núcleo temático
A residência do arquiteto: uma análise
gráfica das casas de Vilanova Artigas
Ana Karla Olimpio Pereira
Mestranda em Arquitetura e Urbanismo no Instituto
de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos da Universidade de São Paulo, Avenida Trabalhador
São-Carlense, 400, Centro, CEP 13566-590, São Carlos, SP, Brasil,
anakarla.op@gmail.com
Paulo Yassuhide Fujioka
Arquiteto, doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
de São Paulo, professor doutor do Curso de Arquitetura e
Urbanismo do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São
Carlos da Universidade de São Paulo, Av. Avenida Trabalhador
São-Carlense, 400, Centro, CEP 13566-590, São Carlos, SP, Brasil,
(16) 3373-9289, pfujioka@sc.usp.br
Resumo
Este artigo apresenta uma abordagem sobre a questão particular na já largamente
estudada arquitetura de Vilanova Artigas: as casas foram projetadas para si. A
pequena escala desses projetos nos permite compreender o universo projetual do
arquiteto no momento histórico de sua concepção. Estas casas foram estudados
por meio de um método específico para análise gráfica de arquitetura, baseado
na obra de Geoffrey Baker, Simon Unwin, Roger Clark, Michael Pause, etc.;
explorando não só diagramas em 2 dimensões, mas a modelagem 3D também,
a fim de entender melhor os conceitos de design do arquiteto.
Palavras-chave: análise gráfica de projeto, Artigas residências, casa do arquiteto.
A
residência unifamiliar, no imaginário brasileiro, é
um dos bens mais caros a seus possuidores, uma
vez que envolve conceitos múltiplos que variam
das necessidades básicas aos anseios pessoais e
também passando pelo status social. Sendo assim
o arquiteto, ao projetar uma residência se depara
com o grande desafio de sintetizar as expectativas
e normativas impostas pelo cliente.
Ainda assim este tema de projeto constitui um
campo fecundo de experimentação do profissional
de arquitetura, pois as complexas relações sócioideológicas implícitas na questão da habitação
unifamiliar, aliadas a um programa simplificado,
possibilitam inúmeras soluções técnicas e projetuais,
muitas vezes inusitadas. Ao projetar sua própria
residência, o arquiteto tem uma rara oportunidade de
inovação espacial, construtiva, expressiva e urbanística
– através da liberdade formal e programática deste
21 1[2015
revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo
momento peculiar em que o arquiteto é projetista
e cliente ao mesmo tempo.
Considerando a obra integral de Vilanova Artigas,
vemos nas residências, projetadas para sua família,
um retrato particular das inquietações que o moviam,
em particular nesses momentos específicos de sua
carreira e de sua vida. Primeiro com uma pequena
casa para o casal, onde prevalece uma influência
wrightiana e, depois em sua segunda residência, as
influências de Le Corbusier e Oswaldo Bratke em
uma habitação para a família com filhos.
O método desenvolvido para análise envolve
elementos distintos de diferentes vertentes de
representação e análise gráfica, levando em
consideração itens como equilíbrio, iluminação,
circulação, etc. e tem por objetivo especular sobre
o processo de concepção dos projetos.
instituto de arquitetura e urbanismo
iau-usp
36
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figura 1: Vuoksenniska
Church, Alvar Aalto, análise.
Fonte: Clark e Pause, Hoboken, 2005, p.11.
Metodologia de análise
A metodologia utilizada para análise das residências
foi baseada na obras dos autores Clark e Pause
(1987), Geoffrey H. Baker (1998) e Simon Unwin
(2013). Os autores citados, iniciam suas análises por
meio das plantas e cortes do projeto tendo como
primeira abordagem o olhar direto sobre o mesmo.
“Os exemplos são, em geral, apresentados em planta
ou corte, nos quais as ideias básicas e estratégias
conceituais costumam ficar mais evidentes. As
plantas e secções tendem a ser abstração por
meio da qual os arquitetos mais projetam. Com
frequência, também são o meio mais apropriado
para análise.” (UNWIN, Porto Alegre, 2013 p.04)
Nesse trabalho iniciamos a análise com um levantamento de peças gráficas sobre a obra plantas, cortes, elevações e fotografias. Como
também dados relevantes sobre a construção e seu
estado de conservação, o conjunto de fotografias
apresentado busca destacar elementos importantes
na compreensão do projeto e suas leituras.
A partir disso, os primeiros elementos a serem
analisados foram circulação, iluminação, estrutura,
21 1[2015
simetria, composição e hierarquia, os mesmos utilizados por Clark e Pause em seu estudo Precedents
In Architecture - Analytic Diagrams, Formative
Ideas, and Partis, com adição do programa que
não é destacado pelos autores, mas que para a
compreensão do projeto de Artigas é bastante
relevante. Os autores justapõe suas análises afim
de formar um painel onde podem ser vistas de
forma conjunta; nesse estudo essas leituras estão
agrupadas duas a duas afim de reforçar a relação
intima que esses elementos estabelecem no projeto
arquitetônico.
Complementando o método de Clark e Pause,
os autores Simon Unwin e Geofrey Baker foram
de fundamental importância pois destacam a importância de flexibilizar as análises de acordo com
as particularidades do projeto e que é importante
abordar temas como a geometria ideal.
“As obras de arquitetura projetadas com auxilio
da geometria ideal parecem ter uma harmonia satisfatória e uma noção do que é certo;
ou, no mínimo, oferecem a possibilidade de ‘erro’
- partes que não seguem a disciplina imposta
pela geometria.” (UNWIN, Porto Alegre, 2013
p.149)
núcleo temático
37
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Assim como também abordam questões relativas
a condições impostas pelo lugar, que Baker chama
de “forças do lugar”.
viagem de estudos com o objetivo de conhecer a
arquitetura e o ensino da arquitetura nos EUA é
resultado desta bolsa.
