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Danos e passivo ambiental - capítulo

2005, Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental

Conceituação e exemplificação de dano ambiental, degradação ambiental e passivo ambiental e estratégias de políticas públicas e corporativas para reduzir a extensão da degradação e recuperar a qualidade ambiental.

DANOS E PASSIVO AMBIENTAL Luis Enrique Sánchez Os indicadores do estado de conservação do meio ambiente têm dado sinais preocupantes em várias partes do mundo. Mais de trinta anos de políticas ambientais não têm sido capazes de evitar a contínua perda de biodiversidade, a degradação da qualidade das águas e do solo e o acúmulo de poluentes na atmosfera. A dívida ambiental cresce em paralelo com a dívida social e palavras como dano, passivo, degradação, têm sido usadas para descrever o processo de redução da qualidade ambiental que continua assolando o planeta. Este capítulo conceitua tais termos e apresenta algumas estratégias adotadas por governos e empresas para tentar reduzir a extensão da degradação e recuperar a qualidade ambiental. 9.1 Conceitos Passivo ambiental, dano ambiental, degradação e recuperação ambiental são definidos nesta seção introdutória. 9.1.1 Passivo Ambiental O termo passivo ambiental fez sua entrada no vocabulário da gestão ambiental há pouco tempo. Tem sido usado com freqüência crescente em relatórios técnicos e laudos periciais, e com regularidade vem sendo citado na imprensa. Consta de projetos de lei, de normas técnicas e contábeis, de sentenças judiciais e foi incorporado não somente ao discurso de ambientalistas como também ao discurso empresarial. Mas passivo ambiental tem múltiplos significados. A idéia que se deseja transmitir muda segundo quem usa o termo e o contexto em que é usado. Por um lado, passivo ambiental é uma expressão que tem óbvias analogias contábeis. Neste campo, os passivos são obrigações que uma pessoa natural ou jurídica deve satisfazer. Passivo ambiental, portanto, refere-se às obrigações de uma empresa ou de indivíduo relativas ao campo ambiental. Sendo obrigações, devem ser reconhecidas como tal. A forma mais comum de reconhecimento ocorre quando as obrigações resultam de uma exigência legal, como por exemplo a obrigação de recuperar uma área degradada ou de reparar um dano ambiental. O custo de recuperação ou reparação representa o montante do passivo ambiental. Assim, passivo ambiental pode ser entendido como “o valor monetário necessário para reparar os danos ambientais” (Sánchez, 2001, p. 18). Muitas vezes, porém, a própria manifestação (física) do dano ambiental é chamada de passivo. Por exemplo, uma área degradada pela mineração, um lago assoreado, uma voçoroca ou um talude de estrada sob ação intensa de processos erosivos, com freqüência são chamados de passivos ambientais. Não é um uso rigoroso nem completamente apropriado para o termo, mas tem sido largamente empregado no Brasil. A rigor, o passivo ambiental corresponde ao custo de reparação de um dano ambiental. Mas o emprego permissivo do termo o faz significar um “acúmulo de danos ambientais que devem ser reparados Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. para que seja mantida ou recuperada a qualidade ambiental de determinado local” (Sánchez, 2001, p. 18). Entretanto, o termo também é usado com uma terceira conotação, mais ampla (Sánchez, 2001, p. 19), mesmo quando não se tipifica uma obrigação de natureza jurídica, mas uma obrigação moral ou um desejado compromisso ético. A expressão dívida ecológica também é empregada para denotar este significado. Nesta acepção, entende-se que a sociedade industrial acumulou uma dívida de natureza ambiental que será repassada às gerações futuras. Em grande parte, a geração atual herdou esta dívida ecológica, mas com certeza repassará às gerações vindouras uma dívida ainda maior. Por esta razão, os objetivos das políticas ambientais não mais podem se restringir a prevenir a degradação (futura), mas devem fundamentalmente buscar corrigir a degradação (presente), resgatando parte da dívida contraída no passado. Por exemplo, um problema ambiental recorrente que assola tanto as cidades brasileiras quanto zonas rurais são as inundações. Sua freqüência e intensidade cada vez maiores e a gravidade de suas conseqüências decorrem principalmente de um duplo fenômeno: a ocupação de zonas naturalmente inundáveis, como as várzeas e os leitos maiores dos rios, e a redução da cobertura florestal das bacias hidrográficas, processo que nas cidades é amplificado pela impermeabilização do solo. Devido a estes fatores, as águas de chuva infiltram-se no solo a taxas menores; conseqüentemente, maior proporção das águas pluviais escoa superficialmente até os rios, cuja vazão cresce mais rapidamente depois de chuvas intensas, ocasionando assim inundações. Como se sabe, as inundações urbanas causam inúmeros danos, incluindo perdas materiais. Manifestamse hoje as conseqüências de ações degradadoras (desmatamento, impermeabilização do solo, ocupação das várzeas) realizadas ao longo de muitos anos no passado, por uma multiplicidade de agentes. Essas ações passadas causaram danos ambientais que, por sua vez, repercutem no presente na forma de danos materiais e até pessoais.1 Estes danos podem ter seus custos calculados ou estimados, embora os critérios de cálculo possam muitas vezes dar margem a questionamentos, dada a grande quantidade de variáveis envolvidas e a inexistência de preços de mercado para muitos bens e serviços ambientais. Apesar destas limitações, exercícios de valoração de danos ambientais podem indicar a ordem de grandeza da dívida ambiental. Por exemplo, estudos sobre os custos da erosão de solos no Brasil apontam prejuízos anuais da ordem de R$ 13 bilhões, devido à perda de nutrientes e matéria orgânica, depreciação da terra, custos adicionais de tratamento de água para consumo humano, manutenção de estradas e assoreamento de reservatórios (Santos e Câmara, 2002, p. 62). Trata-se, sem dúvida, de uma dívida ambiental que vai crescendo ano a ano. Este entendimento de passivo ambiental como dívida ecológica é muito mais amplo que o conceito estritamente contábil. No entanto, a contabilidade ambiental pode ser empregada em duas escalas, a micro e a macro, a primeira tratando da apropriação, registro e controle de contas de empresas ou outras entidades (ou indivíduos) e a segunda das contas nacionais. 1 Os danos incluem perdas de bens, desvalorização de imóveis, gastos adicionais com tratamento de saúde e outros itens. Os custos incluem o ressarcimento destes danos, além de serviços permanentes de dragagem, transporte e disposição dos sedimentos, como aqueles realizados no rio Tietê, em São Paulo. Ademais, neste caso, o governo estadual também despendeu recursos em investimentos que visam amenizar o problema das inundações (apenas a primeira fase do projeto de aprofundamento da calha do rio Tietê custou R$ 138 milhões). Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. Na perspectiva da contabilidade empresarial (escala micro), o passivo remete somente às suas obrigações. São reconhecidos três tipos de obrigações (Bergamini, 1999, p. 102): legais, construtivas e eqüitativas. As obrigações legais decorrem justamente de exigências estabelecidas em lei, regulamentos ou de sua interpretação; se não atendidas, a empresa sujeita-se às penalidades previstas na lei. Já as obrigações construtivas decorrem de compromissos voluntários da empresa. As chamadas boas práticas de gestão ambiental incluem, para cada setor de atividade, um conjunto de procedimentos reconhecidos pelas principais empresas como economicamente viáveis para reduzir os impactos ambientais de suas atividades, produtos ou serviços.2 Por exemplo, a legislação brasileira não exige, atualmente, a coleta e a reciclagem das lâmpadas fluorescentes, mas muitas empresas adotam esta prática, que implica custos de coleta, armazenamento, registro de estoques, frete e, finalmente, a remuneração da empresa de reciclagem. As empresas que adotam a prática citada neste exemplo, internalizam o custo de tratamento adequado de lâmpadas usadas que outros agentes econômicos transferem para a coletividade, ao jogarem as mesmas lâmpadas no lixo.3 Muitas obrigações legais no campo ambiental implicam uma internalização de custos. Para citar um outro exemplo