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O Estado Moderno “O caso é de um príncipe bem desempenhar o seu papel e de saber, oportunamente, fingir e dissimular. Os homens são tão simples e tão fracos que quem os quer enganar, facilmente os engana.” O Príncipe - Maquiavel - 1532 A maioria dos filmes ambientados na Idade Moderna exibe cenários exube rantes das cortes européias. Mostram palácios freqüentados por uma elite educada e fina, que exala charme e elegância, sugerindo que nessa época não havia pobreza e miséria. Nessas histórias os monarcas parecem identificados com o povo, governando em harmonia e prosperidade. No filme “Os Três Mosqueteiros”, o jovem D’Artagnan junta-se a Athos, Pathos e Aramis no intuito de defender a família real, ameaçada pelas intrigas do esperto cardeal Richelieu. As cenas de aventura misturam ficção e realidade, levando os espectadores a uma ponta de inveja, por não terem vivido as situações emocionantes do filme. Esse lado da Idade Moderna encanta e fascina, mas há o outro lado, marcado pela realidade das monarquias absolutas, que usaram e abusaram da imposição política como forma de garantir a ordem. “Todo poder, toda autoridade residem na mão do rei e não pode haver outra autoridade no reino a não ser a que o rei aí estabelece”. Luís XIV O Estado Moderno ou Antigo Regime, substituiu a fragmentação política da época feudal. Para que a centralização se efetivasse, foi preciso um longo processo de transformações e mudanças. A demora se deu pela reação de muitos nobres que não admitiam perder seus privilégios. Analisando o contexto geral, podemos identificar que a Guerra dos Cem Anos, a Peste Negra e as inúmeras revoltas camponesas e urbanas provocaram um clima favorável à guinada em favor das monarquias. No início da época moderna vários Estados estavam consolidados e o mapa do continente já apresentava o contorno de inúmeras fronteiras territoriais. Dentre as mudanças mais marcantes, destacam-se: a França incorporando no século XVI, o ducado de Borgonha e o ducado da Bretanha, a Espanha consolidada em 1492 após a derrota dos árabes, e a Inglaterra juntando-se ao País de Gales, logo após o fim da Guerra das Duas Rosas. Também nasceu do antigo Sacro Império uma constelação de vários reinos e a Holanda despontou como o grande paraíso dos banqueiros. Lembrando-se ainda de Portugal que efetivara a consolidação política muito antes das outras nações. Coroação de Luís XII. Quadro de Rubens. O Estado Moderno “AQUELE QUE DEU REIS AOS HOMENS QUIS QUE OS RESPEITASSEM COMO SEUS LUGARES-TENENTES, RESERVANDO APENAS A SI PRÓPRIO O DIREITO DE EXAMINAR A SUA CONDUTA. SUA VONTADE É QUE QUALQUER UM NASCIDO SÚDITO OBEDEÇA SEM DISCERNIMENTO; E ESTA LEI TÃO EXPRESSA E TÃO UNIVERSAL NÃO FOI FEITA EM FAVOR DOS PRÍNCIPES APENAS, É SALUTAR AO PRÓPRIO POVO AO QUAL É IMPOSTA”.3 Os novos Estados nasceram em meio a várias contestações, porém a motivação pela união acomodava os conflitos, adequando a sociedade à nova realidade política. A época admitia certos sacrifícios nacionalistas onde se agruparam alguns povos com razoáveis diferenças culturais. O poder centralizado revelou-se eficaz na manutenção da unidade, impedindo as defecções e a volta ao particularismo. As monarquias uniformizaram o sistema de pesos e medidas, implantaram a moeda única e a cobrança regular de impostos. O desdobramento dessas medidas permitiu ao continente europeu assegurar um lugar preponderante na época moderna, através da conquista de vastas regiões do Novo Mundo. BURGUESIA E NOBREZA O processo de centralização contou com o apoio integral da burguesia, que temia o regresso da descetralização feudal. Na formação dos exércitos foi muito importante a participação do investimento burguês, utilizado na compra da pólvora, que tinha um valor muito alto. A burguesia teve como retorno desse apoio, a possibilidade de maior enriquecimento, beneficiada que foi pela economia centralizada. Em várias oportunidades, os burgueses foram socorridos pelos monarcas, que abriam os cofres reais drenando capital para os banqueiros e mercadores. Na concessão de monopólios sempre havia um burguês favorecido, na obtenção de permissão de venda de mercadorias. Os reis também serviram de “guarda-chuva”, que protegia os burgueses das investidas da Igreja. A idéia eclesiástica que o lucro através de empréstimos seria punido por Deus, era um obstáculo para a total expansão dos negócios. Com a proteção real os burgueses conseguiam uma blindagem contra as perseguições do clero. Os aspectos psicológicos também devem ser levados em conta, pois os burgueses buscavam a ascensão social e o status de nobreza. Muito raramente conseguiam, pois a nobreza togada obtida pelos burgueses era uma clonagem da nobreza de sangue azul. A expectativa de conseguir as vantagens econômicas levou a burguesia a suportar as imposições políticas do absolutismo, o controle das corporações e as rigorosas regras de mercado. O Tempo da História SÉCULO XVI 1516 MAQUIAVEL PUBLICA “O PRÍNCIPE” SÉCULO XVII 1588 1534 HENRIQUE VIII ROMPE COM A IGREJA CATÓLICA DESTRUIÇÃO DA INVENCÍVEL ARMADA 1618 1648 GUERRA DOS 30 ANOS 1661 1715 REINADO DE LUÍS XIV Luís XIV Entretanto, o crescimento posterior dos negócios e o acúmulo de capital, colocaria burgueses e monarquia absoluta em posições antagônicas, detonando as incendiárias jornadas revolucionárias da Inglaterra e na França. Na hierarquia política os nobres estavam em melhor condição que os ricos burgueses. Os monarcas que despontavam no seio da nobreza, agiam em sintonia com a classe à qual pertenciam. Na prática, era até contraditório imaginar um monarca rejeitando a nobreza, para governar com a burguesia. A aceitação incondicional da autoridade real permitiu aos nobres viverem uma lua-de-mel de interesses com a monarquia absoluta. A nobreza foi premiada com isenção de impostos e o favorecimento nos assuntos judiciais, num clima de união quase nunca abalado. Viver