“Este principio de crescimento, no qual os organismos
adquirem sua forma de acordo com as forças que
o circundam, tem uma semelhança com o modo
como a forma arquitetônica resulta em parte da
resolução de um problema particular, mas também
das forças características do contexto em que está
situada. Edifícios se relacionam com seu entorno da
maneira mais positiva, levando em conta fatores tais
como uma vista, a posição do sol ou a proximidade
com de uma via. Os fatores do lugar tais como uma
colina ou um vale, um rio ou uma estrada, poder
ser considerados como forças e, como tal, atuam
direta ou indiretamente na forma.” (BAKER, São
Paulo, 1998 p.04)
Em 1948, Vilanova Artigas junta-se ao grande grupo
de artistas, intelectuais e arquitetos vinculados ao
IAB que fundam o Museu de Arte Moderna de
São Paulo; e desenha o projeto de sede do MAM
na Rua 7 de Abril. Sempre conectado com as artes
visuais, o jovem arquiteto já tinha tomado contato
com o conjunto de artistas do grupo Santa Helena
desde 1936, através do curso noturno de desenho
da Escola de Belas-Artes de São Paulo, ainda antes
de se formar engenheiro-arquiteto.
A carreira como arquiteto e suas
casas nesse contexto
Em junho de 1948, completa-se a criação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, desmembrando-se a formação
de arquiteto da Escola Politécnica, ainda sob
liderança de Anhaia Mello, seu primeiro diretor.
Artigas, até então professor da Poli, torna-se
também um dos membros fundadores da nova
escola. Em 1949 torna-se membro do conselho de
redação da revista Fundamentos, ligado ao PCB.
Viaja à União soviética em 1953-54, com uma
delegação de intelectuais em campanha pela paz
mundial. Tal como Frank Lloyd Wright na década
de 1930, volta um pouco decepcionado com a
arquitetura praticada na URSS, mas sob outro ponto
e vista: o da coerência entre os sentidos estético e
político da arquitetura (v. Kamita, 2000, p. 122).
Participa do concurso nacional para o Plano Piloto
de Brasília-DF em 1956, em equipe com Paulo
Camargo e Almeida, Mário Wagner Vieira da
Cunha e Carlos Cascaldi (obtendo o quinto lugar).
Formado na Escola Politécnica em 1937, Artigas
associou-se com o colega de turma Duílio Marone
formando a Marone & Artigas Engenheiros, parceria
que durou até 1944. Ainda em 1940, Artigas
inicia carreira acadêmica na Politécnica, a convite
do Prof. Anhaia Mello, como seu assistente na
cadeira de Composição Geral e Estética. Em 1945,
como Secretário-Geral do IAB-SP, tem participação
crucial na organização do I Congresso Brasileiro de
Arquitetos; e também se filia ao Partido Comunista
Brasileiro, que desfrutava então de um breve período
de legalidade (que duraria até meados de 1947),
após a queda do Estado Novo e o fim da II Guerra
Mundial (1939-45). Ainda em 1947, é aceito como
bolsista da Guggenheim Foundation. A célebre
É dentro deste contexto histórico que se inserem
os projetos de residência do arquiteto. A produção
de Artigas pode ser dividida em três fases (Kamita,
pp. 9-12). A primeira foi caracterizada pela intensa
produção no escritório Marone & Artigas, na
Rua São Bento 484, que abrangeu cerca de 200
projetos entre 1937 e 1944. Esta fase primordial
foi pouco comentada e divulgada pelo próprio
Artigas, compondo-se na maior parte por residências
unifamiliares. Apesar de notoriamente conhecida
como uma “fase wrightiana”, grande parte dessas
obras segue o historicismo exigido pela clientela da
época. Esta fase poderia ser melhor definida como
um período de aprendizado prático de projetista e
construtor, ao mesmo tempo em que o arquiteto fazia
A elaboração de modelo eletrônico da edificação
auxiliou na visualização de relações volumétricas,
de geometria ideal e relação com o lote, além
de reforçar as relações primeiras de circulação,
iluminação, estrutura, simetria, composição e
hierarquia que geram uma apreensão muito maior
ao serem vistas como volumes e como um todo.
Observar as questões volumétricas no modelo é
algo que se difere tanto da experiência espacial
de adentrar ou ver fotografias do edifício quanto
das análises em plantas e corte, uma vez que é
possível contempla-lo como um todo e apreender
as proposições de forma simultânea.
21 1[2015
núcleo temático
38
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
reflexão sobre as contradições e conflitos ideológicos
do ofício. (Kamita, pp. 9-12; Fujioka, 2004, p. 216).
Em Wright e Artigas – Duas Viagens (2002), Adriana
Irigoyen faz uma análise reveladora deste período (pp.
128-146). Os projetos mais interessantes desta fase,
todos em São Paulo, são a casa Berta Gift Stirmer
(1940), a Casa Roberto Lacaze (1941), a “Casinha”
Vilanova Artigas (1942), a Casa Rio Branco Paranhos
(1943) e a Casa Rivadávia de Mendonça(1944) – em
que é possível constatar uma evolução paulatina
e virtuosística da inspiração wrightiana (Fujioka,
2004, pp. 217-222).
A segunda fase inicia-se por vota de 1944, quando
Kamita distingue em Artigas um redirecionamento
em favor do racionalismo corbusiano (p. 13-24).
Também é possível distinguir outras influências,
como a do antigo mestre Oswaldo Bratke e da
Escola Carioca. Trata-se de um novo período de
experimentação, com espaços livres e fluidos, com
generosa iluminação, preparatórios para fase da
Escola Paulista. A ampliação da “Casinha” original
(1949) é um exemplo desta experimentação, que
inclui a Casa Benedito Levi e o Conjunto das Quatro
Casas para Jaime Porchat Queiroz Mattoso (São
Paulo, 1944), o Hospital São Lucas (Curitiba, 1945),
o Edifício Louveira (São Paulo, 1946), a Casa Elphy
Rosenthal (São Paulo, 1946), as casas Tacques
Bittencourt I e Czapski (São Paulo, 1949) a Casa
Heitor de Almeida (santos, 1949), a Casa da Criança
da Prefeitura e a Rodoviária de Londrina (1950).
