A memória e o esquecimento nos objetos de José Rufino
Mônica Juergens Age
Graduada em Design, com especialização em História da Arte, pela Universidade da Região de Joinville /
UNIVILLE (2013). Mestranda em Artes Visuais pela UDESC, linha de pesquisa Teoria e História das
Artes Visuais.
Luciane Ruschel Nascimento Garcez
Professora de Metodologia do Ensino da História da Arte e História da Arte de Santa Catarina do
Programa de Pós-Graduação naUniversidade da Região de Joinville, Univille, Joinville, SC. Professora na
área de cerâmica. Mestre pelo PPGAV – CEART, UDESC na linha de Teoria e História da Arte, bolsista
Capes. Doutoranda pela Université Aix-Marseille, França, na linha de Estudos e Ciências da Arte.
Resumo: O presente artigo pretende analisar os principais elementos que pertencem à
obra de José Rufino, que remetem à questão da memória e do esquecimento, criando
conexões e pontos de contato de outras obras do artista com sua última obra exposta,
intitulada Ulysses. A metodologia a ser utilizada abrange pesquisa bibliográfica através
do levantamento em livros, textos, catálogos, sites de museus, o site de José Rufino e
entrevista com o próprio artista, construindo reflexões para análise e como forma de
atingir os objetivos propostos.
Palavras-chave: memória, esquecimento, objetos, José Rufino.
Memory and forgetfulness in José Rufino’s objects
Abstract: The current paper intends to analyze the main elements that belong to José
Rufino’s work - as part of a monographic research -, which remit to memory and
forgetfulness, creating connections and points of contact of other works of the artist to
the last one exposed, named Ulysses. The methodology to be used covers
bibliographical research through books, texts, catalogs, museums’ sites, José Rufino’s
site and interview with artist himself, building reflections to analysis and as a way to
reach the proposed goals.
Keywords: memory, forgetfulness, objects, José Rufino.
Introdução
O principal objetivo deste artigo é analisar as principais características da obra
de José Rufino em uma abordagem que remete à questão da memória e do
esquecimento, tema recorrente na arte contemporânea. Para essas reflexões pretende-se
utilizar especificamente sua última obra exposta, intitulada Ulysses, fazendo
posteriormente conexões dessa obra com outros trabalhos de Rufino de modo a
identificar seu sentido poético, sua fatura e interlocuções.
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
A pesquisa visa o entendimento da poética de José Rufino, o objeto e suas
relações com a memória e o esquecimento, fazendo uma análise de sua obra exposta
mais recente, Ulysses. Serão estudadas as obras do repertório deste artista que utilizam o
objeto como fatura, bem como de outros artistas que se mostrarem pertinentes,
identificando os principais elementos que possuem conexão com Ulysses.
Na obra de Rufino os objetos ganham novas funções, funções de resgate à
memória, uma forma de se evitar o esquecimento, trazendo ao conhecimento questões
do passado. Essa apropriação de objetos e sua utilização pela arte é algo que cria uma
contraposição interessante, já que os objetos foram criados para satisfazerem
necessidades do homem por meio de funções que lhe são atribuídas. José Rufino retira a
função usual dos objetos e os alimenta de novas funções, estética, memória, colocandoos na categoria de obra de arte. Os objetos, em seus trabalhos, exercem um efeito na
percepção do observador, entre eles pode-se destacar a mobília. O mobiliário está
diretamente ligado ao corpo, pois foram criados com o objetivo de serem utilizados no
cotidiano. O tratamento que José Rufino dá a esse tipo de objeto remete a um corpo
ausente, não apenas à retirada de sua função inicial.
É importante também fazer um levantamento de seus trabalhos anteriores, pois
existe uma ligação, pontos de referência que vinculam Ulysses aos outros trabalhos de
José Rufino, não apenas a questão da memória, mas sua relação com a morte e com o
inventário. A própria memória pode ser considerada uma espécie de inventário, pois na
memória estão as experiências, que ficam catalogadas. Essas experiências são registro
de episódios e sensações já vivenciadas, tanto a memória como o inventário são tipos de
armazenamentos.
Em Ulysses i, José Rufino cria uma imagem que possui referência com a
literatura, essa imagem criada também necessita de análise e reflexão, pois o Ulysses de
José Rufino sofre uma transformação, possui pontos de contato com a literatura, mas
outros completamente opostos (figura 1).