no campo dos resíduos, desde 1993, todo gerador de óleos lubrificantes usados tem a obrigação legal de armazena-los de forma segura, providenciar que sejam recolhidos por uma empresa de re-refino devidamente autorizada e manter um registro de compra e alienação desses óleos.4 Esta determinação legal obriga toda empresa que gera resíduos oleosos a arcar com os custos ambientais associados a estes resíduos. De outra forma, o lançamento de óleos usados em águas superficiais ou no solo causa danos ambientais e impõe a terceiros os custos decorrentes destes danos. As obrigações legais vão mudando ao longo do tempo, de modo que novos custos, antes externalizados, vão sendo impostos aos agentes econômicos cujas atividades causam ou podem causar degradação ambiental. Finalmente, as obrigações eqüitativas decorrem do fato de “uma empresa assumir uma obrigação porque é correto e moral fazê-lo” (Bergamini Jr., 1999, p. 103). Trata-se também de uma internalização não obrigatória de custos. É claro que a legislação ambiental tem se tornado progressivamente mais exigente e o que é feito hoje de forma voluntária pode tornar-se obrigatório no futuro, de modo que obrigações construtivas ou eqüitativas são transformadas em obrigações legais. Já na escala macro, tem-se buscado inserir critérios ambientais na elaboração das contas nacionais. Por exemplo, se o produto interno de um país cresce porque milhões de hectares de floresta primária foram derrubados para produção de madeira, deveriam ser contabilizados também a redução do estoque deste recurso natural (floresta) e os serviços que a florestas deixa de prestar (prevenção de inundações, proteção do solo, proteção da biodiversidade etc.). Alguns países, como Noruega e França, têm inserido tais considerações em seus sistemas de contas nacionais e um grupo de trabalho internacional tem atuado para propor um novo e abrangente modelo de contas nacionais que considere a diminuição do capital (patrimônio) natural em paralelo ao crescimento do produto econômico. 2 No jargão da gestão ambiental, as melhores práticas correspondem a uma referência (benchmark), que pode ser seguida ou adaptada por outras empresas ou organizações. Para prevenir a poluição, as empresas buscam adotar a melhor tecnologia disponível, desde que não acarrete custos excessivos. 3 Custos externos aqueles que são imputados a outros agentes econômicos. Por exemplo, se uma cidade lança seus esgotos sem tratamento diretamente em um rio, quem captar a água a jusante terá um custo de tratamento maior que aquele que teria se o rio não tivesse recebido aquela carga poluidora a montante. 4 Resolução Conama 03/93, art. 9o. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. *** Se é reconhecido um passivo ambiental, então também deve existir um ativo ambiental. Novamente em termos contábeis, um ativo é “um recurso controlado por uma empresa que surge de eventos passados e onde são esperados futuros fluxos de benefícios econômicos diretos ou indiretos para a empresa” (Bergamini Jr., 1999, p.102). Neste sentido estrito, os recursos que geram benefícios para terceiros (incluindo as gerações futuras) não são considerados como ativo ambiental, da mesma forma que a perspectiva contábil não considera como passivo os custos externos. No entanto, sob uma óptica que não esteja restrita à contabilidade das empresas, ativos ambientais podem ser entendidos como bens que têm ou presumivelmente possam vir a ter valor de mercado devido a suas características ambientais, como fornecer serviços de proteção ou recuperação ambiental. Por exemplo, a conservação da biodiversidade, a proteção de recursos hídricos, a captação (seqüestro) de carbono. A remuneração ou a compensação por serviços ambientais vem se ampliando nacional e internacionalmente. Por exemplo, a compensação financeira aos municípios que dispõem de unidades de conservação, na forma de créditos de ICMS – imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços, praticada em alguns estados brasileiros, é um pagamento aos municípios pelos serviços ambientais que essas unidades de conservação prestam à coletividade. Também o mecanismo de desenvolvimento limpo – MDL, dispositivo do Protocolo de Quioto que possibilita a transferência de recursos financeiros para projetos de captação de carbono, é uma forma de pagamento pela prestação de serviços ambientais.5 Claro que ativo ambiental pode ser entendido sob uma perspectiva ainda mais ampla, que desconsidere o valor de mercado ou qualquer outra variável econômica. Neste sentido, ativo ambiental seria qualquer bem que tenha ou possa vir a ter função ecológica ou ambiental. O estoque de recursos naturais de um país ou região pode ser entendido como um ativo ambiental, neste caso, um elemento que gera ou pode vir a gerar benefícios ambientais. 9.1.2 Dano e degradação ambiental O termo dano é de uso geral e largo emprego no campo do Direito. Sobre dano ambiental, há que se diferenciar entre o dano programado, planejado e devidamente autorizado pelo Poder Público (na forma de uma licença ambiental ou de outro ato administrativo) e o dano não autorizado previamente, seja ele voluntário ou involuntário. A supressão de vegetação nativa para a abertura de uma estrada, de um loteamento ou para atividades agropecuárias é permitida pela legislação (inclusive nas áreas de preservação permanente, definidas no Código Florestal6), desde que respeitadas 5 O Protocolo de Quioto é um documento firmado em 1997 nessa cidade japonesa, durante a 3 a. Conferência das Partes signatárias da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, tratado internacional concluído no início da década de 1990 e cujas adesões começaram durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992). O protocolo estipula que os países desenvolvidos (arrolados no Anexo I do Protocolo) devem reduzir suas emissões de gases causadores do efeito-estufa a níveis 5,2% abaixo das emissões do ano de 1990. Para cumprir estes objetivos, os países do Anexo I poderão fazer transações com os demais países signatários, para que estes implementem projetos de redução de emissões ou de captação de carbono, o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, pois estes projetos devem também contribuir para o desenvolvimento sustentável dos países onde forem realizados. 6 Lei Federal 4771/65 e modificações posteriores. As áreas de preservação permanente são porções do terreno onde a vegetação nativa não pode ser removida. Caso a vegetação tenha sido removida no passado, deve ser reconstituída, uma vez que a função das APPs é assegurar a proteção ambiental, através Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. certas regras. Indubitavelmente, toda remoção de vegetação causa um dano ambiental, mas a legislação estabelece as regras aceitas pela sociedade num determinado momento que permitem ou toleram tal dano, em troca de benefícios econômicos ou sociais esperados. Conforme as leis vão sendo modificadas, a relação entre os custos (danos) ambientais e os benefícios sócio-econômicos esperados também muda. São decisões de natureza política que estabelecem o grau de perturbação ambiental aceitável em troca de bem-estar. O que a história recente mostra é que conforme a perturbação ambiental acumulada (passivo ou dívida ecológica) vai aumentando, a tolerância da sociedade perante o aumento da degradação tende a ser menor e o direito a um ambiente saudável passa a ser reivindicado por grupos sociais e paulatinamente reconhecido pelo ordenamento jurídico (Silva-Sánchez, 2000). Para Milaré (1996, p. 29), dano ambiental é uma expressão “coberta de ambigüidade” que pode ser entendida como “lesão aos recursos ambientais, com conseqüente degradação – alteração adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico.” O termo “recursos ambientais” tem um significado preciso na legislação brasileira, dado pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente: “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.” (Lei 6938/81, Art. 3º, V) Para melhor entendimento do conceito de dano ambiental, convém discutir o que se entende por degradação ambiental. A Política Nacional do Meio Ambiente conceitua degradação da qualidade ambiental como: “a alteração adversa das características do meio ambiente” (Lei 6938/81, Art. 3o , II) Já o decreto federal que regulamenta a recuperação de áreas