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PESQUISA APLICADA
Sistema único: modo federativo ou subordinativo na
gestão do SUAS
Aldaíza Sposati
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Sistema único: modo federativo ou subordinativo na gestão do SUAS
Resumo: Este artigo analisa algumas das bases do pacto federativo que vem sustentando o Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
nos últimos 10 anos. Parte do exame de dois elementos constitutivos desse pacto: o porte populacional dos municípios como definidor
de responsabilidades dos entes municipais no interior do SUAS e, por consequência, do que lhe cabe realizar; o financiamento das ações
do SUAS, abordando a distância entre a concepção de financiamento tripartite das atenções entre os entes federativos e, efetivamente
praticado. Para análise do primeiro tópico baseia-se em dados do Censo do IBGE de 2010. Para o segundo, sintetiza alguns resultados
do estudo desenvolvido, entre 2013 e 2014, pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Seguridade e Assistência Social da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (NEPSAS) em parceria com o Colegiado Nacional dos Gestores Municipais de Assistência Social
(CONGEMAS). Mostra o pouco conhecimento e a falta de monitoramento das despesas municipais com a política pública de
assistência social. Conclui pela necessidade de revisão do pacto federativo do SUAS.
Palavras-chave: Gestão pública. Assistência social. Despesas municipais. Sistema único. Pacto federativo.
Single System: a federative or subordinated mode for administration of the Single Social Assistance
System
Abstract: This article analyzes some of the bases of the federative agreement that has supported Brazil’s Single Social Assistance
System (SUAS) for the past 10 years. Based on an examination of two fundamental elements of this agreement: municipal population
as a determinant of responsibilities of the municipalities within the system and, as a consequence, of what they must do; finance actions
of the SUAS. The article addresses the distance between the tripartite conception of financing and care at the federal, state and municipal
levels and that which is effectively practiced. The first topic was analyzed based on census data from 2010 gathered by the Brazilian
Institute of Geography and Statistics. For the second, some results of a study conducted in 2013 and 2014 by the Nucleus of Studies
and Research about Social Welfare and Social Assistance at the Pontifíca Universidade Católica de São Paulo in partnership with the
National College of Municipal Social Assistance Administrators (CONGEMAS). The study reveals that there is little knowledge about
and a lack of monitoring of municipal spending on public social assistance policy. It concludes that there is a need to review the
federative pact guiding SUAS.
Keywords: Public administration. Social assistance. Municipal expenses. Single System. Federative pact.
Recebido em 22.08.2014. Aprovado em 25.02.2015.
R. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 50-61, jan./jun. 2015
Sistema único: modo federativo ou subordinativo na gestão do SUAS
Introdução
As dimensões territoriais e populacionais do Estado brasileiro, somadas às suas diversidades regionais
climáticas, ambientais, histórico-culturais mostram-se desafiadoras e, até mesmo, pouco amigáveis ao formato
de gestão federativa que ignora a particularidade histórico-cultural. A prevalência do princípio da isonomia,
aplicado como meio para atingir a igualdade, segue sendo interpretado como opção pela homogeneidade. Para
alguns, só a planura da homogeneidade é que garante o direito que torna um igual ao outro. Esse entendimento
trata a dimensão cultural, histórico e geográfica e o assentamento dos povos, como acessórios dispensáveis
sem compreender o que é, exatamente, essa singularidade histórica que fomenta a identidade e a solidariedade
que se mobilizam em forças sociais a compor a história democrática e republicana de cada ente federativo. A
identificação da diversidade presente na realidade do ente federativo é parte do exame das relações federativas à luz da democracia, bem como elemento de fomento do controle social que pressupõe contínua informação e audiência do cidadão nas respostas que lhe dizem respeito. O cidadão constrói sua percepção a partir do
lugar, da trajetória de vida e da sua posição de classe social. Propostas homogeneizadoras são a antítese da
história e da geografia do país e da trajetória dos que nele vivem em diferentes locais. Tratar igual o diferente
implica em correr o risco de desenhar uma atenção no campo do destrato e não, do trato.
O Estado Federativo no Brasil é composto por 5598 unidades: 1 Governo da União ou o Governo
Federal; 1 Distrito Federal com um Governador; 26 Estados, cada um com seu Governo regional; 5570 municípios, cada qual com a instalação de um arranjo institucional de uma Prefeitura e uma Casa Parlamentar, a
Câmara Municipal. O conjunto de munícipios brasileiros mantém alta diversidade entre si e sob várias dimensões. O trato de tais diferenciações não está, após 10 anos de vida do SUAS, suficientemente esclarecido,
entendido e considerado nos ensaios de pacto federativo para a gestão da política de assistência social que vem
sendo construído no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Entende-se o SUAS como uma racionalidade político-administrativa instituída no interior dos três entes
federativos tornando-se um dos componentes da gestão pública brasileira. Essa forma de presença institucional
da atividade assistência social no interior do Estado brasileiro está disposta pela Constituição de 1988, que lhe
validou o estatuto de política pública e a reconheceu no âmbito do Sistema Brasileiro de Proteção Social
inserindo-a na Seguridade Social juntamente com a Previdência Social e a Saude. Os novos lugares institucionais
em que a política de assistência social inserida como provedora de garantias sociais no interior do estado
brasileiro, à primeira hora, foi saudada com louvores e méritos. Todavia, esse olhar de esperança foi se
tornando fugaz uma vez que, alcançar em todos os espaços institucionais dos entes federativos essa configuração da assistência social como política de proteção social garantidora de direitos, implica diretamente na
ruptura e na superação da lógica persistente da benemerência individual que toma o Estado como agente
subvencionador de ações individuais de organizações sociais, de primeiras damas, entre outras representações
de elite de cada cidade.
A existência do SUAS foi formalizada pela lei 12435/2011, embora já estivesse sendo implementado nos
entes federativos apoiados na Deliberação da IV Conferência Nacional de Assistência Social de 2003 e na
Resolução do CNAS, que aprovou a Norma Operacional Básica de 2005, NOB-2005. Tais dispositivos inscrevem a política pública de assistência social e sua institucionalidade no interior do sistema federativo brasileiro,
com a responsabilidade de Estado em garantir determinadas seguranças sociais no âmbito da proteção social
pública. A responsabilidade é exercida pelos entes federativos que compõem o poder público brasileiro: a
União, os Estados da federação, o Distrito Federal e os Municípios.
