camadas arqueológicas. O segundo, com 1000m2, tem quatro camadas arqueológicas de
sedimento arenoso com conchas dispersas (Kneip, 2001). O sambaqui do Moa localizase entre a lagoa de Saquarema e as margens de um rio. Ocupa uma área de
aproximadamente 2800m2 e apresenta uma ocupação de 80cm de espessura em duas
camadas arqueológicas, com matriz conchífera (Kneip, 2001) (Fig. 2).
Vinte e nove sambaquis foram identificados no complexo lagunar de Araruama
(Gaspar, 1991). Destes, foram estudados os sambaquis do Forte, Salinas Peroano, Meio,
Boca da Barra e Ponta da Cabeça. O primeiro se localiza entre o Canal de Itajuru e o
Oceano Atlântico, na margem oeste do canal, que conecta a Lagoa de Araruama ao mar,
ao norte da praia do Forte. Apresenta 100m2 de área e uma estratigrafia composta por
oito camadas distribuídas em duas matrizes distintas: quatro camadas compostas por
matriz conchífera e duas camadas arenosas (Kneip, 1980).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Fig. 2.- Localização dos sitios sambaquis de Saquarema e Jaconé.
Os sambaquis Salinas Peroano, Meio e Boca da Barra estão situados sobre colinas
cristalinas na margem leste do Canal de Itajuru, a menos de 500m de distância uns dos
outros. O primeiro apresenta 1200m2 de área e uma estratigrafia composta por uma
matriz mineral que apresenta lentes de concha distribuídas ao longo da ocupação; o
último tem área de 1500m2 e estratigrafia formada por uma matriz conchífera (Gaspar,
1991). O sítio do Meio, situado sobre uma elevação de aproximadamente 10m de altura,
ocupa uma área de 240m2 e apresenta uma ocupação de 80cm de espessura composta
por três camadas estratigráficas alternando sedimento arenoso e conchas (Gaspar e
Scaramella, 1992).
O sambaqui Ponta da Cabeça se situa na península de Arraial do Cabo, sobre uma
colina cristalina próxima à praia da Massambaba. Encontra-se a uma altitude de 40m e
tem dimensão aproximada de 4200m2. Apresenta uma matriz mineral de coloração
marrom escuro contendo farto material faunístico entre conchas e ossos (Tenório et al.,
1992).
Em Búzios foram registrados vinte sambaquis, em sua maioria arrasada pela ação
antrópica das imobiliárias e recentemente tem sido descoberto o sitio Pirâmide das
Cobras, que se encontra em estudo. Já foram destruídos os sambaquis de Geribá,
Tucuns, Manguinhos. Ainda existem alguns sítios preservados como o Sambaqui da
Foca e Sambaqui de José Gonçalves que precisam de urgente proteção do IPHAN que
desconhece o perigo das invasões. Um Museu de Arqueologia criado por nosso projeto
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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com apoio do CNPq em 2008 foi fechado pelo IPHAN devido, segundo eles, à falta de
segurança, hoje todo esse material está em perigo de desaparição, sem apoio da
Prefeitura nem desse órgão federal criado para a proteção da cultura.
Na região da planície do rio São João foi identificado 17 sambaquis agrupados em
dois conjuntos, dentre os quais o sambaqui Ilha da Boa Vista-I foi objeto de análise.
Este sambaqui encontra-se assentado sobre um dos muitos cordões arenosos existentes.
Apresenta área de 660m2 e uma estratigrafia composta por uma matriz mineral de
coloração marrom escura com vestígios faunísticos dispersos, lentes malacológicas e
argilosas (Barbosa et al., 1994).
No litoral existem mais de 30 ilhas de formações rochosas da era Secundária que
não foram pesquisadas e devem ter ocupação arqueológica principalmente dos
chamados grupos sambaquianos. Em suma, as praias, ilhas, rios, dunas, lagoas e
restingas da Região dos Lagos forneceram, fornecem e seguiram oferecendo abundante
sustento de animais, plantas e rochas aos primeiros ocupantes humanos e conformam
um dos mais belos ecossistemas litorâneos e aquáticos do Brasil.
Cap. 2.- O PERÍODO LÍTICO E AS OCUPAÇÕES SAMBAQUIANAS
Prous (1991) menciona que a palavra tupi de sambaqui provém de duas raízes,
uma samba que significa concha, marisco e molusco e qui ou ki reflete o amontoamento
ou acumulo. Fazendo um retrospecto da literatura dos sambaquis, sobretudo daquela
produzida durante a década dos anos 50s, apontava que os construtores destas grandes
estruturas litorâneas sempre foram considerados como pertencendo a sociedades
bastante simples, com uma economia baseada essencialmente na coleta de moluscos,
complementada pela caça e pela pesca. Mas a partir da década dos anos 70 houve uma
drástica mudança do enfoque da cultura material dos sambaquianos litorâneos,
apontando que a base da economia ter-se-ia deslocada para a pesca (Emperaire &
Laming, 1956; Beck, 1972; Garcia & Uchoa, 1981; Lima & Mazz, 1999/2000).
Porém, a grande quantidade de restos de conchas nos sambaquis levou ao
desenvolvimento de uma visão ―impressionista‖ destes sítios, na qual os grupos a eles
associados foram considerados coletores de moluscos nômades. Essa interpretação
permitiu que a investigação de vários aspectos de seu sistema de subsistência fosse
negligenciada. Os construtores de sambaqui são atualmente considerados como
pescadores sedentários que apresentavam uma organização sociocultural relativamente
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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complexa (Gaspar, 1991, 2003; De Blasis et al., 1998; Lima & Mazz, 1999, 2000), e
várias pesquisas abordando padrão de subsistência, organização social, padrões de
enterramento e ideologia estão em andamento (Fig. 3).
Fig. 3.- Enterramento sambaquiano da Região dos Lagos (Fonte: Gaspar et al.,
2007,,p. 178).
O desenvolvimento de estudos zooarqueológicos da chamada Nova Arqueologia e
a identificação dos restos faunísticos e ictiológicos demonstrou a importância da pesca
no sistema de subsistência dos sambaquianos desde os primórdios da ocupação das
zonas costeiras (Lima, 1991; Bandeira, 1992; Figuti, 1993; Klökler, 2000). Análises de
isótopos estáveis demonstraram uma grande variabilidade intra e inter sítios dos
recursos protéicos consumidos, mas consistentemente apontou peixes e mamíferos
marinhos como a principal fonte desses recursos (De Masi, 2001). Os moluscos não são
mais vistos como a base da economia, mas sim como um elemento secundário na dieta,
que pode ter tido grande importância como material de construção (Afonso & DeBlasis,
1994; Gaspar, 2003). O consumo de vegetais, no entanto, permaneceu subestimado, já
que as evidências diretas do uso de plantas se restringem essencialmente a algumas
sementes e coquinhos queimados, e as indiretas a objetos líticos atribuídos à preparação
de vegetais (Kneip, 1977, 1994; Tenório, 1991; Gaspar, 1995).
Ainda que importantes peculiaridades regionais tenham existido, os sambaquis
distribuídos ao longo de todo o litoral brasileiro apresentam muitas características
semelhantes desde os pontos de vista tecnológico, econômico e ideológico. Não existem
dados disponíveis sobre integração política regional e supra-regional, mas a
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
homogeneidade tipológica das indústrias lítica e óssea, assim como características
estruturais dos próprios sítios, aponta para uma grande estabilidade cultural no tempo e
no espaço (Gaspar, 1992, 1994/95; De Blasis et al., 1998). Mas a pesar desta aparente
homogeneidade de todos os sambaquis podemos perceber diferenças de grupos
xamanisticos baseados nos padrões de enterramento e da arte lítica. Ou seja, formavam
unidades independentes que tinham sua própria identidade cultural baseado em deuses
animais como símbolos de sua etnicidade.
Um exemplo disso pode perceber-se no registro arqueológico das pequenas
esculturas de pedra, chamados zoólitos, que ocorrem exclusivamente nos sambaquis
meridionais, a partir do Estado de São Paulo (Prous, 1991). Os sítios da região Sul
(Estados do Paraná e Santa Catarina) são muito maiores, o que implica num grande
número de pessoas envolvidas em sua construção (Fish et al., 2000). No entanto, nos
sítios do Sudeste há indícios de uma gama de atividades semelhantes sendo
desenvolvidas em cada um deles (habitação, preparação de alimentos, produção de
artefatos, enterramentos), ou pelo menos em sua maior parte (Gaspar, 1998; Barbosa,
2001), os sítios do Sul provavelmente apresentavam funções distintas (Gaspar, 2000),
parecendo claro que muitos eram exclusivamente funerários (Fish et al., 2000).
Contudo, na Região dos Lagos não foram achados até hoje tais zoólitos senão grandes
rochas zoomorfas toscamente talhadas como veremos no seguinte capítulo.
Desde a década dos 70s a região foi fonte de intenso trabalho de campo dirigido
por vários grupos de arqueólogos da UFRJ, em especial as de Lina M. Kneip e Madu
Gaspar. Varois cemitérios sambaquianos foram escavados e os esqueletos se encontram
no Departamento de Antropologia Biológica do Museu Nacional. Os enterramentos
humanos de sambaquis foram depositados em forma estendido, ou seja, decúbito dorsal
a diferença dos do Sul (Fig. 4).
Em recente estudo de Scheel-Yves e outras (2003) baseado nas chamadas
―disciplinas associadas‖, em especial a antracologia4 e a paleopatologia5 para a Região
4
A antracologia, estudo dos carvões conservados nos sedimentos arqueológicos, permite reconstituições
paleoambientais e estudos paleoetnológicos. A reconstituição do paleoambiente vegetal e, em
conseqüência, do paleoclima, oferece uma perspectiva paleoecológica, mas esta disciplina fornece
também informações paleoetnológicas, relacionadas principalmente à utilização da madeira e à
alimentação das populações pré-históricas, esta última em virtude da conservação de restos alimentares
carbonizados.
5
A paleopatologia óssea estuda a origem e a dispersão de doenças, analisando etiologia, gravidade e
distribuição das patologias de acordo com gênero e idade, sempre relacionando os achados a fatores como
migração, características culturais, meio de subsistência, região geográfica e clima, entre outros. Através
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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dos Lagos permite discutir novos resultados para entender a vida cotidiana desses
samabquianos.
Fig. 4.- Enterramento humano coletivo de Sambaqui de Moa em Saquerema (Kneip &
Machado 1993).
A paleopatologia é o estudo da doença e do processo de adoecer no passado. Em
uma perspectiva paleoepidemiológica, permite o estabelecimento de relações entre
estilo de vida e modo de subsistência dos grupos humanos e os processos saúde-doença
que lhes são característicos. Sob essa perspectiva, é central o conceito de patocenose.
Definido por Grmek (1983) e aplicado ao estudo de populações pré-históricas
brasileiras por Mendonça de Souza (1995), patocenose é o conjunto de estados
patológicos presentes em uma população determinada em um momento determinado,
sendo a freqüência e distribuição de cada doença dependente de diversos fatores
endógenos e ecológicos.
Assim, o presente capítulo reúne diferentes abordagens de estudo da sociedade
sambaquiana e apresentam os resultados recentes de diferentes projetos e
da paleopatologia podemos entender melhor como atividades relacionadas à obtenção, produção,
preparação e consumo de alimentos podem afetar as condições de saúde dos indivíduos e marcar seus
corpos com alterações anatômicas indicadoras de estresse mecânico ligado a atividades cotidianas.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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especialidades, visando apresentar novas informações sobre o sistema de subsistência, o
modo de vida dos sambaquianos e sua relação com o meio, a partir de indicadores de
paleoambiente, de cultivo e uso de vegetais e das variações de saúde nos construtores de
sambaqui. No sambaqui do Forte, Kneip escavou o sítio para a sua tese de doutorado em
arqueologia na USP em 1973. Descobriu vários enterramentos humanos e contexto
funerário de primeira mão (Fig. 5).
Fig. 5.- Enterramento humano coletivo de Sambaqui do Forte, Cabo Frio (Kneip 1973).
Outras regiões sulinas de grande concentração de sambaquis são as de Ubatuba no
litoral norte do Estado de São Paulo, onde a costa é muito recortada e apresenta grande
proximidade com a Serra do Mar. O sambaqui do Tenório, localizado na praia de
mesmo nome, apresentava apenas 250m2 após processo de destruição, que ocasionou a
perda de aproximadamente 60cm de camada arqueológica. Sua estratigrafia é composta
por apenas uma camada arqueológica de matriz conchífera (Garcia, 1972). E a área de
Cubatão está inserida na região da Baixada Santista. Geograficamente ela está
localizada no litoral sudeste, embora climatologicamente se enquadre no litoral
meridional. É formada por uma ampla planície de marés composta por alguns rios e
uma ampla rede de canais de drenagem. Na área da COSIPA foram identificados cinco
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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sambaquis, entre os quais o Piaçagüera, que está implantado em baixa encosta de morro
e apresenta uma área de 820m2. Sua estratigrafia apresenta três camadas arqueológicas
compostas por matriz conchífera com lentes de carvão entremeadas (Garcia, 1972).
Um grande número de sambaquis existe também no litoral sul do Brasil, muitos
dos quais de grandes dimensões. Duas importantes concentrações de sítios ocorrem no
litoral norte e no litoral sul do Estado de Santa Catarina. Na primeira, na região da Baía
de Babitonga, com foco no município de Joinville, foram identificados 42 sambaquis, e
na segunda, na região do Camacho, compreendendo os municípios de Tubarão, Laguna
e Jaguaruna, cerca de 60 sambaquis já foram localizados. Outros sítios são os de Morro
do Ouro, Rio Comprido e o sitio de sambaqui de Cabeçudas, RS. Os quais foram
pesquisados desde fim da década dos 50s. Sua estratigrafia é formada por uma matriz
conchífera que apresentava, entremeadas, lentes de conchas, de carvão e de ossos
faunísticos.
METODOLOGIA
Os fragmentos de carvão foram quebrados manualmente segundo os três planos
fundamentais da madeira e analisados num microscópio metalográfico de luz refletida
com campo claro e campo escuro. A determinação sistemática foi feita por critérios de
anatomia da madeira e por comparação da estrutura anatômica como aquela de amostras
atuais carbonizadas de uma coleção de referência e com descrições e fotografias
publicadas na literatura especializada. Foi também utilizado um programa de
identificação antracológica associado a um banco de dados de anatomia da madeira.
Para maiores detalhes sobre a metodologia adotada, consultar Scheel-Ybert (1999,
2004a, 2004b).
Os dados bioantropológicos foram coletados em 231 indivíduos para patologia
oral e em 527 indivíduos para patologia óssea. Gênero e idade de óbito foram estimados
de acordo com parâmetros internacionais (Buikstra & Ubelaker, 1994). Cáries (de
acordo com o conceito de Hilson, 1996) foram diagnosticadas por inspeção visual com
auxílio de uma sonda odontológica. A alta prevalência de cáries sugere um alto
consumo de carboidratos, o que normalmente é associado à prática de agricultura
(Turner, 1979).
O grau de desgaste dentário também pode ser utilizado como um proxy para
identificar dieta (Brothwell, 1963; Molnar, 1971; Smith, 1984). A metodologia para
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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análise de desgaste dentário considerou a diferença observada entre o grau de desgaste
dos incisivos (dentição anterior) e o grau de desgaste do primeiro molar (dentição
posterior) (Larsen, 1998). Em caso de ausência de todos os incisivos utilizou-se o
canino (Wesolowski, 2000). A maior prevalência de desgaste posterior sugere
dependência de dieta vegetal, geralmente associada à agricultura (Larsen, Op. Cit.).
O diagnóstico das lesões e das alterações ósseas foi feito macroscopicamente
seguindo critérios internacionalmente aceitos (Ortner & Putschar, 1981; Aufderheide &
Rodrigues-Martin, 1998). A estatura foi estimada de acordo com fórmulas de regressão
(Sciulli & Giesen, 1993). Os diversos marcadores osteológicos utilizados são
indicativos de diferentes atividades e/ou representam diferentes estados de saúde,
decorrentes de diversos fatores bioculturais. A ―cribra orbitalia‖, uma porosidade do
osso orbital atribuída à expansão da diploe dos ossos do crânio, relacionada ao aumento
da produção de hemácias (Buisktra & Ubelaker, 1994), foi interpretada como indicativo
de anemia por deficiência de ferro, mas é hoje considerada como indicativa de estresse
fisiológico originário de diversas etiologias (Wapler et al., 2004). Uma alta freqüência
desta patologia sugere má nutrição, diarréia, infecções parasitárias, doenças genéticas
e/ou baixa absorção de ferro durante a infância (Stuart-Macadam & Kent, 1992).
A periostite é uma reação inflamatória com neoformação óssea na cortical óssea
em ossos longos (Buisktra & Ubelaker, 1994). Está associada principalmente a
infecções bacterianas, devidas a trauma local ou inflamação. Altas freqüências são
interpretadas como sugestivas de mudanças de coleta para cultivo, aumento de
densidade populacional, sedentarismo ou má nutrição (Larsen et al., 2002). A
osteoartrite implica em alterações da superfície articular, incluindo porosidade,
osteófitos, labiamento e eburnação (Buisktra & Ubelaker, 1994). Trata-se de um efeito
cumulativo de stress mecânico, trauma, e raramente de fatores genéticos. Altas
prevalências indicam esforço intenso e/ou continuado ou idade avançada. Nos membros
superiores sugere nado, remo e lançamento de redes (Bridges, 1991).
Exostoses são excrescências ósseas no canal auditivo externo atribuído a um efeito
cumulativo de contato freqüente com águas frias durante mergulho, pesca, nado e surfe
(Fabiani et al., 1984). A estatura, finalmente, é o resultado líquido da interação entre
fatores herdados, dieta, nutrição e doenças crônicas, podendo ser utilizada como
aproximação para entender o status nutricional. Estatura mais baixa que a média da
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
população de referência sugere desnutrição crônica e/ou doenças concomitantes
associadas à intensificação da agricultura (Bogin, 1999).
Cinco categorias tecno-morfológicas foram estabelecidas (cf. Prous & Lima,
1990; Gaspar, 1991, 2003): (1) Moedores/trituradores (seixos com marcas de
picoteamento no centro das faces, nas extremidades e nos lados); (2) Quebracoquinhos
(seixos com depressão no centro das faces e nos lados, podendo apresentar
picoteamento associado à depressão); (3) Lâminas de machados (seixos com superfícies
polidas ou semi-polidas resultando na formação de um gume em uma das
extremidades); (4) Almofarizes (seixos apresentando uma ampla concavidade no centro
da face, produzida por cinzelamento); (5) Mãos de mó (seixos com superfícies polidas e
totalmente planas na face, extremidade e/ou nas laterais).
Resultados
A análise antracológica mostrou que os construtores de sambaquis costumavam se
instalar no ecossistema de restinga. Os sambaquianos privilegiavam, para sua
instalação, a proximidade de mangues e de formações florestais (Scheel-Ybert, 2000,
2001a). A grande diversidade florística do registro antracológico suporta a hipótese de
que os carvões arqueológicos correspondem a uma amostragem aleatória (coleta de
lenha) numa área relativamente ampla em torno dos sítios, autorizando interpretações
paleoecológicas confiáveis (Chabal, 1992).
Dependendo da localização do sítio, a restinga aberta, a mata de restinga ou as
formações florestais dominam a paisagem. As baixas porcentagens de elementos de
floresta e de mangue em alguns sítios sugerem que estes tipos de vegetação ocorriam a
alguma distância dos sítios e que a exploração de madeira era menor.
Os espectros antracológicos de todos os sítios não apresentam nenhuma variação
importante entre 5500 e 1400 anos BP. As pequenas oscilações verificadas nas
porcentagens relativas dos tipos vegetacionais em alguns níveis dos sambaquis da
Beirada, Pontinha, Salinas Peroano e Jabuticabeira-II não são significativas, sendo
devidas ao número excessivamente baixo de fragmentos de carvão destas amostras. No
entanto, oscilações climáticas efetivamente ocorreram. Em Cabo Frio, uma redução da
vegetação do mangue foi associada a períodos climáticos mais secos, quando uma
diminuição da precipitação provocou um aumento da salinidade na lagoa de Araruama.
Pelo menos dois períodos mais úmidos (5500-4900/4500, e 2300/2000 anos BP) e dois
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
períodos mais secos (4900/4500-2300, e 2000-1400 anos BP) que o clima atual foram
registrados (Scheel-Ybert, 2000).
Em Arraial do Cabo, o aumento dos elementos de mangue a partir de ca. 2100 BP
pode estar relacionado tanto a um fenômeno climático quanto ao aumento populacional
identificado no sambaqui Ponta da Cabeça neste período (Tenório et al., 1992), o qual
provavelmente levou a um aumento da área de captação de lenha. Neste caso, a
vegetação de mangue pode ou não ter variado na área, mas sua presença não era
registrada no sítio antes da extensão da área de captação de recursos. Estas duas
hipóteses, evidentemente, não são mutuamente exclusivas. De todo modo, a presença de
elementos de mangue neste sambaqui é muito importante, pois esta vegetação, que
crescia provavelmente nas margens da Lagoa de Araruama, não existe mais na região.
Esse resultado vem corroborar a hipótese de Tenório (1996) de que os sambaquianos
mantinham uma estreita relação com o meio de manguezal.
A vegetação costeira de terra firme apresentou uma surpreendente estabilidade
durante toda a segunda metade do Holoceno. Embora ela pareça contraditória com as
variações climáticas registradas pelos elementos de mangue, ela é uma conseqüência do
caráter edáfico deste tipo de vegetação, o que torna as formações costeiras muito menos
sensíveis a mudanças climáticas (Scheel-Ybert, 2000).
Economia do combustível
A coleta aleatória de madeira morta era a principal fonte de lenha para estas
populações. Fragmentos de carvão apresentando traços de apodrecimento antes da
carbonização atestam o seu uso, enquanto a grande diversidade taxonômica do espectro
antracológico e a boa correspondência entre este e a vegetação atual indicam coleta não
seletiva de lenha (Scheel-Ybert, 2000, 2001a).
No entanto, foi sugerido que a madeira de uma planta específica, Condalia sp.
(família Rhamnaceae), era provavelmente selecionada, seja por razões econômicas, seja
cerimonial (Scheel-Ybert, 2001a), o que traz informações importantíssimas do ponto de
vista paleoetnológico. Razões econômicas poderiam ser associadas a diversas
características da planta: a madeira, muito densa, é considerada como um excelente
combustível e permitiria a extração de um pigmento azul; o fruto, uma pequena drupa, é
comestível; e a casca das raízes de algumas espécies deste gênero é medicinal e pode ser
utilizada como sabão (Record & Hess, 1943). A hipótese de uma possível utilização
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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ritual é baseada em indícios de que esta madeira tenha sido queimada sempre verde
(Scheel-Ybert, 1999). Contudo, como a seleção de espécies em sambaquis concerne
somente uma fração limitada das associações vegetais ela não invalida a reconstituição
paleoambiental baseada na análise de carvões. O caráter pouco seletivo da coleta de
lenha pelos sambaquianos já foi amplamente demonstrado, justificando a utilização dos
estudos antracológicos para a reconstituição do paleoambiente vegetal (Scheel-Ybert,
1999).
OS SEPULTAMENTOS
Os sepultamentos de sambaqui do Forte foram estudados por Lina M. Kneip em
1973 totalizaram 16 indivíduos, descobrindo-se 13 na camada I (sepultamentos 1, 2, 3,
6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 (duplo), 13 e 14) e 3 na camada II (os sepultamentos 4, 5 e 15).
Não foi identificado nenhum sepultamento na camada III. O mobiliário funerário,
bastante variável, apresentou-se em sua forma mais rica nos sepultamentos 4, 5 e 7:
O Sepultamento 4: possuía exemplares de Megalobulimus oblongus e valvas de
Anadara notabilis. Sepultamento 5: com um colar de dente de guariba (Alouatta).
Sepultamento 7: um almofariz, uma lâmina de machado polida, dois seixos com
evidencias de uso e vertebras de peixe polidas e perfuradas.
Os sepultamentos eram individuais ou coletivos. A atenção especial merece o
sepultamento coletivo, na camada I, evidenciado numa área de 16 m e apresentando
variações em relação ao mobiliário funerário, disposição do corpo do esqueleto,
orientação geográfica do mesmo, sexo e idade dos indivíduos. Por outro lado, há
sepultamentos desprovidos de qualquer mobiliário funerário o que poderia indicar que
aqueles individuos foram atirados ao solo e recobertos rapidamente.
Os dados relativos à caracterizaçao antropofisica - anomalia, patologia,
constituição, estatura, sexo e idade – e de um modo geral foi possível identificar:
a) Anomalias: um esternó (com perfuração) e na extremidade distal de úmero
(possui deformação).
b) Patologia: hiperostoses discretas em alguns crânios e mais acentuadas em
outros; dentes com caries em diversos estágios se desenvolvimento.
c) Sexo e idade: foram achados 3 crianças, 5 adultos jovens e 4 adultos sendo 3 do
sexo masculino e 1 do sexo feminino.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
d) Constituição: robusta, ossos longos, crânios ovóides, fenozigios, arcos
supraorbitários medianamente desenvolvidos, mandíbula com o mento projetado e
quadrangular.
e) Estatura: calculada com base nos fêmures e tíbias variam de 1,68 – 1,69 – 1,70
m para o sexo masculino e 1,60 m para o sexo feminino.
2. Descrição do Sepultamento 1
Situação: localizado a 0,30 m de profundidade, na trincheira X, em solo de
coloração negra. Disposição do corpo: completamente destruído pelas raízes de uma
pitangueira, não sendo possível identificar sua posição exata; as raízes não apenas
impediram a manutenção do esqueleto em posição como concorreram para fragmentá-lo
inteiramente. O mobiliário funerário está composto de uma vértebra de peixe polida e
sem perfuração.
Sepultamento 2
Situação: localizado a 0,60 m de profundidade, na trincheira X, em solo de
coloração negra, a poucos centímetros do sepultamento 1. Disposição do corpo:
evidenciado igualmente sob as raízes de uma pitangueira, encontrava-se totalmente
fragmentado. Mobiliário funerário: 1 vértebra de peixe polida e sem perfuração.
Sepultamento 3
Situação: localizado a 0,60 m de profundidade, na trincheira X, em solo de
coloração negra, e a alguns metros do sepultamento 2. Disposição do corpo: totalmente
fragmentado, sendo impossível verificar sua posição. Mobiliário funerário: 2 vértebras
de peixe polidas e sem perfuração.
Sepultamento 4
Situação: localizado a 1,30 m de profundidade, no corte em U, camada de areia
com carvão. Disposição do corpo: membros inferires em decúbito lateral esquerdo, mão
esquerda sobre a bacia, pernas e pés fletidos; os membros superiores foram levados pelo
barranco. Mobiliário funerário: lâmina de machado polida, três exemplares de
Megalobulimus oblongus e uma valva de Anadara notabilis. Os dados antropofisicos
registram periostite em alto grau em um dos úmeros.
Sepultamento 5
Situação: localizado a 1,10 m de profundidade, no corte em U, em solo de
coloração cinza; encontrava-se de 1,00 a 1,50 m do sepultamento 4. Disposição do
corpo: em decúbito dorsal com o crânio orientado no sentido sudeste-noroeste; a parte
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
correspondente aos membros inferiores foi levada pelo barranco. Mobiliaria funerário:
dentes de guariba (Alouatta) perfurados, dispostos em forma de colar sobre o tórax e
contornando o pescoço do esqueleto.
Sepultamento 6
Situação: localizado a 0,90 m de profundidade, no setor II, em solo de coloração
negra. Sem material cultural.
Sepultamento 7
Situação: adulto do sexo masculino localizado a 0, 80 m de profundidade, na
trincheira C, em solo de coloração negra. Disposição do corpo: decúbito lateral
esquerdo, perna direita fletida, perna esquerda estendida, braço direito alongado sobre a
perna fletida e braço esquerdo alongado sob a perna fletida; crânio orientado no sentido
sudoeste-nordeste. Mobiliário funerário: almofariz, lâmina de machado polida, seixos
com evidencias de uso, vértebras de peixe polidas e perfuradas – duas com perfuração e
duas sem perfuração – enfileiradas sob o pe da perna direita do esqueleto, 2 mandibulas
do réptil Tupinambás sp, cujo nome popular e ―teiú‖.
Sepultamento 8
Situação: localizado a 0,90 m de profundidade, na trincheira C, em solo de
coloração negra, a alguns centímetros abaixo do sepultamento 7. Disposição do corpo:
não observamos perturbação nas camadas, mas o esqueleto estava fragmentado e
incompleto.
Sepultamento 9
Situação: localizado a 0,90 m de profundidade e a 0,25 m do sepultamento 8, na
trincheira C; em solo de coloração negra. Disposição do corpo: como o sepultamento
anterior, encontrava-se totalmente fragmentado e incompleto.
Sepultamento 10
Situação: localizado a 0,90 m de profundidade e a 0,30 m do sepultamento 9, na
trincheira C, em solo de coloração negra. Disposição do corpo: idêntico ao sepultamento
anterior.
Sepultamento 11
Situação: adulto do sexo masculino localizado a 1,10 m de profundidade nos
setores E-6, E-7, F-6, e F-7, em solo de coloração negra. Disposição do copo: decúbito
lateral direito com as pernas fletidas; crânio orientado no sentido sul-norte, face voltada
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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para leste. Mobiliário funerário: matéria corante utilizada, de cor amarelada entre as
costelas.
Sepultamento 12
Situação: sepultamento duplo – jovem do sexo masculino e criança de 4 a 5 anos localizado a 1,10 m de profundidade, nos setores D-6 e D-7, a 0,60 m do sepultamento
11, em solo de coloração negra. Disposição do corpo: os dois esqueletos estavam em
decúbito dorsal orientados no sentido sul-norte; o jovem com a face voltada para oeste e
a criança com a face voltada para cima. O braço direito do jovem passava sob o
esqueleto da criança que, por sua ver, tinha o braço direito fletido e apoiado sobre o
tórax. Mobiliário funerário: matéria corante utilizada, de cor amarelada, sob a cabeça e
entre as costelas do jovem; vértebras de peixe polidas, sem perfuração, enfileiradas
junto ao crânio do jovem. Os dados antropofisicos registram a ocorrência de anomalia
na extremidade distal do úmero direito do jovem, justamente o úmero que passava sob o
esqueleto da criança.
Sepultamento 13
Situação: adulto do sexo masculino localizado a 1,10 m de profundidade, nos
setores B-8, C-7 e C-8, em solo de coloração negra. Disposição do corpo: decúbito
dorsal, crânio orientado no sentido nordeste-sudoeste, face voltada para leste; os braços,
dobrados e apoiados no tórax, tinham os ossos da mão superpostos; os pés,
perpendiculares ao corpo, tinham a posição ereta. Mobiliário funerário: matéria corante
utilizada, de coloração amarelada, entre as costelas. Os dados antropofisicos registram
perfuração no osso do esterno.
Sepultamento 14
Situação: jovem do sexo feminino localizada nos setores C-5 e C-6, a poucos
centímetros do sepultamento 12. Disposição do corpo: decúbito dorsal, crânio orientado
no sentido norte-sul, face voltada para oeste; os braços, semi-fletidos, tinham as mãos
apoiadas sobre o ventre. Mobiliário funerário: matéria corante utilizada, de coloração
amarelada, junto ao crânio; sobre o crânio um fragmento lítico sem vestígios de
utilização.
Sepultamento 15
Situação: localizado a 1.80m de profundidade, no setor III, em solo de coloração
marrom avermelhada. Disposição do esqueleto: esqueleto incompleto apesar de não
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
observarmos perturbação nas camadas. Mobiliário funerário: um seixo com evidências
de uso, quatro vértebras polidas e sem perfuração.
Da analise de todos os sepultamentos, mais os dados fornecidos pela antropologia
física, podemos estabelecer algumas conclusões:
a) A localização dos sepultamentos em todos os níveis de profundidade e em todas
as camadas – de cor negra, cinza e marrom avermelhada – parece indicar, segundo
Kneip (1973), considerando tais camadas como ―restos de habitação‖, práticas de
enterramentos na área de habitação ou em área adjacente à mesma.
b) A presença ou ausência de mobiliário funerário demonstra tratamento diferencial
dado ao morto. Os sepultamentos 5, 7 e 12, associados ao mobiliário funerário
relativamente significativo, podem constituir provas de diferenciação de ―status‖.
c) A variabilidade dos caracteres morfológicos analisada, embora numericamente
reduzida, demonstra a homogeneidade da série. As observações craniométricas e
osteométricas permitem admitir correlações destes achados com os que se conhece nos
sambaquis de Paraná e Santa Catarina.
d) Em relação aos adornos antropofisicos queremos ressaltar que os mesmos foram
executados sobre material reconstituído, devendo-se restaurado o material, ser expostos
com detalhes. O número de informações poderá, por tanto, ser aumentado. De grande
importância será a determinação de determinação do conteúdo de matéria orgânica
(determinação do nitrogênio por volumetria) e cromatografia (identificação dos
componentes orgânicos ainda não destruídos do osso) que permitirá o estabelecimento
de datações e contemporaneidades.
DIETA
Coquinhos, sementes e fragmentos de tubérculos são muito freqüentes em todos os
sambaquis estudados no Sudeste, os quais eram locais de habitação. Todos os resíduos
de tubérculos são de monocotiledôneas. Alguns deles foram identificados como
Gramineae/Cyperaceae e Dioscorea sp. (carás) (Scheel-Ybert, 2001a), mas uma grande
diversidade de espécies era utilizada.
A conservação de restos vegetais é muito difícil em condições tropicais. Com
exceção de alguns abrigos particularmente secos, ou raros sítios em sedimento de
mangue, macro-restos praticamente só se conservam através da carbonização. Microfósseis como fitólitos ou grãos de amido podem ser aprisionados em moedores e mãos
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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de pilão (Piperno & Pearsall, 1998; Iriarte, 2004), na matriz de cálculos dentários
(Reinhard et al., 2007), e algumas vezes no sedimento (Reinhard & Eggers, 2003), mas
a recuperação destes elementos depende de metodologia especializada e seu estudo
ainda é raro. A carbonização depende do fato do material ser ou não exposto ao fogo.
Coquinhos têm um forte índice de conservação arqueológica, ao contrário de sementes,
que só são preservadas acidentalmente. A conservação de tubérculos por carbonização é
altamente improvável (Miksicek, 1987), e eles são raramente identificados em sítios
arqueológicos (Hather, 1993; Scheel-Ybert, 2001a).
Embora os tubérculos nunca sejam abundantes nestes sítios, eles estão presentes
em praticamente todos os níveis arqueológicos (Scheel-Ybert, 2001a). Sua conservação
sugere que eram largamente utilizados pelos sambaquianos e que as plantas, de um
modo geral, contribuíam muito mais para a alimentação destes grupos do que é
usualmente admitido.
Patologia oral
A maioria dos esqueletos aqui estudados apresentou baixa prevalência de cáries,
como usualmente acontece entre populações sambaquianas (Mendonça de Souza, 1995),
e como é o esperado para populações coletoras (Turner, 1979). No entanto, em ambas as
séries de Morro do Ouro e na série Rio Comprido as prevalências de cárie são análogas
às de horticultores, sendo comparáveis inclusive às verificadas para grupos ameríndios
pós-contato da região de Georgia Bight, Florida (Larsen et al., 2002) e para grupos
Cuicuilco pré-hispânicos que praticavam agricultura intensa (Marquez Morfin et al.,
2002).
A fim de interpretar melhor o significado dos resultados encontrados para
patologia dentária em sambaquianos, é importante considerar que a cárie é uma doença
infecciosa causada pela ação de uma flora bacteriana multicomponencial específica. Sua
associação com a horticultura é indireta, e baseada no fato de que o tipo de dieta é um
fator que influencia na forma e na intensidade com que a doença se manifesta. Dietas
ricas em carboidratos em geral ocasionam um aumento de prevalência de lesões
cariosas, embora haja evidências de baixas freqüências de cáries em grupos do sudeste
asiático com forte consumo de arroz (Tayles et al., 2000).
Por outro lado, a dependência de recursos marinhos pode provocar uma proteção
contra a cárie (Steckel & Rose, 2002). Nestes casos as quantidades relativamente altas
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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de cálcio e flúor em peixes e mariscos e a característica abrasiva da dieta dos
sambaquianos, que provocava um intenso desgaste dentário, poderiam ser os
mecanismos cariostáticos envolvidos. Além disso, existem ainda outros fatores que têm
papel Necariostático/cariogênico, como patogenicidade da flora bacteriana bucal,
procedimentos de higiene e composição química da água potável consumida.
O desgaste dentário é resultado de elevados consumos de fragmentos de conchas,
mordidas de carapaças de caranguejos e espinhas e vértebras de peixes (Mendonça de
Souza, 1995) consistência, textura e métodos de preparação dos alimentos ingeridos,
e/ou ainda aos fitólitos (Reinhard et al., no prelo). O elevado consumo de areia fazem
maior desgaste dos molares ou dentes posteriores, situação que se inverte entre grupos
horticultores (Larsen, 1998). Apesar das prevalências altas de cáries em algumas séries
aqui estudadas, o desgaste anterior é quase sempre mais intenso que o posterior,
sugerindo coleta em todos os sítios, exceto Rio Comprido antigo, cujo desgaste
observado (desgaste anterior menos intenso que posterior) é compatível com o que se
espera de grupos horticultores.