degradadas pela mineração define degradação ambiental como: “os processos resultantes dos danos ao meio ambiente, pelos quais se perdem ou se reduzem algumas de suas propriedades, tais como a qualidade ou capacidade produtiva dos recursos ambientais”(Decreto 97632/89, Art. 2 o) Na prática, o termo degradação ambiental não costuma ser empregado de modo rigoroso, o que não surpreende, pois tem diferentes acepções e significados. Degradação ambiental pode ser entendida sob quatro perspectivas (Sánchez, 1992, p. 130):  perda de capital ou patrimônio natural: a perda de elementos da natureza ou de recursos ambientais, como os solos, a biota, uma determinada cachoeira etc.  perda de funções ambientais: quando um ambiente deixa de desempenhar uma ou mais de suas funções no ecossistema, como a regulação do regime hídrico, a proteção contra a erosão, abrigo de fauna selvagem etc.  qualquer situação criada pelo homem que represente risco à saúde ou à segurança das pessoas: presença de áreas contaminadas, de taludes ou escavações subterrâneas instáveis, de mananciais poluídos, de ar poluído etc.  alterações paisagísticas: alterações do relevo por escavações e aterros, alteração da fisionomia da vegetação, presença de feições erosivas ou de solo exposto, presença de resíduos, edifícios urbanos sem manutenção, da prevenção da erosão, da proteção de nascentes e de margens de rios e da provisão de abrigo para a fauna silvestre. Segundo ao artigo 2o do Código Florestal, as APPs incluem margens de rios, em uma faixa de largura proporcional à largura desse rio, um círculo de 50 m de raio em torno de nascentes, vertentes com declividade superior a 45o e topos de morro, entre outras. Na maior parte do país, a vegetação nativa das APPs foi severamente degradada ou totalmente eliminada. Sua reposição é uma obrigação legal e o custo desta reposição representa um passivo ambiental. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. equipamentos urbanos sem manutenção ou pichados, excesso de painéis publicitários, etc. Estes significados podem ser encontrados em diferentes definições do termo degradação ambiental, dadas em leis ou na literatura técnica, ou em seu emprego em ações judiciais, laudos técnicos ou pesquisas acadêmicas. Johnson e colaboradores estudaram as diversas acepções deste e de outros termos empregados em planejamento e gestão ambiental, para concluir, sobre degradação ambiental, que seu uso na “moderna literatura ambiental científica e de divulgação é quase sempre ligado a uma mudança artificial ou perturbação de causa humana – é geralmente uma redução percebida das condições naturais ou do estado de um ambiente” (Johnson et al., 1997, p. 583). Um elemento central desta definição é percepção, ou seja, degradação ambiental não tem uma definição única e inequívoca, mas é apreendida segundo a maneira como pessoas ou grupos sociais entendem, ou percebem, as alterações ambientais. Não é por outra razão que o grau de perturbação ambiental tolerado hoje não é o mesmo que era aceito há vinte ou trinta anos, como comprova a evolução da legislação ambiental. Assim, degradação ambiental pode ser conceituada como qualquer alteração adversa dos processos, funções ou componentes ambientais, ou como uma alteração adversa da qualidade ambiental. Por outro lado, Johnson et al. (1997, p. 589) definem degradação ambiental como “qualquer mudança ou perturbação do meio ambiente percebida como danosa ou indesejável”. 9.1.3 Reparação do dano ambiental A obrigação de reparar os danos causados pode ser associada ao chamado princípio poluidor-pagador. Em sua conotação mais ampla, este princípio afirma que aquele que causar poluição (ou melhor, aquele que degradar o ambiente), deve pagar para corrigir ou reparar o dano causado. Além disso, o custo das medidas preventivas também deve ser imputado ao poluidor-degradador.7 A Declaração do Rio, um dos documentos firmados por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizado no Rio de Janeiro em junho de 1992, também adotou o princípio poluidor-pagador. Trata-se de seu Princípio 16, segundo o qual: As autoridades locais devem promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em consideração que o poluidor deve arcar com os custos da poluição. A legislação ambiental de muitos países incorpora este princípio. No Brasil podem ser citadas as seguintes leis federais que fazem menção à obrigação de reparar o dano ambiental: - Lei 6938/81 - Política Nacional do Meio Ambiente: imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados (Art. 4o . VII) - Lei 6902/81 - Estações ecológicas e áreas de proteção ambiental: imposição de penalidade: “obrigação de reposição e reconstituição” (Art. 9 o § 2o) 7 Costuma-se atribuir a origem do princípio poluidor-pagador a uma resolução do conselho da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos, firmada em 1972, ano em que foi realizada em Estocolmo a primeira Conferência Internacional sobre Meio Ambiente da ONU. Segundo a OCDE, a internalização dos custos ambientais evita que as políticas e leis ambientais causem distorções econômicas no mercado, e por isso deveria ser estimulada quando dos investimentos de empresas de países membros dessa Organização, particularmente no caso dos investimentos realizados em países em desenvolvimento. Neste caso, a adoção generalizada deste princípio evitaria a concorrência desleal (OCDE, 1982). Entretanto, este princípio tem sido largamente usado com conotação ampla. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. - Lei 8171/91 – Política agrícola: “As empresas que exploram economicamente águas represadas e as concessionárias de energia elétrica serão responsáveis pelas alterações ambientais por elas provocadas e obrigadas à recuperação do meio ambiente, na área de suas respectivas bacias hidrográficas.” (Art. 23) Além disso, é necessário citar a Constituição Federal de 1988: “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.” (Art, 225, § 2o) A Constituição paulista adaptou esse artigo da CF, introduzindo sutil mas profunda modificação, ao substituir “recursos minerais” por “recursos naturais”. A princípio, as atividades agrícola, pesqueira, silvicultural, a captação de água, entre outras formas de exploração de recursos naturais, também ficariam sujeitas à exigência de reparação dos danos. Na verdade, a obrigação de reparação do dano ambiental está bem estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro (Machado, 1992, p. 208), inclusive pela adoção do princípio da responsabilidade objetiva, como disposto no art. 14 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.” (Art. 14, §. 1o) A obrigação de reparar danos ambientais vem sendo sistematicamente imposta pela via judicial, particularmente através do ajuizamento de ações civis públicas por iniciativa do Ministério Público.8 Por outro lado, através de procedimentos investigatórios e de inquéritos civis, o Ministério Público também vem firmando com agentes causadores de degradação ambiental, Termos de Ajustamento de Conduta, compromissos contratuais de reparação de danos, de execução de medidas corretivas ou compensatórias9, que têm eficácia extra-judicial, ou seja, se os termos não forem cumpridos pelos signatários, pode ser requerida sua execução judicial. O dano ambiental sempre resulta em algum dano econômico, seja este imposto a terceiros, “um conjunto individualizado ou individualizável de vítimas” (interesses individuais ou coletivos) ou a “uma pluralidade difusa de vítimas”10 (interesses difusos). O dano econômico decorrente do dano ambiental, particularmente quando afeta os interesses difusos, é geralmente de difícil mensuração, pois se refere a uma perda ou alteração de funções ecológicas desempenhadas pelos ecossistemas. A Figura 1 ilustra a 8 A Lei 7347/85, que instituiu a ação civil pública, tornou mais fácil a aplicação deste princípio, devido à atuação do Ministério Público. No entanto, Machado (1994, p. 87) relata que já em 1984, com base na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, foi ajuizada ação visando indenização por dano ambiental causado por uma destilaria de álcool localizada no interior de São Paulo, ação que levou á condenação da empresa em primeira instância e confirmação da sentença pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. 