Vício e Virtude - Kent Dunnington
Vício e Virtude - Kent Dunnington
Vício e Virtude - Kent Dunnington
Copyright © Kent Dunnington, 2011. Traduzido e publicado com permissão da InterVarsity Press, o
departamento editorial da InterVarsity Christian Fellowship/USA, com sede em 1400, Downers Grove, IL,
60515-1426.
Copyright da tradução © Pilgrim Serviços e Aplicações LTDA., 2022. Este livro foi publicado com apoio de
eoPsych, um projeto financiado pela John Templeton Foundation, e trazido para o Brasil graças aos
esforços do dr. Rafael Bello.
Todas as citações bíblicas foram extraídas da Almeida Século 21, salvo indicação em contrário.
Os pontos de vista desta obra são de responsabilidade dos autores e colaboradores diretos, não refletindo
necessariamente a posição da Pilgrim Serviços e Aplicações, da omas Nelson Brasil ou de suas equipes
editoriais.
Título original : Addiction and virtue : beyond the models of disease and choice.
ISBN : 978-65-56893-26-6
Prefácio |
1
A Definindo adicção neurologicamente |
Avaliando o risco geneticamente |
D
Tratando medicamente a adicção |
Ciência, filosofia Ciência, filosofia e teologia |
e teologia
2
O paradoxo da adicção |
A
Adicção e incontinência |
I Fontes de incontinência |
Recursos em Aristóteles
3
Tomás de Aquino sobre o hábito |
A Hábito como categoria mediadora |
H Tipos e causas do hábito |
A adicção como hábito |
Recursos em Tomás de Aquino
4
A Hábitos complexos |
I Adicção e intemperança |
6
Pecados, pecado e pecado original |
A
Pecado, adicção e voluntarismo |
P O pecado como categoria religiosa |
Testando uma doutrina antiga
7
Imanência e transcendência |
A Tomás de Aquino sobre caridade |
A Adicção e caridade |
Adicção como estilo de vida |
Caritas e suas falsificações
8
Adicção e adoração |
A A igreja e a esperança de recuperação |
I Recuperação e amizade |
Adicção como desafio profético |
O evangelho e a esperança de recuperação
PREFÁCIO
1 Nota do editor: ao longo da obra optamos por traduzir o substantivo addiction, o adjetivo
addictive e seus correlatos por “adicção” (para se referir ao vício/dependência) e “adicto” (para tratar
de um comportamento vicioso ou de um indivíduo envolvido em tal comportamento). Dessa forma,
reservamos a utilização do termo “ vício” aos contextos em que o autor trata da filosofia da ação
humana de Aristóteles, segundo a qual o vício é um contraponto da virtude. uanto à grafia, optamos
por “adicção” (em vez de “adição”) por ser esta a forma adotada por entidades oficiais, como a
Associação Brasileira de Psiquiatria, por exemplo.
2 Gostaria de lidar aqui com a preocupação de que, sem um exame correspondente do trauma ou
opressão, meu tratamento da adicção pode acabar levando alguns leitores a sentir que suas lutas mais
urgentes com a adicção não estão sendo suficientemente tratadas. Outros talvez pensem que minha
abordagem da adicção não se detém adequadamente em questões de gênero, raça e etnia. Cada uma
dessas questões é de fato relevante para o tema da adicção. Muito do que tenho para dizer,
particularmente nos capítulos posteriores, tratará de algumas dessas questões de maneira indireta.
Entretanto, optei por não me concentrar diretamente nessas importantes intersecções, primeiro
porque não sou qualificado para tal tarefa, e segundo porque lidar com esses assuntos levantaria um
conjunto de questões diferentes daquelas que pretendo trazer aqui. Tratar desses temas com a atenção
que eles merecem exigiria outro livro (ou vários). Para discussões úteis sobre o relacionamento entre
trauma, opressão e adicção, ver B, Mary Louise. Despair: sickness or sin? (Nashville:
Abingdon, 1990); G, Christine. Victimization: examining Christian complicity
(Philadelphia: Trinity Press International, 1992). Sobre o relacionamento entre gênero e adicção, ver
K, Charlotte Davis. Women, sex, and addiction (New York: Harper Paperbacks, 1990).
1
ADICÇÃO E DOENÇA
Ciência, filosofia e teologia
Se a diferença entre a pessoa adicta e a pessoa não adicta não pode ser
rigorosamente especificada em termos de bioquímica cerebral, talvez ela possa ser
especificada em termos de alguma outra característica fisiológica. Em anos
recentes, com os rápidos avanços na genética, pesquisadores sugeriram que a
diferença entre uma pessoa adicta e uma não adicta pode ser explicada por
diferenças na composição genética. Eles afirmam que algumas pessoas são
geneticamente predispostas a certos tipos de adicção.
