XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010
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PROGRESSÃO DAS CONCEPÇÕES DE FUTUROS PROFESSORES
SOBRE AS IDÉIAS DOS ALUNOS NA ÁREA DE CIÊNCIAS
PROGRESSION OF PROSPECTIVE TEACHERS' CONCEPTIONS OF
STUDENTS' IDEAS IN SCIENCE EDUCATION
João Batista Siqueira Harres1, Rafael Porlán2
1
PUCRS e UNIVATES, jbharres@yahoo.com.br
2
Universidade de Sevilha, rporlan@us.es
Resumo
Este trabalho analisa a progressão das concepções de futuros professores
em relação às formas de considerar, acessar e analisar as idéias dos alunos sobre
conteúdos da área de ciências. Tal progressão é analisada segundo uma
perspectiva gradual do desenvolvimento profissional estruturado em um itinerário
esperado em contraste com os resultados obtidos na aplicação de uma série de
atividades formativas de orientação construtivista. Estas atividades constituem uma
proposta que pretende ser um modelo de inovação curricular na formação de
professores e está estruturada para partir de e trabalhar com as concepções dos
futuros professores sobre as idéias dos alunos. Nesse processo, a reflexão sobre a
(futura) prática docente é uma constante enquanto são tratados e analisados
problemas práticos profissionais relevantes. As atividades foram aplicadas em
quatro disciplinas de diferentes cursos de formação inicial de professores em
diferentes contextos e universidades. A análise dos dados, na forma de estudo de
caso, envolveu a produção coletiva de grupos de alunos escolhidos aleatoriamente
nas disciplinas envolvidas. Estas análises procuraram identificar a que nível do
itinerário de progressão esperado se refere às concepções iniciais dos futuros
professores, ao mesmo tempo em que o itinerário esperado foi sendo reformulado
para contemplar os níveis intermediários encontrados, construindo assim uma
hipótese de progressão mais genérica. Assim, os resultados encontrados, expressos
pela evolução das concepções dos futuros professores sobre o que são e como
mudam, sobre a forma de acessar e de analisar as idéias dos alunos indicam a
presença de obstáculos de natureza epistemológica que influem na progressão
identificada. Ao final, são discutidas as possíveis relações destes resultados com
outros advindos de investigações correlatas e as possíveis implicações para a
formação inicial de professores.
Palavras-chave: formação de professores, idéias dos alunos, concepções e
práticas docentes, desenvolvimento profissional.
Abstract
This study examines the evolution of prospective teachers’ conceptions
regarding the ways they to consider, access and analyze students’ ideas in science
education. This progression is examined in four disciplines of different teacher
education programs through at specific seminars oriented to work and start with presservice teachers’ conception about students’ ideas. Data analysis takes into account
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the collective production of a group of students from each discipline. The results
indicate the presence of obstacles and difficulties of epistemological nature. The
possible relationship of these results with other related investigations are also
discussed, as well as possible implications of this for the prospective teacher
education.
Keywords: teachers’ education; students’ ideas; teaching theory and
practice, professional development
Introdução
De modo geral, as pesquisas sobre o conhecimento profissional dos
professores em exercício indicam a presença majoritária de uma visão em que o
ensino é concebido como um processo de transmissão direta de conteúdos, os quais
são tomados como verdades absolutas e considerados como único referente para o
planejamento das aulas (Powell, 1996). Assim, a aprendizagem é concebida como a
incorporação formal e mecânica destes conteúdos na mente dos alunos.
Estas concepções didáticas muito arraigadas começam a se desenvolver
ainda enquanto estudantes devido ao largo tempo de exposição em contextos
escolares majoritariamente tradicionais. Tais concepções se reforçam durante a
formação profissional no ensino superior e a formação inicial acaba por não provocar
uma ruptura epistemológica e didática que favoreça a construção de um
conhecimento profissionalizado e crítico (Porlán e Rivero, 1998). Segundo Kennedy
(1991), a formação inicial deve adotar estratégias formativas nas quais os futuros
professores aprendam a questionar suas concepções e suas práticas relacionadas
aos problemas curriculares fundamentais: o que ensinar e para quê, que tarefas
utilizar na sala de aula, como fazer um acompanhamento da progressão do
aprendizado dos alunos, etc.
