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FATORES ASSOCIADOS À PRÁTICA DO BINGE DRINKING
ENTRE ESTUDANTES DA ÁREA DA SAÚDE
Factors associated with practice of binge drinking
among students of health
Fernanda Mourão Cardoso (1), Henrique Andrade Barbosa (2), Fernanda Marques da Costa (2),
Maria Aparecida Vieira (2), Antônio Prates Caldeira (3)
RESUMO
Objetivo: identificar a prevalência do consumo de álcool e a de fatores associados ao binge drinking
entre acadêmicos da saúde de uma instituição de ensino superior. Métodos: trata-se de uma pesquisa
transversal e analítica, cujo instrumento de coleta foibaseadono Alcohol Use Disorders Identification
Test. A associação entre o binge drinking e demais variáveis foi investigada pela análise bivariada e
Regressão Logística. Resultados: a prevalência de uso de álcool foi de 135 estudantes (74,9%) e
do binge drinking foi de 44 (15,3%). O binge drinking foi associado ao sexo masculino e ao tipo de
religião. Quanto aos prejuízos para a vida acadêmica, o beber problemático esteve associado às faltas escolares, ao baixo desempenho em avaliações, ao envolvimento em brigas ou eventos fora da
lei. Conclusão: houve alta prevalência de consumo de álcool e prejuízos relativos ao desempenho
acadêmico estiveram associados ao binge drinking.
DESCRITORES: Alcoolismo; Estudantes de Ciências da Saúde; Bebedeira; População em Risco;
Transtornos Relacionados ao Uso de Álcool
INTRODUÇÃO
O álcool é considerado uma substância psicoativa que atua no sistema nervoso central afetando
o comportamento e é largamente utilizada por
produzir sensações prazerosas. É amplamente
consumido pelos jovens e seu consumo vem
crescendo chegando a estimativa de 10 a 12% da
população mundial; na população brasileira, 11%
são dependentes do álcool. Também é responsável por 60% dos acidentes de trânsito e 70% das
mortes violentas, cerca de 1,8 milhões de mortes
no mundo (5% são de jovens entre 15 e 29 anos de
idade)1,2. Estudos epidemiológicos identificaram que
o consumo de bebidas alcoólicas, particularmente
(1)
Universidade Estadual de Montes Claros, Unimontes, Montes Claros-MG, Brasil.
(2)
Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de
Montes Claros, Unimontes, Montes Claros-MG, Brasil.
(3)
Programa de Pós-Graduação Stricito Sensu em Ciências
da Saúde, Universidade Estadual de Montes Claros, Unimontes, Montes Claros-MG, Brasil.
Conflito de interesses: inexistente
entre os jovens, é um importante problema de saúde
pública por ser a toxicomania mais frequente; o uso
abusivo de álcool é, portanto, reconhecido como
uma doença2-5.
Universitários, ao ingressarem na universidade,
iniciam um período crítico em que sofrem diversas
transformações em suas vidas, entre elas, o acesso
ao álcool e, por muitas vezes, fazem uso indiscriminado desta substância1,6,7.
Os estudantes da área da saúde constituem um
grupo que merece atenção especial em relação ao
uso de álcool e outras substâncias, pois serão os
profissionais que, no futuro, poderão trabalhar com
esta temática e, segundo estudo3 são os que mais
se envolvem em abuso de álcool. Estes jovens
estão, comumente, vulneráveis aos episódios
de binge drinking, termo empregado para determinar o uso excessivo e episódico de álcool1,7,8. A
quantidade de álcool que determina essa prática é
de cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas em
uma única ocasião por homens ou quatro ou mais
por mulheres, desconsiderando a frequência de
uso9.
Rev. CEFAC. 2015 Mar-Abr; 17(2):475-484
476
Cardoso FM, Barbosa HA, Costa FM, Vieira MA, Caldeira AP
O consumo abusivo de álcool se associa a
inúmeras consequências negativas para a saúde
física e mental dos jovens e à sociedade e, em
qualquer circunstância, os custos da prática do
binge drinking são consideráveis em todos os
aspectos – econômicos, sociais e emocionais1,10.