Pode-se considerar que a terceira fase inicia-se
em 1956 com a Casa Olga Baeta em São Paulo,
que marca o “início da pesquisa formal após um
período de conflitos” (Thomaz, 1993, p. 82, apud
Fujioka, 2004, p. 217). Trata-se de um período de
experimentação madura e original, com as casas José
Ferreira Fernandes (1957) e Rubens de Mendonça
(1958), ambas em São Paulo. Já com a Casa José
Mário Tacques Bittencourt II (São Paulo, 1959),
Artigas retoma ao tema arquetípico da arquitetura
como abrigo, rompendo ousadamente com o sistema
pilar/viga/laje em favor de uma casa-pórtico de
concreto armado (estrutura como arquitetura).
No mesmo ano, essa visão é levada adiante com o
projeto do Ginásio de Itanhaém.
Nos anos seguintes, temos a evolução paulatina e
cada vez mais ousada destes conceitos na obra de
21 1[2015
Artigas, como nota-se nos projetos do Ginásio de
Guarulhos (1960), o Vestiário do São Paulo Futebol
Clube (São Paulo, 1960), a Garagem de Barcos
do Santa Paula Iate Clube (São Paulo, 1961), o
Anhembi Tênis Clube (São Paulo, 1961), a nova
sede da FAUUSP (1961-68), a EEPSG 31 de Março
/ Ginásio de Utinga (Santo André, 1961-68) – todos
estes realizados com Carlos Cascaldi.
A partir de 1966, o arquiteto produz a maioria de
seus projetos sozinho, com algumas associações
ocasionais, como o do Conjunto Zezinho Magalhães
Prado – CECAP Cumbica (Guarulhos, 1967),
projetado com Fábio Penteado, Paulo Mendes
da Rocha e equipe do Escritório Técnico CECAP.
Desta rica produção solo que marca a consolidação
de sua forma de conceber arquitetura, vale destacar
a Casa Elza Berquó (São Paulo, 1967), a Rodoviária
de Jaú (1973) e a EEPG Conceiçãozinha (Guarujá,
1976), só para ficarmos em apenas três exemplos.
As casas no contexto da carreira de
Artigas
Se a casa do arquiteto constitui uma oportunidade
de experimentação, ainda mais se a oportunidade
surge no início de sua carreira, o espírito sempre
inconformado de Vilanova Artigas não deixaria de
fazer de suas “casinhas” uma reflexão sobre suas
inquietações em relação à arquitetura moderna.
Neste fragmento de um depoimento à revista
“Construção São Paulo” n. 1910, 17/09/1984, pp.
14-22, in Xavier, Depoimentos de uma geração
– arquitetura moderna brasileira (2003), pp. 219220, apud Fujioka, 2004, p. 218, entrevistado por
L. Pereira, Artigas afirma que:
“Encontrei em Frank Lloyd Wright uma formulação
que não encontrava no curso da Poli. Por exemplo,
eles ensinavam a fazer o telhado, mas dependíamos
do telhadeiro que, em geral, era um operário
europeu imigrante.”
Perguntado sobre quais os reflexos dessas lições
em seus primeiros projetos, Artigas respondeu
que:
“Nos anos 40, fizemos uma revolução. Nos primeiros
projetos wrightianos, decidi que eu mesmo calcularia
os telhados para ver a forma que resultaria. Assim,
essas casas me impuseram a disciplina de fazer
núcleo temático
39
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
meu projeto completo. Usei o mesmo método
quando fiz os primeiros projetos de arquitetura
(sic), precisamente na década de 50. Sim, porque
antes não existia o projeto, mas fotografias daquilo
que Le Corbusier e outros arquitetos europeus e
norte-americanos haviam feito. Então, era preciso
transformar aquilo em projeto. Tivemos de rever
todos os detalhes, pois até aquela época tudo se
fazia na base da imitação.
“A etapa seguinte foi fazer da estrutura da casa
um elemento capaz de caracterizá-la: as colunas
de baixo assumiram, então, a forma que elas tem
e a ossatura começou afazer parte da expressão
formal do projeto”. (in Xavier, pp. 219-220, apud
Fujioka, 2004, p. 218)
A “Casinha” é, de fato, uma experiência de programa habitacional mínimo, similar às usonian
houses de Frank Lloyd Wright, do mesmo período
histórico. O partido em “pinwheel plan”, concebido
por Wright ainda nas prairie houses, está organizado
ao redor do hall. O sentido de horizontalidade
wrightiano está manifesto nos beirais generosos e
vazados, na fenestração e na textura da alvenaria
aparente. Esta horizontalidade de planos e volumes,
que parece aumentar a escala da casa, é um dos
princípios da arquitetura organicista de Frank
Lloyd Wright (Fujioka, 2004, pp. 39-60). Outro
destes princípios, o da natureza dos materiais, está
presente na estrutura exposta de madeira e na
alvenaria aparente. Além disso, outras características
wrightianas estão presentes, bem como as janelas
de canto e a cozinha articulada ao estar/jantar,
formando um espaço aberto, fluido e ancorado
pelo volume da lareira. Esta articulação de espaços,
a simplicidade do programa e a concentração dos
espaços molhados (banheiro, cozinha e lavanderia)
são soluções típicas das usonian houses (Fujioka,
2004, pp. 95-116). Em contraponto, temos também
Artigas comentando a articulação cozinha/sala
nestes termos:
“Transferi algumas vivências minhas, de menino
paranaense, do sul do Brasil, que tem sala e não sabe
para quê. A convivência da família brasileira era na
cozinha. Enquanto, na casa tradicional paulista, a
sala de jantar de dirigiu na direção do ‘living room’,
pelo processo de transformar duas salas em uma, eu
fui para a tradição brasileira de integrar a cozinha
à sala. Segui um caminho diverso. Sei que perdi
21 1[2015
a parada. Mas a minha casa está lá” (in Vilanova
Artigas, p. 36).