Para isso foi delineada uma seqüência de atividades com um foco destacado
na relevância didática da consideração das idéias dos alunos. Nesse sentido,
Morrinson e Lederman (2003) apontam que o tratamento das idéias dos alunos é
uma ferramenta importante, pois melhora o conhecimento dos conteúdos, o seu
ensino e ajuda a que o professor se distancie do modelo transmissivo tradicional de
ensino de ciências. Concretamente, planejamos uma estratégia formativa de
orientação colaborativa e construtivista para favorecer a progressão das concepções
de futuros professores baseada no estudo e investigação de três Problemas Práticos
Profissionais (PPPs): 1º) Que idéias têm os alunos sobre alguns conteúdos
escolares de ciências? 2º) Que conteúdos concretos devem ser programados
levando em conta as idéias dos alunos? 3º) Que seqüência de atividades pode
favorecer a progressão das idéias dos alunos?
Cada um destes problemas foi abordado através de una seqüência de
atividades formativas distribuídas em três momentos: inicial, para ativar, explicitar e
elaborar as opiniões dos participantes sobre o problema em questão; intermediário,
para provocar contraste e reflexão argumentada entre estes pontos de vista e outras
informações procedentes de diferentes fontes; final, para reelaborar os pontos de
vista iniciais e explicar as razões das mudanças introduzidas. Nosso objetivo geral
foi o de analisar que avanços e limites esta proposta formativa (detalhada em Porlán
et al, 2010) alcança ao ser implementada na formação inicial de professores de
ciências. Neste trabalho relatamos apenas os resultados encontrados no 1º PPP.
XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010
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Pressupostos e Orientações Teóricas
Para orientação do processo formativo desenvolvemos um Itinerário de
Progressão Esperado (IPE) do conhecimento profissional estruturado em níveis que
serve de base para a avaliação das atividades formativas. Este itinerário hipotético,
detalhado adiante, apresenta três níveis: um nível inicial esperado (N1), um nível
intermediário e/ou de transição (N2) e um nível desejável a longo prazo (N3).
No nível inicial, as idéias dos alunos não são relevantes para a
aprendizagem uma vez que esta é concebida como um processo de “apropriação
formal” de significados externos e acadêmicos (Porlán e Rivero, 1998). O futuro
professor investiga somente o que o aluno sabe (ou não sabe) sobre o
conhecimento disciplinar a ser ensinado.
Neste nível não se considera, como explicam Giordan e Vecchi (1995), que
as idéias dos alunos correspondem a uma mobilização daquilo que foi construído
pelos estudantes como decorrência de suas vivências e, por isso, o conhecimento
não pode ser simplesmente transferido a um receptor, cada aprendiz deve
desenvolvê-lo. Assim, segundo Kennedy (1991), os professores devem saber que
seus alunos já possuem conhecimento anterior sobre os conteúdos a serem
ensinados e conhecer as concepções alternativas e os obstáculos associados à
compreensão conceitual.
Entretanto, poucas pesquisas relatam a presença da consideração das
idéias dos alunos como parte das crenças profissionais dos professores (Harres et
al, 2009). Nas investigações nas quais isto foi constatado, a postura dominante é a
de que as concepções dos alunos são tomadas pelos professores como algo a ser
eliminado, isto é, como se fossem erros de pensamento que devem ser substituídos
pelos conhecimentos corretos. Mesmo professores experientes têm dificuldade em
considerar e trabalhar com as idéias dos alunos (Morrison e Lederman, 2003). Em
particular, algumas pesquisas, como por exemplo, Watters e Ginns (2000) e Dhindsa
e Anderson (2004), analisam a progressão das crenças iniciais dos professores
sobre ensino e aprendizagem tomando como referência as reflexões e as pesquisas
sobre a influência das idéias prévias na aprendizagem (profissional, neste caso),
mas não incluem em seus estudos a análise do papel que os professores atribuem
às idéias dos alunos nas suas concepções e práticas.