Apesar do número expressivo de publicações que
relacionam diversos problemas relacionados ao uso
abusivo do consumo de bebidas alcoólicas, ainda
são poucos os estudos que sugerem a construção
de medidas voltadas para a detecção precoce do
uso nocivo do álcool11. No Brasil, há uma escassez
de estudos sobre consumo de bebidas alcoólicas
e prática de binge drinking. Há lacunas de estudos
sobre esta temática,especialmente em instituições
privadas de ensino superior, onde,supostamente,
concentram-seas classes socioeconômicas mais
favorecidas. Algumas pesquisas sugerem que o
uso de álcool é maior neste extrato da população,
mas este comportamento,até então, não foi completamente descrito1,8,10.
Considerando ser fundamental que as atividades de promoção da saúde sobre essa temática
sejam desenvolvidas e fundamentadas em dados
que reflitam a realidade e auxiliem na identificação
de intervenções efetivas8,12 é que este estudo foi
proposto.
O presente estudo objetivou identificar a
prevalência do consumo de álcool e a de fatores
associados ao binge drinking entre acadêmicos da
saúde de uma instituição de ensino superior.
MÉTODOS
Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes
Claros (Unimontes), pelo Parecer nº 2100/2010
e todos os participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Trata-se de um estudo transversal e analítico,
realizado na cidade de Montes Claros, localizada
ao norte do Estado de Minas Gerais que possui
uma população de aproximadamente 385 mil
habitantes13 e representa o principal polo urbano e
universitário da região.
A pesquisa foi realizada em uma instituição
de ensino superior, com a participação de acadêmicos, regularmente matriculados nos cursos de
graduação em Ciências Biológicas, Biomedicina,
Enfermagem, Farmácia e Psicologia.
No período de coleta de dados, em 2011, os
arquivos desta instituição revelavam um total de
1.267 estudantes nos referidos cursos. Foi realizada
amostragem aleatória estratificada. O número de
individuos determinado pelo cálculo foi de 295,
Rev. CEFAC. 2015 Mar-Abr; 17(2):475-484
considerando uma prevalênciade 50%doevento
eadmitindo-se um erro de 5%.
O instrumento de coleta de dados foi constituído de perguntas fechadas com alternativas
de respostas em categorias fixas e preestabelecidas, baseadas no Alcohol Use Disorders
IdentificationTest
(AUDIT),questionáriodesenvo
lvido pela Organização Mundial de Saúde comoinstrumentoderastreamentoparaclassificar o consumo
de álcool14. Compunha-se, ainda, de questões
sobre o perfil sociodemográfico e de outras que
abordavam o prejuízo que a bebida alcoólica pode
trazer para a vida acadêmica e de maneira geral.
Essas questões abrangem situações de risco no
trânsito, envolvimento em brigas e situações fora
da lei, além da ausência e/ou baixo desempenho
em atividades da Instituição de Ensino15.
Embora o AUDIT seja uma ferramenta universalmente aceita e aplicada, não permite detalhamento
sobre a quantidade e a qualidade (se destilada
ou fermentada) de bebida alcoólica ingerida, e,
assim, não alcança a precisão desejada quando
a coleta dos dados é realizada por questionário
autoaplicativo,o caso deste estudo. A partir das
informações coletadas, os envolvidos no estudo
foram classificados em usuários ou não e como
praticantes ou não do binge drinking.
A variável dependente foi o binge drinking
determinado pelo uso de cinco ou mais doses de
bebida alcoólica (cerveja, vinho e/ou destilados)
em uma única ocasião9, e essa variável foi dicotomizada em sim ou não. As variáveis independentes
foram agrupadas em aspectos sociodemográficos
e situações de risco ou eventos indesejáveis após
o uso de álcool(contidas nos dois instrumentos
de coleta de dados), sendo analisadas quanto à
frequência e, posteriormente, categorizadas em sim
e não.