num palácio real era equivalente a viver no paraíso. O luxo e riqueza ofuscavam os “pobres mortais” que não tinham essas regalias. Os motivos mais banais eram comemorados em festas que reuniam centenas de pessoas. Nessas comemorações, a elite se amontoava ao redor das mesas, deglutindo “elegantemente” os suculentos banquetes. “A corte toda assiste às refeições do rei: ele come só, ou com a família real, muito raramente convida alguém à sua mesa. Luís quer beber: O nobre que o serve proclama: Bebida para el-rei. Faz uma reverência, vaiao bufê tomar de um cortesão a bandeja de ouro com o copo e as garrafas d’água e vinho, retorna entre dois domésticos. Depois de nova reverência, os servidores provam as bebidas em taças de vidro (velho hábito, para ver se não há veneno); o fidalgo inclinase, apresenta o copo e as garrafas. O próprio serve-se da bebida (Luís XIV nunca tomava puro o vinho). E o fidalgo, depois de curvar-se pela quarta vez, devolve a bandeja ao doméstico que a repõe no bufê. Este cerimonial leva uns dez minutos; comer e beber, de funções banais do dia-a-dia, se elevam a gestos espetaculares, que seduzem e se exibem.” 2 O Estado Moderno ”Tudo que se encontra na extensão dos nossos estados, de qualquer natureza que seja nos pertence”. No absolutismo a nobreza tinha o direito de cobrar impostos, que tilintava primeiro no bolso dos nobres, para depois chegar aos cofres reais. A precariedade dos meios de comunicação impedia a monarquia de organizar um sistema eficiente de arrecadação, deixando os monarcas à mercê da nobreza. De olho no aumento do prestígio, os nobres disputavam nomeações de títulos hereditários, indicados diretamente pelo rei. Duques, marqueses, condes e barões lotavam as cortes, desfrutando fantásticas regalias. A pompa real servia para distinguir os integrantes da corte do resto do povão. Nem a burguesia tinha acesso ao “fechado clube real”, salvo honrosas exceções. Os códigos de etiqueta aprendidos com esmero, integravam a educação formal, assim como as aulas de Filosofia e Teologia. Nesse teatro o rei era o astro principal do espetáculo. Os monarcas do Estados Modernos, em maior ou menor grau, concentraram em suas mãos poderes ilimitados. Reis famosos, como Henrique VIII, Felipe II, Luís XIV e tantos outros povoaram o imaginário de várias gerações e a produção de histórias fantásticas. Inúmeros palácios e castelos foram construídos, códigos exigentes de etiqueta foram elaborados. Ao mesmo tempo, cena de interior e retrato de família que ilustra o novo modelo de vida adotado pela aristocracia e pela burguesia. Willian Hogarth. Reunião de Família. londres. As carruagens da nobreza despertavam olhares curiosos das pessoas excluídas das grandes festas e banquetes. Com efeito, esse conturbado período legou para o mundo atual, vários padrões de comportamento e códigos de etiquetas, que teimam em sobreviver apesar das inúmeras mudanças da história. O Estado Moderno AS NAÇÕES E O PATRIOTISMO A luta pela definição do espaço territorial das nações deixou o continente em estado de guerra, provocando o despertar do sentimento nacionalista mesclado com a obrigação de fidelidade à autoridade real. Os laços de suserania e vassalagem transformaram-se em acordo coletivo da nação com o rei. O particularismo feudal foi substituído pela crença de que o Estado era mais poderoso quanto mais forte era o rei. As guerras de perfil nacional contribuíram para aumentar o prestígio dos reis, associando-os à imagem de estabilidade e segurança. O interesse comum sobrepujou a necessidade particular, alçando os monarcas à condição de líderes nacionais. A literatura da época inspirou-se nesse contexto político para resgatar as glórias do passado. Várias publicações francesas ressaltavam a vitória de Carlos Martel, na batalha de Poitiers, em 732. As batalhas vencidas por Carlos Magno serviam como exemplo de bravura e coragem. A lembrança dos antepassados gauleses honrava as tradições guerreiras do povo francês. Os escritores italianos exaltavam o período de glória da Pax Romana. Em Portugal, Camões escreveu Os Lusíadas, glorificando as façanhas dos navegadores conterrâneos que conquistaram o Novo Mundo, enquanto Shakespeare utilizaria o mito de Henrique V e a vitória inglesa na batalha de Azincourt como tema de uma grande obra. Os juristas dos Estados Modernos recorreram ao antigo Direito Romano para elaborar as leis das novas nações. O contato ostensivo com o Oriente permitiu um conhecimento mais amplo do Corpus Juris Civilis, disseminando a sua influência em todo o Ocidente. Os antigos romanos tinham por hábito glorificar os imperadores, vinculando-os às grandes conquistas, mitificando-os como magníficos heróis. O estilo romano de exaltação da ordem e do poder se adequava perfeitamente ao contexto de consolidação das monarquias nessa fase. A IGREJA E O ABSOLUTISMO Depois de muita briga a autoridade real se impôs à Igreja Católica. Na inversão dos papéis, os bispos e padres tornaram-se vassalos dos reis. Ficou para trás a época em que reis se ajoelhavam diante dos papas implorando privilégios. No final da Idade Média tornou-se comum, a nomeação de bispos e abades sob interferência direta dos reis, que escolhiam os clérigos de acordo com a conveniência política. A Reforma Protestante no século XVI acentuou o recuo da Igreja, e deu vantagens aos monarcas que se mostravam fiéis ao catolicismo. Especialmente na Itália, França, Espanha e Portugal, viu-se uma atitude de submissão privilegiada em relação à autoridade real. O casamento de interesses entre monarquia e clero permitiu à Igreja desfrutar de invejáveis mordomias, tal qual a nobreza. Festa de camponeses. Quadro de 1650. David Teniers “O progresso da monarquia absoluta não se deve apenas ao desejo, natural nos reis, de aumentarem o seu poder. O Direito Romano já contribuíra, no século XIII, com a idéia do Príncipe Absoluto que concentra na sua pessoa todos os poderes e cuja vontade faz lei. A voga da Antigüidade dá, no século XVI, novo surto ao Direito Romano, acrescentando-lhe a idéia antiga do herói, do semideus dominador e benfazejo. Contudo, não são apenas as representações mentais que se impõem ao indivíduo e lhe determinam doravante os seus atos. O Direito Romano deveu seu êxito ao fato de ter apresentado fórmulas cômodas para exprimir as tendências profundas dos contemporâneos. O herói é o modelo do ser a quem os povos tem a necessidade de se entregar. A doutrina do absolutismo corresponde às necessidades dominantes desta sociedade e como que a um desejo do corpo social.” 