Patologia Óssea
A prevalência de criva orbitária, originalmente tida como indício de anemia por
deficiência de ferro e hoje considerada como sugestiva de diferentes formas de estresse
fisiológico (Wapler et al., 2004), varia consideravelmente entre os sítios, sendo alta em
todos, exceto Rio Comprido antigo e Cabeçudas. As lesões crivosas observadas nos
adultos estão, na maior parte dos casos, cicatrizadas, indicando que os eventos
estressores ocorreram durante a fase juvenil.
As prevalências de criva orbitária aqui apresentadas confirmam estudos prévios
em sambaquis (Mello e Alvim & Gomes, 1989; Neves & Wesolowski, 2002). É
improvável que carências nutricionais expliquem este resultado, já que a dieta atribuída
aos sambaquianos é abundante e diversificada. Infecções bacterianas (resultado do
contato constante com animais mortos usados como alimento e para a construção dos
sambaquis e da proliferação de insetos atraídos pelos restos orgânicos) devem ter
contribuído, entre outros fatores, para a alta prevalência de criva, como aventado para o
sambaqui de Cabeçudas (Mendonça de Souza, 1995).
A periostite, inflamação e/ou infecção inespecífica do periósteo resultante de
eventos traumáticos isolados ou de doenças sistêmicas (Ortner & Putschar, 1981),
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
resulta no aparecimento de uma porosidade na camada superficial da cortical óssea.
Entre os grupos aqui estudados a maior parte da periostite observada é de natureza
sistêmica. Além disso, a periostite apresenta prevalência mais elevada nas pernas que
nos braços (Fig.03), como esperado, já que as pernas são fisiologicamente mais
susceptíveis a infecções (Ortner & Putschar, 1981). Uma vez que eventos traumáticos
parecem ser raros em sambaquianos (Storto et al., 1999; Lessa & Medeiros, 2001), a
alta prevalência de periostite sistêmica encontrada, a exemplo do que foi visto para
cribra, parece indicar uma circulação elevada de patógenos diversificados entre estes
grupos.
Além de periostites, há um caso de lesões ósseas no crânio humano adulto
compatíveis com as que são encontradas em casos de infecção sistêmica causada por
Treponema sp (Okumura & Eggers, 2001, 2005). Este caso foi achado no sitio de
Sambaqui de Manguinhos, hoje totalmente destruído. Se as treponematoses ocorrem,
preferencialmente, em situações de alta densidade demográfica (Armelagos, 1990),
então é possível inferir que os antigos pescadores de Búzios e Cabo Frio eram densos e
praticavam permanentes atividades sexuais após as suas festas comunitárias ligadas com
sua religiosidade xamanica. A transmissão desta doença teria ocorrido desde pelo menos
3 mil anos a.C. (Figs. 6, 7 e 8).
Fig. 6.- Localização do Sambaqui de Manguinhos, Armação dos Búzios.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Fig. 7.- Crânio de pescador adulto de Sambaqui de Manguinhos (Museu de Arqueologia
de Búzios).
Fig. 8.- Extensa lesão craniana do osso occipital pela treponematose do individuo
anterior.
A osteoartrose é freqüentemente usada como marcador de intensidade de atividade
física (Goodman et al. 1984; Bridges, 1991; Davidson et al. 2002; Higgins et al. 2002;
Sciulli & Oberly, 2002). Prevalências mais elevadas de osteoartrose nos membros
superiores que nos membros inferiores têm sido relatadas para grupos sambaquianos
(Neves, 1984; Mendonça de Souza, 1995; Rodrigues-Carvalho, 2004). Os resultados
aqui apresentados seguem esta mesma tendência (Fig.03), sugerindo que esses grupos
desempenhavam atividades mais intensas e/ou mais variadas com os membros
superiores do que com os inferiores. A baixa prevalência de osteoartrose nos membros
inferiores pode ser interpretada como um indicador de território de captação de recursos
terrestres menor do que aquele normalmente observado entre caçadores-coletores
continentais (Neves, 1984). A variedade, perenidade e previsibilidade de recursos das
áreas litorâneas onde se localizam os sambaquis, associadas a um modo de vida
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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fortemente vinculado aos recursos de origem aquática, podem explicar o padrão de
osteoartrose verificado recorrentemente entre os sambaquianos em geral (maior nos
braços, menor nas pernas). Isso se daria na medida em que atividades como remar,
nadar e arremessar redes fossem mais intensas ou freqüentes que atividades
relacionadas a grandes deslocamentos terrestres.
A exostose auditiva consiste no crescimento de massas ósseas no canal auditivo
externo, podendo obstruí-lo e em casos avançados levar à surdez. Altas freqüências
dessa anomalia foram registradas em pessoas envolvidas em atividades aquáticas
intensas (Kroon et al., 2002), como surfistas, mergulhadores e pessoas responsáveis pela
obtenção de recursos aquáticos (Standen et al., 1997). Apesar de causas genéticas já
terem sido consideradas como determinantes da exostose auditiva, atualmente
considera-se que sua etiologia esteja associada a fatores ambientais, especialmente ao
contato dos canais auditivos com água fria (Van Gilse, 1983; Kennedy, 1986;
Deleyiannis et al., 1996; Standen et al., 1997; Chaplin & Stuart, 1998; Velasco-Vazquez
et al., 2000).
No presente estudo observa-se que a freqüência de indivíduos afetados por
exostose auditiva varia substancialmente entre as diversas séries analisadas (variando de
0% a praticamente 100% nos sítios localizados no norte de Santa Catarina). Embora não
se
possam
excluir
efeitos
estocásticos,
decorrentes
de
amostras
reduzidas
(principalmente para a freqüência mais alta), as freqüências encontradas são
contrastantes, mesmo quando considerados indivíduos de sítios localizados em uma
mesma região. Estes indivíduos estando sujeitos às mesmas condições ambientais e,
portanto, às mesmas temperaturas da água, isso sugere diferenças conspícuas nas
atividades cotidianas dos grupos. Alguns deles, ainda que habitando a mesma região,
manteriam um maior contato com a água do que outros. Estudos mais detalhados estão
sendo realizados a fim de se compreender melhor a origem da diversidade das
freqüências de exostose entre os sambaquianos.
A estatura é o resultado da interação entre a determinação genética e o estado
nutricional e de saúde dos indivíduos durante o período de desenvolvimento. Doenças
crônicas ou recorrência de estados patológicos agudos, má-nutrição/desnutrição
contínuas ou em eventos recorrentes podem provocar uma desaceleração do
crescimento. O crescimento compensatório, que permite às crianças retomar sua curva
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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de crescimento geneticamente determinada, só ocorre se elas forem curadas e bem
alimentadas (Bogin, 1999). Se isso não ocorrer há redução da estatura adulta.
Nas séries analisadas, a estatura adulta varia entre 151-159cm para os homens e
entre 148-156cm para as mulheres, o que indica uma população baixa, na faixa inferior
de estatura para Ameríndios do passado e atuais (Storto et al., 1999; Steckel & Rose,
2002). Sendo a má-nutrição improvável em um ambiente tão rico, isso pode ser devido
tanto a características genéticas quanto ao resultado de uma adaptação dos indivíduos a
doenças infecciosas crônicas e/ou recorrentes durante a fase de crescimento.
Implementos líticos
O material lítico dos sambaquis brasileiros é bem conhecido e diferente daquele de
tradições arqueológicas arcaicas vizinhas (Schmitz, 1987). Esquemas de análise
baseados em tecnologia, utilizados para as tradições do interior, não são adequados aos
evasivos artefatos de sambaquis. No entanto, diversos autores sugeriram que muitos
destes implementos eram usados para processamento de alimentos vegetais (Tenório,
1991; DeBlasis et al., 1998). A análise preliminar dos implementos líticos do sambaqui
do Forte fornece algumas informações sobre a natureza da indústria lítica em
sambaquis.
As peças mais comuns são lascas simples de quartzo. Podem ser pequenas, ou
grandes o suficiente para serem utilizadas diretamente, não raro apresentando bordos
utilizados. São obtidas a partir de seixos, mais de 90% deles de basalto, quartzo e
quartzito. O trabalho sistemático de núcleos é desprezível. Raspadores expeditos e sem
padrão morfológico bem estabelecido são comuns, a maior parte deles feitos também de
lascas ou fragmentos de rochas básicas bastante duras. Muitas vezes seixos, lascas e
grandes fragmentos são usados diretamente (os últimos essencialmente como artefatos
de bordo abrupto ou semiabrupto), sem nenhum tipo de retoque. Embora estes
raspadores exibam pouca definição formal, o exame dos bordos úteis revela grandes
semelhanças, indicando que certas funções envolvendo a utilização articulada de um
bordo abrupto com reentrância e um bico, por exemplo, são recorrentes na coleção deste
sítio.
Além destes artefatos de uso diversificado, foi encontrada também uma grande
variedade de almofarizes e socadores, a maior parte intensamente utilizada, fortemente
queimados e freqüentemente quebrados em peças menores, às vezes recicladas.
Artefatos polidos, feitos geralmente em rocha basáltica dura, incluem pequenos
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
pendentes e machados de tamanhos variados. Esplêndidas esculturas líticas (zoólitos)
são encontradas ocasionalmente nos sambaquis meridionais, ao que aparece sempre em
contexto funerário, como de resto ocorre também com os almofarizes e lâminas de
machado. Pequenos fragmentos de peças polidas com esmero apontam para a existência
de outros tipos de artefatos mais sofisticados fabricados através das técnicas de
polimento, vários deles de pequenas dimensões, incluindo adornos.
A principal diferença entre as indústrias líticas dos sambaquis da Região Sudeste e
as observadas na Região Sul do Brasil é a ausência de zoólitos nos sítios setentrionais,
muito embora houvesse o domínio da arte de polir. Entre vários outros artefatos, é digno
de nota um adorno de forma oval de 20cm de comprimento, 10cm de largura e apenas
0,5cm de espessura, apresentando um orifício em uma das extremidades e que integrava
um colar recuperado junto ao pescoço de um dos esqueletos do sambaqui da Guaíba
(Heredia et al., 1984).
A análise das indústrias provenientes de sítios da região compreendida entre a Ilha
Grande e o delta do Paraíba do Sul, tem particular as provenientes dos sítios Salinas
Peroano, Boca da Barra, Forte, Ilha da Boa Vista-I e Ponta da Cabeça, destaca a
abundância de lascas, núcleos e fragmentos de quartzo que poderiam ter sido utilizados
no processamento de peixes e de vegetais. Almofarizes e socadores que parecem ter
sido utilizados para preparar alimentos que precisavam ser triturados através de
pequenos golpes são recorrentes nestas coleções (Gaspar et al., 1994; Gaspar, 2003).
Uma revisão da literatura revelou a importância de artefatos relacionados ao
processamento de vegetais também nos outros sítios analisados. Quebra-coquinhos, por
exemplo, tradicionalmente atribuídos ao processamento de frutos de palmeiras, são
freqüentes na maioria deles. As lâminas de machado apresentam-se, na sua maioria,
polidas, com exceção dos sítios Tenório e Piaçagüera. A presença desses instrumentos
indica atividades relacionadas ao corte da madeira para diversos fins. Sua presença entre
grupos ceramistas/horticultores está relacionada, também, ao desbastamento de matas
para a criação das roças. No caso dos sambaquis, esses instrumentos são recuperados,
muitas vezes, em contexto funerário, não apresentando marcas de uso e indicando,
possivelmente, uma função simbólica. Contudo, dois sambaquis (Moa e Tenório)
apresentam uma freqüência relativamente alta de lâminas de machados recuperadas fora
de contextos rituais, indicando que desempenhavam, também, um importante papel nas
atividades cotidianas relacionadas ao trabalho da madeira. Os almofarizes são
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
indicadores indiretos de agricultura, onde eles processavam e trituravam as sementes
para as pinturas faciais e corporais, e elaboração da bebida comunal (Fig. 9).
Fig. 9.- Almofariz de diabásio encontrado sobre o lado esquerdo de um crânio humano
feminino, sepultamento 15 de Sambaqui de Moa, Saquarema, camada 1.
No caso do sambaqui Ilha da Boa Vista-I, a presença de ―machados‖ de dimensões
e pesos consideráveis parece indicar atividades relacionadas ao trabalho no solo
(cavadeiras). Almofarizes são considerados os melhores indicadores de atividades de
processamento de vegetais. Consideramos que sua baixa freqüência nos sítios esteja
relacionada ao uso comunitário. Corrobora esta hipótese o fato de serem de dimensões e
pesos consideráveis, o que implica em grande dispêndio de energia no transporte, para o
sítio, para o desenvolvimento de atividade individual. Da mesma forma, mãos de mó
são bons indicadores da existência de atividades de processamento de vegetais. Esses
instrumentos tiveram alta freqüência nos sambaquis Beirada, Moa, Ilha da Boa Vista-I,
Tenório e Jabuticabeira-II. Apresentam superfícies planas e polidas que, no caso do Ilha
da Boa Vista-I, estão associadas a ranhuras paralelas em direção longitudinal na
superfície dos seixos. Esses artefatos possivelmente foram utilizados como trituradores
de sementes.
As características morfológicas e funcionais dos raspadores e dos implementos
usados apontam especialmente para o processamento de madeira e osso, mas lascas e
artefatos como almofarizes e socadores indicam a preparação de alimentos. Os artefatos
encontrados no sambaqui de Moa, sambaqui do Forte e os sambaquis Forte Marechal
Luz e de Jabuticabeira-II mostram padrões similares aos que, no foram atribuídos a um
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
contexto de processamento de alimentos (Bryan, 1993). No Panamá, almofarizes com
morfologia e padrões de uso muito similares foram relacionados ao processamento de
plantas ricas em amido, incluindo mandioca e milho, a partir de 7000 anos BP (Piperno
et al., 2000). No Peru central, nos sítios de Ancón, Chilca e Paloma encontram-se
almofarizes associados à domesricação de plantas costeiras como as sementes de molle
e milho para a preparação da bebida comunitária feitas principalmente por mulheres e
ocorriam para a execução de diversos rituais.
Comentário
Desde há algum tempo se vem sugerindo que a coleta, manejo e domesticação de
plantas tivessem sido praticados pelos sambaquianos (Tenório, 1991), e também que
estes grupos poderiam ter desenvolvido uma agricultura incipiente (Dias & Carvalho,
1983). No entanto, vestígios diretos do consumo de plantas raramente são encontrados
nos sambaquis, de modo que apenas a presença de coquinhos, raras sementes, e objetos
líticos que provavelmente serviram à sua preparação têm sido usados como evidência
indireta do uso de vegetais (e.g. Kneip, 1977, 1994; Gaspar, 1995; Tenório, 1991;
Tenório et al., 1992). Embora em si mesmos restos de tubérculos preservados não
possam ser interpretados como indicando cultivo, estes vestígios, encontrados em todos
os sambaquis do Sudeste do Brasil, sugerem que o consumo de plantas era
particularmente importante na alimentação dos sambaquianos. Associados à ocorrência
de cáries e forte desgaste do esmalte dentário em algumas séries esqueléticas, eles
comprovam que alimentos de origem vegetal constituíam uma contribuição substancial
para a dieta dos sambaquianos, levantando a questão da possibilidade de existência de
produção de alimentos, pelo menos em alguns dos sítios (Gaspar et. al. 2007).
A intervenção humana teve conseqüências significativas na estruturação da
vegetação atual, e estudos etnobotânicos mostraram que ainda existem, nas
proximidades de sítios arqueológicos, espécies vegetais cuja presença está ligada às
atividades passadas dos habitantes destes sítios (Crozat, 1999). De acordo com esta
linha de pesquisa, a associação atual da Sapotaceae Sideroxylon obtusifolium
(sapotiaba) com os sambaquis pode ser interpretada como um vestígio do manejo ou
cultivo desta planta (Scheel-Ybert, 2003). Espécimens de Sideroxylon são muito
freqüentes nas proximidades dos sambaquis ou sobre os mesmos, ao passo que carvões
desta espécie são abundantes na maioria dos sítios estudados (cf. Scheel-Ybert, 2000).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Os dados atuais não permitem saber se estas árvores eram plantadas, mas certamente
havia pelo menos manejo da espécie, seja devido a seus frutos comestíveis, seja pela
utilidade do lenho. Esta madeira é muito valorizada pelos pescadores atuais da região,
que a utilizam para reparos e na construção de certas peças de barcos e canoas
(Fonseca-Kruel, 2002).
Os dados arqueobotânicos, associados às análises de patologia oral, nos permitem
propor que as populações sambaquianas tenham praticado manejo, ou algum tipo de
cultivo, talvez sob forma de hortas contendo uma grande diversidade de plantas,
incluindo tuberosas e plantas úteis.
O ecossistema de restinga é extremamente rico em recursos alimentares. Além de
uma grande diversidade de frutos e sementes, disponíveis ao longo de todo o ano
(Maciel, 1984), apresentam várias espécies de plantas tuberosas. Tubérculos de
Gramineae e Cyperaceae, assim como de taboa (Typha domingensis) e de carás
(Dioscorea spp), podem ter sido um importante complemento alimentar, e alguns deles
poderiam inclusive ter sido cultivados pelos sambaquianos. No entanto, a imensa falta
de informação sobre consumo de plantas e produção de alimentos em todo o território
brasileiro deixa uma grande lacuna no conhecimento disponível e torna a questão da
domesticação e cultivo nesta região um ponto a ser elucidado.
Cabe lembrar também que a alta freqüência de almofarizes, socadores e moedores
nos sambaquis reforçam a perspectiva de que o processamento de alimentos vegetais
teve importância significativa nas atividades cotidianas dos sambaquianos, por
conseguinte em sua dieta, e muito provavelmente também em sua medicina, o que
também tem sido pouco considerado até o momento. Estudos mais específicos dos
implementos líticos, especialmente no que se refere à análise do padrão de desgaste e
dos resíduos orgânicos na superfície e ranhuras de almofarizes e moedores, deverão
trazer respostas a estas questões.
Apesar da relativa estabilidade dos aspectos ecológicos (Scheel-Ybert, 2000) e
culturais (DeBlasis et al., 1998) de populações sambaquianas, a freqüência de patologias
varia substancialmente. Algumas séries, especialmente nos sambaquis Rio Comprido e
Morro do Ouro, mostram freqüências de cáries compatíveis com aquelas observadas em
grupos horticultores (Turner, 1979; Larsen et al., 2002). As freqüências de cáries
encontradas nestes sítios poderiam ser explicadas por uma preferência de consumo, e
possivelmente pelo cultivo, de algum alimento potencialmente cariogênico, como
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
tubérculos. Infelizmente, dados paleopatológicos para os sambaquis do Sudeste, nos
quais os dados arqueobotânicos apontam para uma importante utilização de vegetais,
ainda não estão disponíveis.
Ao mesmo tempo em que a série Rio Comprido antiga mostrou uma coerência
entre a maior severidade do desgaste dental posterior e a prevalência elevada de cáries,
ambos sugerindo horticultura, as séries de Morro do Ouro apresentaram resultados
discrepantes, com a prevalência de cáries sugerindo horticultura e o padrão de desgaste
apontando para coleta. Esta discrepância pode ser explicada por vários fatores que não
são mutuamente exclusivos, como o cultivo de espécies diferentes, métodos de
processamento distintos e/ou dependência desigual de plantas cultivadas. Baixas
freqüências de cáries, sugerindo coleta, caracterizam os outros sítios.
O padrão de ocorrência da exostose auditiva foi inverso ao verificado para as
cáries. As séries que apresentaram maiores prevalências de exostose registraram menor
prevalência de cáries, e viceversa. Isso sugere a existência de um fator que influenciaria
concomitantemente os dois marcadores, e que pode estar relacionado ao padrão de
subsistência. Neste sentido, podemos propor que os grupos que aumentaram seu
consumo de carboidratos mergulhavam com menos freqüência, e provavelmente
exploravam fontes de recursos dependentes de mergulhos menos intensamente que os
grupos com menor aporte de carboidratos.
A sobrevivência a eventos recorrentes e/ou crônicos de doenças infecciosas na
infância, refletidos pela alta freqüência de criva orbitária cicatrizada nos adultos e pela
baixa estatura adulta, pode indicar que as populações sambaquianas estivessem bem
adaptadas aos agravos à saúde decorrentes do seu modo de vida e de seu ambiente
(Mendonça de Souza, 1995). Essa interpretação é reforçada pela sobrevivência dos
adultos a infecções freqüentes, inferidas a partir das altas prevalências de periostite.
A ocorrência de infecções sistêmicas freqüentes, indicadas pelas prevalências de
periostite e cribra orbitária, associada à provável existência de doenças treponêmicas, à
contemporaneidade de diversos sítios e ao longo período de ocupação dos mesmos,
assim como às condições ambientais favoráveis à captação de recursos, sugerem
sedentarismo. Estes fatores sugerem também que o contingente populacional tenha sido
consideravelmente maior do que aquele normalmente associado a caçadores-coletores.
A prevalência de osteoatrose, alta em membros superiores e baixa nos inferiores, é
compatível com um maior empenho em atividades relacionadas à exploração de
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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recursos aquáticos do que terrestres, interpretação essa apoiada por dados
zooarqueológicos (Figuti, 1993, Klökler, 2000) e de isótopos estáveis (De Masi, 2001).
De Masi (2001) analisou os isótopos estáveis de d13C e d15N do colágeno de
esqueletos humanos provenientes de vários sambaquis do litoral de Santa Catarina,
tendo proposto para todos os sítios uma dieta predominantemente marinha. Ele sugeriu
que alguns grupos incluíam mais recursos terrestres em suas dietas que outros, mas
considerou remota a possibilidade de que estivessem consumindo plantas em
quantidade significativa. Um gráfico apresentando os resultados deste autor evidencia
claramente uma enorme variabilidade de padrão de alimentação, tanto entre os sítios
como dentro mesmo de cada série analisada. Como o intervalo de renovação completa
do colágeno é estimado entre 7 e 30 anos (Drucker & Henri-Gambier, 2005), estas
diferenças não podem ser conseqüências de sazonalidade. Podemos especular que elas
estejam relacionadas a gênero, idade, existência de segmentos sociais diferenciados ou
cronologia, mas como não conhecemos maiores detalhes dos indivíduos analisados,
como sexo e idade, estas hipóteses não podem ser testadas. De qualquer forma, estes
dados corroboram os resultados apresentados no presente artigo, que sugerem modos de
vida diferenciados e estratégias de subsistência diversas entre os construtores de
sambaquis. Embora baseada em recursos de origem marinha, principalmente peixes, a
dieta dos sambaquianos não parece ter sido homogênea, mas apresentava um espectro
de variação de recursos consumidos bastante grande.
De Masi (2001) propõe uma dieta mais terrestre para o sítio Morro do Ouro
(Fig.05), precisamente um dos sítios para os quais encontramos indícios de maior
consumo de vegetais, sugerindo a prática de horticultura. Além disso, diversas amostras
analisadas por ele apresentam valores de nitrogênio ao redor de 10% (limite inferior de
dietas marinhas), sendo coerentes com um consumo relativamente importante de
elementos terrestres. Não há contradição, portanto, entre nossa argumentação de que as
plantas poderiam representar uma parcela importante da dieta dos sambaquianos e os
resultados obtidos pela análise isotópica.
Freqüentemente, a análise isotópica de consumo de carne é adequada, o organismo
utiliza esta proteína para produção de colágeno, e apenas quando o em esqueletos préhistóricos é feita a partir do colágeno, cuja estrutura é bem conhecida, em geral estável,
e que pode aporte de proteína animal é baixo a prose preservar nos ossos por milhares
de teína vegetal será utilizada. As análises de paleodietas a partir de isótopos estáveis do
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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colágeno apresentam o viés de valorizar o conteúdo protéico em detrimento do conteúdo
calórico, tornando virtualmente invisível a porção vegetal consumida, especialmente no
caso de grupos com aporte importante de proteína animal na dieta (Ambrose, 1993;
Drucker & Henri-Gambier, 2005; Bocherens et al., 2005), o que parece ser o caso em
grupos construtores de sambaquis. Atualmente, a maior parte dos autores concorda que
a análise isotópica do colágeno tende a superestimar a contribuição do consumo de
animais marinhos (Ambrose et al., 1997; Katzemberg, 2001), e que apenas análises da
apatita refletem acuradamente a dieta total (Ambrose, 1993; Ambrose & Norr, 1993;
Tiezsen & Frage, 1993; Ambrose et al., 1997).
Embora exista possibilidade de contaminação da apatita óssea por processos
diagênicos, atualmente é possível analisar o conteúdo isotópico deste material de
maneira confiável. Isto é importante, pois apenas a comparação entre a composição do
colágeno e da apatita pode responder adequadamente questões relacionadas à porção
vegetal da dieta de grupos com consumo sistemático de quantidades elevadas de carne
(Lee-Thorp et al., 1989; Ambrose, 1993; Lee-Thorp, 2000). Por isso, ainda que o
trabalho de De Masi (2001) seja fundamental para o entendimento da subsistência de
grupos sambaquianos, é muito provável que seus resultados subestimem a fração
vegetal de sua dieta, já que apenas a assinatura isotópica fornecida pelo colágeno foi
analisada.
Por outro lado, é importante considerar-se também o mecanismo de incremento
trófico na cadeia alimentar, devido ao qual o predador tende a ter valores mais elevados
de carbono e nitrogênio que suas presas. Vários estudos demonstram que este
incremento não é constante, sendo influenciado por vários fatores, entre eles
características fisiológicas (Ambrose, 2000; Bocherens & Drucker, 2003). Valores
médios de incremento de nitrogênio em colágeno entre 3 e 3,4% são aceitos pela
maioria dos autores (Ambrose, 2000; Bocherens & Drucker, 2003; Drucker &
Bocherens, 2004), embora alguns postulem a necessidade de estabelecimento de valores
médios adequados a cada estudo de caso particular (Bocherens & Drucker,2003;
Drucker & Bocherens, 2004).
De Masi (2001) assumiu valores de enriquecimento trófico entre 2 e 4% para o
nitrogênio e em torno de 2% para o carbono, seguindo o proposto por De Niro (1987,
apud De Masi, 2001). No entanto, vários indivíduos analisados por ele não apresentam
o incremento esperado na assinatura isotópica em relação aos componentes supostos
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
para a dieta, principalmente quanto ao nitrogênio. Mesmo se forem considerados os
intervalos dos desvios padrão das médias, ainda assim há indivíduos com quantidades
de nitrogênio abaixo do que seria esperado para uma dieta fortemente baseada em
proteína animal.
As taxas de carbono relativas a dietas baseadas em plantas de tipo C4 ou em
recursos marinhos são parecidas, diferindo quanto ao nitrogênio, que tende a ser mais
elevado nestas últimas. Este fato, associado ao mecanismo de incremento trófico e ao
fato da análise ter sido feita apenas a partir do colágeno, sem o controle da apatita,
sugere que os indivíduos com valores mais baixos de nitrogênio possam estar
consumindo menores quantidades de carne que os demais, podendo também estar
consumindo plantas, principalmente C4.
Embora nesta fase de nossas pesquisas ainda não seja possível saber exatamente
que plantas estavam sendo consumidas pelos sambaquianos, e em que proporção, é
importante observar que tanto tubérculos de tipo C3 (carás) quanto C4 (gramíneas)
foram identificados. Um maior investimento no estudo de macro-restos carbonizados
(restos alimentares), assim como de micro-restos (fitólitos e grãos de amido) será
fundamental para esclarecer esta questão.
Além disso, estudos mais específicos dos implementos líticos ainda devem ser
feitos, especialmente no que se refere às análises do padrão de desgaste e dos resíduos
orgânicos na superfície de moedores. No entanto, o fato do instrumental lítico
característico de sambaquis estar consideravelmente relacionado ao processamento de
plantas sugere para o alimento de origem vegetal um papel muito mais importante na
subsistência dos sambaquianos do que o que era considerado até o momento. Neste
sentido, as características funcionais que se supõe estejam relacionadas a estas
indústrias líticas de sambaquis, assim como características morfológicas (e.g. grande
tamanho de alguns exemplares de almofariz, implicando em pouca mobilidade),
reforçam a perspectiva de um maior sedentarismo das sociedades sambaquianas,
também apontadas por outras abordagens consideradas neste trabalho.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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2.1.- A arte lítica sambaqui: A Pedra do Lagarto de Iguaba Grande
Resumo
Este capítulo expõe a descoberta de uma rocha talhada em forma de um lagarto que
possui vários sulcos verticais paralelos na sua crista. Discute a velha hipótese de
―amolador lítico fixo‖ frente à hipótese de função mágico-religiosa de arte lítica. Através
da análise da tecnologia lítica conclui-se que a rocha foi elaborada pelos sambaquianos
que ocuparam a lagoa de Araruama entre 5.000-3.000 a.P. Pela localização no limite
com a lagoa, a laje da Pedra da Salga e, ao fundo, o morro da Sapiatiba permite discutir a
possibilidade de ter sido um centro religioso.
Palavras chaves: arqueologia pré-histórica, xamanismo, zoolito, petróglifo, sambaqui,
répteis.
Abstract
This chapter shows the discovery of a stone carved that adopted an alligator form. On its
crest have several vertical and parallel grooves. The author discusses the ancient
hypothesis of ―grinder lithic fixed‖ versus new hypothesis of magic-religious function
relationship to art rock. Across the analysis of technical lithic confirmed that the rock
was done by sambaqui people that occupied the Araruama Lake between 5.000-3.000
b.P. By the location to limit with the Araruama Lake with Salga´s Stone, and, on the
fund, the hills of Sapiatiba permit to discuss the possibility to be a religious center.
Key words: Brazilian archeology, zoolitic, petroglyphs, sambaqui, alligator, xamanism.
Resumen
Este capítulo expone el descubrimiento de una roca tallada en forma de un lagarto que
posee varios surcos verticales y paralelos en su cresta. Discute la hipótesis tradicional de
―amolador lítico fijo‖ frente a la hipótesis de función mágico-religiosa de arte lítico. A
través del análisis de la técnica lítica se concluye que la roca fue elaborada por los
sambaquianos que ocuparon el lago de Araruama entre 5.000-3.000 b.P. Por la
localización en el límite con el lago, la Piedra de la Sal y, al fundo, el cerro de Sapiatiba
permite discutir la posibilidad de haber sido un centro religioso.
Palabras claves: arqueología brasilera, chamanismo, zoolito, petroglifo, sambaqui,
reptiles.
“El indio establece una marcada distinción entre el
mundo donde actúan las divinidades y el mundo
donde se realizan los acontecimientos actuales. Para
él, la tierra y el cielo forman un todo unido; un gran
espacio cerrado, dentro del cual residen todos los
seres que constituyen su universo.” (Tello 1967, p.
143).
Em março de 2008 quando realizávamos uma prospecção no sítio histórico e
geológico da Pedra da Salga, localizado na beira da Lagoa de Araruama, na Região dos
Lagos, junto com a historiadora Nilma Teixeira Accioli, ocorreu a descoberta de uma
grande rocha preta de aproximadamente 11 metros de comprimento de granito ou
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gnaisse granitizado de forma de um lagarto. O que chamou nossa atenção foi uma série
de sulcos verticais paralelos talhados na crista da rocha. Esta jazida ou base factual é um
indicador da existência de uma arte lítica regional que teria formado parte medular da
complexa estrutura religiosa xamãnica praticada pelos sambaquianos há quase cinco mil
anos. O presente estudo utilizou uma abordagem de arqueologia estrutural e empregou os
conceitos teóricos da antropologia social e psicologia aplicada (Jung 1960; Turner 1974;
Van Gennep 1978; Levi-Strauss 1976, 1996; Douglas 1976, 1982; Hooder 1982;
Langdon 1992 e Schaan 1997).
A Pedra da Salga é uma extensa laje de cor crema localizada ao norte da Lagoa de
Araruama e próxima à ilhota de Santa Rita, no bairro da Cidade Nova, município de
Iguaba Grande do Estado do Rio de Janeiro. Possui uma datação estimada em 2 bilhões
de anos, formando parte dos morros da Sapeatiba, de Igarapiapunha e do batolito da
baixada fluminense (Reis & Mansur, 1995). Na região, esta pedra foi utilizada pelos
pescadores tupinambás e jesuítas como uma salina natural e área para limpar, secar e
salgar o peixe (Fig. 10).
Fig. 10.- Localização da Pedra do Lagarto e os sítios sambaquis de Iguaba Grande no
circulo esquerdo.
Na Região dos Lagos, a maioria das pesquisas de rochas sulcadas estava
concentrada no Morro da Guia, em Cabo Frio, e na Praia Grande, em Arraial do Cabo,
tendo sido interpretados como ―amoladores líticos fixos‖ dentro da teoria processual e
economicista (Beltrão, 1958; Dias Jr. 1959; Gaspar & Tenório, 1990; Correa, 1992;
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Figuti 1993). O estudo de rochas zoomorfas pré-históricas, denominado zoólitos6, estava
reduzido nos sambaquis de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Mas,
na Região dos Lagos, este tipo de material era ausente devido à escassa atenção dada, o
que tornou necessário a abertura de uma nova linha de pesquisa voltada para o aspecto
estrutural que começou incrementar-se paulatinamente no país a partir do ano 2000
(Schaan, 2001; Gaspar et al. 2007).
Assim, nossa metodologia de arqueologia simbólica é um modelo circular,
dinâmico e inter-relacionado, e cuja Unidade Simbólica de Arte expressa a base factual e
a cultura material que neste caso é a Pedra do Lagarto. Em termos macro-religioso, esta
unidade está constituída pelos lugares de culto onde ―moram‖ os espíritos, abrangendo
um amplo espectro que vá desde os espaços naturais como os bosques, cascatas,
rochedos, fontes, lagos, morros e árvores, até as do tipo ―santuário‖ como as cavernas
com pictografias, cemitérios, petróglifos, geóglifos, igrejas e capelas (Fig. 11).
Fig. 11.- Modelo de análise de arqueologia estrutural.
Hodder (1982b) propõe que o contexto arqueológico pode dividir-se em dois
grupos: os contextos sistêmicos e os contextos rituais. O primeiro grupo concerne aos
processos econômicos e tecnológicos. Este item tem dominado a arqueologia processual
brasileira entre 1960 até hoje, recebendo o reforço do enfoque ecológico a partir de 1970
e dos padrões de assentamento, surgindo a paleozoologia, paleobotânica e paleopatologia
(Binford 1962, 1964; Schiffer 1972; Flannery 1973). No entanto, o contexto ritual se
6
São pequenas esculturas de diabasio polido, menores de 50 cm, com representações zoomorfas que
serviam como oferendas para acompanhar aos defuntos entre os sambaquianos do Sul dentro da
conceição religiosa xamãnica. Ou seja, servia para a viagem ao ―outro mundo‖. Os animais representados
eram principalmente peixes e aves, em menor quantidade cetáceos, quelônios, répteis e mamíferos. Eram
amuletos protetores ou espíritos guardiões para cada indígena. Os animais foram representados numa arte
realista e naturalista (Castro Faria 1959, Gaspar 2006).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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refere àqueles elementos materiais que atuaram nas estruturas ideológicas e religiosas e
que, por tanto, são portadores de significados simbólicos. Este campo não havia sido
abordado pelos processualistas.
Assim, o contexto ritual é um conjunto de unidades simbólicas intencionalmente
depositadas decorrente duma ação religiosa ocorrida em pouco tempo. Faz parte de uma
estrutura mítica é retro-alimentada pela ação do rito através de um gesto, uma oração ou
uma oferenda para receber a benção dos deuses o qual ocorre em determinados espaços
sagrados e onde os participantes atravessam pelo o estado psíquico liminal (Turner
1974). Três elementos formam a base desse contexto: a unidade simbólica, o corpo do
defunto e a parafernália. Esta unidade constitui o espaço sagrado criado
intencionalmente pelo homem para entrar em contato com os antecessores. 7 Esta possui
uma ampla riqueza informativa com múltiplos variantes dentro de categorias especificas:
espacial, litúrgica e o elemento mediador (corpo humano, oferenda animal ou planta).
Sendo o papel do xamã, sacerdote, oferente ou pastor o elemento principal e articulador
dos dois planos: o mundo atual e o ―outro mundo‖.
Porém, cada objeto litúrgico possui um significado simbólico próprio e entendível
somente pela sociedade que a utiliza e a recreia, remetendo-nos às estruturas sociais e
ideológicas. Embora as relações entre o ritual e o econômico são complexas e difíceis de
captar no registro arqueológico. Geralmente as estruturas de ritos e crenças se
diversificam em sociedades mais evoluídas, mantendo o seu significado simbólico
―arcaico‖ e variando sua importância segundo cada cultura. Neste tipo de evidências se
refletem geralmente a persistência da estrutura mental do grupo ou do inconsciente
coletivo (Jung 1960).
Os ritos constituem as ações simbólicas e adotam diversas modalidades como os
ritos de libação, de banquete, de dança, de passagem (gestação, nascimento, casamento,
adulto, morte), entre outros e estão em relação às ações sociais reguladas pelos padrões
culturais de cada sociedade (Leach 1964). Nos ritos, os símbolos utilizados dizem
alguma coisa das pessoas que as executam. Estudando os símbolos de determinado rito, é
possível muitas vezes achar o significado do rito, embora frequentemente tal significado
não esteja presente na consciência daqueles que o realizam (Van Gennep 1978). O ritual
7
Entre alguns sítios sagrados temos Stonehenge na Inglaterra, diversos templos da Índia e da China,
zigurates da Mesopotâmia, as pirâmides do Egito, as pampas de Nasca, Chavin, Checta, Willkawain,
Huaca da Senhora do Cao no Peru, os templos piramidais maias e astecas, os cemitérios sambaquis, as
igrejas coloniais, entre outros (Altamirano 1995).