É interessante comparar este comentário de
Artigas com o texto de Wright em The Natural
House (1954) sobre a casa rural do imigrante
alemão no Meio-Oeste dos EUA que este conhecia
desde sua infância (v. Fujioka, 2004, pp. 98-99).
A argumentação de Wright, evocando a casa
de fazenda centrado num grande espaço de
convivência com fogão (também, portanto, sem
ambientes de estar ou jantar), apresenta um
curioso paralelo com o co-mentário de Artigas.
Além disso, o arquiteto faz uso de outro recurso
muito utilizado por Wright nas usonian houses:
criar partições entre ambientes com mobiliário
embutido, ao invés de utilizar paredes portantes
(Fujioka, 2004, pp. 95-116).
Artigas considera, no mesmo comentário (op. cit., p.
36), que esta casa marca uma nova fase, rompendo
com as convenções tradicionais de fachada e volume.
Isto está patente na implantação em ângulo com o
alinhamento da rua, contestando padrões tradicionais
de alinhamento de fachadas e acomodando melhor
a edificação no terreno.
A construção de sua segunda residência, que fica
pronta em 1949; mais arrojada e inspirada na
segunda fase de Le Corbusier, o projeto destacase pelo acréscimo em área útil e pela adoção de
materiais menos tradicionais como o concreto, aço
e vidro. São caminhos de concepção que já eram
vistos em projetos anteriores como na Casa Trostli
(1948) e na Casa Czapski (1949); mas que ganham
força a partir dos anos 50.
“Ainda na década de 50 achei que era necessário
mudar a tipologia da casa paulistana. Tratava-se
de modificar a divisão interna espacial da casa de
classe média paulista que necessitava se atualizar
em relação ás modificações sociais em nosso país.
Nessa época era comum as casas manterem a
entrada de carro como reminiscência da antiga
cocheira, com o quarto da criada e o tanque de
lavar nos fundos. Para mim, elas deveriam ser
pensadas como um objeto com quatro elevações,
mais ou menos iguais, ajustando-se a paisagem
como uma unidade.” (ARTIGAS Apud FERRAZ;
PUNTONI; PIRONDI; LATORRACA; ARTIGAS(Orgs.),
1997. p 26).
núcleo temático
40
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Primeira residência do arquiteto:
“Casinha”
A “Casinha”, como Artigas a chamava, consistiu-se
na rememoração da casa de sua infância no Paraná.
Contava com programa reduzido que refletia a
simplicidade de uma rotina familiar e social mais
modesta e organizada em torno da cozinha e do
quintal. Distinta portanto, da tradição colonial
portuguesa onde havia forte separação entre área
social e serviços. Essa tradição se mantinha no espaço
da casa urbana paulistana á epoca onde o quintal
era um espaço de menor importância, muitas vezes
escondido e com entrada distinta da principal; uma
área relegada a atividades cotidianas da residência
como trabalhos domésticos e lazer das crianças,
assim como a cozinha era um espaço exclusivo para
empregados, mantendo no espaço da residência
um resquício da tradição escravocrata.
Figura 2: Estado atual da
residência. Fonte: acervo da
autora.
21 1[2015
O rompimento com esses preceitos tradicionais se
inicia no programa que não inclui uma área social para
visitas apartada dos ambientes sociais e de serviços
que são integrados aos demais espaços. Havendo
separação apenas das áreas intimas e de trabalho, pois
o escritório é anexado a residência por meio de um
pequeno ambiente embaixo do mezanino do quarto,
algo bastante incomum a época, esses ambientes
internos são delimitados por níveis e mobiliários, sem
o uso de paredes como aponta CUNHA em seu artigo
“A casinha de Artigas: reflexos e transitoriedade”:
Essas mudanças na morfologia da casa determinam
uma planta praticamente sem divisões internas, ainda
que as paredes estivessem vinculadas diretamente à
estrutura. Os outros elementos do programa, como
dormitório e estúdio, são definidos por dois meio
níveis, integrando tanto um ao outro – por meio
de um pé-direito duplo – quanto à sala.
Estratégia que terá importante papel estruturador nas
plantas projetadas por Artigas nos anos posteriores,
setorizando os espaços de acordo com seus usos e
sem o auxílio de paredes. (CUNHA, 2005)
núcleo temático
41
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
1
A propriedade está à
venda pela família Artigas,
que encontra dificuldade
na comercialização do imóvel uma vez que a casa
é patrimônio tombado e
não pode ser demolida ou
modificada, o que lhe causa
grande desvalorização uma
vez que está localizada
em meio a uma área de
grande verticalização e
adensamento e está sob forte pressão da especulação
imobiliária. É importante
apontar em imagens alguns
pontos relevantes, como
detalhes construtivos e de
conservação.
Figuras 3 a 5: Implantação e
localização. Fonte: ACAYABA, São Paulo, 1986, p36 e
38, e Google Maps.
21 1[2015
Com isso, concluimos que isso é um posicionamento
ideológico, que se traduz em espacialidade formal
e coerente com seu posicionamento político, pois
o uso de materiais tradicionais é uma forma de
baratear o processo construtivo, importante para
um arquiteto em inicio de carreira e também é uma
forma de apreciar a brasilidade existente nessas
relações postas no convívio da habitação uni familiar.
Estado atual1: está desocupada e necessita de
reparos, já foi utilizada como loja de artigos
naturais e plantas por um período, esse novo
uso deixou marcas como a modificação de
mobiliário e novos pontos hidráulicos. Porém,
não há comprometimento aparente da estrutura
e não foram feitas alterações significativas que
descaracterizassem a construção.
Dados da construção e estado atual
Construção: 1941-42
Localização: Rua Barão de Jaceguai, 1151
Proprietário: pertence a Júlio Artigas, que mora na
residência ao lado.
Área do terreno: 900m2
Área construída: 102,74m2
Área ocupada: 102,74m2
núcleo temático
42
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figuras 6 e 7 (topo): Bay
window, interior da cozinha,
detalhe da chaminé em tijolo
da cozinha. Fonte: acervo da
autora.