4 “O Estado sou eu”. A O Estado Moderno As mudanças políticas da Baixa Idade Média já Tudo isso levou a apontavam para esse camiIgreja a aceitar o seu panho. Nunca é demais lembrar pel de coadjuvante na hieas dificuldades enfrentadas rarquia do Estado, o que pela Igreja durante o procesnão excluía as inúmeras so de formação da monarvantagens desfrutadas, quia francesa. O seqüestro face à condição de intedo papa Bonifácio VIII no grante das cortes européiséculo XIV, inverteu a ordem as. Para sua sorte, em di(não tão natural) das coisas. versas oportunidades de Na cidade de Avignon, por crise, os monarcas termitrês mandatos os papas fonavam recorrendo ao auram obrigados a governar a xílio da Igreja, buscando cristandade sob influência do suporte ideológico, na surei francês Felipe IV. O veposta vontade divina dos xame eclesiástico inspirou a reis governarem. A propaelaboração de obras políticas ganda religiosa em defesa que defendiam uma nova dos monarcas católicos postura da Igreja Católica. ajudou a consolidar a auO livro “Do poder toridade real, vinculando o Real e do Poder Papal”, especado à contestação da crito por João de Paris, em ordem pública. 1302, indicava que o clero Luís XIV deveria se limitar ao poder A NATUREZA DO espiritual. Defendia que o ESTADO poder temporal tinha de ser exercido pelo rei, no papel de administrador das quesdefinição política do Estado Moderno tões políticas na Terra. Dizia que o papa era superior provocou polêmicos debates entre os em dignidade, mas isso não lhe dava o direito de interhistoriadores. Uma corrente defende a ferir nos assuntos do Estado. Em outra obra, O essência burguesa, alegando a presença de ministros Defensor da Paz, de Marsiglio de Pádua, publicada em burgueses em funções importantes no Estado. Os de1324, afirmava-se que o clero deveria se ocupar do fensores dessa idéia ressaltam o apoio incondicional dos mundo espiritual, deixando para o governo a burgueses, na época de formação das monarquias. Oupreocupação com o mundo natural e secular. Acredita- tro grupo de historiadores defende a neutralidade do va Marsiglio, que o Estado não precisava da instrução Estado Moderno, alegando uma postura que estaria do papa para governar os súditos. acima dos grupos sociais. Uma terceira corrente defende A conduta dos integrantes da Igreja ajudava a o caráter feudal do Estado destacando os privilégios aumentar o clima de animosidade, como provam inú- concedidos à nobreza e ao clero. Analisando-se as três meros relatos que descrevem situações absurdas, ocor- visões encontramos falhas em todas as concepções. ridas em mosteiros e conventos. A propagação da imOs defensores do caráter burguês esquecem que prensa e a efervescência do Renascimento Cultural o número de ministros burgueses era irrelevante, quanajudaram a difundir essas obras, colocando a Igreja do comparado a quantidade exagerada de ministros em postura defensiva. Bocaccio, ao escrever Deca- nobres e eclesiásticos. Além do mais, o apoio incondimeron, denunciava “a vida devassa e sórdida do cle- cional da burguesia foi suplantado em importância, na ro” e os pecados “naturais e sodomíticos” de monges integração da nobreza com os monarcas, após as sue padres. cessivas crises que abalaram o “Não causa surpresa, quando as altas cama- século XIV. Além disso, os ridas do clero se encontravam em tal estado, que, entre gores do mercantilismo agias ordens regulares e o clero secular, os vícios e as ram como camisa de força, irregularidades de toda espécie se tivessem tornado impedindo a livre expansão cada vez mais comuns. (...) Não é de se admirar, con- dos negócios burgueses. forme depõem tristemente os escritores contemporâPara a nobreza e o neos, que se haja demonstrado pouco respeito para clero os reis asseguraram com os sacerdotes. A imoralidade deles era tão cho- a participação no aparelho cante que já se começavam a ouvir sugestões de se do Estado. A escolha dos permitir que se casassem.(...) Muitos dos mosteiros nobres que preenchiam encontravam-se em condições deploráveis. Os três es- cargos burocráticos cobria senciais votos de pobreza, obediência e castidade, uma lacuna importante, eram, em alguns conventos, quase inteiramente des- substituin prezados.” 5 O Estado Moderno do as rendas feudais que diminuíram com o passar do tempo. Os nobres que permaneceram em suas terras tiveram dos reis a conivência e permissão para a cobrança de extorsivos impostos, como se ainda estivessem no auge da época feudal. Na véspera da revolução em 1789, camponeses da França imploravam ao rei que abolisse a corvéia e outras terríveis imposições. Como a nobreza não pagava impostos, vivia do sustento proporcionado pelas outras classes - burguesia e camponeses, desfrutando das mordomias e regalias garantidos pelo Antigo Regime. A segunda teoria, da posição neutra do Estado, “Os reis são senhores absolutos e têm naturalmente a disposição plena e inteira de todos os bens que são possuídos tanto pelas pessoas da igreja como pelos seculares”. Luís XIV Carnaval “o rei bebe”, do pintor belga David Teniers despreza a própria origem do monarca, identificado de antemão, com os interesses da classe à qual pertence. A aristocracia escolhida para compor o governo era, em sua imensa maioria, oriunda da nobreza e do clero passando a exercer, daí em diante, o papel de classe dominante. As