ARTIGOS
A BELEZA SECA: ASPECTOS DO PAISAGISMO NO
SEMIÁRIDO BRASILEIRO
THE DRY BEAUTY: ASPECTS OF LANDSCAPING IN BRAZILIAN SEMIARID
Manoel Messias Coutinho Meira (IFBA);
Christiane Rayana Teixeira Silva (IFBA);
Lara de Oliveira Carvalho (IFBA);
Marília Aguiar Rodrigues (IFBA);
Matheus Dutra Brasil (IFBA);
Polyane Alves Santos, M.Sc. (IFBA)
Palavras Chave
Crise hídrica; Paisagismo; Semiárido
Key Words
Water crisis; Landscaping; Semiarid
RESUMO
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A conservação dos escassos recursos hídricos na região Nordeste do Brasil exige um programa de gerenciamento
mais eiciente. A má distribuição pluvial na localidade, a urbanização e as secas periódicas intensiicam a demanda por
água. Entretanto, a ocupação urbana ainda modiica a morfologia espacial sem se atentar para o potencial paisagístico
natural, enquanto busca reproduzir padrões estéticos externos e distintos. Diante disso, faz-se necessária a percepção
da urgência de minimizar o desperdício de água. Remodelar a paisagem através de planejamento e modiicações adequadas não só ajudam a reduzir seu consumo, mas também os custos com sua manutenção. Nesse sentido, o presente
trabalho apresenta soluções paisagísticas mais eicientes em termos de economia hídrica e combate à desertiicação
na região semiárida brasileira. Técnicas como ordenamento da lora por necessidade de água, elaboração de oásis artiiciais, utilização de mantas e quebra-ventos demonstram eiciência quando aliados aos mecanismos de sobrevivência
inerentes à vegetação nativa.
ABSTRACT
The conservation of scarce water resources in Northeast region of Brazil requires a more eicient management program.
The bad rainfall distribution on site, urbanization and periodic droughts intensify the water demand. However, the urban
occupation still modiies the spatial morphology without noticing the natural landscaping potential, while seeking to reproduce aesthetic external and diferent patterns. Therefore, it is necessary the perception of the urgency of minimize the waste of
water. Reshaping the landscape through suitable planning and modiications not only help reduce its consumption, but also
maintenance costs. Thus, the present work presents more eicient landscaping solutions with regard to water economy and
ight against desertiication in Brazilian semiarid region. Techniques such as plant sorting due to the water need, elaboration
of artiicial oasis, using mulches and windbreaks demonstrate eiciency when allied to the survival mechanisms inherent to
native vegetation.
Mix Sustentável | Florianópolis | v.3 | n.2 | p.108-113 | maio | 2017
Manoel M. C. Meira, Christiane R. T. Silva, Lara de Oliveira Carvalho, Marília Aguiar Rodrigues, Matheus Dutra Brasil, Polyane Alves Santos
1. INTRODUÇÃO
O bioma da caatinga é frequentemente apresentado como um ambiente pobre, sem vida e seco, entretanto é um mito fortalecido pelo pouco conhecimento
científico e social desta unidade geográfica. A região
abrange cerca de 850 mil km² do Nordeste e parte do
norte de Minas Gerais, o que corresponde a 10% do território brasileiro. Além disso, de acordo com Magalhães
(2012), é o único bioma exclusivamente brasileiro, possuindo riqueza particular em termos de biodiversidade
e fenômenos característicos.
A irregularidade das chuvas e sua má distribuição
são marcantes na caatinga, bem como os solos rasos,
secos e ocasionalmente com afloramentos rochosos,
que contribuem decisivamente para o aumento da
biodiversidade. A precipitação varia entre 250 mm ano
e 1.000 mm ano concentrados em dois ou três meses,
entretanto a taxa de evaporação é cerca de 2.000 mm
ano-1 (MAGALHÃES, 2012).