Os avanços iniciais na genética da adicção foram o resultado de estudos
sobre a diferença nas taxas de alcoolismo entre gêmeos fraternos e gêmeos
idênticos. Em geral, gêmeos idênticos tinham taxas de alcoolismo mais similares
do que gêmeos fraternos, embora não houvesse nada que se aproximasse de uma
correspondência exata. Em um esforço para controlar os fatores ambientais,
foram conduzidos estudos em crianças adotadas que haviam sido separadas de
seus pais biológicos no nascimento. Em geral, crianças adotadas que tinham pelo
menos um dos pais biológicos alcoólatra foram consideradas mais propensas a ser
alcoólatras do que as que não tinham nenhum dos pais biológicos alcoólatra. Em
um estudo, a taxa de alcoolismo no primeiro grupo foi quatro vezes maior do que
a taxa de alcoolismo no último grupo.12
Mais recentemente, geneticistas conseguiram isolar genes especificamente
relacionados a certas adicções em substâncias. Assim, por exemplo, um estudo de
2005 relatou que uma variação genética particular do receptor mu-opioide levou
a um aumento da sensibilidade aos efeitos de substâncias viciantes e, portanto, a
um risco maior de adicção.13 Outros estudos demonstraram que uma variante do
gene do álcool desidrogenase (ADH) aumenta o risco de alcoolismo e que essa
variante particular é mais proeminente em pessoas com ascendência europeia.14
Estudos similares estão sendo conduzidos em laboratórios de genética ao redor do
mundo, e novas descobertas têm sido divulgadas regularmente.15
Entretanto, quando examinamos a conexão proposta entre esses genes e o
aumento do risco de adicção em substâncias, deparamo-nos com um problema
familiar. A conexão tem a ver principalmente com três fatores. Pessoas que têm
esses genes exibem uma atração mais imediata e poderosa pela droga relevante em
uso, e/ou desenvolvem tolerância à droga mais rápida e severamente, e/ou
experimentam sintomas de abstinência mais agudos na ausência da droga. Já
estabelecemos que a ocorrência de tolerância e abstinência não constitui condição
necessária ou suficiente para a adicção, e o mesmo pode ser dito acerca da
ocorrência da intensa experiência hedônica ou antidisfórica de uma droga. Muitas
pessoas experimentam intensa gratificação sensorial com o uso de uma droga,
mas, mesmo assim, não se tornam adictas. Na verdade, uma experiência tão
intensa pode fornecer razões poderosas para nunca mais usar a droga, muito
menos tornar-se adicto a ela.
Com relação a cada um desses fatores, o desenvolvimento ou não da adicção
em uma pessoa parece depender não simplesmente das experiências de
gratificação, tolerância ou abstinência, mas sim do significado que a pessoa
discerne nessas experiências ou atribui a elas. Ou seja, experiências de gratificação,
tolerância e abstinência não causam diretamente o comportamento adicto, mas
entram na avaliação de um agente sobre envolver-se ou não em tal
comportamento. É por isso que a pesquisa genética nunca poderia fornecer um
relato causal suficiente da adicção. Assim, a seguinte conclusão otimista de
Donald Goodwin sobre o assunto é injustificada: “A última descoberta na
pesquisa sobre alcoolismo seria a identificação de um único gene ou grupo de
genes que influenciam o comportamento alcoólatra… uando um ‘gene do
álcool’ for finalmente identificado, se algum dia isso acontecer, poderá ser o caso
de que um único gene determine se uma pessoa é alcoólatra ou não”.16
Jamais poderia ser o caso de que um único gene ou grupo de genes
determinasse se uma pessoa é alcoólatra, porque os genes não determinam as
pessoas, como deveriam ter deixado claro os próprios estudos de Goodwin sobre
as taxas de alcoolismo em gêmeos idênticos. Se os genes fossem determinantes
para a adicção, então todas as pessoas com a variante ADH1 do gene da álcool
desidrogenase se tornariam alcoólatras, o que obviamente não é o caso. Muitos
pesquisadores genéticos reconhecem isso abertamente e imploram ao público em
geral que reconheça as limitações de suas pesquisas. Como Wolfang Sadee, um
dos autores do estudo sobre o gene do receptor mu-opioide, aponta:
“Independentemente de qual variante do gene alguém tenha, todos têm o
potencial de se tornarem adictos. Portanto, não é que algumas pessoas estejam
completamente protegidas contra a adicção […] Essa descoberta apenas aponta
para um dos fatores que controlam a suscetibilidade”.17
Há uma falha fundamental no argumento que se move da predisposição
genética para a adicção à atribuição de doença — uma falha semelhante àquela
identificada no argumento que conclui que, uma vez que o comportamento esteja
correlacionado com uma química cerebral alterada, tal comportamento só pode
ser considerado involuntário. Pois esse argumento depende de uma suposição
semelhante, a saber, que, se uma atividade é influenciada por genes, ela é,
portanto, involuntária. No entanto, essa suposição é rotineiramente rejeitada
quando analisamos a influência dos genes em outras atividades cotidianas. Com a
conclusão do projeto do genoma humano, dificilmente uma semana se passa sem a
descoberta de um novo gene que se correlaciona de uma forma ou de outra com
os padrões do comportamento humano. Agora estamos cientes de que nossos
genes desempenham um papel em tudo, desde o quão alegres somos até se somos
ou não religiosos. Apesar de seus esforços em contrário, as crianças muitas vezes
acabam pensando e agindo de maneira muito semelhante à dos pais, e isso é em
parte uma função da maneira como nossos genes influenciam nosso pensamento e
nossa ação. E, no entanto, não estamos inclinados a pensar que comportamentos
alegres ou práticas religiosas sejam doenças. Por que, então, deveríamos concluir
que a adicção é uma doença simplesmente porque ela tem bases genéticas? A
menos que estejamos contentes em reduzir todo comportamento humano à
patologia, devemos rejeitar a suposição de que a influência genética implique
determinismo biológico.
3 A literatura a respeito do conceito de doença aplicado ao alcoolismo é vasta. Seu texto seminal é
J, E.M. e discase concept of alcoholism (New Haven: Hillhouse Press, 1960). O mais
apaixonado e qualificado de seus defensores contemporâneos foi Mark Keller, ex-editor do uarterly
Journal of Studies on Alcohol. Veja seu “e Disease Concept of Alcoholism Revisited”, Journal of
Studies on Alcohol 37 (1976): 1694-1717. O influente Centro de Estudos sobre Álcool da
Universidade Rutgers e o Instituto Nacional sobre Alcoolismo e Abuso de Álcool estão ambos
profundamente investidos nesse paradigma, e a maioria dos artigos que se encontram nas diversas
revistas de estudos sobre alcoolismo e adicção ou defende ou assume implicitamente a ideia de que o
alcoolismo é uma doença.
4 S, Francis. Addiction and responsibility: an inquiry into the addictive mind (New
York: Crossroad, 1993); W, Bruce. Wild hunger: the primal roots of modern addiction (New
York: Rowman and Littlefield Publishers, 1998). O falecido filósofo Herbert Fingarette escreveu um
livro altamente contestado sobre alcoolismo, Heavy drinking: the myth of alcoholism as a disease
(Berkeley: University of California Press, 1988), mas Fingarette escreveu principalmente como um
participante no campo dos estudos sobre álcool. Uma conferência intitulada “O que é adicção?”,
sediada em 2007 pelo Centro de Ética e Valores da Universidade do Alabama, Birmingham, é um sinal
de esperança de que a filosofia está começando a entrar nas conversas sobre adicção.
