SANTOS, C. D. F,; NASCIMENTO, K.L.do; CARVALHO, D. O. de; SULLASI, H. S.L.; GUERRA E SOUZA, F. A. G.
ANÁLISE DE CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO EDIFICADO: UM ESTUDO
DE CASO NA IGREJA DA MADRE DE DEUS, RECIFE-PE
Clara Diana Figueirôa Santos i
Kellen Larissa do Nascimento ii
Dayse Oliveira de Carvalhoiii
Henry Sócrates Lavalle Sullasi iv
Fernando Antônio Guerra e Souzav
Resumo: A Igreja da Madre de Deus fica no centro da cidade do
Recife, Pernambuco, sendo considerada um marco para a história
da arquitetura por ter peças e estilos únicos. Ela é um convite para
o entendimento de contextos históricos religiosos e sociais que
compõem a sociedade pernambucana desde o século XVI até os
dias atuais. Este trabalho apresenta uma pesquisa histórica e
arquitetônica da Igreja, bem como o levantamento de alguns
agentes e danos observados, os quais originaram a deterioração e
degradação daquele patrimônio cultural. A partir dos dados
obtidos, algumas soluções emergenciais foram propostas, durante
uma série de visitações realizadas no período de 2013 até 2019.
Palavras-Chave: Igreja da Madre de Deus, Recife, Patrimônio
Cultural, Deterioração, Degradação.
_________________________
iDoutoranda
do Programa de PósGraduação em Arqueologia – UFPE
clara.ufpe@gmail.com
iiGraduanda do Departamento de
Arqueologia – UFPE
larissa8_@hotmail.com
iiiMestranda do Programa de PósGraduação em Arqueologia – UFPE
dayse_carvalho1@hotmail.com
ivProfessor do Programa de PósGraduação em Arqueologia – UFPE
henry.lavalle@ufpe.br
vProfessor do Departamento de
Arqueologia – UFPE
arteculturaexpressao@hotmail.com
Revista Noctua – Arqueologia e Patrimônio
https://doi.org/10.26892/noctua.v1i5p23-40
Abstract: The Madre de Deus Church is a landmark for the history
of architecture, it is located in downtown Recife, Pernambuco.
With unique pieces and styles, the church is an invitation to
understand the historical religious and social contexts that makes
up Pernambuco society from the 16th century to the present day.
This work presents a historical and architectural survey of this
Church, as well as the record of damages and agents observed
which originated the deterioration and degradation of this Cultural
Heritage. Some emergency solutions based on the data obtained
during a visit from 2013 to 2019 were proposed.
Key Words: Madre de Deus Church, Recife, Cultural Heritage,
Deterioration, Degradation.
23
Análise de Conservação do Patrimônio Edificado: Um Estudo de Caso na Igreja da Madre de Deus, Recife-PE
Introdução
O conceito de conservação está voltado a todas as ações que tenham como objetivo a
salvaguarda do patrimônio cultural, assegurando sua acessibilidade às gerações atuais e
futuras. A conservação compreende a conservação preventiva, a conservação curativa e a
restauração, bem como todas estas medidas deverão respeitar o significado e as propriedades
físicas do bem cultural em questão (Silva, Figueiredo Júnior e Silva, 2016).
O principal objetivo de um diagnóstico de conservação é avaliar suas necessidades de
manutenção, identificando e definindo prioridades relativas a situações problemáticas;
evidenciar casos de manutenção e gestão; ofertar soluções técnicas sustentáveis e apropriadas
sempre que necessário, além de revelar vulnerabilidade e clima local (Zolczak, 2013).
É indubitável que os monumentos sofrem as consequências das condições atmosféricas e dos
diferentes usos sociais ao longo dos tempos. O homem teve, desde sempre, sentido a
necessidade de fazer perdurar todos os objetos que fossem úteis às suas necessidades,
reparando aquilo que tivesse alguma função específica. O prioritário não era preservar
testemunhos históricos, mas reparar algo que deixou de exercer as funções para a qual foi
concebido, se necessário alterando-o.
Neste contexto, originalmente um edifício não é compreendido como um bem que possui
valor histórico ou cultural, mas como um bem útil ou que representa algo a uma sociedade
(Luso, Lourenço e Almeida, 2004). É neste sentido que é visto e discutido aqui o atual valor da
edificação em estudo, uma vez que para ser conservada é necessária de ser vista como algo de
valor no uso e na memória da sociedade.