50
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
é um sistema coerente de expressão, uma forma de comunicação de símbolos de
referência simples ou muti-referencial (Douglas 1982). Em Pureza e Perigo, a autora
afirma que o homem é um animal ritual por ser um animal social. Não há como escapar
do ritual, sempre voltamos a eles com mais força e intensidade. ―Os rituais sociais criam
uma realidade que não seria nada sem eles (...) é impossível ter relações sociais sem atos
simbólicos‖ (Douglas 1976, p.80).
As representações simbólicas fornecem um mecanismo para que a sociedade possa
enfocar determinados conteúdos e percepções. A memória, então, não é só a lembrança
senão a produção de experiência que se repete durante milênios. Ao selecionar as
experiências, o ritual proporciona uma armação, um enquadramento de uma expressão
específica. Os ritos de passagem constituem as ações mais importantes das sociedades
sambaquianas, entre eles podemos perceber rituais como o furo das bochechas e orelhas,
colocação do corpo do defunto ao sul, consumo de plantas alucinógenas, mudança de
estações, danças coletivas, aceitação de animais guardiões, ritos de cura, entre outros,
sendo o xamã8, bruxo, pajé ou pajelança, a figura principal da condução e elaboração dos
rituais. O rito evoca frequentemente o mito.
Levi-Strauss (1996) aponta que uma estrutura representa parte de um mito, um
mitema9 que organiza e dinamiza a vida espiritual e cotidiana de uma etnia. Existem
diversos mitos como a de origem ou cosmológico, cataclísmico, de animais poderosos,
das estrelas, fenômenos telúricos, criação do homem, batalhas heróicas, etc. Sua origem
ocorre em tempos míticos de migração (êxodo), chuvas torrenciais (ex. o arca de Noe),
guerra e fato histórico notável (curas milagrosas, andar sobre as águas, resurreção),
marcado pela memória social e transformando-se em tema narrativo. Esta narrativa é a
doutrina de uma sociedade.
Nosso enfoque simbólico se inscreve dentro do xamanismo. Este é uma forma de
religiosidade ancestral que surgiu desde a África oriental e se difundiu junto com
8
O termo xamã é originário do idioma dos tungos da Sibéria meridional ao norte da Índia. O xamã é o
curandeiro de almas, um orientador e conselheiro pessoal que possui clarividência (dom de ver além) ou
clariaudiência (dom de ouvir) além do mundo comum e é designado tanto para o gênero masculino
quanto o feminino. O xamã é o ser intermediário entre a comunidade e os espíritos da terra: animais, a
própria terra, trovão, chuva, colheitas e luta com as doenças (Langdon 1992; Viveiros 2002).
9
Um mitema é um tema narrativo seqüencial que forma parte do mito. Este constitui em geral uma
passagem harmônica real ou fantástica que controla a vida religiosa do individuo, etnia ou tribo. O
mitema surge de um fato singular que ocorreu em tempos míticos e é retro-alimentado pelo rito e a
tradição oral. Este pode ser representado na arte lítica em forma naturalista ou abstrata. Esta figura
simbólica constitui a sua identidade cultural e étnica.
51
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
homem. No Brasil a totalidade das tribos amazônicas e litorâneas foi dominada por este
tipo de religiosidade. Constitui o culto aos espíritos da natureza que foram antigos seres
humanos que voltaram à terra transformada em animais, plantas, rochas, fenômenos
meteorológicos e pontos geográficos. Eles podem dividir-se em dois grupos
antagônicos: os do bem e os do mal. Os espíritos do bem são aqueles que protegem à
tribo e à natureza e os do mal são as que causam as doenças e a morte. Ou seja, a eterna
luta entre os angás e os anhangás. Na tradição xamânca, o papel do xamã é fundamental
desde os tempos primordiais, em que as comunidades eram isoladas e auto-suficientes.
Assim os sambaquianos de Iguaba Grande serão tratados sob este enfoque.
Descrição da Unidade Simbólica
A ―Pedra do Lagarto‖ é um bloco ciclópeo de granito ou gnaisse granitizado
enegrecido, que forma parte da rocha original branca da Pedra da Salga. Possui 10,74 m
de comprimento insinuando a forma de um lagarto, especificamente um teiú ou iguana.
Está orientado diretamente ao Sul, ou seja, a cauda para o Norte e a cabeça para o Sul, e
os riscos foram talhados intencionalmente no lado Oeste da peça para serem vistos desse
lado (Fig. 12).
Fig. 12.- A rocha do lagarto e seu levantamento topográfico.
Existe uma abertura entre a Pedra do Lagarto e a Pedra da Salga de forma de ―V‖
alongada de 35 cm por 85 cm que se orienta ao Norte. Na parte mais estreita dessa
cavidade existe outra rocha de 1,40 por 0,80 m, aparentemente solta, que também
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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apresenta um sulco. Este conjunto dos três blocos teria formado um pequeno altar e está
banhado pelas águas da lagoa.
Para sua melhor descrição a rocha foi dividida em três partes, cabendo indicar que
nos pontos dessas divisões existem fraturas intencionais. Assim, a cabeça mede 2,08 m e
possui uma crista onde aparecem seis sulcos verticais a uma distância de 16-18 cm entre
eles, os quais parecem ter sofrido uma alteração tafonômica, intencionalmente fraturados
e desgastados pela ação das águas da lagoa. Esta cabeça se encontra aderida à rocha mãe,
ou seja, à Pedra da Salga. O corpo - de maior volume - mede 3,06 m, onde sobressai, no
centro do dorso, um sulco vertical lateral de quase 30 cm de comprimento. A cauda tem
5,60 m, é sinuosa e alongada, com 11 cortes de formato fusiforme perpendiculares à
crista, com 16 cm de profundidade por 3-4 cm de largura e dispostas a uma distância
média de 20 cm entre elas, diminuindo de tamanho conforme se introduz na lagoa
(Tabela 2, Figs. 13, 14, 15 e 16).
SULCO
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
Total : 28
LOCALIZAÇÃO
Cabeça
Cabeça
Cabeça
Cabeça
Cabeça
Cabeça
Corpo
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Cauda
Sulco horizontal
Sulco horizontal
Sulco horizontal
Cauda
Cauda
Entre cabeça e
corpo
Entre corpo e cauda
Pedra do Lagarto
MEDIDA DA ALTURA
4,2cm, erosionada
7,5cm, erosionada
8,4cm, erosionada
10,3cm, erosionada
8 cm, erosionada
10,2cm, erosionada
35 cm central e único
17 cm
16 cm
16 cm
16 cm
16 cm
14 cm
8 cm
10 cm
12,5 cm
3,5cm
3,4 cm
3,4 cm
3,2 cm
3,1 cm
12 cm
10 cm
11 cm
3 cm
3 cm
22 cm
25 cm
Medidas diversas
53
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Tabela 2.- Analise dos sulcos por parte corporal e enumeração a partir da cabeça (Sul).
Fig. 13.- A cabeça orientada ao Sul e seus seis sulcos destruídos e erosionados.
Fig. 14.- O Corpo possui 1 sulco vertical de quase 30 cm e a partir das 15 horas começa
projetar uma ampla sombra dirigida ao sul.
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Fig. 15.- Medidas dos sulcos na crista da cauda proximal do lagarto. A numeração segue
desde a cabeça.
Fig. 16.- Cinco sulcos pequenos verticais na cauda da rocha vistos durante a maré baixa.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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PARTE CORPORAL
No. SULCOS
Cabeça (erosionada)
6
Corpo (sulco central de 35 cm)
1
Cauda proximal
9
Cauda distal
12
TOTAL
28
Tabela 3.- Resumo dos sulcos por parte corporal.
Identificação do Lagarto
A Pedra do Lagarto se assemelha com o teiú grande, teju ou teiuguaçu (Família:
Teiidae; espécie: Teiú tupinambá) devido ao número da crista dorsal que se repete no
animal, de corpo compacto e pescoço reduzido. O termo teiú é uma palavra tupi
originária de te‘ju ou tuuú, denominação comum de répteis lacertílios, que atingem
quase 2 m de comprimento e disseminados na América do Sul (Relatório da Região dos
Lagos 2006, p. 29-30). Por outro lado, o termo iguana vem de iwana, que é uma palavra
aruaque, norte da Amazônia, que é sinônimo teiuguaçu (Dicionário Larousse, 2004, p.
885). São répteis de regiões temperadas e tropicais caracterizados pela presença de uma
crista dorsal, papo inflável e cauda prolongada com faixas transversais escuras (Ihering
1968).
Destes dois termos lingüísticos podemos comentar que o nome de Iguaba seria uma
corruptela de Iguana, que foi introduzido pelos jesuítas na época colonial quando se
fundou, em Iguaba Grande, a igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição em 1761,
devido à abundância de teiuguaçus na região. Durante o processo de catequização
católica, a ―rocha sagrada do lagarto‖ teria sido destruída principalmente a cabeça e,
posteriormente, sido esquecida. Ainda hoje, vestígios dessa destruição podem ser
encontrados na Pedra da Salga.
O papel dos répteis (cobras, tartarugas e lagartos) na religiosidade indígena
brasileira tem tido uma ampla importância, mas tinha sido descuidada das pesquisas
arqueológicas. Nesta variabilidade funcional se registram o uso: nos rituais de cura, o
óleo dos lagartos e cobras para diversas fraturas e luxações dos pescadores e caçadores
sambaquianos e simbolizam animais guardiões por excelência. A carne e óleo eram
obtidos nas caças coletivas nas áreas de manguezais onde abundava os lagartos. Como
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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foi uma atividade econômica milenar, repetido de geração em geração, esta se
transformou em arquétipo, um símbolo sagrado. Na Região dos Lagos, os répteis estão
em perigo de extinção, resistindo ao incremento demográfico humano principalmente
nestas três ultimas décadas.
Comentário
Numa versão preliminar tratei de entender este problema através do enfoque da
arqueologia processual, mas percebi que ela somente me conduzia a um plano hipotético.
Pois a chamada ―Nova arqueologia‖ nos remete a entender problemas da economia,
tecnologia e estrutura social de uma determinada população humana pré-histórica,
usando os métodos da tipologia, seriação e analogia etnográfica, mas não nos permite
mergulhar no tedioso campo da superestrutura. Assim, vimos que a abordagem da
arqueologia simbólica seria o método apropriado para analisar a Pedra do Lagarto.
Jung (1960) afirma que todo fenômeno psíquico é um símbolo, no sentido que ele
anuncia ou significa algo que escapa ao nosso conhecimento. Indica, aliás, que nos
símbolos existe a possibilidade de uma ação mediadora, representando tentativas naturais
para a reconciliação e união dos elementos antagônicos da psique: a vida e a morte, o
bem e o mal, o dia e a noite, o homem e a mulher, o Sol e a Lua, a saúde e a doença,
entre outros. Os símbolos baseiam-se em determinados arquétipos que se apresentam no
inconsciente, através dos sonhos e fantasias. Para Jung (Op. cit.) o inconsciente coletivo
contem uma ―imensa herança psíquica da evolução humana‖. Assim muitos dos
símbolos desse inconsciente coletivo são de natureza universal, podendo ser encontrados
nos mitos e expondo um ―entendimento‖ comum a toda a humanidade. Esses símbolos
de imagens primordiais, Jung os denomina de arquétipos. 10 Ou seja, um elemento base
que constitui um protótipo tão profundamente inscrito no inconsciente coletivo que
chega a constituir uma estrutura, um modelo pré-formado, de uma imagem de guia
ancestral.
Os arquétipos são as tendências estruturais invisíveis dos símbolos. Eles criam
imagens ou visões que correspondem a certos aspectos da situação consciente. Assim,
10
O termo arquétipo foi usado por filósofos neo-platônicos 250 a.C. para designar as idéias como
modelos de todas as coisas existentes. Na filosofia teísta, o termo indica as idéias presentes na mente de
Deus. O cristianismo colheu e difundiu o termo a partir de Agostinho durante o ano 450 d.C. Arquétipo,
na psicologia analítica, é a forma material à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar. Jung usou
o termo para se referir aos modelos inatos que servem de matriz para o desenvolvimento da psique (Jung
1960).
57
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Jung (Op. cit.) afirma que as ―imagens primordiais‖, os arquétipos originam-se de uma
constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Um exemplo
são os mitos de cada cultura, que nada mais constituem as expressões particulares de
arquétipos comuns a toda a humanidade e cuja base é o xamanismo. Na pesquisa
arqueológica, estas ―imagens primordiais‖ se encontram amplamente disseminadas e
gravadas principalmente nas rochas e cavernas, percebendo uma ampla gama factual de
imagens de cenas de caça, animais selvagens, representação humana, aberrações, cruz,
linha, circulo, espiral, triângulo, etc.
Os símbolos constituem a base da capacidade de comunicação e criatividade do
homem. A analises dos símbolos tem sido intensamente utilizados pelos campos da
psicologia, sociologia e antropologia social, mas pouco pela arqueologia. Conhecer o
significado simbólico da Pedra do Lagarto é o motivo deste trabalho e introduzir-nos na
sua leitura mitológica e na religião dos sambaquianos.
Os homens que talharam aqueles sulcos conheciam a tecnologia lítica baseada na
abrasão através de um intenso desgaste elaborado com ajuda de areia e água e, após,
polimento durante intensos períodos de trabalho. Prous (1992, p. 61) sugere que os
sambaquianos do Sul do Brasil praticavam esta técnica e conseguiram elaborar
polidores fixos, mós, almofarizes e bigornas, com fins de adornos e objetos de arte e/ou
ritual. Também eles conheciam a técnica da percussão direta e da indireta usadas para
fazer ferramentas.11 É evidente que um objeto polido ou picotado, obtidos com muito
custo, constitui um artefato valioso, normalmente são menos numerosos do que os de
pedra lascada ou de madeira, sendo conservadas o máximo possível, e até serem
reutilizados quando se quebram.
O mesmo autor (Op. Cit., p. 80) aponta ―se a perfuração ou risco for praticado a
partir de um lado só da peça, o furo terá uma forma em V, usando areia abrasiva e água
para conseguir o polimento. Aliás, para serrar um bloco de pedra, usa-se uma corda feita
com fibras vegetais ricas em material silicoso (fitólitos) que atua como serrote, com a
ajuda de abrasivo arenoso normal. Se gasta muito cordão, mas a técnica funciona
perfeitamente, mesmo no caso de rochas muito duras.‖ Porém, as incisões profundas em
11
Esta última técnica consiste em golpear a rocha com um martelo e um percutor que poderia ser um
machado, enxó ou cinzel, produzindo o sulco, e após, o polimento do núcleo. Esse martelo percutor tem
que ser uma rocha mais dura que o gnaisse ou granito (rochas resistentes). Neste caso poderia ser o
basalto. Segundo a geóloga Kátia Mansur do Departamento de Recursos Minerais/RJ existe uma canteira
de basalto perto na Ponta da Farinha (Com. Pessoal, 2008).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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peças angulosas como as da Pedra do Lagarto teriam sido realizadas com está técnica. É
possível sugerir o uso das fibras das palmeiras tucum e gerivá, assim como a da taboa
que cresciam abundantemente na região.
Cada sulco tem forma de ―U‖, semicircular, alongada e a uma distância média de
20 cm entre os sulcos, sugerindo que houve a intenção de modelar a crista da rocha.
Também as medições das três partes do lagarto (cabeça, corpo e cauda) guardam
proporção com esse animal. Para o talhado dos sulcos deve ter sido necessário muito
esforço, pelo menos uma semana de trabalho intensivo, feito por vários homens e quiçá
dirigido por um sacerdote ou xamã. A figura possui membro anterior e posterior, sendo
insinuadas somente as partes proximais aos lados do corpo como se fosse de um feto de
lagarto surgindo da Pedra da Salga.
Esta técnica de arte lítica se assemelha à das rochas sulcadas do Morro da Guia
enquanto ao seu estilo, linhas paralelas, formatos dos sulcos e polimento, sendo as do
morro mais delgadas e alongadas (Altamirano 2006; Correa 1992). A maioria dos
autores tem considerado estas últimas rochas como amoladores líticos fixos e oficinas de
entalhe, mas não há vestígios de lascas ao redor das pedras. Isto também se repete na
Pedra do Lagarto. Ou seja, tudo está limpo.
A existência de uma abertura estreita entre a Pedra do Lagarto e a Pedra da Salga
de forma de ―V‖ alongada de 35 cm de largura no início e 85 cm da abertura, orientada
ao Norte, permite discutir a formação um altar simples. Por sua forma aparentemente
camuflada não era manifesta e escapava quase sempre à observação superficial. Este
conjunto está formado por três blocos líticos (dois fixos e um móbil) e o ingresso de
água, simbolizando a confluência das três forças da natureza: a água da lagoa, a rocha e o
ar, sendo o quarto elemento o xamã que representava o fogo e calor. Estes elementos
teriam permitido neste espaço simbólico a invocação de espíritos. Os pescadores de
Iguaba Grande ainda praticam rituais nessa rocha depositando ofertas aos espíritos da
natureza, ora constituídos pelos orixás e iemanjás, deuses afro-brasileiros introduzidos
durante o período colonial, colocando velas, cachaça, cigarros e balas (Fig. 17).
59
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Fig. 17.- A Pedra da Salga
continua sendo a unidade
simbólica para os iguabenses.
Por analogia diacrônica, a Pedra do Lagarto teria servido para os sambaquianos
desta região de Iguaba Grande como um lugar sagrado para ―abençoar‖ as suas
ferramentas líticas amarradas nas pontas de suas lanças de quartzo; para evocar os
espíritos, orar e dançar em grupo; para organizar diversos rituais; e um observatório
astronômico, tal como teria ocorrido no Morro da Guia, que agrupa em seu redor uma
igreja franciscana (em frente), um convento jesuíta (no topo) e um cemitério indígena
(na parte posterior). A Pedra do Lagarto faz parte de um contexto ritual sambaquiano que
estava articulado à faixa costeira de Massambaba (ao leste) e tendo como fundo a Serra
da Sapiatiba, que se destaca com seus três picos (ao Oeste), a Ponta da Farinha (ao
Norte) e a Lagoa de Araruama (ao Sul). Isto indica que estava localizado precisamente
num ponto central.
A cabeça está mais desgastada que o resto, o que levanta a hipótese de uma
alteração intencional efetuada posteriormente. Talvez pelos próprios jesuítas, durante o
processo de catequização, tentando eliminar justamente a cabeça para desmistificar uma
imagem que poderia estar sendo adorada como uma divindade pelos indígenas.
Seguindo o modelo dos símbolos primordiais de Jung que nos remetem aos arquétipos e
à inconsciência coletiva e daí ao mito, esta se constrói a partir de atividades econômicas
milenares (Fig. 18).12
12
O padre jesuíta José de Anchieta, em 1560, apontou a grande quantidade de répteis, lagartos e cobras
que viviam endemicamente na baia de Guanabara, Rio de Janeiro (Anchieta, 1560). O cronista francês
Jean de Léry (1961, p. 127 [1557]), sobre os lagartos fala o seguinte: ―... Além desses animais [tatus], que
constituem o alimento habitual dos americanos, comem eles crocodilos, chamados jacarés, os quais têm a
grossura da coxa de um homem e comprimento proporcional; não são perigosos, pois, como me foi dado
60
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Fig. 18.- De Bry (1602): a caça do lagarto no litoral brasileiro entre a baia de Guanabara
e a lagoa Araruama.
A caça do lagarto na Região dos Lagos era praticada pelos sambaquianos como
atividade complementar à pesca e coleta de moluscos. Alguns de seus restos foram
achados em três sítios sambaquis de Saquarema (Beirada, Moa e Pontinha), ocupados
entre cinco mil e dois mil anos, aproximadamente, identificando-se ossos de fêmur e
mandíbulas de lagartos da família Teiidae na camada II de sambaqui de Moa e na
camada I de sambaqui da Pontinha. Kneip (1994, p. 47, 57) assinalou que os
pescadores, caçadores e coletores da lagoa de Araruama conviviam, naquela época, com
os lagartos de maior porte do Brasil, que alcançavam até dois metros de comprimento.
Igualmente, apontou que a caça de lagartos e tartarugas era uma atividade
complementar à pesca e coleta de conchas. Outras duas mandíbulas de teiú foram
ver muitas vezes, os selvagens os trazem vivos para as suas casas e as crianças brincam em redor deles
sem mal algum. Entretanto, ouvi contar aos velhos das aldeias que, nas matas, são às vezes assaltados e
encontram dificuldades em se defender a flechadas contra uma espécie de jacarés monstruosos que, ao
pressentir gente, deixam os carniçais aquáticos, onde fazem o seu covil‖. Continua dizendo: ―Os nossos
americanos também apanham tuús, lagartos que não são verdes, como os nossos, mas cinzentos, de pele
áspera como a das lagartixas. Embora tenham de quatro a cinco pés de comprimento, e sejam
proporcionalmente grossos e repugnantes à vista, conservam-se em geral nas margens dos rios e nos
lugares pantanosos, tais quais as rãs, e não são em absoluto perigosos. Direi ainda que, destripados,
lavados e bem cozidos, apresentam uma carne branca, delicada, tenra e saborosa como o peito do capão,
constituindo uma das boas viandas que comi na América. A principio, em verdade, repugnava-me esse
manjar, mas depois que o provei não cessei de pedir lagarto‖. O cronista Theodor de Bry (1601) anotou
ter visto grandes lagartos na região litorânea carioca. Sua caça era efetuada com grossos troncos de
arvores aguçados e enfiados na boca quando o réptil a abria para morder os nativos. Era uma atividade
econômica elaborada em grupo, tal como ocorreu com a pesca, a dança, a sementeira e a colheita de
moluscos.
61
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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achadas no contexto ritual funerário do sepultamento 7 do sítio do Sambaqui do Forte,
em Cabo Frio (Kneip, 1977, p. 116). Pois, se trata de um indivíduo adulto masculino de
corpo orientado ao Sul e com a cabeça voltada ao oeste. Isto é interessante porque é
semelhante à posição da Pedra do Lagarto.
A parafernália funerária desse sepultamento se compõe de um almofariz, uma
lâmina de machado polida, 3 pontas de projétil de quartzo triangular ao redor do pescoço
e um disco lítico polido à altura do umbigo. Próximo à perna direita colocaram 4
vértebras de peixes (dois com furos e dois sem furos) e na perna esquerda a cabeça do
lagarto teiú (duas mandíbulas). Porque oferendaram esta parafernália? 13 Aplicando a
definição de significado simbólico de Turner (1974) e Jung (1960) podemos refletir que
todos os elementos rituais do defunto fazem parte de um complexo significado simbólico
que estava intimamente relacionado com a travessia ao ―outro mundo‖. Pois as vértebras
de peixes teriam guiado ao espírito do defunto primeiro pelo mar, quiçá até as ilhas, e
depois, a cabeça do lagarto perto aos pés teria permitido uma segunda viagem ao céu, ou
seja, às constelações estelares, concebida como o lugar da moradia de suas divindades de
animais primordiais. Nessa viagem ao ―outro mundo‖, a constelação do Sul chamado
cacuri ou cruzeiro do Sul teria desenvolvido um papel notável entre os pescadores.
Em todas as grandes civilizações e sociedades periféricas arcaicas do orbe, o
lagarto aparece em múltiplos rituais. Entre os sambaquianos do Sul este sáurio está
representado nos zoólitos e teve uma função simbólica de perpetuidade, regeneração,
guia aos espíritos, cura de doenças, acesso ao ―outro mundo‖ com extrema facilidade e a
virtude de ser controlado pelo xamã através de uso de plantas alucinógenas.
Os pastores de altura, no mundo andino, talhavam pequenas pedras polidas
semelhante aos zoólitos que representavam lhamas e alpacas com um furo no dorso e
era conhecida como illa, qonopa, inkaichu, ullti e ullqui e se lhe atribuía um imenso
poder de reprodução chamado enqa. A imagem dotava à pedra a propriedade de
multiplicar prodigiosamente os rebanhos de camelídeos, as colheitas agrícolas, a pesca,
a artesanato, e a boa sorte nas locomoções a grande distância. Por oposição e
complemento, também naquelas sociedades andinas era comum ter adoratórios
zoomorfos feitos de grandes pedras chamados wankas. Tanto os pastores quanto os
13
Os instrumentos e objetos depositados juntamente com um sepultamento podem ter diferentes sentidos,
sendo porém possível perceber que os Jê tendem a conceber esses objetos como necessários para a
sobrevivência no além, enquanto os Tupi os concebem necessários à difícil travessia, mas não para a
sobrevivência (Ribeiro 2002, p. 200). Existe uma grande aproximação entre os sambaqui e os tupinambá
em torno ao tratamento dos corpos no centro da aldeia (Gaspar et alli 2007).
62
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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horticultores alto-andinos tinham uma base religiosa xamãnica que evoluiu desde o
período lítico para o cerimonialismo durante o Pré-cerâmico Tardio (Burger 1992).
Contudo, o culto às montanhas, lagos e rochas sagradas perdurou até a expansão do
império Inca. Assim, na arte andina é comum perceber as representações do jaguar,
condor, lagarto, cobra, raposa e lhama (Avila 1978). Para o índio andino essas wankas
formavam parte de sua arte e do sistema narrativo que estava vinculado com a sua
própria mitologia de origem. Por outro lado, estas rochas sagradas também estavam
ligadas com as orientações astronômicas (Tello 1967). Aliás, entre os pastores de Parati
(Puno) ainda se tem o costume de adorar grandes rochas sagradas chamadas Khuya
rumi, localizados no meio dos campos de pastos representados por figuras de lhamas
ancestrais e tem a função de proteger aos rebanhos. Eles as tem muita devoção e deixam
ofertas de folhas de coca, graxa de feto de lhama = unha lhamacha, cachaça, cigarro e
balas (Flores Ochoa 1977).
Entre os horticultores da Amazônia central existe a lenda do lagarto considerado
como o deus caiman junto com a deusa cabaça que teriam dado origem a certas
populações autóctones tropicais e cuja base econômica era a caça, coleta e horticultura
da mandioca (Lathrap 1971). Esta lenda tem uma origem milenar, influenciando
posteriormente à cultura Chavin do Peru e representada na pedra no obelisco Tello. 14 Na
arte da cerâmica indígena, resgatamos dois paralelos: a primeira refere que os mochicas
representavam o lagarto mítico em forma humana e cujo significado simbólico seria de
pastor-guia (sacerdote ou xamã), levando uma lhama para ser sacrificada; noutros casos
a figura do animal está ligada ao sacrifício humano. Nos complexos contextos
iconográficos mochicas, o lagarto atua como companheiro inseparável do deus AiaPaec15, principalmente no tema do enterramento humano, do sacrifício às montanhas e
da travessia ao ―outro mundo‖. Nesses contextos, o lagarto é quem dirige as cerimônias
de sacrifício humano, tendo ao fundo a figura de um morro de três e/ou de cinco pontas.
Caberia a possibilidade de que, na Pedra do Lagarto, teria ocorrido esse tipo de ritual,
14
A representação central do obelisco Tello é uma copula divina de dois lagartos cósmicos, um macho e
outra fêmea. O falo é uma mandioca e a vagina uma concha Strombus. A partir do sêmen ejaculado pelo
contato surge a criação do mundo (Lathrap 1973). É o símbolo da fertilidade que gera vida e dá
movimento eterno à natureza, Terra e o universo.
15
Principal divindade mochica que possui o rosto pintado de vermelho, com grandes dentes caninos,
olhos alados, com chapéu, cinto de cobras, blusa quadrilátera que remata em pontas triangulares, taparabo e sandálias. Usa plantas alucinógenas e está presente nos três espaços rituais (o mundo inferior,
médio e superior). No mundo dos mortos, viaja sobre um barco de fibra de junco ou ―caballito de totora‖
de forma de meia Lua, cura doentes, anda sobre as águas e bebe o sangue de homens sacrificados
(Altamirano 1995).
63
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
tendo como fundo a imagem do morro da Sapiatiba, com a evidência das três pontas
(Fig. 19).
Fig. 19.- Reconstituição da rocha do lagarto: Ao oeste, a Serra da Sapiatiba de três
pontas.
O outro paralelo é de Schaan (1997), apontando que um dos motivos zoomorfos
mais comuns na cerâmica ritual marajoara, encontrados nos sítios arqueológicos na boca
da bacia amazônica, são os lagartos e os jacarés, junto com cobras, urubus, corujas,
tartarugas, macacos e escorpiões. Aliás, ela argumenta que esses animais teriam sido a
representação de seres mitológicos, espelhados na fauna local. Os lagartos aparecem
com pernas abertas, tendo sobre o corpo três riscos paralelos, como também há na cauda
a figura trípode semelhante às patas do lagarto. Sobre esta citação, podemos argumentar
que é possível perceber sua presença na arte e nas mitologias amazônicas.
A Pedra de Lagarto se estende de Norte a Sul, tendo a cabeça na direção ao Sul. No
centro da Pedra, especificamente no corpo, existe um único sulco central de 35 cm ao
qual estamos considerando ter sido um gnomon. Este ponto representaria o ―umbigo do
mundo‖, ―axis mundi‖ ou o eixo do mundo sambaquiano dos antigos iguabenses. A
partir desse centro é que estabelecemos os alinhamentos. O norte está alinhado à Ponta
da Farinha e detrás desse morro existe um conjunto de cercos de pedra, chamado ―curral
dos índios‖ que servia para a pesca lacustre, atividade econômica principal para a vida
dos sambaquianos. Para alguns pesquisadores sobre o xamanismo, o norte representa o
lugar da reflexão e da calma, da ternura e paciência, o ancião ou ser milenar, o inverno e
a sabedoria (Langdon 1992).
64
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
O sul, alinhado para a Ilhota de Santa Rita e Iguabinha, lugares pequenos onde
foram encontrados sepultamentos humanos é um indicador da viagem do espírito do
defunto ao ―outro mundo‖. Também representa a criança, alegria e felicidade, a
realização e a prosperidade: o verão. O leste, orientado à saída do Sol, na ponta de
Acaíra e faixa de Massambaba, é onde se localiza os assentamentos sambaquianos, por
tanto, representa a iluminação e a primavera, ou seja, a vida. E o Oeste na direção dos
morros da Sapiatiba de forma piramidal marca o ocaso do Sol, é o lugar do fluir, do
despertar da maturidade, onde nascem os xamãs; representa o outono (Fig. 20).
Fig. 20.- Orientações da Pedra do Lagarto.
Aliás, ao oeste e próximo à Pedra do Lagarto detectamos sete círculos de 3 cm de
diâmetro em diversos alinhamentos, o qual poderia indicar os cálculos que os xamãs
faziam durante as suas observações nos ocasos para alinhar a posta do Sol entre os
solstícios e equinócios. O cronista francês Abbeville (1975) aponta que os tupinambás
controlavam os movimentos do Sol (chamado Coaraci), dando-lhes diversas
denominações em tupi e conheciam também os eclipses. Por outro lado, parece que a
figura do lagarto estava intimamente ligada com a Lua. A forma de meia Lua da rocha
surgindo da lagoa de Araruama e da Pedra da Salga é forte indicador do controle lunar e
inicio da viagem dos mortos. Os 28 sulcos na crista da pedra é um indicador do controle
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
dos dias no mês lunar. A principal unidade de tempo dos Tupinambás eram as lunações,
controlada pela deusa Jaci por meio das fases da Lua conseguiam uma unidade de tempo
correspondente ao nosso mês.
A importância da figura do lagarto para as sociedades sambaquianas do período
Pré-cerâmico foi crucial. No entanto, na astronomia tupinambá do século XVI não existe
o registro da constelação do lagarto dentro da Via Láctea ou Tapirapé = o ―caminho da
anta‖, o que indicaria que sua representação tinha caído em desuso durante o tempo do
contacto europeu. Contudo, o lagarto constitui um dos símbolos mais importantes da
religião xamãnica dos pescadores litorâneos que merece maior atenção. A cosmografia
Tupi e seus fenômenos cosmológicos estavam baseados na observação empírica das
variações das estações, dos ventos, das chuvas, dos ciclos biológicos, etc. As estrelas
Urubu, Surã, Iapuicã e as constelações Simbiare-rajeiboare (mandíbula da anta ou
Híades) e Seichu-jurá (Plêiades), por exemplo, indicavam a chegada das chuvas,
regulando suas atividades agrícolas e pesqueiras. 16
Os Bororo possuem uma não menos complexa relação com o cosmos, que é
permeado pela presença de espíritos. Ao mesmo tempo essa relação acontece
normalmente, fazendo com que ajam sem cerimônias diante do sobrenatural (LeviStrauss, 1996). Segundo este autor, poucos povos têm um sistema metafísico tão
elaborado como os Bororo: ―Mas as crenças espirituais e os hábitos cotidianos misturamse estreitamente e não parece que os indígenas tenham a sensação de passar de um
sistema a outro‖ (ibid. p. 215), de modo que tudo acontece como se um contrato tivesse
sido firmado entre mortos e vivos. Tudo parece indicar que esta forma de conceber o
mundo xamãnico também se estaria repetindo entre os sambaquianos.
Em suma, durante o período dos sambaquianos, a caça constituiu uma fonte
secundária de subsistência quando comparada com a pesca e coleta de moluscos (Figuti
1993), embora os colares de dentes de animais selvagens: jaguares e macacos, ossos de
16
Thevet (1978 [1558]) nos informa que as perguntas sobre a idade dos índios e os acontecimentos
tribais, tudo era respondido por seu intermédio: - ―há tantas Luas eu nasci....‖. A eficiência do sistema
total de demarcação do tempo Tupinambá pode ser comparada com o atual. Abbeville (1975), que fez tais
comparações, chegou às seguintes conclusões:
(1) A delimitação das épocas de chuvas e de ventos ou do tempo dos cajus, dando-lhes uma noção
de tempo correspondente ao mês europeu.
(2) Os movimentos da constelação Seichu ou Seixu (Plêiades), que aparecia antes das chuvas para
desaparecer em seguida, davam-lhes um conhecimento empírico do interstício, ou seja, do tempo
decorrido de um ano a outro. Teria sido a constelação da abelha.
(3) O Sol e a Lua eram entes notáveis que permitiam organizar os calendários rituais e econômicos.
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répteis, "veados", baleias e peixes, conchas e zoólitos depositados nos sepultamentos
sambaquis permitem entender que muitos animais silvestres formavam parte do panteão
religioso sambaquiano. Isto comprova que eles tinham uma base religiosa xamanistica,
animistas, místicos, pacíficos e alegres. Ou seja, as cosmologias ameríndias valorizam
os animais silvestres como elemento simbólico da natureza, já seja tanto de povos
caçadores quanto horticultores, estando presente em todo o continente americano
(Viveiros de Castro 2002: 357). A possível valorização simbólica do lagarto numa
sociedade do passado remoto, essencialmente pescadora e coletora, se projeta na
tradição cultural como um elemento essencial do universo simbólico ameríndio
observado pela etnografia na atualidade que ainda continuam resistindo fortemente ao
―progresso‖ da sociedade brasileira.
Conclusões
1.- Segundo a análise da técnica do talhado da rocha é compatível com as rochas do
Morro da Guia, apontando terem sido feitos pelas mesmas antigas populações
sambaquianos da Região dos Lagos que viveram entre 3 mil a.C. até 500 d.C..
2.- A forma de lagarto não é casual senão foi modificada intencionalmente devido à
abundância destes répteis na pré-história da Região dos Lagos e tinha um lugar
simbólico na religiosidade sambaquiana.
3.- O lugar teve a função principal de centro sagrado ligado com o mito da aparição
do lagarto surgindo da Pedra da Salga. Assim os sambaquianos de Iguaba Grande
tiveram uma religião baseada no xamanismo, crença que formava a sua identidade
cultural e etnicidade desta tribo sambaquiana.
4.- A rocha teve conotação astronômica devido a sua perfeita orientação ao Sul e os
28 sulcos na crista da Pedra que teriam estado relacionados com o controle do mês lunar
e as fases da Lua (28 dias). Os pescadores sabem a importância da Lua que se
associavam com as marés para organizar os tempos rituais e econômicos. Aliás, o morro
da Sapiatiba localizado no Oeste da Pedra do Lagarto teria permitido o controle do
movimento do Sol (solstícios e equinócios).
5.- O sitio arqueológico da Pedra do Lagarto se insere dentro da arte lítica da
Região dos Lagos, permitindo entender uma pequena parte do complexo mundo da
religiosidade sambaquiana.
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2.3.- O Centro cerimonial do Morro da Guia, Cabo Frio
Resumo
O presente artigo faz uma descrição detalhada do conjunto lítico do Morro da Guia de
Cabo Frio e o analisa reunindo dados da Arqueologia Simbólica. A disposição dos
blocos sulcados em relação a duas rochas centrais, a ―poltrona‖ e o ―gnomon‖, teria
permitido amarrar o espaço geográfico com o fato do ordenamento do tempo para
organizar a vida religiosa dos prístinos pescadores cabofrienses. Os oito blocos líticos se
alinham em dois eixos, uma, em sentido NE-SW e outra de leste-oeste. A técnica de
polimento se assemelha com os almofarizes sambaquianos e teria sido elaborado
mediante cordas vegetais, areia, gume e água durante intenso período de atividade ritual.
Nosso estudo conclui que o sítio foi um centro religioso sambaqui e não um atelier de
amolador lítico.
Palavras chaves: sambaqui, arte lítica, xamanismo, arqueologia brasileira, índios do
Brasil.