5 Até o momento, apenas dois teólogos publicaram monografias sobre adicção: M,
Linda. Victims and sinners: spiritual roots of addiction and recovery (Louisville Westminster John
Knox Press, 1996); N, James. irst: God and the alcoholic experience (Louisville:
Westminster John Knox Press, 2004). Adicionalmente, vários médicos e terapeutas cristãos
escreveram sobre adicção. Os mais notáveis entre eles são Addiction and grace (Nova York:
HarperCollins, 1988), do neurologista Gerald Gray; e Alcohol, addiction and Christian ethics
(Cambridge: Cambridge University Press, 2006), pelo psiquiatra Christopher Cook.
6 Institute of Medicine. Dispelling the myths about addiction: strategies to increase understanding
and strengthen research (Washington, D.C.: National Academy Press, 1997), p. 13.
7 National Institute on Drug Abuse, “Addiction science: from molecules to managed care”,
disponível em: www.nida.nih.gov/pubs/teaching/Teaching6/ Teaching1.html.
8 “O termo ‘dependência química’ é usado de maneira intercambiável com ‘adicção’ por cada um
desses sistemas de classificação.
9 National Institute on Drug Abuse, “NIDA InfoFacts: understanding drug abuse and addittion”,
disponível em: www.nida.nih.gov/infofacts/ understand.html. Grifo no original.
10 Institute of Medicine. Dispelling the myths, p. 13.
11 Esse fenômeno tem sido demonstrado em vários estudos separados. Ver K, Mark. “On
defining alcoholism: with comment on some other relevant words”, em Alcohol, science, and society
revisited, ed. G, Lisansky, W, Helene Raskin, e C, John A. (Ann Arbor:
University of Michigan Press, 1982), p. 119-33.
12 Ver G, Donald. Alcoholism: the facts, 3. ed. (Oxford: Oxford University Press, 2000).
Ver o capítulo 13 para um resumo desse e de vários outros estudos, bem como uma sinopse das
descobertas que relacionam alcoolismo e hereditariedade.
13 Z, Ying, et al. “Allelic expression imbalance of human mu opioid receptor (OPRMI)
caused by variant A118G.” Journal of Biological Chemistry 280 (2005): 32618-24.
14 N, John I. Jr. e B, Laura Jean. “Seeking the connections: alcoholism and our
genes.” Scientific American, abril de 2007, p. 46-53.
15 Para obter um registro atualizado das descobertas mais importantes, bem como uma avaliação
mensurada da relevância dessas descobertas para a pesquisa sobre adicção e terapias, consulte a
página do Genetic Science Learning Center, da Universidade de Utah:
https://learn.genetics.utah.edu/content/addiction.
16 Goodwin, Alcoholism, p. 86.
17 Um sumário do estudo, bem como esses comentários de Sadee, pode ser encontrado em
G, Eva. “Addiction gene”, no site da ScienCentral: www.sciencetral.com/articles/view.php3?
article_id=218392744&cat=1_1.
18 Alcoholics Anonymous World Services, Alcoholics Anonymous, 4. ed. (New York: Alcoholics
Anonymous World Services, 2001), p. 33. Doravante o Alcoólicos Anônimos será abreviado como AA.
19A. omas McLellan, citado em H, Gene. Addiction: a disorder of choice (Cambridge:
Harvard University Press, 2009), p. 66. Grifo meu.
20 Os detalhes de cada uma dessas pesquisas, análises dos métodos empregados e interpretação dos
resultados são fornecidos em Heyman, Addiction, cap. 4.
21 Ibid., p. 66.
22 Ibid., p. 67-68.
23 V, George. e natural history of alcoholism revisited (Cambridge: Harvard University
Press, 1995), p. 18.
24 Citado em L-D, Benoit. “An anti-addiction pill?”, e New York Times Magazine,
25 de junho de 2006.
25 Citado em F, Diane P. e F, Olivia (ed.). Autobiographical writing across the
disciplines (Durham, NC Duke University Press, 2003), p. 320. Não fui capaz de localizar essa
passagem nos escritos de Aristóteles.
26 A, Tomás de. Suma teológica (São Paulo: Loyola, 2002), 1-2. 51.1. Doravante, todas as
citações da Suma teológica aparecerão referenciadas assim no texto. Nesse caso, “1-2. 51.1” denota a
Primeira Parte da Segunda Parte (Primae Secundae), questão 51, artigo 1.
2
ADICÇÃO E INCONTINÊNCIA
Recursos em Aristóteles
O
Um homem que, durante quatro semanas em tratamento para embriaguez, bebeu secretamente o
álcool de seis potes contendo espécimes mórbidos, ao lhe perguntarem por que ele havia cometido
esse ato repulsivo, respondeu: “Senhor, é tão impossível para mim controlar esse apetite doente
quanto é, para mim, controlar as pulsações do meu coração”.2
A
No nível mais amplo, Aristóteles distingue quatro tipos de ação humana: a ação
virtuosa, a ação continente, a ação incontinente e a ação viciosa. Uma ação
virtuosa é realizada sempre que uma pessoa racionalmente aprova o que é bom,
deseja o que é bom e, correspondentemente, faz o que é bom. Uma ação
continente é realizada sempre que uma pessoa racionalmente aprova o que é bom,
deseja o que é mau, mas, seguindo a razão, faz o que é bom. Uma ação
incontinente é realizada sempre que uma pessoa racionalmente aprova o que é
bom, deseja o que é mau e, seguindo o apetite, faz o que é mau. Por fim, uma ação
viciosa é realizada sempre que uma pessoa racionalmente aprova o que é mau
(acreditando que seja bom), deseja o que é mau e, correspondentemente, faz o que
é mau.