No outro extremo, como nível de referência, desejável a longo prazo e
coerente com uma concepção construtivista da aprendizagem, se considera que o
sujeito possui idéias originadas de diferentes fontes de conhecimento (cotidiano,
científico, cultural, ideológico, etc.), alternativo ao conhecimento disciplinar o qual é
usado, de forma comum ou idiossincrática, habitualmente ao longo da vida. A sua
importância epistemológica e didática advém da sua resistência à mudança,
caracterizando-se como verdadeiro obstáculo à aprendizagem de novas idéias
(Astolfi, 1994).
Entre estes dois níveis anteriores, existiriam níveis intermediários e/ou de
transição nos quais há uma presença de características do nível inicial mescladas ou
co-existindo com características associadas ao nível de referência.
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XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010
Metodologia
Neste trabalho analisamos a progressão alcançada pela estratégia formativa
em relação às concepções dos futuros professores sobre a natureza e a forma de
acessar e analisar as idéias dos alunos (1º PPP, citado anteriormente). Para a
investigação deste problema, definimos três categorias: 1 - A natureza sobre as
idéias dos alunos e as formas como estas idéias mudam; 2 - As formas de conhecer
e acessar as idéias dos alunos; 3 - As formas de analisar as idéias dos alunos. Esta
três categorias, por sua vez subentendem subcategorias específicas para as quais
foram formulados níveis de progressão do Itinerário de Progressão Esperada (IPE) e
cujo detalhamento é apresentado a seguir, junto às análises de cada subcategoria.
Sujeitos e contexto formativo
A coleta de dados incidiu sobre quatro casos sendo cada um deles
constituído por um grupo de 4 a 6 futuros professores. Cada grupo foi selecionado
aleatoriamente em cada uma das quatro disciplinas e universidades envolvidas
(Quadro 1) na mesma proposta formativa.
Para o início das atividades, os futuros professores em pequeno grupo,
escolheram um conteúdo da área curricular correspondente ao seu futuro nível de
atuação. Cada grupo deveria poder contar com uma amostra de, no mínimo, 40
alunos para aplicação (e posterior análise) dos materiais do curso. A seqüência das
atividades, em função dos momentos de coleta de dados, é mostrada no Quadro 2.
Quadro 1 - Amostra e contexto formativo
Caso/
Instituição
A - Universidade
Complutense de
Madri (Espanha)
B - Universidade
de Sevilha
(Espanha)
C - Centro
Universitário
UNVATES (Brasil)
D - Universidade
de Sevilha
(Espanha
Curso
Professor de Educação
Primária (6 semestres)
Professor de Educação
Especial (6 semestres)
Licenciatura em Ciências
Exatas – Habilitação
Integrada em Matemática,
Física e Química (10 sem.)
Professor de Educação
Primária (6 semestres)
Disciplina
Tema
Concepções dos alunos sobre A reprodução
a ciência (optativa, 4 créditos, humana: de onde
3º semestre)
vêm os bebês?
Didática e currículo na área de Como são os
meio-ambiente (obrigatória, 5 animais?
créditos, 2º semestre)
Laboratório de ensino de
Ácidos e bases
ciências exatas II, (obrigatória,
4 créditos, 2º semestre)
Ciências da natureza e sua
didática, obrigatória, (8
créditos, 3º semestre)
Terra e o universo: o
que sabemos sobre o
espaço?
Instrumentos e metodologia de análise
Durante as atividades os grupos elaboraram, de maneira coletiva e com
trabalho individual prévio, produções livres de reflexão totalmente aberta (Atividades
1, 3, 4 e 6) e respostas a questionários com perguntas abertas dirigidas à discussão
e ao posicionamento do grupo (Atividades 2 e 5).
O tratamento dos dados foi realizado a partir da análise desses documentos,
levando em consideração, de maneira dinâmica e interativa, as diferentes categorias
e a IPE. Concretamente, foi adotado um procedimento de caráter qualitativo que
denominamos UCPN (Unidades, Categorização, Proposições e Níveis).
