AVALIAÇÃO DO TRATAMENTO DE EFLUENTES CONTENDO
RESÍDUOS DE FLUIDOS DE CORTE POR PROCESSO UV-H2O2
C. ASSENHAIMER1, L. N. SETO1 e R. GUARDANI1
1
Universidade de São Paulo, Departamento de Engenharia Química
E-mail para contato: cristhianetaka@gmail.com
RESUMO – Fluidos de corte são importantes na indústria metal-mecânica por aumentar a
vida útil das ferramentas e melhorar a eficiência e qualidade do processo. Em geral, são
emulsões de formulações complexas que, ao fim de sua vida útil, geram efluentes que
tipicamente contêm água contaminada com níveis de 100 a 30.000 ppm de compostos
orgânicos emulsificados. Esses efluentes são de difícil degradação por processos
convencionais de tratamento. Uma alternativa consiste nos Processos Oxidativos
Avançados. Neste estudo, foi avaliada a eficiência da aplicação do processo UV-H2O2 no
tratamento de um efluente sintético contendo água e resíduos de fluido de corte, por meio
de experimentos em laboratório, em diferentes condições. Os resultados indicam redução
significativa nos níveis de carbono orgânico dissolvido no efluente e a viabilidade técnica
de aplicação do processo UV-H2O2 no tratamento desses resíduos.
1. INTRODUÇÃO
Fluidos lubrificantes e óleos de corte desempenham um papel de extrema importância na
indústria metal-mecânica. Em processos de usinagem, o uso dos mesmos aumenta a vida útil da
ferramenta, minimiza a geração de calor durante o processo, auxilia na remoção de cavacos e
melhora a eficiência do sistema produtivo. Em geral, são emulsões de formulações complexas,
compostas de uma fase aquosa, uma oleosa, agentes emulsificantes e aditivos químicos diversos,
que variam de acordo com o tipo de operação a ser executada e os metais a serem trabalhados.
Uma indústria metal-mecânica típica consome cerca de 33 t/ano de fluido de corte
(OLIVEIRA; ALVES, 2007). O consumo mundial anual desses fluidos excede 2x109 L e o
resíduo gerado pode chegar a dez vezes esse valor, visto que os fluidos de corte são diluídos na
sua aplicação (CHENG; PHIPPS; ALKHADDAR, 2005). Embora geralmente tenham vida útil
longa, quando a substituição por um fluido novo se torna necessária, os fluidos envelhecidos são
de difícil disposição, pois tipicamente contêm de 100 a 30.000 ppm de óleo emulsificado e
quantidades variáveis de metais pesados (RÍOS; PAZOS; COCA, 1998). Os metais pesados,
provenientes de contaminação durante o uso, contribuem ainda mais para a toxicidade e
periculosidade desses resíduos. Por essa razão, vários grupos de pesquisa têm proposto soluções
para minimização do uso (MACHADO; WALLBANK, 1997) e tratamento dos óleos de corte
envelhecidos (GUIMARÃES et al., 2010; HESAMPOUR; KRZYZANIAK; NYSTRÖM, 2008;
KOBYA et al., 2008).
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O tratamento mais comum dado a esses resíduos é a desestabilização química da emulsão,
seguida de tratamento biológico, embora diversas outras rotas sejam possíveis (BYERS, 2006).
Entretanto, devido à toxicidade e difícil degradação de alguns poluentes, os tratamentos
convencionais muitas vezes não são eficientes e a investigação de outras alternativas se torna
necessária. Uma opção de tratamento consiste nos Processos Oxidativos Avançados (POA).
Ainda que poucos autores tenham estudado a aplicação de POA especificamente para esse tipo de
efluente (SEO et al., 2007), esses processos têm se mostrado como uma alternativa técnica com
grande potencial para tratamento de diversos poluentes de difícil degradação (LAPERTOT et al.,
2007; RIZZO et al., 2008; RUAS, 2008).
Dentre os vários processos oxidativos classificados como POA, o processo baseado na
combinação da ação da luz ultravioleta e peróxido de hidrogênio (UV-H2O2) é o mais antigo
(LITTER, 2005). Esse processo ocorre em duas etapas principais: formação de radicais hidroxila
pela fotólise direta do H2O2 (Equação 1) e oxidação das moléculas orgânicas dos contaminantes
pelos radicais formados (equações 2, 3 e 4) (BRAUN; OLIVEROS, 1997).
(1)
+ ℎ → 2.
+
→
(2)
+ .
.
+
=
→
(
.
+
→
+
.
) .
(3)
(4)
Uma das vantagens desse método é que não é necessária a adição de outros compostos além do
peróxido de hidrogênio, cujo excesso após o fim da reação é degradado naturalmente, não havendo
necessidade de etapas posteriores de separação ou outro tipo de tratamento.