Chamar uma ação, ou um tipo de ação, de “boa” é simplesmente afirmar
que tal ação é um componente adequado a um modo de vida digno. Chamar uma
ação, ou tipo de ação, de “má” é negar que tal ação seja adequada a um modo de
vida digno. Assumindo que a adicção é destrutiva, em vez de benéfica, ao
florescimento humano, comportamentos adictos são maus e, portanto, ou
incontinentes, ou viciosos, ou estão completamente além do escopo da ação
humana. Mas como poderíamos distinguir os três?
A pessoa adicta incontinente seria aquela que (a) tem a crença de que o
comportamento adicto é ruim para ela e tem um desejo correspondente de não se
envolver em tal comportamento; (b) tem alguma capacidade de resistir ao
comportamento; mas, (c) não obstante, se envolve em comportamento adicto
contra seu melhor juízo. Obviamente, existem experiências adictas que não se
encaixam nessa descrição. Aristóteles teria sugerido dois tipos diferentes de
experiência adicta que definitivamente estariam fora do escopo da incontinência.
Primeiro, uma pessoa adicta poderia não ter (a) uma crença de que o
comportamento em questão é ruim para ela nem o desejo correspondente de
evitar o comportamento adicto. A pessoa adicta que se envolve em
comportamento adicto na ausência de (a) seria denominada por Aristóteles como
adicta “autoindulgente”, e seu comportamento se enquadraria na categoria de ação
viciosa. A pessoa adicta autoindulgente não apenas se envolve em atividade adicta,
mas o faz dedicadamente, acreditando que a atividade é um bem digno de ser
buscado e, portanto, desejando-o inteiramente. A pessoa adicta autoindulgente
não se entrega a uma tentação que é contrária à sua crença sobre o que ela deve
fazer. Antes, a pessoa adicta autoindulgente acredita que o comportamento adicto
é o que ela deve fazer. Não há nenhuma “tensão” interna à medida que a pessoa
adicta se envolve em comportamento adicto, e, portanto, esse comportamento
não é suscetível a correção.7 Modificando um velho ditado popular, se você não
acredita que algo está quebrado, você não tentará consertá-lo.
Por outro lado, Aristóteles sustentaria que uma pessoa adicta poderia não
ter (b) — alguma capacidade de resistir ao comportamento adicto — e, portanto,
não ser corretamente descrita como incontinente. A pessoa adicta que se envolve
em comportamento adicto na ausência de (b) seria denominada por Aristóteles
como adicta mórbida, e seu comportamento estaria completamente fora do
escopo da ação humana. A pessoa mórbida é aquela que, “em razão de doença
(por exemplo, epilepsia) ou loucura” (1149a11), não é capaz guiar suas ações
racionalmente. A epilepsia e a loucura são tais que temporária ou
permanentemente tornam a pessoa humana por inteiro um paciente, removendo
toda a agência. Em ambos os casos, a agência da pessoa se torna ineficaz,
removendo, assim, o comportamento do agente da categoria de ação humana. A
relação da pessoa adicta mórbida com o comportamento adicto é exatamente a
mesma que a relação de um epiléptico com as convulsões. Se a agência de uma
pessoa é ineficaz, então não está em seu poder corrigir seu comportamento;
portanto, a pessoa não está agindo de forma alguma, mas sim sofrendo a ação.
É tentador ouvir na linguagem de Aristóteles de “ doença” e “loucura”
ressonâncias com o modelo contemporâneo de adicção como doença. Existe, no
entanto, uma diferença decisiva entre o que ele pretende dizer com a noção de um
caráter mórbido e o que se entende no campo dos estudos sobre adicção com a
caracterização desta como doença. Para Aristóteles, alguém cujo comportamento
é o resultado de uma doença ou loucura é, desse modo, inteiramente removido do
domínio da responsabilidade por aquele comportamento. E isso, de fato, está de
acordo com nossa compreensão normal de uma doença como algo que é
biologicamente determinado. O conceito contemporâneo da adicção como
doença, entretanto, se engana nesse ponto, afirmando que a vítima doente,
embora talvez inimputável por suas ações, é, no entanto, responsável por corrigi-
las.
Retornando à taxonomia aristotélica, algumas pessoas adictas seriam
corretamente classificadas como autoindulgentes ou mórbidas nos termos de
Aristóteles. De fato, muitas pessoas adictas passam por uma fase autoindulgente,
impulsionadas pela convicção fugaz de que a adicção pode ser mantida sem
nenhum prejuízo drástico para sua saúde ou bem-estar. Por outro lado, algumas
pessoas adictas claramente carecem da capacidade de mudança, porque suas
agências se tornaram impotentes ou insuficientes por alguma herança natural. A
maior parte de indivíduos que poderiam ser descritos com precisão na linguagem
de Aristóteles como “adictos mórbidos” são pessoas com doenças mentais graves
ou deficiência mental.
Curiosamente, o AA é bastante hesitante em situar as pessoas nessa
categoria: “Existem também aqueles que sofrem de graves transtornos emocionais
e mentais, mas muitos deles se recuperam se têm a capacidade de ser honestos” (
AA 58). Com relação aos “mendigos, vagabundos, reclusos, prisioneiros, queers,
malucos e mulheres decadentes” que muitos dos primeiros grupos do AA
resolveram não admitir como membros, a sabedoria posterior do AA descobriu
que “milhares dessas pessoas, algumas vezes assustadoras, fizeram recuperações
espantosas e se tornaram nossos maiores obreiros e amigos íntimos” (DD 140-
41).
Aristóteles é mais liberal em suas atribuições de morbidez. Por exemplo, ele
observa: “É surpreendente se um homem é derrotado e não consegue resistir aos
prazeres ou dores a que a maioria dos homens pode resistir quando isso não é
devido a hereditariedade ou doença, como a suavidade que é hereditária com os
reis dos citas, ou o que distingue o sexo feminino do masculino” (1150b12-16).