Para iniciar o trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica através de
levantamento em livros, catálogos, sites de museus e o site do próprio artista, servindo
como suporte para o entendimento de como Rufino utiliza as questões referentes à
memória e ao esquecimento. Foi feita também a observação e reflexão in loco da obra
Ulysses, já que a exposição seria desmontada dia 17 de fevereiro de 2013.
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
Figura 1. José Rufino - Ulysses, Fundação Casa França-Brasil, 2012 (Site specifc) - Materiais residuais
coletados em escavações, demolições, aterros do Rio de Janeiro.
Dimensões: 2,82 x 8,30 x 23,30 m. Fonte: www.joserufino.com
1. Processo poético e de fatura em Ulysses.
José Rufino vive e trabalha em João Pessoa, PB. Suas obras transitam entre a
pintura, desenhos, instalações. Iniciou seu trabalho com poesia, passando para a artepostal, em seguida desenvolveu trabalhos com mobiliário e objetos de família,
colocando-os em um novo contexto, elevando esses objetos à categoria de arte.
“Ultimamente, tem realizado incursões na linguagem cinematográfica e desenvolve
cada vez mais um trabalho misto de monotipias/móveis/objetos e instalações. O diálogo
dicotômico entre memória e esquecimento contamina seu trabalho por completo”
(Disponível em: www.joserufino.com).
Segundo Fernando Cochiaralle (2001):
A ordenação, no espaço expositivo, dos objetos escolhidos e apropriados por
Rufino, que evocam essas memórias urbanas, não obedece à lógica dos fatos
registrados pela escrita ou por imagens documentais: resulta de sua livre
reinvenção poética. Narrativas destinadas ao olhar, aliás, não podem ser
explicadas somente por meio da palavra: precisam ser primeiramente
experimentadas e, sobretudo, vistas, antes da busca ansiosa, hoje em voga,
por atalhos verbo-explicativos. (Cochiaralle, web, 2001)
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
O tema do projeto contribui para a aplicação dos diversos conceitos adquiridos
ao longo do curso de Especialização em História da Arte e aprofundar a pesquisa no
trabalho de José Rufino, que utiliza objetos, muitos deles referentes à mobília. Sua obra
confronta toda a relação objeto-homem, pois seus objetos ganham novas funções,
evocam memórias e novos sentidos.
José Rufino é geógrafo, com Mestrado em Paleontologia, o que influencia
diretamente seu trabalho artístico. Os paleontólogos buscam informações a respeito da
vida no passado, a partir de evidências catalogam as espécies encontradas
cientificamente. José Rufino planeja, projeta suas obras como se fosse tratá-las
cientificamente, mas como são objetos de arte, em um dado momento elas sofrem um
desvio, algo que apenas como cientista não seria possível. Como cientista ele não pode
criar, deve se ater aos fatos, aos registros. São opostos que se complementam e que de
certa forma ele também traz em suas obras como a oposição da vida e da morte.
Seus primeiros trabalhos que ganharam atenção no cenário contemporâneo de
arte foram os da série Cartas de Areia, nos quais ele utiliza cartas que lhe foram dadas
de herança, após a morte de seu avô, José Rufino. O artista, nascido José Augusto da
Costa Almeida, se apropria do nome do avô como uma forma de recontar sua história.
Como cita o próprio Rufino, “Essa ação, a princípio apenas incompreensível para meus
parentes e momentaneamente encarada como uma homenagem, logo passa a revelar os
primeiros sinais da minha intenção: provocar uma subversão nas Camadas do Tempo de
Vaca Brava” (Rufino, 2007, web).
Os trabalhos deste artista deslocam o espectador, retirando-os do espaço em que
estão expostas suas obras e os fazendo entrar no espaço da memória. Utiliza como
gesto, como sua marca, a memória em suas obras, e para isso recorre a objetos com
valor afetivo, com sua própria memória, e marcas do tempo. Segundo Baudrillard, os
objetos possuem uma alma, sua própria marca deixada pelo tempo e pela questão
afetiva, nas obras de José Rufino eles têm a possibilidade de “mostrar” seu valor:
Antropomórficos, esses deuses domésticos, que são os objetos, se fazem,
encarnando no espaço os laços afetivos da permanência do grupo, docemente
imortais até que uma geração moderna os afaste ou os disperse ou às vezes os
reinstaure em uma atitude nostálgica de velhos objetos. Como
frequentemente os deuses, os móveis também tem às vezes oportunidade a
uma existência segunda, passando do uso ingênuo ao barroco cultural.