Não foram encontrados na literatura até o presente momento outros trabalhos de aplicação desse
processo no tratamento de resíduos de fluidos de corte. Porém, o sistema UV-H2O2 tem se mostrado
eficiente na degradação de diversos poluentes, incluindo resíduos contendo óleos emulsificados
(SUBTIL; MIERZWA; HESPANHOL, 2009). Por essa razão, o presente trabalho teve como objetivo
avaliar o potencial de aplicação de um sistema UV-H2O2 para remoção de contaminantes orgânicos de
um efluente sintético contendo resíduos de fluidos de corte, usando medidas de COT como base para
avaliação da eficiência do processo.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Em todos os experimentos foi utilizado um efluente sintético contendo 0,03% de fluido de corte,
sem a presença de outros interferentes. Essa concentração foi determinada com base em testes
anteriores de quebra da emulsão e análise dos resíduos da fase oleosa que permanecem na fase
aquosa. O carbono orgânico total (COT) inicial do efluente foi de 186 ± 20 mg/L e pH de 7,5.
O sistema utilizado nos experimentos está representado na Figura 1. O volume total desse
sistema é de 2L, operado em batelada, com vazão de recirculação de aproximadamente 83 L/h. Como
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fonte de radiação UV utilizou-se uma lâmpada de vapor de mercúrio de média pressão Philips HPLN
de 250W. Foi verificado em trabalhos anteriores que, para esse sistema, a potência de 250W é alta o
suficiente para que o fluxo de fótons não seja um fator limitante na reação (LIRA et al., 2006). Para
ajuste e correção de pH foram utilizadas soluções de NaOH e H2SO4. A Tabela 1 apresenta os
parâmetros operacionais investigados e seus respectivos valores.
Figura 1 – Representação esquemática do sistema utilizado. As correntes 1 e 2 correspondem à água
de resfriamento do sistema e as correntes 3 e 4 correspondem à recirculação do efluente.
Tabela 1 - Parâmetros operacionais investigados
Parâmetros
Valores
Proporção mássica entre COT e H2O2 0,50; 0,94; 2,00; 3,06; 3,50
pH
4,5; 5,4; 7,5; 9,6; 10,5
Os experimentos foram realizados com base em um planejamento composto central com dois
fatores: pH e proporção em massa entre carbono orgânico dissolvido e peróxido de hidrogênio, tendo
como resposta a eficiência de remoção da carga orgânica após 90 min, medida pela redução nos
valores de COT pelo analisador TOC/TNM – L, da Shimadzu. Além de valores de pH abaixo do
característico do efluente, optou-se por avaliar também valores de pH superiores, uma vez que, para
efluentes mais concentrados, o pH destes pode ser significativamente maior.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 2 apresenta as condições experimentais, os valores codificados das variáveis do
processo (x1 = proporção C:H2O2; x2 = pH) e os respectivos resultados da eficiência de remoção de
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COT após 90 min de reação.
Tabela 2 – Condições experimentais e eficiência de remoção de COT para a matriz de
experimentos
Exp. C:H2O2 pH
x1
x2
Eficiência de Remoção de COT (%)
1
0.94
5.37
-1
-1
61.7%
2
3.06
5.37
1
-1
53.8%
3
0.94
9.63
-1
1
20.9%
4
3.06
9.63
1
1
4.5%
5
0.50
7.50 -1.41
0
28.2%
6
3.50
7.50 1.41
0
19.8%
7
2.00
4.50
0
-1.41
42.9%
8
2.00
10.50
0
1.41
9.5%
9
2.00
7.50
0
0
41.6%
10
2.00
7.50
0
0
31.8%
11
2.00
7.50
0
0
22.6%
Os resultados foram analisados estatisticamente e não foi observada significância da interação
entre os fatores ou da proporção entre carbono e peróxido para os valores avaliados; apenas o fator pH
se mostrou significativo. Esse resultado causa estranheza, pois se esperava que variações na
quantidade de peróxido adicionado afetassem significativamente o processo. Porém, aparentemente a
variabilidade experimental observada na repetição dos pontos centrais é maior que o efeito causado
por esse fator, justificando sua baixa significância. Os dados da Tabela 2 também são apresentados na
Figura 2.
Figura 2 – Efeito dos fatores avaliados na eficiência de remoção de COT.
Observa-se que a redução do pH favorece a remoção de COT do efluente, fornecendo valores de
remoção da ordem de 60%. No entanto, avaliando as curvas de remoção com o tempo, exemplificadas
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pelas Figuras 3A, 3B e 3C, é provável que em algumas das condições de processo avaliadas neste
estudo possam ser obtidas remoções maiores, se o tempo de experimento for estendido para períodos
superiores a 90 min.