Resumen
El presente articulo realiza una descripción detallada del conjunto lítico del Morro da
Guia de Cabo Frio y lo analiza reuniendo datos de la Arqueología Estructural. A
disposição dos blocos sulcados em relação a duas rochas centrais, a ―poltrona‖ e o
―gnomon‖, teria permitido amarrar o espaço geográfico com o fato do ordenamento do
tempo para organizar a vida religiosa dos prístinos pescadores cabofrienses. Os oito
blocos líticos se alinham em dois eixos, uma, em sentido NE-SW e outra de leste-oeste.
A técnica de polimento se assemelha com os almofarizes sambaquianos e teria sido
elaborado mediante cordas vegetais, areia, gume e água durante intenso período de
atividade ritual. Nosso estudo conclui que o sítio foi um centro religioso sambaqui e não
um atelier de amolador lítico.
Palavras chaves: sambaqui, arte lítica, xamanismo, arqueologia brasileira, índios do
Brasil.
“O sítio sagrado ficava no Itajuru – morro junto ao
canal da laguna, na restinga de Cabo Frio -, onde
estavam as grandes pedras com sulcos que recebiam
veneração dos índios. Eram seus heróis-feiticeiros
ancestrais que subiram ao céu depois da morte,
transformaram-se em estrelas e mais tarde desceram
à Terra sob a forma de pedras sagradas, a fim de
serem lembrados e imitados pela humanidade porque
representavam modelos de conduta exemplar”
(Cunha 1997, p. 14).
O sítio arqueológico do Morro da Guia ou Tairú (RJ-JC-12), localizado no
município de Cabo Frio, Rio de Janeiro, apresenta sérios problemas de interpretação para
o avanço da pré-história brasileira e cabofriense, tanto sobre o seu significado cultural e
histórico quanto sua posição cronológica e contextual. Estas questões se deviam à
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carência de escavações sistemáticas e sua interpretação funcional partia de uma visão
superficial, subjetiva, materialista e economicista. Porém, aquela inferência tradicional
propunha que as rochas sulcadas teriam tido uma função eminentemente de atelier, ou
seja, de "amoladores líticos fixos" (Dias Jr. 1959; Kneip 1977; Beltrão 1978; Gaspar &
Tenório 1990; Kneip & Oliveira 2001). 17 Mas jamais tinha sido comprovada essa
hipótese.
Uma nova abordagem será aqui aplicada seguindo a teoria da Arqueologia
Estrutural. Porém, nossa hipótese de trabalho propõe que as rochas sulcadas teriam sido
elaboradas durante o período Arcaico ou Pré-cerâmico final (2.200 a.C.-1 d.C.) durante a
ocupação da cultura dos sambaquianos e a chegada de tribos horticultores Araruama
(Fase Itaipu) que introduziram a horticultura da mandioca, cará e bata doce à região. E
dois, elas teriam tido uma função de caráter mágico-religiosa associada a "petróglifos"
ou arte lítica. Assim, o Morro da Guia teria sido um centro cerimonial que articulava a
vida religiosa das antigas populações pesqueiras da região baseada num sistema sóciocultural xamanístico.
Num contexto maior, diversas sociedades arqueológicas da América Andina, da
Amazônia e da Mata Atlântica que desenvolveram uma economia de horticultura, ainda
no período pré-cerâmico, construíram seus petróglifos com representações simbólicas ou
convencionais de diversas categorias, motivos e desenhos, em técnica cupuliforme ou
sulcos de forma de ―U‖, tais como: representações de círculos com ponto, fossas,
espirais, linhas e fossas pequenas; de animais silvestres e plantas; de seres humanos e
deuses; de combinações de todas elas, entre outras (Leroi-Gouhan 1985; Núñez Jiménez
1986; Guffroy 1987; Polia 1992).
Contudo, o sítio do Morro da Guia localiza-se no primeiro nível de análise com
representações de linhas em baixo releve ou sulcos de diferentes cumprimentos e
orientações, permitindo consolidar o início de um complexo estudo de arte lítica e de
profundo significado simbólico que constitui o principal testemunho da cultura religiosa
dos antigos cabofrienses perpetuada nas rochas. Ou seja, os sulcos, fossas e localização
das rochas apontam à existência de um tema narrativo, um mito ou uma linguagem
simbólica que tinha sido pouco esclarecido na arqueologia da Região dos Lagos.
17
Por outro lado, existe uma gama de interpretações de diversas funções, em sua maioria designadas "a
priori" como: "letreiros", "pedras escritas", ―chicotadas do diabo‖, "o rasto de Sumé", "pedras
garabateadas", "pedras lavradas", "nheengatu", "pintados", "polidores líticos", "riscos" e outros, os quais
pervivem na tradição etnográfica da literatura oral.
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História, Cabo Frio, RJ.
Localização
O termo Tairú, Itairu ou itajuru, nome original do Morro da Guia, é uma palavra
tupi que provem das etimologias de ita= pedra, e juru= garganta, o que quer dizer
"garganta das rochas". Porém, é precisamente que nesse ponto geográfico o morro da
Guia e do Telégrafo se encontra próximo e separado pelo rio Itajuru, razão pelo qual
foram construídos aí as pontes ‗Feliciano Sodré‘ e o moderno ‗Márcio Correa‘ que une
os bairros do Portinho e Jacaré (Fig. 21).
Fig. 21.- Localização do Morro da Guia, Rio de Janeiro (Fonte: Gaspar et alli. 2007).
Este promontório rochoso, com 70m de altitude, está coberto com vegetação de
restinga composta por bromélias, cactáceas, Opuntia sp., Cereus sp., arbustos, espinhos,
gramíneas e plantas introduzidas. Aliás, no topo existe uma capela chamada Nossa
Senhora da Guia, construída em 1740, que é parte do convento de Nossa Senhora dos
Anjos, cuja edificação foi iniciada em 2 de agosto de 1686. Sendo o sítio tombado pelo
IPHAN em 1967 (Fig. 22).
Geomorfologicamente, o outeiro da Guia é parte da Formação Cabo Frio composta
de rochas gnaisse granítizadas que datam desde há dois bilhões de anos. As estratigrafias
de granito têm camadas de quartzo de baixa qualidade, chamadas veias e durante os
períodos posteriores sofreram grande erosão petrológica. O rio Itairu ou itajuru, antes de
sua canalização, ocorrido em meados do século XX, tinha uma maior amplitude e
formaram-se junto com a Lagoa Araruama entre 10 e 3 mil anos a.C. Hoje, vem sofrendo
diferentes mudanças de acordo com a política turística moderna.
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Fig. 22.- O Morro da Guia, antigo Tairú junto com canal Itajuru.
Hipótese
Nosso estudo propõe que entre 3 mil e 1 mil anos a.C. a Região dos Lagos
atravessou por um extenso período de ocupação humana chamada a cultura dos
sambaquis que teriam tido deuses xamãnicos e espirituais voltados para o culto de
determinadas rochas sagradas localizadas em lugares especiais.
A localização do sítio, provavelmente coberta de Mata Atlântica naquela época,
teria estado num ambiente escondido, próximo das aldeias e de difícil acesso. Parece que
o Morro da Guia, há 3 mil anos, formava parte de um extenso manguezal e estava
rodeada de água onde vivia uma rica fauna íctica, volátil, lagartos, cobras e tartarugas
nos rochedos e teria permitido a atração de grande concentração humana, sobretudo
pescadores e caçadores com suas canoas monóxilas, vindos da Boca da Barra, do
Sambaqui do Forte e de diversos lugares da Região dos Lagos. Vários rituais como furo
das bochechas, casamentos, festas luares, ritos funerários, ―canibalismo‖ e observações
astronômicas teriam ocorrido nesse centro religioso.
Análise das Rochas
As sete rochas se localizam na crista do morro e estão orientadas NE-SW. Cada
bloco possui um ordenamento padrão em forma de ―U‖ com outras rochas alisadas não
sulcadas, dispostos em diversas posições. Existem alinhamentos de grandes rochas que
formam aparentes muros. Os desenhos nas rochas são diferentes. Todas elas se
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organizam em torno uma rocha gnaisse granitizada de forma de poltrona localizada no
topo do morro, próximo à capela (Fig. 23).
Fig. 23.- Distribuição das rochas sulcadas (fonte: Beltrão 1978).
Nº DE
ROCHA SULCOS
1
11
POLTRONA
alisada
2
14
GNOMON
alisada
3
11
4
20
5
34
6
23
DIMENSÕES
É a R8 de Dias Jr. (1959).
7
20
LOCALIZAÇÃO
Maior de 100 cm e menor 35 cm. No lado oposto do reservatório. Frente ao
Esta coberta por arbustos de ramas canal de Itajuru. Coberto pela vegetação.
oleosas (é a R7 de Dias Jr., 1959). Tem forma de uma lagartixa estilizada (?).
1,20m de base anterior, 1,75m base Na parte esquerda da capela (1740).
lateral. por 1,25
Maior de 84 cm e menor 25 cm, Na base da capela, sulcos em U (é a R2 de
largura média 1,8 cm.
Dias Jr., 1959). Possui desenhos de pés.
Possui 54cm de cavidade talhada Na parte direita da capela. Próximo a
para ser observatório, orientado de rochas 3 e 4.
N-S.
Maior 95 e menor 35 cm. Quase Entre o gnomon e à R4, na direção sul,
coberta por fungos (é a R4 de Dias sulcos paralelos NE-SW e convergentes no
Jr., 1959).
centro, em forma de U.
Maior 112 cm e menor 43 cm. Ao Sul da R3, sulcos paralelos verticais em
Largura média 2,2 cm. (é a R3 de forma de U.
Dias Jr., 1959).
Maior 85 cm e menor 33 cm. Após o reservatório. Atacada por fungos.
Apresenta o maior número de Sulcos em forma de U, as mais longas tem
sulcos. É a mais notável do Itajuru. uma largura de 3 cm e as mais curtas de 1,8
Rocha de forma trapezoidal de 4,20 a 2 cm. (é a R5 de Dias Jr., 1959).
x 2,20 m. Media de cumprimento:
114cm.
Media de cumprimento: 114cm. (é Após o reservatório, sulcos em U e coberto
a R6 de Dias Jr., 1959).
pela vegetação.
Após o reservatório, sulcos em U e coberto
pela vegetação.
Tabela 4.- Análise tipológico das rochas do Morro da Guia.
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A Rocha No. 1 se localiza em frente ao morro do Telegrafo e do canal Itajuru.
Mede 1.70 x 1.18 m e possui 11 sulcos elaborados na técnica cupuliforme. Possui duas
pequenas fossas de 5 cm de diâmetro e a 14 cm de distancia. A seu lado esquerdo
existem 6 grandes blocos alisados que tem forma de U alongada e aberta para o Morro
do Telegrafo e o rio Itajuru, ou seja, para o Leste (Fig. 24 e 25). Teria sido um pequeno
altar de forma em ―U‖.
Fig. 24 e 25.- A rocha No. 1 possui 11 sulcos e 2 fossas orientados ao Sul.
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A Poltrona forma parte de um conjunto de 16 blocos alisados e ordenados em
forma quadrilátera. As rochas se dispõem em forma de ―U‖ aberta para o Morro do
Telegrafo (Leste). A rocha principal tem forma piramidal, alisada e localizada no topo
máximo do morro e possui uma cavidade central a modo de cadeira de 50cm de
comprimento por 35cm de profundidade e as costas tem 58cm e inclinada para trás e
apropriado para a comodidade e observatório. Mede 1,20m de frente, 1,75m de base e
1,20m de altura. Orientado diretamente ao morro do Telegrafo, mas com ampla visão de
360º, tanto para leste quanto oeste. Uma pequena rocha talhada de 28 x 23cm se localiza
no pé da poltrona (Fig. 26).
A poltrona está coberta por dois tipos de liquens (uma de cor amarela-laranja e
outra verde clara) que se projetam pela área da cadeira, indicando sua antiguidade. Sendo
que o líquen laranja mais antigo que o verde. Possui impregnações de cal e concha moída
na parte anterior e lateral da rocha que parecem ser resíduos da época colonial.
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Fig. 26.- A poltrona localizada no topo do Morro (croquis).
A Rocha No. 2, localizado na parte direita da Capela (1740), forma parte de um
conjunto de 9 blocos alisados, composto de 3 grandes à esquerda e 6 pequenas à direita.
A rocha principal mede 2m por 1.10m é e possível dividir em duas partes. Os riscos
localizam-se na porção Norte e os círculos ovais na porção Sul. Os riscos são 14 sulcos,
elaborados na técnica cupuliforme e se orientam de NE-SW, os sulcos centrais são
convergentes e maiores, formando dois triângulos alongados (Fig. 27).
Fig. 27.- Rocha No. 2 ao lado direito da capela colonial.
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Os círculos ovais são pequenas fossas ligeiramente alongadas em número de 7 e
cujas medidas são 2 de 6 x 10cm, 1 de 6 x 5cm, 1 de 6 x 8cm, 1 de 6 x 11cm, 1 de 6 x
7cm, 1 de 6 x 6cm (Fig. 28). Estas fossas se complementam com os sulcos. Em seu
conjunto parece ter sido um pequeno altar de forma em ―U‖ aberta para o Norte, ou seja,
orientada para o atual bairro do Portinho.
Fig. 28.- Sete glifos em baixo relevo de forma oval da Rocha 2.
Por sua proximidade à capela é a rocha que sofreu mais os efeitos de alteração dos
visitantes. No ano 2006, uma camada de cimento foi colocada numa parte da rocha por
parte de funcionários da Prefeitura Municipal de Cabo Frio, tratando de ―conservar‖ a
rocha. No entanto, isto causou a alteração de sua morfologia nativa e produzindo uma
acelerada destruição da rocha pela intempérie onde os sulcos começaram quebrar e
descascar.
O gnomon é uma estrutura lítica composta de 4 blocos alinhados no sentido NESW. Possui uma abertura de forma de ―U‖ aberta para acima com medidas de 54cm e
48cm de abertura na base (parte distal) e na parte proximal de 70cm. O bloco maior
mede 1,40m por 0,68m e na porção superior existe uma pequena abertura de 50cm de
altura por 30cm de base. A rocha da parte direita possui rachaduras verticais e mede
1,43m de comprimento. Na parte distal possui muitos furinhos (Fig. 29).
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Fig. 29.- O gnomon localizado no centro do Morro da Guia, próximo à capela colonial.
A Rocha No. 3, localizado ao sul-oeste de R2 e a 5m ao Sul do Gnomon, está
rodeada de 3 grandes blocos alisados e possui 11 sulcos paralelos, dois quais 3 são
convergentes e se localizam no centro. O bloco sulcado mede 2,20 x 0,90 x 1,34m
(altura). Esses blocos líticos também forma parte do desenho em V. Os sulcos, feitos em
técnica cupuliforme, estão associados a furinhos localizada na parte alisada, medindo 90
x 70cm, este se orientam de NE-SW (Fig. 30).
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Fig. 30.- A Rocha 3, à esquerda, na parte sul do Gnomon e a R4, à direita.
A Rocha No. 4 está próximo à R3, possui 20 sulcos paralelos e verticais que se
orientam de E-W. Os sulcos foram talhados na técnica cupuliforme. Está composto de 4
blocos dispostos em forma de V (Fig. 11 e figura anterior). No centro existe a união de
dois sulcos formando um ângulo muito agudo, uma ―V‖ aberta. Parece ser a figura de
uma ave preta, quiçá uma coruja ou urubu em posição de espera.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Fig. 31.- Rocha No. 4 possui 20 sulcos verticais.
A Rocha No. 5 possui 34 sulcos, sendo a maior 85 cm e a menor 33 cm. Apresenta
o maior número de sulcos. É a mais notável do Itajuru. Rocha de forma trapezoidal de
4,20 x 2,20 m. Media de cumprimento: 114cm. Tem sulcos retos e curvos feitos na
técnica cupuliforme (Fig. 32).
Fig. 32.- Rocha No. 5 a maior de todas e possui 34 sulcos.
A Rocha No. 6 tem 23 sulcos, em media de cumprimento: 114cm. Forma junto
com a rocha 5 uma entrada com escada para o topo do morro.
A Rocha No. 7 possui 20 sulcos e se localiza após o reservatório, entre sulcos
curvos e retos e se encontra coberto pela vegetação.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
A Rocha No. 8 possui 20 sulcos e se localiza após o reservatório, entre sulcos
curvos e retos e se encontra coberto pela vegetação de restinga e na parte baixa do
morro.
COMENTARIO
Os estudos realizados sobre os ―polidores líticos‖ do Morro da Guia entre 1959 e
2000 se haviam concentrado somente naquelas rochas que tinham os sulcos, ou seja,
estavam observando o problema só com um olho, descuidando os outros próximos que
foram alisados e formavam vários conjuntos e tinham seus próprios contextos espaciais.
A idéia de serem interpretados como ―amoladores líticos fixos‖ dentro da teoria
processual e economicista dominou a arqueologia brasileira por mais de 2 séculos (Netto
1888; Dias Jr. 1959; Beltrão 1978; Gaspar & Tenório 1990; Kneip & Oliveira 2001),
descuidando o aspecto da superestrutura e do simbolismo.
Por outro lado, o estudo de rochas zoomorfas pré-históricas, denominadas zoolitos,
estava concentrado nos sambaquis de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São
Paulo, mas, devido a pouca atenção dada a esse tipo de trabalho, era escasso na Região
dos Lagos, o que torna necessária a abertura de uma nova linha de pesquisa orientada
para a arqueologia simbólica.
Concernente às rochas sulcadas de Tairú é possível perceber a existência de dois
problemas arqueológicos. O primeiro se concentra sobre a sua posição cronológica e
cultural e o outro se discutirá a definição funcional dos rochedos sulcados. Para uma
discussão mais detalhada sobre a hipótese da rocha como arte religiosa, temos reunido
cinco tipos de evidências das ciências interdisciplinares, como tecnologia lítica, a
comparação com a Pedra do Lagarto, paleo-zoologia, etno-história e da etnografia,
seguindo o paradigma da Nova Arqueologia. Vejamos:
A Posição cronológica
Sobre a questão cronológica e enfocada num contexto macro da literatura
arqueológica da América do Sul, menciona que os petróglifos estão correlacionados com
tribos ou chefias com horticultura e pesca especializada, eram grupos pré-cerâmicos e
foram elaborados principalmente durante o período Arcaico/Formativo (Rouse 1949;
Ravines & Bonavia 1972; Núñez Jimenez 1986; Polia 1992; Porras 1992).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Portanto, discutindo nossa hipótese que os sulcos das rochas de Tairú teriam sido
elaborados durante o período Arcaico correspondente à ocupação da sociedade
Sambaquiana e o surgimento dos Itaipu (2.000-1 a.C.), e perdurando esta crença dos
deuses da natureza até as ocupações tupinambás e dos tamoios. Num contexto micro e
regional, podemos inferir rochas talhadas e polidas achadas em sítios sambaquis do Forte
(Kneip 1977).
Sobre a tecnologia de tratamento das rochas comentamos que estas também se
aproximam aos petróglifos andinos. Os quais foram feitos por meio da técnica da fricção
e uso de areia e água para alcançar a forma de "U" e não em "V". Enfim, estes
petróglifos teriam estado inseridos dentro da articulação social e ideológica dos
horticultores, complementando as suas economias tradicionais com a pesca, coleta e
caça.
Por isso, consideramos que os petróglifos de Tairú teriam sido elaborados por
povos sambaquianos que viviam em aldeias e introduziram a mandioca a partir do
primeiro milênio a.C. existem outras rochas sulcadas como as da Praia Grande no Arraial
do Cabo e a Pedra do Lagarto, em Iguaba Grande, que deveriam estar interligados com o
Morro do Guia em tempos pré-históricos.
Tecnologia lítica
Seguindo nossa hipótese de trabalho que as rochas sulcadas teriam sido elaboradas
durante o período Arcaico ou Pré-cerâmico final (2.200 a.C.-1 d.C.) associadas à
contemporaneidade com os sambaquis e a chegada de tribos horticultoras que
introduziram a mandioca à região. Existe um bloco de rocha alisado achado no sítio
sambaqui do Forte que apresenta uma fenda polida semelhante ao morro da Guia, tipo
almofariz (Fig. 33).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Fig. 33.- Almofariz sambaquiano de cavidade alongada. Procedência de sitio
Morro dos Índios em Cabo Frio. Coleção particular.
A forma ovoidal em técnica cupuliforme e polida também é uma representação
sagrada para os sambaquianos de Cabo Frio. Tinham desenhos altamente estilizados que
representariam os símbolos da cobra. Na mancha escura do centro é indicador seu uso
para rituais e moer determinados tipos de sementes no rito funerário. Teriam sido usados
somente para uma só vez.
O conjunto de blocos pode dividir-se em dois grupos. 4 na parte superior com sua
poltrona e 4 de abaixo, em meio havia um pátio onde existe uma grande rocha alisada,
denominada itapeba, onde foi construído em 1950 o reservatório de água para distribuir
aos moradores de Cabo Frio. Hoje esse reservatório transformou-se em mirante do morro
da Guia, destruindo esse antigo ―pátio‖.
Os sulcos verticais teriam sido elaborados por grupos indígenas locais ou
sambaquianos que tinham o conhecimento da técnica de abrasão ou pressão difusa
elaborado com ajuda do abrasivo de areias e águas e, após, polimento freqüente durante
intensos períodos de trabalho. Prous (1992, p. 61) propõe que os sambaquianos com esta
técnica conseguiram elaborar polidores fixos, mós, almofarizes e bigornas, com fins de
adornos e objetos de arte e/ou ritual. Também eles conheciam a técnica da percussão
direta e da indireta usadas para fazer ferramentas. 18 É evidente que um objeto polido ou
18
Esta última técnica consiste em golpear a rocha com um martelo e um percutor que poderia ser um
machado, enxó ou cinzel, produzindo o sulco, e após, o polimento do núcleo. Esse martelo percutor tem
que ser uma rocha mais dura que o gnaisse ou granito (rochas resistentes). Neste caso poderia ser o
basalto. Segundo a geóloga Kátia Mansur do Departamento de Recursos Minerais/RJ existe uma canteira
de basalto perto na Ponta da Farinha (Com. Pessoal, 2008).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
picotado, elaborada com muito custo artesanal, constitui artefato valioso, normalmente
menos numerosos do que os de pedra lascada ou de madeira, sendo conservadas ao
máximo possível, e até reformados quando se quebram.
O mesmo Prous (Op. Cit., p. 80) admite ―se a perfuração ou risco for praticado a
partir de um lado só da peça, o furo terá uma forma em V, usando areia abrasiva e água
para conseguir o polimento. Aliás, para serrar um bloco de pedra, usa-se uma corda feita
com fibras vegetais ricas em material silicoso (fitólitos) que atua como serrote, com a
ajuda de abrasivo arenoso normal. Gasta-se muito cordão, mas a técnica funciona
perfeitamente, mesmo no caso de rochas muito duras.‖ Porém, as incisões profundas em
peças angulosas como as da Pedra do Lagarto teriam sido realizadas com está técnica. É
possível sugerir o uso das fibras das palmeiras tucum e gerivá, assim como a da taboa
que cresciam abundantemente na região.
Cada sulco tem forma de ―U‖, semicircular, alongada e a uma distância média de
20 cm entre os sulcos, sugerindo que houve a intenção de modelar a crista da rocha.
Também as medições das três partes do lagarto (cabeça, corpo e cauda) guardam
proporção com esse animal. A cabeça está mais desgastada que o resto, o que levanta a
hipótese de uma alteração intencional efetuada posteriormente. Talvez pelos próprios
jesuítas, durante o processo de catequização, tentando eliminar justamente a cabeça, para
desmistificar uma imagem que poderia estar sendo adorada como uma divindade.
A figura possui membro anterior e posterior, sendo insinuadas somente as partes
proximais aos lados do corpo. Para o talhado dos sulcos deve ter sido necessário muito
esforço, pelo menos uma semana de trabalho intensivo, feito por vários homens e quiçá
dirigido por um sacerdote ou xamã. Esta técnica de arte lítica se assemelha à das rochas
sulcadas do Morro da Guia quanto à sua grande proporção, linhas paralelas, formatos dos
sulcos e polimento, sendo os do morro mais delgados e alongados (Altamirano, 2006;
Correa, 1992). A maioria dos autores tem considerado estas últimas rochas como
amoladores líticos fixos e oficinas de entalhe, mas não há vestígios de lascas ao redor das
pedras.
O Morro da Guia quando comparada com a Pedra do Lagarto pode ver-se uma
aproximação tecnológica da arte lítica e do talhado na rocha. Por outro lado, as rochas do
Morro da Guia teriam servido para os sambaquianos desta região de Cabo Frio como um
lugar sagrado para ―abençoar‖ as suas ferramentas líticas e organizar diversos rituais, tal
83
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
como teria ocorrido na Pedra do Lagarto, por isso que durante a Colônia para reduzir sua
ampla religiosidade indígena construíram em seu redor uma igreja, um convento e um
cemitério. O Morro da Guia faz parte de um belo contexto ecológico, tendo ao fundo a
Ponta do Ambrosio, entrada do Itajuru, as ilhas de Cabo Frio, o Morro do Telegrafo, a
Boca da Barra, o Sambaqui do Forte e a Lagoa de Araruama.
Numa análise do contexto espacial podemos indicar que o Morro da Guia se
localiza em perfeito alinhamento leste-oeste com a Pedra do Lagarto, recentemente
descoberto (Altamirano, 2008, no prelo). Seria uma coincidência?, Ainda estamos
começando a resolver este interessante estudo ligado com o conhecimento regional e
natural (xamãnico) e, sobretudo, às orientações. Nos sítios sambaqui do Moa e de
Pontinha, Saquarema, Kneip (1994, p. 47, 57), identificou ossos de fêmur e mandíbulas
de lagartos da família Teiidae na camada II de sambaqui de Moa e na camada I de
sambaqui da Pontinha. Assinalou, aliás, que os pescadores, caçadores e coletores da
lagoa de Araruama conviviam, naquela época, com os lagartos de maior porte do Brasil,
que alcançavam até dois metros de comprimento. Igualmente, apontou que a caça de
lagartos e tartarugas era uma atividade complementar à pesca e coleta de conchas. Lima
(1991), na sua tese de doutorado defendida na USP, sobre o estudo dos ossos de répteis e
sáurios achados nos sítios sambaquis de Macaé e da Ilha de Santana, descobriu novos
elementos que reforçam a presença de lagartos em tempos antigos.
A Fonte Etnohistórica
Concernente à função mágico-religiosa do Morro da Guia, o franciscano francês
André Thevet (1558 [1974]), que viveu na Baia de Guanabara durante 3 meses,
descreveu em 1555 os costumes, ritos e lendas indígenas de Sumé em relação aos
adoratórios líticos que os tupinambás praticavam em homenagem a suas divindades
tutelares (Tupã, Coaraci, Jaci e Rudã) pedindo proteção contra os ―outros‖ ou seja os
seus inimigos, ou seja, os tupiniquins, goitacás e portugueses. Assim, sobre o Morro da
Guia transcreveu o seguinte trecho:
"O morubixaba, que assim tratou a todos, conduziu os franceses até uma grande
e comprida pedra, de cerca de cinco pés, na qual se viam sinais parecendo feitos
por golpes de vergasta, ou bastonetes, ao lado da impressão de dois pés.
Afirmam os silvícolas que esses sinais foram feitos pelo maior de seus caraíbas,
tão reverenciado entre os índios quanto é o Maomé entre os turcos - o qual lhes
ensinou o uso do fogo e o plantio das raízes. Até então, alimentavam-se os
selvagens exclusivamente de ervas e caças. Guiados sempre pelo mesmo chefe,
procederam, os franceses a um cuidadoso reconhecimento da região de Cabo
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Frio, chegando à conclusão de que não havia nela água doce, senão bem
distante. Pelo que ficou resolvido, com pesar geral, que, não obstante a
amenidade do clima, era inconveniente o estabelecimento da expedição nesse
lugar, ou a permanência nele por mais tempo" (Thevet, 1558).
A impressão de pés, visto por André Thevet em 1555, tem sido registrado na
Rocha 2, mas se trata de pegadas de felino talhadas na rocha. Recentemente a rocha
sofreu destruição por ação antrôpica colocando uma camada de cimento na superfície
dos sulcos e pegadas. A professora Beltrão confirmou essa rocha com impressão dos pés
em 1970. O mesmo cronista acrescenta:
"Na ocasião em que os índios resistiam à doutrina que pregava, e lhes quis
mostrar com este exemplo que: quando penedos se deixavam penetrar as
palavras de deus, seus duros corações resistiam mais obstinados que as duras
penhas. Os silvícolas guardavam estas pedras como um grande e precioso
tesouro. Se lhes roubassem uma das pedras, ou a destruíssem, tal fato
arrastaria a ruína e aniquilamento de todo o país" (Thevet, Op. cit.) (Fig. 34).
O mekarõ (espírito) do morto move-se pelo rastro de onde já andou: ―primeiro no
lugar em que nasceu, depois no que casou, depois no que morreu...‖ (Carneiro da
Cunha, 1983). Também os Xokleng possuem o hábito de purificar os vestígios do morto
no local em que este circulava, pois estes ―do not feel that the dead are impure or that
they contaminate, but that the kuplêng follows the vestiges of its earthly life, to the peril
of survivors‖ (Henry, 1964 [1941]).
Esta clara descrição de função religiosa e ter-se constituído num sítio sagrado foi
paulatinamente esquecendo-se conforme a igreja católica e cristã avançava durante o
processo de catequização, ocultando ou destruindo as evidências religiosas nativas que
muitas vezes foram consideradas pagãs ou demoníacas e pela resistência local à nova
doutrina que pregavam. Assim, todos os deuses indígenas passaram ser espíritos
malignos ou satânicos como Anhangá, Tupã, Coaraci, Jaci e Rudã, entre outros.
Incluso, os franciscanos, jesuítas, beneditinos e protestantes consideraram que a
peste bubônica - acontecida em 1557 - e a epidemia de varíola ou mal-das-vexigas, de
1616, eram causadas pelos demônios atribuídos aos deuses nativos e que as rochas
―sagradas‖ eram o lugar de origem dessas doenças.
Em 1663, o jesuíta Simão de Vasconcelos afirmou - seguindo as idéias católicas que os sulcos foram feitos por descendentes dos fenícios, povos de origem semita e uma
das 12 tribos perdidas de Israel (apud Mendonça de Souza, 1991). A idéia de que os
fenícios ou sírios chegaram às costas brasileiras em épocas remotas predominava no
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
conhecimento da época, perdurando até meados do século XX. Este hipótese jamais foi
demonstrada cientificamente. Aliás, para poder difundir a religião cristã alguns
petróglifos foram alterados pelos padres católicos com desenhos de pés e chaves que
justificariam a chegada de antigos santos no Novo Mundo como o caso de São Tomé.
Em 1725, ainda prosseguindo o período de catequização cristã, Domingos de
Loreto Couto (apud Beltrão, 1978) transcreveu:
"Na cidade de Cabo Frio, distante de dezoito léguas do Rio de Janeiro, em um
lugar chamado Itajuru, se vê um penedo em que estão esculpidos oito sinais de
bordão, como se as pancadas foram dadas em branda cera; é tradição entre os
índios que aqueles sinais são do bordão de São Tomé em ocasião em que os índios
resistiam à doutrina que lhes pregava, os seus corações mais duros que pedra
resistiam à brandura e eficácia da lei que lhes ensinava".
Já no século XVIII, a idéia de função religiosa das rochas sulcadas foi totalmente
esquecida pela intensa catequização cristã e católica, além, do extermínio total dos
nativos. Ora o morro servia somente como um lugar de observatório, retiro e descanso
dos religiosos e viajantes, incluindo de doentes, predominando absolutamente a religião
católica na região. Estava proibida a subida das crianças ao topo do morro. As diversas
estruturas religiosas como São Bento, Nossa Senhora da Assunção, Nossa Senhora dos
Anjos, a capela no morro da Guia, etc. são exemplos dessa profunda catequização que
ainda perdura até hoje. Em 1818, o naturalista francês Auguste de Saint Hilaire subiu ao
topo do morro e desfrutou do mais belo panorama que se lhe deparou durante sua
viagem, descrevendo-o, assim:
"Dele se descobre o mar e os navios que passam no oceano, onde algumas vezes
sobem os religiosos por divertimento e para mostrar os penedos sulcados" (Saint
Hilaire, 1830).
Fig. 34.- Enterramento Sambaqui achado no Morro do Índio (Kneip, 1977).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Outro viajante francês Charles Wiener (1876), enviado por Ladisláu Netto, visitou
o sítio e ficou encantado pelo frescor do lugar e depois seguiu ao sul, fazendo estudos
sobre os sambaquis do Rio Grande do Sul.
Um dos últimos pesquisadores deste grupo é Alfred Métraux (1929) que,
baseando-se em dados dos cronistas, escreveu um notável estudo sobre a religião dos
tupinambás e fez comparações com as tribos Tamoias de Cabo Frio. Definindo-o
claramente sua natureza religiosa. Aliás, sugeriu que o nome de São Tomé (o apóstolo
das Índias) poderia ter sido uma transformação de Sumé da religião dos Tupis. No
entanto, este santo jamais pisou a terra de Cabo Frio. Porém, nos séculos XIX e XX, já o
sítio havia perdido sua verdadeira função religiosa de coesão social e das tribos vizinhas.
Hipótese de polidores líticos
Em 1869, Ladisláu de Souza Mello e Netto, o primeiro arqueólogo brasileiro,
propôs a hipótese que os sulcos das rochas do Morro da Guia foram elaborados pelos
antigos índios, retomando as idéias do autoctonismo e lutando contra os defensores da
velha teoria colonialista de que homens procedentes das terras quentes do Mediterrâneo
como fenícios, egípcios, gregos, sírios e viquingues teriam arribado no litoral brasileiro e
elaborado aqueles sulcos nas rochas do Itajuru, incluindo os dos da Pedra da Gávea no
Rio de Janeiro (Mendonça de Souza 1991). Esta idéia predominava na conceição
cientifica dos séculos XVIII e XIX, permitindo interpretar a chegada de diversas doenças
do Velho Mundo sob a teoria miasmática. 19
Assim, Ladisláu Netto (1885a) propus por primeira vez a hipótese que os sulcos
das rochas do Itajuru foram polidores líticos fixos feitos pelos antigos índios. Esta
afirmativa teve o respaldo de Wiener e do arqueólogo Ferreira Penna. Assim, Netto
escreveu:
"Tive em 1881 ocasião de verificar no alto do morro da Guia, a menos de 2 km da
cidade de Cabo Frio, o modo porque se serviam os indígenas dos fragmentos
caídos dos penedos de diorito que formam a aresta denticulada daquela
montanha. Os referidos penedos ou penhascos, apresentam, em diferentes
sentidos, sulcos que examinados atentamente, indicam haver sido feitos por
19
Miasma deriva de mau cheiro, de fluxo putrefato ou de liquido corporal podre. Durante toda a Idade
Media e na colônia brasileira era considerada a origem das doenças (História da saúde pública, 1996). Em
Cabo Frio, Simões de Vasconcelos (1675) apontou que as epidemias de peste bubônica e de varíola que
arrasou aos primeiros portugueses de Cabo Frio teriam surgido do Morro da Guia, culpando às Pedras
Sulcadas. Por isso, que tem essas construções católicas em frente da cidade e um cemitério na parte
posterior.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
indivíduos que, ajoelhados ou acocorados sobre a face superior dos rochedos, ali
desbastavam os fragmentos de diorito de que faziam machados. A água e areia
eram os únicos elementos de que se socorriam para esta operação" (Netto, 1885a,
p. 484-5).
Está idéia foi aceito no conhecimento antropológico brasileiro sem nenhuma critica
ao respeito. Mas, para aquela data de 1881, os tupinambás já haviam sido exterminados
pelos portugueses no massacre de Cabo Frio, em 27 de setembro de 1575 e pela
introdução de doenças infecciosas como a peste bubônica e varíola, datas já
mencionadas, que dizimou tanto os tamoios quanto dos goytacazes. Ou seja, Netto não
poderia ter observado os índios trabalhando as rochas porque eles já haviam
desaparecido da região.
No século XX, Antônio Carlos Simões da Silva (1917) seguiu a hipótese de Netto
sobre "polidores líticos", descrevendo a existência de dez blocos líticos de diorito
dispostos no sentido NE-SW, desde o sopé até o alto do morro. Também indicou que
havia 184 sulcos, dos quais 168 eram retos e apenas 16 curvos, medindo estes sulcos de
20 a 120 cm de extensão, com largura de 2 e 3 cm. Aliás, Silva admitiu que dois blocos
foram transportados a Rio de Janeiro, um ao Museu Nacional e outro ao Museu Simões
da Silva. Mas, nossa procura de tais rochas no Museu foi infrutífera.
Em 1959, Ondemar Dias Júnior do Instituto de Arqueologia Brasileira escreveu um
breve artigo acerca do Morro da Guia e defendeu a tradicional hipótese de "polidores
líticos" de Ladisláu Netto e incorporou-o na tradição de sítios-em-dunas. Aliás, inferiu
que se tratava de uma oficina lítica e os referidos sulcos são realmente polidores e foram
elaborados dentro da tradição Itaipu (Dias Jr., 1959, 1973).