1 Rebatimento da diversidade de características dos municípios brasileiros no pacto federativo
O pacto federativo do SUAS, instituído há 10 anos, mostra que a categoria “porte populacional dos
municípios brasileiros” é insuficiente e necessita de revisão. Alcançar a universalidade da cobertura pelas
atenções socioassistenciais exige a inclusão de critérios quantitativos e qualitativos que desvelem características do território e da população que habita os 5.570 municípios brasileiros, como fator de presença/ausência de
condições de acesso à proteção/desproteção social.
Dentre as questões que se colocam para concretizar os parâmetros do federalismo aplicado na gestão
do SUAS, está a relação entre porte populacional do município e a responsabilidade dos entes federativos na
provisão de proteção social básica e especial para os cidadãos. A gestão da assistência social a partir da
Política Nacional de Assistência Social de 2004, PNAS-04, inaugurou a classificação dos entes federativos
municipais a partir do seu porte populacional, isto é, da quantidade de população que concentra, tendo por fonte
os dados censitários oficias do IBGE. Essa inicativa correspondeu a um avanço no sentido de quebrar a pseudo
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homogenenidade da conformação das cidades brasileiras, tratadas nas agendas federais sob a homogenidade
da nominação legal de municípios, e suas competências uniformes, sem permitir a distinção entre uma metrople
de mais de uma dezena de milhões de habitantes ou de uma cidade de mil habitantes. Os habitantes, cidadãos
reais, ficam encobertos pela nominação municipío.
Sob o pacto federativo de gestão do SUAS foram geradas diferenciações de responsabilidade entre os
entes municipais a partir do seu porte populacional, representando significativo avanço. Por outro lado, é
impossível que um município com 5, 10 ou 20 mil habitantes, com parcelas urbanas e rurais diferenciadas, possa
adotar o padrão de resposta e modo de gestão igual a de um município de 300 mil ou de 12 milhões de
habitantes como, por exemplo, São Paulo. Reforçando ainda essa diferenciação, os pequenos municípios de
pequeno porte I, embora recebam essa classificação por registrar o máximo de 20 mil habitantes, têm sua
escala de população bastante diferenciada, variando de 800 a 20 mil habitantes. As 15 cidades brasileiras com
menos de 1400 habitantes somam um total de 17.439 brasileiros, ou seja, a soma dos habitantes de 15 entes
federativos não alcança sequer o limite de 20 mil habitantes.
Quadro 1 - Referências à distribuição dos municípios brasileiros por porte populacional de
acordo com resultados do Censo de 2010, Brasil1
Distribuição dos municípios
Cidades brasileiras = 5.565 municípios
Porte populacional
189.798.423 (s/DF)
Porte Pequeno I (até 20 mil habitantes) - 3.915 municípios - 70%
32.651.969- 17,%
Porte Pequeno II (+ 20 a 50 mil habitantes) - 1.043 - municípios - 19%
31.735.460- 16,%
Porte Médio (+50 a 100 mil habitantes) - 324 - municípios - 6%
22.296.466- 12%
Grande Porte (+100 a 900 mil habitantes) - 266 – municípios - 5%
63.307.418- 33%
Metrópole (+900 mil habitantes) - 17 municípios - 0,3%
41.184.295- 22%
Distrito Federal, 2.609.997 habitantes - Total de habitantes no Brasil em 2010, 192.382.739 habitantes.
Fonte: Elaborado pela autora, com base nos Resultados do Censo de 2010, Fundação IBGE.
Na discriminação dos entes federativos por porte populacional, a quase totalidade, 89%, é constituída
por municípios que não chegam a 50 mil habitantes. Desse total, 3.915 municípios são de pequeno porte I, ou
70% dos entes federativos municipais. Esse volume grandioso contém outras informações que exigem repensar responsabilidades e garantias de atenção postos no pacto federativo: 1252 municípios (32%) possuem até
5 mil habitantes; de cinco a 10 mil habitantes são 30%; de 10 mil a 15 mil habitantes são 21%; de 15 mil a 20 mil
habitantes são 17%. Portanto, 60% dos municípios brasileiros têm menos de 10 mil habitantes, sendo que parte
deles não possui sequer um profissional de nível universitário.
Não é factível que um município com, mais ou menos, mil, duas mil ou cinco mil famílias, espalhadas
entre áreas rurais e urbanas, possa manter oferta diferenciada de serviços socioassitenciais públicos. Quando
muito se pode assentar nesses municípios um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), para operar
com capacidade para situações que demandam proteção social especial de baixa complexidade, contando com
a retaguarda de um Centro de Referência Especializado de Assistência social (CREAS), de abrangência
intermunicipal para atenções de alta complexidade. Essa engenharia de gestão entre atenções de proteção
social básica e especial exige a presença efetiva do exercício da responsabilidade do gestor estadual no pacto
federativo, o que não é ainda uma realidade. Esses dados permitem inferir que em 89% dos municípios brasileiros não há, para os cidadãos que neles vivem, condições de acesso às duas formas de proteção social básica
e especial, decorridos já 10 anos de implantação do SUAS. Essa situação não pode ser resolvida por um dos
entes federativos, o Município. Ainda que a população do pequeno município possa apresentar demandas
variadas – e é direito desse cidadão ter acesso ao serviço especializado – não haverá número suficiente de
situações que afirmem a instalação de um serviço para poucos usuários. Como resolver uma equação que
exige respaldar o custo de instalação com o volume de usuários constantes?
A atenção social em municípios de baixa concentração populacional requer um formato especial de gestão
que introduza respostas às situações que demandam atenções especializadas por meio de articulações intermunicipais,
o que, no sistema federativo, exige a presença da responsabilidade do Governo estadual como fomentador,
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articulador, agregador do avizinhamento de municípios. Pode-se afirmar que no Brasil e no campo da assistência
social ou do SUAS, a proteção social especializada é de alçada da responsabilidade estadual em 89% dos entes
federativos municipais brasileiros, o que não é afirmado categoricamente no pacto federativo atual do SUAS.
Essa dimensão não tem sido gerida no sentido da superação dessa exclusão no formato de pacto federativo
adotado pelo SUAS, que deveria ter por direção a resposta ao cidadão. Parte dos 89% dos municípios brasileiros
é objeto de exigência judicial em produzir atenções de caráter especializado, a partir de situações concretas que
demandam acolhida. Todavia, as normas do SUAS retira-lhes apoio e financiamento tripartite, como seria esperado para produzir tais atenções. Por sua vez, o ente federativo estadual não assume a responsabilidade por essa
atenção que, para 89% dos municípios brasileiros, deve ser prestada sob gestão intermunicipal a partir do
monitoramento da concentração de demandas. Alguns gestores desses municípios com menor população se
queixam desse (des)trato que os coloca como omissos em prover atenção especial à população demandatária
quando, de fato, os entes do pacto federativo ignoram essa responsabilidade e realidade.
