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GUIA PARA O COLECCIONADOR DE MOEDAS O caso português e a actualidade numa página de texto Março de 2023 Quando comecei a coleccionar moedas, ainda não tinha entrado para a escola primária. Estávamos nos anos 80 do século XX. A verdade é que sempre me atraíram esses objectos de metal, que repescava de modo saudável e nada dispendioso. E essa é a forma inocente de juntar tesouros, que nunca serão objectos valiosos, se sujeitos às regras do mercado, mas sempre contribuirão para o alimentar de uma mística inocente e passional. Desengane-se o leigo acerca da hipótese de criar mais valias substanciais com esse tipo de coleccionismo. Na verdade, as moedas provenientes da circulação, cujo fim se anuncia próximo, sistematicamente perdem valor com o passar dos anos, sendo comercializadas por preços bem inferiores aos do valor facial, sobretudo se computada a inflacção. E o mesmo se diga acerca das moedas comemorativas, cuja fabricação massiva imediatamente desvaloriza, ainda que consideremos as séries Proof ou BNC. Estas últimas, conforme nos tem mostrado o mercado, constituem investimentos ruinosos, que apenas beneficiam a entidade emissora e que, na verdade, nem moedas são propriamente, visto que, destituídas de uma lógica circulatória, constituirão meros exemplos da arte escultórica fabricada para as massas. Quanto às moedas mais antigas, anteriores ao século XIX, com excepção daquelas que aparecem aos magotes, porque na época também foram produzidas aos magotes, e cujo valor real é pouco ou nenhum, existem de facto exemplares raros. Desiluda-se no entanto o coleccionador que pense poder identificá-los nos catálogos existentes. Com vista a essa identificação, necessário se torna o acompanhamento exaustivo do mercado e a reunião de amostras, tarefa ciclópica, que leva anos a concretizar e sempre se encontra em permanente actualização. Poder-se-ia pensar que os catálogos são um bom valor referencial para a raridade dos exemplares, espelhada no preço indicado. Ainda assim, tal não se verifica por uma série de motivos. Com efeito, todos os catálogos foram elaborados com evidente dolo, em benefício dos comerciantes e coleccionadores experientes, e em detrimento da verdadeira informação, que, salvo raríssimas excepções, nunca é prestada de boa fé. Sistematicamente, em todas as amostras que reunimos, verificámos que, muito mais vezes do que seria expectável, as moedas raras vêm classificadas como comuns e vice-versa. E não se diga sequer que este fenómeno é fruto da desactualização dos catálogos. O estudo afincado prova essa edificação originária que, em confronto com os índices do mercado – os catálogos de leilões – embebe o assunto no foro do risível. A juntar a estas considerações, cabe abordar as moedas falsificadas e as adulteradas (restauros e viciações), que com o passar dos anos proliferaram e se tornaram cada vez mais perfeitas. Alguns desses casos exigem estudos tão aturados, que nenhum coleccionador poderá empreender, sem arriscar perder a visão e as horas disponíveis para outro tipo de tarefas. Desengane-se o coleccionador quanto às leiloeiras, casas de numismática, associações e vendedores “de prestígio”. Todos, sem excepção, já venderam falsificações e adulterações, muitas vezes sabendo que as estavam a vender e, outras, sem o saberem sequer. Não existem pudores quanto a estas matérias, aplicando-se com propriedade a máxima das públicas virtudes e dos vícios privados. Já quanto às moedas certificadas, fenómeno emergente no século XXI, acabam por ser um engodo ainda maior. Necessário seria que as certificadoras possuíssem especialistas em todas as numárias mundiais, para que pudessem prestar um serviço competente, o que naturalmente não se verifica visto que, nesse caso, teriam que ser instituições universitárias. Não o são. Certificam moedas falsificadas e adulteradas como autênticas e vice-versa. O grade atribuído, muito mais vezes do que seria expectável, depende do engajamento do indivíduo que procede à certificação, resultando daí assimetrias quanto aos estados de conservação do material que se encontra disperso no mercado. A triste verdade é que essas certificadoras acabaram por criar um mercado cego, feito para cegos, que exponencia o valor de peças em percentagens que, por vezes, atingem os 500% e que só os inocentes poderão alguma vez comprar com expectativa de bom investimento. Neste aspecto, vale a máxima “fora da caixa, 20 euros, dentro da caixa, 200 euros”. Cai quem quer... Fenómeno que se adensou também no século XXI, foi o do detectorismo. Actualmente, apesar da prática ser ilegal, existem no nosso país milhares de adeptos dessa actividade, sendo seguro admitir que, diariamente, saem da terra também milhares de moedas antigas. Ora, esta realidade concorre para o avolumar constante de peças no mercado, o que, aliado à quebra progressiva do número de coleccionadores, inevitavelmente resultará numa bolha, que mais tarde ou mais cedo, estamos certos, acabará por rebentar. Restará apenas referir outra ocorrência, para completamente elucidar os coleccionadores, sobretudo os iniciantes, que é a da lógica piramidal do mercado, com fenómenos adstritos de açambarcamento e especulação, que por sua vez criam bolhas temporárias e iludem os menos experientes quanto à realidade. É que, como o mercado é pequeno, todos os comerciantes se conhecem e, ainda que possa parecer cabalístico, todos acabam por se conjurar em tácticas regulatórias, em benefício próprio e em detrimento da lei da oferta e da procura. Dito isto, aconselha-se o coleccionador a juntar tesouros de modo meramente inocente; a comprar um detector de metais; ou a juntar uma biblioteca e estudar numismática durante um período mínimo de 6 anos, antes de decidir gastar dinheiro em verdadeiros tesouros. Ainda assim, dificilmente o investimento compensará, se não for pesada a paixão.