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XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010
Quadro 2 - Atividades formativas e fontes de dados em função dos momentos
Momento inicial
Momento intermediário
Momento final
Sequência
formativa
Atividade 1: Elaboração
da primeira versão do
questionário
Atividade 2: Estudo e debate sobre Atividade 3: Elaboração
as implicações da inovação e
da segunda versão do
investigação didáticas I
questionário
Fonte de
dados
Elaboração da primeira
proposta de questionário
Primeiro roteiro de reflexão:
“Como elaborar um questionário Elaboração da segunda
para conhecer as idéias dos
proposta de questionário
alunos? (Anexo 2)
Atividade 4: Realização de Atividade 5: Estudo e debate sobre Atividade 6: Realização
Sequência
as implicações da inovação e
um estudo piloto com um
do estudo completo dos
formativa
investigação didáticas II
amostra de questionários
questionários
Fonte de
dados
Desenvolvimento do
estudo piloto de análise
dos questionários
Segundo roteiro de reflexão:
“Como analisar as idéias dos
alunos?” (Anexo 3)
Análise e apresentação
dos dados do estudo
completo
O método UCPN, exemplificado no Quadro 3, está estruturado pelos
seguintes passos: 1º) Identificação de Unidades de Informação Significativas (UIS);
2º) Categorização e codificação das UIS em interação dinâmica com as categorias
obtendo-se um quadro geral de dados de cada caso por subcategoria e por
momento formativo; 3º) Elaboração, com baixo nível de inferência, de proposições
de sínteses das diferentes UIS; 4º) Inferência dos níveis das concepções para cada
subcategoria e momento formativo a partir das proposições de sínteses elaboradas;
5º) Validação da categorização através de um processo de triangulação com revisão
independente por no mínimo dois pesquisadores. Houve um índice de concordância
de mais de 90% das subcategorias em todos os casos e as divergências foram
analisadas separadamente buscando um consenso e, quando isto não foi possível,
adotou-se a posição majoritária.
Quadro 3 – Exemplo de análise do procedimento UCPN
Caso D, subcategoria b: Mudança das idéias dos alunos, momento final
UNIDADES DE INFORMAÇÃO SIGNIFICATIVAS
PROPOSIÇÕES DE SÍNTESE
- (Documento 5, Unidade de Informação 3): O que Para que haja uma boa aprendizagem, ela
faz avançar o modelo mental são os obstáculos deve ser significativa, motivadora, prática e
que vão sendo superados.
útil para o sujeito. Ela será significativa se
- (Documento 8, Unidade de Informação 6): Para estiver na zona do conhecimento próximo.
uma aprendizagem significativa deve-se trabalhar Em outras palavras, se considerarmos a
na zona do conhecimento próximo.
aprendizagem uma escada, a nova matéria
- (Documento 8, Unidade de Informação 10): (As deve estar no seguinte degrau daquele em
crianças com mais nível da turma, se estão atentas que estão as crianças, o que produzirá um
às
explicações
do
professor,
aprendem pequeno salto. Portanto, o que faz avançar o
significativamente) porque o conhecimento que se modelo mental são os obstáculos (degraus)
lhes vai dar está muito próximo do que tem. Se que se vão superando. Ao mesmo tempo, a
consideramos a aprendizagem uma escada, a nova aprendizagem será significativa também se
matéria que se vai dar a eles está no degrau os alunos sabem integrar o novo
seguinte ao que estão as crianças, e seria um conhecimento em seus esquemas mentais
pequeno salto.
prévios.
NÍVEL: As idéias dos alunos mudam por reelaboração progressiva das próprias idéias em
interação com as novas informações escolares (Nível 3)
A análise e discussão dos dados iniciou com a comparação dos níveis das
inferidos pelo Itinerário de Progressão Esperado (IPE) para cada subcategoria (N1,
N2 e N3) com a progressão identificada. Este processo mostrou a necessidade de
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XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010
elaboração de níveis intermediários entre os previamente estabelecidos, os quais
foram denominados como N12 ou N23. A partir desta reestruturação se estabeleceu
o Itinerário de Progressão Identificado (IPI) de cada caso em cada subcategoria.
Isso permitiu a formulação dos obstáculos, em cada categoria, presentes na amostra
e sua relação com as atividades formativas, levando à elaboração da progressão
geral das concepções dos futuros professores sobre as idéias dos alunos e os
obstáculos associados a essa progressão.
Resultados
Categoria 1 - Natureza e mudança das idéias dos alunos
Analisando os quatro casos em relação à subcategoria 1a, natureza das
ideias dos alunos, construímos o Quadro 4 que sintetiza a progressão identificada.