Na década de 1960, a hipótese de "polidores líticos" popularizou-se entre os
arqueólogos brasileiros repetindo as idéias de Ladisláu Netto do Museu Nacional como
C.C. Rodrigues (1969), Maria Beltrão (1978), Lina Maria Kneip (1978), Barbosa &
Gaspar (1998) e outros, denominando-os como os "polidores de Cabo Frio". Um
exemplo dessa posição é da Dra. Maria C. Beltrão (Op. cit.) que indicou que "os
polidores de Cabo Frio" são blocos de rochas duras destinadas a afiar, com auxilio de um
abrasivo (areia), o gume dos artefatos tais como machados, cavadeiras, etc. os sulcos
resultantes da confecção de artefatos alcançam às vezes mais de 80 cm de comprimento e
se distribuem em oito blocos de pedras que possuem cerca de 170 ranhuras. Mas, Beltrão
apesar do conhecimento dos dados históricos do século XVI optou pela proposta de Dias
Jr. sobre polidores líticos fixos. Contudo, reunindo ambos os grupos de informações
88
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
surge uma contradição funcional entre as propostas dos cronistas e dos arqueólogos
nacionais. Pois, um grupo defendia que eram pedras de caráter sagrado e outro de
amoladores líticos fixos.
Hipótese de petróglifos (arte lítica)
Ao fim da década dos anos 60, surgiu um segundo grupo de pesquisadores
liderados por João Alfredo Rohr (1969) que visitou o sítio e afirmou que os mencionados
sulcos constituem petróglifos e que teriam estado ligados com outros blocos líticos
existentes na ilha de Santa Catarina e ilhas adjacentes.
Em 1978, o sítio foi documentando em detalhes por A.C. Silva Telles, que analisou
as regularidades existentes nos sulcos e tratou de compará-los com outros sítios
assemelhados na periferia como o maciço do Pontal de Atalaia no Arraial do Cabo
(Telles, 1980). Este pesquisador também seguiu a hipótese de petróglifos.
Alfredo Mendonça de Souza (1981), observando os sulcos paralelos e
convergentes dos sete blocos, admitiu ser também petróglifos e levantou alguns
argumentos em contra da hipótese de "polidores fixos", como por exemplo, o fato de que
os sulcos ocorrem nos blocos aproximadamente alinhados no sentido NE-SW, do alto ao
sopé do morro, nunca em outros blocos das redondezas; o 70% dos sulcos apresentam
alinhamentos NE-SW, freqüência muito superior ao que seria de esperar casos as
orientações fossem aleatórias; a seção transversal dos sulcos é em meia cana, em forma
de U aberto e cujas profundidades oscilam entre 2-3 cm que para obter gume dos
polidores se precisam uma profundidade maior de 3 cm, os quais nunca foram
encontrados; os sulcos são em forma de "U" e não de "V"; nos polidores líticos "móveis"
dos sambaquis os sulcos sempre são mais profundos em sua porção central, o que não
ocorre nos sulcos do Morro da Guia; existem numerosos sulcos retos de 60 a 120 cm de
comprimento, extensão muito superior a aquela permitida ao braço humano para este
tipo de trabalho; a técnica da fricção é semelhante a maior parte dos petróglifos
brasileiros; não existem restos de artefatos líticos na área que conformariam atelier de
polidores. Porém, concluiu a hipótese de petróglifos que já Rohr havia assumido em
1969. Aliás, numa visita realizada em 1993 comentou a possibilidade de que os sulcos
constituíram as rotas dos cardumes, a piracema, para os pescadores tupinambás
(tamoios). Esta interessante idéia conduzia à hipótese da existência de um calendário
anual ligado com o controle do ciclo pesqueiro.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Assim, outros sítios sambaquianos que se localizam na Boca da Barra e na praia do
Forte permitem entender está organização econômica e ritual organizado em torno ao
Morro da Guia (Fig. 35).
Fig. 35.- Distribuição dos sambaquis da Boca da Barra.
Joaquim Perfeito da Silva et al. (1985), membro da equipe de Alfredo Mendonça
de Souza, reproduziu em papel vegetal todas as ranhuras das rochas e concluiu com a
hipótese de petróglifos. Mas tais ilustrações foram publicadas em número muito reduzido
pela Prefeitura Municipal de Cabo Frio.
No entanto, ainda a hipótese de amoladores líticos continuava tendo seus
defensores. Assim, Maria D. Gaspar e Maria Tenório (1990) registraram a existência de
uma tradição de amoladores líticos fixos no litoral centro-sul brasileiro. Mas, ambas as
pesquisadoras não realizaram uma discussão minuciosa e crítica sobre a função entre
petróglifos e "amoladores líticos".
Marcus Vinícius de Miranda Corrêa (1991, 1992) fez um estudo sobre o assunto
através de uso da técnica do frottage na documentação do sítio. A técnica introduzida
consistiu na reprodução das linhas em tela de tamanho natural, usando urucum, flores,
álcool e algodão para o registro das rochas sulcadas. Corrêa estudou sete blocos líticos e
indicou que existem diversas lendas sobre a natureza dos sulcos, como por exemplo, a
associação destes sulcos com a religiosidade popular, que indicavam ser "chicotadas de
Deus" ou "letras do Diabo". Contudo, não realizou maiores inferências de validez para
nossa discussão.
Nossa posição se alinha com a hipótese de petróglifos e se nutre com os dados
etnohistóricos. Porém, a idéia de ser "amoladores líticos fixos" é uma visão simplista e
economicista baseada na teoria do materialismo histórico que dominou a arqueologia
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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latino-americana entre as décadas dos anos 70-90 e deixando de lado as questões
religiosas e simbólicas.
Dias Jr. (1959) realizou uma interpretação funcionalista dos amoladores líticos e
propus que as rochas estariam associadas à piracema e à época de chuvas. Este
pressuposto partia da analogia etnográfica, indicando que na atualidade ainda os índios
Wasusu, do tronco Nhambiquara que vivem no rio Madeira, em Rondônia, e reforçados
pelos índios do alto rio Uapes e do rio Negro, que também possuem este tipo de pedras
sulcadas indicam sua relação com a piracema. Contudo, não encontramos uma
correlação lógica entre os "amoladores" e a relação etnográfica da piracema-reprodução
de peixes-época de chuvas. Ademais, se trata de índios do interior da Amazônia e esta
tradição lítica é própria do litoral centro-sul brasileiro.
Também devemos mencionar porque os indígenas não trabalharam as rochas do
Morro do Telégrafo que têm ainda maior altitude que o da Guia e, além disso, desde aí
poderia observar-se melhor os cardumes. Mas, o fenômeno da piracema no rio Itajuru
ocorre em sentido inverso, principalmente desde a lagoa para o mar, nos meses de
inverno, entre maio e agosto, quando os cardumes de tainhas (Mugil sp.) saem para
desovar na boca da barra e no mar (biólogo marinho Eduardo Pimenta, com. pessoal,
2003). A idéia do ciclo anual de controlar o movimento migratório dos peixes, no sentido
das nascentes dos rios, com fins de reprodução e sua associação com a época de chuvas,
provavelmente foi visto pelos antigos homens do Itajuru que já estariam ligados com
atividades agrícolas e articulados com vários ritos de passagem praticados no topo do
morro (por exemplo, ritos de casamento, furos de orelhas e bochechas, e passagem a
adulto). É possível que estes fenômenos de saída de cardumes no curso do rio Itajuru
foram marcados nas rochas, indicando a época e direção de cardumes, tal como havia
sido observado por Mendonça de Souza (1981). Também poderia ter servido como
marcador de início da estação de inverno, ou seja, a época das chuvas. Contudo, para a
concepção do antigo índio do litoral cabofriense e do atual nativo florestal este fenômeno
de "marcar" ou "controlar" a época da piracema associada às chuvas é uma questão
mágico-religiosa atribuível aos deuses e a sua grande capacidade de observação da
ecologia litorânea. No entanto, para os céticos, ela constitui uma questão materialista de
atividade de trabalho, portanto, inferiram simplesmente como "amoladores líticos". Cabe
salientar que existem sulcos de até 1.80m de longitude e seria impossível amolar nessas
rochas.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Por outro lado, as definições funcionais dos petróglifos são muito variáveis e
possuem diversas interpretações. Assim, o arqueólogo equatoriano Pedro Porras (1992)
indicou que os petróglifos serviam como: ideografias convencionais que relatam fatos
míticos que permitiam a coesão da unidade sócio-cultural xamanística; limites territoriais
de tribos em constante conflito social; rotas migratórias relacionadas a viajantes e
comerciantes; lembranças de fatos históricos concernentes a ritos de passagem de longa
tradição; sistema mágico-religioso complexo com representações simbólicas que se
relacionam com determinadas áreas e centros de produtividade de caráter sagrado, como
por exemplo, o plantio e coleta de frutas e raízes como a pitanga, caju e mandioca; com
as atividades pesqueiras, etc.; com centros de reuniões de grupos locais agrícolas ligados
ao culto dos espíritos da natureza: água, Sol, Lua, trovão, chuva, etc. (Núñez Jiménez,
1986; Polia, 1992). Porém, não aceitamos a idéia que fosse apenas para o controle das
rotas migratórias de cardumes, nem de "polidores líticos fixos", sem descartarmos a
hipótese de ser um marco de observações astronômicas.
Um detalhe importante que poderia permitir resolver o mistério da função do sítio
está na possível "poltrona", localizada no topo do morro e próxima à capela. Esta se
encontra orientada para o morro do Telégrafo. Sua forma trapezoidal e polida faz
lembrar a certas rochas andinas chamadas de "ushnu". Assim, surgiram várias
interrogações como: Seria esta rocha o centro de um lugar de observatório astronômico?;
permitiria perceber a posição dos ventos ou controle dos cardumes?; como seria a
articulação dessa "poltrona" com os outros petróglifos?; seria somente uma oficina lítica
de amoladores?; E por que não explicar como um centro cerimonial?.
Contudo, a posição estratégica dessa rocha permite obter uma ampla observação de
360 graus da região, controlando durante o dia o movimento do Sol (Coaraci), e durante
as noites claras, principalmente os movimentos da Lua (Jaci) que chamavam de lua cheia
(Cairé) e lua nova (Catiti) e do planeta Vênus que conheciam como Rudã. Porém, estes
astros formavam parte da religião xamanista tupinambá, dando início a uma articulação
entre a mitologia e ritologia com a natureza da Mata Atlântica. Estas premissas poderiam
dar uma explicação mais acorde do significado simbólico dos petróglifos.
Por outro lado, no império inca, o "ushnu" tinha uma conotação principalmente
sagrada e simbólica, indicando haver sido o lugar de origem dos povos e servia para
executar diversos rituais, controlar a administração da população, centro de reuniões e
era um centro de trabalhos suntuosos (Altamirano, 1993; Zuidema, 1982). Contudo, esta
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
polêmica ainda está aberta e é difícil ter respostas conclusivas no estado atual de
conhecimento.
Dados etnográficos
Temos percebido que ainda os pescadores de Cabo Frio continuam fazendo ofertas
aos deuses afro-brasileiros no topo do Morro da Guia colocando frutas, velas, cachaça,
cigarros e balas. No ano de 2000, próximo à poltrona, pessoas tinham colocado
cuidadosamente um conjunto de cinco colares de conchas. Após, em outubro de 2008, os
moradores da periferia de Cabo Frio tinham ofertado um cesto de frutas frescas no topo
do morro, escondido próximo à Rocha No. 1, para os deuses da natureza e aliviar os seus
problemas psíquicos do comportamento humano como continuidade da tradição religiosa
do Morro da Guia (Fig. 36).
Fig. 36.- O Morro da Guia continua sendo um lugar sagrado para os cabofrienses.
Finalmente para entender o complexo fenômeno cíclico das chuvas, do movimento
dos astros em relação ao ciclo pesqueiro e poder articular as estações com o ciclo
agrícola da mandioca e sua relação com tais sulcos ainda estamos distantes, mas acredito
que estamos por caminho certo. Quiçá este fenômeno teria que ser amarrado controlando
o solstício de inverno (entre os dias 23 ou 24 de junho), época do início das chuvas
(aparição da constelação do seixu ou plêiades), das trovoadas e a piracema. Enfim, este
interessante estudo ainda não está concluído e será necessário realizar escavações
sistemáticas no sítio para resolver o grande mistério das rochas sulcadas de Itajuru.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Em suma, as rochas sulcadas do Morro da Guia simbolizam a base de um tema
narrativo ―oficial‖ e uma linguagem iconográfica inserida na arte lítica. Sobre o nome
Tairú seria uma corruptela de Itajuru, que significa ita = pedra e juru = garganta, para
designar ao rio Itajuru que corta o Morro da Guia e do Telegrafo a reconstrução do mito
sambaqui do Morro da Guia podemos perceber que o rio e a cadeia de morros podem ser
a representação simbólica de uma imensa cobra de pedra, chamada itajuru, quase
semelhante ao mito tupinambá da Mboa-arara, sendo a cabeça o Morro da Guia. Aliás, a
crista do morro do Telegrafo vai formando ondulações o qual permitiria reconstruir um
mito de origem dos sambaquis voltados às cobras, jaguares, tartarugas, lagartos,
morcegos e antas, entre outros, como parte de sua complexa mitologia xamãnica.
CONCLUSÕES
O presente estudo nos conduz a inferir as seguintes conclusões:
1.- As rochas sulcadas foram elaboradas durante o período Arcaico ou Pré-cerâmico final
(2.200 a.C.-1 d.C.) associadas à contemporaneidade com os sambaquis e a chegada de
tribos horticultoras que introduziram a mandioca à região.
2.- As rochas tiveram uma função de caráter mágico-religiosa associada a
"petróglifos". Assim, o Morro da Guia foi um centro cerimonial que articulava a vida
religiosa das antigas populações pesqueiras da Região dos Lagos baseada num sistema
sociocultural xamanístico. Visto estes antecedentes, podemos defender que as rochas
sulcadas do Morro da Guia, sob estudo, foram modificadas intencionalmente seguindo
um padrão de arte sacra, muito estilizada, talhados pelos sambaquianos com fins rituais,
provavelmente entre 5 mil e 3 mil antes do Presente e contemporâneo com as da Pedra
do Lagarto.
3.- Durante a Colônia, sua função religiosa original foi esquecida devido à intensa
catequização cristão-católica, sua consideração pagã ou demoníaca e ao massacre dos
tamoios em 1575.
A partir desta asseveração agora surgem novas questões como, por exemplo,
porque os índios da Boca da Barra e de Sambaqui do Forte esculpiram precisamente
nesse ponto a arte lítica em forma de sulcos?, quiçá estamos confundindo entre a
percepção da forma e do fundo. As rochas sulcadas teriam servido como símbolo de sua
identidade étnica?, Quais tipos de fibras vegetais foram usaram para desgastar a rocha?,
Teria sido considerado como um sítio sagrado?. Já que até hoje os cabofrienses, muitos
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
vindos do nordeste, Minas Gerais e da periferia das grandes cidades continuam
colocando frutas, velas, cachaça, balas e cigarros destinados aos deuses orixás e
iemanjás, com clara influência africana, morando na favela Itajuru próximo ao local.
Em suma, a importância de perceber o Morro da Guia de caráter eminentemente
religioso dos sambaquis preenche um vazio cultural que permitia o ordenamento do ciclo
econômico e ritual dos antigos homens cabofrienses. Hoje o sítio está totalmente
esquecido de sua notável função religiosa indígena e somente serve de visitação turística,
descuidando a grande importância das rochas sulcadas.
2.3.- A Pirâmide das Cobras de Armação dos Búzios
Resumo
O sítio arqueológico, sito no litoral rochoso das Poças em Armação dos Búzios está
composto de dois setores que apresenta desenhos de cobras, lagartos, tartarugas e
morcegos. O setor A se caracteriza por ser lugar aberto e com grandes rochedos alisados
e desenhos ofidiomorfos. O setor B é uma caverna de 16m de profundidade. Este centro
religioso sambaquiano teria atravessado por três fases estilísticas iniciado desde 3 mil
a.C. Registra também desenhos simbólicos da fecundidade como triângulos, linhas
paralelas, círculos e pirâmides que se alternam com fortes batidas do mar e vento.
Dualidade e oposição da mentalidade indígena podem ser percebidas nesse belo cenário
bem conservado devido a seu isolamento. A partir da analise da iconografia da arte
lítica conclui-se que a caverna teria sido o lugar de origem dos pescadores buzianos
ligada com a terra, a vida, a morte, a sexualidade e o culto à fertilidade.
Palavras chaves: arte lítica, sambaquiano, arqueologia brasileira, petróglifo, centro
religioso.
Em agosto de 2008, visitando os rochedos das Poças, entre as praias da Ferradura
e Ferradurinha, em Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, junto com o cineasta francês
Patrick Guy Lami, foi descoberta uma gruta contendo uma grande rocha de forma
piramidal de aproximadamente 3m de base, alisada e desgastada pelas ondas marinhas.
O acesso é por uma trilha que começa desde a praia da Ferradurinha, passa pela prainha
dos Amores e ascende pelo morro em direção ao Nordeste, caminhando quase 30
minutos pela mata atlântica se chega a um acantilado onde existia abundante cobra.
Após descer quase 30m aparece o sítio arqueológico que se estende por mais de 200m,
tudo em área rochosa em frente ao mar.
A beleza de suas praias é enriquecida pela confluência da corrente marinha do
Norte ou brasileira (águas mornas) e do Sul ou de Falkland (águas frias), que permitiu a
formação de lagoas e de um clima agradável e seco, gerando uma fauna ictiológica e
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
volátil, rica devido à biodiversidade e à ressurgência marinha. Decorrente disso e da
localização no hemisfério sul, o crescimento das restingas – como a de Tauá – e
falésias, geraram, ao longo de vários séculos, o desenvolvimento de vegetação e fauna
típicas e únicas do país como o pau-brasil e diversas bromélias e cactáceas. Contudo,
Búzios ainda preserva e constitui uma das ecologias marinhas mais formosas do orbe.
As origens geológicas de Búzios se remontam ao Período Arqueano com o
surgimento de rochas cristalinas, quartzo, ferro, níquel e feldspato que datam de dois
bilhões de anos, observáveis nas praias da Brava, Olho de Boi e João Fernandinho e na
Ponta da Criminosa (Schmitt, 2001). Posteriormente na Era Secundária, formaram-se os
Morros das Emerências, Poças, Lagoinha e a Ponta do Pai Vitório, com 520 milhões de
anos (MA), surgindo às rochas gnaisse-búzios entre as famílias dos granitos e dioritos,
formando parte do megacontinente de Gondwana. Naquele período também se
formaram os anfibolitos que são rochas escuras muito duras pelo vulcanismo com
liberação de magma de temperaturas entre 900 e 700o C. Começando-se a separar em
vários continentes há 120 MA, e, paralelamente, ocorreu o surgimento do Oceano
Atlântico durante o fim da era Secundária ou ―era dos dinossauros‖.
20
Naquela época,
Búzios era um arquipélago rochoso que hoje constituem os costões e a formação das 27
praias. Na terceira fase, denominada a Série Barreiras, isto já durante a era Quaternária,
há 1-2 MA, as lagoas, os solos argilosos e as areias começaram a expandir-se. O morro
de Humaitá, o alto dos Búzios, as falésias da Rasa e as dunas de Cabo Frio surgem neste
período (fig. 37).
20
Devido a estas altas temperaturas, fortes pressões laterais e terremotos, a geomorfologia buziana exibe
frequentemente formações de gnaisse em forma de serpentiforme (Mansur, Com. Pessoal, 2008). Mas
rico em quartzo, material preferido pelos sambaquianos para elaborar suas ferramentas. É possível que
essas sinuosidades tivessem inspirado aos nativos a talhar em baixo relevo as rochas em forma de cobras
de diversas dimensões.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Fig. 37.- Localização do sítio Pirâmide das Cobras, Armação dos Búzios, RJ.
A planície costeira de Búzios é coberta pela restinga, ecossistema característico
dos cordões arenosos litorâneos. A restinga é, na verdade, um mosaico de tipos de
vegetação apresentando um zoneamento que vai da praia até o interior. Ela varia de
comunidades abertas, com formações herbáceas e arbustivas (restinga aberta) até a mata
de cordões arenosos (mata de restinga). No litoral aparecem os cordões rochosos,
conhecidos como os costões, onde cresce uma vegetação rupícola que é a expansão das
restingas.
Na Região dos Lagos encontra-se uma seqüência de ambientes lagunares, dos
quais os principais envolvem as lagoas de Araruama, Saquarema e Maricá. Os dois
primeiros apresentam alta densidade de sambaquis, em geral agrupados em pontos de
grande produtividade. Vinte e nove sambaquis foram identificados no complexo lagunar
de Araruama (Gaspar, 1991). No entanto, em Búzios foram registrados quase 20 sítios
sambaquianos segundo dados do IPHAN (2005). Aqueles sítios se encontram
totalmente destruídos devido à ação antrópica.
Nossa pesquisa arqueológica no município de Armação dos Búzios começou em
julho de 2005, sendo observado que a totalidade daqueles sítios era do período
Sambaqui e estavam concentrados em Geribá, Tucuns, Manguinhos e Ferradura,
próximo aos costões rochosos e eram sítios de vivenda com enterramentos humanos.
Mas não havia sido achado um sítio arqueológico desta magnitude devido à carência de
uma hipótese consistente que articulasse as unidades sambaquianas com um centro
religioso. A acelerada destruição dos sítios sambaquianos deste município litorâneo se
deve à ação das imobiliárias que jamais deram importância à arqueologia. Porém, é
necessário tomar consciência e fazer justiça pela pré-história brasileira em nossa região.
Agradecemos ao Conselho Nacional de Pesquisa, Ciência e Tecnologia (CNPq),
que financiou a execução do presente projeto intitulado A Criação do Museu de
Arqueologia de Armação dos Búzios, processo No. 53669/2006-0. À UNIRIO, aos
colegas professores do curso de Museologia e da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas e, sobretudo, a Luiz Romano de Souza Lorenzi da Secretaria Municipal de
Turismo, Cultura, Esporte e Lazer da Prefeitura de Búzios.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
HIPÓTESE
Entre 3 mil e 1 mil anos antes de Cristo houve uma forte concentração de
pescadores indígenas buzianos, chamados os sambaquianos do Norte, localizados entre
Geribá, Tucuns, Manguinhos, Ferradura e praia da Foca. Pois nos momentos livres das
atividades econômicas, eles precisavam ter um centro religioso ou de lazer localizado
em área aprazível, aberta e de difícil acesso para praticar seus rituais e invocar os seus
deuses dentro de uma conceição religiosa xamãnica e animista.
Os diversos grupos sambaquianos da Região dos Lagos (RJ) como Búzios, Cabo
Frio, Arraial do Cabo, Iguaba Grande, Araruama e Rio das Ostras, entre outros, teriam
tido cada um seus próprios centros religiosos que estavam intimamente articulados a
suas unidades étnicas. Ou seja, teriam tido suas próprias representações zoomórficas
feitas de grandes blocos de rocha, inspirados na fauna local (cobras, lagartos, jacarés,
jaguares, tartarugas etc.) que constituíam suas principais fontes de religiosidade e
simbolizariam suas identidades culturais.
No entanto, os sambaquianos do Sul (SP, SC, PA, RS) adoravam zoólitos,
pequenos objetos polidos ou alisados de rocha de formas de animais, que foram
depositados em seus enterramentos humanos. A ausência de zoólitos na Região dos
Lagos me chamou a atenção e comecei a lucubrar a idéia partindo do Morro da Guia, da
existência de grandes blocos rochosos com desenhos zoomorfos e estilizados. O qual
teria sido o centro religioso dos sambaquianos de Cabo Frio. Esse modelo deveria
cumprir-se para as outras unidades étnicas de sambaquianos da RL.
ANALISE DO SÍTIO
O sítio mede aproximadamente 200m de comprimento por 30 de largura e pode
ser dividido em dois setores (A e B). Ambas se complementam e se localizam nos
rochedos em fronte do mar (Fig. 38). As ondas batem fortemente naqueles rochedos e o
vento sopra intensamente. Devido á presencia de seixos e rochas desgastadas nas
pequenas descidas pode-se apreciar que eram lugares onde descia água intensamente
naqueles tempos.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Fig. 38.- Os setores do sítio Pirâmide das Cobras
O SETOR A
É um lugar rochoso aberto e foram aproveitados intencionalmente os grandes
blocos de rochas alisados que miram para o mar. Cada rochedo será analisado
individualmente como unidades independentes muito erosionadas pela ação eólica.
Também aparecem pequenos abrigos rochosos de até 3m de altura. Neste complexo
rochoso pode-se perceber: a Pedra da cabeça do Lagarto, grandes blocos alisados com
figuras zoomórficas mal conservadas, sucessão de pontos vários e desenhos de cobras
esculpidas em baixo releve e a rocha sulcada. Estas teriam sido feito pela técnica do
desgaste com cordas vegetais, água e areia ou por percussão indireta com basalto
golpeando a rocha gnaisse-búzios.
Pedra da cabeça do lagarto
A Cabeça do lagarto está orientada ao sudeste e possui 2m de comprimento e uma
abertura de 40cm de diâmetro, talhada na rocha gnaisse-búzios; a crista da cabeça é
sinuosa e formada por cinco elevações suaves; o olho não é circular senão parece
pentagonal com a ponta triangular para acima (Fig. 39).
99
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Fig. 39.- Desenho da cabeça do lagarto.
Grandes blocos alisados
Perto e debaixo da cabeça do lagarto começam uma sucessão de grandes blocos
alisados com o fim de fazer desenhos ou pinturas rupestres (pictografias) em diversas
cores e formas. Devido a sua longa data e receber fortes ventos muitos dos desenhos
foram deteriorados e somente se apreciam alguns rasgos e enegrecidos (Fig. 40). Esses
rochedos miram para o mar e algumas parecem ter sido lugares de abrigos e descanso.
Também existem diversos pequenos furos circulares ordenados e alinhados; alisamentos
em baixo relevo em figuras alongadas, quiçá cobras.
Fig. 40.- Grandes blocos alisados. Na parte superior com desenhos de cor branco e
vermelho, na parte inferior em negro.
A cobra No. 1
Este petróglifo foi talhado em baixo relevo e mede 1.10m de comprimento por 30
cm de altura, possui uma sinuosidade e a cabeça mira para ao leste. A cabeça, feita na
mesma técnica, possui um olho circular que é uma cavidade de 3 cm de diâmetro. O
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
corpo alongado foi talhado na técnica de cupuliforme com largura entre 3 e 4 cm. Foi
talhado mediante a técnica de desgaste através da percussão indireta (Fig. 41).
Fig. 41.- A cobra No. 1
A cobra No. 2
Este segundo petróglifo também foi talhado em baixo relevo e mede 1.10m de
comprimento por 30 cm de altura, possui uma sinuosidade e a cabeça mira para ao leste.
Cada sulco mede entre 3 a 4 cm. Foi talhado mediante a técnica de desgaste através da
percussão indireta (Fig. 42).
Fig. 42.- A cobra No. 2.
O batráquio-cobra
Este elemento zoomorfo se localiza próximo ao anterior e é uma figura mista entre
cobra e sapo que miram opostamente. Foi talhada em técnica de desgaste semelhante às
anteriores (Fig. 43).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Fig. 43.- Figura do sapo e serpente em rocha gnaisse-búzios feito em técnica de
desgaste.
A cobra No. 3.A representação deste desenho é em forma de ―S‖ e orientada à caverna. Ao redor
dela podem perceber-se vários desenhos de cabeça de serpentes, pequenas cavidades,
em técnica desgastada ou alisada. A cabeça possui olho de forma esferoidal e boca
aberta. O corpo é grosso e sinuoso e a cauda termina em ponta aguda (Fig. 44).
Fig. 44.- Figura da serpente orientada à caverna.
A rocha sulcada.Entre ambos os setores, próximo ao setor B, podemos achar uma rocha sulcada,
semelhante ao Morro da Guia, contendo 14 sulcos e no centro duas ―V‖ que se
entrecruzam. Estas foram elaboradas mediante o uso de fibras vegetais como as folas de
tucum que permitia fazer os sulcos utilizando água e areia (Fig. 45).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Fig. 45.- A Rocha sulcada com linhas paralelas.
O SETOR B
Este setor é caracterizado principalmente pela presencia de uma caverna de 20 m
de profundidade. Foi aproveitado a gruta natural feita pelas ondas marinhas, dando um
toque especial do trabalho de um rocha de forma de pirâmide, um círculo erosionado,
um triângulo com a ponta para baixo, o paramento direito e o paramento esquerdo. Nas
paredes rochosas foram talhadas diversas figuras de cobras, coruja, morcego, felino,
círculos e triângulos, incluindo a pirâmide. Vejamos a descrição desses subsetores.
A Pirâmide
Esta rocha de forma piramidal se encontra localizada no centro do setor B e na
entrada da grota. Sua morfologia teria sido alterada pela ação do desgaste milenar
marinha e eólica. Além disso, a parte externa foi talhada e possui diversos sulcos. Quiçá
essa grota teve coberta, mas hoje está totalmente descoberta. A pirâmide poderia ter
sido de formação natural, mas os talhados são intencionais. Possui crista com 7 pontas e
está orientada exatamente ao norte com visualização ao sul. Tem de base 3.5 m e possui
outras linhas de formas triangulares que se alternam. Exibe manchas brancas dispersas
em vários pontos da rocha (Fig. 46). Foi colocada sobre duas rochas para formar
debaixo uma câmara, quiçá funerária, onde o mar bate com força.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Fig. 46.- O setor B e no centro a Pirâmide ao fundo na parte superior o circulo
erosionado e debaixo o triangulo com ponta para baixo.
O triangulo invertido
A figura geométrica se localiza na parte central e superior da gruta. Mede
aproximadamente 2m de base. Os bordos laterais são curvos e formam a base da
caverna e originam os paramentos direito e esquerdo. Parece que a rocha piramidal teria
sido extraída desta parte com a intenção de formar o triângulo.
O paramento direito
É uma ampla parede rochosa com predominância de cor branca e marrom clara de
quase 25 de altitude composta de rochas gnaisse-búzios e intrusões de quartzo. Esta
cheia de figuras sinuosas que parecem ser de cobras. Pelo menos temos registrado 20
imagens destes ofídios. Parecem estar dirigindo-se à entrada principal da caverna.
Todos miram à caverna. Quiçá a pirâmide - como símbolo sagrado – teria sido o centro
de irradiação do culto à religiosidade sambaquiana-xamãnica. Originando a luz,
conhecimento e sabedoria (Fig. 47).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Fig. 47.- O paramento direito com diversas representações ofidiformes.
O paramento esquerdo
É uma parede elevada de quase 25 m de altura formosa cheia de decorações em
linhas, alto relevos, zoomorfos, em anfibolitos e gnaisse. Predomina a rocha negra,
polida com muitos sulcos intencionalmente trabalhada.
O morcego
A figura deste mamífero voador no paramento esquerdo foi esculpida mediante
linhas paralelas e curvas e a cabeça em alto releve em um grande rochedo de anfibolito.
A ave se encontra com as assas abertas em atitude de vôo. Ou em atitude de atenção e
tratando de comunicar algo.
Fig. 48.- O morcego no paramento esquerdo. Note-se a cabeça no centro em alto
releve.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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A coruja
Esta ave foi representada no paramento esquerdo em um grande rochedo de
anfibolito. Possui cabeça, corpo e as patas parecem ser de mãos humanas. Um crânio
humano se encontra próximo a esta ave. Também se encontra parada com os olhos
observando ao visitante atentamente ((Fig. 49).
Fig. 49.- A coruja simboliza a morte, noite e medo. Entre os índios existe a crença de
mal-agouro.
O felino
È a representação da cabeça de um felino olhando diretamente à pirâmide pode ser
observado através de traços talhados na rocha escura procurando as de cor branca
(quartzo) e rachaduras da rocha. A diferencia dos outros se encontra justo em frente à
Pirâmide mirando, dando uma forte impressão aos visitantes no ―templo‖ antigo. Este
simbolismo está muito erosionado devido às ondas marinhas que batem aqui junto com
a ação eólica durante milênios. Somente podem insinuar-se os olhos, boca e nariz.
COMENTARIO
Nossa discussão tratará de aclarar sim sítio é de formação natural (geológica) ou
feito pelos índios (cultural). Para resolver esse problema requer de muita experiência em
erosão marinha nas rochas da era Secundária e a intensa ação eólica marinha que
produzem desgaste, além da superfície alisada em forma sinuosa que parece representar
a figura de serpente. No interior delas haviam a materia-prima do quartzo que era
procurado pelos índios sambaquis. No sitio não existem restos culturais de ocupação
habitacional senão é um lugar isolado, rodeado de muita onda e grandes rochedos,
próprio para sítios de rituais, distante das aldeias.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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A recente literatura concernente aos sambaquianos litorâneos aponta que a base de
sua economia era a pesca (Emperaire & Laming, 1956; Beck, 1972; Garcia & Uchoa,
1981; Lima & Mazz, 1999/2000). Na Região dos Lagos, a totalidade dos estudos
arqueológicos tem tido um enfoque orientado sobre uma perspectiva economicista e
materialista. Tal como ocorreu com a visão ―impressionista‖ destes sítios devido a
grande quantidade de restos de conchas nos sambaquis levou a inferências errôneas
sugerindo que aqueles homens eram coletores de moluscos nômades. Esse mito
interpretativo havia perdurado por mais de dois séculos. Atualmente os construtores de
sambaqui são considerados como pescadores sedentários que apresentavam uma
organização sociocultural relativamente complexa (Kneip, 1977, 1994; Tenório, 1991;
Gaspar, 1991, 1995, 2003; De Blasis et al., 1998; Lima & Mazz, 1999, 2000).
Descuidando o aspecto da ideologia, da superestrutura e do simbolismo.
Na Região dos Lagos a maioria das pesquisas de rochas sulcadas estava
concentrada no Morro da Guia, em Cabo Frio, e na Praia Grande, em Arraial do Cabo,
tendo sido interpretados como ―amoladores líticos fixos‖ dentro da teoria processual e
economicista (Beltrão, 1958; Dias Jr. 1959; Gaspar & Tenório, 1990; Correa, 1992). O
estudo da arte lítica sambaquiana, denominado os zoólitos, estava concentrado nos sítios
de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, mas devido a pouca atenção
dada a esse tipo de trabalho e sua escassez na Região dos Lagos, é o que tornou
necessário a abertura de uma nova hipótese de trabalho orientada para a arqueologia
simbólica.
Assim nosso estudo comentará o sitio Pirâmide das Cobras em três níveis de
analises: (1) Quando foi elaborado (cronologia), (2) quem fez isso (população/cultura) e
(3) qual teria sido o seu significado simbólico (função). Vejamos:
A cronologia
Sobre o aspecto cronológico, ainda não possuirmos datações radiocarbônicas, mas
podemos propor preliminarmente três fases culturais de acordo ao método comparativo
e estilístico. A Fase 1 teria abarcado desde 3 mil a 2 mil anos a.C. devido ás
comparações estilísticas das pinturas em vermelho, amarelo e negro com desenhos
sinuosos naturalistas. Apesar de encontrar-se muito deterioradas podemos fazer
comparações com outros de ilhas do sudeste do Brasil como as de Torres (Prous, 1992).
Esta fase se caracteriza por serem grandes blocos rochosos com desenhos animais
107
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
naturalísticos em baixo relevo e pintura vermelha, branca e amarelenta. Aqui destacam a
Pedra da Cabeça do lagarto e grandes blocos alisados com pintura em resina de cor azul.
Mas devido à intensa erosão, pouco podemos resgatar desse período prístino.
A Fase 2 pode ser considerada entre 2 mil a.C.- 1 d.C. e é o período de apogeu do
sítio. A caverna foi talhada pela técnica de percussão e alisamento. Foi colocada a rocha
piramidal de sete pontas. A Pirâmide procede do telhado da toca que estava de ponta
para baixo e na queda deveria ter produzido severas fraturas e rachaduras, devido a seu
alto peso. Logo foi invertido com a ponta para acima com ajuda de muita gente, usando
troncos como alabanca e grossas cordas feitas das folhas de tucuns. Esta rocha deve ser
entendida como um símbolo de poder masculino colocado ai intencionalmente para
harmonizar a caverna que tinha um triângulo com a ponta para abaixo que significa a
fêmea. Acima desse triângulo destaca um circulo erosionado que teria sido a
representação da Lua. É possível que uma densa população sambaquiana concentrada
entre Tucuns, Geribá, Manguinhos e Ferradura, provavelmente entre 250 a 500 pessoas
tenham participado nesta obra de grandiosidade humana durante muito tempo. A
quantidade de cobras talhadas nas rochas corrobora nossa hipótese.
Esta arte lítica parece comparar-se com a tradição litorânea catarinense, que de
acordo com Rohr e Prous (1977), tinham apontado como a única arte até agora
conhecida no litoral brasileiro. Esta tradição, muito bem circunscrita, se acreditava que
somente era um fenômeno cultural regional, especificamente às ilhas de Santa Catarina
(Prous, 1992). Os painéis, todos gravados e de acesso difícil, por vezes perigoso, estão
localizados exclusivamente em ilhas, até 15 km distantes do continente, e se orientam
para alto-mar. Os petróglifos se encontram regularmente separados entre 20-25 km,
como se cada um delas correspondesse ao ponto ―ritual‖ marítimo de uma etnia
sambaquiana. As gravações, polidas no granito ou gnaisse, têm até 3 cm de
profundidade, mas podem ter sido mais profundas, já que a erosão deve ter desgastado
as paredes, diretamente expostas ao intemperismo marítimo. Os traços têm até 4 cm de
largura e possuem muitas representações geométricas e poucas biomorfas (humanos
e/ou animais). Ou seja, foram desgastadas em baixo relevo semelhante às da Pirâmide
das Cobras.