As análises estatísticas foram realizadas
utilizando-se o software SPSS® versão 18.0 for
Windows. Após análise descritiva, a associação
entre o binge drinking e as variáveis independentes
foi investigada por meio da análise bivariada utilizando qui-quadrado de Pearson. Nessa etapa, as
variáveis com p < 0,20 foram incluídas na análise
múltipla que foi feita por meio da Regressão
Logística. Para a análise ajustada adotou-se um
nível de significância de 95%, mantendo-se as
variáveis associadas com p < 0,05 no modelo final.
RESULTADOS
A amostra deste estudo foi composta por 295
estudantes distribuídos entre o primeiro e o décimo
período dos cursos existentes na instituição. A taxa
de resposta foi de 97,3% (287). A participação
Binge Drinking entre estudantes da saúde
dos diversos cursos deu-se proporcionalmente ao
número de estudantes devidamente matriculados
em cada um, conforme dados apresentados na
Tabela 1.
Quanto ao perfil dos estudantes, observou-se
maior prevalência do sexo feminino 211(73,5%);
faixa etária de 18 a 25 anos de idade 226 (79,0%);
residiam com a família189 (66,0%) e se autointitularam católicos 194(67,6%).
477
A Tabela 1 mostra a prevalência do consumo
regular de bebidas alcoólicas entre os acadêmicos. Quanto ao uso em vários dias da semana, o
consumo de cerveja foi o mais frequente comparado
aos destilados e ao vinho. Em relação ao consumo
entre 1 e 3 vezes por semana, também a maior
frequência foi para o consumo de cerveja.
Tabela 1 – Principais tipos e frequência de bebidas consumidas por estudantes dos cursos da saúde
de uma instituição de ensino superior privada no norte do estado de Minas Gerais – Brasil, 2011
(N=287).
Bebida
Cerveja
Mais de 3 vezes por semana
1-3 vezes por semana
1 vez ao ano ou menos
Não bebe
Vinho
Vários dias da semana
1-3 vezes por semana
1 vez ao ano ou menos
Não bebe
Destilados
Vários dias da semana
1-3 vezes por semana
1 vez ao ano ou menos
Não bebe
As principais situações de risco e eventos
indesejáveis em que os estudantes se envolveram,
após o consumo de bebida alcoólica, encontram-se
na Tabela 2. Observou-se que 54dos estudantes
(18,9%)dirigiram veículos após beber; 6(2,0%)se
envolveram em acidentes de trânsito; 54 (18,8%)
não compareceram às atividades da instituição de
ensino; 24(8,4%) apresentaram baixo desempenho
em avaliações acadêmicas e 32 (11,2%) envolveram-se em brigas ou eventos fora da lei.
A Tabela 3 mostra a associação entre variáveis
do perfil sociodemográfico, variáveis relativas a
N
%
38
109
35
105
13,2
38,0
12,2
36,6
7
73
135
72
2,4
25,4
47,0
25,1
9
83
66
129
3,1
28,9
23,0
44,9
situações de risco e eventos indesejáveis com
a prática do binge drinking. Segundo a análise
bivariada observa-se que o binge drinking esteve
significantemente associado ao sexo, ao tipo de
religião, ao fato de dirigir após beber, ao não comparecimento às atividades da instituição de ensino, ao
baixo desempenho em avaliações acadêmicas e ao
envolvimento em brigas ou eventos fora da lei. Não
houve associação significante entre a prática do
binge drinking e as variáveis: idade, procedência,
período do curso, local de residência e o envolvimento em acidentes de trânsito.
Rev. CEFAC. 2015 Mar-Abr; 17(2):475-484
478
Cardoso FM, Barbosa HA, Costa FM, Vieira MA, Caldeira AP
Tabela 2 – Situações de risco ou eventos indesejáveis após o consumo de álcool entre os estudantes
dos cursos da saúde de uma instituição de ensino superior privada no norte do estado de Minas
Gerais – Brasil, 2011(N=287).