Parece provável que Aristóteles estaria disposto a colocar um grande número de
pessoas adictas na categoria “mórbida” e, portanto, que ele teria simpatizado com
caracterizar muitas adicções como determinadas pela hereditariedade. O que
Aristóteles não teria aceitado é a afirmação simultânea de que os adictos por
hereditariedade podem ser responsabilizados por suas adicções e devem
recuperar-se em um contexto não medicamentoso. Ele é consistente demais para
isso. O determinismo hereditário remove tanto a culpabilidade quanto a
responsabilidade no ponto de vista de Aristóteles, como fica claro nessa e em
outras passagens. No entanto, visto que sabemos que a maioria das pessoas adictas
mostra uma capacidade de recuperação, demonstrando, assim, que seu
comportamento adicto é remediável, a maioria dos indivíduos com adicções seria
inadequadamente descrita como “mórbida” ou “doente”.
Não há nada particularmente surpreendente no comportamento do
indivíduo autoindulgente ou do adicto mórbido. A pessoa adicta autoindulgente
acredita que deve envolver-se em ações adictas, deseja envolver-se em ações adictas
e, portanto, envolve-se em ações adictas. Não há mistério aqui. Com relação à
pessoa adicta mórbida, ela está fisicamente determinada a se comportar como o
faz. Nenhum mistério aqui também. É o comportamento e a experiência do
adicto incontinente que é verdadeiramente intrigante. Por isso, quando fazemos a
pergunta “O que é adicção?”, estamos procurando uma maneira de descrever
apropriadamente e dar um relato da ação adicta incontinente. Na verdade, a ação
incontinente em geral é profundamente intrigante, e o tratamento de Aristóteles
do problema da simples incontinência pode ser estendido e aprofundado para
investigar a natureza única da incontinência adicta. Pois é em sua tentativa de
lidar com o mistério da incontinência que ele destaca a categoria de hábito como
indispensável para qualquer explicação adequada do espectro da ação humana.
F
Pela simples razão de que eles [os desejos resilientes] se recusam a lutar de forma justa. As emoções,
em suas relações com o intelecto, não usam a razão para obter sua cooperação. Em vez disso, os
desejos desgastam a razão com mais súplicas emocionais. Imploram, reclamam e intimidam. Não
aceitam “não” como resposta. Eles não darão ao intelecto um momento de paz. Na maioria dos
casos, o melhor que o intelecto pode esperar é resistir a essas súplicas por um tempo. Então ele
sucumbe.11
Peguei metade de uma garrafa de uísque um dia após o trabalho e bebi mais de um terço dela em
menos de quatro horas naquela mesma noite. Eu estava muito mal no dia seguinte, mas consegui
chegar ao trabalho. uando cheguei à casa depois do trabalho, sentei-me no sofá dos meus pais, e
eu sabia, eu sabia que começaria a beber aquela garrafa de uísque novamente, embora eu ainda
estivesse muito mal da noite anterior. Eu também sabia que não queria beber. Sentada naquele
sofá, percebi que o velho “eu poderia parar se quisesse, só não quero” não se aplicava aqui, porque
eu não queria beber. Eu me vi levantar do sofá e comecei a me servir uma bebida. uando me
sentei no sofá, comecei a chorar. Minha negação foi quebrada; acredito que cheguei ao fundo do
poço naquela noite, mas eu não sabia naquela época; eu apenas pensei que estava louca. Continuei
a beber e terminei o restante da garrafa ( AA 324).
1 Alcoholics Anonymous World Services. Twelve steps and twelve traditions (New York: Alcoholics
Anonymous World Services, 1952), p. 22. [Edição em português: Os doze passos e as doze tradições
(São Paulo: Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos do Brasil, 2019)]. Doravante, Os doze
passos e as doze tradições será abreviado por DD e citado no texto. Nota do tradutor: as páginas que
aparecem entre parênteses nas referências do texto são da edição em inglês.
2 J, Williams. e principles of psychology (New York: Dover, 1950), 2:543.
3 Essa é uma citação de Benjamin Rush de um bêbado do século 18, citado em L, Harry
Gene. “e discovery of addiction”, Journal of Studies on Alcohol 39 (1978): 152.
4 Esse é o título de um famoso livro escrito pelo psicólogo Jeffrey A. Schaler: Addiction is a choice
(Chicago: Open Court, 2000). As linhas gerais do argumento têm sido reproduzidas em vários livros,
incluindo o livro e useful lie (Wheaton: Crossway, 1991), do conselheiro cristão William Playfair.
Provavelmente, o crítico mais proeminente do modelo de doença é Stanton Peele. Embora a
abordagem de Peele seja mais sútil do que a visão simplista da “adicção como escolha”, sua tentativa
de articular a natureza da adicção frequentemente cai no voluntarismo por falta de uma alternativa
filosófica robusta para as opções de doença ou escolha. Ver, e.g., e diseasing of America: how we
allowed recovery zealots and the treatment industry to convince us we are out of control (San
Francisco: Jossey-Bass, 1995).
5 H, Gene. Addiction: a disorder of choice (Cambridge: Harvard University Press, 2009), p.
1.
6 S, Francis. Addiction and responsibility: an inquiry into the addictive mind (New
York: Crossroad, 1993), p. 63.
7 Harry Frankfurt, em seu ensaio clássico “Freedom of the will and the concept of a person”, em
Free will, ed. W, Gary, 2. ed. (Oxford: Oxford University Press, 2003), p. 335, oferece uma
descrição do que ele chama de “adicto deliberado”, que se assemelha bastante à nossa noção
aristotélica do adicto autoindulgente. No linguajar filosófico de Frankfurt, o adicto deliberado é
aquele que não experimenta nenhum conflito entre seus desejos de primeira e segunda-ordem. O
adicto deliberado deseja o objeto viciante e deseja desejá-lo.