Figuras 8 e 9 (meio): Mezzanino e divisão com mobiliário (característica wrightiana), originais do projeto.
Fonte: acervo da autora.
Figuras 10 e 11 (embaixo):
Detalhe das prateleiras do
escritório e vista da escada,
originais do projeto. Fonte:
acervo da autora.
21 1[2015
núcleo temático
43
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Análise Gráfica
Implantação, planta e corte
Figura 12: Planta da “Casinha” (1942). Reparar no
carimbo da prancha “Marone
e Artigas”. Fonte: acervo
Biblioteca FAU-USP.
Figura 13: Cortes e detalhes básicos da “Casinha”
(1942). Reparar no carimbo
da prancha “Marone e Artigas”. Fonte: acervo Biblioteca
FAU-USP.
21 1[2015
Como primeira aproximação do projeto após leitura
do entorno, analisamos as plantas e cortes, onde é
possível apreender a escala e implantação. De imediato
o olhar é atraído, para a implantação da casa em 45°
em relação aos limites do lote. Isto é devido à intenção
do arquiteto em desconstruir a ideia de hierarquia entre
entradas e fachadas, além da adequação à insolação.
Essa implantação também se caracteriza como
(Sendo o “desacordo” entre o lote e a implantação
a 45º da casa, nada mais do que a afirmação da
atividade do arquiteto como construtor do espaço
urbano, de forma inovadora e não reproduzindo
o que estava dado pelo formato do lote.) (Buzzar,
São Paulo, 2014, pp.306), essa implantação em
rotação ou diagonal de 45° em relação ao sítio é
outra característica forte da arquitetura de Wright
(FUJIOKA, São Paulo, 2003, pp. 106-107 e 220-221).
“A casinha é de 1942. Foi um rompimento formal
meio grande. A partir dela, foi à primeira vez que fiz
e tive coragem de fazer porque era para mim, me
libertei inteiramente das formas que vinham vindo.
Libertei-me da planta porque a cozinha passou a
se integrar na sala. Marcou uma nova fase em
todo tratamento volumétrico daquilo que podia se
chamar fachada, porque a fachada desapareceu”.
(ARTIGAS Apud CUNHA, 2005).
núcleo temático
44
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Programa, circulação, iluminação e
estrutura
A área destinada a todas as funções sociais, intimas
e de serviços é equivalente, excluindo o terraço
que é uma área social, porém com uso reduzido
por ser externa, concluímos a partir disso que o
arquiteto considerava de igual importância todas as
funções da habitação, não havendo espaços mais
importantes do que outros, inclusive o espaço de
trabalho, que excluindo a circulação possui a mesma
área do dormitório.
Figura 14: Relações gráficas
2D de programa e circulação
na “Casinha”. Fonte: intervenção sobre imagem de
acervo Biblioteca FAU-USP.
21 1[2015
A circulação é bastante econômica e centralizada
em torno do banheiro, que fica na região central
da planta, de modo a ficar equidistante a qualquer
usuário da casa. Também coloca entradas em faces
opostas o que maximiza a circulação de pessoa
e ventilação cruzada, a ventilação do banheiro é
feita por meio de um pequeno lanternim. O partido
remete fortemente à “planta em catavento” da
arquitetura residencial de Wright (FUJIOKA, São
Paulo, p. 74).
A iluminação se dá por aberturas na alvenaria
em tijolo aparente, sendo apenas mais comedida
na área intima, a implantação em 45° auxiliou a
insolação, uma vez desalinhou as faces em relação
às construções de gabarito elevado do entorno,
aproveitando assim a iluminação em diferentes
horários. Em termos estruturais a construção e muito
simples, térrea com apenas uma diferença de altura
entre dois blocos compostos por grossas paredes
de tijolos que sustentam o telhado convencional
de telhas cerâmicas, o que minimiza os custos de
construção.
núcleo temático
45
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Geometria ideal, proporção e equilíbrio
Figura 18: Relações gráficas
2D de traçado regulador,
proporção e simetria na
planta da “Casinha”. Fonte:
intervenção sobre imagem de
acervo biblioteca FAU-USP.
Figura 19: Relações gráficas
2D de proporção e simetria em corte na “Casinha”.
Fonte: intervenção sobre
imagem de acervo biblioteca
FAU-USP.
21 1[2015
As proporções e relações gráficas encontradas
ao analisarmos esse pequeno projeto são
muito ricas, talvez por sua geometria em planta estar inserida em um quadrado (similar à
de várias prairie houses, v. FUJIOKA, São Paulo,
2003, pp. 74-76) o que possibilitou muitas
conexões a principio imperceptíveis; como
a equivalência entre as distancias das paredes das
paredes paralelas como destacado na imagem
18, onde o arco de circunferência em lilás liga
a parede do ateliê, as demais paredes reforçando
o rigor geométrico apresentado em todo o projeto.
Analisando o desenho em si, destacamos que a
composição parece conseguida pelo arranjo de
quadrados em planta e corte, que são seccionados
por um retângulo em proporção áurea que compõe
a área social (destacado em vermelho na imagem 18)
figura que se repte na relação em corte compondo o
espaço de trabalho (destacado em amarelo na Figura
19), vemos também o emprego do retângulo de ouro,
soma de dois quadrados na relação entre largura e pé
direito do ateliê (destacado em vermelho na Figura 19).
núcleo temático
46
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figura 20: Relações gráficas
2D de simetria e equilíbrio de
massas. Fonte: intervenção
sobre imagem de acervo
Biblioteca FAU-US.
21 1[2015
Por meio das relações obtidas na análise gráfica,
consideramos um cuidado formal da parte do
arquiteto, além dos cuidados construtivos e
que acreditamos sejam decorrentes de seu posicionamento ideológico o que transformam a
obra em uma experiência arquitetônica completa,
pois entendemos que existe um cuidado que vai
das relações virtuais no desenho em planta ao
detalhe construtivo de tijolo na iluminação zenital
do sanitário.