Com os longos períodos de estiagem causados pela
evaporação intensa, a vegetação xeróita – formação
vegetal seca – se tornou dominante devido aos seus
mecanismos de sobrevivência à falta de água. Dentre as
adaptações lorísticas ao semiárido destacam-se as folhas
pequenas, sua queda nos períodos mais secos, no caso
das caducifólias, ou a sua substituição por espinhos, no
caso das espinhosas; maneiras de evitar a perda de água
por transpiração em excesso.
A temporariedade da vegetação herbácea, o estado
esbranquiçado que adquirem as plantas na estiagem e o
mito da pobreza em biodiversidade colaboram para que
a caatinga seja pouco explorada em termos paisagísticos.
Mesmo nas cidades do semiárido, nos espaços urbanos
não é comum encontrar plantas nativas, mas sim um tipo
de vegetação mais exigente em termos de nutrientes e
água. Essa vegetação exigente tende a permanecer vívida
durante todo o ano em seu habitat natural e, por esse motivo, compõe as paisagens mais tradicionais ou convencionais por sua plasticidade.
O paisagismo é, para Limberger e Santos (2000), uma
ciência e uma arte que estuda o ordenamento do espaço
exterior em função das necessidades atuais e futuras, e
dos desejos estéticos do homem. Dessa forma, a im de
contornar a escassez de água, algumas técnicas paisagísticas podem ser implementadas para reduzir a necessidade do uso e manutenção de água enquanto se vale do
potencial estético da caatinga.
Nesse sentido, Xeriscape é um termo que foi concebido e registrado por uma força-tarefa do Departamento de
Denver, nos Estados Unidos, em 1978, e se refere à jardinagem apropriada ao clima mais árido. A palavra provém
do grego xeros, que signiica seco, e do inglês landscape,
que signiica paisagem (HEIGHTOWER, 2017). Esse tipo
de jardinagem é amplamente difundido nos EUA e busca
promover o uso racional da água, respeitando as condições ambientais nos locais mais secos. Contudo, tanto no
setor público quanto no privado do Brasil, não há tradição
do uso de técnicas paisagísticas que amparam a escassez
de água.
Historicamente, os europeus foram os principais responsáveis pela colonização do Brasil, modiicando assim
a forma de viver dos nativos. Tais inluências trouxeram
costumes e padrões estéticos que perduram até a atualidade. A presença estrangeira foi reforçada, como airma
Pereira (2009), pelo fato de que um povo economicamente dependente passa a produzir cultura dependente. Conforme transformações ocorreram na sociedade
moderna, embora a realidade brasileira não seguira os
moldes da europeia, houve esforços para acompanhar as
tendências externas.
O modelo de jardim europeu tradicional só foi de
fato rompido quando o paisagista Roberto Burle Marx,
entre os anos de 1930 e 1940, segundo Macedo (2003),
criou o jardim modernista, trazendo espécies da paisagem local como bromélias, filodendros e epífitas para
o contexto brasileiro. Do ponto de vista estético, ele
deixou de lado o formalismo, a rigidez e a simetria dos
jardins barrocos e românticos. Entretanto, após Burle
Marx uma lacuna se estabeleceu entre o paisagismo do
semiárido e o resto do País, dada singularidade da região que não acolheu as vistosas plantas tropicais provenientes das regiões mais úmidas.
Os espaços exteriores veriicados neste trabalho, são
os espaços livres públicos das praças, que desempenham
importante papel nas cidades. Além da integração e sociabilidade, elas melhoram as condições ambientais locais, amenizando a temperatura, atenuando os efeitos
do vento e valorizando a paisagem local. Viero e Barbosa
Filho (2009) airmam que o contato com o verde e o uso
do espaço para o convívio social inluencia positivamente no psicológico da população, fornecendo bem-estar
e qualidade de vida aos que desfrutam do ambiente.
Entretanto, enquanto possuem caráter mais forte de zona
de circulação nas grandes cidades, as praças signiicam,
para os municípios de médio e pequeno porte, locais mais
voltados para o descanso e confraternização.