Um problema da arte lítica da Região dos Lagos era a falta de pesquisas nos
costões rochosos e a maioria delas somente tinham sido concentradas nos montículos de
conchais, chamados sambaquis. A tradição geométrica, a pesar de mencionados por
108
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
numerosos autores como Rohr, Piazza, Aytai, Caldarelli, Collet, Pereira Jr., Schmitz,
Souza e Pames, etc, englobava um conjunto heterogêneo de artes que se estendiam
desde o planalto catarinense no Sul até o Nordeste, descrevendo um extenso arco de
círculo para o oeste, atravessando os Estados do Paraná, São Paulo, Mato Grosso e
Goiás. Caracteriza-se mais uma vez por gravuras geométricas inexistindo quase
completamente representações figurativas. Para Prous (1992) aponta duas subdivisões,
uma meridional e central composta pelos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e
Mato Grosso, e a outra a subtradição Itacoatiara (Ceará, Paraíba e talvez Goiás).
A subtradição Itacoatiara consiste de gravuras frequentemente polidas e de grande
predomínio da técnica ―cupuliforme‖ (depressões hemisféricas ou em calota de esfera),
que totalizam mais da metade dos grafismos no Ceará, as outras figuras são quase
exclusivamente geométricas também, e sua complexidade varia de um sítio para outro.
Outro rasgo dominante desta tradição é o ―tridáctilo‖. Este consiste de triângulos de três
linhas com a ponta para baixo. Destacam-se, sobretudo, motivos curvilineares de feição
muito bonita. Nos raros casos onde aparece uma representação biomorfa, parece tratarse de sáurios ou de homens.
No sul, a subtradição Avencal (SC) corresponde a sítios que apresentam gravações
de por vezes retocada por pintura. O tema dominante passa a ser o ―tridáctilo‖, feito de
incisões tipo ―vulvar‖ (Beltrão, 1970). As outras figuras incluem ainda cupuliformes, e
por vezes curvilineares. No Estado de São Paulo, no sitio Serra Azul, são
particularmente freqüentes as ―pegadas‖ por vezes alinhadas em rastros, seja de aves
e/ou de veado, além de pés humanos ou de felinos, isoladas. Outras manifestações
parecem aparentadas: são incisões divergentes a partir de uma depressão cupuliforme
(Collet, 1969).
A Fase 3 é a fase tardia onde foi talhada a rocha sulcada no centro do sítio. Cuja
cronologia tentativa vai de 1 d.C. até a chegada dos Tupinambás (1.400 d.C.).
Confirmando que a região foi permanentemente ocupada pelos pescadores e era um
esconderijo localizado em área de rochedos de difícil acesso. Sobre esta rocha podemos
comentar que a maioria dos pesquisadores tem apontado como ―amolador lítico fixo‖
como o caso do Morro da Guia em Cabo Frio (Dias Jr., 1959; Gaspar & Tenório, 1990),
sendo para outros como Mendonça de Souza e Correa (1998) terem considerado como
petróglifos. Mas esta questão até hoje não havia sido resolvida e menos não existe
nenhum trabalho de escavação naquele sítio. Aqui apresentamos uma classificação
109
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
preliminar e comparativa com as recentes descobertas da arte lítica na Região dos Lagos
(Tabela 5).
Arte Lítica da RL
ARMAÇÃO DOS
CABO FRIO
IGUABA
(cronologia
BÚZIOS
GRANDE
preliminar)
FASE 3
1 d.C. até a chegada Pirâmide das Cobras
dos
Tupinambás III (rochas sulcadas)
(1.400 d.C.).
FASE 2
Pirâmide das Cobras
Morro da Guia
Pedra do
2 mil a.C.- 1 d.C.
II (a caverna, cobras, (8 grandes rochas
Lagarto:
morcego e coruja),
sulcadas), incisão
incisão
incisão cupuliforme e cupuliforme
cupuliforme
tipo ―vulvar‖
FASE 1
Pirâmide das Cobras
3 mil- 2 mil anos
I (pinturas
a.C.
erosionadas em
grandes blocos)
Tabela 5.- Comparação estilística e cronológica preliminar da arte lítica da RL.
Os sambaquianos
Para elucidar o tema de quem fez isso, vamos considerar que o sítio teria sido
ocupado pelos sambaquianos devido às associações estilísticas da técnica do talhado das
rochas para a extração do quartzo, pela localização na parte sul de Búzios devido à
procura de águas frias para a pesca e caça de tartarugas e pela proximidade dos
assentamentos sambaquis, hoje totalmente destruídos.
Em 1980, Gaspar, Tenório e Bulcão publicaram um artigo sobre os sambaquis de
Geribá I e II, assim como o do sítio do Ouriço. Mas nada fizeram para proteger aqueles
sítios e as prospecções somente se concentraram em procurar montículos de conchais e
terra escura, jamais procuraram sítios nos costões rochosos devido à tradição brasileira
de sambaquis desde a época de Ladislau Netto em 1888. Contudo, os quiosques e
barracas de Geribá chegavam até o mar e os rochedos, naquela época foram colocadas
placas de aluminho, mas de nada serviu. Hoje aquelas placas estão totalmente perdidas.
A partir de 2006, graças a uma rápida ação conjunto entre o INEPAC, IBAMA e a
Prefeitura Municipal foram retirados todos os quiosqueiros até uns 50m do mar. Isto
melhorou a visão das praias, mais ainda as construções de mansões, pousadas e hotéis
continuam aceleradamente pelas restingas e já estão próximas aos costões rochosos.
Outro indicador indireto de ter sido ocupado por sambaquianos é que os homens
da Pirâmide das Cobras que teriam trabalhado as rochas deveriam ter fortes patologias
110
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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das articulações dos braços e ombros. Assim, Mendonça de Souza (1998), num estudo
sobre paleopatologia do Sambaqui de Cabeçuda, Santa Catarina, concluiu que eles
sofriam de elevada osteoartrose mais nos membros superiores que nos inferiores
(Neves, 1984; Mendonça de Souza, 1995; Rodrigues-Carvalho, 2004). Assim, os
sambaquianos estavam associados a um modo de vida fortemente vinculado a dois tipos
de atividades econômicas: Uma, de origem aquática como remar, nadar e arremessar
redes fossem mais intensas ou freqüentes que atividades relacionadas a grandes
deslocamentos terrestres. E outra, à carga de grandes blocos de pedra, terra e conchas
para a construção dos sambaquis. Então, os homens sambaquis de Búzios poderiam ter
tido sinais de luxação de ombro e entesopatias dos ossos do antebraço e do úmero,
apontando para atividades de carregar e arrastar pesos, semelhante às sepulturas de
Cabeçuda.
Um segundo aspecto de aproximação entre paleopatologia e centro religioso é
considerar que os sambaquianos eram altamente estressados21. Aliás, eles não
praticavam violências devido à ausência de traumatismos cranianos. Isto permitiria
inferir que eram homens altamente religiosos com fé nos fenômenos da natureza,
animais, plantas e rochas, acreditando que tudo tinha espírito na religião xamãnica. A
localização do sítio um tanto apartada da comunidade e escondida nos rochedos teria
permitido a realização de seus rituais, danças e libação com o culto à fertilidade.
Outro aspecto de paleopatologia e religião é a observação da rocha preta
localizada detrás da pirâmide que adota a figura da metade de um rosto humano com
lesões na frente e bochechas. Um paralelo deste poderia ser encontrado também nos
crânios analisados de Sambaqui de Cabeçuda apontando a grande dispersão da
treponematose.22 Em Jabuticabeira-II foram detectadas lesões ósseas compatíveis com
21
A inferência de estresse é feita através do estudo das hipoplasias dos esmaltes dentários e linhas Harris
nos fêmures, sugerindo episódios severos de estresse por volta de 3 a 4 anos talvez no período de
desmame no grupo, embora indicando estresse inespecifico, apontam para a falta de excedente calórico na
dieta, condição em que o estresse parece ser mais determinante desses defeitos. A minha observação é
que as crianças e jovens reunidos nos pátios durante as noites recebiam terríveis contos dos adultos e/ou
do xamã que muitos deles padeciam e ficavam doentes, aliás, quedas das redes durante o estado do sonho,
causavam um tipo de doença psicossomática chamada ―susto‖. Ai as crianças emagreciam e muitos
morriam, acreditando que o espírito da terra, os anhangás, levava as almas ao outro mundo antes da
morte.
22
Era a bouba ou piam que na chegada dos portugueses no século XVI estava amplamente disseminada
no litoral brasileiro. No grande cemitério de Jabuticabeira-II (RS) que parece ter sido utilizado por
diferentes grupos sambaquianos vizinhos que ali sepultavam seus mortos em conjunto. A dimensão do
sítio e a distribuição das covas, associadas à ocorrência de treponematose, sugerem uma grande densidade
populacional para a região. Estimativas preliminares indicaram que cerca de 60 pessoas foram enterradas
111
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
as que são encontradas em casos de infecção sistêmica causada por Treponema sp
(Okumura & Eggers, 2001, 2005). Admite-se que as treponematoses ocorrem,
preferencialmente, em situações de alta densidade demográfica (Armelagos, 1990).
Uma doença infecciosa causada pelo contato sexual, no caso da sífilis venérea, e bouba
ou piam pelo contato da pele, em altas concentrações de sambaquianos. Quando a
doença afetava a eles, desfigurando os seus rostos, semelhante à sífilis terciária, os
índios acreditavam que o espírito das rochas ou das florestas havia colhido as suas
almas, ou seja, os anhangás: os espíritos guardiões.
O estilo de vida e modo de subsistência dos grupos sambaquianos estava ligado
com o mar e as restingas. Por isso, eles tinham respeito aos animais noturnos (coruja,
jaguar, morcego), incluindo os animais diurnos: a cobra, o lagarto e as tartarugas. Na
Região dos Lagos encontra-se uma seqüência de ambientes lacunares, dos quais os
principais envolvem as lagoas de Araruama, Saquarema e Marica, onde viviam
densamente estes animais. Os dois primeiros apresentam alta densidade de sambaquis,
em geral agrupados em pontos de grande produtividade. Vinte e nove sambaquis foram
identificados no complexo lagunar de Araruama (Gaspar, 1991). Destes, foram
estudados os sambaquis do Forte, Salinas Peroano, Meio, Boca da Barra e Ponta da
Cabeça. O primeiro se localiza entre o Canal de Itajuru e o Oceano Atlântico, na
margem oeste do canal, que conecta a Lagoa de Araruama ao mar, ao norte da praia do
Forte. Apresenta 100m2 de área e uma estratigrafia composta por oito camadas
distribuídas em duas matrizes distintas: quatro camadas compostas por matriz
conchífera e duas camadas arenosas (Kneip, 1980).
Os sambaquis Salinas Peroano, Meio e Boca da Barra, estudados por Gaspar et
alli, estão situados sobre colinas cristalinas na margem leste do Canal de Itajuru, a
menos de 500m de distância uns dos outros. O primeiro apresenta 1200m2 de área e
uma estratigrafia composta por uma matriz mineral que apresenta lentes de concha
distribuídas ao longo da ocupação; o último tem área de 1500m2 e estratigrafia formada
por uma matriz conchífera (Gaspar, 1991). O sítio do Meio, situado sobre uma elevação
de aproximadamente 10m de altura, ocupa uma área de 240m2 e apresenta uma
ocupação de 80cm de espessura composta por três camadas estratigráficas alternando
sedimento arenoso e conchas (Gaspar e Scaramella, 1992).
neste sítio a cada ano, e isso sem considerar os enterramentos, às vezes ainda mais numerosos, de outros
sítios vizinhos e contemporâneos (Fish et al., 2000).
112
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
O sambaqui Ponta da Cabeça se situa na península de Arraial do Cabo, também na
Região dos Lagos, sobre uma colina cristalina próxima à praia da Massambaba 23.
Encontra-se a uma altitude de 40m e tem dimensão aproximada de 4200m2. Apresenta
uma matriz mineral de coloração marrom escuro contendo farto material faunístico
(conchas e ossos) (Tenório et al., 1992). Contudo, o centro religioso dos sambaquianos
de Arraial do Cabo tampouco foi pesquisado, apesar de terem sido descobertos vários
enterramentos humanos e uma rocha sulcada na praia de Massambaba. Hoje perdida
pela ocupação humana moderna.
A unidade sambaquiana de Saquarema se compõe de vinte sítios localizados ao
redor do complexo lagunar do mesmo nome, sendo analisados os sambaquis da
Pontinha, da Beirada e Moa. O primeiro tem área de 2320m2 e uma estratigrafia
composta por matriz conchífera com quatro camadas arqueológicas. O segundo, com
1000m2, tem quatro camadas arqueológicas de sedimento arenoso com conchas
dispersas (Kneip, 2001). O sambaqui do Moa localiza-se entre a lagoa de Saquarema e
as margens de um rio. Ocupa uma área de aproximadamente 2800m2 e apresenta uma
ocupação de 80cm de espessura em duas camadas arqueológicas, com matriz conchífera
(Kneip, 2001). Mas tampouco foi descoberto o centro religioso desta unidade.
É possível que o talhado de rocha sulcada tivesse sido feito com uso de uma fibra
vegetal da palmeira do Tucum (Cocos romanzofiana), usando água e areia e alisando
permanente se consegue fazer os sulcos. Assim, a análise antracológica mostrou que os
construtores de sambaquis costumavam se instalar no ecossistema de restinga, próximo
aos costões rochosos. Eles privilegiavam, para sua instalação, a proximidade de
mangues e de formações florestais (Scheel-Ybert, 2000, 2001a). A grande diversidade
florística do registro antracológico suporta a hipótese de que os carvões arqueológicos
correspondem a uma amostragem aleatória (coleta de lenha) numa área relativamente
ampla em torno dos sítios, autorizando interpretações paleoecológicas confiáveis
(Chabal, 1992).
Em Arraial do Cabo, o aumento dos elementos de mangue a partir de ca. 2100 BP
pode estar relacionado tanto a um fenômeno climático quanto ao aumento populacional
identificado no sambaqui Ponta da Cabeça neste período (Tenório et al., 1992), o qual
provavelmente levou a um aumento da área de captação de lenha. Neste caso, a
23
Massambaba foi um herói e grande guerreiro tamoio caracterizado pela força física. No termo tupi que
significa ―o homem que fala com língua rasteira‖, ou seja, gago ou tartamudo (Beranger, 2003). No livro
de Hans Staden se percebe a Massambaba carregando dois canhões.
113
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
vegetação de mangue pode ou não ter variado na área, mas sua presença não era
registrada no sítio antes da extensão da área de captação de recursos. Estas duas
hipóteses, evidentemente, não são mutuamente exclusivas. De todo modo, a presença de
elementos de mangue neste sambaqui é muito importante, pois esta vegetação, que
crescia provavelmente nas margens da Lagoa de Araruama, não existe mais na região.
Esse resultado vem corroborar a hipótese de Tenório (1996) de que os sambaquianos
mantinham uma estreita relação com o meio de manguezal. 24
Um aporte importante das pesquisas de antracologia tem sugerido que a madeira
de uma planta específica, Condalia sp. (família Rhamnaceae), era provavelmente
selecionada, seja por razões econômicas ou por cerimoniais. Razões econômicas
poderiam ser associadas a diversas características da planta: a madeira, muito densa, é
considerada como um excelente combustível e permitiria a extração de um pigmento
azul; o fruto, uma pequena drupa, é comestível; e a casca das raízes de algumas espécies
deste gênero é medicinal e pode ser utilizada como sabão (Record & Hess, 1943). A
hipótese de uma possível utilização ritual é baseada em indícios de que esta madeira
tenha sido queimada sempre verde (Scheel-Ybert, 1999, 2001).
Para uma discussão mais detalhada sobre o talhado das rochas gnaisse-buzios e
extrair os cristais de quartzo, assim como realizar a arte lítica temos a seguinte versão.
No aspecto da tecnologia lítica, os sulcos horizontais e curvos teriam sido elaborados
por grupos indígenas locais ou sambaquianos que tinham o conhecimento da técnica de
abrasão ou pressão difusa elaborada com ajuda do abrasivo de areias e águas e, após,
polimento freqüente durante intensos períodos de trabalho. Prous (1992, p. 61) propõe
que os sambaquianos com esta técnica conseguiram elaborar polidores fixos, mós,
almofarizes e bigornas, com fins de adornos e objetos de arte e/ou ritual. Também eles
conheciam a técnica da percussão direta e da indireta usadas para fazer ferramentas.25 É
24
O ecossistema de restinga é extremamente rico em recursos alimentares. Além de uma grande
diversidade de frutos e sementes, disponíveis ao longo de todo o ano (Maciel, 1984), apresenta várias
espécies de plantas tuberosas. Tubérculos de Gramineae e Cyperaceae, assim como de taboa (Typha
domingensis) e de carás (Dioscorea spp), podem ter sido um importante complemento alimentar, e alguns
deles poderiam inclusive ter sido cultivados pelos sambaquianos. Em Búzios, existia uma abundância de
recursos vegetais e animais que perdurou até meados do século XX.
25
Esta última técnica consiste em golpear a rocha com um martelo e um percutor que poderia ser um
machado, enxó ou cinzel, produzindo o sulco, e após, o polimento do núcleo. Esse martelo percutor tem
que ser uma rocha mais dura que o gnaisse ou granito (rochas resistentes). Neste caso poderia ser o
basalto. Segundo a geóloga Kátia Mansur do Departamento de Recursos Minerais/RJ existe uma canteira
de basalto perto na Ponta da Farinha (Com. Pessoal, 2008).
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
evidente que um objeto polido ou picotado, obtidos com muito custo, constitui artefato
valioso, normalmente menos numerosos do que os de pedra lascada ou de madeira,
sendo conservadas ao máximo possível, e até reformados quando se quebram.
O mesmo Prous (Op. Cit., p. 80) admite ―se a perfuração ou risco for praticado a
partir de um lado só da peça, o furo terá uma forma em V, usando areia abrasiva e água
para conseguir o polimento. Aliás, para serrar um bloco de pedra, usa-se uma corda feita
com fibras vegetais ricas em material silicoso (fitólitos) que atua como serrote, com a
ajuda de abrasivo arenoso normal. Gasta-se muito cordão, mas a técnica funciona
perfeitamente, mesmo no caso de rochas muito duras.‖ Porém, as incisões profundas em
peças angulosas como as da Pedra do Lagarto (Altamirano, 2008), as da Pirâmide das
Cobras e as do Morro da Guia teriam sido elaborados com esta técnica. É possível
sugerir o uso das fibras das palmeiras tucum e gerivá, assim como a da taboa que
cresciam abundantemente na região.
Sobre a fauna regional podemos acrescentar que um dos relatos mais antigos sobre
a fauna do litoral carioca, o padre José de Anchieta, em 1560, apontou a grande
quantidade de répteis, lagartos e cobras que viviam endemicamente na região desde
tempos remotos (Anchieta, 1560).
Num dos poucos estudos arqueozoológicos da Região dos Lagos, realizado sob a
coordenação de Lina Maria Kneip (1994, p. 47, 57), do Museu Nacional da UFRJ, e
concentrando suas pesquisas em três sítios sambaquis de Saquarema (Beirada, Moa e
Pontinha), que foram ocupados entre cinco mil e dois mil anos atrás, identificou ossos
de fêmur e mandíbulas de lagartos da família Teiidae na camada II de sambaqui de Moa
e na camada I de sambaqui da Pontinha. Assinalou, aliás, que os pescadores, caçadores
e coletores da lagoa de Araruama conviviam, naquela época, com os lagartos de maior
porte do Brasil, que alcançavam até dois metros de comprimento. Igualmente, apontou
que a caça de lagartos e tartarugas era uma atividade complementar à pesca e coleta de
conchas.
O cronista francês Jean de Léry (1961, p. 127 [1557]), na sua obra Viagem à Terra
do Brasil, fala o seguinte sobre os lagartos: ―... Além desses animais [tatus], que
constituem o alimento habitual dos americanos, comem eles crocodilos, chamados
jacarés, os quais têm a grossura da coxa de um homem e comprimento proporcional;
não são perigosos, pois, como me foi dado ver muitas vezes, os selvagens os trazem
vivos para as suas casas e as crianças brincam em redor deles sem mal algum.
115
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Entretanto, ouvi contar aos velhos das aldeias que, nas matas, são às vezes assaltados e
encontram dificuldades em se defender a flechadas contra uma espécie de jacarés
monstruosos que, ao pressentir gente, deixam os carniçais aquáticos, onde fazem o seu
covil‖.
Continua Léry dizendo: ―Os nossos americanos também apanham tuús26, lagartos
que não são verdes, como os nossos, mas cinzentos, de pele áspera como a das
lagartixas. Embora tenham de quatro a cinco pés de comprimento, e sejam
proporcionalmente grossos e repugnantes à vista, conservam-se em geral nas margens
dos rios e nos lugares pantanosos, tais quais as rãs, e não são em absoluto perigosos.
Direi ainda que, destripados, lavados e bem cozidos, apresentam uma carne branca,
delicada, tenra e saborosa como o peito do capão, constituindo uma das boas viandas
que comi na América. A principio, em verdade, repugnava-me esse manjar, mas depois
que o provei não cessei de pedir lagarto‖. O cronista Theodor de Bry (1601) anotou ter
visto grandes lagartos na região litorânea carioca. Sua caça era efetuada com grossos
troncos de arvores aguçados e enfiados na boca quando o réptil a abria para morder os
nativos. Era uma atividade econômica elaborada em grupo, tal como ocorreu com a
pesca, a dança, a sementeira e a colheita de moluscos.
O material lítico dos sambaquis brasileiros é bem conhecido e diferente daquele de
tradições arqueológicas arcaicas vizinhas (Schmitz, 1987). Esquemas de análise
baseados em tecnologia, utilizados para as tradições do interior, não são adequados aos
evasivos artefatos de sambaquis. No entanto, diversos autores sugeriram que muitos
destes implementos eram usados para processamento de alimentos vegetais (Tenório,
1991; DeBlasis et al., 1998). A análise preliminar dos implementos líticos do sambaqui
Jabuticabeira-II fornece algumas informações sobre a natureza da indústria lítica em
sambaquis. As peças mais comuns são lascas simples. Podem ser pequenas, ou grandes
o suficiente para serem utilizadas diretamente, não raro apresentando bordos utilizados.
São obtidas a partir de seixos, mais de 90% deles de basalto, quartzo e quartzito. O
trabalho sistemático de núcleos é desprezível. Raspadores expeditos e sem padrão
morfológico bem estabelecido são comuns, a maior parte deles feitos também de lascas
26
As denominações tuú, teiú, tiú, teju ou teijú são variantes regionais da língua tupi. Batista Caetano, no
seu vocabulário da língua tupi, dá certa etimologia, fazendo menções das seguintes denominações
compostas: tejú-guasú, tejú-tará, tejú-guasú-tará (camaleão), tejú-oby (verde ou azulado), tejú-tinga
(branco), tejú-pytá ou piranga (vermelho), tejú-kuatiá (pintado) e tejú-para. Aliás, Léry (1557) grafou em
francês de Touous e Toüous. Em Léry (1961: 127).
116
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
ou fragmentos de rochas básicas bastante duras. Muitas vezes seixos, lascas e grandes
fragmentos são usados diretamente (os últimos essencialmente como artefatos de bordo
abrupto ou semiabrupto), sem nenhum tipo de retoque. Embora estes raspadores exibam
pouca definição formal, o exame dos bordos úteis revela grandes semelhanças,
indicando que certas funções envolvendo a utilização articulada de um bordo abrupto
com reentrância e um bico, por exemplo, são recorrentes na coleção deste sítio.
A análise das indústrias provenientes de sítios da região compreendida entre a Ilha
Grande e o delta do Paraíba do Sul, tem particular a proveniente dos sítios Salinas
Peroano, Boca da Barra, Forte, Ilha da Boa Vista-I e Ponta da Cabeça, destaca a
abundância de lascas, núcleos e fragmentos de quartzo que poderiam ter sido utilizados
no processamento de peixes e de vegetais. Almofarizes e socadores que parecem ter
sido utilizados para preparar alimentos que precisavam ser triturados através de
pequenos golpes são recorrentes nestas coleções (Gaspar et al., 1994; Gaspar, 2003). No
entanto, devido a sua forte influência teórica economicista e materialista, esta
pesquisadora do Museu Nacional descuidou a importância das rochas sulcadas do
Morro da Guia para entender a vida religiosa e econômica da unidade sambaquiana de
Cabo Frio.
Quebra-coquinhos, por exemplo, tradicionalmente atribuídos ao processamento de
frutos de palmeiras, são freqüentes na maioria deles. No caso do sambaqui Ilha da Boa
Vista-I, a presença de ―machados‖ de dimensões e pesos consideráveis parece indicar
atividades relacionadas ao trabalho no solo (cavadeiras). A quantidade de machados e
almofarizes pode indicar o incremento demográfico de Armação dos Búzios.
No entanto, o fato do instrumental lítico característico de sambaquis estar
consideravelmente relacionado ao processamento de plantas sugere para o alimento de
origem vegetal um papel muito mais importante na subsistência dos sambaquianos do
que era considerado até o momento. Neste sentido, as características funcionais que se
supõe estejam relacionadas a estas indústrias líticas de sambaquis, assim como
características morfológicas (e.g. grande tamanho de alguns exemplares de almofariz,
implicando em pouca mobilidade), reforçam a perspectiva de um maior sedentarismo
das sociedades sambaquianas, também apontadas por outras abordagens consideradas
neste trabalho.
Sambaquis eram locais de habitação e de sepultamento, seja concomitantemente,
como é comum nos sítios do Sudeste (Gaspar, 1998; Barbosa, 2001), ou não, como foi
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
sugerido para o Sul do Brasil, onde teria havido uma especialização de alguns sítios em
locais funerários (Fish et al., 2000). Eles também elaboraram construções monumentais
feitas com a intenção de serem marcos paisagísticos (DeBlasis et al., 1998),
descuidando a interpretação do aspecto religioso e simbólico da forma piramidal do
sambaqui.
Os sítios eram localizados estrategicamente para aproveitar áreas de intersecção
ecológica, ricas em pescado, moluscos e recursos vegetais. Sua organização espacial,
formando agrupamentos de sítios, indica estabilidade territorial (Gaspar, 1998). A
ocupação contínua dos sítios por um grande período de tempo (Gaspar, 1996; ScheelYbert, 1999) indica sedentarismo. Os sítios estudados no Sudeste foram ocupados por
500 a mais de 3000 anos, sem nenhum período confirmado de abandono (Scheel-Ybert,
1999). A estabilidade ambiental pode ter sido um fator decisivo para a expansão dos
sambaquis, sedentarismo, manutenção de seu sistema sociocultural e desenvolvimento
da horticultura, pelo menos em alguns sítios. A grande variação na prevalência de
diversas patologias sugere modos de vida diferenciados e estratégias de subsistência
diversas. Uma complexidade social maior do que aquela admitida anteriormente é
sugerida pela dimensão monumental dos sambaquis, pela existência de sítios
exclusivamente funerários, festins fúnebres, tratamento diferenciado dos mortos (Lima
& Mazz, 1999/2000; Fish et al., 2000; Gaspar, 2000), e pela seleção cultural de algumas
espécies de madeira, seja por razões econômicas ou cerimoniais (Scheel-Ybert, 1999).
Além destes artefatos de uso diversificado, foi encontrada também uma grande
variedade de almofarizes e socadores, a maior parte intensamente utilizada, fortemente
queimados e freqüentemente quebrados em peças menores, às vezes recicladas.
Artefatos polidos, feitos geralmente em rocha basáltica dura, incluem pequenos
pendentes e machados de tamanhos variados. Esplêndidas esculturas líticas (zoólitos)
são encontradas ocasionalmente nos sambaquis meridionais, ao que aparece sempre em
contexto funerário, como de resto ocorre também com os almofarizes e lâminas de
machado. Pequenos fragmentos de peças polidas com esmero apontam para a existência
de outros tipos de artefatos mais sofisticados fabricados através das técnicas de
polimento, vários deles de pequenas dimensões, incluindo adornos.
A principal diferença entre as indústrias líticas dos sambaquis da Região Sudeste e
as observadas na Região Sul do Brasil é a ausência de zoólitos nos sítios setentrionais,
muito embora houvesse o domínio da arte de polir. Isto é importante para tratar de
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
definir áreas religiosas ou xamãnicas diferentes como os da Região dos Lagos (Norte).
Entre vários outros artefatos, é digno de nota um adorno de forma oval de 20 cm de
comprimento, 10 cm de largura e apenas 0,5cm de espessura, apresentando um orifício
em uma das extremidades e que integrava um colar recuperado junto ao pescoço de um
dos esqueletos do sambaqui da Guaíba (Heredia et al., 1984).
Sobre o ideologia
Para Gaspar (1992, 1994/95) não existem dados arqueológicos disponíveis para
entender sobre integração política regional e supra-regional dos sambaquis, mas a
homogeneidade tipológica das indústrias lítica e óssea, assim como as características
estruturais dos próprios sítios, aponta para uma grande estabilidade cultural no tempo e
no espaço (De Blasis et al., 1998), sugerindo que todos os sambaquis pertenciam a um
mesmo sistema sociocultural. Mas através desta recente descoberta podemos discrepar
dessa hipótese. Já se está insinuando uma nova forma religiosa ligada com os sambaquis
que eram os centros líticos religiosos para a Região dos Lagos. Embora devemos anotar
que o xamanismo era a religião predominante naquelas sociedades, baseado no
animismo, que através da analise estrutural da construção de caverna-templo com
decoração de animais, seres humanos e desenhos geométricos poderiam fazer uma
comparação entre grupos humanos de Cabo Frio e de Iguaba Grande, existindo
diferencias notáveis enquanto ao centro religioso com os sambaquianos do sul.
Seguindo nossa hipótese de trabalho que propõe que cada grupo de sambaqui como Rio
das Ostras, Saquarema, Araruama, Cabo Frio, Búzios, Iguaba Grande, entre outros
teriam tido seus próprios centros religiosos em lugares escondidos e de difícil acesso.
A localização da Pirâmide das Cobras, em área rochosa, isolada e de difícil acesso,
é um indicador de ter sido um sitio sagrado. Em Cabo Frio, o sítio do Morro da Guia era
o centro de culto principal, também isolado e distante do povoado sambaquiano que
moravam tanto na Boca da Barra quanto na praia do Forte. No topo desse morro existe
uma grande rocha de forma piramidal a modo de poltrona que teria sido o eixo principal
e central que articulava os outros blocos sulcados e entendível dentro dessa cosmovisão
xamãnica. No entanto, em Iguaba Grande também temos a Pedra do Lagarto, isolada
das aldeias sambaquianas localizadas no esporão de Acaíra, Massambaba e o Morro da
Sapiatiba (Altamirano, 2008).
No entanto, os sambaquianos do Sul tinham seus centros religiosos localizados nas
ilhas, muito distantes do litoral, sendo depositados seus mortos em extensos cemitérios
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
em montículos de mais de 30m como os de Torres e Sambaqui de Cabeçuda em Santa
Catarina. Por outro lado, centenas de esculturas de pedra, chamados zoólitos, ocorrem
exclusivamente nos sambaquis meridionais (Estados do Paraná e Santa Catarina), que
eram depositados nos enterramentos humanos (Prous, 1992). É possível apontar que
para a elaboração dos zoólitos havia um grande número de pessoas especializadas (Fish
et al., 2000). No entanto, para Gaspar (1998) e Barbosa (2001) os sítios do Sudeste há
indícios de uma gama de atividades semelhantes sendo desenvolvidas em cada um deles
(habitação, preparação de alimentos, produção de artefatos, enterramentos) e ausência
de zoólitos funerários, inferindo fortes atividades econômicas ligadas com o mar
(Gaspar, 2000). Contudo, na Região dos Lagos não havia sido pesquisado com
rigorosidade os centros líticos sagrados que se encontram à flor da superfície.
Contudo, existem poucos estudos sobre a interpretação dos símbolos sagrados
entre os sambaquianos. Assim, a alta concentração humana de sambaquianos em Búzios
e o elevado estresse encontrado nas ossadas humanas de outros sítios do sul podem
indicar que em determinadas épocas de cada mês lunar, todo o grupo, que
provavelmente era entre 200 a 500 pessoas, locomoviam-se de suas aldeias através das
trilhas para o sítio Pirâmide das Cobras para observar e participar de determinados tipos
de rituais executados pelos xamãs.
Sobre as rochas sulcadas da Pirâmide das Cobras observamos que são finas e
retas, formando desenhos em paralelos e convergentes. Os sulcos foram feitos com a
técnica cupuliforme, em forma de ―U‖, semicircular ou forma de arco de flecha. Com
esta técnica foram elaboradas a Pedra do Lagarto de Iguaba Grande e as rochas sulcadas
do Morro da Guia ou Itajuru. Mas sendo as do morro de Itajuru mais delgados e
alongados (Altamirano, 2006; Correa, 1992). Os sulcos de Iguaba Grande são curtos e
grossos. A maioria dos autores tem considerado estas últimas rochas como amoladores
líticos fixos e oficinas de entalhe, mas não há vestígios de lascas ao redor das pedras.
Sobre o significado das serpentes nos desenhos de pedra podemos perceber que é
um símbolo presente em todas as sociedades arqueológicas, incluindo nas grandes
civilizações. Na Região dos Lagos e suas restingas, os ofídios viviam copiosamente. Os
índios sambaquianos teriam percebido seu comportamento réptil e venenoso, porém,
teriam estado ligado com a sabedoria, ondas marinhas, ventos, o falo, a fertilidade, etc.
Na psicanálise, é um símbolo erótico. Pode ainda significar o medo ou pavor de algo.
Outras interpretações — Cobra em sua cama: relações amorosas com pessoa infiel.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Matar cobra: vitória sobre pessoas que vinham atrapalhando o seu sucesso. Seguir uma
cobra: respeite suas intuições. Ser perseguida (o) por ela: conquistará vitória
considerada impossível. A cor da cobra também é importante. Cobra verde: ninguém a
prejudicará; azul: grande energia espiritual; marrom: desejos sexuais; vermelha: paixão
violenta; preta: perigo; preta e amarela: desconfie de alguém falso; preta e vermelha:
violência. Se a cobra aparece com cores refinadas, como azul-celeste ou turquesa,
evidenciará amores delicados.
Concernente ao lagarto pode-se ver que o termo teiú é uma palavra tupi originária
de te‘ju ou tuuú, sinônimo de lagarto, denominação comum de répteis lacertílios, que
atingem quase 2 m de comprimento e que ocorrem na América do Sul. Variante teju e
sinônimo de teiuguaçu = o grande teiú (Dicionário Larousse, 2004, p. 885). Por outro
lado, o termo iguana vem de iwana, que é uma palavra aruaque, das Antilhas, e é uma
denominação comum a esses répteis de regiões temperadas e tropicais, que se
caracterizam pela presença de uma crista dorsal, papo inflável e cauda com faixas
transversais escuras. É sinônimo de camaleão e sinimbu (Dicionário Larousse, Op. Cit.
p. 484).
Sobre o morcego está ligado com a morte, noite e ar. Era um animal venerado
pelos sambaquianos. É um animal noturno e sua picada pode indicar a alma dos
pescadores que eram transportados ao outro mundo. Ao mundo das estrelas e no mar
teriam sido transportados pelas tartarugas.
Sobre a coruja também está ligada com a morte, noite e ar. Vive escondido nas
matas e faz assustar aos viajantes. Esta ave, entre os índios do Peru, simboliza o malagouro e era temida. Os xamãs usam este símbolo para curar doenças.
Sobre o jaguar é o símbolo mais forte dos xamãs e permite atuar em todos os
níveis (mundo superior, mundo atual e mundo dos mortos) e estados da natureza. Cura
os doentes. Este animal é o mais forte da fauna da mata atlântica. Os xamãs preferem a
sua transformação neste felino devido a sua agilidade, força e sapiência. Nos sonhos
deles, se encontram brincando junto com os ferozes jaguares.
Sobre a Mulher Mítica teria sido a representação da noite, da morte e do mal, o
sofrimento com rosto desfigurado. Aqui podemos considerar que os sambaquianos eram
altamente estressados devido à existência de uma doença altamente endêmica entre eles.
O piam ou bouba, um tipo de treponematose causado por uma bactéria Treponema
pertenue e transmitida por picada de morcegos ou de insetos. Os índios tinham pavor
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
desta doença e era considerado o castigo dos xamãs de aldeias vizinhas rivais. Entre os
mochicas do Peru, a Mulher Mítica simbolizava as doenças, noite, mal e sofrimento.
Tinha o rosto desfigurado pela uta, uma doença própria dos Andes causada pela
leishmaniose (Altamirano, 2000).
Por outro lado, a Pedra do Lagarto teria servido para os sambaquianos ou a antiga
sociedade araruamense desta região de Iguaba como um lugar sagrado para ―abençoar‖
as suas ferramentas líticas e organizar diversos rituais, tal como teria ocorrido no Morro
da Guia, que agrupa em seu redor uma igreja, um convento e um cemitério. A Pedra do
Lagarto faz parte de um belo contexto ecológico, tendo ao fundo a Serra da Sapiatiba,
que se destaca com seus três picos, a Ponta da Farinha e a Lagoa de Araruama.