A análise apresentada das imagens 18 a 20 mostram
especulações sobre o processo de projeto a partir de
sua planta e corte, que para Clark e Pause mostram
um partido de composição de projeto, ou seja, uma
síntese da composição projetual.
núcleo temático
47
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Segunda residência do arquiteto
(1949)
A nova construção desempenha um papel fundamental
na carreira do arquiteto, pois marca a transição para
a segunda fase, afastando-se de Wright (mas não
de todo) e aproximando-se de Le Corbusier. De uma
forma critica e bastante original, onde Artigas associa
materiais industrializados como concreto e vidro ao tijolo
aparente, um material bastante tradicional, adotando
tanto elementos do novo estilo (estrutura independente,
planta livre, curtain wall, abóbada catalã corbusiana)
como da tradição vernacular nativa, como a lareira no
centro da área social e as áreas de serviço como garagem
e lavanderia em primeiro plano no acesso da residência.
Figura 21: Estado atual da
Casa do Arquiteto II. Fonte:
acervo da autora.
21 1[2015
Na segunda casa de Artigas de 1949, pode-se
perceber um desenvolvimento da linguagem
utilizada na casa Benedito Levi, agora utilizando
planos inclinados de cobertura (asa de borboleta) e
expandindo os panos de vidro para os dois andares.
Com relação aos materiais há o concreto armado
predominando na parte superior da casa, a cobertura,
no nível intermediário os panos de vidro e abaixo
deles, no embasamento, paredes de tijolo a vista.
(CUNHA, 2009, pp.55)
Percebe-se também ressonâncias da arquitetura
de Oswaldo Bratke (1907-1997), de quem foi
estagiário na construtora Bratke e Botti e com quem
ainda mantinha diálogo. Pois ambos valiam-se das
coberturas com estrutura em concreto, vidro e tijolo
como também trabalham construções lineares e
térreas de programa enxuto como casa para a
família que Bratke constrói na chácara Morumbi
em 1951.
núcleo temático
48
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figuras 22 e 23: Implantação
e localização da residência.
Fonte: ACAYABA,São Paulo,
1986, p36, e Google Maps.
Dados da construção e estado atual
Construção: entre 1948 e 1949
Localização: Rua Barão de Jaceguai, 1151. Campo
Belo, São Paulo.
Proprietário: Júlio Artigas
Área do terreno: 900m2
Área construída: 208,27m2
Área ocupada: 208,27m2
2
Observações: Algumas
instalações elétricas foram
acrescidas e refeitas e as
esquadrias dos quartos
foram substituídas, porém
a linguagem arquitetônica,
cores e dimensões foram
respeitadas. As duas
residências fazem parte
do conjunto arquitetônico
tombado que esta à venda.
Estado Atual:2 O proprietário Júlio Artigas e sua
esposa residem no imóvel. Está em excelente estado
de conservação, tudo está preservado de acordo o
projeto inicial, mesmo o mobiliário é muito próximo
ao original.
Análise gráfica
Implantação, planta e corte
Como na análise anterior o primeiro ponto a ser
analisado são plantas e cortes em si, onde se lê planta
do subsolo, na verdade é o pavimento elevado que
abriga o estúdio, esse erro foi mantido pois é assim
que está a imagem de referencia.
“A intenção de Artigas em tal casa está voltada,
principalmente, para a elaboração do volume
formado por uma longa laje inclinada, gerando
uma forma trapezoidal. Quanto aos eixos de
21 1[2015
composição são estes, um sua maioria transversais,
compartimentando espaços cujo programa de
necessidades tem simplicidade como característica.
Com a distribuição das duas casas no mesmo terreno,
temos um ponto interessante para ser analisado:
sendo elaborados pelo mesmo arquiteto (com uma
defasagem de seis anos), ambas contendo programas
parecidos, apresentam dialética formal, deixando
clara as alterações compositivas do arquiteto, num
prazo exíguo de tempo.” (MIGUEL,2003)
Preservou-se a área verde ao redor da construção,
adotando-se um volume principal ortogonal
e alinhado com os limites do lote. Coloca os
serviços novamente na área central, equidistante
das extremidades, pois agora entendemos que
Artigas retrabalha a forma quadrada por meio
de um grande retângulo composto por uma
sequencia de quadrados. O espaço principal com
amplos curtain walls e pé-direito elevado, assim
como no projeto anterior, a planta possui uma
geometria pouco usual que remete novamente a
implantação em diagonal de 45°. Aqui podemos
uma ressonância das casas usonian diagonal de
Frank Lloyd Wright (FUJIOKA, São Paulo, 2003, p.
106), porém agora na garagem, um espaço que
não era relevante no projeto anterior agora ganha
lugar de destaque ao ser a primeira interface entre
a residência e a rua.
núcleo temático
49
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figura 24 (topo): Casa do
Arquiteto II e jardim. Fonte:
acervo da autora.
Figuras 25 e 26: Relação
entre as casas e interior da
Casa do Arquiteto II. Fonte:
acervo da autora.
21 1[2015
núcleo temático
50
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figuras 27 a 29: Interior com
móveis originais, esquadrias
substituídas e jardim dos fundos. Fonte: acervo da autora.
21 1[2015
núcleo temático
51
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figuras 30 e 31: Planta de
ambos os pavimentos e corte
esquemático longitudinal.
Fonte: ACAYABA,São Paulo,
1986, p38.
21 1[2015
Para tornar possível a coexistência dos dois projetos,
o volume principal da segunda casa, um bloco linear
cuja elevação formal apresenta um perfil muito
próximo ao da residência Bittencourt, foi assentado
em paralelo à rua e mais próximo da divisa dos fundos
do lote. No amplo recuo frontal criado, o arquiteto
dispôs uma pequena construção destinada a abrigar
a garagem, a área de serviço e a entrada da casa,
acoplada em angulo com o volume principal da
moradia. A disposição enviesada desta construção
secundária determina um acesso comum para as duas
obras, ao mesmo tempo que faz uma referencia a
implantação da casinha, construída a 45 graus em
relação ao limite do terreno. Note-se como esta
pequena construção frontal ainda funciona como
um elemento de transição entre uma arquitetura
e outra. (TENÓRIO, 2003. pp 126.)