regalias obtidas pelos grupos detentores do poder invalidavam a opção de neutralidade, diante de uma realidade em que classes parasitas sugavam a riqueza produzida pelo restante da sociedade. A defesa do caráter feudal perde sustentação quando se constata que apesar de submeter a burguesia, os reis procuravam barganhar um mínimo de vantagens que lhes permitissem em troca, desfrutar do capital burguês. Além da já citada uniformidade de impostos, taxas e leis, os reis desenvolveram o mundo dos negócios, incentivando a abertura de bancos e o crescimento das manufaturas. O Estado Moderno, de um lado, restringia os negócios burgueses através das inúmeras regras burocráticas do mercantilismo mas, de outro, não sobrevivia sem a força do capital burguês. O círculo vicioso na esfera do capital tornava a burguesia dependente dos reis para se estabelecer com uma certa tranqüilidade, enquanto que aos reis sossegava a possibilidade recorrer à burguesia nos momentos de dificuldade. Mas se as três teorias não têm sustentação, que tipo de Estado é o Absolutismo? “Seria inútil, além de errôneo, tentar definir esse tipo de Estado a partir de caracterizações mais ou menos unilaterais como feudal, capitalista ou neutro. A rigor, ele não é exatamente nenhuma dessas coisas. Trata-se do tipo de Estado que caracteriza a transição, impossível de ser reduzido a mero epifenômeno da estrutura econômica, ou seja, do modo de produção dominante. Trata-se de uma relação essencialmente contraditória: o apoio ao capital comercial e, pelo menos de início, ao capital industrial não se opõe, necessariamente, à defesa e manutenção dos interesses senhoriais ou feudais da aristocracia dominante. Para compensar o declínio da renda feudal, o Estado absolutista necessita cada vez mais aumentar seus próprios rendimentos e isso só se torna possível protegendo e estimulando ao máximo as atividades produtivas em geral. O Estado absolutista tende a expressar a busca de um equilíbrio precário, a longo prazo impossível, entre classes e frações de classe cujos interesses são em parte complementares e em parte antagônicos.” 7 AS MONARQUIAS E OS REIS Cada nação desenvolveu ao longo do Antigo Regime, uma ordem política que variava de acordo com as circunstâncias, não havendo no continente europeu, um modelo único de monarquia absoluta. A rigor, pode se dizer que França e Espanha foram os exemplos mais contundentes de monarquia absoluta. As duas tiveram sua época de glória nos séculos XVI e XVII. Os dois países serviram de referência para as outras cortes européias. Cada uma, no seu tempo, serviu de modelo de prosperidade e grandeza. No apogeu das conquistas nas regiões ultramarinas, a monarquia espanhola se tornou um império intercontinental. A família de Filipe V. Quadro de Louis Michel de Toulon. 1743 O rei Filipe II se gabava que a Espanha possuía regiões, de onde o sol nascia, até onde o sol se punha”. Exageros à parte, em 1580 a dominação espanhola consistia no controle de várias regiões da Europa Portugal, Holanda, Sacro Império Romano-Germânico e alguns reinos italianos, mais as regiões colonizadas na América e pontos de comércio no continente asiático. Com o apoio da Igreja, em 1520, o rei espanhol Carlos V assumiu o controle do gigantesco Império Romano- Germânico. A região era um vasto complexo feudal correspondendo, nos dias de hoje, à junção territorial da Alemanha, Áustria e uma parte do território polonês. Para azar de Carlos V, nesse exato momento, começavam os protestos de Lutero, desencadeando a Reforma Protestante. Agindo sob pressão o monarca topou uma briga que no final lhe traria grandes dores de cabeça. O ouro e a prata obtidos na América não bastaram para financiar as guerras contra os rebeldes protestantes. Em 1555, o rei espanhol foi obrigado a assinar a Paz de Augsburgo, permitindo aos príncipes alemães optarem pela religião protestante. Além disso, a política negligente da monarquia relegava a produção de manufaturas a um plano secundário. Desenrolou-se então, uma situação completamente inusitada. A Espanha ostentava a condição de nação mais poderosa, mas mendigava empréstimos aos banqueiros europeus. O ouro da América foi insuficiente para abastecer os gastos da suntuosa corte espanhola. Após a Guerra dos 30 Anos, a Espanha perdeu a condição de monarquia mais importante, substituída então pela França. A França teve seu momento de glória no reinado de Luís XIV, legando para a história o exemplo mais completo de autoridade real. O rei assumiu o trono com cinco anos de idade, mas só veio efetivamente a governar após a morte do cardeal Mazarino, que havia sido o seu tutor. A regência do cardeal foi marcada por várias confusões, a começar pela revolta da nobreza - a Fronda, colocando a monarquia em situação muito delicada. Entretanto, Mazarino saiu-se muito bem, neutralizando os nobres descontentes. O sucesso deu-lhe fôlego para conduzir a monarquia até que Luís XIV tivesse idade para assumir o trono. Em 1661, o cardeal transmitia ao jovem monarca, um país embalado pela ascensão econômica e estável politicamente. A história conspirava em favor dos franceses, pois a Espanha tinha sido esmagada na Guerra dos 30 Anos e a Inglaterra não era concorrente para disputar a hegemonia política da Europa. “O rei vê de mais longe e de mais alto; deve acreditar-se que ele vê melhor, e deve obedecerse-lhe sem murmurar, pois o múrmurio é uma disposição para a revolta”. Bousset A morte de Mazarino deixou inicialmente a corte apreensiva com o futuro da nação. Mas quando o arcebispo de Paris perguntou a Luís XIV a quem deveriam os franceses recorrer dali em diante, prontamente o rei lhe respondeu que assumiria pessoalmente o trono. No seu reinado de 54 anos, o monarca exrceu o poder com extrema autoridade. Ao final, seria lembrado como o ReiSol. O Estado Moderno “Em seus graus de dignidade e poder, os nobres do século XVII assemelhavam-se às cartas do baralho, que era um dos passatempos prediletos da época. Na categoria mais alta estavam os reis, que chefiavam as grandes casas reinantes da Europa; seu jogo era o poder, seu tabuleiro o mapa da Europa.” 