Quadro 4 – IPI quanto à natureza das idéias dos alunos (subcategoria 1a)
Níveis
Níveis de Formulação
N3
As
idéias
espontâneas
são
conhecimentos
alternativos
ao
conhecimento disciplinar que as pessoas
usam habitualmente ao longo da vida e,
por isso, sua importância epistemológica.
N23
Nos alunos podem coexistir idéias
acadêmicas e espontâneas diferentes
para um mesmo conteúdo
N2
São diferenciadas as idéias acadêmicas
das idéias espontâneas, apresentando
estas últimas componentes comuns e
idiossincráticos
e
com
certas
características (resistências, errôneas,
etc.)
MOMENTO
MOMENTO
INICIAL
INTERMEDIÁRIO
N12
As idéias dos alunos se identificam tanto
com as idéias espontâneas como com as
idéias acadêmicas.
D
N1
As idéias dos alunos e identificam com
aquilo que recordam do ensino recebido.
Não se considera as idéias espontâneas
B
MOMENTO
FINAL
D
D
B
B
C
C
A
A
C
A
Dois casos (A e B) partem do nível previsto inicialmente (N1). Os outros dois
casos (C e D) partem já de um nível intermediário entre o inicial e o possível (N12).
A partir daí, todos os casos avançam em graus distintos, sem haver outras
mudanças do momento intermediário para o final e sem atingir o nível de referência.
Quanto à mudança das idéias dos alunos (subcategoria 1b), os grupos
apresentaram itinerários distintos. De partida já havia uma situação claramente
superior à prevista. No final, dois casos não apresentaram mudança (B e C)
enquanto que nos outros dois casos (A e D) houve mudança em direção ao nível de
referência (N3). Pelo Quadro 5 percebemos que os quatro casos, considerados
globalmente, apresentaram uma progressão distinta daquela prevista inicialmente
pelo IPE. Nesta subcategoria não houve análise no momento inicial.
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Quadro 5 – IPI quanto à mudança das idéias dos alunos
Níveis
Níveis de Formulação
N3
As idéias dos alunos mudam por
reelaboração progressiva das próprias
idéias em interação com as novas
informações escolares
N23
As idéias dos alunos mudam por
integração de novas informações em
seus esquemas mentais.
N2
As idéias dos alunos mudam por
substituição (mais ou menos gradual)
das próprias idéias pelas novas
informações escolares e através de um
certo processo de interação
N1
As idéias dos alunos mudam por
incorporação e adição de novas
informações escolares
MOMENTO
MOMENTO
MOMENTO
FINAL
INICIAL
INTERMEDIÁRIO
D
A
D
A
B
C
B
C
Os níveis previstos no IPE em interação com os níveis identificados (IPI)
permitem formular um Itinerário de Progressão Geral (IPG). Assim, considerando as
duas subcategorias conjuntamente, isto é, agrupando as concepções sobre a
natureza e a mudança das idéias dos alunos que correspondem a um mesmo nível
de complexidade, podemos diferenciar três estágios.
Inicialmente, podemos definir um estágio de menor complexidade que se
caracteriza por considerar que as idéias dos alunos são o resultado da apropriação
dos conteúdos escolares (níveis N1 e N12 das categorias 1a e 1b). O nível seguinte
se caracteriza por uma complexidade intermediária (níveis N2 e N23 da categoria 1a
e nível N2 da categoria 1b) no qual se considera que os alunos têm idéias
(geralmente errôneas) sobre os conteúdos escolares. A aprendizagem ocorreria pela
substituição destas pelos conteúdos científicos.
Este estágio, majoritário ao final do curso, se identifica com uma postura na
qual as idéias dos alunos não são consideradas como um conhecimento alternativo
ao conhecimento disciplinar. A aprendizagem não é vista como um processo de
integração e reelaboração progressiva das próprias idéias. O conhecimento escolar
estaria condicionado apenas pelos conteúdos das disciplinas, desconsiderando
outros fatores, neste caso, as idéias dos alunos. O obstáculo associado a este
estágio seria o de que o conhecimento científico tem um status superior aos demais
conhecimentos, caracterizando o que Toulmin (1972) denomina de absolutismo
epistemológico (Porlán e Harres, 2002).