Os 89% dos municípios de pequeno porte I e II, que congregam até 50 mil habitantes, englobam 33%
da população. Com isto, está sendo afirmado que as normas do ente federativo nacional, ao indicar a
presença de CREAS e de serviços socioassistenciais especializados na gestão municipal, está dialogando
apenas com a minoria de municípios brasileiros, 11%, ainda que estes concentrem em sua aglutinação
urbana 67% da população brasileira2. O ente federativo estadual deveria responder pela proteção especial
de 1/3 da população brasileira, o que não está claro em normas e pactos, e essa ausência vem criando fortes
tensões para 89% dos gestores municipais.
A discussão sobre porte populacional da cidade, direito de cidadania e pacto federativo foi desenvolvida
neste tópico sob a ótica dos serviços socioassistenciais, todavia, ela tem seu impacto também na oferta de
benefícios. O modo de assentamento da população no território deve ser levado em conta para além do volume
populacional que possui, pois a dispersão ou a concentração populacional interferem no desenho da distribuição
da rede de atenções. A responsabilidade do gestor municipal no SUAS é bastante diferenciada, não só pela
quantidade da população, mas pelo tipo de seu assentamento em áreas rurais ou urbanas. A gestão da economia distingue plenamente os interesses de proprietários e do empresariado rural e urbano a partir do seu
assentamento, promovendo regulações que atendam suas especificidades.
O predomínio da oferta de atenção urbana, a aglomerados populacionais, na implementação dos serviços
sociais públicos não encontra alternativa para a atenção de populações que vivem no meio rural. Não foram
criadas, ainda, modalidades de atenção que permitam garantir que a população rural tenha acesso aos mesmos
direitos sociais que a população urbana. Alcançar esse objetivo exige ter em conta a necessária e compatível
flexibilidade nas propostas e respostas de modo a incluir a cobertura da diferenciação de características decorrentes do espalhamento territorial, ou da não concentração do assentamento da população. É importante demarcar a
extensão de área de abrangência nos municípios da Região Norte e Centro Oeste do país.
O dimensionamento do trabalho profissional é diverso, pois o tempo para prestar a atenção ao usuário
precisa incluir o tempo de deslocamento e a oferta de meios para realizá-lo. Tem-se, aqui, outra variável a influir
no pacto federativo dos entes que gera impacto na
resolutividade do acesso. O alcance físico da distância entre
Essa engenharia de gestão
moradia do possível usuário, ou demandatário, e o local de
instalação do serviço socioassistencial para atenção do cidaentre atenções de proteção
dão é uma variável de peso para o resultado a alcançar. O
enfrentamento dessa situação envolve a combinação entre
social básica e especial exige a
municípios com baixo contingente populacional, mas com dimensão extensa em sua área geográfica de abrangência. A
presença efetiva do exercício
escala de densidade dos municípios brasileiros, pelos resultados do Censo IBGE 2010, varia de 0,13 hab./km² a 13.024
da responsabilidade do gestor
hab./km², pouco mais de 100.000 vezes. Na região Sudeste,
estadual no pacto federativo, o
no estado do Rio de Janeiro, de acordo com a Sinopse do
Censo de 2010, do IBGE, o município de São João de Meriti,
que não é ainda uma realidade.
localizado na Baixada Fluminense, tem a maior densidade
populacional do país, 13.024 hab./km², concentrando 458.673
habitantes em 35 km². Na outra ponta do país, destaca-se o
município de Japurá, no Estado do Amazonas, localizado no Alto Rio Negro, cuja densidade demográfica é de
0,13 hab./km². São 8.549 habitantes (Pequeno Porte I) em uma área geográfica de 56 mil km², isto é, 37 vezes
a área do município de São Paulo.
A partir dos resultados do Censo 2010 IBGE pode-se constatar que as menores densidades
demográficas municipais são registradas nos estados de Amazonas, Tocantins e Pará. Por contraponto e,
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para além de São João de Meriti do Rio de Janeiro, é na região da Grande São Paulo que se localizam os
exemplos de municípios com maior densidade demográfica: Diadema (12.519 hab./km²), Taboão da Serra
(12.049 hab./km²), Carapicuíba (10.680 hab./km²), Osasco (10.411 hab./km²), São Caetano do Sul (9.708
hab./km²). Considerar esses municípios apenas pela homogeneidade de porte esconde muitos outros elementos, como a dimensão do orçamento municipal, a oferta habitacional, a capacidade dos serviços, a
incidência das desigualdades sociais e econômicas entre outros tantos.
A presença e composição da população rural no município, além da urbana, é também fato de forte peso
no pacto entre os entes federativos, sobretudo ao se tratar de municípios de pequeno porte I e II. O exame dos
resultados do Censo IBGE de 2010, identifica que a população rural do Brasil decresceu em 2 milhões de
pessoas entre 2000 e 2010, embora em ritmo menor do que na década anterior. Porém, a Região Nordeste
concentra 47% da população rural do país, 14,3 milhões de habitantes rurais do total de 29,8 milhões que
compõem a população brasileira. A região Sudeste do país, de acordo com o Censo de 2010 do IBGE, foi a que
mais perdeu população rural, cerca de 17%.
Na área urbana a ampliação foi de quase 23 milhões de pessoas, total de 160,9 milhões. Os 81% de
habitantes urbanos, em 2000, passaram para 84% em 2010. A Região Sudeste registra os maiores índices de
urbanização do país, 93%. Na Região Centro Oeste são 89%; Região Sul são 85%; Região Norte são 77%; por
fim, Região Nordeste 73% são habitantes urbanos.
A característica diferenciada da realidade territorial dos municípios brasileiros exige esforços para que
o pacto federativo reconheça tal diferenciação e supere a adoção de critérios homogêneos para a avaliação de
prioridades e desempenho. É preciso, por exemplo, incorporar no pacto federativo do SUAS, a existência do
regime de Unidades de Conservação (UC) que se localizam na Região Norte, como os municípios de São Felix
do Xingu e Altamira no Pará ou, no mesmo sentido, a particularidade das áreas metropolitanas.
Heloisa Helena Correa da Silva (2014, p. 8), esclarece que há, no Estado do Amazonas,
...o reconhecimento da necessidade em conservar a natureza e a importância da participação da população
residente nas reservas de desenvolvimento sustentável com a criação do Programa Bolsa Floresta e Bolsa
Verde. Esse Programa é parte integrante de um conjunto de iniciativas governamentais para a conservação
da natureza, sendo este compreendido por uma compensação financeira, em que parte de seus recursos é
subsidiada pela sociedade civil.