6 O Estado Moderno Logo que tomou posse, Luís XIV tratou de organizar um ministério e um corpo de auxiliares que lhe devotassem total lealdade. Os monarcas anteriores distribuíam cargos entre a nobreza, na proporção direta da influência que eles exerciam na corte. Esse precedente tinha provocado sérios problemas, porque os nobres não se sentiam ligados ao rei. Normalmente, interessavam-se apenas em defender seus interesses pessoais. Desarticulando o esquema, o rei escolheu seus principais assessores nas classes mais intermediárias. “Mas mesmo contando com homens que eram exclusivamente instrumentos seus, Luís decidiu conservar firmemente nas mãos as rédeas do governo. Embora não fosse um homem de inteligência extraordinária, compensava essa deficiência com a dedicação ao trabalho. Todas as decisões, insistiam sempre, tinham de ser decisões suas. Nenhum detalhe, por ínfimo que fosse, escapava à sua atenção. “Nunca, enquanto vivo Após a renovação militar organizou-se na França, um exército absolutamente profissional, revolucionando os padrões militares da época. O exército foi submetido a uma rígida hierarquia, imitada mais tarde por outros países. Todos os oficiais eram controlados pessoalmente pelo rei, que indicava os intendentes de armas para se misturar com a tropa, na tentativa de identificar possíveis problemas. Estratégias eram decididas meticulosamente pelos comandantes graduados, sempre em sintonia com a vontade real. O único (e grande) defeito do exército de Luís XIV era a utilização excessiva de mercenários que, obviamente, não lutavam com o mesmo ardor patriótico dos soldados identificados com a nação. “Como é importante que o público seja governado por um só, também importa que quem cumpra esta função esteja de tal forma elevado que ninguém se possa confundir ou comparar com ele”. Luís XIV fores, despaches em nome do rei sem sua aprovação expressa”, escreveu Colbert, um dos ministros mais trabalhadores e mais dignos da confiança de Luís, a seu filho e sucessor”. 8 Para compor a sua corte o rei convocou cerca de 10 000 pessoas que viviam devotadas ao governo do Estado. As províncias distantes eram freqüentemente visitadas pelos intendentes, que transmitiam ao monarca um relato dos problemas a serem resolvidos. O exército foi renovado eliminandose os vícios da época feudal. Havia inúmeros casos de nobres que desobedeciam à autoridade real pelos motivos mais banais. Quando não estavam satisfeitos, os nobres demonstravam uma atitude hostil que enfraquecia as monarquias. A economia foi conduzida com extrema habilidade por Colbert - o incansável defensor da balança de comércio favorável. O mago da economia na corte de Luís XIV`, entrou para a história ao fazer milagres num país que esbanjava riqueza construindo palácios suntuosos. Antes de Colbert, a desordem econômica beirava o caos. A maioria das regiões agia por conta própria. Os impostos eram cobrados sem o menor critério e boa parte ficava nas mãos de funcionários corruptos que enriqueciam as custas da omissão do Estado. Em várias regiões os nobres, aleatoriamente, cobravam impostos embolsando uma boa parte, por conta dos serviços prestados ao rei. Até a nomeação do superministro Colbert, o rei não havia controlado as finanças e os gastos da corte. Basta se observar, que as corporações de comércio e ofício agiam como se estivessem ainda na época feudal. A fórmula mágica aplicada por Colbert, não tinha grandes mistéri os. O ministro implantou um esquema regular de verificação das contas da corte, colocando a nobreza na “corda curta”. Afastou os funcionários corruptos e criou um grupo de fiscais, responsáveis pela inspeção minuciosa das finanças reais. Além disso, derrubou todas as barreiras que existiam para a realização do comércio entre as regiões francesas. Diversas estradas foram construídas, permitindo um acesso mais fácil aos locais mais distantes. As companhias de comércio que apresentaram um perfil mais moderno tiveram o incentivo do Estado na forma de empréstimos e concessões. Colbert foi atrás dos principais mestres artesãos, levando-os para a França, em troca de prestígio e compensação financeira. Mas apesar de todas estas mudanças, Colbert não conseguiu acabar com o “câncer” responsável pela corrosão da economia - a moleza da nobreza e do clero. As classes parasitas eram isentas de impostos e sugavam boa parte das rendas do Estado. No auge da monarquia o Palácio de Versalhes tornou-se o símbolo desse imenso poder. Para construí-lo foram reunidos os melhores artesãos, jardineiros, arquitetos e artistas. O custo de meio bilhão de dólares é bem modesto aos padrões contemporâneos, mas para a época significava uma soma absurda. . Em Versalhes todos os detalhes adquiriam uma característica especial. Os jardins impressionavam pela simetria e pela organização racional dos elementos da natureza. Nos aposentos não faltavam objetos de ouro, candelabros de cristal, tapetes orientais e vasos de mármore. Vários nobres viviam no palácio ou nos seus arredores. Para distraí-los organizavam-se festas magníficas, além de apresentações de balé e teatro. Tanto poder e tanta glória sumiram na fumaça das varias guerras, que sugaram as finanças e drenaram recursos para o exército real. Teimosamente o rei caía na armadilha e se embrenhava em conflitos inúteis e desnecessários. Já no final do seu reinado, a derrota na Guerra de Sucessão Espanhola, frustrou a pretensão de Luís XIV coroar seu neto como rei da Espanha. O conflito terminou com a vitória inglesa que se afirmaria como potência continental. O rei Luís XIV morreu esquecido e doente, em 1715. Sua última frase - “Eu amei demais a guerra; não me imite nisso, nem nos gastos exagerados” - foi ouvida pelo delfim Luís XV, que parece não ter levado muito a sério