(Baudrillard, 1997, P. 22)
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
A poética de Rufino é toda ela calcada na memória, como cita Sylvia Warneck
(2005), suas obras são concebidas a partir de objetos garimpados entre os pertences de
sua ou outras famílias: móveis, utensílios corriqueiros, fotografias, documentos e cartas
carregados de emoções, histórias e memórias.
O artista traz Ulysses para o Rio de Janeiro em uma exposição na Fundação Casa
França-Brasil. O Ulysses exposto está deitado, sem vida, como se fosse trazido pelo
mar. A obra ocupa o salão principal da Fundação, mais duas salas e o Cofre, com uma
obra de Efraim Almeida. No salão principal está Ulysses, deitado, na segunda sala estão
expostos mapas e desenhos feitos durante a montagem deste trabalho, em uma terceira
sala estão desenhos feitos pelos observadores, uma referência ao Cadáver Esquisito,
proposto pelo Surrealismo, e no Cofre, como que um contraponto com o gigante
deitado, está uma obra de Efraim Almeida.
Os mecanismos da memória estão diretamente ligados ao armazenamento de
informações, como uma espécie de inventário pessoal, José Rufino pode ter feito
referência quanto a isso, colocando um arquivo na cabeça de Ulysses, também pode ser
referência quanto às tentações de esquecimento, da própria história de Ulisses na
literatura.
O Ulysses de José Rufino traz vestígios como portas, janelas, arquivos, gavetas,
escrivaninhas, pedras, cordas, todos encontrados na cidade, abandonados e esquecidos.
Se apropriou de objetos que já foram utilizados e estavam abandonados, muitos deles
soterrados por outras construções. Aqui entra a sua formação científica como
paleontologista. O cientista complementa o artista. Como paleontologista ele estuda
espécies desaparecidas, busca memórias do passado, como em seus trabalhos. Falar de
memória também, segundo Le Goff (2003), é uma forma de se apropriar do tempo, a
memória de algo que já passou, de um tempo que não mais nos pertence.
Ele faz uma discussão quanto à reconstrução da cidade do Rio de Janeiro para
eventos de repercussão mundial, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O que ele
quer fazer lembrar? O que ele quer fazer esquecer?
Não é apenas a dimensão da obra que impressiona, mas os materiais utilizados, a
possibilidade de “entrar” no corpo de Ulysses, o cheiro dos materiais que sofreram a
ação do tempo. Tudo tem relação com o corpo, com as sensações e a memória.
Marcelo Campos, curador da exposição cita que esta obra possui uma forte
ligação com as esculturas de Pevsner e Naum Gabo, pois foi no Construtivismo que as
esculturas começaram a ter seu interior revelado. Em Ulysses pode-se observar o outro
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
através da obra, o observador pode fazer parte, não apenas com sua experiência, mas
podendo ser observado através da obra.
2. Relação dos principais elementos de Ulysses a outras obras do artista.
Os objetos são matéria para as obras de José Rufino, assim como a memória o
tema, sabendo disso pode-se fazer uma análise anacrônica do uso de objetos na história
da arte, ou na própria produção do artista, visando identificar elementos na obra
Ulysses.
A primeira obra do repertório deste artista selecionada para análise é Léthe
(figura 2), o Rio do Esquecimento. Foi escolhida pela relação com o objeto, com a
memória e o esquecimento, pois na mitologia grega Lete era um rio em que as pessoas
que bebessem de suas águas alcançariam o completo esquecimento. São utilizados
mobiliários de madeira e raízes de árvores, todos unificados pela mesma cor escura,
vinculando os objetos e apagando suas origens. As raízes também foram desenterradas,
escavadas como em Ulysses.
Figura 2. José Rufino - Léthe, 2009 (Rio do Esquecimento)
Vista da instalação na Galeria Virgílio, São Paulo. Mobiliário de madeira, raízes modificadas, metais e
vernizes. Cerca de 9m de comprimento (dimensões e configurações variáveis). Acervo José Rufino.
Fonte: www.joserufino.com
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
Os trabalhos de José Rufino impregnam de sensações e de lembranças. A
próxima obra selecionada que foi relacionada com Ulysses foi Silentio. Nesta obra o
artista ocupa uma sala com restos deixados pela enchente de Viana. Em um primeiro
momento pode-se relacionar Silentio com Ulysses, pois também é um site specific. O
interessante do trabalho de Rufino é que quando ele cria um site specific ele cria com
objetos de memória do próprio entorno, ou que são relacionados com a cidade (figura
3).