É importante destacar duas características importantes do lote, podendo-se dizer que é uma força
do lugar (BAKER, 1998), que são fundamentais a
compreensão do projeto. O terreno é naturalmente
plano, o que permite uma visada única para as duas
residências ao olhá-las do perfil do arruamento e
também por ser um lote de esquina, o que permitiu
que ambas edificações possuíssem múltiplos acessos.
núcleo temático
52
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figura 32 (topo): Elevação
frontal, modelo eletrônico
Fonte: modelo produzido
pela autora.
Figura 33 (meio): Elevação
fundos, modelo eletrônico
Fonte: modelo produzido
pela autora.
Figuras 34 e 35 (embaixo):
Elevações laterais, modelo
eletrônico. Fonte: modelo
produzido pela autora.
21 1[2015
núcleo temático
53
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figuras 36 e 37: Detalhes
de estrutura Fonte: acervo
da autora.
21 1[2015
Programa, circulação, iluminação e
estrutura
pelo fluxo; caminhando-se dos espaços abertos e
contínuos para os restritos e fechados.
O programa da nova residência, agora para uma
família de quatro pessoas, continua enxuto,
acrescentando-se mais dormitórios e sanitários.
A relação programa / circulação é resolvida de
forma ordenada e funcional, concentrando-se
a circulação em dois corredores que faceiam o
volume, desembocando nas áreas sociais. Com isso,
pode-se colocar a hipótese de que a circulação
governa funcionalmente a distribuição dos ambientes
Assim como especulamos que iluminação e
estrutura fizeram parte de um mesmo momento
de concepção projetual, pois os pilaretes da área
social e de trabalho que sustentam juntamente
com a estrutura em concreto o delicado telhado
borboleta, possibilitando que haja vedação em
tijolo no núcleo intimo e painéis envidraçados que
iluminam hora zenitalmente hora completamente
os ambientes sociais.
núcleo temático
54
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figura 38 (topo): Relações
gráficas 2D de programa e
circulação. Fonte: intervenção
sob imagem ACAYABA,São
Paulo,1986, p38.
Figuras 39 e 40: Relações
gráficas 3D de programa e
circulação. Fonte: modelo
produzido pela autora.
21 1[2015
núcleo temático
55
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figura 41 (topo): Relações gráficas 2D de iluminação e estrutura. Fonte:
intervenção sobre imagem
de ACAYABA,São Paulo,
1986, p38.
Figuras 42 a 44: Relações
gráficas 3D de iluminação,
programa e estrutura. Fonte: modelo produzido pela
autora.
21 1[2015
núcleo temático
56
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Geometria ideal, proporção e equilíbrio
Figura 45: Relações gráficas
2D de traçado regulador,
proporções, rotação de volume. Fonte: intervenção sobre
imagem de ACAYABA,São
Paulo, 1986, p38.
Figura 46: Relações gráficas
2D em corte de traçado regulador e proporções. Fonte:
intervenção sobre imagem
de ACAYABA,São Paulo,
1986, p38.
21 1[2015
Apesar de apresentar menos relações que a casinha,
possivelmente pela alteração de estrutura de planta,
por trabalhar com áreas maiores em uma geometria
alongada, ainda guarda relações interessantes entre
os elementos. Entendemos aqui que Artigas também
baseia esse projeto na justaposição de quadrados
de diferentes dimensões, tanto em planta quando
em corte, porém no corte existe uma progressão
crescente das formas empregadas.
A hipótese aqui adotada é de que a forma geradora
da planta é o quadrado, entretanto o agrupamento
deles se mostra como retângulo, inclusive um em
proporção áurea nas áreas sociais e de trabalho,
situação próxima à criada no projeto anterior
da Casinha. Sendo assim, um novo elemento é
encontrado na análise volumétrica, todo o projeto
é regido pelo agrupamento de cubos.
Logo, concluímos que um possível partido de projeto
para essa residência é similar ao da casinha, onde
o a forma cubica e elemento gerador e os ângulos
reto e de 45º são os mais utilizados na composição,
então embora elas sejam bastante diferentes no uso
dos materiais e na forma os princípios de composição
de projeto seu partido gerador é muito similar.
núcleo temático
57
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Figura 47 (topo): Análise
3D de relações gráficas de
proporções e articulação
de volumes. Fonte: modelo
produzido pela autora.
Figura 48: Análise 3D de
proporções e relações volumétricas. Fonte: modelo
produzido pela autora.
Conclusão
A forma, partido e materialidade das casas do
arquiteto são resultado de soluções de projeto
que refletem uma visão pessoal – que abrange
um universo de escolhas que vão da arquitetura
residencial preferida à dimensão lírica das memórias
de sua intimidade. Questões ideológicas, estéticas
e construtivas se envolvem nessa visão pessoal
durante o processo de projeto. Nesse trabalho
buscamos hipóteses e especulações sobre esse
processo baseados nas peças gráficas existentes e
nos relatos encontrados em textos e escritos do e
sobre o arquiteto.
Ao analisarmos o projeto acabado, tanto em
peças gráficas quanto em volumetria, é possível
especular sobre as decisões de composição formal
que levaram àquele resultado espacial, estabelecendo
uma hipótese de processo projetual das obras
estudadas. Além disso, podemos observar o projeto
arquitetônico como artefato de análise estética em
si, como obra autônoma e não apenas um conjunto
de diretrizes para a construção do objeto real.
A “Casinha” possui um significado simbólico
muito grande, uma vez que foi mostrou uma
possível uma alternativa de casa unifamiliar,
distinta da casa paulistana do Ecletismo da época
21 1[2015
e dos valores da clientela tradicional, que Artigas
questionava. Em contrapartida, na segunda casa,
parte de um conjunto de experiências distintas na
segunda fase de sua carreira, é possível notar a
proposição de formas e espaços alusivos a Bratke
e Le Corbusier, tais como a cobertura borboleta,
o espaço fluido e aberto do salão com ampla
fenestração, a estrutura independente e caixa de
vidro da escada configurando uma promenade
architecturale, a cobertura da garagem reminiscente
da abóbada catalã, a laje de cobertura formando
com a parede e a laje do estúdio uma moldura.