os conselhos do pai. Seu futuro governo seria uma repetição dos mesmos erros e problemas. Os nobres vendo que o rei estava perto de morrer, deixaram-no abandonado à própria sorte (ou azar!). Ninguém na Europa tinha governado tanto tempo, afinal, foram 54 anos de reinado. Dizia-se em Paris que já era hora de terminar. A suntuosidade de Versalhes contrastava com 80% da população que vivia praticamente na miséria. O Estado Moderno “O ballet moderno resultou principalmente da paixão da corte francesa do século XVII pela dança e pelas representações teatrais de amadores. Várias noites da semana podiam ser dedicadas a tais divertimentos, e os aristocráticos intérpretes passavam dias ensaiando seus papéis. Como parte fundamental da educação de todos os nobres, esses espetáculos, caracterizados por trajes requintados e cená-rios fantásticos, pouco a pouco assumiram a forma da moderna arte coreográfica”.9 “Como ninguém era digno de comer ao lado do rei, Luís jantava só; os validos da corte olhavam fascinados - em parte porque Luís dispensava o uso do garfo, então uma invenção moderna. Seus casos de amor e suas reais amantes eram o tópico mais importante da conversação palaciana; seus comentários mais triviais eram fielmente repetidos e interminavelmente discutidos. Viver na temerosa presença do Rei Sol, observou um contemporâneo, era como viver na presença de Deus. Mas, como nada é perfeito! As instalações hidráulicas no palácio eram insuficientes e incômodas; até os nobres mais luxentos preferiam urinar nas escadas. Como se vê, o nível de limpeza pessoal era baixíssimo, e os banhos eram quase desconhecidos. Em vez disso, homens e mulheres, sem distinção, encharcavam-se de perfume, empoavam as grandes cabeleiras, e procuravam dar uma falsa idéia de limpeza”. 10 O Estado Moderno O Mercantilismo A auto-suficiência econômica e a produção de excedentes para a exportação constituíam importantes metas da política econômica mercantilista, colocada em prática pelo Estado absolutista da Era Moderna. Na gravura, o porto de Toulon na França. D eu-se o nome de Mercantilismo ao con junto de práticas econômicas adotadas pelas monarquias absolutistas do Antigo Regime. Essas medidas variavam com o tempo, dependendo do contexto em que foram aplicadas. Inicialmente, no século XVI, o ouro e prata obtidos pela Espanha nas colônias americanas motivaram o surgimento do metalismo. Essa concepção associava a riqueza das nações à quantidade de metais preciosos acumulados nos cofres reais. Segundo a crença, quanto mais ouro e prata, mais rica era uma nação. A hegemonia espanhola no continente contribuiu para reforçar a tese metalista, servindo de modelo para outras nações européias. Na Inglaterra o metalismo era conhecido como bulionismo, da palavra bullion - ouro e prata, em inglês. Depois de evidenciado no século XVI o metalismo entrou em decadência. O exemplo da Espanha se revelou o pior possível, pois a abundância de metais provocou a letargia da economia espanhola, prejudicando o desenvolvimento das atividades produtivas. Em contrapartida, cometiam o absurdo de importar palitos e cordões. A Espanha gastou milhões para sustentar o luxo da corte, esquecendo que um dia, o ouro e a prata poderiam terminar. A ambição pelo ouro levou milhares de espanhóis a uma louca aventura na América. Muitas regiões de produção agrícola foram abandonadas, em troca da riqueza fácil em terras americanas. “Ao findar o século XVII, a população espanhola fora reduzida em 1 milhão de habitantes (tomando-se, para comparação, os primeiros anos daquele século); por volta de 1715, enfim, a população espanhola voltara à marca de 1514: 7,5 milhões. Essa redução populacional pode ser explicada como o resultado de causas naturais e de causas decorrentes da ação humana: as pragas e epidemias agiram na mesma escala em que o fizeram no restante da Europa, a conquista e o desenvolvimento coloniais absorveram um número maior de vidas do que o indicado pelos registros oficias. (...) Por fim, a expulsão dos judeus e dos árabes e a fuga dos cristãos-novos e dos últimos árabes representaram um êxodo de importantes contingentes populacionais. O declínio da população, não obstante, constituiu apenas um dos aspectos de um fenômeno muito mais generalizado e de particular significação face ao desenvolvimento econômico: a contração econômica.” 11 Ironicamente, a circulação intensa de ouro e prata por todo o continente provocou, no final do século XVI, uma queda brutal no valor dos metais preciosos, ocasionando a primeira grande inflação da história. A “Revolução dos Preços”, como ficou conhecido o episódio, mostrou a fraqueza das concepções metalistas. A obsessão pelo acúmulo de metais gerou nos países europeus um processo inflacionário de longa duração. A Espanha foi a mais prejudicada pois era a principal patrocinadora da orgia metalista. Portugal, por razões diferentes, também teve o mesmo destino. Depois de um início promissor, quando lucraram bastante no comércio com as Índias, os portugueses esgotaram os recursos disponíveis com os gastos excessivos da monarquia. Os portugueses cometeram o mesmo erro dos espanhóis, achando que a riqueza nunca se acabaria. A exploração do açúcar não alterou esse quadro, pois dependiam da Holanda para refinar o produto. Tanto Espanha como Portugal descuidaram da produção de manufaturas. O desleixo tornou-os dependentes dos países efetivamente ricos do continente europeu. lho, num país inundado de produtos estrangeiros e depois de economia estagnada, ele estaria na miséria, e o Estado perdendo sua força, ficaria exposto aos piores males, à invasão e ao domínio estrangeiro”. 