Deleuze & Guatarri citam que:
A sensação não se realiza no material, sem que o material entre inteiramente
na sensação, no percepto ou no afecto. Toda a matéria se torna expressiva. É
o afecto que é metálico, cristalino, pétreo... e a sensação não é colorida, ela é
colorante, como diz Cézanne. É por isso que quem só é pintor, é também
mais que pintor, porque ele faz vir diante de nós, na frente da tela fixa, não a
semelhança mas a pura sensação. (Deleuze & Guatarri, 1992, p. 197)
Essa obra não diz respeito apenas ao material, fala principalmente às sensações
vividas por pessoas que passaram pela mesma situação, que viram seus pertences
levados, que encontraram uma sala vazia, vazia de suas lembranças, mas com objetos
trazidos de outras pessoas, outras memórias, memórias que acabam se relacionando pela
sensação de perda e de invasão, de impotência diante da natureza. E no final, o que resta
é uma sala vestida com uma marca escura na parece, marca que não faz esquecer o que
aconteceu. O material também é unificado por uma cor preta brilhante, mas continua
com sua forma original.
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
Figura 3. José Rufino - Silentio, 2010, Site specifc.
Raízes, galhos, partes de móveis e madeiras diversas recolhidas após enchente na cidade de Viana (2,00 x
0,60 x 33,76m). Fonte: www.joserufino.com
Juhani Pallasmaa, em seu livro Os olhos da Pele – a arquitetura e os sentidos,
traz considerações interessantes a respeito da sensação no espaço, relacionada com
experiências pessoais. Ele cita que:
A sensação de identidade pessoal, reforçada pela arte e arquitetura, permite
que nos envolvamos totalmente nas dimensões mentais de sonhos,
imaginações e desejos. Edificações e cidades fornecem o horizonte para o
entendimento e o confronto da condição existencial humana. [...] O
significado final de qualquer edificação ultrapassa a arquitetura; ele relaciona
nossa consciência para o mundo e nossa própria sensação de termos uma
identidade e estarmos vivos. (Pallasmaa, 2011, p. 11)
Foi também selecionada a obra Faustus, montada em 2010 no Palácio da
Aclamação, na Bahia. Em Faustus José Rufino monta uma espécie de esqueleto de um
gigante, o que a liga fortemente a Ulysses. Traz todas as questões da memória
novamente, e a relação com o patrimônio, pela própria história do palácio e da cidade. É
uma instalação que também remete ao corpo de uma forma figurativa. Faustus, do
escritor alemão Wolfgang von Goethe, é transportado da literarura para a escultura,
assim como Ulysses, e também possui uma associação com o poema de Fernando
Pessoa ii (figura 4).
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
Figura 4. José Rufino - Faustus, 2010, Site specifc.
Vista da instalação. Palácio da Aclamação, Salvador, Bahia. Curadoria Marcelo Campos. Gesso, partes de
móveis antigos (volutas, pernas de mesas), mesa e cadeiras antigas, tábuas e trilha sonora. Acervo José
Rufino. Fonte: www.joserufino.com
A última relação com a obra Ulysses foi feita com a obra 29.01.79 (figura 5), na
qual o artista recria o velório de seu avô. Pode-se fazer inicialmente uma relação com
Ulysses no formato do corpo presente nas duas esculturas. Outra relação importante é a
morte, tema que, junto com a memória, é abordado em todas as obras selecionadas para
análise e para fazer relação com a obra escolhida nesta pesquisa.
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
Figura 5. José Rufino. 29.01.79, 2011
Mesa antiga e pedras. Acervo José Rufino. Fonte: www.joserufino.com
Na Coleção de Livros da Trigésima Bienal, Giordano Bruno escreve a respeito
dos vínculos, ele cita que:
Artigo II. Efeito daquele que liga por vínculo. Esta é aquela força que, por
estabelecer vínculos, os platônicos dizem que adorna a mente com a ordem
das ideias; que preenche o espírito com a sequência dos raciocínios e com
discursos harmoniosos; fecunda a natureza com sementes variadas; que dá
forma à matéria com uma infinidade de condições; que vitrifica, aplaca,
acaricia, estimula todas as coisas; que ordena, procria, rege, atrai, inflama
todas as coisas; que move, abre, ilumina, purga, satisfaz, completa todas as
coisas. (Bruno, 2012, p. 04)
José Rufino consegue criar vínculos tanto em suas obras, como com as
experiências e sensações dos observadores. Vínculos com a memória, esquecimento e
com os objetos, seu Ulysses cria vínculos também com a cidade, pois é um corpo feito
de cidade.