O objeto em questão é a Igreja da Madre de Deus, situada no centro da cidade do Recife, um
elemento de importância no desenvolvimento urbano, sociocultural, paisagístico, histórico e
religioso da cidade. Suas relações com as faces sociais e ambientais diretamente relacionadas a
este trabalho, revelam um baixo grau de conservação e valor comunitário. Na busca de
entender melhor as condições de conservação dessa edificação, foram abordadas as questões
administrativas, sociais e históricas do monumento e discutidas, à luz do diagnóstico de
conservação obtido durante as visitas técnicas.
Trabalhos com abordagem similar a este são comuns, como é o caso de um estudo na Igreja de
Nossa Senhora da Assunção, antiga Sé de Elvas, Alentejo-PT, no qual foram realizadas
Revista Noctua – Arqueologia e Patrimônio
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SANTOS, C. D. F,; NASCIMENTO, K.L.do; CARVALHO, D. O. de; SULLASI, H. S.L.; GUERRA E SOUZA, F. A. G.
pesquisas historiográficas e levantado dados da conservação do monumento, com foco no
estudo do comportamento das argamassas (Salema, Proença e Cardoso, 2008).
Outros trabalhos de abordagem similar foram os estudos nas Igrejas de Minas Gerais-BR, nas
Matrizes de Nossa Senhora da Conceição e de São José de Montes Claros, onde foi realizado
um estudo minucioso do acervo histórico, cultural, bem como dos fatores e condicionantes do
desgaste estrutural das edificações para a restauração delas. O trabalho reconheceu que o
patrimônio histórico do município sofreu forte descaracterização proveniente de reformas que
alteraram inteiramente seu estilo arquitetônico e reconheceu, também que, com o intuito de
minimizar essa descaracterização, um novo projeto necessitava de ser elaborado de modo a
restaurar o patrimônio depreciado (Prates, et al., 2015).
A igreja da Madre de Deus é um monumento nacional barroco, edificado em 1720 e tombado
como patrimônio histórico, desde 1938, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN). Está localizada no bairro do Recife, na Rua Madre de Deus (figura 1). Suas
coordenadas em UTM correspondem a: 293490.24m/E e 9108122.28m/S, cujo Datum é o WGS
84.
Figura 1: Planta de situação da Igreja Madre de Deus do Recife. Fonte: Google Earth, 2020
O edifício do convento foi construído ao lado da igreja, onde os padres promoviam cursos de
Estudos Gerais, Filosofia e Teologia, bem como proviam os pobres de alimento, roupa,
dinheiro e medicamentos. Em uma remodelação urbanística, a igreja foi separada do convento
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Análise de Conservação do Patrimônio Edificado: Um Estudo de Caso na Igreja da Madre de Deus, Recife-PE
por uma rua aberta entre essas duas edificações, chamada atualmente de Alfândega, sendo,
para isso, demolida parte do edifício do convento, o qual hoje corresponde ao Shopping Paço
Alfândega, edificação de grande representatividade cultural do Recife, conforme figuras 2 e 3.
A igreja e o convento pertenciam à Ordem dos Oratorianos de São Filipe de Néri, fundada
sobre a invocação da Madre de Deus.
Figura 2: Frontispício da Igreja Madre de Deus do Recife. Fonte: Silvannir Jaques, 20141
a)
b)
Figura 03: Fachadas posteriores (a) Igreja da Madre de Deus; (b) Convento, hoje Shopping Paço
Alfândega. Fonte: Acervo pessoal, 2013.
1
Disponível em: https://www.apontador.com.br/local/pe/recife/igrejas/C414423032511O5119/igreja_madre_de_deus.html
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SANTOS, C. D. F,; NASCIMENTO, K.L.do; CARVALHO, D. O. de; SULLASI, H. S.L.; GUERRA E SOUZA, F. A. G.
Contexto Histórico
O terreno de sua construção foi doado pelo Senhor Coronel Antônio Fernandes de Matos,
carta que se encontra no cartório José Cardoso Moreno, onde o mesmo ajudou com custos até
o final da construção da igreja, com o único motivo de ter um lugar principal dentro da mesma
para ser sepultado, onde também rezar-se-ia uma missa em sua homenagem todos os dias
(Mello, 1994).