Por fim, o estágio de maior complexidade da IPG (nível N3 da categoria 1a e
níveis N23 e N3 da categoria 1b) no qual se considera que os alunos têm idéias
próprias sobre os conteúdos e estas idéias evoluem por interação com outros
conhecimentos. A este estágio estaria associada uma concepção epistemológica
relativista, na qual as verdades são provisórias e contextualizadas.
Categoria 2 - Instrumento utilizado para detectar as idéias dos alunos
Esta categoria envolve sete subcategorias listadas no Quadro 6 com as
correspondentes características de cada nível do IPE. No Quadro 7 resumimos a
categorização inicial e final dos questionários em cada uma das subcategorias, as
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quais correspondem, respectivamente, à primeira e à última versão. A categorização
no momento intermediário não é mostrada por insuficiência de dados.
Quadro 6 - Itinerário de progressão da Categoria 2
Subcategorias
2c
Linguagem
utilizada
Forma de
2d perguntar
2e
2f
Conteúdo da
pergunta
Nível de
organização da
realidade a que
se refere a
pergunta
Resposta
2g buscada
2h
2i
Recurso
comunicativo
Demanda
intelectual que
a resposta
requer
Níveis de Complexidade das Concepções
Nível de partida- N1
Nível possível - N2
Nível de referência – N3
Não apropriada
Mescla de uma linguagem
Apropriada para a idade
(inacessível, adulta, apropriada para a idade dos
dos alunos (acessível,
técnica, acadêmica) alunos com outra que não o é próxima, cotidiana)
Direta
Misturam-se perguntas
Indireta (através de
diretas e indiretas
situações, exemplos,
imagens, etc.)
O conteúdo se
O conteúdo se relaciona com O conteúdo das
relaciona com
dados, nomes, definições,
perguntas se relaciona
dados, nomes,
etc. e com significados.
com significados
definições, etc.
Mesclam-se mesocosmos e o Mesocosmos e de
Macrocosmos,
microcosmos ou
percepção habitual e/ou
não diretamente perceptível
de relação do
pelo aluno
nível não
mesocosmos com os
perceptível
níves mais próximos do
comumente
micro e do
macrocosmos.
Predominantemente
Predominantemente Mescla de perguntas que
fechada
induzem a respostas abertas aberta
e fechadas
Somente texto e
Somente texto e um número
Textos, desenhos,
muitas perguntas
razoável de perguntas ou com esquemas, etc. e com
desenhos, pessoas, etc. e
um número razoável de
muitas perguntas
perguntas
Se misturam perguntas que
Respostas elaboradas
Respostas pouco
requerem respostas
(relacionar, refletir,
elaboradas
elaboradas com outras que
explicar, etc.)
(recordar,
requerem pouca elaboração
preencher,
assinalar, etc.)
Uma visão geral nesta categoria mostra situações iniciais bastante diferentes
entre os quatro casos. Cada caso mudou seu questionário também de forma distinta.
Em algumas subcategorias houve uma progressão significativa. Em outras não
houve tanta progressão pelo fato de haver uma situação de partida avançada.
Porém, todos parecem ter atingido, ao final, um nível bem próximo ao de referência.
Quadro 7 – IPI das subcategorias relativas ao instrumento
Subcategoria
2c - Linguagem utilizada
2d - Forma de perguntar
2e - Conteúdo da pergunta
2f - Nível de organização da realidade
2g - Resposta buscada
2h - Recurso comunicativo
2i - Demanda intelectual requerida
Caso A
Início Fim
N1
N3
N1
N3
N1
N3
N2
N3
N3
N3
N1
N3
N1
N3
Caso B
Início
Fim
N2
N2
N1
N2
N1
N3
N3
N3
N3
N3
N1
N3
N1
N3
Caso C
Início Fim
N2
N2
N1
N1
N23 N23
N2
N3
N3
N3
N2
N2
N2
N23
Caso D
Início Fim
N3
N3
N2
N2
N2
N23
N3
N2
N3
N3
N1
N3
N2
N23
Como exemplo, podemos citar os questionários do Caso A, o de maior
progressão na categoria. Na versão inicial havia um número excessivo de perguntas
XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010
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(quinze). Em geral, eram formuladas com uma linguagem preponderantemente
acadêmica nas quais aparecem expressões tais como genitais, ovários, aparelho
reprodutor, etc.). Na versão final, são apenas três perguntas, sendo duas de texto e
uma de desenho livre. Elas estão formuladas com uma linguagem adequada para a
idade dos alunos. Se as perguntas iniciais, em geral, solicitavam respostas pouco
elaboradas, diretas e relacionadas com dados, definições, nomenclatura, etc. (O que
é? Para que serve? Como se chama? etc.), na versão final as perguntas são
indiretas e relacionadas com significados. Por fim, quanto ao nível da realidade a
que se referem às perguntas, no questionário inicial quatro (de quinze) eram
relativas àquilo que não é diretamente perceptível (Onde se localizam os ovários?) e
no questionário final todas as perguntas se referem ao que é perceptível diretamente
(mesocosmos) pelos alunos.