Situações de risco ou eventos indesejáveis
Dirigir após beber
Mais de uma vez nos últimos dois meses
Apenas uma vez nos últimos dois meses
Aconteceu mas não recentemente
Nunca
Envolvimento em acidentes de trânsito
Mais de uma vez nos últimos dois meses
Apenas uma vez nos últimos dois meses
Aconteceu mas não recentemente
Nunca
Não comparecer às atividades da instituição de
ensino
Mais de uma vez nos últimos dois meses
Apenas uma vez nos últimos dois meses
Aconteceu mas não recentemente
Nunca
Baixo desempenho em avaliações acadêmicas
Mais de uma vez nos últimos dois meses
Apenas uma vez nos últimos dois meses
Aconteceu mas não recentemente
Nunca
Envolvimento em brigas ou eventos fora da lei
Mais de uma vez nos últimos dois meses
Apenas uma vez nos últimos dois meses
Aconteceu mas não recentemente
Nunca
A Tabela 4 apresenta o modelo ajustado para
os fatores associados à prática do binge drinking,
entre os estudantes da área da saúde. Para essa
tabela foram inseridas apenas as variáveis que
permaneceram associadas (p<0,05) na análise
múltipla.
A prática do binge drinking se manteve estatisticamente associada às variáveis – sexo, tipo de
religião, não comparecimento às atividades na
Rev. CEFAC. 2015 Mar-Abr; 17(2):475-484
N
%
20
14
20
233
7,0
4,9
7,0
81,1
1
2
3
281
0,3
0,7
1,0
98,0
12
13
29
233
4,2
4,5
10,1
81,2
2
7
15
263
0,8
2,4
5,2
91,6
1
5
26
255
0,4
1,7
9,1
88,8
instituição de ensino e ao envolvimento em brigas
ou eventos fora da lei. Também a prática do binge
drinking foi maior entre os homens; entre aqueles
com outra religião; entre os que frequentemente não
comparecem às atividades acadêmicas; entre os
que apresentam baixo desempenho em avaliações
acadêmicas e entre aqueles que referem envolvimento em brigas ou eventos fora da lei.
Binge Drinking entre estudantes da saúde
479
Tabela 3 – Associação entre variáveis estudadas e a prática do binge drinking entre os estudantes
dos cursos da saúde de uma instituição de ensino superior privada no norte do estado de Minas
Gerais – Brasil, 2011(N=287).
Binge Drinking
Variáveis do Perfil
Sexo
Masculino
Feminino
Idade
Menos de 25 anos
25 anos ou mais
Procedência
Montes Claros
Outros
Período do curso
>4o
<4o
Residência
Família
Outros
Tipo de religião
Outras
Católica
Não
Sim
P valor*
n
%
N
%
50
193
20,6
79,4
26
18
59,1
40,9
0,00
190
53
78,2
21,8
36
8
81,8
18,2
0,58
146
97
60,1
39,9
28
16
63,6
36,4
0,65
127
84
60,2
39,8
17
20
45,9
54,1
0,10
164
79
67,5
32,5
25
19
56,8
43,2
0,17
12,2
87,8
0,00
23
21
52,3
47,7
0,00
42
2
95,5
4,5
0,32
20
24
45,5
54,5
0,00
30
14
68,2
31,8
0,00
29
15
65,9
34,1
0,00
79
33,3
5
158
66,7
36
Situações de Risco e Eventos Indesejáveis
Dirigir após beber
Não
210
86,4
Sim
33
13,6
Envolvimento em acidentes de trânsito
Não
238
97,9
Sim
5
2,1
Não comparecer às atividades da Instituição de Ensino
Não
213
87,7
Sim
30
12,3
Baixo desempenho em avaliações acadêmicas
Não
233
95,9
Sim
10
4,1
Envolvimento em brigas ou eventos fora da lei
Não
229
94,2
Sim
14
5,8
*Valor p – derivado do teste de qui-quadrado
Rev. CEFAC. 2015 Mar-Abr; 17(2):475-484
480
Cardoso FM, Barbosa HA, Costa FM, Vieira MA, Caldeira AP
Tabela 4 – Modelo ajustado dos fatores associados ao binge drinking entre os estudantes dos cursos
da saúde de uma instituição de ensino superior privada no norte do estado de Minas Gerais – Brasil,
2011(N=287).