Em 1534, em Olinda, existia um convento da Ordem de São Filipe de Néri, fundado na época
em que a capitania pernambucana participou do ciclo da cana-de-açúcar. Por volta do ano de
1650, plena época de catequização, os padres João Duarte do Sacramento e Bartolomeu de
Quental, desejavam fundar em Pernambuco duas congregações do tipo Oratoriano. Dessa
forma, em 1671, o padre João Victorio foi enviado a Roma para solicitar a autorização do Papa
Clemente X, onde ele sugeriu a criação de uma congregação que fosse semelhante à de São
Felipe de Nery, originária da Itália. A sugestão foi aceita e passou a existir a Congregação dos
Oratorianos de São Filipe de Néri de Portugal e Pernambuco (Mello, 1994).
Os padres oratorianos se instalaram inicialmente em um lugar retirado do centro de Recife
tendo a casa de Santo Amaro como local de permanência. Posteriormente a comunidade
muda-se de Santo amaro para Recife e a Casa antiga em recife serviria de repouso para os
oratorianos. Com o passar do tempo e crescimento da congregação a casa de Recife foi
ampliada e teve lugar a construção de um grande convento, ao qual se sumaria a igreja. A
atual igreja de Madre de Deus teve seu início da construção em julho de 1706 (Simis, 2005).
No ano de 1688 o convento foi elevado à categoria de Casa Principal da Ordem, ficando a de
Olinda destinada para férias e convalescência dos padres enfermos. Nele funcionava desde a
sua fundação, um curso secundário de Filosofia e Teologia, como também cursos superiores de
Geometria, Música, entre outros; as aulas também eram ministradas para os presidiários. Os
oratorianos de São Filipe de Néri foram expulsos em 1678 por desavenças políticas
governamentais. Um grupo se refugiou no interior do Nordeste, e outro foi para o estado de
São Paulo. Tempos depois, os que sobreviveram, voltaram para Portugal (Simis, 2005).
Com o passar dos anos, o número de fiéis foi aumentando e logo surgiu a necessidade de
amplificação da capela, cujo mentor foi o Padre João Duarte do Sacramento, pela invocação da
Madre de Deus. Assim, em 1707, uma carta régia, concedeu subsídios aos padres que lhes
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Análise de Conservação do Patrimônio Edificado: Um Estudo de Caso na Igreja da Madre de Deus, Recife-PE
permitissem iniciar a construção. Para sua conclusão, em 1711 enviaram uma nova ajuda de
cinco mil cruzados, outorgada por cinco anos, além do auxílio real que chegou em 1715 e,
naquele mesmo ano, foi celebrada a primeira missa. Entretanto a igreja, em sua totalidade, só
foi entregue ao culto no dia 24 de março de 1720, no dia de Ramos, tornando-se a Matriz do
bairro do Recife (Mello, 1994).
Figura 4: Vista interna da área interna central do atual Shopping Paço Alfandega, antigo Convento da
Madre de Deus. Fonte: Acervo pessoal, 2013
Em dezembro de 1825, o edifício do convento foi confiscado pelo Aviso Imperial para
instalação da Alfândega do Recife (figura 4). Em dezembro de 1830, a congregação de São
Filipe de Néri foi extinta, de forma que o edifício da Igreja e outros imóveis foram incorporados
a Fazenda Nacional passando, em 1835, a administração para a Irmandade de Sant'Ana. Além
dessa irmandade, diversas outras se instalaram na igreja, ao longo dos anos. A Irmandade de
Nossa Senhora Mãe dos Homens ficou nela abrigada, desde o 04 de dezembro de 1864 até o
ano de 1866. Também a Igreja Madre de Deus inseriu objetos de outras igrejas, como a de
Corpo Santo, devido a sua demolição em 1913, (Barbosa, 1983).
Posteriormente num incêndio causado por um curto-circuito na instalação elétrica, por ocasião
de um casamento, em 21 de março de 1971, trouxe inúmeros danos principalmente ao acervo
artístico da igreja ela teve sua capela-mor destruída pelas chamas e ocorreram danos
irreparáveis (Menezes, 2007). Ela ficou bastante danificada, tendo sido queimadas as obras de
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SANTOS, C. D. F,; NASCIMENTO, K.L.do; CARVALHO, D. O. de; SULLASI, H. S.L.; GUERRA E SOUZA, F. A. G.
talha do forro da cúpula e do altar-mor (figura 5). As chamas atingiram, também, os quadros
que ornam as paredes laterais da capela-mor e várias imagens, dentre elas, as da Sagrada
Família, de São Pedro Apóstolo, a de São Frei Pedro Gonsalves e o crucifixo denominado Bom
Jesus das Portas, sendo as demais salvas do incêndio por pessoas que se encontravam no local.