Nas Figuras 3B e 3C, percebe-se um comportamento atípico das curvas de remoção de COT e
CT com o tempo, em que esses valores aumentam com o tempo até cerca de 60 min e depois caem
novamente, indicando que o carbono orgânico dissolvido no efluente aumentou depois desse período
de tempo. Embora apenas três das onze curvas obtidas sejam apresentadas aqui, esse comportamento
é observado para a maior parte dos experimentos realizados em pH acima de 7, sendo mais intenso
para valores maiores de pH. Esse comportamento não foi observado em nenhum experimento
realizado em pH menor que 7. Esse comportamento deve-se aparentemente ao fato de se tratar de um
efluente com carga orgânica emulsificada, ou seja, inicialmente separada da fase aquosa. Neste caso,
o processo de degradação consiste primeiramente na destruição das moléculas de emulsificante,
seguindo-se da degradação do óleo. Aparentemente, nos experimentos realizados em pH abaixo de 7,
a reação foi mais rápida e ocorreu a degradação do emulsificante que estabiliza a emulsão e do óleo
emulsificado, gradativamente reduzindo o valor de COT. Nos experimentos em pH acima de 7, por
outro lado, a reação possivelmente é mais lenta, ocorrendo, assim, primeiramente a degradação do
emulsificante, o que causa separação de parte do óleo da fase aquosa e redução do COT, medido na
fase aquosa. Neste caso, por o óleo estar em concentração muito baixa, a separação deste não pode ser
observada visualmente. Na sequência, ocorre a degradação do óleo com a formação de compostos
orgânicos mais solúveis em água. Tal fato causa o aumento do valor do COT observado ao final
desses experimentos. Um mecanismo semelhante foi encontrado por MORAES et al. (2004) no
tratamento de efluentes contendo óleos emulsificados.
A
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B
C
Figura 3 – Exemplo de curvas de remoção de carbono ao longo do tempo, obtidas em diferentes
condições de processo (COT = carbono orgânico total, CT = carbono total, CI = carbono inorgânico).
4. CONCLUSÕES
A aplicação do processo UV-H2O2 para tratamento de um efluente sintético contendo resíduos
de fluidos de corte apresentou resultados de degradação da carga orgânica da ordem de 60%, com os
melhores resultados obtidos em valores mais baixos de pH. Dentro da faixa analisada, a variação da
concentração de peróxido não afetou significativamente o tratamento.
Embora as condições mais adequadas de processo devam ser estimadas a partir de um conjunto
maior de experimentos, os resultados apresentados indicam a viabilidade técnica da aplicação do
processo UV-H2O2 ao tratamento de efluentes provenientes do descarte de emulsões de fluido de
corte, constituindo-se, assim, em alternativa a ser considerada visando melhorar a sustentabilidade de
processos de manufatura de peças metálicas.
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Um aspecto peculiar do sistema em estudo é o comportamento das curvas de remoção de COT
em função do tempo, observado nos experimentos realizados em pH acima de 7. Tal fato indica que o
tratamento de emulsões por processos de oxidação aparenta ser complexo, por envolver o transporte
de massa entre as fases oleosa e aquosa e a transformação de moléculas da fase oleosa em compostos
orgânicos solúveis em água.
5. AGRADECIMENTOS
Este estudo tem apoio financeiro da FAPESP e foi realizado dentro do escopo de um projeto
conjunto entre a Universidade de São Paulo e a Universidade de Bremen, na Alemanha, dentro do
programa BRAGECRIM (Brazilian German Cooperative Research Initiative in Manufacturing),
financiado pela CAPES e CNPq (Brasil) e DFG (Alemanha).
6. REFERÊNCIAS
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Water Sci. and Technol., v. 35, n. 4, p. 17–23, 1997.
BYERS, J. P. Metalworking Fluids. 2ª edição. Boca Raton: CRC Press, 2006. p. 480
CHENG, C.; PHIPPS, D.; ALKHADDAR, R. M. Treatment of spent metalworking fluids. Water
Res., v. 39, n. 17, p. 4051–63, 2005.
GUIMARÃES, A. P. et al. Destabilization and Recuperability of Oil Used in the Formulation of
Concentrated Emulsions and Cutting Fluids. Chem.Biochem.Eng. Q., v. 24, n. 1, p. 43–49,
2010.
HESAMPOUR, M.; KRZYZANIAK, A.; NYSTRÖM, M. Treatment of waste water from metal
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LIRA, D. C. B. et al. Estudo para reuso de águas de processos contendo contaminantes. Anais do
XVI COBEQ. Santos: 2006. CD-ROM
LITTER, M. I. Introduction to Photochemical Advanced Oxidation Processes for Water
Treatment. Hdb. Env. Chem., v. 2, n. M, p. 325–366, 2005.
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MACHADO, A. R.; WALLBANK, J. The effect of extremely low lubricant volumes in
machining. Wear, v. 210, n. 1-2, p. 76–82, 1997.
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