3. Principais interlocuções, deslocamentos e metamorfoses da imagem de Ulysses.
No 7º conto de sua Odisseia, Homero relata como Ulisses passa por um
naufrágio na Ilha de Esquéria, quando retornava à sua terra natal. É encontrado pela
filha do rei e permanece na ilha três dias. Na sua festa de despedida, relata sua história
aos presentes. Ulisses narra às três tentações de esquecimento pelas quais foi exposto e
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
que por passar pela última, seu barco naufragou. As tentações de esquecimento são uma
forma de fazer com que o herói não retorne à sua casa e se perca.
iii
Ulisses de Homero e o Ulysses de José Rufino estão ligados, possuem um
vínculo. Os dois possuem uma relação com a memória, com o não esquecimento da
cidade natal. José Rufino pode estar fazendo uma crítica à velocidade da cidade, a
cidade esquecendo suas construções históricas para dar lugar a avenidas e prédios
contemporâneos, esquecendo suas memórias.
No corpo desse Ulysses, José Rufino quer muito mais, busca não apenas os
interiores das construções, mas a cidade em sentido ampliado. Estamos diante
do que estava enterrado. Teria tal corpo homérico emergido ou se
desencavado? (...) Agregam-se vestígios da cidade do Rio de Janeiro e das
civilizações passadas. (Campos, 2012)
Mas mesmo possuindo esse vínculo, eles são opostos, Ulisses da literatura,
retorna para a Ilha de Ítaca, enquanto Ulysses de José Rufino está morto no Rio de
Janeiro. O artista cita que faz uma conexão de sua obra com o Ulisses (Leopold Bloom)
de James Joyce, mas que “seria inevitável começar por Homero e sua incrível Odisseia
num mar de fábulas” (Rufino, 2013, p. 09).
Ulysses de José Rufino traz também uma discussão em relação aos monumentos
e à morte. Jacques Le Goff (2003) cita que os monumentos são sinais do passado e
podem evocá-lo, perpetuando a recordação, fazem lembrar, evitam o esquecimento. Os
monumentos podem ser comemorativos ou “perpetuar a recordação de uma pessoa no
domínio em que a memória é particularmente valorizada: a morte” (Le Goff, 2003, p.
526).
O monumento tem como características o ligar-se ao poder de perpetuação,
voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva),
e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são testemunhos escritos.
Em uma segunda sala, chamada de Memorabilia, estão desenhos, projetos,
mapas
antigos,
estampas,
produzidos
durante
a
construção
de
Ulysses
(http://www.joserufino.com/site/obras/) José Rufino faz o projeto da obra, trata seu
Ulysses como um fato científico, registrando e retornando ao processo de seus primeiros
trabalhos Cartas de Areia, nos quais interfere nas cartas recebidas de herança, que eram
endereçadas ao avô. O Ulysses de José Rufino é feito de fragmentos, um corpo híbrido.
No catálogo da exposição o artista cita que “Ele é uma coleção de pedaços. É, antes de
tudo, um corpo museográfico, uma quimera iv taxonômica”. (Rufino, 2013, p. 32)
Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.
Conclusão
Com a pesquisa realizada até este momento, percebe-se que José Rufino tanto
em Ulysses como em seus outros trabalhos cria vínculos entre os materiais isso com
relação ao tipo de objetos escolhidos para as obras, como também quando o artista os
unifica com tinta escura, apagando suas origens. Vincula também o observador à obra,
pois seus trabalhos podem ser interpretados de várias maneiras, dependendo do
repertório e da memória de cada indivíduo. Em Ulysses, busca objetos da cidade do Rio
de Janeiro, pois a cidade está em uma espécie de reconstrução devido aos eventos que
irá sediar, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Outro ponto importante com relação à fatura de José Rufino e que se repetem na
poética do artista é que ele utiliza materiais do entorno para montar seus site specific,
objetos que possuem relação com o corpo como a mobília. Retira os objetos de sua
função usual e os eleva à categoria de obra de arte.
Referências Bibliográficas
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Monstro da mitologia grega, com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão. Criação absurda da
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Revista Ciclos, Florianópolis, V.1, N.1, Ano1, Setembro de 2013.