Figura 5: Peças carbonizadas do Capela-mor. Fonte: Acervo pessoal, 2013
Algumas peças foram salvas por mulheres que viviam no antigo hotel chamado Chanteclair,
que também funcionava como bordel, elas notaram o incêndio e adentraram na igreja
salvando parte do acervo. A restauração dos pontos críticos do incêndio só ocorreu quatro
anos depois e duraram 13 anos de trabalho, o qual foi de grande complexidade devida à
exuberância do barroco com sua riqueza ornamental. A igreja voltou a funcionar em suas
atividades religiosas em 02 de junho de 1984 (Menezes, 2007)
Contexto Arquitetônico
A construção teve início em um modelo simples, de taipa, porém com o aumento do número
de fiéis, ocorreu à necessidade de uma remodelação do tamanho e do desempenho dela. A
igreja, após sua conclusão, no primeiro quartel do século XIX, apresentava uma única torre. Ao
longo dos anos, sofreu novas modificações, tendo sido acrescentadas a outra torre, em 1931,
ocultadas às cantarias, atualmente rebocadas com granitado (Smith, 1955).
A fachada principal (figura 6) é cortada verticalmente por duas pilastras centrais e quatro
cunhais que delimitam as torres, que são rematadas superiormente por uma cornija. Acima
dessa cornija, erguem-se os últimos andares das torres sineiras, que têm cobertura em forma
de calota esférica, pouco alongada e, no centro, o frontão retangular com o nicho do
padroeiro, encimado por uma cruz e pináculos (Smith, 1955).
No nível do pavimento térreo (figura 6), existem cinco portas de madeira, almofadadas, com
vergas retas e frontões sincopados, adornados com pináculos. Sobre esses vãos, há cinco
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Análise de Conservação do Patrimônio Edificado: Um Estudo de Caso na Igreja da Madre de Deus, Recife-PE
janelas envidraçadas, com balcões de ferro, com vergas retas e frontões sincopados, sendo
que as situadas nas verticais das torres são encimadas por óculos redondos, envidraçados, com
molduras em pedra. Os dois campanários apresentam vãos em arco com peitoris salientes
(Smith, 1979)
Figura 6: Representação da fachada principal. Fonte: Iphan, 1950.
Interiormente, a igreja é constituída por uma ampla nave com corredores laterais, conforme a
figura 7 (a). Nela, existem três altares de cada lado e dois colaterais ao arco-cruzeiro, dois
níveis de balcões, dois púlpitos, vários painéis a óleo sobre tela assinados por Henrique Mosar
e Baltazar da Câmara, além de um coro alto, apoiado sobre dois grandes pilares de arenito,
com as bases ornadas com losangos (Smith, 1979).
O teto é constituído por pequenas abóbadas cruzadas, ornadas de talha com motivos
fitomórficos, onde aparecem algumas peças enegrecidas pelo incêndio, que foram
aproveitadas e rodeadas por outras executadas posteriormente (figuras 7 (b) e 8).
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SANTOS, C. D. F,; NASCIMENTO, K.L.do; CARVALHO, D. O. de; SULLASI, H. S.L.; GUERRA E SOUZA, F. A. G.
Figura 7: (a) Nave principal; (b) Detalhe do teto da igreja. Fonte: Acervo pessoal, 2014.
Figura 8: Pinturas do teto abstratas por conta do incêndio de 1970. Fonte: Acervo pessoal, 2013.
Os altares colaterais ao arco-cruzeiro apresentam retábulos com pintura antiga e denotam
uma talha de transição do rocaille para o neoclássico nas suas colunas de fuste quase lisa, nos
ornatos floridos e simples, embora no frontão se misturem ainda peças arquitetônicas
cercando uma cartela fenestrada. O dourado é utilizado para avivar ornatos e o branco dá a
nota dominante da cor (Bazain, 1993).