Denise Schaan (1997) aponta que um dos motivos zoomorfos mais comuns na
cerâmica ritual marajoara, encontrados nos sítios arqueológicos na boca da bacia
amazônica, são os lagartos e os jacarés, junto com cobras, urubus, corujas, tartarugas,
macacos e escorpiões. Aliás, argumenta ela que esses animais teriam sido a
representação de seres mitológicos, espelhados na fauna local. Os lagartos aparecem
com pernas abertas, tendo sobre o corpo três riscos paralelos, como também há na cauda
a figura trípode semelhante às patas do lagarto. Sobre esta citação, podemos argumentar
que é possível perceber sua presença na arte e nas mitologias amazônicas, embora ainda
não se possa determinar o significado simbólico desse animal.
Segundo dados zoológicos vistos no recente relatório do plano da bacia
hidrográfica da Região dos Lagos e do rio São João (2006, p. 29-30) se registra a
abundância de espécies animais, sendo a grande maioria de insetos. Concernente aos
répteis, se observa a enorme quantidade de lagartos, cobras e tartarugas cágados.
Dezenas de espécies de lagartos e cobras habitando o subsolo, o folhiço da floresta, os
galhos e as copas das árvores, as restingas e campos e os ambientes aquáticos,
destacando-se a jibóia, a jararaca e a cobra d´água e, dentre os lagartos, o grande teiú e a
pequena e ameaçada lagartixa da areia. Os morcegos e as corujas vivem debaixo das
arvores alimentando-se de pequenos répteis e roedores.
Uma analise estrutural do abrigo rochoso da Pirâmide das Cobras nos permite
focalizar a essência do pensamento mágico-religioso dos sambaquianos. Eles teriam
divido o mundo em forma dual, ou seja, direita e esquerda, e norte e sul. Esse sistema
binário e dualista, oposto e complementaria se repete em quase todas as sociedades
pescadoras e caçadoras pré-históricas da Amazônia e da região andina.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Tabela 2.- Analise estrutural e espacial dos desenhos animais e figuras geométricas do
sítio Pirâmide das Cobras.
Somente através da combinação dos resultados dessas três disciplinas, associada
às análises líticas, poderá entender a vida cotidiana de cada unidade sambaquiana da
Região dos Lagos. Estudos multidisciplinares como este, têm o potencial de enriquecer
a discussão sobre as populações pré-históricas, além de terem, também, o objetivo de
estimular a comunidade científica a um diálogo mais harmonioso entre as diferentes
disciplinas.
Nestes vinte anos de crescimento da arqueologia brasileira, no entanto, em
Armação dos Búzios os arqueólogos somente concentraram-se nos sítios sambaquianos,
localizados em áreas urbanas, já não existem sítios como Geribá, Manguinhos nem os
de Tucuns. Mas nada fizeram para a sua proteção. Contudo, pouca importância tinha se
dado aos petróglifos e rochas talhadas. O município teve muitos sítios arqueológicos e
quase todos foram perdidos devido à falta de uma política orientada para o resgate da
identidade cultural buziana e, sobretudo, para proteger e conservar os rochedos praianos
onde os prístinos homens escolheram esses recantos para morar, viver, caçar, pescar,
coletar e orar a seus deuses. E ai onde os estrangeiros modernos constroem hotéis,
pousadas e mansões, destruindo para sempre nossa pré-história.
Porém, se precisa uma rápida ação de fechamento desta área para sua proteção e
conservação, propondo o nome de Parque Ecológico e Arqueológico da Pirâmide das
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Cobras. Cabe a urgente medida de fechar toda essa área ao IPHAN para sua preservação
e visitação turística. A Prefeitura Municipal de Armação dos Búzios está de parabéns
pela brilhante descoberta que se soma para a reconstrução da identidade cultural
buziana.
Em suma, a pesar da importância das análises antracológicas e paleopatológicas,
incluindo a tecnologia lítica, revelando aspectos notáveis do modo de vida dos
sambaquianos e de sua relação com o meio ambiente, ainda faltava o complemento de
uma terceira disciplina, o estudo da superestrutura e da ideologia. Pois os grupos
sambaquianos eram altamente religiosos e envolvidos em atividades xamãnicas,
observações astronômicas e talhavam desenhos zoomorfos nos centros religiosos. Sua
vida econômica e cronológica tempo-espacial dependia destes rituais e das festas
comunitárias, observados e controlados pelos movimentos dos astros e constelações,
sobretudo da Lua e representações simbólicas baseados nos seres míticos de animais
sagrados, homens ancestrais e figuras geométricas. Em suma podemos apontar que:
1.- A caverna parece simbolizar o lugar de origem dos antigos pescadores de
Búzios: os sambaquianos.
2.- A pirâmide de ponta para acima simboliza o macho (falo) e o triângulo de
ponta para baixo representa o feminino (vagina).
3.- O mar, os ventos e as rochas representam a energia do movimento eterno que
harmoniza o contato entre o falo e a vagina, simbolizado através de representações de
cobras em ação. Ou seja, o sítio era um centro religioso dedicado ao culto à fertilidade e
funcionaria como observatório astronômico.
2.4.- Conclusões
O objetivo deste capítulo foi reunir resultados de uma abordagem multidisciplinar
a fim de apresentar um panorama do conhecimento sobre o modo de vida e da ideologia
dos sambaquianos, com ênfase na busca de novas perspectivas sobre a presença de
recursos vegetais e na arte lítica destas sociedades. Apresentaremos a seguir uma síntese
dos dados discutidos acima, juntamente com alguns dados da literatura, visando
fornecer um breve panorama do conhecimento atual sobre o modo de vida destas
sociedades.
Sambaquis eram locais de habitação e de sepultamento, seja concomitantemente,
como é comum nos sítios do Sudeste (Gaspar, 1998; Barbosa, 2001), ou não, como foi
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
sugerido para o Sul do Brasil, onde teria havido uma especialização de alguns sítios em
locais funerários (Fish et al., 2000). Eles também foram construções monumentais feitas
com a intenção de serem marcos paisagísticos (DeBlasis et al., 1998).
Habitantes da restinga, os sambaquianos geralmente se estabeleciam nas
proximidades de outras formações vegetais, principalmente o mangue, as florestas
costeiras, os costões rochosos e as ilhas (pouco pesquisada). A lenha utilizada por estas
populações provinha essencialmente da coleta aleatória de madeira morta. É provável
que houvesse seleção de pelo menos uma espécie de planta, por razões econômicas ou
rituais, o que é decorrente de escolhas culturais que sugerem um profundo
conhecimento do ambiente vegetal.
Os sítios eram localizados estrategicamente para aproveitar áreas de intersecção
ecológica, ricas em pescado, moluscos e recursos vegetais. Sua organização espacial,
formando agrupamentos de sítios, indica estabilidade territorial (Gaspar, 1998). A
ocupação contínua dos sítios por um grande período de tempo (Gaspar, 1996; ScheelYbert, 1999, 2007) indica sedentarismo. Os sítios estudados no Sudeste foram ocupados
por 500 a mais de 3000 anos, sem nenhum período confirmado de abandono (ScheelYbert, 1999); Os padrões identificados para as infecções, tanto na infância como entre
os adultos igualmente sugerem um modo de vida sedentário. O grande número de
enterramentos (Fish et al., 2000) e a ocorrência de treponematose apontam para uma
densidade populacional relativamente alta.
A estabilidade ambiental pode ter sido um fator decisivo para a expansão dos
sambaquis, sedentarismo, manutenção de seu sistema sociocultural e desenvolvimento
da horticultura, pelo menos em alguns sítios. A grande variação na prevalência de
diversas patologias sugere modos de vida diferenciados e estratégias de subsistência
diversas. Uma complexidade social maior do que aquela admitida anteriormente é
sugerida pela dimensão monumental dos sambaquis, pela existência de sítios
exclusivamente funerários, festins fúnebres, tratamento diferenciado dos mortos (Lima
& Mazz, 1999/2000; Fish et al., 2000; Gaspar, 2000), e pela seleção cultural de algumas
espécies de madeira, seja por razões econômicas ou cerimoniais (Scheel-Ybert, 1999).
A
localização
dos
sítios,
assim
como
os
estudos
paleopatológicos,
zooarqueológicos e isotópicos apontam para uma estratégia de subsistência
essencialmente baseada em recursos aquáticos. A coleta de moluscos, embora
importante em seu sistema socioeconômico, é atualmente vista como secundária na
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
composição da dieta. Restos de fauna terrestre são relativamente raros, confirmando que
os peixes eram o principal alimento de origem animal.
No entanto, as plantas tiveram uma contribuição mais importante para a dieta dos
sambaquianos do que é usualmente admitido. Além dos achados arqueobotânicos, a
abordagem bioantropológica e a análise lítica também forneceram indicações neste
sentido. A grande importância das plantas na dieta dos sambaquianos é atestada pela
excepcional preservação de restos de tubérculos, pelas freqüências de cáries e o padrão
de desgaste dentário observados em alguns sítios, assim como pela abundância de
artefatos para moer e torrar. Os primeiros relatos sobre fitólitos e grãos de amido em
cálculos dentários confirmam esta importância (Reinhard & Eggers, 2003; Reinhard et
al., 2007).
A dieta dos sambaquianos era ampla, incorporando uma grande variedade de
plantas selvagens, e provavelmente algumas cultivadas, incluindo algumas espécies com
potencial cariogênico. A prática de manejo ou de cultivo incipiente (horticultura) de
espécies tuberosas e árvores úteis é sugerida em todos os sítios do Sudeste brasileiro
estudados, e pelo menos em alguns dos sítios do Sul.
Além deste amplo aspecto econômico, indicando uma boa adaptação ao litoral
marinho, eles também desenvolveram sua ideologia e religiosidade xamânica, cada
grupo tinha sua propia unidade simbólica, como uma espécie de totem. Assim, o grupo
de Iguaba Grande tinha maior considerão religiosa ao lagarto, os de Cabo Frio ao felino,
e os de Búzios, às cobras. Ainda faltam pesquisar os outros grupos como os de
Saquarema, Araruama e Rio das Ostras. As suas atividades rituais ocorriam naqueles
lugares sagrados, considerados a morada dos deuses naturalistas, que estavam ligados
com o culto à fertilidade, regeneração e fortalecia a unidade do grupo. Por outro lado, as
análises paleopatológicas revelaram aspectos importantes do modo de vida dos
sambaquianos e de sua relação com o meio ambiente. A combinação dos resultados
destas disciplinas confirmou a importância dos animais na vida religiosa (xamanismo) e
as plantas respeito ao manejo e cultivo de vegetais. Estudos multidisciplinares como
estes têm o potencial de enriquecer a discussão sobre as populações pré-históricas, além
de terem, também, o objetivo de estimular a comunidade científica a um diálogo mais
harmonioso entre as diferentes disciplinas.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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Cap. 3.- O PERÍODO FORMATIVO EXPANSIVO
A partir de aproximadamente mil anos antes de Cristo, surgem diversos
movimentos sociais e econômicos em todo o território brasileiro que implicou a
descoberta e difusão das técnicas de horticultura de plantas domesticadas como a
mandioca, feijão, algodão, cará, milho, amendoim, caqui que eram armazenadas nas
ocas dos aldeãos da serra central brasileira. Os planaltos das regiões de Goiás,
Tocantins, São Paulo e Minas Gerais foram dominados pelas tribos Una (fases Aratu,
Aru, Sapucaí) que falavam o tronco lingüístico do Proto-Jê.
Entre os séculos VIII e IX d.C., estas populações humanas teriam descido para o
litoral brasileiro devido às invasões do tronco tupi no Brasil Central. Caminhos
chamados peabiru começam ser construídos a partir desse período, permitindo a rápida
locomoção para a Serra do Mar. Quatro grandes grupos linguísticos começam dominar
o extenso território brasileiro. Os troncos Tupi, Aruak, Jê e Karib serão os grupos
dominantes do país. Cada um deles estendendo-se por um amplo território limitado por
barreiras geográficas e sócio-culturais como a bacia amazônica e as extensas planícies
do cerrado. Estes povos do interior já tinham o conhecimento da cerâmica, mas na
Região dos Lagos, esta tecnologia ainda não havia sido implantada devido ao forte
tradicionalismo sambaquiano do xamanismo. Contudo, a cerâmica já era conhecida no
Brasil desde 6.000-5.000 a.C. nos sítios Sambaquis de Taperinha e Mina, entre Belén e
a boca da Amazônia. Vejamos a dispersão destes troncos linguísticos.
Macro-Jê
O tronco macro-jê é um tronco linguístico cuja constituição ainda permanece
consideravelmente hipotética. Teoricamente estende-se pelos estados brasileiros do
Maranhão, Pará, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Sâo
Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Desde o descobrimento do país pelos portugueses que as tribos e a fala tupiguarani foram assimilados pelos europeus. Estes índios, espalhados por praticamente
toda a costa brasileira, denominavam genericamente aos indígenas de fala de diversa
com o vocábulo tapuia - que em sua língua significava algo como "inimigo". Este termo
foi incorporado pelos europeus, que manifestavam uma forte tendência para a
simplificação, como se no país houvesse apenas duas grandes "nações", sendo a tapuia
uma delas.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Os tapuias, considerados pelos europeus como os mais primitivos e de catequese e
conquista difíceis, foram duramente combatidos e exterminados - e muitos dos povos e
tribos então existentes desapareceram de forma integra e rapida que sequer não foi
registrado muitos aspectos de sua existência.
Já no começo do século XX os antropólogos passaram a rejeitar esse nome, e
adotando a denominação de gês para esta outro grupo de famílias lingüísticas. Com a
reforma ortográfica, e para diferenciar-se do nome da letra G, a palavra gê foi grafada
desde então como jê.
Povos e línguas do tronco Macro-jê
Bororo - família lingüística:
Bororo - (bororos).
Umutina (umutinas).
Botocudo - família lingüística (botocudos):
Bacuém - (bacuéns).
Cracmum - (cracmuns).
Crenaque - (crenaques e eteuetes).
Guticraque - (guticraques).
Jiporoque - (jiporoques).
Minhajirum - (minhajiruns).
Nacnenuque - (nacnenuques).
Nacrerré - (nacrerrés).
Naque-nhapemã - (naques-nhapemãs).
Pejaerum - (pejaeruns).
Pojixá - (pojixás).
Camacã - família lingüística (extinta): Camacã - (camacãs).
Carajá - família lingüística:
Carajá - (carajás).
Javaé - (javaés).
Xambioá - (xambioás).
Cariri - família lingüística extinta (cariris).
Guató - família lingüística.
Guató - (guatós).
Fulniô (Iatê, Carnijó) - família lingüística.
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Fulniô (Iatê, Carnijó) - (fulniôs).
Jê - família lingüística:
Apinajé - (apinajés).
Aqüém - (aqüéns).
Xacriabá - dialeto (xacriabás).
Xavante - dialeto (xavantes).
Xerente - dialeto (xerentes).
Caiapó (caiapós).
Caiapó-aucre - dialeto (caiapós-aucres).
Caiapó-cararaô - dialeto (caiapós-cararaôs).
Caiapó-cocraimoro - dialeto (caiapós-cocraimoros).
Caiapó-cubem-cram-quem - dialeto (caiapós-cubem-cram-quens).
Caiapó-gorotire - dialeto (caiapós-gorotires).
Caiapó-mecranoti (txucarramãe) - dialeto (caiapós-mecranotis).
Caiapó-metuctire - dialeto (caiapós-metuctires).
Caingangue - (caigangues).
Caingangue-central - dialeto (caingangues-centrais).
Caingangue-do-paraná - dialeto (caingangues-do-paraná).
Caingangue-do-sudeste - dialeto (caingangues-do-sudeste).
Caingangue-do-sudoeste - dialeto (caingangues-do-sudoeste).
Timbira - (timbiras)
Apaniecra-canela - dialeto (apaniecras-canelas).
Craó - dialeto (craós).
Crejé - dialeto (crejés).
Cricati - dialeto (cricatis).
Parcatié-gavião - dialeto (parcatiés-gaviões).
Pucobié-gavião - dialeto (pucobiés-gaviões).
Rancocamecra-canela - dialeto (rancocamecras-canelas).
Quencatejê-canela - dialeto (quencatejês-canelas).
Panará - (panarás).
Suiá - (suiás).
Tapaiúna - dialeto (tapaiúnas).
Xoclengue - (xoclengues).
Masacará - extinto (masacarás).
Maxacali - família lingüística:
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Maconi - (maconis).
Malali - (malalis)
Maromomi - extinto (maromomiss):
Maxacali - (maxacalis)
Panhame - (panhames)
Pataxó - extinta (pataxós).
Pataxó-hã-hã-hãe - extinta (pataxós-hã-hã-hães).
Ofaié - (ofaiés)
Puri - família lingüística (extinta).
Puri - (puris)
Ricbacta - família lingüística.
Ricbacta - (ricbactas)
TRONCO TUPI
Das várias famílias do tronco Tupi, a família Tupi-Guarani é a mais extensa em
número e na distribuição geográfica de suas línguas. São encontradas em todas as partes
do Brasil (exceto no nordeste), bem como na Guiana Francesa, Argentina, Paraguai,
Bolívia e Peru. Rodrigues propôs 8 subgrupos tentativos, os quais são referidos por
números. Outras famílias do tronco Tupi estão concentradas no oeste do Brasil.
Família Tupi-Guarani
Comparações e reconstruções extensas têm sido feitas com a família TupiGuarani, tanto em fonologia como em morfo-sintaxe, permitindo classificar nos
seguintes subgrupos:
Subgrupo I (Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai) subgrupo guaraniano;
Caiuá
Mbyá
Nhandéva
Xetá (quase extinto)
Outra línguas fora do Brasil: Chiriguano (Guarani Boliviano); Guayaki (Aché);
Guaraní Paraguaio.
Subgrupo II (na Bolívia): Línguas fora do Brasil: Guarayo; Sirionó
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Subgrupo III
Kokama ou Cocama (especialmente no Peru)
Língua Geral Amazônica (Nheengatú)
Língua Geral Paulista (extinta)
Tupi (extinta)
Tupinambá (extinta)
Subgrupo IV
Subgrupo dialetal Tenetehára
Guajajára
Tembé
Subgrupo dialetal Akwáwa
Asuriní do Tocantins
Ava
Suruí do Tocantins
Parakanã
Tapirapé
Subgrupo V
Arawete
Asuriní do Xingu
Kayabí
Subgrupo VI
Apiaká
Subgrupo dialetal Kawahib
Juma
Karipuna
Parintintín
Tenharim
Uru-eu-wau-wau
Subgrupo VII
Kamayurá
Subgrupo VIII
Ao sul do rio Amazonas
Amanayá (provavelmente extinta)
Anambé (quase extinta)
Auré-Aurá
Guajá
Kaapor
Takunyape (extinta)
Turiwara (provavelmente extinta)
Ao norte do rio Amazonas
Emerillon (Guiana Francesa)
Waiãpi (Brasil, Guiana Francesa)
Zo'e (Paturu)
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Outras famílias (não Tupi-Guarani)
Família Arikém: Karitiána
Família Juruna: Juruna
Família Mondé
Aruá
Cinta-Larga
Gavião
Mekém
Mondé
Suruí
Zoró
Família Mundurukú: Kuruáya e Mundurukú
Família Ramaráma: Káro
Família Tuparí: Makuráp, Tuparí e Wayoró
Família Awetí: Awetí
Família Puruborá: Puruborá
Família Mawé: Sateré-Mawé.
3.1.- A Sociedade Una de Cabo Frio
Grupos humanos procedente do Brasil Central começaram chegar à Região dos
Lagos aproximadamente a partir do século X d.C. Num primeiro momento foi de forma
pacifica. Este período é denominado de Formativo Expansivo (900 – 1.200 d.C.)
quando aparecem os primeiros cacos de cerâmica junto com povos agricultores
chamados os Una. 27 Esta nova tradição se distribuía numa vasta região brasileira que
incluía os Estados da Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Goiás, além
de algumas partes do território paulista e Pernambuco. O estudo desta tradição começou
na década de 1970 pelos pesquisadores do IAB. Assim, Dias Jr. (1977) anotou:
"Em princípio estamos propensos a acreditar que esta cerâmica tenha vindo
do interior, pelo caminho apontado pelos cronistas, apoiados também nas suas
27
Gaspar (1992, p. 97) admite que os Una entraram em contato com os sambaquianos inicialmente sem
ocupar a região, o que veio ocorrir só posteriormente. A datação obtida para do sítio Grande de Una, na
margem direita do rio do mesmo nome, indica que por volta de 1060 + 90 a.P. A disputa por território e a
superioridade tecnológica dos ceramistas devem ter desarticulado o velho sistema sócio-cultural
pesqueiro, impondo integração no novo sistema e/ou migração.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
relações com a fase Piumhi, da mesma tradição em Minas Gerais, cujas datações
são mais antigas" (Dias Jr., 1977: 118).
Este complexo sócio-cultural parece ter perdurado durante dois milênios, mas as
variantes regionais indicam que esta tradição não é um conjunto homogêneo. A pesar da
polêmica existente e para uma melhor apreciação didática, a tradição ceramista Una
pode dividir-se cronologicamente em Una A, Sapucaí e Una B, sendo correlacionadas
com as tradições meridionais de Itararé, Taquara e Vieira que estão distribuídos em Rio
Grande do Sul e Santa Catarina (Prous, 1991)(Fig. 12).
Fig. 12.- A tradição Una no Estado do Rio de Janeiro (fonte: Dias Jr., 1974, 1977;
Prous, 1991).
A tradição Una A parece originar-se entre o território do norte mineiro e Goiás
Meridional, no sítio Monte Carmo, em Goiás, com datação de 3.800 A.P. e em Lapa do
Gentio, perto de Unaí, MG, e datado de 3.490 a.P. (1.540 a.C.). Em ambos os sítios
apresentam um antiplástico de fibra vegetal considerado ausente na cerâmica da região
amazônica. Há proximidade de covas de sepultamento. O milho parece estar presente
em Gentio, junto com o amendoim, cabaça, feijão, jatobá e coquinhos. Não foram
encontrados sinais de caça nem de pesca, o qual indica que eram povos basicamente
agricultores. Não aprofundaremos mais nesta fase por ser motivo de outro estudo mais
detalhado (Dias Jr., 1973; Ferreira et alii, 1980; Prous, 1991).
A tradição Una B está conformada pelos sítios encontrados em Minas Gerais, no
Espírito Santo e, sobretudo, no Rio de Janeiro. Ocupando uma posição periférica em
133
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
relação ao grupo "A", do qual podem ser oriundos. Os sítios mineiros encontram-se no
sudoeste, quase na divisa com o Estado de São Paulo, na região hoje ocupada pela
represa de Furnas, formando a fase Piüí. Caracterizada por uma cerâmica
predominantemente negra, com vasilhames pequenos (diâmetro máximo, no bojo, de
25cm), globulares, cônicos e piriformes de abertura constrita com um pequeno gargalo,
muito semelhante com os de Unaí, MG. Os sítios cariocas formam duas fases: a
primeira 'Una', pouco pesquisado na região, apesar de ter dado nome a uma Tradição tão
ampla pelo sítio epônimo do rio Una, ocupando uma área de cinco Km de diâmetro no
litoral e com o sítio Malhada evidenciando um possível contato com a tradição Itaipu
em sua fase tardia.
A outra fase, 'Mucuri', melhor estudada, parece não haver desenvolvido sua
economia de uma exploração dos recursos marítimos, ficando no contato entre a
planície litorânea e a encosta da serra do Mar. Das quase 20 jazidas, registradas pelo
Instituto de Arqueologia Brasileira, cinco foi de habitação, todas ocupando o fundo de
vales, enquanto as outras são lugares de sepultamento: abrigos a meia encosta e grutas
já na região das escarpas.28 Esta sociedade evidencia, portanto, uma oposição com os
sítios mineiros 'Una A' de habitat abrigado e Piüí, em parte sob abrigos e estavam
ligados com grupos de língua Macro-Jê (Alvim de Mello, 1973).
Na região de Cabo Frio, há quase 1.500 anos atrás, as tribos dos Una começaram
chegar subindo o curso dos rios Negro e Grande até chegar às cabeceiras da serra Dos
Órgãos, para descer à vertente Atlântica através dos rios São João e Una em torno do
século V de nossa era ou quiçá desde antes. Para alguns arqueólogos a chegada da
cerâmica Una não implicou nenhuma mudança na economia regional, introduzindo-se e
adaptando-se pacificamente nos grupos litorâneos Itaipu (Prous, 1991). Mas,
observando as ossadas humanas podemos perceber violências interpessoais. Aqueles
sítios formavam aldeias de agricultores concentrados nas beiras do rio Una e do rio São
João, em Cabo Frio. Sua cerâmica também está presente nas camadas superiores dos
sítios Corondó, Malhada e os sambaquis de Araruama. Provavelmente, caracterizando o
momento em que grupos do período Formativo ou Fácies recente chegaram e
introduziram a tecnologia da cerâmica junto com a agricultura incipiente.
28
Mucuri, rio dos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, 417Km, nasce em Minas Gerais e
corre para o oceano Atlântico, formando o limite entre os Estados de BA e ES. A zona de Mucuri se
localiza no Estado de MG, compreendendo 22 municípios. A cerâmica característica é acordelada,
apresentando uma textura coesa com miolo reduzido e uma superfície escura. A espessura das paredes
dos tijolos oscila ao redor de 10mm (Dias Jr., 1977).
134
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Esta cerâmica, indicadora de novas influências culturais, parece provir da fase
Mucuri (serras do norte fluminense), datadas de 1.500 anos A.P., ou da fase Tangue, do
Espírito Santo, datada de 1.140 A.P. e também adaptada ao litoral. Incluso, esta fase
perdurou até advento dos europeus, sendo correlacionada, de forma tentativa, aos
Goitacá (Mendonça de Souza, 1995). Como já foi mencionado, Prous (Op. cit.) indicou
que a introdução da cerâmica não parece ter trazido grandes modificações à cultura do
litoral. Embora para nós, a olaria parece estar associada a um novo padrão de
organização das aldeias da região, principalmente casas ao ar livre e enterramentos-sobrochas (urnas funerárias) e introdução de novas plantas de grãos como o milho. A
cerâmica, simples de formas globulares com gargalo não apresentam decoração e são de
dimensões pequenas. Ademais, o descobrimento de montículos em Tauá (em Búzios),
Tanguá e Bacaxã também na Região dos Lagos são lugares de concentração de argila
fina amarelada para a fabricação de cerâmica em media escala. Os quais ainda não
foram estudados.
No entanto, nesta região, as rochas calcárias aparecem somente nos morros das
serras do Mar e estão ausentes no litoral. Este problema geomorfológico quiçá não
permitiu aos Una a construção de grotas ou abrigos-sob-rochas do tipo diáclases
cruzadas no litoral. Os poucos achados possuem entre 8 e 30 m2, formando blocos
desmoronados empilhados e jamais poderiam fornecer uma estrutura habitacional
(Mendonça de Souza, 1981). Tudo parece indicar que eram lugares de enterramentos
secundários. Portanto, deve-se estranhar que o fato de que não haja moradia em grutas,
por menores que fossem, hajam tido outra função, provavelmente a fim de proteger o
descanso final dos mortos em virtude das tradições conservadas pelos imigrantes
oriundos de regiões calcárias.
Esses esconderijos geralmente aparecem a 200m ou mais acima do nível do vale,
marcam uma clara separação dual entre o mundo dos vivos (embaixo) e dos mortos
(acima). Outra particularidade dos cemitérios é que quase todos os ossos estão
depositados dentro de pequenas urnas funerárias. Eram enterramentos secundários
constituídos por ossos fragmentados, misturados e incompletos. São escassos os
enterramentos primários em posição semiflexionado e pintavam os ossos de rosado.
Tinham cestos, colar de sementes, de dentes de animais ou de pequenas conchas
perfuradas. Estas cerâmicas tem a forma do fruto "sagrado" da sapucaia (Lecythis
olaria), uma árvore ancestral do ―mundo dos mortos‖, segundo na crença dos índios da
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
região. Às vezes, estão depositadas com ocre-vermelho ou urucum (Bixa orellana), rapé
(em tupi pitima çui) e tomates silvestres.
Dias Jr. & Carvalho (1980) supõem, com base à seriação da cerâmica, que os
sepultamentos fora das urnas seriam mais tardios. Aliás, junto aos esqueletos aparecem
abundante adornos: contas de osso de ave, contas vegetais feitos de grãos de capimnavalha, alternando com grãos pretos e ossinhos, dentes caninos de macacos, anéis e
pingentes feitos de casca dos caramujos gigantes da família Strophocheilidae. Todos
esses elementos formavam colares ou pulseiras, cujo tamanho vai de 5 a 12cm, enfiados
em quádruplos cordões. Pequenas redes de algodão (tipóias) foram feitas por meio de
técnicas semelhantes às de cestarías, espiralada com fio tecido, ou espiralada com a
única nappe. Uma cabaça de 10cm de altura representava, na extremidade superior, dois
furos de suspensão e servia para provavelmente de cantil ou pequena bolsa. Também
aparecem varas de cerne de coqueiro, que quiçá servia de 'bastão de comando' (Fig. 13).
Fig. 13.- Enterramento Una achado no sítio de Sapiatiba, Iguaba Grande. Foto: Jeanne
Cordeiro 2007.
Nos sítios abertos Una, apesar da proximidade às fontes das matérias-primas
líticas nas imediações, foi encontrada pouca coisa: alguns quebra-coquinhos e
machados, assim como mãos de pilão alongadas. As lascas cortantes de quartzo da fase
Itaipu tardia foram substituídas por fibra vegetal de taquara, mostrando uma adaptação
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
mais completa à floresta. Os sítios, sempre abertos, são, quanto ao inventário cultural,
muito semelhante aos dos sambaquis recentes a não ser pela presença da cerâmica que
testemunham a permanência de padrões de subsistência centrados nos recursos
estuarianos e marinhos.
Nos vales dos rios Una e São João, eles cultivaram milho e feijão e por vezes
complementada por mandioca para fabricação de farinha e parece não haver sido
cultivado a mandioca-amarga. Tinham tortuais de fuso de cerâmica indicando a
fabricação de tecidos, confirmada pelo achados de algodão (Gossypium barbadense) no
Rio de Janeiro. Aos poucos se foram expandindo para o sul, adaptando-se ao habitat do
ar livre e passando então a proteger seus mortos dentro de urnas, quando não havia
abrigos disponíveis.
A população dos Una tinha uma vida média de 35 anos de idade, eles sofriam de
espondiloartrose e osteofitose vertebral, além de cáries dentárias (14%), cistos e
granulomas, produto de atividades agrícolas e elevado consumo de carboidratos e de
amido (Machado, 1992). No entanto, a craniometria no sítio litorâneo de Massambaba,
RJ-JC-56, no Arraial do Cabo, revelou que tinham o tipo mesocrânio. A estatura média
deles era de 1,55-56m para os homens e de 1,46m para as mulheres (estatura baixa). No
entanto, os Una de Minas Gerais tinham de uma estatura maior de 1,62.5m para os
homens e 1,50.5m as mulheres (Machado, Op. cit.). Todos eles têm dentes de forma de
pá, indicadores de ser do tronco mongolóide.
As osteofitoses das vértebras lombares afetavam ambos os sexos e ocorreu
desgaste mais acentuado nas articulações dos membros inferiores. As mulheres tinham
maior osteofitose das vértebras lombares que os homens. A ocorrência de facetas
supranumerárias nas tíbias sugere que os indivíduos praticavam a posição de cócoras ou
agachada freqüentemente. A maioria dos Una que estavam assentados na região lacustre
e fluviais tinham alta cáries e abscessos. No entanto, certas tribos por estar fortemente
adaptadas às condições marinhas tiveram poucas cáries dentária e alto desgaste dos
esmaltes e cimentos dentários, semelhante aos sambaquis, em contraposição dos Itaipu.
Nos enterramentos secundários, feitas em pequenas urnas, aparecem ossos
descarnados e cremados depositando principalmente crânios, ossos longos, costelas e
vértebras torácicas. Tais ossos evidenciam marcas de mordedura humana, o que faz
inferir que eles praticavam a antropofagia ritual. Predominam as lesões osteo-articulares
e traumáticas por fraturas, e também, tinham perfurações do corpo do esterno
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
(problemas congênitos). Os estudos paleopatológicos indicam que os homens tinham
maior desgaste nos cotovelos, no entanto, as mulheres nos joelhos. Um enterramento
coletivo, ocorrido no século XI d.C. em Massambaba, era um cemitério da fase Una e
inícios dos Tupiguarani, e pelo alto índice de fraturas cranianas foi inferido ser
conseqüência de atividades guerreiras (Machado, Op. cit.). Confirmando a hipótese que
estes povos agricultores e guerreiros Una foram invadidos posteriormente pelos
Tupiguarani.
Porém, para Mendonça de Souza (1981), a tradição Una, no Rio de Janeiro, inserese no estágio Arcaico Superior. No entanto, para nós este período cultural estaria imerso
dentro do período Formativo por estar caracterizado pela presença da agricultura,
cerâmica, densos grupos humanos formando tribos, religião xamãnica centralizada
baseada no culto aos deuses naturalistas (Sol, Lua, estrelas, trovão, vento e animais
sagrados) e incluindo a inserção da tradição dos petróglifos do Morro da Guia. Em fim,
a tradição Una na região de Cabo Frio estava vinculada às tribos proto-Jês, formando
pequenos grupos populacionais em regiões de transição entre a floresta da Mata
Atlântica (hoje restingas) e as ribeiras dos rios e do mar.
____________________
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Cap. 4- OS TUPINAMBÁS: ORIGEM, ECONOMIA E RELIGIÃO
A chegada de grupos guerreiros de língua Tupi-guaranis, mais conhecidos como
Tupinambás, à região de Cabo Frio marcou um período de conflitos sociais frente aos
Una pelo controle econômico da Lagoa de Araruama, do centro religioso do Morro da
Guia e seus diversos recursos ecológicos. Esse fenômeno pré-histórico teria ocorrido a
partir dos idos de 1.200 d.C. Segundo Brochado (1989) e Buarque (2001) afirmam que
alguns séculos antes da chegada dos europeus, povos migrantes e guerreiros
Tupiguarani começaram ocupar a Região dos Lagos.
Fig. 1.- Os tupinambá visto pelo cronista francês Theodor de Bry em 1557.
A origem do tronco lingüístico proto-Tupi teria surgido há mais de 4 mil anos no
coração da Amazônia, entre o sul de Manaos e do rio Amazonas e Acre. Alguns
lingüistas, etnólogos e arqueólogos apontam que eles surgiram das terras altas dos rios
Madeira e Tapajós. A partir daí começou sua ampla distribuição, abarcando diversas
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
tribos localizadas no Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, Perú e Uruguai. Assim, o
termo "Tupi-guarani" (com hífen) reúne os grupos Guaranis da bacia de La Plata e nos
vales dos rios Uruguai e Paraná, e os grupos Tupis do litoral carioca ou maranhense,
chamados tupiniquins e tupinambás. Enquanto, "Tupiguarani" (sem hífen) constituem
os achados arqueológicos dos grupos conhecidos etnograficamente. Muitos arqueólogos
defendem que os tupiguarani se caracterizavam pela cerâmica polícroma e corrugada,
contudo, vários grupos tupiguarani não tinham cerâmica na época histórica ou
correspondiam a grupos diferentes como os Tapirapé, Mundurucu e Guayaqui.
Na década de 1970, Donald Lathrap e o casal Evans, apesar de suas divergências
acadêmicas, sustentaram a hipótese que o centro original dos Tupis devia ser procurado
na Amazônia brasileira, indicando que sua expansão começou ocorrer há 2.800-2.500
A.P. Eles admitem também que as sete famílias do grande tronco Tupi foram de origem
amazônica e uma delas emigrou para o sul, alcançando e fusionando-se com os
Guaranis, habitantes do Paraguai, formando os Tupiguarani, que há 1.000 d.C.
começaram a ocupar o litoral brasileiro do sul e central, atingindo a região de Cabo Frio
e conseguiram dominar aos Una.
Por outro lado, a origem dos grupos Tupi é ainda incerta. Pesquisas linguísticas,
baseadas nas porcentagens de palavras cognatas, recuam até 5.000 anos para todo o
tronco Tupi-Guarani, e de 2.500 anos para a família Tupi-Guarani. Acredita-se que o
lugar da origem foi à região do Guaporé, atual Estado de Rondônia. Mas nessa região
ainda não foi encontrado o sustento arqueológico. As pesquisas são intensas de parte do
IAB. Contudo, a cerâmica mais antiga Tupi data de 1.500 A.P. (Neme & Beltrão, 1993).
Segundo os cronistas portugueses, os Tupiguaranis eram considerados as
populações nativas "mais evoluídas" do litoral brasileiro pelo que formavam uma
grande confederação que nos chamaremos de chefia29. Um nível incipiente de Estado. A
cerâmica Tupiguarani se caracteriza por sua policromia sobre fundo engobado branco.
Pela ampla distribuição desta cerâmica pode-se inferir haver sido uma tradição panbrasileira, que consideramos ser um horizonte cultural que se originou na Amazônia e se
estendeu por todo o litoral brasileiro. Na década de 1950, Oswaldo Menghin e Annete
29
A organização social e política da chefia compreendiam várias tribos que estavam amplamente
espalhadas pelo litoral brasileiro. Era uma confederação de diversas tribos ligadas por laços de parentesco
e religião. Eles viviam em constante conflito, selecionavam seus chefes a base de lutas interpessoais e as
guerras eram decididas por um grupo de lideres das tribos (Heckenberger, 1996).
140
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Laming-Emperaire demonstraram que a cerâmica policroma tupiguarani era mais
recente de que as outras não pintadas e de expressão local, como os estilos Eldoradense
e Itararé, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Prous, Op. cit.).