9 “O termo de compromisso de ajustamento de conduta tem por objetivo a recuperação do meio ambiente degradado, por meio da fixação de obrigações e condicionantes técnicas que deverão ser rigorosamente cumpridas pelo infrator em relação à atividade degradadora a que deu causa, de modo a cessar, adaptar, recompor, corrigir ou minimizar seus efeitos negativos sobre o meio ambiente.” (São Paulo, 1997, p. 6.) Sua formulação explícita na legislação brasileira data de 1990, quando o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) “determinou, no seu art. 113, fosse acrescentado um novo parágrafo, o 6 º, ao art. 5º da Lei que disciplina a ação civil pública (Lei 7347 de 24.07.1985), que dispõe: § 6º - Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.” (Milaré, 1996, p. 43.) 10 Citações de Milaré (1996, p. 30). Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. relação entre danos ambientais e danos econômicos decorrentes da extração, processamento e utilização de carvão no sul de Santa Catarina. Como indica uma das relações mostradas na Figura 1, a poluição das águas 11 foi responsável por uma redução da produtividade agrícola e da produtividade pesqueira, afetando os agricultores e os pescadores da zona costeira. Outra conseqüência econômica da poluição das águas decorre da indisponibilidade deste recurso para abastecimento público, obrigando a empresa de abastecimento público a utilizar mananciais mais distantes, elevando, portanto, o custo de adução. Também a perda de hábitats naturais, decorrentes da disposição de rejeitos em áreas úmidas (banhados) acarreta uma diminuição da produtividade dos recursos pesqueiros. Figura 1 – Relação entre atividades econômicas, danos ambientais e danos econômicos. Fonte: Sánchez, Hennies, Eston e Menezes (1994) TRATAMENTO SISTEMA TRANSPORTE DO CARVÃO MINERAÇÃO DISPOSIÇAO DE REJEITOS TECNOLÓGICO SISTEMA AMBIENTAL SISTEMA ECONÔMICO UTILIZAÇÃO DO CARVÃO DEGRADA-ÇÃO DO SOLO PERDA DE SOLO AGRÍCOLA POLUIÇÃO DA ÁGUA REDUÇÃO DO RENDIMENTO AGRÍCOLA AUMENTO CUSTO TRATAM. DE ÁGUA POLUIÇÃO DO AR PERDA DE HÁBITATS AUMENTO CUSTOS DE TRATAM. DE SAÚDE REDUÇÃO PRODUÇÃO PESQUEIRA IMPACTO VISUAL REDUÇÃO DO VALOR ECONÔMICO TOTAL REDUÇÃO DO VALOR DOS IMÓVEIS 11 Na bacia carbonífera de Santa Catarina há uma situação crítica de degradação da qualidade das águas superficiais devido à presença de sulfetos nos materiais extraídos (minério e estéreis) e nos rejeitos do tratamento do carvão. Estes sulfetos são oxidados pela ação do ar e da água, originando uma drenagem ácida. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. Oito décadas de mineração e uso do carvão (principalmente para produção de coque e geração de energia elétrica) resultaram em um acúmulo de danos ambientais cuja reparação custaria pelo menos US$ 112 milhões, segundo ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em maio de 1993 contra doze empresas de mineração, onze pessoas físicas (diretores ou acionistas majoritários das empresas) e a União. A maior parte deste montante (cerca de US$ 96 milhões) representa o valor total estimado para recuperar as áreas degradadas, de acordo com um projeto elaborado em 1990 por uma agência governamental, mas não representa o total do dano ambiental causado nem os danos econômicos causados. Na verdade, o custo da reparação do ambiente afetado representa uma estimativa mínima dos danos causados. Cerca de US$ 16 milhões foram requeridos a título de indenização aos habitantes dos municípios afetados, para serem aplicados em obras como hospitais.12 9.1.4 Recuperação ambiental A recuperação da qualidade ambiental, um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, é hoje empreendida em escala mundial, particularmente nos países de industrialização precoce, nos quais a degradação foi mais intensa e onde o fechamento de indústrias, minas, docas, bases militares e diversas outras instalações, deixou um legado de contaminação ambiental.13 No Brasil, há muita experiência acumulada em decorrência da exigência legal explícita de recuperar o “ambiente degradado” por atividades de mineração. O Decreto Federal 97632/89, que estabelece a necessidade de preparação de um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas para todas as atividades de extração mineral, entende recuperação como: “A recuperação deverá ter por objetivo o retorno do sítio degradado a uma forma de utilização, de acordo com um plano pré-estabelecido para o uso do solo, visando a obtenção de uma estabilidade do meio ambiente.” (Art. 3 o) Portanto, não se exige, no caso da mineração, a restauração do sítio degradado, mas que as novas condições ambientais se caracterizem pela estabilidade [dos processos] do meio ambiente. Tais condições são entendidas como, no mínimo:  estabilidade física: quando os processos do meio físico estejam em equilíbrio dinâmico, por exemplo, sem ocorrência de processos erosivos intensos, como ravinamento, ou de movimentos de massa, tais como escorregamentos;  estabilidade química: quando não ocorram reações químicas capazes de emitir uma carga poluente para o meio, como a geração de ácidos; Ademais, dependendo do uso dado à área depois de cessadas as atividades de mineração, outras condições podem ser necessárias para atingir a recuperação ambiental. Caso o novo uso seja a conservação ambiental, uma condição necessária para considerar uma área como recuperada é a vegetação não mais requerer cuidados ativos (ou seja, sua auto-sustentação). Caso o novo uso seja agrícola, a área pode ser considerada como recuperada quando os níveis de produtividade forem semelhantes àqueles que antecediam a mineração ou semelhantes àqueles obtidos em solos da 12 Em sentença proferida em janeiro de 2000, o juiz federal de Criciúma julgou procedente o pedido principal do Ministério Público, condenando solidariamente os réus, mas não acatou o pedido de indenização à população nem a imposição de multa no caso de descumprimento da obrigação de recuperação. 13 A este respeito, ver Sánchez (2001). Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. mesma classe. Outras formas de uso pós-mineração podem requerer condições específicas para assegurar o sucesso da recuperação.14 A recuperação de áreas degradadas tem sido exigida para diversas outras atividades, além da mineração, como a construção civil, seja como condicionante de licenças ambientais, seja na forma de obrigação de reparação de danos causados no passado. No caso particular de áreas contaminadas por atividades industriais ou pela disposição inadequada de resíduos sólidos, a recuperação ambiental é chamada de remediação. Os objetivos da remediação também são os de possibilitar que a área tenha um novo uso seguro, e que não seja uma fonte de contaminação do entorno. A Figura 2 mostra diferentes termos usados na recuperação de áreas degradadas. No eixo vertical, representa-se de maneira qualitativa o grau de perturbação do meio, enquanto o eixo horizontal mostra uma escala temporal. A partir de uma dada condição inicial (não necessariamente a condição “original” de um ecossistema), a área passa a um estado de degradação, cuja recuperação requer, na maioria das vezes, uma intervenção planejada – a recuperação de áreas degradadas. Figura 2 – Diagrama esquemático dos objetivos de recuperação de áreas degradadas. 14 Rodrigues e Gandolfi (1998) analisam a questão dos critérios para se considerar uma área como recuperada. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. Em certas situações pode haver condições para uma recuperação espontânea, chamada de regeneração quando se trata de vegetação nativa. Entretanto, são poucos os casos em que este processo é possível. Vasconcelos (2000, p. 190), ao analisar com um intervalo de três a quatro anos a situação de 112 minas abandonadas identificadas na bacia do Guarapiranga, na Região Metropolitana de São Paulo, constatou que os processos do meio físico se encontravam estáveis em 52 delas, enquanto em 8 destes casos, além da estabilização dos processos, houve o início da recolonização pela vegetação. A regeneração é o processo natural pelo qual uma clareira aberta em uma floresta volta às condições originais, mas em áreas degradadas por ação antrópica, a regeneração é a exceção. Recuperação é um termo geral que designa a aplicação de técnicas de manejo visando tornar uma área degradada apta para um novo uso produtivo, desde que sustentável. Em um contexto de conservação da biodiversidade, a Lei Federal 9985/00, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, define recuperação de maneira similar: “restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser diferente de sua condição origina.”l (Art. 2 º, XIII) Há diferentes modalidades de recuperação, que podem receber designações distintas. A restauração é o retorno de uma área degradada às condições existentes antes da degradação, da mesma forma que se diz da restauração de bens culturais, como edifícios históricos. Restauração também é definida na Lei Federal 9985/00, como: “restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo possível da sua condição original.” (Art. 2 º, XIV) Há certos casos em que a recuperação pode fazer com que o sítio degradado tenha uma condição ambiental melhor do que a situação inicial (mas somente, como é óbvio, quando a condição inicial já for a de um ambiente alterado). Um exemplo é uma área de pastagem com erosão intensa que passa a ser usada para explotação mineral e em seguida a área é recuperada com vegetação nativa com fins de conservação ambiental. A reabilitação é a modalidade mais freqüente de recuperação. É aquela pretendida pelo regulamentador, no caso da mineração, ao estabelecer que o sítio degradado deverá ter “uma forma de utilização”. A ação de recuperação ambiental visa então habilitar a área para que este novo uso possa se dar. A nova forma de uso deverá ser adaptada ao ambiente reabilitado, que pode ter características bastante diferentes daquele que precedeu a ação de degradação, por exemplo um ambiente aquático em lugar de um ambiente terrestre, prática relativamente comum em mineração. Esta nova forma de uso é chamada de “redefinição” ou “redestinação” por Rodrigues e Gandolfi (2001, p. 238), através da criação de um “ecossistema alternativo” (Cairns Jr., 1986, p. 473). A remediação é a recuperação ambiental de áreas contaminadas, definida como “aplicação de técnica ou conjunto de técnicas em uma área contaminada, visando à remoção ou contenção dos contaminantes presentes, de modo a assegurar uma utilização para a área, com limites aceitáveis de riscos aos bens a proteger15” (Cetesb, 2001). 15 Bens a proteger é a terminologia adotada no Manual de Áreas Contaminadas da Cetesb. Correspondem aos recursos ambientais definidos na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, à saúde e bem-estar públicos. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. Uma modalidade de remediação é conhecida como atenuação natural, na qual não se intervém diretamente na área contaminada – deixa-se que atuem processos naturais como a biodegradação de moléculas orgânicas, desde que acompanhadao por um programa de monitoramento. 9.2 Contabilização do passivo ambiental A partir dos anos de 1990, começou a se consolidar, em alguns países, uma tendência a exigir que as empresas de certos setores, como a mineração, o tratamento de resíduos e a indústria química, apresentassem em seus demonstrativos contábeis, informações sobre o passivo ambiental. A possibilidade de que passivos ambientais pudessem afetar significativamente o valor das empresas levou à imposição, às companhias abertas, da obrigação de divulgar sua existência e seu montante, em suas demonstrações financeiras. A Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos – Securities and Exchange Commission, SEC impõe esta obrigação a todas as empresas com ações negociadas em bolsas americanas16, o que inclui as companhias estrangeiras que recorrem ao mercado de recibos de depósitos de ações – American Depositary Receipts, ADRs. Exigências específicas para contabilizar o passivo ambiental surgiram pela primeira vez no Canadá em 1990 (Gray, Bebbington e Walters, 1993, p. 219), quando o Comitê Diretor de Padrões Contábeis e o Instituto Canadense dos Contadores Credenciados modificaram as regras vigentes, passando a exigir que os balanços das empresas mostrassem os passivos decorrentes do fechamento ou desativação de empreendimentos, sob o título “custos futuros de remoção e de restauração de sítios” (Conklin e Archibald, 1993, p. 320). A consulta a balanços e relatórios anuais de empresas de setores como mineração e tratamento de resíduos mostra que elas têm declarado provisões da ordem de milhões de dólares. A Figura 3 traz um exemplo, mostrando as provisões feitas pela companhia Noranda, uma empresa canadense do ramo de mineração de metais, metalurgia e reciclagem, desde 1994, o primeiro ano em que tal informação aparece nos relatórios anuais, até 2002. Note-se que a provisão acumulada varia de ano a ano, podendo subir ou descer, pois deve refletir as despesas estimadas com “custos futuros de remoção e de restauração de sítios”. O acumulado anual não coincide com a soma do acumulado do ano anterior ao montante provisionado a cada ano porque trabalhos de recuperação ambiental podem ter sido executados durante o ano, reduzindo, desta forma, o passivo. Além disso, ativos como minas, unidades industriais e imóveis podem ser negociados, e estas transações têm um reflexo na provisão necessária. Na Figura 3(b) As provisões acumuladas são comparadas com os ativos imobilizados da empresa. 16 A empresa deve informar sobre os efeitos que o cumprimento da legislação relativa ao meio ambiente pode ter sobre as “despesas de capital, os ganhos e a posição competitiva”. (SEC S-K 101). Ademais, ações judiciais relativas à proteção ambiental devem ser discriminadas e não podem ser descritas como “ordinary routine litigation incidental to the business" (SEC S-K 103). Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. mi lhões de C$ 500 10000 450 9000 400 8000 350 7000 300 6000 250 5000 200 4000 150 3000 100 2000 50 1000 0 0 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 provisão anual 1994 1995 provisão acumulada 1996 1997 1998 provisão acumulada 1999 2000 2001 2002 ativos imobilizados Figura 3 – (a) Provisões para custos futuros de “remoção e de restauração de sítios” feitas anualmente pela empresa Noranda. (b) Provisão acumulada ano a ano e ativos imobilizados. Valores em milhões de dólares canadenses. Fonte: Relatórios anuais 1994-2002. Também o Instituto Americano de Contadores Públicos Credenciados recomenda, desde 1996, a inclusão, nas demonstrações contábeis, de todas as despesas previstas com investigação e remediação de áreas contaminadas, estudos técnicos correlatos e monitoramento, desde que requeridas por leis federais ou estaduais americanas (Stevens, 1996, p. 50). As normas contábeis americanas têm evoluído no sentido de padronizar os critérios de reconhecimento do passivo ambiental. Os procedimentos estabelecidos pela Comissão de Normas de Contabilidade Financeira (Financial Accounting Standards Board – FASB) dos Estados Unidos têm repercussão sobre grandes empresas de todo o mundo, na medida que muitas delas buscam acesso aos mercados de valores norteamericano. Em junho de 2001 a FASB publicou sua Declaração de Padrões de Contabilidade Financeira (Statement of Financial Accounting Standards) no. 143 sobre “Contabilidade para Obrigações de Retirada de Ativos”, segundo a qual os custos da “retirada de ativos de vida longa” devem ser estimados e comunicados. A exigência se aplica a empresas de diversos setores, como química, mineração, metalurgia, petróleo e gás, tratamento de resíduos e quaisquer outras cujas atividades possam um dia cessar em um ou mais locais.17 Neste caso, as despesas de fechamento, desmontagem, demolição, gerenciamento de resíduos remanescentes, descontaminação de solos, recuperação de áreas degradadas ou quaisquer outras associadas à retirada de ativos, devem ser devidamente estimadas e “reconhecidas como passivo”. Mesmo que a data de encerramento de uma atividade seja incerta, o passivo associado ao fechamento deve ser reconhecido.18 A elaboração e discussão do procedimento FASB 143 demorou sete anos, a partir de junho de 1994, quando a comissão recebeu uma consulta sobre a contabilização dos custos de desativação de usinas nucleares. Duas minutas foram preparadas e discutidas com os interessados, até a publicação da declaração, em junho de 2001. 17 18 Sobre o fechamento de indústrias, ver o capítulo 1 de Sánchez (2001). FASB 143 §A14. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. Embora a contabilidade ambiental tenha tido maior desenvolvimento na América do Norte, também no Japão e em certos países da Europa esta ferramenta tem sido aplicada à contabilidade empresarial. No plano internacional, foi constituído um grupo de trabalho, sob os auspícios da ONU, sobre normas e procedimentos contábeis relativos ao meio ambiente. As recomendações deste grupo são bastante abrangentes e incluem não somente aspectos relativos ao passivo, como também aos custos ambientais. É importante ressaltar que as ferramentas de contabilidade podem ser usadas tanto para divulgação de informações a interessados externos às empresas (acionistas, investidores, governos), como para controle interno. Conhecer os custos de atendimento das obrigações ambientais é útil para os gestores empresariais, pois permite melhor planejamento e controle das atividades, como, por exemplo fazer provisões para despesas futuras, mesmo que estas não sejam legalmente exigidas.19 9.3 Gestão de empreendimentos tendo em vista o passivo ambiental É inegável a tendência mundial a requisitos legais cada vez mais rígidos visando a prevenção da degradação ambiental e impondo obrigações de recuperação ambiental. Na atualidade, toda empresa deve almejar reduzir ou, se possível, eliminar o passivo ambiental por ela gerado. A existência de um passivo de grande monta em companhias abertas pode influenciar o valor das ações (Cormier, Magnan e Morard, 1993, p. 135; Laplante e Lanoie, 1994, p. 671) enquanto para qualquer empresa, seja ela de capital aberto ou fechado, um passivo ambiental significativo pode resultar em patrimônio líquido negativo, ou seja, uma situação em que a empresa deve mais do que possui em ativos. A existência de um passivo ambiental representa um risco financeiro para a empresa e seus credores. Por outro lado, o reconhecimento de um passivo redunda em custos de recuperação e remediação ambiental, custos de gerenciamento do passivo (custos de transação) e custos de imagem20, estes muito difíceis de serem estimados. Qualquer empresa cujas atividades possam resultar em um passivo ambiental deve, portanto, possuir controles para geri-lo. Basicamente, a gestão empresarial do passivo ambiental deve adotar três estratégias: (i) quando uma empresa pode gerar um passivo ambiental, a estratégia deve ser preventiva e corretiva; (ii) quando uma empresa pode adquirir um passivo ambiental, a estratégia deve ser de precaução. Estas estratégias serão explicadas a partir de um exemplo de uma empresa hipotética que opere no ramo da construção pesada, como a construção de rodovias e barragens. Neste ramo, algumas fontes potenciais de passivo ambiental são: - áreas usadas no passado para outras atividades, como canteiros de obras anteriores, depósitos de resíduos ou indústrias; - manuseio e estocagem de derivados de petróleo (combustíveis, lubrificantes, óleos hidráulicos); 19 Além de provisões contábeis, em muitos países é obrigatório o fornecimento de garantias financeiras como cauções, seguros, cartas de fiança ou fundos de reserva, como condição para obter autorização de funcionamento de certos empreendimentos. Ver Sánchez (2001). 20 Nos últimos anos, várias grandes empresas, nacionais e transnacionais, freqüentaram o noticiário por razões de contaminação do solo e disposição inadequada de resíduos, além daquelas mencionadas por acidentes ambientais. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. - oficinas de manutenção e lavagem de equipamentos pesados e veículos leves, pátios de estacionamento de equipamentos; - atividades realizadas no canteiro, como drenagem de águas pluviais, escavações, terraplenagem, construções, etc; - atividades de apoio, como serviços administrativos, de ambulatório, de refeitório, coleta e tratamento de esgotos e outros. Os principais aspectos ambientais associados a essas atividades são apresentados no Quadro 1. O termo aspecto ambiental é aqui empregado no sentido que lhe é atribuído pela norma NBR ISO 14001:1996, a saber “elemento das atividades, produtos ou serviços de uma organização que pode interagir com o meio ambiente”. QUADRO 1 PRINCIPAIS ASPECTOS AMBIENTAIS QUE PODEM GERAR UM PASSIVO Exemplo hipotético de um canteiro de obras de grande porte Aspecto Ambiental (1) Atividade ■ recebimento, manuseio e estocagem de derivados de petróleo ■ manutenção e lavagem de equipamentos pesados     ■ escavação, terraplenagem    ■ apoio administrativo e logístico     risco de vazamento geração de óleos usados geração de efluentes líquidos contendo óleos geração de resíduos sólidos (filtros de óleo, toalhas industriais ou estopas, embalagens, sucatas, baterias, pneus etc.) interferência com áreas de vegetação nativa interferência com áreas de preservação permanente interferência ou destruição de sítios arqueológicos geração de esgotos sanitários geração de resíduos de serviços de saúde geração de lixo doméstico geração de resíduos perigosos (lâmpadas fluorescentes, baterias Ni-Cd, embalagens de tintas e produtos de limpeza etc.) Dano Ambiental Potencial (Passivo) (2)  contaminação do solo (obrigação de remediação)  contaminação do solo (obrigação de remediação)  poluição das águas superficiais (obrigação de tratamento dos efluentes)  perda de espécimes de fauna e flora / perda de patrimônio cultural (obrigação de recomposição ou compensação)  contaminação do solo (obrigação de remediação) (1) aspecto ambiental: “elemento das atividades, produtos ou serviços de uma organização que pode interagir com o meio ambiente” (NBR ISO 14001: 1996) (2) o passivo é descrito entre parênteses; nos exemplos citados, o passivo apontado decorre de obrigações legais Nota: Este quadro é apenas ilustrativo. Não representa a totalidade de situações capazes de gerar um passivo ambiental na atividade analisada. No caso de uma atividade real, um levantamento detalhado de aspectos e impactos ambientais é necessário. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. 9.3.1 Prevenção e reparação Sob o enfoque preventivo, trata-se de adotar cuidados ambientais no planejamento e na execução das obras, através do emprego de: (i) ferramentas apropriadas de planejamento e gestão, como avaliação prévia de impactos, programas de conscientização, formação e treinamento da mão-de-obra e dos demais envolvidos, programas ou sistemas de gestão ambiental, inspeções e auditorias21; e (ii) técnicas adequadas para evitar ou reduzir os impactos ambientais durante as obras, como a demarcação física das áreas de intervenção, a imediata proteção do solo contra a erosão após a remoção da vegetação, a instalação de um sistema de drenagem de águas pluviais e de dispositivos de retenção de sedimentos, a instalação de caixas separadoras de óleos nas oficinas de manutenção e várias outras soluções que constituem um conjunto de boas práticas neste ramo de atividade. Trata-se, portanto, de prevenir o dano ambiental, inclusive com a adoção de medidas de redução de riscos. Por outro lado, neste exemplo, a correta gestão ambiental não pode prescindir de medidas para a fase de término da obra e desativação do canteiro.22 Estas medidas incluem a preparação de um plano de desativação23, o estabelecimento de rotinas e procedimentos relativos às atividades realizadas nesta fase – como a correta gestão dos resíduos ou a recuperação de áreas degradadas – e a preparação de um relatório final que documente devidamente o estado final das áreas no momento em que forem entregues ao usuário seguinte. O enfoque corretivo se dá através de medidas de reparação dos danos, como recuperação de áreas degradadas, recomposição da vegetação nativa, manejo de fauna ou remediação de áreas contaminadas. Uma vez constatado um dano ambiental, o procedimento de reparação normalmente deve ser aprovado pelo órgão ambiental competente.24 A prevenção e a correção devem ser planejadas e aplicadas a todas as fases do ciclo de vida de um empreendimento, a saber, a fase de concepção (planejamento, análise de viabilidade, projeto de engenharia), implantação ou construção, operação ou funcionamento e desativação e fechamento. O encerramento de atividades industriais e assemelhadas é uma fase do ciclo de vida de empreendimentos em que os danos ambientais acumulados nas fases anteriores deveriam ser reparados, sob pena de transferir o custo da reparação para terceiros (o novo ocupante do imóvel, a vizinhança) ou para a coletividade. Em alguns países, o fechamento de certos empreendimentos depende de aprovação governamental e a empresa deve apresentar previamente garantias financeiras suficientes para cobrir os custos de fechamento e recuperação ambiental. Um plano de desativação ou plano de fechamento ainda não é uma exigência legal no Brasil, mas os primeiros passos nesse sentido já podem ser observados com o Decreto Estadual de São Paulo no. 47400 de 4 de dezembro de 2002. Segundo este decreto, “Considerando a necessidade de se estabelecer um procedimento de comunicação do encerramento ou desativação das atividades, como um instrumento 21 Gallardo e Sánchez (2003) descrevem o emprego de várias destas ferramentas e analisam sua eficácia no caso da construção da pista descendente da rodovia dos Imigrantes. 