Variáveis Independente
Sexo
Feminino
Masculino
Tipo de religião
Católica
Outra
Não comparecer às atividades da Instituição
de Ensino
Não
Sim
Baixo desempenho em avaliações acadêmicas
Sim
Não
Envolvimento em brigas ou eventos fora da lei
Não
Sim
OR ajustada*
IC 95%**
Valor P ***
1
3,172
2,13-6,74
0,00
1
4,323
1,38-13,51
0,01
1
3,152
1,28-7,72
0,01
1
4,453
1,45-13,66
0,00
1
2,681
1,08-8,14
0,05
*OR-Odds Ration** IC- Intervalo de Confiança *** Valor p – derivado da Regressão Logística com teste Odds Ration
DISCUSSÃO
Esta investigação permitiu conhecera prevalência do consumo de álcool entre os estudantes
da área da saúde de uma Instituição de Ensino
Superior e também mostra a prevalência e fatores
associados ao binge drinking, identificando os
prejuízos que esse comportamento pode representar para a vida acadêmica.
Nesse estudo 135 estudantes(74,9%) relataram
fazer uso de bebida alcoólica, independente da
frequência ou tipo de bebida, enquanto 25,1%
afirmaram nunca ter bebido. Estudo realizado com
acadêmicos da saúde de Montes Claros – MG8
mostrou que 71,5% dos estudantes ingerem bebida
alcoólica, ou seja, o consumo foi ligeiramente
menor que o observado na presente investigação.
Por outro lado, em estudo realizado emCampinas16
identificou-se que 82,6% de uma amostra de
estudantes universitários das diversas áreas já
haviam consumido álcool. Outra pesquisa sobre
a prevalência do consumo de bebidas alcoólicas,
envolvendo acadêmicos da área de Ciências
Biológicas da Universidade Pública de São
Paulo-USP mostrou que 84,7% desses haviam feito
uso de bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses17.
Também em estudo realizado entre estudantes
do curso de Psicologia de Vitória, Espírito Santo,
apontou que 85,07% dos entrevistados já haviam
feito uso de álcool ao longo da vida18. Nos três
Rev. CEFAC. 2015 Mar-Abr; 17(2):475-484
últimos estudos apresentados observam-se índices
de consumo superiores ao identificado nesta
investigação.Vale ressaltar que, segundo dados
do IBGE (2013), esses municípios têm Índices
de Desenvolvimento Humano (IDH) alto (Montes
Claros-MG 0,770) e muito alto (Campinas-SP e São
Paulo-SP 0,805) para as médias nacionais.
Para os alunos das áreas de Ciências Biológicas
e da Saúde, a prática do binge drinking merece
enfoque, visto que estes futuros profissionais serão
responsáveis por disseminar conhecimentos e
prestar cuidados para a população. Esta questão é
preocupante, pois poderão se tornar dependentes
em relação ao uso problemático de álcool e drogas,
causando interferência na habilidade de prestar
cuidado adequado aos seus clientes16.
O uso abusivo de álcool tem sido responsável
por consequências adversas, como doenças
cardíacas e cerebrovasculares, eventos fatais e
transtornos psiquiátricos que são cada vez mais
frequentes entre jovens4, principalmente entre os
universitários, como evidenciado pelos estudos
citados, que mostraram alto consumo da substância
em todas as instituições de ensino superior
investigadas. O alto índice de uso de álcool entre
estudantes universitários pode estar relacionado
ao ambiente permissivo das universidades. Além
disso, a universidade dá aos estudantes a primeira
oportunidade de ser parte de um grande grupo de
pares sem supervisão familiar. Isto os torna mais
Binge Drinking entre estudantes da saúde
vulneráveis a experiências até então proibidas e até
mesmo ilícitas10.
Em relação ao beber problemático, ou seja,
à prática do binge drinking, foi identificada entre
44 estudantes (15,3%), no presente estudo. Em
pesquisa realizada com universitários de diversos
cursos, no sul do Brasil, o beber problemático
foi observado entre 67,8% dos estudantes, que
afirmaram já ter consumido seis ou mais doses
de álcool em uma única ocasião, sendo que os
episódios de binge drinking ocorriam mensalmente
entre 20% desses universitários – percentual
maior que o encontrado na presente investigação.
Neste estudo, a prevalência do beber episódico
pesado também se mostrou inferior àquela do I
Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool entre
Universitários, que identificou percentual que variou
de 29,0% a43,7%19.
