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Teoria de cineastas - Apresentação do dossiê

2020, Revista Intexto

O dossiê Teoria de Cineastas está diretamente vinculado ao trabalho desenvolvido pelo Seminário Temático Teoria de Cineastas da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Cinema e Audiovisual (SOCINE), em atuação desde 2016. Esse dossiê é parte das atividades do grupo, que englobam ainda a realização de jornadas de trabalho dentro e fora dos encontros anuais da SOCINE, a publicação de artigos e capítulos de livros por parte de pesquisadores que integram o Seminário Temático, as atividades em parceria com o Grupo de Trabalho Teoria dos Cineastas da Associação de Investigadores da Imagem em Movimento (AIM) de Portugal e o desenvolvimento de entrevistas baseadas na abordagem Teoria de Cineastas como, por exemplo, com a cineasta Ana Carolina e a pesquisadora Manuela Penafria. Antes de mais nada, julgamos fundamental expor algumas premissas partilhadas entre pesquisadores e pesquisadoras que vêm se dedicando à consolidação da abordagem Teoria de Cineastas.

Apresentação Apresentação O principal objetivo da abordagem Teoria de Cineastas é aproximar o exercício teórico sobre o cinema do pensamento de realizadores cuja produção (fílmica, textual etc.) contribui para a compreensão de suas próprias obras e/ou do cinema como um todo. Desta forma, busca-se estimular reflexões teóricas que tenham como referência fundamental as fontes diretas de pesquisa, ou seja, filmes, entrevistas, livros, textos etc., tendo como meta identificar indícios de atos de teoria (ou mesmo pensamentos formalmente construídos por cineastas) com vistas à elaboração teórica por parte de pesquisadores e pesquisadoras. Donde a expressão “teoria do cinema a partir de cineastas” que a pesquisadora Manuela Penafria cunhou para definir a proposta durante a entrevista elaborada para este dossiê. Estudar o cinema a partir da obra de cineastas, integrando o cabedal teórico do cinema com as formulações que elaboram, constitui-se como uma alternativa profícua e consistente ao suporte que as teorias do cinema comumente buscam em outras disciplinas. O dossiê Teoria de Cineastas está diretamente vinculado ao trabalho desenvolvido pelo Seminário Temático Teoria de Cineastas da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Cinema e Audiovisual (SOCINE), em atuação desde 2016. Esse dossiê é parte das atividades do grupo, que englobam ainda a realização de jornadas de trabalho dentro e fora dos encontros anuais da SOCINE, a publicação de artigos e capítulos de livros por parte de pesquisadores que integram o Seminário Temático, as atividades em parceria com o Grupo de Trabalho Teoria dos Cineastas da Associação de Investigadores da Imagem em Movimento (AIM) de Portugal e o desenvolvimento de entrevistas baseadas na abordagem Teoria de Cineastas como, por exemplo, com a cineasta Ana Carolina e a pesquisadora Manuela Penafria.1 Antes de mais nada, julgamos fundamental expor algumas premissas partilhadas entre pesquisadores e pesquisadoras que vêm se dedicando à consolidação da abordagem Teoria de Cineastas. 1 Até a presente data, o ST teve 4 edições nos encontros da SOCINE de 2016, 2017, 2018 e 2019. Em 2019, foi realizado o I Encontro do ST Teoria dos Cineastas da SOCINE em Curitiba, com apresentações de 15 pesquisadores e debate com a cineasta Ana Carolina. A entrevista com a pesquisadora Manuela Penafria está incluída neste Dossiê, enquanto a entrevista com a cineasta Ana Carolina está em processo de edição. 1 Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 48, p. 1-5, jan./abr. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.19132/1807-8583202048.1-5 Apresentação Teoria de Cineastas Decidimos recentemente adotar a nomenclatura Teoria de Cineastas, substituindo a contração “dos” (de Teoria dos Cineastas) pela preposição “de”, suprimindo assim o artigo masculino “os”. A opção corrobora as reivindicações em prol da promoção da equidade entre gêneros na língua. Isso pôde ser feito sem que fosse necessário alterar dois pressupostos importantes do título: o uso da palavra “teoria” no singular e de “cineastas” no plural, que trazem sentidos específicos. Não obstante fazer parte do seu escopo geral, a Teoria de Cineastas não se restringe ao estudo das teorias elaboradas textualmente por cineastas. Por isso o uso do singular, “teoria”, indicando tratar-se de uma proposição de pesquisa em várias frentes sobre o trabalho de cineastas, e não do plural, “teorias”, que levaria a afirmação questionável