Além das praças, a morfologia urbana na região nordeste ainda é fortemente inluenciada pela ocupação
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A beleza seca: aspectos do paisagismo no semiárido brasileiro
elitizada do espaço, seja pela estrangeira ou pelas grandes
cidades brasileiras. Nessa perspectiva, o presente trabalho busca apresentar soluções paisagísticas na produção
mais própria do espaço semiárido nordestino, que possui
características singulares, porém pouco aproveitadas.
Figura 01: Praça Maria Auxiliadora
2. METODOLOGIA
Para verificar os aspectos que compõem o semiárido nordestino, o estudo se baseou em uma pesquisa
com referencial teórico essencialmente bibliográfico.
Segundo Tachizawa e Mendes (2006), a pesquisa teórica busca, em geral, compreender ou proporcionar um
espaço para discussão de um tema ou uma questão intrigante da realidade.
A pesquisa é qualitativa, de caráter exploratório, em
que a partir da contextualização do cenário da seca, buscou-se sintetizar e apresentar técnicas paisagísticas para
conciliar as composições visuais ao manejo e à economia
de água.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
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O paisagismo no semiárido nordestino é singular em
consequência da abundância de espécies nativas que podem ser utilizadas formando uma unidade loristicamente
diversa e bela. Contudo, a população local enxerga que a
representação da caatinga no espaço público signiica diminuir o potencial estético do local. Os componentes naturais podem ser mal interpretados como um retrocesso
civilizatório, indo de encontro à ideia de correspondência
com os padrões externos avaliados como superiores.
Como referência, em Petrolina – PE, as praças 21 de
Setembro e Maria Auxiliadora foram submetidas a projetos de revitalização em 2011 que inseriram nas praças
históricas elementos do semiárido como cactos, xique-xiques e outros adornos. A repercussão foi negativa por
parte da população, os projetos não foram concluídos e
após seguidos atos de vandalismo novos projetos foram
elaborados. A Figura 1 ilustra a Praça Maria Auxiliadora
em dois diferentes ângulos.
Os esforços para modiicar a paisagem, através de um
manejo artiicial são custosos e pouco duradouros, pois
o estresse a que são submetidas as plantas exóticas não
corresponde ao seu padrão natural. As altas temperaturas, luminosidade e evaporação rápida desgastam a paisagem com velocidade e, como consequência, paisagens
tradicionais no semiárido exigem grandes quantidades
de água e manutenção.
No planejamento paisagístico é necessário levar em
consideração características locais como volume das
Fonte: Grácia Café, 2011
precipitações pluviométricas, qualidade do solo e altitude a im de selecionar a vegetação a ser utilizada no sítio.
Em alguns casos, porém, a vegetação nativa não será a
escolha mais apropriada, pois o desenvolvimento do homem no espaço pode alterar signiicativamente o microclima e a topograia de uma região. As ações antrópicas
podem conceber locais mais secos, como estacionamentos, mais úmidos, como bacias de retenção, ou artiicialmente sombreados.
A rejeição à estética local demonstra a forte inluência externa que ainda é pertinente, fato que corrobora o
preconceito com a própria cultura, mesmo que de forma
indireta. Uma maneira para satisfazer o desejo por paisagens convencionais e aproximar as pessoas da necessidade de economizar água é utilizar a aproximação da ideia
de oásis. A técnica consiste em apenas utilizar plantas tradicionais que exigem mais recursos ou uma fonte hídrica
nos locais com maior impacto visual como pátios, entradas ou similares.
Para manter o equilíbrio visual, é preciso criar uma
zona de transição entre as plantas mais próximas do
oásis, que utilizam mais água, para as naturais, que utilizam menos. O oásis na Figura 2 não utiliza uma fonte de água, mas explicita onde seu uso se concentra,
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A beleza seca: aspectos do paisagismo no semiárido brasileiro
Deve-se atentar para os cuidados ao se utilizar espécies
forrageiras no paisagismo, visto que a região Nordestina
possui como uma de suas bases socioeconômicas a atividade agropecuária. Dessa maneira, os animais podem
se alimentar das plantas que compõe a paisagem caso
as devidas precauções não sejam tomadas, como o cercamento ou preferencialmente a sua não utilização caso
essa possibilidade seja eminente.