Na IX Conferência Estadual de Assistência Social do Estado de São Paulo, em 2013, ocorreu uma
divisão no momento de escolher os delegados, pois foi contestado o número de representantes das três metrópoles daquele estado por municípios de médio porte. O confronto levou a não indicação de delegados paulistas
procedentes das áreas metropolitanas na Conferência Nacional. Esse déficit de representação demonstra a
ausência de um pacto federativo para sustentar decisões na gestão da política no âmbito estadual.
A dimensão territorial e populacional dos municípios não pode ser tratada pela homogeneidade no
pacto federativo do SUAS, pois a identificação das diferenças demanda a sua inclusão na cobertura do
pacto federativo. As diferenças requerem processos específicos na distribuição da atenção e respostas.
Estados com maior incidência de pequenos municípios, com maior população rural ou mesmo com reduzida
densidade demográfica rural, demandam alterações quanto ao modo de inserção no pacto federativo, quebrando a homogeneidade de critérios para que possam vir a dar acesso a toda população que demande
atenções da assistência social.
Cabe menção nessa discussão a dois pontos operativos que vem apresentando baixa resolutividade. O
primeiro diz respeito aos critérios de referenciamento populacional de cada CRAS e a definição do número de
suas equipes básicas, que não vincula ao volume de famílias beneficiárias dos programas públicos federais de
transferência de renda e de benefícios continuados que se localizam em sua área geográfica de abrangência. Este
fato decorre de duas lógicas gerencias apartadas que persistem no campo federal quanto à política pública de
assistência social. A gerência de programas de benefícios é realizada por burocracias apartadas, uma no INSS e
outra no próprio MDS, suas diretrizes operativas se ajustam ao modelo de gestão financeira bancária de cunho
homogeneizador, excludente do princípio da territorialidade. Embora esses programas utilizem de recursos financeiros do Fundo da Assistência Social não seguem as diretrizes do SUAS, não são descentralizados, territorializados
ou participativos. Por decorrência, o pacto federativo não se assenta na relação serviço-beneficio, embora seja
essa uma resolução da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), que opera na gestão do SUAS.
Outro elemento operativo a ser considerado é o da localização dos CRAS nos territórios intraurbanos
dos municípios, sobretudo nas áreas urbanas. A construção de unidades físicas de CRAS, embora já se possa
contar com projetos arquitetônicos-modelo, tem sofrido nas áreas urbanas a dificuldade de localização de
terrenos ou de imóveis com localização e desenho arquitetônico favorável a instalação de um CRAS. A quesR. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 50-61, jan./jun. 2015
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tão da incompleta ou inexistente documentação fundiária regular dos imóveis, sua localização em áreas com
disponibilidade de transporte, somadas à presença de barreiras arquitetônicas para o acesso de pessoas com
deficiência, tem levado à ocorrência de instalações de unidades de CRAS com baixo acesso, em contraponto
às orientações do gerenciamento do SUAS.
A diferenciação territorial no país não é um fato que atinge a gestão somente do SUAS, é um desafio
para todos os serviços sociais. A efetivação de uma rede que inclua os habitantes rurais, os que vivem em
locais mais afastados, demanda uma forma de gestão ativa quanto à presença do Estado através de suas
atenções em locais onde está assentada a população. Cada vez mais é evidente, aos agentes das unidades de
serviços sociais públicos, a necessidade de que existam modos de gestão, de dispositivos, que possibilitem a
troca de conhecimentos, saberes e atenções. Todavia, não se dispõem ainda no Brasil de um modo de gestão
que combine território e intersetorialidade de serviços sociais públicos. Mais ainda, cada tipo de serviço define
sua abrangência de forma isolada pela lógica de uma política em particular, e não dá atenção ao cidadão em
suas múltiplas necessidades.
O campo de atenção no âmbito da política de proteção social da assistência social termina por se
defrontar, assim como nas demais políticas sociais, com a presença de múltiplas violações de direitos dentre as
famílias e cidadãos com que trabalha. A universalidade de cobertura das políticas sociais é mais uma expectativa do que um fato. Essas exclusões de acesso a direitos sociais recebem o significado de expressões de
desproteção social na dinâmica dos serviços socioassitenciais, mas sua superação não reside no âmbito da
política de assistência social e sim em um processo mais amplo, assentado na responsabilidade estatal em
garantir os direitos sociais aos cidadãos e na coerência do seu modelo gerencial orientado a efetivar tal propósito. Ocorre a ausência de um pacto federativo ampliado que dê conta dessa inconsistência na ação governamental, que não é suprida por múltiplas inciativas locais ou pontuais existentes voltadas para superar isolamentos territoriais de serviços sociais públicos. Essa constatação supõe que a intersetorialidade nas atenções
sociais seja construída a priori, desde o pacto do ente nacional com outras áreas sociais do âmbito federal até
sua extensão aos entes federativos estaduais. Da inserção intersetorial do pacto federativo podem ser afiançadas
novas alternativas de equipamentos de uso múltiplo, novos modos de articulação de programas e de trabalhadores das diferentes políticas. Não pode ser atribuído ao SUAS a tarefa de manter relações de intersetorialidade
pelo ente federativo municipal quando a maior questão que se tem é a da presença dos diversos serviços
sociais públicos. Este processo se agrava ao tomar como base territorial, para a intersetorialidade, áreas rurais,
áreas remotas, novos territórios de assentamento – criados pelo Programa Habitacional Minha Casa Minha
Vida, em que os moradores reterritorializados não dispõem de serviços sociais –, áreas de assentamentos
populacionais dispersos em municípios de baixa densidade ou de difícil mobilidade pela topografia geográfica
ou pela ausência de recursos de mobilidade.
2 Rebatimento do modelo de financiamento dos municípios brasileiros no pacto federativo do
SUAS
O exame das despesas realizadas no SUAS, em 2011, pelos mais de 5500 municípios brasileiros e dos
dados obtidos no Censo SUAS de 20123, pela Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (SNAS/MDS), foram as fontes que embasam a análise deste
tópico. A base de dados financeiros procede: do Sistema de Coleta de Dados Contábeis dos Entes da Federação (SISTN), mantido pelo Tesouro Nacional a partir da publicação, em 2013; e da consolidação das despesas
municipais em assistência social, realizadas pelos municípios brasileiros no ano de 2011.