8 G, Donald. Alcoholism: the facts, 3. ed. (Oxford: Oxford University Press, 2000), p. 90.
9 B, William. Junky (New York: Penguin Books, 1997), p. 94.
10 W, R. Jay. “Addiction as defect of the will: some philosophical reflections,” em Free will,
ed. W, Gary. (Oxford: Oxford University Press, 2003), enfatiza a natureza distintivamente
resiliente do desejo adicto.
11 I, William. On desire: why we want what we want (Oxford: Oxford University Press,
2006), p. 76.
12 M, Gerald. Addiction and grace (New York: HarperCollins, 1998), p. 52.
13 S, Risto. Weakness of the will in Medieval thought: from Augustine to Buridan (New
York: E. J. Brill, 1994), p. 15.
14 P, Phaedrus, trad. Alexander Nehamas e Paul Woodruff, em Plato: complete works
(Indianapolis: Hackett, 1997), 237d-238a. [Edição em português: Fedro. Edição bilíngue, tradução e
apresentação de José Cavalcante de Souza, posfácio e notas de José Trindade Santos (São Paulo:
Editora 34, 2016)].
3
ADICÇÃO E HÁBITO
Recursos em Tomás de Aquino
Tomás de Aquino afirma que os hábitos não são necessários para os humanos
agirem, mas são necessários para os humanos agirem bem. Essa afirmação aparece
na questão 49, artigo 4, da Prima Secundae: “É necessário haver hábitos?”. O
artigo é central para tudo o que Tomás irá dizer sobre o papel do hábito na ação
humana. Nesse artigo, ele faz a ambiciosa afirmação de que o hábito (habitus)15
deve ser incluso como um componente irredutível de qualquer ontologia que seja
adequada ao escopo da ação humana. Sua afirmação da irredutibilidade da
categoria de hábito é ambiciosa porque, à primeira vista, parece que poderíamos
explicar cada ação humana referindo-a apenas ao poder da vontade humana.
Tomando qualquer ação humana, parece que somos capazes de explicar essa ação
apenas nos referindo ao poder da vontade humana. O hábito, portanto, torna-se
supérfluo como princípio de explicação e, se assim for, não pode ser considerado
um componente necessário de uma ontologia da ação humana.16
Tomás de Aquino responde a essa objeção com duas afirmações, mas, antes
de fazê-lo, declara a natureza de um hábito e que tipo de entes podem possuí-lo.
Tomás de Aquino argumenta que, uma vez que os hábitos envolvem disposições
para agir de uma maneira dentre uma variedade de maneiras potenciais, as únicas
entidades que têm hábitos são agentes racionais cujas naturezas não determinam
seus comportamentos. Portanto, não há “espaço para o hábito ” em Deus, porque
a ação de Deus é idêntica ao ser de Deus. E não há espaço para o hábito nas coisas
não racionais (incluindo animais não racionais), porque as coisas não racionais
são sempre determinadas pela natureza (no caso dos animais, pelo “ instinto”)
para responder de certa maneira a qualquer situação. Se pudéssemos saber tudo
sobre as necessidades de um animal e as circunstâncias em que ele se encontra,
poderíamos saber como o animal responderia. O animal, portanto, nunca está de
fato aberto a mais de um curso de ação. Assim, os hábitos pertencem apenas aos
animais racionais, ou seja, aos seres humanos,17 cuja existência não é idêntica à sua
atividade e os quais podem ser capazes de vários cursos alternativos de ação.
O hábito , somos informados, poderia fazer sentido como uma explicação
de por que determinado agente humano age de uma forma ou de outra, uma vez
que não podemos explicar a ação simplesmente com referência à essência do
agente (como no caso de Deus) ou à determinada conexão causal entre as
necessidades do agente e seu ambiente (como acontece com os animais). Mas,
novamente, a força de vontade poderia muito bem ser igualmente oferecida como
uma explicação, uma vez que a ambiciosa tese de Tomás de Aquino de que o
hábito é necessário para uma consideração completa da ação humana ainda não foi
justificada. Tomás de Aquino fornece dois argumentos para defender sua tese.
Primeiro, devemos postular a categoria de hábito para explicar como é
possível que os seres humanos tendam a uma ação específica dentre uma variedade
de ações potenciais. A postulação da vontade humana explica por que é possível,
em determinada situação, que um agente aja de várias maneiras. Mas não pode
explicar o que também é verdade: que às vezes é provável que um agente aja de
uma maneira, e não de outra.
Em segundo lugar, e de forma relacionada, o que continua necessitando de
explicação não é meramente cada evento individual considerado separadamente
na história da ação de um agente, mas também a capacidade de um agente de agir
consistentemente por um período prolongado de tempo. Isso requer explicação
porque a vontade humana não é (como Descartes supôs) um poder abstrato e
inesgotável, mas sim um poder corporificado. A vontade humana é executada por
meio das condições materiais da personalidade humana. Como Tomás de Aquino
observa, embora a vontade seja uma função da alma, as operações da vontade
procedem “da alma por meio do corpo” (1-2.50.1). Não podemos, portanto,
fingir que a vontade não é restringida pelo corpo. É por isso que ele diz que os
hábitos da vontade, conquanto primariamente hábitos da alma, são
secundariamente hábitos do corpo (1-2.50.1). Como o intelecto e o apetite
sensitivo, a razão prática — o “apetite racional” — está sujeita à alteração,
corrupção e exaustão. A escolha deliberativa é realizada não por transcender os
desejos naturalmente condicionados por nossa existência material, mas por meio
do exercício do intelecto, ordenando esses desejos. A vontade tem uma estrutura
suscetível a ser treinada, mas também, portanto, suscetível de ser quebrada. Dado
esse fato, o exercício consistente da vontade em qualquer direção precisa de
explicação. Um princípio de explicação além do mero poder da vontade humana é
necessário para explicar como a vontade persevera em cursos de ação que
esgotariam a vontade caso ela operasse puramente por deliberação. Na ausência
do hábito , a vontade está sujeita à violência de impulsos concorrentes e não pode
suportar consistentemente essa violência interna.