Dias Jr. (1973) indicou que a cerâmica Tupiguarani da região de Cabo Frio pode
subdividir-se em duas fases: Sernambetiba, de ocupação tipicamente "pura", e a fase
Calundu (Tradição Neobrasileira) que apresenta maiores elementos de contato cuja
cerâmica possui bases planas e assas. Aliás, Mendonça de Souza (1981) apontou que
um grande sítio Tupiguarani desta região, ocupado entre 1.300-1.500 d.C., está
localizado na Estação de Rádio da Marinha (224.01.50), cujos níveis inferiores foram
achadas uma ocupação tipicamente Tupiguarani.
Buarque (2001) estudou vários sítios deste período na região de Araruama, como a
aldeia de Morro Grande, Sítio São José, Serrano e Condomínio Jardim Bela Vista,
indicando o avançado processo de destruição e efetuou recentes prospecções. As aldeias
Tupiguarani encontram-se tanto nas imediações do mar quanto nos morros interioranos
que antecedem a serra do Mar. Os enterramentos humanos eram colocados dentro de
urnas de cerâmica (Fig. 2).
Fig. 2.- Sepultamento em urna da Aldeia Morro Grande, Araruama. (Fonte: Gaspar et
al. 2007, p. 180).
Hans Staden (1555) descreveu que as aldeias podiam encontrar-se esparsas, a
pequena distancia umas das outras: seis milhas, quatro léguas, etc., os índios moravam
na estrutura comunal ou maloca e saiam por curtos períodos durante a pesca ou guerra,
período em que a população podia-se dividir. As aldeias eram fortificadas, mas somente
141
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
nas zonas fronteiriças de tribos inimigas. As muralhas eram feitos de troncos de árvores
ou paliçadas de paus da altura de um homem com seteiras (no litoral) e de terra que
atingiam de 2 ou 2,5 m. de altura (na floresta amazônica). Estas seteiras serviam para
defender-se de povos invasores. No caso de sitiar uma aldeia, os agressores fechavam
todo o contorno, colocando uma cerca com vegetais espinhosos.
As casas tinham plantas oblongas, retangulares e circulares. Possivelmente, estas
variadas formas deviam-se a funções diferentes como lugares de moradia, de
armazenagem, de reuniões e prisões, contornado um pátio principal. Brochado (1981) e
Pallestrini & Morais (1980) fizeram estudos de síntese dos Tupiguarani, indicando que
quase o 90% dos sítios arqueológicos brasileiros são deste período. Era um grupo típico
da floresta tropical em perpetua migração por causas ideológicas principalmente através
de canoas fluviais ou marinhas. Eles acostumavam morar em área de floresta fechada
tanto da região litorânea quanto da fluvial, construindo suas malocas ou ocas desde o
nível do mar até os 400m de altitude, procurando planícies e áreas próxima à água doce
e não gostavam da gelada noturna nem de áreas secas. Sua economia se baseia na
agricultura de mandioca, através da técnica da coivara, roça e queima ou "slash-burn",
portanto, os sítios arqueológicos localizam-se perto dos rios navegáveis e das porções
superiores dos cultivos temporários, onde acumularam terra preta e cacos de cerâmica.
Os Tupiguarani moravam em aldeias principalmente em sítios de terraços
considerados acampamentos de coleta e pesca sazonal. As aldeias se localizavam nos
vales do interior, onde se concentrava a maior parte da população, obedecendo a um
padrão cultural bastante rígido. Os sítios também ocupam a parte superior da encosta
dos morros que dominam um rio principal navegável, geralmente nas imediações das
aldeias passava um córrego ou um canal que fornecia água doce. O rio principal
costumava distar a várias centenas de metros até um quilômetro. Como exemplo,
podemos mencionar as aldeias dos rios Taquara, Paranapanema, São João e Una. Eram
expertos nadadores, guerreiros e mergulhadores.
Eles praticavam uma agricultura de subsistência, gozavam de um bom estado de
saúde, eram indivíduos fortes, sadios e bem adaptação aos trópicos. A alimentação dos
tupiguarani era variada, comiam de tudo, do piolho à onça, do jacaré a outro índio,
assim como plantas cultivadas, peixes, crustáceos, mariscos, tartarugas e mel, portanto,
sua dieta era rica em carboidratos, proteínas, vitaminas e grassas, condições essenciais
de boa nutrição e que explicam a linha física, a permanência na saúde e a agilidade dos
142
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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seus movimentos. Não eram individuos gordos, tinham corpo esguio e forte, alegres,
membros bem proporcionados e enxuto de músculos. Contudo, seu apetite não conhecia
limites. Tinham hábitos higiênicos bem desenvolvidos, desfrutavam do clima tropical
agradável e farta alimentação provida pela caça, pesca e coleta sistemática.
Apesar desta variada dieta, o índio tupinambá sofria algumas doenças. Muitas
alterações osteológicas, estresse e patologias são indicadores de atividade humana cuja
correta interpretação deve ser confrontada com os documentos etnohistóricos. Tinham
várias doenças enteroparasitárias como amarelão, opilão e disenterias que produziam
hiperostose porotica e também as hipoplasias do esmalte dentário indicavam estados de
anemias, elevado cáries dentárias, e doenças degenerativas na coluna vertebral, entre
outras (Mendonça de Souza et alli, 1994).
Ferraz (1977) mencionou que alguns indivíduos tupinambás, como os do sítio de
Barão do Iriri, em Magé, RJ, apresentavam doenças infecciosas. A pesquisadora
detectou um caso de osteomielites por infecções estafilocócicas ou estreptocócicas,
assim como freqüentes infecções das cavidades pneumatizadas dos ossos da face, seios
maxilares, paranasais e frontais, principalmente em 25% do material estudado,
associando-se a penetração de microorganismos virulentos, causando deficiência de
drenagem das secreções, afonia, epistaxe e ferimentos muco-sanguinolentos ou mucopurulentos, inferindo tratar-se de sinusites. No entanto, esta descrição paleopatológica
também poderia ter correspondido à leishmaniose mucosa ou espúndia que até hoje
continua endêmica na mesma área (Nery-Guimarães et al., 1954). Portanto, essa doença
– originária da Amazônia ocidental - poderia haver sido disseminada pelos tupinambás
através de lentas e contínuas migrações humanas.
A freqüente preparação da bebida alcoólica de cauim, a base da mandioca,
produziu uma elevada abrasão dentária, principalmente dos incisivos, já que a
mastigação da casca e a ptialina da saliva que servia de fermento era a forma típica de
preparar a bebida. Esta tradição cultural provinha desde tempos Itaipu. A osteofitose
vertebral dos graus 1 e 2, tanto na coluna cervical como lombar, e calcificações nas
áreas de inserção de ligamentos e bainhas articulares de adultos, indicando dois padrões
diferentes: o estresse por atividade de transporte, carregando o peso na cabeça e a
osteofitose da coluna cervical. No entanto, as freqüentes atividades de semeia de coleta
da mandioca, através da técnica da coivara, produzia a osteofitose da coluna lombar. Em
143
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
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comparação com os sambaquis, existe uma maior incidência de 10% de osteofitose
vertebral.
Um único caso de anquilosamento do pé foi observado em Barão do Iriri, num
individuo adulto, ocorrido por ação endógena a partir de um foco infeccioso, que afetou
quase a totalidade da articulação metatarso-falangeana, provavelmente do segundo e
terceiro pododáctilo, envolvendo ambos os ossos, através de um ligeiro furo infeccioso
de aproximadamente 0,15cm de profundidade, preservando a superfície articular de
ambos os ossos, teve destruição da cortical intermediaria e comunicação parcial das
duas esponjas. A causa poderia ter sido uma artrite séptica (Ferraz, 1977), e nós
achamos que também poderia haver sido uma infecção por tungíase. 30
Segundo Métraux (1929), os tupinambá tinham um profundo sentimento da força
orientada a luta, preso ao encanto e ao colorido marcial da guerra. Tinha um profundo
orgulho de seu valor militar, o que se diferençava dos outros povos, por eles combatidos
e afastados das suas terras como os Una, a fase Mucuri e os Goitacá. A conquista de
novos territórios tropicais pelos tupiguarani foi lenta e gradual. Este fato histórico se
deveu pela presença de guerreiros que eram expertos navegadores fluviais. Esta
expansão cultural e social era impulsionada por questões religiosas e ideológicas, ainda
durante o século XVI, continuavam aqueles intensos movimentos sociais.
Neme & Beltrão (1993) defendem a hipótese que os tupiguarani lograram
conquistar novas terras por três fatores principais: aldeias, acampamentos e peabirus31.
Acrescentam, ainda, que para o melhor domínio das áreas conquistadas, além da aldeia
central, estabelecida junto à orla marítima ou nos morros em forma de meia-laranja com
visão de 360º da linha horizontal, refletindo uma preocupação defensiva, por isso esse
grupo usava meios ofensivos. Em Cabo Frio, existiam duas grandes aldeias tupiguarani:
uma no bairro da Passagem, onde foi construída a praça e o convento de São Benedito, e
30
A tungíase é uma doença infecciosa autóctone de América, causada pelo bicho-do-pé (Tunga
penetrans) que era altamente endêmica no litoral brasileiro. Quase todos os cronistas europeus e
brasileiros relatam haver observado sua presença nas aldeias tupinambás. A minúscula pulga vivia nas
sujeiras das areias onde os índios arrojavam seus desperdícios e onde alguns animais como o porco-domato (Tayassu pecari) se alimentava de tais lixos marinhos, o que seria seu possível reservatório
principal.
31
No século XVI, ainda os guaranis utilizavam essas rotas para guiar os portugueses e espanhóis ao Peru
e Bolívia (Galdino, 1984). Eram imensas trilhas de cerca de 1,5m de largura que segundo Neme &
Beltrão (1993), é uma palavra Tupi que significa "caminho que se percorre", para Galdino (Op. cit.) era o
"caminho para a montanha do Sol". No entanto para nos, era um termo espanhol do século XVI que
significava "pé-a-biru" ou seja "caminho ao Peru". Nesse momento havia a ambição de chegar ao
Eldorado ou Paititi, localizados no interior da Amazônia e eram consideradas cidades de muita riqueza,
principalmente de ouro e prata.
144
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outra no campo de futebol detrás do Morro da Guia e da favela de Itajuru, conhecido
como o Centro Polisesportivo Aracy Machado. Próximo ao sitio cruzava um arroio que
permitia abastecer-se de água. Além dos movimentos intensos através da água, também
se dinamizavam através de extensos caminhos chamados peabiru, que se mantinham em
contato com o interior. É possível apontar que havia um peabiru desde o Morro da
Guia, passando por Campos Novos até as serras do Rio de Janeiro (nascentes dos rios
Una e São João, São Ramão e Sana). As expedições militares tupiguarani utilizavam
aqueles peabiru na conquista de novos territórios, além de servir de rotas de viagem de
diversas famílias e tribos do interior.
Apesar de ser povos evoluídos, os tupiguarani continuavam praticando a
antropofagia ritual. Era um padrão cultural tradicional como um vício inato à raça, que
para outros autores indicam que eles praticavam este ritual por vingança ou por
influência xamãnica, e eram os espíritos dos antepassados que os mandavam, com a
pompa de um ritual degustavam comer a seus semelhantes.
Porém, Mendonça de Souza (1981) indicou que a tradição Tupiguarani no Estado
do Rio de Janeiro chegou cerca de 970 a.P., durante fins do período Formativo,
ingressando pelo curso do rio Paraíba do Sul e fixando-se principalmente ao longo do
litoral. Ambas as tradições, Una e Tupiguarani, irão permanecer até o contato com o
europeu, do qual sofreram influencias culturais que darão origem a numerosas fases
neobrasileiras do Rio de Janeiro. Este choque aculturativo é testemunhado pelo
extermínio da população indígena.
Contudo, acreditamos que o período Tupiguarani foi um horizonte cultural por sua
grande expansão no território brasileiro. Eles viviam em constante conflito por
localizar-se num período de afirmação política das chefias, tal como ocorreu na
Amazônia brasileira entre os Tapajós, Omaguas, Aparia, Machifaro e Panagua.
Praticando o ritual de captura de humanos para seus rituais, a diferença dos amazonenes
que era para ter escravos, o que permitiu o incremento demográfico regional.
4.1.- Os Tamoios
Soares de Souza (1560) informou que as aldeias Tamoias eram maiores que as dos
Tupinambás e dos Goitacás, concentrando mais de mil habitantes. Falavam a língua
tupi-guarani e eram descendentes destes grupos que haviam chegado ao litoral de Cabo
Frio por volta de 700 anos de nossa era. Muitos rituais dos tupiguaranis continuaram
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latentes durante o desenvolvimento dos tamoios como a antropofagia ritual, a dança
grupal, a festa do cauim, o furo de orelhas, incrustação de tembetas, as guerras com os
vizinhos, o corte de cabelo, as pinturas faciais e corporais, etc.
Durante o período de contato, no século XVI, a região estava amplamente
controlada pelos Tamoios que viviam em constante guerra com os Goitacá, localizados
na região de Campos, e os Tupiniquins na bacia de Guanabara (no Estado do Rio de
Janeiro). Eles se estendiam a grande faixa litorânea ente o Cabo de São Tomé e Angra
dos Reis até o Paraíba. O domínio do litoral e da lagoa de Araruama foram os motivos
principais desses enfrentamentos políticos que através de embarcações de canoas
chamados igaras, elaboradas de grandes troncos de Inga-ivera, que carregavam até 30
guerreiros que se espalhavam na procura de luta frente às tribos vizinhas, capturando
inimigos para o canibalismo ritual. Eles pintavam seus rostos com urucum e cortavam
seus cabelos com facas de taquara desde a parte media superior da cabeça.
Os tamoios, como descendentes dos tupiguaranis, adoravam principalmente aos
deuses do Sol (Coaraci) e da Lua (Jaci), e complementada pela deusa do amor (Rudá).
As atividades econômicas eram principalmente a horticultura de coivara (roça e
queima) para semear abóbora, aipim, milho, mandioca e algodão. Coletavam o fruto do
caju e castanhas-do-pará. A casca da mandioca era mastigada pelas índias e depositadas
numa grande panela servia para a preparação do cauim, uma bebida alcoólica dos
tamoios. A pesca e caça foi mediante o uso da técnica da caiçara que consistia preparar
armadilhas de madeira como um cerco. Também utilizavam o arco e a flecha. Ao
parecer eles não conheciam o uso da rede de pesca nem anzol. Subiam a Morro da Guia
para observar o ingresso de botos e golfinhos que seguiam os cardumes que
ingressavam no rio Itajuru. Todas as atividades tribais eram comunitárias.
Os tamoios estavam organizados em três grandes grupos: Mopi, Iacorito e Guaçu.
Sua organização social era comunitária, firmada no princípio de reciprocidade e
compreendendo quase 5.000 índios. O tamoio era livre num sistema integrado e que
"podia fazer o que bem entendesse, contando que não comprometesse a segurança dos
interesses da tribo e não chocasse com a liberdade do companheiro". Os chefes mais
importantes destacam Cunhambebe I, Aimberê, Iapoguaçú, Pindobuçu, Coaquira,
Jaguanaró, Araraí, Parabuçu e Cunhambebe II. Este último, com a chegada dos
portugueses, se aliou com os Aimorés e Goitacá para o enfrentamento aos portugueses.
O chefe podia ser eleito pela junta de anciãos ou ser cargo hereditário. Estes anciãos
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formavam a junta dos caraíbas que decidiam fazer a guerra ou a paz. Permitia-se a
bigamia, mas eles castigavam severamente o homicídio e o adultero.
A partir de meados do século XVI, durante a chegada dos europeus, os tamoios
mantiveram contato pacífico com os franceses, aliando-se a eles nas escaramuças contra
os portugueses. Seu comercio de trocas e hospedagem de aliados trouxe alterações
precoces em sua cultura que muito embora afetou em primeiro lugar aos europeus, mais
com o passo do tempo, a situação se inverteu, com a introdução de hábitos alimentícios
estrangeiros, armamento, alterações dos ritos religiosos e sanitários, e expulsão ou
aldeamento forçado em núcleos de catequese. Os desastres causados pelas doenças
infecciosas introduzidas dizimaram populações inteiras com epidemias de gripe,
sarampo, varíola, tuberculose, sífilis, tracoma, etc. fartamente conhecidas (Black, 1994).
Segundo o cronista Anchieta (1933), a população indígena no Rio de Janeiro, no
meados do século XVI, era de 3,000 almas, isto já numa fase de elevada depopulação.
Aliás, Von Martius (Apud Costa, 1980) sobre a violência no contato diz:
"As vezes aparecem paralíticos ou coxos, sua deformidade é sempre de origem
traumática".
Este padrão cultural, segundo referências históricas unânimes devia-se a fraturas
por pontas de projétil, golpes contundentes por paus, metal ou pedras, que eram
"pelejas" e "correrias" entre os índios e os europeus, e entre eles próprios, das quais
traziam freqüentes seqüelas. Os tupinambás tinham elevadas taxas de conjuntivite,
chamados tracoma, associados à irritação crônica por fumaça, vento, detritos, etc., que
lhes deixavam cegos, além disso, tinham infecções intestinais principalmente disenterias
graves, assim como dermatopatias e ulcerações de pele em geral.
Com a invasão européia, os Tupinambá, que buscavam reproduzir a vida social
através da guerra e da morte gloriosa em terreiro inimigo, encontraram como alternativa
a fuga para o interior, ou a violência e a morte por doenças, fome ou pela guerra do
conquistador. Os guerreiros perderam o direito à vingança que possibilitava a
reprodução da vida social, e a sociedade, desestruturada, em conseqüência, entrou em
colapso. A população Tupinambá, que permanecera por cerca de 2 milênios na Região
dos Lagos, com o impacto da presença européia, desapareceu em 60 anos.
4.2.- Os Goitacá
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O termo goitacá significa ―o homem corredor da mata, ligeiro marchador e experto
nadador‖ (Beranger, 2003). Também conhecidos como Goitacás ou goitacazes,
constituiu uma das chefias que receberam os colonizadores portugueses, no século XVI,
nas mais cruentas lutas cuja conseqüência foi ser uma das primeiras sociedades nativas
em extinguir-se (Métraux, 1946). Seu domínio se exercia em estreita faixa de terra do
Espírito Santo, Campos do Rio de Janeiro e do Paraíba do Sul, limitando com os
Papanaz e os Tamoios. Foram os Goitacá, no relato dos primeiros cronistas, índios dos
mais ferozes e selvagens que habitavam a costa. O meio em que tiveram de viver lhes
plasmou um feitio à parte, diferente, em seus hábitos e costumes, das outras nações
selvagens (Costa, Op. cit.). Na região de Cabo Frio, as rivalidades com os tupiguarani e
depois com seus descendentes os tamoios, continuaram fortes por haver sido
desarraigados do lugar de origem. 32
Viveram no litoral de Campos, ocupando terras de poucas matas, tornaram-se
invencíveis lutadores em campo aberto, ao igual que os tamoios, foram peritos
nadadores, remadores destros e guerreiros. Instalados nos campos aluviais do baixo
Paraíba, cujas terras ocupavam até a foz desse rio. Suas casas eram palafitas em áreas
abertas inundáveis. O frei Vicente do Salvador que visitou Rio de Janeiro em duas
oportunidades, uma entre 1607 e 1608 e outra entre 1621 e 1624, relatou que um dos
principais ritos de passagem para os homens era o rito de luta com um tubarão,
utilizando um pau de palmo aproximadamente e lutando na água, introduziam na boca
do animal, enquanto com a outra mão lhe arrancava as entranhas (apud Costa, 1980).
Saint-Hilaire (1830), que mais pesquisou sobre estes grupos, ensinou que os
Goitacá formavam um povo aparte, uma espécie de ilha no meio dos povos
Tupiguarani, senhora do litoral. Outros naturalistas que também se ocuparam da
temerosa tribo, como o príncipe de Wied-Neuwied (1940), trouxeram valiosa
contribuição para o conhecimento deste povo. Mencionando que eles constituíam três
tribos distintas, os Goitacaguaçu, os Goitacamopi e os Goitacajacorito. Provavelmente
descendentes da fase Mucuri.
Os antigos Goitacá já na primeira metade do século XVII haviam desaparecido,
supressos pelo português, acamaradado nessa liga de defesa a tribos de grupos
32
CORDEIRO, J. 2004. A Primeira face da tradição: Os Goitacá. Da História e identidade dos que não
deitaram letras. Dissertação de Mestrado em História, Universidade Severino Sombra, Vassouras, Rio de
Janeiro, 203p. CORDEIRO, J. 2005. Nem cães, nem lobos: os Guerreiros Goitacá. Pilares da História,
Rio de Janeiro, n. 5.
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diferentes. Eles falavam a língua Jê e atualmente estão muito reduzidos na zona de
Paraíba, ao norte de Minas Gerais e Itapemirim. Seu estado de regressão é lamentável
quase comparado ao dos botocudo, sobre os quais levam apenas a vantagem do uso da
rede de dormir. Contudo, faltam mais pesquisas arqueológicas e etnohistóricas sobre
estas populações.
Segundo Jeanne Cordeiro (2004), aos Goitacá, restou a morte, a redução de São
Pedro e a fuga para o interior. A resistência possibilitou que, ainda no século XIX,
alguns hábitos permanecessem, como o de cortar os cabelos com ―cristal‖ e enrolar as
meninas em casca de Jequitibá, dançar e dormir no chão, passando pela ―jogatina‖ de
flecha no cipó. Esses costumes perenizados em Minas Gerais e no norte do estado do
Rio de Janeiro sugerem que este grupo estava longe do extermínio pretendido pelo
invasor.
4.3.- Os instrumentos musicais tupinambás
As grandes civilizações pré-históricas do mundo desenvolveram suas atividades
econômicas, sociais, culturais e ideológicas de forma compatível ao ritmo do tempo e ao
compasso da música. Fruto dos dores humanos pelas doenças infecciosas, invasões,
guerras, enchentes, terremotos, secas e outras calamidades, serviram como elementos
para o desenvolvimento do espírito potencialmente criativo e inovador do homem, que
para se adaptar a cada situação elaborou técnicas agrícolas, artefatos, armas,
instrumentos musicais e outras, dentro de projetos sociais.
O instrumento musical mais antigo da Região dos Lagos é o uai. Este foi achado
na camada I do sítio Sambaqui de Moa, em Saquarema, e nas salinas do Peró (Kneip,
1994). A importante descoberta datou de cinco milênios a.P., e estava associado a um
enterro de homem adulto. O uai é um instrumento de vento genérico aos apitos, feito de
ossos de metáfise e epífise proximal de rádio e tíbia de cervídeo e outros mamíferos
terrestres. Esse instrumento tem somente um buraco de entrada no bocal. Tais apitos são
peças raras em sítios arqueológicos litorâneos e servia como instrumentos sonoros tanto
para sinalização utilizada na comunicação humana quanto para a atração de animais.
O Mente é outro instrumento do vento, semelhante a uma flauta primitiva, feita de
tíbia de mamífero terrestre, como cervídeo ou onça, e também de humanos. O Uatapi ou
Uatapuaçú é uma buzina feita de concha do gênero Bulimulidae, espécie
Megalobulimus. O índio sambaqui e Itaipu já tocavam esse instrumento musical há uns
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3.000 anos. Tinham um furo na parte lateral e servia para atrair peixes. Este instrumento
pendurava-se como colar e tinha uma boquilha em forma de orifício lateral. No
Corondó, em São Pedro da Aldeia, nas escavações arqueológicas de Ondemar Dias,
entre 1983 e 84, apareceu outro instrumento de vento feito do mesmo tipo de caracol
terrestre, também associado a um enterramento doméstico de homem adulto. O artefato
tinha um furo para soprar. Os grupos que tocavam esse instrumento eram macro-bandos
da tradição Itaipu A. Este instrumento não é citado nos documentos históricos.
O Maracá é um instrumento de percussão feita do fruto de uma planta arbustiva e
rasteira da família das abóboras que crescia abundantemente nas beiras dos rios,
manguezais e restingas. Estava adornado com penas coloridas de araras e atado a uma
corda untada. Nela introduziam algumas sementes dessa planta e produziam um som
agradável ao ritmo do membi e do uai. André Thevet em 1555 desenhou uma dança dos
Tamoios de Cabo Frio, chamando a dança do cauim, onde os homens dançavam ao
compasso do chocalho ou maracá.
Segundo alguns historiadores, os tamoios comemoravam suas festas religiosas em
homenagem a Coaraci, Jaci e Rudá, principais deuses Tupis, dançando e bebendo o
cauim. Em 1557, o soldado alemão Hans Staden observou na vila Gecay 33, antigo nome
tupiguarani da região de Cabo Frio, a função social deste instrumento associado na
preparação de farinha de mandioca (tapioca) e a preparação de bebida alcoólica a base
de fermento da saliva humana com a casca da mandioca (cauim). O maracá, por ser
feito de material vegetal, não resistiu ao tempo na Região dos Lagos. Por isso, perdeu-se
para sempre este tipo de instrumento daquela época. Aliás, muitos desses ritos serviam
para a prática da antropofagia.
Os instrumentos nativos acima citados tinham função de integrar a vida cotidiana
do indígena nas relações sociais, materiais e espirituais. Por esse motivo, eram
enterrados junto a eles. Os instrumentos musicais arqueológicos são parte da riqueza
cultural de Cabo Frio e da Região dos Lagos, portanto, estamos resgatando-os a fim de
integrá-los à pesquisa da arqueologia regional, ao turismo e as atividades festivas e
culturais atuais. As invasões e as mudanças culturais provavelmente introduziram
inovações de instrumentos de madeira e cerâmica adornados de penas. Mas, o estudo
33
Gecay ou Gecahy era o nome tupiguarani da região de Cabo Frio que significava o tempero mais
apreciável da culinária dos tamoios. Este consistia de condimentar com sal grosso e pimenta as carnes e
os peixes. Ou seja, a terra do sal grosso e da pimenta (Beranger, 1961, 1993; Massa, 1967, 1973).
150
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dos instrumentos musicais da região de Cabo Frio é um tema novo que evoluiu com as
populações humanas já desaparecidas.
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GLOSSÁRIO
Aldeia - Povoação constituída exclusivamente por indígenas não submissos. Maloca na
língua tupiguarani. Opõe-se a aldeamento ou aldeia catequética que é um núcleo
habitacional de índios submissos e dirigidos por autoridade religiosa.
Alga - Família de plantas que vivem na superfície ou no fundo de água salgada.
Alimpadura - Operação de retirada dos galhos, da casca e do alburno do tronco de paubrasil.
Anuro - Pertencente ou relativo aos batráquios. São os sapos, rãs e pererecas.
Arborescente - Que apresenta o porte de uma árvore.
Armação - De armar à pesca, armar às baleias, ou seja, equipar-se para a pescaria, para
a pesca das baleias. Daí decorre a expressão Armação de Baleias ou mais simplesmente
Armação.
Arqueológico - Referente ao estudo dos vestígios das sociedades pré-históricas.
Capitão-do-mato - Indivíduo que se dedicava à captura de escravos fugitivos, ao qual a
lei concedia poderes discricionários.
Cenozóico - Era geológica que compreende os períodos terciário e quaternário.
Colmatada - Referente ao aterramento ou entulhamento natural de antigas depressões
por detritos minerais e orgânicos.
Donatário - Indivíduo da nobreza tradicional ou da florescente burguesia que foi
agraciado pelo Rei de Portugal com a doação de uma capitania hereditária no território
brasileiro.
Embasamento cristalino - Base natural de cristal de rocha (quartzo vítreo incolor).
Embocadura - Foz de rio.
Eólico - Diz-se daquilo que se relaciona com o vento.
Epífito - O vegetal que vive sobre um outro sem retirar nutrimentos, apenas apoiandose nele.
Etnia - Grupo biológico e culturalmente homogêneo.
Falésia - Designação comum a terra ou rocha alta e íngreme no litoral, resultante da
erosão marinha.
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Falha - Plano de separação que se forma entre blocos de uma rocha em conseqüência
do deslocamento dela, por ocasião dos movimentos de deformação da crosta terrestre.
Feitoria - Estabelecimento comercial para resgate de mercadorias entre europeus e
indígenas brasileiros.
Fitoplancton - Comunidade de pequenos organismos vegetais que vive em suspensão
no mar e é arrastada pela movimentação da água.
Geologia - Ciência que estuda o conjunto da origem, da formação e das sucessivas
transformações do globo terrestre.
Geomorfologia - Ciência que estuda as formas do relevo terrestre.
Gnaisse - Rocha metamórfica feldspática laminosa, nitidamente cristalina e de
composição mineralógica muito variável.
Holoceno - Época geológica em que as geleiras se restringem às regiões polares,
permitindo o desenvolvimento e a expansão da sociedade humana (data de 12.000 anos
e corresponde ao atual período quaternário).
Inflorescência - Ramo de flor.
Isóbara - Curva que, nas cartas hidrográficas, liga os pontos de igual profundidade.
Madeira-de-tinturaria - Designação portuguesa para o pau-brasil, cujo uso principal
era o tingimento de tecidos na cor vermelha.
Mamífero cetáceo - Ordem dos grandes animais adaptados à vida aquática. As fêmeas
segregam leite par alimentar os filhos, a exemplo das baleias.
Molusco - Comunidade ou banco de animais enterozoários marinhos, do ramo
―Mollusca‖, de simetria bilateral, de corpo mole e musgoso coberto por manto que
segrega carapaça ou concha calcária. Empregam suporte rochoso ou de vegetação de
mangue para fixação da carapaça à beira-mar, a exemplo dos mexilhões e ostras.
Molusco gastrópode - Animais enterozoários marinhos de uma só peça que vivem em
fundos rasos, arenosos e abrigados. Suas várias espécies apresentam vísceras e conchas
calcárias espiraladas ou piramidais. O chamado búzio é a designação brasileira para a
grande concha da espécie Cassia tuberosa (Linneo) ao atingir a idade adulta, cuja
distribuição vai desde o litoral norte-americano da Carolina até a costa brasileira de São
Paulo. Trata-se de uma concha piramidal, com linhas longitudinais e transversais; três
carreiras de módulos na parte superior da espiral do corpo; e comprimento de 12 a 18
cm. A superfície polida do eixo inferior é coberta de listas marrons entre as dobras e
mostra uma grande mancha castanha junto à extremidade da abertura. O lábio do bordo
inferior é salpicado de castanho. Denomina-se ―atapu‖ ou ―matapu‖ na língua
tupiguarani. Os índios Tupinambá,, depois de comerem o miolo, abriam um furo no
ápice da concha, por onde sopravam e produziam um som rouco, ouvido bem longe,
durante suas atividades navais de pesca ou de guerra. Os pescadores brasileiros do
período histórico mantiveram o uso de comunicação no mar através dos búzios, de aviso
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da chegada das embarcações à praia e do anúncio de peixe fresco à venda em terra.
Algumas localidades, a exemplo do próprio município estudado, é denominado ―buzo‖
pela opulação. Os Tupinambá usavam também o ―atapu‖ como matéria-prima nobre
para confecção de um grande pingente de colar sob a forma de meia-lua e de pingentes
redondos e finos de colar ou de brinco.
Nerítica - Diz-se da região marinha compreendida entre a linha do litoral e os pontos de
profundidade igual a mais ou menos 200 metros.
Oceanografia - Ciência que estuda as características físicas e biológicas dos oceanos e
dos mares.
Petrografia - Estudo descritivo e sistemático das rochas.
Precipitação pluviométrica - Fenômeno pelo qual a nebulosidade atmosférica se
transforma em água e forma a chuva.
Quelônio - Répteis terrestres que tem o corpo em um estojo ósseo, a exemplo das
tartarugas, dos cágados e dos jabotis.
Quilombo - Local de refúgio temporário ou de habitação permanente de escravos
africanos, fugitivos.
Sesmaria - Lote de terra inculta, com grandes dimensões, que os representantes do Rei
de Portugal concediam a homens de posse dispostos a trabalhá-lo.
Topografia - Descrição minuciosa da configuração de um terreno com todo os
acidentes geográficos que se achem à sua superfície.
Tumbeiro - De tumba ou sepultura. Designação pejorativa dada aos veleiros
empregados no tráfico transatlântico de escravos entre a África e o Brasil, em função da
alta mortalidade da carga humana apinhada nos porões desses navios.
Sambaqui - Designação dada a antiqüíssimos depósitos pré-históricos formados por
restos de cozinha – entre os quais, abundavam as carapaças de moluscos -, vestígios de
artefatos e enterramentos humanos.
Sedimento - Depósito oriundo de processos erosivos terrestres que se assentam no
continente ou no fundo do mar.
Sedimento terciário - Depósito oriundo de processos erosivos terrestres no período
terciário que teve a duração de cerca de 1 milhão de anos e anterior ao atual período
quaternário, cuja idade é estimada em mais ou menos 300.000 anos.
Zooplancton - Comunidade de pequenos animais que vivem em suspensão no mar e é
arrastado pela movimentação da água.
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CAMADAS
I
II
1–4–5–6–7–8–9
III
1a - 10 – 11 – 12 – 13
IV
–
SEPULTAMENTOS
2a – 3
2 – 14 – 15
Acompanhamento funerário do sambaqui da Pontinha:
CONVENÇÕES
Q – Quadriculamento
T – Trincheira
S – Sepultamento não cremado
– Sepultamento cremado
Figura 3 – Distribuição dos sepultamentos do sambaqui da Pontinha, camadas de
ocupação I, II, III e IV.
171
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Figura 4 – Ponta simples de osso da cabeça de Genidens genidens (Valenciennes,
1839). Sepultamento 14, adulto (camada IV). Tamanho original.
Figura 5 – Osso seccionado, cremado, mamífero terrestre. Sepultamento 14, adulto
(camada IV). Tamanho original.
Figura 6 – Peça de uso não identificado, cremada, mamífero terrestre. Sepultamento 14,
adulto (camada IV). Tamanho original.
Acompanhamento funerário do sambaqui da Pontinha:
172
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Figura 12 - Lâmina de machado polida, de diabásio, na parte correspondente
ao gume. Sepultamento 10, 30-35 anos (camada II, Sambaqui do Moa).
173
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Figura 15 – Almofariz de diabásio, face externa (a) e interna (b). Sepultamento 25
(camada I, Sambaqui do Moa)
Figura 16 - Lâmina de machado polida de diabásio, na parte correspondente
ao gume. Sepultamento 1, masculino, 30-35 anos (camada I, Sambaqui do
Moa).
174
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
175
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Figura 19 – Camada de ocupação II do sambaqui da Beirada: estrutura de combustão
tipo 1 (a); cavidade (b); estrutura de combustão tipo 2 (c); limite corante vermelho –
sedimento (d); A. brasiliana (e); Ostrea sp. (f); B. exustus (g); L. pectinata (h) e S.
(sepultamento não cremado).
Observar, nas áreas de maior concentração das espécies de moluscos representadas. O
afastamento intencional das conchas de B. exustus (S. 13) e Ostrea sp (S. 14), para a
colocação do corante vermelho.
176
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Figura 20 – Camada de ocupação III do sambaqui da Beirada: estrutura de
combustão tipo 1 (a); cavidade (b); estrutura de combustão tipo 2 (c); limite
corante vermelho – sedimento (d); A. brasiliana (e); Ostrea sp. (f); B. exustus (g);
L. pectinata (h) e S. (sepultamento não cremado).
Observar os sepultamentos 21 e 23, envolvidos por corante vermelho, em áreas de
maior concentração de restos malacológicos. Os sepultamentos sob (S. 17) e sobre
(S. 23) estrutura de combustão tipo 1, indicam enterramentos efetuados antes e
depois da queima.
177
Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Figura 21 – Camada de ocupação II do sambaqui da Pontinha: estrutura de
combustão tipo 1 (a); cavidade (b); estrutura de combustão tipo 2 (c); argila (i)
matéria corante vermelha – bloco de sedimento (j); argila levada pelo loteamento
(k); sepultamento cremado (l); (sepultamento não cremado).
As estruturas funerárias 4 e 5, ao contrário das estruturas 6, 8 e 9, cremadas na
própria cova, encontram-se em contato direto com as estruturas de combustão
tipo 1, com o sepultamento 3 sem vestígios de queima mas sobre fogueiras,
depositado numa face posterior à combustão.
Observar as duas cavidades assentadas na argila para fixar os esteios da
habitação registrada como 3, em cujos limites internos estariam os sepultamentos
6 e 7.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Figura 22– Camada de ocupação II do sambaqui do Moa: estrutura de
combustão tipo 1 (a); cavidade (b); limite corante vermelho – sedimento (c);
argila levada pelo loteamento (k); carvão vegetal em decomposição (m); S.
(sepultamento não cremado).
Grande área coberta por corante vermelho, envolvendo os sepultamentos 7, 9,
10, 14, 15 e 16, com os de números 8 e 13 depositados sobre fogueiras mas
numa fase posterior à queima. Observar as cavidades junto ao sepultamento 16,
evidentemente destinadas a fixar esteios com finalidades rituais.
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Alfredo José Altamirano (2009). A Pré-história da Região dos Lagos. Casa 500 anos
História, Cabo Frio, RJ.
Figura 23 - Camada de ocupação I do sambaqui da Pontinha: estrutura de
combustão tipo 1 (a); argila (b); matéria corante vermelha (sedimento) (c);
cavidade (d), bloco de gnaisse (e); limite de habitação 1 (f); limite de habitação
2 (g); argila depositada pelo loteamento (h); sepultamento não cremado (S).
Observar a parte recuperada das habitações 1 e 2, não totalmente reconstituída
face à destruição por obras de loteamento.
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