Na escada, no terraço e no salão podemos ver o
arquiteto experimentando elementos de um partido
arquitetônico que atingirá sua maturidade na Casa
Tacques Bittencourt II (1959).
Tanto a “Casinha” quanto a “Casa do Arquiteto II”
demonstraram-se bastante fecundos no estudo de
composição de projeto uma vez que demonstram
os anseios de um jovem arquiteto, refletindo as
transformações radicais no campo da arquitetura,
da arte, do pensamento, no turbilhão das revoluções
e guerras da primeira metade do século XX. Nestas
singelas casas podermos observar a travessia de
Artigas da primeira para a segunda fase, já presentes
várias das características de partido e expressão
construtiva que podem ser vistas, consolidadas, na
maturidade da terceira fase de sua obra.
núcleo temático
58
A residência do arquiteto: uma analise gráfica das casas de Vilanova Artigas
Referências bibliográficas
ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da Arquitetura.org José
Tavares Correa de Lira Rosa Artigas. São Paulo, Cosac
Naify, 2004.
ACAYABA, Marlene Milan. Residências em São Paulo
1947-1975. São Paulo: Projeto Editores Associados
/ Eucatex, 1986.
BAKER, Geoffrey H. Le Corbusier – Uma Análise da Forma.
São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1998.
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. Rio
de Janeiro: Perspectiva, 1980.
IRIGOYEN, Adriana M. Wright e Artigas: Duas Viagens.
São Paulo: Ateliê Editorial-FAPESP, 2002
KAMITA, João Massao. Vilanova Artigas. São Paulo:
Cosac & Naify, 2000.
MEDRANO, Leandro Silva e RECAMAN, Luiz. Vilanova Artigas. Habitação e cidade na modernização brasileira.
Campinas: Editora da Unicamp, 2013
MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil.
Rio de Janeiro: Editora Aeroplano, 1999.
BERREDO, Hilton e LASSANCE, Guilherme. Análise gráfica,
uma questão de síntese – A hermenêutica no atelier de
projeto. Arquitextos 133.01 in Vitruvius Arquitextos
133 ano 12 Junho 2011..
MIGUEL, Jorge Marão Carnielo. A Casa. Londrina:Eduel,
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2003.
BUZZAR, Miguel Antonio. João Vilanova Artigas: elementos
para a compreensão de um caminho da arquitetura
brasileira, 1938-1967. São Paulo:Editora Senac, 2014.
RIBEIRO,Abilio G e CASTROVIEJO, Alessandro J. Casas
brasileiras do século XX. Arquitextos 074 in Vitruvius
ano 05, julho 2006
CONWAY, Hazel e ROENISCH, Rowan. Understanding
Architecture – An introduction to Architecture and
Architectural History. Londres: Routledge, 2011.
SAHM, Estela (coord.). Os Desenhos da Arquitetura. Catálogo de exposição. Textos de Carlos A.F. Martins,
Fernando Vazquez y Ramos, Renato L.S. Anelli. São
Carlos-SP: EESC-USP / SAP, 1995.
CLARK, Roger H. e PAUSE, Michael. Precedents In Architecture - Analytic Diagrams, Formative Ideas, and Partis.
Hoboken: John Wiley and Sons, 2005.
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São
Paulo: ProEditores, 1999.
CUNHA, Gabriel Rodrigues. Uma análise da produção
de Vilanova Artigas entre os anos de 1967 a 1976.
2009. 200f. Dissertação (Mestrado - Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Área
de Concentração em Teoria e Historia da Arquitetura
e do Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos
da Universidade de São Paulo, São Carlos.
TENÓRIO, Alexandre de Souza. Casas de Vilanova
Artigas. 2003. 207f. Dissertação (Mestrado Programa de Pós-Graduação em Arquitetura
e Urbanismo e Área de Concentração em Tecnologia do Ambiente Construido) - Escola de
Engenharia de São Carlos da Universidade de São
Paulo, São Carlos.
CUNHA, Marcio Cotrim. A casinha de Artigas: reflexos
e transitoriedade. Arquitextos 133.01 in Vitruvius
Arquitextos 061 ano 01 Junho 2005.
THOMAS, Dalva. E. Vilanova Artigas – Desenhar é preciso,
viver também é preciso. in revista AU-Arquitetura
e Urbanismo no. 50, Outubro/Novembro 1993. São
Paulo: Editora Pini.
EDWARDS, Brian. Understanding Architecture through
drawing. Londres: Routledge, 2011.
FERRAZ, Marcelo et. alli. (orgs.). Vilanova Artigas. São
Paulo: Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, 1997.
FONSECA, Benício Geraldo da. Representação gráfica de
arquitetura entre continuidade e inovação. Arquitextos 132.04 in Vitruvius Arquitextos 132 ano 11
Maio 2011.
FUJIOKA, Paulo Yassuhide. O Edifício Itália e a arquitetura
dos edifícios de escritórios em São Paulo. Dissertação
de Mestrado. São Paulo: FAU-USP, 1996.
21 1[2015
FUJIOKA, Paulo Yassuhide. Princípios da Arquitetura de
Frank Lloyd Wright e suas influências na Arquitetura
Moderna Paulistana. Tese de Doutorado. São Paulo:
FAU-USP, 2004.
UNWIN, Simon. Análise da Arquitetura. tradução: Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2013.
Warchavchik, Gregori. Arquitetura do século XX e outros
escritos. São Paulo Cosac Naify 2006.
XAVIER, Alberto (org.). Depoimentos de uma geração
– Arquitetura Moderna Brasileira. São Paulo: CosacNaify, 2003.
ZABALBEASCOA, Anatxu. The House of the Architect.
Barcelona: Ed. Gustavo Gili, 1995.
núcleo temático
59