Entre as três instâncias estatais, em 2011, as maiores despesas com a rede socioassistencial são procedentes das gestões municipais, com exceção do crescente gasto federal com benefícios como Benefício de Prestação Continuada e de transferência de renda (Bolsa Família), cuja operação não está vinculada aos princípios
operativos do SUAS. Distingue-se ainda, nesses gastos, a aplicação indevida de recursos do orçamento público
alocados na Assistência Social (Função Programática 8) em atividades que não são do âmbito dessa política ou da
operação do SUAS e não alcançam, em sua aplicação, a gestão democrática-participativa, com a presença dos
Conselhos representativos, que operam nos três entes federativos. Este outro olhar do pacto federativo, que
sustenta o Suas, foi desenvolvido a partir do estudo sobre as despesas do ente federativo municipal com a política
de assistência social, a partir da análise dos dados de cada município considerados a partir de sua população
efetiva, de seu porte, de sua localização territorial por região do país, por estado da federação, por micro regiões
em cada estado da federação, por famílias cadastradas, por famílias beneficiárias, e por gastos federais com
benefícios em cada município. O estudo foi desenvolvido, entre 2013 e 2014, pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas
sobre Seguridade e Assistência Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (NEPSAS), em parceria
R. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 50-61, jan./jun. 2015
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com o Colegiado Nacional dos Gestores Municipais de Assistência Social (CONGEMAS). São coautores: Jose
Maestro de Queirós e Vergilio Alfredo dos Santos, com coordenação e organização de Aldaiza Sposati. Foram
organizados os dados dos municípios por regiões do Brasil, o que permitiu sua discussão processual em seis
grandes encontros regionais do CONGEMAS entre novembro de 2013 a maio de 2014.
2.1 A estrutura orçamentária e o pacto federativo
Embora já se tenha plena legalidade da estrutura da assistência social desde 2004, com a aprovação
da Política Nacional de Assistência Social e, mais recentemente, com a Lei SUAS 12435/11, com a nomenclatura de serviços padronizada desde 2009, a estrutura e a nomenclatura do orçamento público, aplicada
pelo Ministério do Planejamento para a assistência social, não considera tais dispositivos legais e permanece
aplicando a nomenclatura das ações dessa política anteriores à Constituição e 1988, ou seja, aplicadas desde
a ditadura militar. Como consequência dessa irracionalidade mantida pelo Planejamento, é exigido que todos
os órgãos públicos brasileiros sigam tal excrecência e, assim, o orçamento ou as despesas no campo do
SUAS não permitem visibilidade sobre o andamento das ações do SUAS, exceto sobre seu valor total. O
paradoxo instalado é que a legislação do orçamento público brasileiro, institucionalizada ao tempo de Getúlio
Vargas, em 1933, pelo Decreto–lei 23/50, em seu artigo 12 especifica a assistência social como uma função
de governo. Isto ocorreu antes mesmo de se ter um órgão ordenador de tais despesas a compor a burocracia
estatal. É preciso lembrar que a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), foi criada em 1974 no
interior do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), sendo a ela vinculada a Legião Brasileira
de Assistência (LBA), cujos recursos financeiros procediam do superávit da Previdência Social. Cordeiro
(2014), demonstra a pouca alteração da nominação das funções e subfunções da assistência social entre
1974 e 1999, momento em que a Portaria n. 42 de 14 de abril de 1999, estabelece novas funções programáticas.
A Função 015-Assistência Social passa a ser codificada como 08 e suas subfunções adotam os seguintes
códigos e nomenclaturas: 24-Assistência ao Idoso; 242-Assistência ao Portador de deficiência; 243-Assistência à Criança e ao Adolescente; e 244-Assistência Comunitária. Permanece, portanto, a noção de segmentos de forma incongruente com a PNAS, de 2004.
A demonstração contábil do uso dos recursos da SNAS/MPAS foi disciplinada pela distinção de atividades
continuas ou não. Os Serviços de Ação Continuada (SAC), assim nominados em orçamento, transferiam, mediante convênios, recursos financeiros para atenção per capita de crianças, idosos, deficientes, entre outros, distinguindo os valores em atenção em período integral e em meio período. As atividades que não se enquadravam em
tais serviços a segmentos eram nominadas de assistência social geral; as parceladas, em assistência ao idoso,
assistência ao menor, assistência ao deficiente (SPOSATI et al., 1985. p. 134). Essa lógica fragmentada, sustentada durante a ditadura, persegue o orçamento público federal da assistência social e se apossa do formato pelo
qual o Tesouro Nacional agrega as despesas dos entes federativos. Não há proteção social básica ou especial,
mas apenas permanência (quase perpetuação) de uma burocracia estatal financeira que desfaz as diretrizes e
princípios da PNAS, do SUAS e impedem a transparência do gasto orçamentário. Esta forma de nominação das
propostas e das despesas da assistência social não permite análise rigorosa, necessária para identificar a qual tipo
de proteção social básica ou especial essas despesas se referem. Não é raro que despesas da Função Programática
8 sejam operadas por órgãos gestores que não dão assistência social, colocando em dúvida se a despesa realizada
está, de fato, relacionada às diretrizes do SUAS. Mesmo após 10 anos de SUAS não ocorreu uma mudança nessa
estrutura orçamentária da assistência social introduzida pela ditadura militar, não permitindo transparência e compatibilidade com o formato de gestão em todo o país.
Somente a instância federal, por meio do Fundo Nacional, permite alguma visibilidade de gastos antes de
serem enquadrados no formato factoide, uma vez que é produzido por arranjos contábeis e não para dar
visibilidade sobre o que é executado efetivamente. Sobre isso, Sposati et.al., (2014, p. 79-80) resume bem as
dificuldades da estrutura orçamentária:
O caráter vago com que os recursos financeiros da assistência social ingressam e são tratados pelo controle
financeiro, terminam por deixar o controle social, princípio democrático na gestão da política, esvaziado de
informações para que possa exarar seus pareceres. Permanecer informando se a ação praticada com verba
pública foi direcionada a uma criança, um adulto, um idoso é só uma forma de manter um olhar individualista
e subjetivo. Mais ainda, é um formato que permite a que as técnicas contábeis insiram os gastos de forma
aleatória, sem que o resultado possibilite informar no que ou no quanto a despesa realizada alterou a
realidade da demanda. Pode-se afirmar que o trato das finanças públicas na política de assistência social não
está na direção de alavancar um sistema único de proteção social não contributiva. Pelo contrário, ele
reforça a diluição e a fragmentação uma vez que facilita a aplicação de conceitos individuais, interpretações
R. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 50-61, jan./jun. 2015
Sistema único: modo federativo ou subordinativo na gestão do SUAS
aleatórias que caminham ao revés da unidade dos entes federativos na efetivação de um sistema único.