O hábito fornece o princípio de explicação necessário e explica como a
vontade pode agir consistentemente e com sucesso sem ser desgastada pelo peso
do desejo ou atrapalhada por desejos descoordenados, porque os hábitos
qualificam e coordenam os desejos. Muitos hábitos e, em particular, muitas das
virtudes não podem ser compreendidos à parte das paixões às quais dão forma e
coordenação. Para Tomás de Aquino, os hábitos são fundamentalmente
estratégias de desejo.18 Argumentarei nos próximos capítulos que essa
compreensão é central para descrever corretamente o poder da adicção, uma vez
que as adicções estão entre as estratégias mais poderosas que os seres humanos
têm para coordenar e direcionar seus desejos mais fundamentais.
Especificamente, os hábitos retificam estrategicamente o problema da
vontade humana limitada de duas maneiras. Em primeiro lugar, hábitos são
difíceis de mudar: “Chamamos de hábitos as qualidades que, por natureza, não
são facilmente mutáveis” (1-2.49.2). O fato de os hábitos não serem facilmente
mutáveis é um correlato necessário à sua função, que é fornecer estabilidade e
consistência à ação humana. E esta, quando exercida por meio do processo de
raciocínio prático, é inerentemente tênue, precisamente porque aquilo de que o
processo é totalmente dependente, ou seja, paixões e julgamentos, pode ser
facilmente perdido, ignorado ou superado. A ação incontinente, como vimos, é
possível exatamente por esse motivo. Portanto, se os hábitos devem fornecer um
tipo de constância não disponível por meio do raciocínio prático desenraizado,
eles devem ser o tipo de coisa difícil de mudar ou perder. Se nossos hábitos podem
ser mudados tão facilmente quanto nossa mente ou nossos sentimentos, eles não
oferecem alternativa ao caráter instável do raciocínio deliberativo. uanto mais
arraigado o hábito , mais perfeitamente ele executa sua tarefa. Assim, hábitos são
qualidades que (a) tornam um agente consistente em suas ações; (b) tornam um
agente bem-sucedido em sua ação; e (c) fazem com que “a coisa possa ser feita
com facilidade” (1-2.49.2). Essas características do hábito estão intimamente
interligadas. É a permanência estável do hábito que torna a ação habitual
consistente, e essa consistência é possível porque a ação não sobrecarrega a
vontade do agente da mesma forma que a ação deliberativa. Assim, a facilidade
com que o agente atua habitualmente é, além de fonte de prazer (1-2.53.1), aquela
que garante a consistência da ação habitual.
Em segundo lugar, os hábitos corrigem o problema da vontade humana
limitada por sua propensão a agir “na hora”. Tomás de Aquino diz que, uma vez
que o prazer pode ser antecipado por meio da faculdade da memória, uma pessoa
pode tornar-se disposta de modo que reaja habitualmente à menor provocação
dessa memória (1-2.33.2). uando exposto ao objeto apropriado, um agente
habituado é capaz de agir imediatamente, sem esforço e, muitas vezes, sem
nenhuma consciência explícita do que está sendo feito. No entanto, embora os
hábitos não exijam um ato de vontade deliberativa para serem provocados, estão
abertos a ser interrompidos por um ato específico da vontade. A esse respeito, eles
são muito distintos dos instintos.
Agora podemos fornecer uma definição robusta de “ hábito ”. Um hábito é
uma modificação adquirida relativamente permanente que permite à pessoa,
quando provocada pelo estímulo relevante, agir de forma consistente, com sucesso
e facilidade em relação a algum objetivo.19
O debate que está sendo travado no campo dos estudos sobre adicção é expresso
na linguagem da doença versus escolha. Agora que definimos a noção de hábito ,
podemos começar a explorar como a categoria de hábito abre espaço para uma
descrição do comportamento adicto que evita as dicotomias em voga no debate
atual. O hábito é uma categoria mediadora, mas articular cuidadosamente a
natureza dessa mediação é um passo importante porque, se não pudermos
enxergar como o hábito ocupa um espaço genuinamente único dentro de uma
ontologia da ação humana, é provável que colapsemos até mesmo a linguagem do
hábito e voltemos aos extremos polarizadores dos quais estamos tentando escapar.
Isso foi, de fato, o que aconteceu com a linguagem do hábito no debate
contemporâneo dos estudos sobre adicção. Como a categoria de hábito é mal
compreendida, ela foi despreocupadamente descartada como uma forma inútil ou
mesmo perniciosa de caracterizar o comportamento adicto.
O hábito , devidamente compreendido, faz a mediação entre vários
extremos diferentes que limitam nossa concepção da ação humana. Primeiro, faz a
mediação entre o instinto e a disposição. Em segundo lugar, faz a mediação entre
o determinismo e o voluntarismo. Terceiro, faz a mediação entre o involuntário e
o voluntário.
Primeiro, um hábito não é um instinto nem uma disposição,20 mas
intermedeia os dois. É como um instinto, pois pode tornar a ação fácil e
aparentemente sem esforço. Às vezes, um hábito pode possibilitar a um agente
agir sem pensamento consciente, e é por isso que os hábitos são facilmente
confundidos com os instintos. Assim, por exemplo, Brian Davies se confunde
quando escreve que Tomás de Aquino “está preocupado com a aquisição do
caráter que permite às pessoas agir instintivamente”.21 Tomás de Aquino jamais
consideraria isso uma conquista, uma vez que o instinto indica uma tendência
para a ação que não é responsiva de forma alguma à razão. O erro de Davies vem
de uma inclinação, presente na psicologia do início do século 20, de tornar os
hábitos motores o paradigma para todos os hábitos. Se pensarmos em todos os
hábitos tomando como padrão os hábitos motores, vemos quão facilmente eles
podem ser confundidos com o instinto, uma vez que os hábitos motores são mais
eficazes à medida que não focamos mentalmente como fazer as atividades que eles
tornam possíveis. Como William James pontuou, você será muito mais eficiente
em amarrar os sapatos se não pensar em como fazê-lo.