Os altares laterais seguem o estilo dos colaterais, com exceção daquele que abriga a imagem
de São Francisco de Sales, que é de planta côncava, com colunas salomônicas, frontão com
baldaquino ao gosto joanino, mas que se julga de construção posterior. As ilhargas da capelamor apresentam painéis a óleo sobre madeira, representando cenas do Novo Testamento,
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Análise de Conservação do Patrimônio Edificado: Um Estudo de Caso na Igreja da Madre de Deus, Recife-PE
atribuídos a Sebastião Canuto da Silva, que foram queimados no incêndio; dois balcões em
cada lado, com guarda-corpos com balaústres e talha dourada florida (Bazain, 1993).
O retábulo do altar-mor, embora queimado parcialmente e restaurado (figura 9), conserva os
vestígios carbonizados e o aspecto suntuoso da talha joanina, com a sua planta côncava, onde
se inserem pares de colunas salomônicas assentes sobre mísulas e atlantes. Tem na base uma
mesa de altar, acessível por cinco degraus curvos, a partir do pavimento da capela, com o
frontal aberto formando um nicho, onde é abrigada a imagem do Senhor Morto.
Figura 9: Detalhes da Capela-mor. Fonte: Acervo pessoal, 2013.
Aos lados do sacrário sobre mísulas estão às imagens de São Pedro Apóstolo e de São Pedro
Gonsalves, padroeiro da igreja. A parte superior do retábulo é do tipo joanino. O trono foi
destruído pelo incêndio e, em seu lugar, foi colocado um Cristo, em grande vulto, preso à
parede de fundo do camarim.
A sacristia, que fica situada atrás da capela-mor, é um ambiente ricamente adornado. Possui
um belo arcaz de jacarandá, com alçado formado por painéis entalhados e um oratório, em
cedro; dois armários de amictos, também em jacarandá; um magnífico lavabo de mármore de
Extremoz, e o teto de uma bonita composição de traçado ondulado com medalhões circulares,
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SANTOS, C. D. F,; NASCIMENTO, K.L.do; CARVALHO, D. O. de; SULLASI, H. S.L.; GUERRA E SOUZA, F. A. G.
tendo os centros com figuras de anjos, o ambiente inclui peças de Manuel da Silva Amorim e
do escultor João Pereira (1746).
A igreja Madre de Deus teve o frontispício cortado verticalmente por pilastras e limitando por
cunhais, sendo a parte superior, construída pelo nicho e pelas torres, separada do corpo da
fachada por uma grande cornija, moldurada e horizontal (Barbosa, 1983).
No macro ambiente da igreja é possível perceber o estilo Maneirista marcado pelos pequenos
frontões sincopados dos vãos. Acima da cornija, erguem-se os últimos andares das torres
sineiras, que têm cobertura em forma de calota esférica pouco alongada e, no centro, o
frontão retangular com o nicho do padroeiro, encimado por uma cruz e pináculos.
À estrutura da igreja foi reconstruída e a sua restauração foi realizada pelo Iphan, em parceria
com a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco (Fade)
devido ao incêndio ocorrido em 21 de março de 1971.
Já a última intervenção de restauro foi promovida pelo Programa Monumenta, um programa
federal executado pelo Ministério da Cultura do Brasil e patrocinado pelo Banco
Iberoamericano de Desenvolvimento (BID), que consiste na reforma e resgate do patrimônio
cultural urbano em todo o Brasil. Em Pernambuco foi consequência de uma parceria entre a
arquidiocese de Olinda e Recife, o Ministério da Cultura e Prefeitura do Recife, que
contemplou a restauração de fachadas, telhados e entorno. A ação foi iniciada em 2002 e
reabriu as portas no fim de outubro de 2006 (Zárate e Moreira, 2010).
Diagnóstico de Conservação
A pesquisa teve início em junho de 2013, com prospecções no intuito do diagnóstico do estado
de preservação da Igreja da Madre de Deus, do Recife. As descrições a seguir são dos anos de
2013, 2014, 2016 e 2019. Levando em conta a localização da igreja e seu contexto ambiental,
foi possível identificar possíveis causas para os danos estruturais e biológicos identificados,
além dos danos casuais administrativos identificados.