Garantir a efetiva aplicação dos recursos financeiros no âmbito do SUAS quase que exige uma pesquisa
para saber como cada contador, que opera nos entes federativos, concebe o que é um gasto em assistência
social. De fato a única aplicação que se tem clareza do gasto são os benefícios federais, como o Benefício de
Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Família (PBF).
Portanto, a primeira conclusão deste estudo diz respeito a mais do que necessária revisão da estrutura
orçamentária e de controle de despesas no campo da assistência social se realmente pretende-se avançar na
consolidação do SUAS.
Quadro 1 - Relação entre despesas estaduais e despesas municipais com assistência social
realizadas em 2011
Brasil e regiões
Despesas
municipais
% da despesa
municipal em AS
Despesa municipal
Assist. Social/ município
Despesas estaduais
Despesa total
% da despesa Relação entre
estadual em despesa est./
munic., AS
AS
Despesa em AS
345.743.198.309
10.491.151.494
3
545.159.931.331
4.131.298.541
0,8
2,5
Acre
916.946.596
29.312.762
3
3.792.691.937
79.709.841
2,1
0,4
Amapá
782.437.909
15.628.683
2
2.956.670.132
87.359.505
3,0
0,2
Amazonas
4.771.051.526
169.117.193
4
10.616.815.146
113.287.023
1,1
1,5
Pará
8.535.370.084
232.358.219
3
12.238.315.420
531.024.534
4,3
0,4
Rondônia
2.613.833.923
63.836.059
2
5.438.780.062
31.795.187
0,6
2,0
Brasil
Roraima
Tocantins
Norte
707.198.335
14.730.182
2
2.599.336.002
59.667.906
2,3
0,2
2.263.429.917
98.873.886
4
5.173.466.699
40.543.690
0,8
2,4
20.590.268.290
623.856.984
3
42.816.075.398
943.387.686
2,2
0,7
4.256.881.643
115.666.347
3
5.792.812.514
35.323.477
0,6
3,3
Bahia
18.606.023.714
526.764.763
3
27.139.530.002
309.820.089
1,1
1,7
Ceará
12.334.639.013
387.592.187
3
16.630.638.030
191.653.263
1,2
2,0
8.813.322.935
234.359.413
3
9.756.853.225
125.398.630
1,3
1,9
1,4
Alagoas
Maranhão
5.314.115.064
197.798.930
4
6.462.445.805
145.686.757
2,3
12.122.447.719
399.475.530
3
21.515.714.401
56.996.515
0,3
7,0
Piauí
4.159.650.447
139.898.515
3
5.873.397.687
10.958.023
0,2
12,8
Rio Gde. Norte
4.802.382.459
207.058.089
4
7.656.353.594
133.866.781
1,7
1,5
Sergipe
3.199.049.192
140.687.658
4
6.034.972.513
82.352.701
1,4
1,7
Nordeste
73.608.512.185
2.349.301.432
3
106.862.717.771
1.092.056.237
1,0
2,2
Goiás
Paraíba
Pernambuco
10.295.439.227
319.164.170
3
14.703.479.397
145.170.991
1,0
2,2
Mato Grosso
5.344.730.828
178.017.331
3
10.929.548.945
7.879.640
0,1
22,6
Mato Gr. Sul
5.460.063.870
220.605.669
4
9.392.410.665
209.513.129
2,2
1,1
Centro Oeste*
21.100.233.925
717.787.170
3
35.025.439.006
362.563.760
1,0
2,0
Espírito Santo
7.624.751.020
251.905.255
3
13.905.213.434
166.640.140
1,2
1,5
Minas Gerais
34.560.399.022
1.156.851.925
3
54.401.076.276
200.590.015
0,4
5,8
Rio de Janeiro
37.120.091.652
840.038.849
2
56.553.049.861
265.014.421
0,5
3,2
São Paulo
99.131.784.327
2.881.193.805
3
159.949.788.188
805.728.965
0,5
3,6
Sudeste
178.437.026.021
5.129.989.834
3
284.809.127.759
1.271.333.401
0,4
4,0
Paraná
18.321.369.437
688.263.513
4
24.597.278.589
184.452.258
0,7
3,7
Rio Gde. Sul
20.749.707.910
568.963.462
3
36.097.512.952
205.618.639
0,6
2,8
Santa Catarina
12.936.080.541
412.989.099
3
14.951.779.855
71.886.562
0,5
5,7
Sul
52.007.157.888
1.670.216.074
3
75.646.571.396
461.957.458
0,6
3,6
*Para o cálculo da despesa municipal x despesa estadual não foram computados os dados do Distrito Federal
Fonte: Sposati et al., (2014).
R. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 50-61, jan./jun. 2015
57
58
Aldaíza Sposati
De acordo com o Quadro 1, o percentual do gasto com assistência social pelos municípios brasileiros
têm entre si uma variação média e percentual de 2 a 4% no montante das despesas totais da Prefeitura de cada
município. Lembramos que a média/ano de despesa com assistência social, incluindo os dados obtidos de todos
os municípios, alcança 3%. Os governos estaduais aplicam percentual bastante inferior, somente 1% das
despesas dos governos estaduais é destinada à assistência social. Enquanto os gastos das prefeituras, em 2011,
somaram 10,5 bilhões de reais, os gastos dos estados com a mesma política somaram 4,1 bilhões4. Em suma, o
ente federativo estadual não tem apoiado a consolidação do SUAS.
Quanto aos gastos federais, a publicação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS), contida no Caderno SUAS nº6/ VI, de 2012, nominado Financiamento da Assistência social no Brasil,
entregue durante a IX Conferência Nacional de Assistência Social de dezembro de 2013, mostra que a despesa em assistência social foi de 48,2 bilhões de reais em 2011 e de 56,6 bilhões em 2012 (BRASIL, 2013). O
Benefício de Prestação Continuada (BPC/RMV) constitui o maior gasto federal na Função Programática 8Assistência Social. Em 2011, esse gasto atingiu 24 bilhões de reais, 50% das despesas da assistência social
federal. No mesmo ano os gastos com o Programa Bolsa Família chegaram a 17,6 bilhões de reais. A concessão dos dois benefícios impactou em 41,6 bilhões de reais a despesa federal na Função Programática 8, que
somou, em 2011, 48,2 bilhões.