Em relação ao IPG desta categoria, identificamos dois estágios. No estágio
inicial, o instrumento para detectar as idéias dos alunos se baseia em perguntas
relacionadas com dados, definições e termos característicos de uma cultura
acadêmica, representada pelo nível N1 de todas as subcategorias. O obstáculo de
fundo parece ser o fato de não ser considerada a cosmovisão dos alunos e nem a
cultura relativa a sua idade. O estágio avançado de progressão nesta categoria
corresponde aos níveis N2, N23 e N3 de todas as subcategorias no IPE.
Analisando a IPI desta categoria, percebe-se que ao final do curso a maioria
das categorizações esteve associada à consideração da cultura da idade dos
alunos. Nesta perspectiva há uma preocupação em adaptar a pergunta de forma a
favorecer que o aluno responda aquilo que ele pensa e não aquilo que a sua
vivência escolar anterior lhe indica que deve ser respondido. Assim, neste estágio há
uma superação da visão das perguntas como instrumentos para verificar se os
alunos já possuem o conhecimento científico em direção a uma visão na qual se
investiga o conhecimento que os alunos possuem.
Categoria 3 - Metodologia de elaboração e análise do questionário
Os quadros 8, 9 e 10 apresentam a progressão em cada um das
subcategorias desta categoria. Em relação à seleção e organização das perguntas
para acessar as idéias dos alunos (subcategoria 3j), percebemos uma progressão
bastante próxima do previsto. Já em relação à forma de analisar as respostas ao
questionário (subcategoria 3k), conforme mostrado no Quadro 9, três casos (A, C e
D) partem de um nível no qual se mesclam critérios simples de categorização e
valorização das respostas com outros critérios mais complexos. Ao final, três casos
alcançam o nível N3, com exceção do caso C. Quanto à elaboração de resultados e
conclusões (subcategoria 3l), a progressão dos quatro casos não foi tão grande.
Analisando o Quadro 10, se verifica que houve um seguimento razoável da IPE já
que todos partiram da mesma situação inicial (N1) e dois grupos chegaram ao nível
previsto (N2). Um caso superou o nível previsto (caso D) e outro ficou abaixo disso
(caso C).
A análise geral desta categoria mostra que houve uma progressão geral
desde o nível inicial em direção aos níveis de transição e desejáveis a longo prazo
para as três subcategorias. Tal como na categoria anterior, nossa IPG aponta para
dois estágios de complexidade. A dificuldade para a transição entre os dois modelos
está relacionada com a natureza das estratégias adotadas para a análise das
respostas, caracterizadamente tácitas e simplistas.
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XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010
Quadro 8 – IPI quanto à seleção e organização das perguntas
Níveis
Níveis de Formulação
N3
Manifestam
critérios
de
seleção
diversos e uma organização explícita
MOMENTO
MOMENTO
MOMENTO
INICIAL
INTERMEDIÁRIO
FINAL
C
C
N2
N1
C
Manifesta algum critério de seleção
(psicológico, pedagógico, científico,
etc.) e certa organização explícita
Sem critérios de seleção e organização
explícitos
B
B
D
D
A
A
B
D
A
Quadro 9 – IPI quanto à categorização e atribuição de valores
Níveis
Níveis de Formulação
N3
critérios
mais
São
estabelecidos
complexos, buscando modelos e/ou
níveis de resposta. Valorização mais
relativista com tendência a estabelecer
gradações intermediárias.