O Jardim de Pedras (Figura 3), em Brumadinho – MG,
segue os princípios de jardinagem mais ecológica, utilizando plantas resistentes às altas temperaturas como
cactáceas, crassuláceas e euforbiáceas. Além disso, utiliza
as pedras para criar caminhos e fazer contrastes, evidenciando as plantas e sua morfologia. A opção por manter
o solo cru para trânsito dos visitantes aliado à disposição
espaçada das plantas mais perceptíveis, agrega caráter
mais natural ao jardim.
Figura 03 – Jardim das Pedras
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Fonte: Rossana Magri, 2014
A fertilidade do solo é garantida pela serapilheira,
visto que boa parte dos nutrientes absorvidos pela planta voltam para o solo através dessa camada de folhas
que acumula no chão. A utilização de fertilizantes e inseticidas em ambientes onde as plantas são adaptadas
é menos frequente e mais incomum. Jardins desérticos
como estes, que exploram a biodiversidade dos climas
mais áridos tendem a se tornar cada vez mais comuns,
pois é uma tendência crescente nos últimos anos e benéica para o ambiente.
O agrupamento permite economia no arranjo de irrigação e desperdício mínimo de água. Em contrapartida,
oásis são medidas que almejam mitigar o preconceito
dos novos jardins, relexo da tradição estética externa. Ao
mesclar as paisagens, embora mantenham as plantas nativas em segundo plano, os oásis satisfazem sem diiculdades as exigências das praças, que possuem importância
social e ecológica na conjuntura urbana.
A cobertura das mantas na jardinagem ajuda na retenção de umidade e temperatura, prevenindo a erosão e
bloqueando ervas-daninhas, que competem com a lora
ornamental por nutrientes e água. Os quebra-ventos possuem função semelhante, protegendo o solo da erosão
eólica e as plantas da evaporação desnecessária da umidade no canteiro. Todas as medidas, no entanto, precisam
ser bem avaliadas antes de implantadas, pois embora as
plantas da caatinga sejam resistentes, o risco de desregular o ecossistema existe.
Um ambiente balanceado começa com uma análise
prévia das características locais, planejamento e seleção de plantas adequadas para o local. Um paisagismo
efetivo deve combinar plantas com as características do
microclima local, evitando esforços desnecessários para
sua subsistência.
Ademais, a busca pela estética tradicional é um agravante para a situação da seca na caatinga, pois exige a
utilização de grandes quantidades de água e fertilizantes
para sua manutenção. É preciso buscar não apenas uma
gestão governamental, mas também uma administração
e cuidado social, possibilitando à população em geral enxergar a beleza do bioma da caatinga, o que só é possível
através da utilização apropriada e eicaz dos seus recursos.
O convívio em sincronia com a caatinga permite a continuidade da vida no sertão. Assim, as novas perspectivas
da seca auxiliam no combate a antigos mitos que se referem à pobreza biológica e visual do território. Dessa forma, o bioma não deve ser visto como um empecilho para
o paisagismo, mas sim um componente a ser explorado.
AGRADECIMENTOS
4. CONCLUSÕES
Ao IFBA, pelo apoio e coniança.
A necessidade de água no paisagismo pode ser reduzida usando princípios mais naturais de escolha da composição lorística, selecionando plantas mais tolerantes
à estiagem, como cactáceas, bromélias, suculentas e outras. Outras formas de conservação de água na paisagem
incluem agrupamento das plantas de acordo com as suas
necessidades hídricas, criação dos oásis artiiciais, o uso
de mantas no solo e os quebra-ventos.
REFERÊNCIAS
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