Os benefícios ocuparam 86% da despesa federal na assistência social. Dos 14 % restantes (6,6 bilhões de
reais), um bilhão e meio de reais, 10% das despesas municipais, foi direcionado a rede sócio assistencial e apoio
a gestão (IGD-SUAS). A razão da despesa com assistência social por habitante por ano em cada município foi
bastante reveladora das discrepâncias existentes entre os municípios em seus gastos com assistência social5.
Quadro 2 - Incidência regional da despesa municipal com assistência social por habitante em
2011
Despesas municipal em R$
Regiões
População
(Sem DF)
Brasil
Norte
Nordeste
Centro Oeste
Sudeste
Sul
189.827.941
16.110.419
53.477.072
11.633.836
81.085.308
27.521.306
Despesa Municipal
343.698.850.083
18.545.920.086
73.608.512.185
21.100.233.923
178.437.026.021
52.007.157.868
Despesa em
Assistência Social
10.564.879.400
697.584.886
2.349.301.432
717.787.173
5.129.989.834
1.670.216.074
Despesas na
assistência social
por habitante ano
em (R$)
56
43
44
62
63
61
Fonte: Sposati et al., (2014).
O Quadro 2 mostra que há uma variação do gasto por habitante/ano em assistência social, de 43 a 63
reais. Esses valores estão bem aquém dos 70 reais/mês do Programa Federal Brasil sem Miséria, que estabelece
que todo brasileiro deve contar com, no mínimo, 70 reais mês. As despesas municipais com assistência social,
consideradas por habitante/ano, são próximas do valor de 70 reais, todavia este deve ser alocado por mês.
Podemos comparar com o Quadro 1 que mostra que o ente federativo estadual gastou, em 2011, o total de 4,1
bilhões, enquanto que o ente federal, excetuados os benefícios, gastou 1,5 bilhão. Os municípios, com a despesa de
10,5 bilhões, indicam que dobraram os valores das despesas realizadas em 2011 entre União e Estados no SUAS. O
atual valor das despesas médias dos municípios por habitante/ano, entre 43 e 64 reais, equivale a um gasto/mês por
habitante de R$ 3,58 a R$ 5,25, portanto distante quase 20 vezes daqueles 70 reais/mês.
Uma meta bastante razoável seria conseguir que os recursos da assistência social chegassem a garantir
uma despesa de 70 reais habitante/ano, ainda que o adequado devesse ser 70 reais por mês/habitante, de
acordo com o padrão de miserabilidade (tendo por base todos os habitantes). Para que isso ocorresse, seria
preciso ampliar as despesas dos municípios em cerca de 2 bilhões e meio, considerando que 13 bilhões de
reais, de 2011, seria o número demandado de despesas para serviços por ente federativo, ou um total de 39
bilhões de reais entre os três entes. O cálculo de garantia do valor básico de 70 reais habitante/ano por ente
federativo pode ser uma meta/padrão assentada em referências utilizadas, até mesmo para benefícios. PodeR. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 50-61, jan./jun. 2015
Sistema único: modo federativo ou subordinativo na gestão do SUAS
ria ser uma orientação factual para que o orçamento federativo da assistência social tivesse maior significado
do que os tradicionais 5% do orçamento de cada ente.
Quadro 3 – Discrepâncias entre as maiores e menores razões de despesa municipal para
assistência social/habitante em 2011: Regiões
Despesa por habitante (R$)
Região
Maior
1.089
Nordeste
Sergipe
Centro Oeste
Goiás
Sudeste
Minas Gerais
Norte
Amapá
Sul
Rio Grande do Sul
Discrepância
Menor
0,10
Maranhão
1.003
1.089 vezes
1
Goiás
2
1.250
Rio de Janeiro
700
2
Acre e Pará
461
3
Rio Grande do Sul
1.003 vezes
625 vezes
350 vezes
154 vezes
Fonte: Sposati et al., (2014).
O Quadro 3 mostra que um município em Sergipe atingiu, em 2011, o gasto por habitante de 1089 reais
ano. Trata-se, comparativamente, de uma quantia expressiva, mas aqui há um novo campo de análise e
monitoramento para o SUAS, que é ainda inexistente, ou seja, verificar como e em quê tais recursos, que
parecem significativos frente aos demais, são aplicados ou gastos. Digamos que eles sejam aplicados em verba
por entidades, criação de outros benefícios, uniformes esportivos ou bolsas de estudo, ou ainda, que qualquer
uma dessas alternativas aqui aventadas seja uma fuga dos recursos na efetivação do SUAS. Não basta saber
quanto é gasto, é preciso analisar no que é gasto e verificar se essa atividade é, de fato, coerente com o a
efetivação do SUAS.
A despesa assistência social/habitante/ano de 2011, em Minas Gerais, foi mais alta, um dos seus municípios registrou a despesa de 1.250 reais habitante/ano. Por outro lado, há municípios que praticaram dez centavos de despesa por habitante/ano. Não foram construídos parâmetros nesses 10 anos de implantação do SUAS
para orientar o trato das despesas municipais com assistência social.
As despesas municipais com assistência social mantêm alta discrepância entre cada um desses entes
federativos, o que indica um grande espaço a preencher para se alcançar a isonomia de trato do cidadão na
aplicação de recursos financeiros governamentais. O financiamento para implantação do SUAS não tem sido
objeto de análise ou monitoramento, tanto pelos entes estaduais quanto pelo federal ou pelos próprios municípios.
A iniciativa do CONGEMAS em efetivar análise das despesas municipais com o SUAS merece destaque.
As despesas federais, embora significativas e crescentes, são direcionadas para benefícios, não há
acesso dos demais entes federativos nas decisões sobre tais despesas. As decisões sobre as despesas com
benefício são absorvidas pelo nível central, a União, ente federativo. Elas são operadas pelo sistema financeiro
público da Caixa Econômica Federal, complementadas pelas Casas Lotéricas, como ocorre há tempo com os
benefícios previdenciários.