13 O fiasco das concepções metalistas exi giu a for mulação de um meio mais consistente e seguro de garantir a riqueza das nações. Dentre as varias concepções, destacou-se o ministro Colbert – mago da economia na corte de Luís XIV. Sua política consistia em produzir o máximo de manufaturas e importar o mínimo de mercadorias. Com essa fórmula evitava a drenagem de ouro e prata para os cofres das outras nações. A França de sua época o país de maior protecionismo alfandegário, visando afastar a concorrência estrangeira e fortalecer a produção interna. Além disso, a proteção das manufaturas francesas foi vinculada à valorização da mão-de-obra especializada, como forma de aprimorar a produção. O objetivo final de Colbert era conseguir um saldo positivo para o Estado e o equilíbrio das finanças, em suma, a balança de comércio favorável. França, Inglaterra e Holanda, apesar dos altos e baixos, foram capazes de assegurar a balança favorável. As outras nações não conseguiram sair do estágio agrícola e dependência do capital estrangeiro. A Holanda sempre manteve as características de centro financeiro e bancário, realizando empréstimos e financiando as monarquias debilitadas. A Inglaterra a partir do século XVII, desenvolveu ativa produção manufatureira, abastecendo o continente inteiro. A França desfrutou da glória no reinado de Luís XIV, onde despontaram os já citados esforços do ministro Colbert. “É preciso, com efeito, exportar o máximo e, de preferência, artigos fabricados, pois o trabalho neles invertido aumentou-lhes o valor. É necessário, pois, dispor do maior número possível de produtores e seguir uma política de aumento da natalidade. Mas, para vencer a concorrência, vender uma qualidade maior a um preço menor. As taxas de juro devem, por conseguinte, ser baixas, de modo que o empresário capitalista encontre capital barato. O operário deve ganhar pouco e é preciso mantê-lo num baixo nível de vida. De outro modo, porém, se lhes faltasse traba- As monarquias do Antigo Regime se destacaram pela rigorosa intervenção na economia. O Estado foi o agente fiscalizador das companhias de comércio, adotando severa fiscalização nas manufaturas e a cobrança de inúmeras taxas e impostos. Os fiscais reais não deixavam a burguesia em paz, averiguando desde a quantidade das mercadorias produzidas, até o cumprimento das normas de qualidade. Na França de Colbert houve um abrandamento do controle real, permitindo-se algumas regalias à burguesia. Investimentos foram liberados para o incentivo de novas manufaturas, com prazo elástico de carência para o pagamento dos empréstimos. As manufaturas mais qualificadas recebiam isenções fiscais, instalações gratuitas e prêmios pela produção. O Estado no absolutismo agia em benefício do seu próprio desenvolvimento. O crescimento da burguesia era sob intenso controle estatal. As razões políticas preponderavam em relação aos fatores econômicos e o fortalecimento da autoridade real dependia diretamente do sucesso das medidas econômicas. A monarquia absoluta não abriu mão do controle da economia, adotando m e d i d a s protecionistas e barreiras alfandegárias. Havia nas p r á t i c a s mercantilistas uma obsessão pela qualidade das mercadorias. Controlava-se a p r o d u ç ã o vigiando a quantidade, para que não excedesse a capacidade de c o n s u m o , principalmente dos produtos que não eram exportados. A pequena concorrência gerava preços altos, restringindoà elite o consumo das mercadorias manufaturadas. A França terminou sendo a maior vítima dessa realidade, pois a maior parte de sua produção era de artigos de luxo, em detrimento das mercadorias mais simples. A existência das corporações beneficiava o Estado absolutista, porque a sua rigidez combinava com as intenções do rei. Com a consolidação das monarquias, as eleições nas corporações tornaram-se um jogo de cartas marcadas. Só os artesãos e donos das manufatu- O Estado Moderno Balança de Comércio Favorável O INTERVENCIONISMO Quadro do século XVII mostra o ministro Colbert reunido com outros ministros da corte O Estado Moderno A sede da Cia das Índias Ocidentais, em Amsterdã. Fundada em 1621, a empresa holandesa prosperou, entre outras razões, por monopolizar o comércio de açúcar na Europa. As dimensões de sua sede dão uma idéia do seu poderio na época. ras mais ricas tinham chance de conquistar os cargos mais importantes. O Estado conseguiu criar um grupo fiel a seus interesses que, sucessivamente, se revezava nas corporações. Os corpos municipais contavam com a participação das pessoas ligadas à corporação e também foram monopolizados pela burocracia real. Com isso os monarcas neutralizavam possíveis reações às medidas impopulares. A situação dos operários nas manufaturas era a pior possível. O Estado exigia sacrifícios enormes vinculando o trabalho ao progresso da nação. Imprimia-se um ritmo louco de trabalho, envolvendo integralmente os operários na maratona da produção. A Igreja Católica estimulava a obediência aos patrões e combatia o descontentamento dos rebeldes. Nas manufaturas e artesanatos, celebrava-se a missa diariamente. As refeições eram precedidas pela leitura da Bíblia e os padres ensinavam cânticos religiosos vinculados ao trabalho. A falta grave era punida com chicotadas e os salários eram irrisórios. O operário recebia, no máximo, o suficiente para o sustento da família. A jornada era de doze a dezesseis horas diárias, com o intervalo de 30 a 45 minutos para a refeição. “Ao focalizar a questão da quantidade maior ou menor de homens desempregados, os mercantilistas fazem questão de distinguir entre aqueles que não trabalham porque não têm onde, e aqueles que são desempregados por sua exclusiva culpa, aliás a maioria. Para estes são válidos os meios coercitivos que o Estado e os empresários devem utilizar para forçálos a uma atividade digna, honrosa e produtiva. Por detrás desse discurso, sente-se claramente toda uma orientação voltada para a compulsão ao trabalho, cuja contrapartida é o nível bastante baixo dos salários. Na mentalidade da época, misturam-se, por isso mesmo as preocupações assistenciais para com os necessitados e a condenação à vagabundagem e à ociosidade, e isso de uma forma tal que, freqüentemente, o auxílio tem como contrapartida o trabalho obrigatório, ao mesmo tempo que a recusa a trabalhar oferece a justificativa para a repressão mais violenta e desumana.” 