22 O equivalente da retirada de ativos, nos termos da declaração FASB 143. 23 Objetivos e conteúdo de planos de desativação para atividades industriais e assemelhadas são discutidos em Sánchez (2001). 24 A Constituição Federal estipula claramente que a recuperação de áreas degradadas na mineração deve ser feita “de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente”. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. preventivo na gestão ambiental de forma a minimizar o surgimento de áreas degradadas” (preâmbulo), Artigo 5° - Os empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental deverão comunicar ao órgão competente do SEAQUA25 a suspensão ou o encerramento das suas atividades. § 1° - A comunicação a que se refere o "caput", deverá ser acompanhada de um Plano de Desativação que contemple a situação ambiental existente e, se for o caso, informe a implementação das medidas de restauração e de recuperação da qualidade ambiental das áreas que serão desativadas ou desocupadas. § 2° - O órgão competente do SEAQUA deverá analisar o Plano de Desativação, verificando a adequação das propostas apresentadas, no prazo de 60 dias. § 3° - Após a restauração e/ou recuperação da qualidade ambiental, o empreendedor deverá apresentar um relatório final, acompanhado das respectivas Anotações de Responsabilidade Técnica, atestando o cumprimento das normas estabelecidas no Plano de Desativação. § 4° - Ficará o declarante sujeito às penas previstas em lei, em caso de não cumprimento das obrigações assumidas no relatório final. Artigo 6° - As restrições ao uso verificadas após a recuperação da área devem ser averbadas no Registro de Imóveis competente. Artigo 7° - Os órgãos estaduais competentes somente poderão proceder ao encerramento das empresas sujeitas ao licenciamento ambiental após comprovação da apresentação do relatório final previsto § 3° do artigo 5°. Ainda não há meios de se verificar o grau de cumprimento destas novas disposições legais, mas sua recente publicação é mais um indicativo da importância que tem sido atribuída ao gerenciamento do passivo ambiental. 9.3.2 Precaução Finalmente, a estratégia da precaução visa evitar que a empresa adquira um passivo ambiental gerado por outros. Essencialmente, deve-se buscar informações sobre o bem a ser adquirido a fim de identificar a existência de situações que representem passivo ambiental e, caso ocorram, estimar seu montante. Esta prática já é largamente difundida no meio empresarial e a principal ferramenta utilizada é um tipo de auditoria ambiental conhecido como due diligence, também chamada de auditoria de responsabilidade. Este termo é entendido como “o processo de investigar as características ambientais de uma parcela de um imóvel comercial ou outras condições, geralmente ligado a uma transação imobiliária”26. A palavra vem do latim diligentia. Em português “diligência” significa “cuidado ativo; zelo; aplicação”27 ou “interesse ou cuidado aplicado na execução de uma tarefa; zelo”28. Assim, due diligence é a “devida 25 Sistema Estadual de Administração da Qualidade Ambiental. ASTM E 1527-00, § 3.3.9. 27 Ferreira, A.B.H. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2ª ed., 1986. 28 Houaiss, A.; Villar, M.S.; Franco, F.M.M. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2001. 26 Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. diligência”, o cuidado tomado por alguém antes de realizar uma transação, cuidado este que pode ser demonstrado perante terceiros e documentado. A auditoria due diligence busca evidências do emprego de práticas passadas que possam ter acarretado contaminação do solo ou da água subterrânea, ou qualquer outra situação que possa configurar um passivo ambiental. Estas auditorias podem ser feitas de acordo com diferentes procedimento e distintos graus de detalhamento. As mais comuns na atualidade são aquelas que seguem as normas técnicas da American Society for Testing and Materials – ASTM. As investigações de passivo ambiental através de auditorias costumam ser divididas em duas etapas, denominadas de fase I e fase II. As investigações do tipo fase I fundamentam-se em evidências documentais ou informações verbais obtidas pelo auditor. Já as investigações do tipo fase II incluem estudos do solo, através de sondagens, coleta de amostras de solo, água ou gás, análises laboratoriais e outros métodos de investigação. A norma canadense Z768, publicada em abril de 1994 e denominada "Avaliação ambiental de terrenos - fase I", define esta atividade como o “processo sistemático. descrito nesta norma, segundo o qual o especialista em avaliação ambiental de terrenos29 busca determinar se um terreno em particular está poluído ou exposto a riscos de poluição.”30 Esta norma estabelece quatro etapas de trabalho de pesquisa documental (Sánchez, 2001, p. 175): (i) coleta de dados sobre as atividades atuais e passadas realizadas no sítio, (ii) visita ao sítio, (iii) realização de entrevistas, (iv) avaliação das informações e preparação do relatório. Como resultado o especialista pode concluir: (i) acerca da inexistência de provas de poluição do terreno, (ii) acerca da existência de suspeitas de potencial de poluição do terreno, (iii) pela constatação de poluição real do terreno, (iv) pela constatação de poluição real e a existência de provas de poluição potencial. Com base nesses resultados, o cliente pode tomar decisões com relação a transações imobiliárias ou comerciais ou ainda com respeito à eventual descontaminação do terreno. Neste caso, a etapa seguinte será a fase II, ou seja, investigações de campo para verificar a natureza e a extensão da contaminação. As normas americanas foram pioneiras. A primeira versão da norma ASTM E 1527 foi publicada em 1993; a última edição é de 2000. Denominada Standard Practice for Environmental Site Assessment: Phase I Environmental Site Assessment Process – Prática Padrão para Avaliação Ambiental de Terrenos: Processo de Avaliação Ambiental de Terrenos Fase I, a norma estabelece uma série de procedimentos e recomendações para que um especialista possa realizar uma tal avaliação. O objetivo da norma americana é bem estrito: ao aplicá-la, uma empresa ou pessoa física proprietária de um imóvel pode demonstrar que agiu de boa fé quando adquiriu um terreno e, caso 29 Em inglês e em francês, site, termo de origem latina que também tem sido traduzido para o português como “sítio”, com o sentido de “lugar, local, ponto” (Ferreira, 1986, op. cit.). Site pode ser traduzido como “sítio, situação, lugar, local, localização”, Houaiss, A.; Avery, C.B., Novo Dicionário Barsa das Línguas Inglesa e Portuguesa, Appleton-Century-Crofts, Nova Iorque, 1972. Neste texto, site será traduzido como terreno ou imóvel, uma vez que o objetivo dessas auditorias ou avaliações ambientais é detectar eventual contaminação em um determinado imóvel, terreno ou local. O termo sítio também é citado na legislação brasileira sobre recuperação de áreas degradadas por atividades de mineração: “A recuperação deverá ter por objetivo o retorno do sítio degradado a uma forma de utilização, de acordo com um plano pré-estabelecido para o uso do solo, visando a obtenção de uma estabilidade do meio ambiente.” (Art. 3º, Decreto Federal 97.632/89.) 30 Tradução a partir da versão em francês da norma Z768-94, publicada em março de 1995 pela Associação Canadense de Normalização, p. 2. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. venha a ser constatado que o mesmo está contaminado, este proprietário pode invocar a “cláusula do proprietário inocente” da lei americana Comprehensive Environmental Response,Compensation and Liability Act (conhecida pela sigla CERCLA ou ainda como Superfund, do nome do fundo criado por essa lei) para defender-se de eventuais demandas judiciais.31 Mesmo tendo sido formulada para atender a um propósito específico, a norma ASTM E 1527 é largamente empregada (ou adaptada) em várias partes do mundo como um guia para avaliações do tipo fase I. Outra norma (ASTM E 1528), também publicada inicialmente em 1993, e denominada Standard Practice for Environmental Site Assessment: Transaction Screen Process – Prática Padrão para Avaliação Ambiental de Terrenos: Processo de Triagem de Transações, é empregada para auxiliar nas investigações sobre a existência de locais contaminados. Trata-se, basicamente, de um questionário para avaliar a condição ambiental de um imóvel comercial. As perguntas são dirigidas ao proprietário e ao ocupante do imóvel e visam detectar indícios de que algum uso atual ou passado do imóvel ou dos imóveis vizinhos possam ter causado contaminação do solo. O trabalho é completado com uma visita ao local, feita por profissional da área ambiental. A precaução com relação à existência de contaminação do solo ou outras formas de passivo ambiental tem se difundido mundialmente. Em São Paulo, a Câmara Ambiental da Construção Civil32 divulgou, em outubro de 2003, o Guia Para Avaliação do Potencial de Contaminação em Imóveis (Silva et al., 2003). Trata-se de um roteiro para investigar a possível presença de contaminantes, através de entrevistas, levantamento documental e inspeções de campo. O guia propõe um procedimento semelhante a uma avaliação ambiental fase I, porém mais simples. Seu principal objetivo é orientar os interessados quanto às “precauções que podem ser tomadas e aos procedimentos que podem ser adotados antes da realização de uma transação imobiliária ou antes do início da implantação de um empreendimento, com a finalidade de verificar se a área a ser ocupada apresenta contaminação que coloque em risco a saúde humana (trabalhadores, usuários e vizinhos do empreendimento dentre outros) ou o meio ambiente.” Para realizar uma avaliação ambiental de um imóvel, as primeiras etapas são o levantamento de informações preexistentes sobre o imóvel e adjacências (Figura 4). Informações úteis costumam estar dispersas em arquivos de diferentes órgãos públicos ou entidades privadas e sua compilação não só pode ser bastante trabalhosa como requer método. Busca-se dois tipos de informação: informação sobre fontes de contaminação e informação sobre usos atuais e pretéritos do solo. Fontes usuais de informação ambiental incluem cadastros de indústrias ou de fontes de poluição, cadastros de atendimentos a acidentes ambientais, cadastros de áreas contaminadas. Quanto ao uso do solo, busca-se reconstituir o histórico de uso do imóvel através das mais variadas fontes como fotografias aéreas, mapas, guias de ruas e guias comerciais (inclusive listas telefônicas antigas); pode-se também consultar cadastros de prefeituras e cartórios de registro de imóveis. 31 As implicações dessa lei são discutidas em Sánchez (2001). As Câmaras Ambientais são um espaço de debate sobre questões ambientais que afetam um determinado setor da atividade econômica. Reúnem representantes de secretarias do governo estadual, de 32 Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. análise documental reconhecimento do local entrevistas avaliação e preparação do relatório fonte: norma ASTM E 1527-00 Figura 4 - Etapas de uma Avaliação Ambiental de Imóveis. O reconhecimento da situação atual do imóvel é a tarefa seguinte do auditor ou do usuário dessas normas e guias de avaliação ambiental de terrenos. O Quadro 2 mostra, de maneira sintética, os requisitos da norma ASTM E 1527-00 para o reconhecimento de campo. A terceira etapa da avaliação ambiental de imóveis é a condução de entrevistas, com proprietários e ocupantes do imóvel, bem como com funcionários de órgãos públicos que possam ter algum conhecimento sobre as atividades atuais ou passadas ali realizadas. Finalmente, o trabalho termina com a preparação de um relatório conclusivo. Há muitas variações sobre este modelo básico de due diligence. Uma delas é incluir uma estimativa do valor do passivo, considerando-se as técnicas usualmente empregadas para sua correção (recuperação de áreas degradadas). É claro que a incerteza de tal estimativa é grande e somente com trabalhos de investigação do tipo fase II pode-se ter uma estimativa de custo com menor margem de erro. No entanto, levando em conta os próprios custos de uma investigação fase II e o tempo necessário para realiza-la, muitas estimativas do montante do passivo ambiental são feitas unicamente com base em uma auditoria fase I. A Figura 5 mostra o fluxograma de atividades preconizado pelo Guia Para Avaliação do Potencial de Contaminação em Imóveis (Silva et al., 2003). Deve-se notar as recomendações para o caso de se encontrar indícios de contaminação no imóvel. Nesta hipótese, o Manual de Áreas Contaminadas (Cetesb, 2001) indica as ações necessárias. De acordo com a terminologia adotada por esse manual, há uma sucessão de etapas para que uma área seja considerada contaminada: uma auditoria fase I ou o emprego do Guia para Avaliação do Potencial de Contaminação em Imóveis (Silva et al., 2003) pode concluir pela suspeita de existência de contaminação. Tal suspeita somente pode ser verificada através de uma investigação confirmatória, que é o equivalente a uma avaliação de fase II. Caso não se encontre indícios de contaminação Prefeituras, de empresas, de universidades e de organizações não-governamentais. Foram instituídas pelo governo do Estado. Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. no imóvel, as atividades de construção podem prosseguir, mas o empreendedor deve estar atento a eventuais sinais que possam ser detectados no decorrer das obras. QUADRO 2 PRINCIPAIS REQUISITOS PARA A ETAPA DE RECONHECIMENTO DE CAMPO DE UMA AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE IMÓVEIS  observações gerais (8.4.1)            uso atual do imóvel usos passados usos atuais dos imóveis adjacentes usos passados dos imóveis adjacentes usos atuais ou passados nas imediações condições geológicas, hidrogeológicas, hidrológicas e topográficas descrição geral das estruturas acessos fonte de água potável sistema de lançamento de esgotos observações internas e externas (8.4.2)  uso atual: identificar aqueles que possam envolver o uso, geração, tratamento, armazenamento ou disposição de substâncias perigosas  usos passados  identificar as substâncias perigosas, as quantidades envolvidas, tipos de recipientes e condições de armazenamento através de observação visual ou física, entrevistas ou registros  identificar tanques subterrâneos e superficiais  observar qualquer odor forte, ou acre  descrever a presença de quaisquer poças ou drenos contendo líquidos  descrever a presença de tambores, exceto se for sabido que seu conteúdo não é perigoso  descrever a presença de embalagens que possam constituir condições ambientais reconhecidas  meios de aquecimento e refrigeração  manchas de corrosão  drenos e sifões  observações externas (8.4.4)        buracos, poças e lagoas manchas no solo ou no pavimento vegetação (sinais de estresse) resíduos sólidos e aterros de qualquer natureza efluentes poços sistemas sépticos fonte: norma ASTM E 1527-00 Como citar: Sánchez, L.E. (2005). Dano e passivo ambiental. In. Phillipi Jr., A. e Alves, A.C. (Orgs.), Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Ed. Manole, p. 261-293. Figura 5 – Fluxograma para avaliação de um imóvel. (Fonte: Silva et al, 2003.) Conclusão A gestão do passivo ambiental é um novo campo da gestão ambiental que vem se consolidando mundialmente. Interessa aos governos e às empresas, assim como às comunidades que sofrem as conseqüências das diversas formas de degradação ambiental. Como de hábito em planejamento e gestão ambiental, o desenvolvimento e a aplicação das ferramentas de gestão do passivo ambiental necessitam equipes multidisciplinares e profissionais capazes de transitar pelas diferentes áreas do conhecimento, profissionais que eles próprios tenham um perfil transdisciplinar. A dívida ambiental que as gerações presentes herdaram do passado continua crescendo. A recuperação da qualidade ambiental é cada vez mais um imperativo. 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