Alguns apontamentos
O pacto federativo existente no âmbito da assistência social não inclui, de fato e de direito, em absoluto,
o financiamento das despesas do SUAS. Há um grande fosso na divisão de funções entre financiamento e
responsabilidade do ente federativo, inclusive para a compreensão do que significa compartilhar responsabilidades e orçamentos públicos entre as três instâncias. Complicando um pouco mais as possiblidades de articulação dos três entes no orçamento e despesas, é preciso destacar que todos os entes federativos devem
entregar sua peça orçamentária ao mesmo tempo e no mesmo período para aprovação pelos respectivos
R. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 50-61, jan./jun. 2015
59
60
Aldaíza Sposati
Legislativos da LOA-Lei de Orçamento Anual. Cada ente tem uma percepção própria do que seria um financiamento tripartite e, via de regra, essa percepção é pautada a partir do que esse ente deseja executar. Sua
perspectiva ou proposição não reflete ou não é decorrência de uma pactuação anterior entre os entes federativos. Assim, se um ente se propõe a investir em um dado serviço ou benefício, nada indica ou garante que ele
será acompanhado pelos outros. Nesse sentido, o que se tem visto é um imaginário de financiamento tripartite,
mas que, de fato, tem se caracterizado mais como uma proposta subordinativa de um ente a outro do que uma
articulação com base na consolidação do SUAS.
O financiamento do SUAS vem operando com uma sobrecarga para o ente municipal, sobretudo para
dar respostas ao cidadão no campo dos serviços socioassistenciais. Há baixa participação do ente estadual no
financiamento da consolidação do SUAS, embora os recursos para o SUAS, especificamente nas despesas
federais, são menores do que o aplicado pelos Estados.
Ponto nodal a superar nessa discussão de despesas financeiras é, seguramente, a estrutura orçamentaria
da assistência social, procedente do período da ditadura militar. Há uma resistência ininteligível para mudá-la,
colocando-a como política de seguridade social de proteção social. Essa persistência burocrática faz com que
o próprio Estado Nacional desmanche a proposta contida na PNAS e no SUAS pois essa proposta enquadra
em confronto com a lei do SUAS as despesas de todos os entes federativos, inclusive o SISTN. Discute-se o
controle social do orçamento, mas o modo de processar o arranjo das despesas, não alterado com a Constituição Federal de 1988, com a aprovação da LOAS, Lei Federal 8735 em 1993, nem com a Lei Federal 12.435/
11, que efetiva o SUAS no país, é um entrave a qualquer transparência orçamentaria no campo da assistência
social. As nomenclaturas utilizadas possuem base conceitual de entendimento ao revés da LOAS.
Há uma reiteração do desencontro e despreparo entre o pacto federativo e o processo de gestão. Os
orçamentos não são mais do que um conjunto de números, com linguagem cartesiana pouco compreensível,
programado para não ser decodificado e decifrável pelo senso comum. Eles podem se tornar fotografias para
demonstrar o projeto ético político que os governantes das três esferas federadas buscam estabelecer, assim
como permitir decodificar o modelo de sociedade que desejam, embora muitas vezes não o revelem em seus
discursos. São ainda orçamentos pouco públicos, que não conseguem demonstrar a busca pela garantia de
proteção social, como está determinado na Constituição Federal de 1988, a qual inseriu a assistência social no
tripé da Seguridade Social.
Referências:
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DF: Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação; Secretaria Nacional de Assistência Social, 2013. Disponível em: http://
www.mds.gov.br/assistenciasocial/secretaria-nacional-de-assistencia-social-snas/cadernos/caderno-suas-no-6-financiamento-daassistencia-social/caderno-suas-vi-financiamento-da-assistencia-social. Acessos: jun. 2014/mar. 2015.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social: PNAS 2004. Brasília, DF:
Secretaria Nacional de Assistência Social, 2004. Disponível em: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/secretaria-nacional-de-assistenciasocial-snas/cadernos/politica-nacional-de-assistencia-social-pnas-2004/arquivos/ PNAS_2004. Acessos: jun. 2014/mar. 2015.
CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Legislação. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/cnas/legislacao>.
Acessos: jun. 2014/mar. 2015.
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A gestão e o financiamento na efetivação do SUAS. Disponível em http://www.mds.gov.br/cnas/conferencias-nacionais/ix-conferencianacional/ix-conferencia-nacional/. Acessos: jun. 2014/mar. 2015.
CORDEIRO, L. Política de assistência social no Brasil. Heterogeneidade no trato orçamentário. Brasília: UnB, 2014.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Resultados do Censo Populacional de 2010. Disponível em: http://
censo2010.ibge.gov.br/resultados. Acessos: jun. 2014/mar. 2015.
SILVA, H. C. Da “questão social” e proteção social na Pan Amazônia: análise das políticas e programas no marco do direito à
sociodiversidade. In: Plano de Trabalho Pós- doutoral. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP. Programa de Estudos
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SPOSATI, A. et al. Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras. Uma questão em análise. São Paulo: Cortez, 1985.
_______. Consolidação do SUAS: Expressões da Gestão municipal do Sistema Único Descentralizado e Participativo de proteção social
não contributiva. Em: Revista do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social Nº especial. Brasília: CONGEMAS,
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SPOSATI, A.; QUEIRÓS J. M.; SANTOS V. A. Gestão municipal do Suas: desigualdade no financiamento, despesas e força de trabalho.
Brasília. Publicação digital, ISBN-978-85-86894-25-1.2014. 826 páginas.
R. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 50-61, jan./jun. 2015
Sistema único: modo federativo ou subordinativo na gestão do SUAS
Notas
1
2
3
4
5
Em de janeiro de 2013, foram acrescidos cinco novos municípios ao contingente brasileiro, resultante da emancipação de territórios de municípios
já existentes. Foram eles: em Santa Catarina, Pescaria Brava e Balneário Rincão; no Pará, Mojuí dos Campos, no Rio Grande do Sul, Pinto
Bandeira; Mato Grosso do Sul, Paraiso das Águas.
O Distrito Federal não se inclui nessa ordem de questões, uma vez que não é um município e possui mais de 2,5 milhões de habitantes.
Face ao objetivo deste artigo, não será incluída a análise da distribuição da força de trabalho nos municípios brasileiros. Esse limite adotado não tem
por significado a secundariedade de tratamento da força de trabalho na construção do SUAS, mas de sua alta diversidade de tratamento entre os
entes federativos, o que requer análise em separado.
Esses valores não passaram por correção monetária, são apresentados em valores de 2011.
O Quadro 2, ao aglutinar os resultados dos municípios por estados e estes em regiões, construiu uma média, que deixa escapar a leitura mais
próxima das discrepâncias intermunicipais. Ao interessado é importante recorrer ao estudo original e seus registros detalhados em banco de dados.
Aldaíza Sposati
aldaiza@sposati.com.br
Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Pós-doutorado pela
Universidade de Coimbra (UC)
Professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP).
PUC-SP
Rua: Monte Alegre, 984,
São Paulo – São Paulo – Brasil
CEP: 05014-901
R. Katál., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 50-61, jan./jun. 2015
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