15 O PACTO COLONIAL A exploração colonial estava diretamente vinculada ao mercantilismo. As nações absolutistas impuseram às colônias, o consumo de manufaturas e outros artigos, exclusivamente fornecidos pelas metrópoles. O Estado vendia às suas colônias, produtos de alto valor e comprava mercadorias tropicais a um preço irrisório. A revenda de produtos tropicais no mercado europeu objetivava a balança de comércio favorável. As colônias eram rigorosamente proibidas de produzirem manufaturas, e até um simples alfinete podia ser motivo de severas punições. A produção colonial era limitada a artigos rudimentares: sandálias de couro, selas de transporte, roupas para escravos e outros artigos de pequeno valor. Apesar do controle, nem sempre a metrópole lucrava com o exclusivo colonial. As monarquias sem potencial produtivo, como Portugal e Espanha, eram obrigadas a comprar mercadorias em outras nações. No final a parte do leão caía no bolso alheio, em prejuízo das nações ibéricas. A Inglaterra que se especializou em produção de manufaturas, deitou e rolou no comércio colonial. Indiretamente terminou sendo a maior potência colonial. O Mercantilismo se apresentou de formas variadas, a depender do contexto de cada nação. As particularidades se relacionavam ao potencial econômico de cada Estado. A França no século XVI, deu ênfase à produção agrícola, visando a exportação e obtenção de moedas e metais preciosos. O desenvolvimento e a conquistas colônias na América, mudaram essa realidade, conduzindo o Estado para o incentivo à produção manufatureira, de olho, principalmente, no promissor mercado colonial. “Se o francês soubesse conservar suas riquezas e fruir de seu bem, comandaria todas as nações, estando ornado em tempo de paz, e fortificado em tempo de guerra, de uma quantidade incrível de ouro e prata, pela abundância que para aí aflui de todas as partes.” (Garrault) “E desde que saibamos nos aproveitar das vantagens que a natureza nos concedeu, tiraremos a prata daqueles que quiserem ter nossas mercadorias que lhes são necessárias e não nos sobrecarregaremos muito com seus gêneros, que nos são tão pouco úteis.” (Richelieu) 14 “Os meios ordinários, portanto, para aumentar nossa riqueza e tesouro são pelo comércio exterior, para o que devemos obedecer sempre a esta regra: vende mais anualmente aos estrangeiros em valor do que consumimos deles.” Colbert A Holanda é o segundo exemplo bem-sucedido de desenvolvimento. A região desempenhava desde a época do Renascimento Comercial, um ativo comércio com diversas cidades européias. Dezenas de banqueiros se estabeleceram nas cidades holandesas, onde existia um ambiente menos opressor, em comparação com os países católicos. A prosperidade teve um pequeno refluxo, quando foi submetida, no século XVI, ao domínio espanhol. A dominação espanhola teve um ponto final quando os holandeses enfrentaram a Espanha católica. Em 1610, a Holanda conseguiu a independência, acelerando a grande arrancada para o desenvolvimento. A indústria naval foi o alicerce da economia, originando o domínio dos oceanos, valendo-lhes o apelido de mercadores do mar. A Holanda foi ainda premiada com a incompetência dos portugueses, que transferiram para os flamengos boa parte da sua riqueza. “Na Inglaterra e na Holanda o governo defendia os interesses econômicos. Quando os espanhóis perderam o controle das províncias do norte da Holanda, no último quartel do século XVI, o poder político foi-se transferindo, cada vez mais, para as mãos da aristocracia urbana de comerciantes e fabricantes sediados em Amsterdã. Esses interesses urbanos adotaram políticas que atenderam às suas conveniências. A partir de 1590, mandaram fechar o Scheldt (o rio que liga Antuérpia ao mar do Norte) ao tráfico comercial. Essa medida representou um golpe mortal à fortuna econômica da cidade que havia dominado o comércio entre o norte e o sul da Europa, e entre a Inglaterra e o continente europeu, em fins do século XV e parte do século XVI. A posição de Antuérpia foi perdida para Amsterdã e, mais tarde, para Londres e Hamburgo. A criação da Companhia Holandesa das Índias Orientais e do Banco de Amsterdã, na primeira década do século XVII, também nasceu de uma aliança entre os setores econômicos e o governo, na defesa de seus interesses mútuos”. 16 As práticas mercantilistas tiveram, portanto, grande influência no acúmulo de capital e no enriquecimento das nações européias. Até o século XVIII, determinaram a forma como os reis, governantes e seus ministros deveriam administrar seus Estados. Foi aí que apareceram as primeiras contestações à forma rigorosa de intervenção do Estado, que bloqueava as intenções de crescimento da burguesia. As críticas ensejadas pelo Iluminismo apontariam o novo caminho da sociedade burguesa e liberal. O Estado Moderno A Inglaterra teve um desenvolvimento peculiar, pois administrou sua economia em ritmo diferente dos outros países europeus. A necessidade de proteger o território gerou o incentivo da indústria naval. Com isso se desenvolveram várias manufaturas, interligadas à construção de navios. Nos campos houve mudanças com inserção de práticas capitalistas. Os cercamentos, como foram chamados, transferiram para a burguesia várias terras, antes pertencentes à nobreza. Nessas terras a criação de carneiros e ovelhas garantiu o fornecimento da lã – matéria prima essencial para as manufaturas têxteis. A produção e exportação de artigos manufaturados estabilizaram a balança de comércio. No século XVII, a Inglaterra era nação, economicamente, mais poderosa do continente europeu. Neste retrato da metade do século XVII, pintado por Pieter de Hooch, uma família holandesa sobriamente vestida exala uma prosperidade tranqüila da segurança de seu pátio bemvarrido na cidade de Delft. O Estado Moderno Anotações