Quanto ao consumo episódico pesado em
relação ao sexo, este estudo revelou que o
binge drinking foi maior entre estudantes do sexo
masculino (OR=3,172). Esse resultado está de
acordo com o que é culturalmente esperado, sendo
comum e socialmente aceito que o homem beba
mais que a mulher. Em um inquérito nacional que
buscou verificar o consumo de álcool e outras
drogas entre universitários, no Brasil, identificou-se que os homens bebem mais e em maior
quantidade que as mulheres, mas também mostrou
uma tendência de aumento do consumo entre as
mulheres19.Também,outra investigação com universitários de uma universidade pública de Montes
Claros-MG mostrou que o binge drinking foi maior
entre os homens, corroborando os achados da
presente pesquisa10.
Quanto à vulnerabilidade de estudantes da
área da saúde pelo uso abusivo do álcool, mesmo
com maior acesso a informações, estudo20 mostra
que, apesar de seu dedutível conhecimento sobre
os efeitos do álcool e outras drogas, consomem
estas drogas em proporções semelhantes às
dos jovens de mesma idade na população geral.
Esses estudantes desenvolvem a convicção de
que serão capazes de controlar os problemas
que eventualmente possam surgir a partir do uso
indevido do álcool e outras drogas21. Trata-se de
uma situação crítica, porque podem se tornar profissionais dependentes ou com uso problemático de
álcool, o que seguramente pode gerar problemas
pessoais, profissionais e sociais.
Convém discutir que os profissionais de saúde
são, frequentemente, identificados como modelos
de comportamentos em relação às medidas de
prevenção e promoção da saúde e podem gerar
impactos negativos para as comunidades onde
atuam2. Ao assumir um comportamento negligente
481
com a própria saúde o profissional pode estimular,
mesmo que de forma não intencional, a população
também a assumir esse tipo de comportamento
como algo adequado em relação à saúde.
É importante ressaltar que entre os diversos
prejuízos do uso abusivo do álcool destaca-se a
associação com outras drogas5 que, também são
utilizadas de forma geral, mas são especialmente
comuns entre estudantes da área da saúde; muitas
vezes pela facilidade de prescrição e acesso, colaborando para o envolvimento desses estudantes em
situações que oferecem risco à saúde20,21.
Dentre as situações de risco e prejuízos relacionados ao uso de álcool envolvendo estudantes
destaca-se que esse comportamento pode prejudicar a vida acadêmica e social desses jovens.
O uso de álcool pode favorecer posturas inadequadas, tais como a adoção de comportamento
sexual desprotegido com maior risco de contrair
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e
a gravidez não desejada7, além de maior envolvimento em brigas e problemas com a lei. Neste
estudo, os estudantes apresentaram uma chance
de 2,86 de se envolver em brigas ou problemas
com a lei em relação à chance daqueles que não
praticam o binge drinking. Situação semelhante foi
observada em estudo realizado também em Montes
Claros-MG, entre estudantes da área da saúde
de uma Universidade Pública. Na investigação
identificou-se uma chance maior do estudante que
pratica o binge drinking de se envolver em brigas e
problemas com a lei quando comparados aos que
não adotavam essa prática8.
Quanto à relação abuso de álcool e acidentes de
carro, estudos indicam que o abuso é o principal fator
associado aos acidentes de trânsito, pois dificulta a
tomada de decisões rápidas por causar entorpecimento das habilidades psicomotoras10,22,23. Contudo,
no presente estudo, não foi possível evidenciar
associação estatisticamente significante entre o
binge drinking e maior envolvimento em acidentes
(p=0,32). Tal situação poderia ser explicada talvez
pelo baixo de número de estudantes que possuem
carro próprio, contudo essa variável não investigada
nesse estudo.