É comum a ocorrência de intempéries causadas pela temperatura do local e da umidade do ar
(Rios V. G. et. al., 2018). Ao longo da pesquisa foi percebida a formação de micro e macro
climas, como visto na galeria direita do segundo piso, onde uma infiltração de água ocasionou
o aparecimento de fungos no piso de madeira, a qual está comprometida e por isso apresenta
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Análise de Conservação do Patrimônio Edificado: Um Estudo de Caso na Igreja da Madre de Deus, Recife-PE
risco de desabamento. Em outros locais da mesma galeria e como nas escadarias que levam ao
campanário, é facilmente visto formação de liquens (figura 10).
a)
b)
Figuras 10 (a e b): Acúmulo de água formado devido à inexistência de vidros nas janelas na ala superior;
Presença de liquens no piso. Fonte: Acervo pessoal, 2013.
Como fatores bióticos foram encontrados cupins na estrutura de várias naves, exceto da
principal, onde são realizados eventos; em móveis que estão localizados no corredor Oeste do
primeiro andar, além de antigos armários de madeira que estão dispostos ao longo do
corredor. Também foi evidenciada a presença de liquens no mesmo corredor ao longo de toda
a parede e em manchas próximas ao teto, indicando grande concentração desse micro bioma,
bem como uma infiltração encharca o piso de madeira provocando eflorescências e
inviabilizando o uso do piso. Isso ocorre por conta das infiltrações que podem ser observadas
também no corredor Leste do primeiro andar e do térreo, por conta da chuva e do emprego de
materiais porosos na construção, como da presença ativa da capilaridade.
Foram registradas também placas soltas nos jazigos e rachaduras nas paredes da área
cemitérial atual, as quais podem ser explicadas por um intenso tráfego de carros e veículos de
grande porte na Rua da Madre de Deus, gerando sobrecarga em solos de alta capilaridade,
como é o caso da área fluvial do bairro do Recife.
Nos campanários foi notado o acúmulo de fezes de animais (figura 11). Nos jazigos que ficam
localizados em um cômodo atrás do altar-mor foi observada a presença de sujeira e de aranhas
do gênero Loxosceles mais conhecida como “aranha-marrom”, um espécime doméstico e
venenoso.
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Figura 11: Presença de fezes na escadaria de acesso a torre dos sinos. Fonte: Acervo pessoal, 2013.
Quanto aos problemas estruturais, além do dano causado pelas infiltrações por cupins, as vigas
de ferro da cúpula estão muito enferrujadas e algumas partidas, a estrutura do forro e outras
vigas de madeira estão ressecadas e com a presença de cupins, outras estruturas metálicas
também enferrujadas podem ser encontradas nos corredores Oeste e Leste do primeiro andar.
Algumas partes da escadaria apresentaram degraus soltos.
Ainda foi possível perceber partes danificadas pelo incêndio, como a parte mais alta da cúpula
e do altar-mor, o coroamento e o forro octogonal. Nos altares observa-se a presença de
estátuas danificadas como, por exemplo, a única estátua nesta posição no Brasil da Santa
Maria Egipcíaca.
Na sacristia têm-se um mobiliário extraordinário, como os armários de madeira raros do tipo
pau-rosa escuro embutidos, são quatro unidades que decoram a sala, com alçados típicos em
molduras quadradas e dois desenhos diferentes. Um tem vinte gavetas para amictos,
quadradas, colocadas por cima de dois compridos gavetões que, por sua vez, se apoiam sobre
o espaço do armário, fechado por duas portas ricamente trabalhadas; contudo agora há
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somente quinze gavetas para amictos na parte superior e os quatro compartilhamentos de
baixo são inteiramente abertos, havendo um simples gavetão de fundo.
Cada campanário possui quatro sinos, alguns desses sinos vieram de Portugal e outros foram
confeccionados em Pernambuco, porém, desses oito sinos, só funcionam dois, alguns dos que
estão fora de funcionamento se encontram abandonados na sacristia ou em corredores
(Menezes, 2007)
O projeto Monumenta visava nesta igreja proporcionar conhecimento patrimonial, que seria
materializado por meio de vídeos e informes exibidos em uma sala do edifício, contando a
história da igreja e do valor cultural que ela possui, também seria retratada em uma maquete
a igreja como foi encontrada antes da restauração, para perceberem o quanto fora
modificado, entretanto a sala destinada ao projeto está em desuso.
A escadaria que dá acesso ao primeiro andar continua sendo original e foi restaurada pelo
projeto Monumenta. No primeiro pavimento, o lugar é conservado em partes, existem alguns
móveis pelo corredor com acúmulo de água, danificando o piso de madeira, este acúmulo
ocorre devido à ausência de vidros nas janelas.