de que qualquer cineasta teria necessariamente uma teoria expressa ou latente em seus filmes. Por sua vez, compreende-se o termo “cineasta” como aquele(a) que participa como criador(a) no processo de realização de filmes, seja na direção, na fotografia, na escritura do roteiro, na direção de arte etc. Busca-se naquilo que cineastas produzem os subsídios fundamentais para a pesquisa no campo cinematográfico, em diálogo a outros subsídios advindos de outras áreas de conhecimento. Os filmes são o resultado do agenciamento de imagens e sons (e de movimentos e temporalidades) por parte de cineastas, constituindo-se como a materialização visual e sonora (em diferentes graus de fidedignidade) de seus pensamentos em um todo estético. Mas ao escreverem ou falarem de seus filmes ou do cinema em geral, cineastas podem se tornar teóricos, filósofos, pensadores, como ressalta Gilles Deleuze. Assim, no âmbito da Teoria de Cineastas, o termo “pensamento” pode ser entendido como uma noção suficientemente plástica e abrangente para abarcar ambas as dimensões mencionadas, dimensões que se constituem como práticas pensantes que se diferem profundamente entre si. A influência do trabalho de Jacques Aumont para a constituição da Teoria de Cineastas é, evidentemente, incontornável, embora a opção de Aumont pela pesquisa de textos escritos por cineastas seja algo que não adotamos de modo compulsório. Aumont afirma que, no máximo, os filmes poderiam ser “atos de teoria”, uma vez que a teorização dependeria da linguagem verbal para ascender ao espaço da abstração plena situado além das imagens e dos sons cinematográficos. Algo que, no entanto, não seria um impeditivo 2 Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 48, p. 1-5, jan./abr. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.19132/1807-8583202048.1-5 Apresentação para a formulação de enunciados teóricos a partir das imagens e dos sons contidos nos filmes. Em adição, perguntamo-nos se a presença da palavra nos filmes, tanto falada quanto escrita sobre a tela, não deveria ser igualmente considerada no que tange às possibilidades teóricas intrínsecas ao cinema. A constatação de que os filmes atuam como veículos para o pensamento de cineastas não é recente. Pelo contrário, várias teorias e sistemas epistemológicos, como aqueles elaborados pelos criadores da vanguarda soviética dos anos 1920, pelos teóricos franceses do período entreguerras etc., procuraram dar conta da produção e/ou da leitura de pensamentos expressos nos filmes. Em 1948, o crítico e cineasta francês Alexandre Astruc, especificamente em seu artigo “Naissance d’une nouveau avant-garde: la caméra-stylo”, de 1948, retomou a questão do pensamento nos filmes. Astruc lançava as bases do que seria conhecido mais tarde como a Política dos Autores, posteriormente desdobrada na Teoria do Autor. A Teoria de Cineastas é uma abordagem que não se confunde com a Teoria do Autor, embora possa compartilhar com ela características comuns, como o interesse pela constituição de personas autorais em uma determinada obra fílmica. Mas, para além de artistas do filme – isto é, de autores(as) –, cabe à Teoria de Cineastas encontrar pensadores(as) na acepção livre do termo e que lancem mão dos mais variados meios que dispõem. É por isso que, além dos filmes, são objetos de pesquisa da abordagem os documentos preparatórios de filmagem, os relatos de produção, as entrevistas, os manifestos, os textos de próprio punho, enfim, uma variedade de materiais nos quais poderiam ser encontrados tanto pensamentos esparsos quanto formalmente construídos, ou mesmo enunciados teóricos sistematizados – como nos escritos de Sergei Eisenstein, um raro exemplo de cineasta-teórico. Por tudo isso, ressaltamos a importância do(a) pesquisador(a) em todo o processo de investigação no âmbito da abordagem Teoria de Cineastas. Sua atuação estaria condicionada ao material encontrado, (re)trabalhando discursivamente pensamentos contidos em obras de cineastas, ou evidenciando pensamentos latentes, quando lhe couber lidar com um material disperso, inconcluso e, não raro, contraditório. De todo modo, a escolha do(a) cineasta a ser estudado adquire particular importância, já que nem todo indício de pensamento em um filme ou mesmo em uma obra cinematográfica se presta ao exercício de demonstração do princípio cognitivo que a animaria. Outro complicador é o de que, não havendo tradução imediata dos arranjos sensíveis em conceitos e enunciados linguísticos, 3 Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 48, p. 1-5, jan./abr. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.19132/1807-8583202048.1-5 Apresentação caberia ao(à) pesquisador(a) um percurso em paralelo à obra do(a) cineasta. Assim, seu trabalho não visa substituir as imagens e os sons cinematográficos, irredutíveis a enunciados verbais, mas criar um discurso textual que relance os arranjos sensíveis contidos nos filmes em direção a conceitos suscitados pelas imagens e sons. Enfim, a Teoria de Cineastas não se propõe a necessariamente identificar teóricos em cineastas (uma conjunção rara), mas localizar conjuntos de vetores e campos de pensamentos explícitos ou implícitos no trabalho de cineastas, formulando discursos que corporifiquem tais conjuntos e campos, testando a cada vez as possibilidades e os limites da própria abordagem. Composição do Dossiê O Dossiê Teoria de Cineastas recebeu 34 artigos e todos foram analisados pelo sistema de avaliação cega por dois pesquisadores da área, resultando na seleção de 17 artigos publicados. A entrevista do Dossiê foi feita pelos editores com a professora e pesquisadora Manuela Penafria, coordenadora do GT Teoria dos Cineastas da AIM, que vem se dedicando a consolidar esta abordagem em Portugal. Na entrevista, Penafria discutiu uma série de temas relevantes à pesquisa e à teorização em cinema, tais como: as fontes de pesquisa; a diferença entre a palavra e a imagem na Teoria de Cineastas; a relação da Teoria de Cineastas com as propostas de Jacques Aumont; o conceito de espectador que circula entre cineastas; e a suspeição que pode surgir no meio acadêmico com relação à Teoria de Cineastas. O conjunto de artigos que compõem o Dossiê engloba diferentes aspectos da Teoria de Cineastas, tais como: # A teoria do cinema e a teoria da imagem: Remontar as mídias: o pensamento imagético de Harun Farocki, de Luís Flores e César Geraldo Guimarães; Refrações do conceito de filme de cinema na obra de Rogério Sganzerla, de Irene de Araújo Machado e Daniel Felipe Espinola Lima Fonseca; Dos efeitos do real a uma política do ócio em Abbas Kiarostami, de Demétrio Rocha Pereira, Felipe Diniz e Lennon Macedo. # A autoria e a expressão teórica: Do dialogismo aos sentidos da dupla autoria nos making ofs documentários, de Patrícia de Oliveira Iuva; O gesto fílmico como expressão coletiva da arte cinematográfica, de Andréa Carla Scansani; Conceito de autoria como 4 Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 48, p. 1-5, jan./abr. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.19132/1807-8583202048.1-5 Apresentação intermédio para noções sobre arte e indústria, de Gustavo Henrique Ferreira Bittencourt e Josimey Costa da Silva; A indústria também produz teoria? Contribuições de John T. Caldwell para os estudos do cinema e da televisão, de Ludmila Moreira Macedo de Carvalho e Elva Fabiane Matos do Valle. # A teoria coletiva e compartilhada: O cinema-lagarta dos Tikmũ’ũn: teoria-prática das imagens xamânicas, de André Brasil; Stan Brakhage, Maya Deren e Jonas Mekas: por uma poética do amateur, de Rafael Valles. # A teorização e os processos criativos: David Neves: projetos de vida e autonomia do crítico-cineasta, de Pedro Plaza Pinto; O processo criativo de Karim Aïnouz: o movimento da imagem em criação, de Aline Vaz e Tarcis Prado Júnior; # Os cineastas e suas relações com a filosofia: Antifilosofia: Jean Epstein e realismo especulativo, de Julio Bezerra; O cinema romântico de Werner Herzog: aproximações entre o Romantismo Alemão e o conceito de Verdade Extática, de Jéssica Pereira Frazão e Regiane Regina Ribeiro. # A violência e a poesia na Teoria de Cineastas: Montagem miríade e dança: a corporificação do pensamento cinematográfico em Evaldo Mocarzel, de Cristiane do Rocio Wosniak; O cinema autorreferencial de Chantal Akerman como ato de teoria do deslugar, de Natália Lago Adams e Sandra Fischer; Poesia e violência no berço da linguagem silenciosa: o caso de Chaplin, de Ciro Inácio Marcondes; Os filmes de Arthur Omar como “formas que pensam” a violência no Brasil dos anos 1980, de Rosane Kaminski. Boa leitura! Bruno Leites Doutor; Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, RS, Brasil bruno.leites@ufrgs.br Eduardo Baggio Doutor; Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR, PR, Brasil baggioeduardo@gmail.com Marcelo Carvalho Doutor; Universidade Tuiuti do Paraná, UTP, PR, Brasil marcelocarvalho.0001@yahoo.com.br 5 Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 48, p. 1-5, jan./abr. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.19132/1807-8583202048.1-5