Observou-se, ainda, nesta investigação, que
entre aqueles jovens que praticavam binge drinking,
houve maior prejuízo nas atividades acadêmicas
(OR=3,152) e mais ausências nas atividades da
instituição de ensino (OR=4,453), demonstrando
que o beber episódico e pesado pode interferir
no comprometimento e rendimento acadêmico, e
contribuir para a formação de profissionais menos
preparados para prestar cuidados em saúde. Em
estudo prévio entre estudantes da área da saúde
tal associação já havia sido identificada, ou seja,
Rev. CEFAC. 2015 Mar-Abr; 17(2):475-484
482
Cardoso FM, Barbosa HA, Costa FM, Vieira MA, Caldeira AP
verificou-se que os estudantes que praticavam o
binge drinking tinham maior chance de apresentar
baixo desempenho e se ausentar mais nas atividade
acadêmicas8.
Por outro lado, há alguns fatores que atuam
como proteção quanto ao uso do álcool e, um deles,
é a integração a grupos religiosos. A literatura
tem mostrado que praticantes de alguma religião
utilizam menos bebidas alcoólicas e, geralmente,
não praticam o binge drinking e, por conseguinte,
não desenvolvem dependência à substância10,17,24.
Situação semelhante foi observada nesta investigação ao verificar que a chance para praticar o
binge drinking foi 4,3 vezes maior que aquela entre
os estudantes que não possuíam religião ou não se
manifestaram como católicos.
CONCLUSÃO
O estudo evidenciou alta prevalência de
consumo de álcool entre estudantes da área da
saúde, com destaque para os estudantes de psicologia, que apresentou maior consumo. A prática do
binge drinking esteve associada ao sexo masculino
e a religião não católica. Quantos aos prejuízos
para a vida acadêmica o beber problemático esteve
associado ao não comparecimento a atividade
escolares, ao baixo desempenho em avaliações ao
envolvimento em brigas ou eventos fora da lei. Tal
situação evidencia a impacto negativo do uso de
álcool entre estudantes da área da saúde.
Estudos com diferentes delineamentos devem
ser realizados de forma a possibilitar análises mais
específicas sobre o binge drinking. Pesquisas com
essa abordagem além de encontrar altas prevalências de uso de álcool e ocorrência de alcoolismo,
possibilitam identificar semelhanças e diferenças
entre os estudantes dos diversos cursos da área da
saúde em relação à ingestão de álcool.
Espera-se que os resultados deste estudo
permitam a formulação de políticas públicas visando
à promoção e prevenção do uso abusivo de álcool
(e também de outras drogas) no âmbito acadêmico;
fortaleçam os programas já existentes de apoio
aos usuários de bebidas alcoólicas; estimulem
a criação de espaços na universidade onde se
possam discutir temáticas pertinentes ao hábito de
consumir o álcool. Espera-se, ainda, incentivar o
desenvolvimento de pesquisas similares em outros
cursos da comunidade universitária, cada vez mais
profundos, a fim de ampliar o conhecimento sobre
os comportamentos dos estudantes que colocam
em risco a saúde individual e coletiva ao fazer uso
das bebidas alcoólicas.
ABSTRACT
Purpose: identify the prevalence of alcohol consumption and the factors associated with binge
drinking among academic health of an institution of higher education. Methods: this is a crosssectional analytical study, the instrument of data collection was based on theAlcohol Use Disorders
Identification Test. The association between binge drinking and other variables was assessed by
bivariate and logistic regression analysis. Results: the prevalence of alcohol use was 135 (74.9%)
and binge drinking was 44 (15.3%). The binge drinking was associated with male gender and the type
of religion. As to harm to the academic life problematic drinking was associated with school absences,
low performance on assessments, involvement in fights or events outside the law. Conclusion: there
was a high prevalence of alcohol consumption and losses related to academic performance were
associated with binge drinking.
KEYWORDS: Alcoholism; Students, Health Occupations; Binge Drinking; Population at Risk; AlcoholRelated Disorders
Rev. CEFAC. 2015 Mar-Abr; 17(2):475-484
Binge Drinking entre estudantes da saúde
REFERÊNCIAS
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Recebido em: 19/04/2014
Aceito em: 06/09/2014
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Fernanda Marques da Costa
Av. Rui Braga, sn, Vila Mauricéia
Montes Claros – MG – Brasil
CEP: 39402-603
E-mail: fernandafjjf@yahoo.com.br
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