As pinturas que não foram afetadas pelo incêndio também apresentaram desgaste com o
acúmulo de poeira e opacidade devido ao atrito das partículas trazidas pelo vento até a
camada pictórica. No mesmo local é evidente a depredação dos vitrais, principalmente o da
cúpula que, quando chove ocorre o alagamento da nave principal.
Artefatos como as esculturas, pinturas; e ambientes como os altares, escadarias, salões e
jazigos encontraram-se danificados pelo lixo e poeira (figura 12); um caso antiético com o
patrimônio, com a memória mortuária e com a história. O zelo pelo patrimônio é obrigação de
todos e assegurado pela Decreto Lei n° 25, de 30 de novembro de 1937, da Constituição
Brasileira.
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SANTOS, C. D. F,; NASCIMENTO, K.L.do; CARVALHO, D. O. de; SULLASI, H. S.L.; GUERRA E SOUZA, F. A. G.
a)
c)
b)
d)
Figura 12: Espaços constituintes da igreja que estão em descaso. (a) Área dos jazigos em meio ao
descaso e bagunça; (b) sinos e outros elementos históricos da igreja em abandono pelos corredores; (c)
acúmulo excessivo de poeira nas escadarias; (d) acúmulo de poeira, descaso e abandono dos artefatos
históricos pelos cômodos da igreja. Fonte: Acervo pessoal, 2018.
Considerações Finais
Neste trabalho, foram analisadas áreas associadas a aspectos históricos, físicos,
administrativos e culturais, cuja restauração é fundamental para assegurar a conservação da
memória deste monumento. No geral constata-se a crescente deterioração do patrimônio
sacro e o quase nulo emprego de recursos humanos e financeiros destinados aos
procedimentos de conservação, quase sempre se atenta à salvaguarda quando o bem já se
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Análise de Conservação do Patrimônio Edificado: Um Estudo de Caso na Igreja da Madre de Deus, Recife-PE
encontra em estado avançado de degradação, necessitando de restauração, que é sempre
uma ação invasiva e importuna.
A preservação do acervo depende de atitudes simples executadas por seu responsável, que
deverá conhecê-lo para melhor preservá-lo. Observar, defender, respeitar e dar manutenção é
o princípio básico da conservação, é necessário salientar por fim o dever de conservar para
não restaurar e assim elevar os conhecimentos a gerações futuras.
A partir do levantamento históricos, foi constatado que a Igreja Madre de Deus, é possuidora
de uma dimensão histórica cronologicamente extensa, desde sua criação até os dias atuais e
também a partir do seu levantamento arquitetônico pode-se afirmar que ela é uma das mais
belas, antigas e importantes igrejas do Recife, estando esta interligada a diversos monumentos
nacionais e internacionais. Entretanto nas visitas à igreja se observou que esta é pouco
explorada nos ambientes de ensino e pesquisa, consequentemente é pouco conhecida pela
sociedade pernambucana.
Com isso, como emergencial considera-se importante propor um estudo aprofundado sobre a
história da Madre de Deus. Esse estudo será a base para um projeto de educação patrimonial
que irá promover o resgate do valor histórico da igreja para a sociedade e para guiar os
profissionais envolvidos com a restauração e preservação do patrimônio histórico-cultural,
reconhecido e ativo na memória coletiva da comunidade recifense.
Neste contexto, propõe-se também a volta do Circuito das Igrejas, um projeto dedicado a
oferecer aos turistas e a população local um passeio pela arquitetura e história de
Pernambuco, por meio de visitas a 11 igrejas pernambucanas construídas entre os séculos XVI,
XVII e XVIII e tombadas pelo patrimônio histórico dos municípios de Recife, Olinda e Jaboatão
dos Guararapes.
Outro fator que agregará a proposta é uma distribuição maior de folders virtuais, exposição
em telas digitais e panfletos informativos sobre o circuito com foco no monumento em
questão, nesse caso a Igreja da Madre de Deus. Junto a isso, nos corredores abaixo podem ser
exibidos artefatos da igreja, contando sua história de forma guiada. Nas galerias superiores
podem ser elaboradas atividades artístico-culturais para os visitantes envolvendo poesia local
e música com o canto e com a exposição do órgão presente em estilo neoclássico, doado pelo
Barão de Casa Forte, ainda na época da igreja do Corpo Santo.
Revista Noctua – Arqueologia e Patrimônio
https://doi.org/10.26892/noctua.v1i5p23-40
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