N2
São mesclados critérios de categorização
e valorização simples com outros mais
complexos.
N1
Não existem critérios de categorização ou
são
muito
simples
(comparações
singelas, ausência-presença de um
elemento, etc). Valorização simples,
bipolar do tipo verdadeiro/falso, bom/ruim,
correto/incorreto, etc.
MOMENTO
MOMENTO
MOMENTO
INICIAL
INTERMEDIÁRIO
FINAL
B
B
D
D
A
D
A
A
C
C
C
B
O enfoque inicial de análise tem um cunho quantitativo, descritivo,
assistemático e bipolar, correspondente ao nível N1 do IPE e identificada
inicialmente em todos os casos nas subcategorias 3j e 3l e em um caso (B) na
subcategoria 3k. O avanço de estágio se caracteriza por um enfoque de análise de
cunho qualitativo, analítico, sistemático e por categorias, perspectiva coerente com
os níveis N12, N2, N23 e N3 do IPI. Esta abordagem, relacionada a uma perspectiva
menos absolutista do conhecimento, só não estava presente ao final no caso (C).
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XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010
Quadro 10 – IPI quanto à elaboração de resultados e conclusões
Níveis
Níveis de Formulação
N3
Os resultados, além de quantitativos,
são
qualitativos
e
sistemáticos
(contraste entre perguntas, entre
sujeitos, etc.), detectando os obstáculos.
São estabelecidas conclusões de
síntese.
N2
Os resultados além de quantitativos,
são mais qualitativos e sistemáticos
(contraste entre perguntas, entre
sujeitos, etc.), com tendência a detectar
obstáculos. São estabelecidas algumas
conclusões de sínteses.
N12
Os resultados além de quantitativos são
mais qualitativos e sistemáticos; não há
contraste entre perguntas e/ou sujeitos,
nem detecção de obstáculos.
MOMENTO
MOMENTO
INICIAL
INTERMEDIÁRIO
D
MOMENTO
FINAL
D
B
A
C
C
D
N1
Os
resultados
descrevem
quantitativamente as respostas ou se
fazem comentários genéricos.
B
C
A
A
Considerações finais
O contraste entre nossa perspectiva teórica, expressa pelo Itinerário de
Progressão Esperado (IPE) e os dados encontrados, refletido no Itinerário de
Progressão Identificado (IPI), parece indicar que proposta formativa contribuiu para a
progressão das concepções investigadas, além de permitir um refinamento do
itinerário de progressão pela identificação de níveis intermediários aos inicialmente
formulados. Comparando os nossos resultados com uma revisão de trabalhos
especialmente orientados para a consideração didática das idéias dos alunos
percebemos semelhantes dificuldades e obstáculos na formação inicial (Harres et al,
2009). Os obstáculos identificados estão relacionados muito fortemente a um
absolutismo epistemológico apontando para a importância da aceitação de uma
visão relativista do conhecimento pelos futuros professores. Estas dificuldades
apontam para a necessidade de se considerar que os níveis mais avançados das
concepções e práticas não devem ser esperados a curto-prazo (Gustafson e Rowell,
1995).
Ao mesmo tempo, é necessário, como também destacam Flores et al
(2000), promover situações em que os futuros professores desenvolvam
investigações sobre as idéias dos alunos nas quais analisem e considerem
didaticamente as inúmeras investigações sobre as idéias dos alunos e sua
importância na aprendizagem na área de ciências (Davis e Petish, 2005). Dessa
forma, poderiam iniciar a sua ação docente dispondo do conhecimento sobre as préconcepções que eles poderão encontrar (Morrison e Lederman, 2003). Enfim, como
XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010
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assinala Powell (1996), é necessário ter em conta as concepções dos futuros
professores para favorecer a progressão desde uma epistemologia objetivista,
centrada nos conteúdos científicos tradicionais, sem consideração das idéias dos
alunos e na qual a cultura acadêmica é o único referente para acessar e analisar as
idéias dos alunos, para uma epistemologia subjetivista, na qual as idéias dos alunos
são o centro do currículo que propicie, pela interação com novos conhecimentos, um
processo construtivo de aprendizagem. Acreditamos que a proposta aqui analisada
possa ser uma contribuição nessa direção.
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