Entretanto, Tomás de Aquino insistiria que mesmo os hábitos motores, que
têm notáveis características semelhantes às dos instintos, são diferentes destes,
porque podem ser bloqueados e transformados, geralmente com o passar do
tempo e com grande esforço pela aplicação da razão. Os instintos não são assim.
O instinto só pode ser transformado por condicionamento operante, como é o
caso dos animais: “nos irracionais, as potências sensitivas não agem pelo império
da razão, mas pelo instinto natural, desde que entregues a si mesmos. Assim, nos
animais irracionais não há hábitos ordenados às ações” (1-2.50.3). Um instinto
não implica o poder de se abster da ação instintiva, ao passo que um hábito
implica esse poder. Os animais “não têm o poder de usar ou não usar, o que parece
pertencer à razão do hábito . Logo, falando com propriedade, neles não podem
existir hábitos” (1-2.50.3). Devemos, portanto, ter o cuidado de manter uma
distinção entre instinto e hábito , para que, ao ocultar a distinção, não
obscureçamos uma das características mais importantes do hábito : sua
capacidade de responder à razão e, portanto, sua conexão com aquilo que é
voluntário.
Mas devemos notar também as semelhanças entre hábito e instinto, e isso
nos permitirá ver como Davies e outros confundem os dois. Pois, quando dizemos
que o hábito , ao contrário do instinto, é responsivo à razão, isso não deve ser
interpretado como se implicasse que as ações habituais podem ser interrompidas e
os hábitos, dissipados (ou, por outro lado, ações habituais incitadas e hábitos
adquiridos) simplesmente pela realização de um ato de vontade. Pelo contrário, os
hábitos, como os instintos, ganham vida própria e muitas vezes provocam ações
imediatas, “na hora”, que são bastante resistentes a qualquer intenção
momentânea que um agente possa ter. É por isso que Aristóteles diz que “o hábito
é difícil de ser mudado porque é como uma natureza” (1152a30-31), e por que
Tomás de Aquino, seguindo Aristóteles, nos diz que “um hábito é como uma
segunda natureza” (1-2.53.1).22 De fato, é precisamente a semelhança da ação
adicta com as verdadeiras compulsões do instinto que levou (dada a perda
contemporânea de uma filosofia robusta do hábito) à assimilação da adicção à
categoria puramente involuntária de doença. Apesar de suas semelhanças, no
entanto, Tomás de Aquino insiste que os hábitos são diferentes dos instintos,
porque aqueles respondem à razão. Mas, quando ele diz que os hábitos, ao
contrário do instinto, respondem à razão, não está pensando principalmente em
termos do poder da deliberação racional de superar as ações habituais “no
momento”, embora isso às vezes seja possível. Em vez disso, Tomás de Aquino está
interessado na maneira como a razão pode desenvolver estratégias, manipular
circunstâncias e informar modos alternativos de caráter. Desse modo, a razão
pode transformar gradual e indiretamente os hábitos, bem como as ações
correspondentes que eles provocam.
Por outro lado, existe o perigo de confundir o hábito com a disposição. Um
hábito é como uma disposição, pois pode ser mudado, mas um hábito é diferente
de uma disposição porque não pode ser mudado sem grande esforço. As
disposições são diferentes dos hábitos “em se poder perder com facilidade ou com
dificuldade”, respectivamente: “o nome hábito implica certa durabilidade; mas a
disposição não” (1-2.49.2). Assim, por exemplo, Tomás de Aquino pensaria que ser
generoso e falar francês são hábitos, enquanto roer as unhas ou dizer “Cara!”
repetitivamente são provavelmente disposições. A distinção entre
comportamentos habituais e dispositivos reside na dificuldade encontrada
quando uma pessoa tenta abandonar o comportamento. Se o comportamento está
profundamente arraigado e requer muito esforço, criatividade e engenhosidade
para ser abandonado, então conta como hábito para Tomás de Aquino. Se o
comportamento não está (ainda) profundamente arraigado e pode ser erradicado
simplesmente ao reconhecer que é problemático, provavelmente não é um hábito,
mas mera disposição. Frequentemente, uma tendência está mais ou menos
arraigada dependendo do grau em que a tendência envolve as emoções de um
agente. Assim, cutucar o nariz frequentemente é, na maioria das vezes, uma
tendência dispositiva, ao passo que fumar é, na maioria das vezes, uma tendência
habitual.
A distinção entre hábito e disposição é prejudicada por certa imprecisão.
Por quais padrões devemos decidir se uma tendência específica para agir tem ou
não “durabilidade” suficiente para ser considerada um hábito? Nenhum conjunto
de padrões pode remover de forma decisiva essa ambiguidade; sempre haverá
casos limítrofes. Mas isso não nos deve levar a desconsiderar a importância da
distinção. A distinção entre hábito e disposição não é, para Tomás de Aquino,
meramente arbitrária: “Essas diferenças, embora pareça que se relacionam por
acidente com a qualidade, no entanto designam diferenças próprias e por si
[essenciais] das qualidades” (1-2.49.2).
A atenção cuidadosa a como o hábito intermedeia entre o instinto e a
disposição nos permite evitar os perigos gêmeos que espreitam a linguagem do
hábito na discussão contemporânea sobre adicção. Uma dessas tendências é
combinar hábito e instinto, descartando, assim, a alegação de que a adicção é um
hábito. Esse tipo de erro é evidente na seguinte passagem de Francis Seeburger:
Em última análise, não há nada “habitual” em injetar em si mesmo narcóticos duas vezes por dia
durante um período prolongado. Algo que se tornou habitual é algo que aprendemos a fazer sem
pensar nisso. Esse é o papel do hábito: permitir-nos fazer coisas sem que tenhamos de nos
preocupar com pensar em fazê-las, ou pensar sobre o que estamos fazendo enquanto as fazemos.
Assim, por exemplo, depois de lutarmos por muito tempo com eles, os movimentos e ajustes
corporais envolvidos em andar de bicicleta ou nadar tornam-se habituais para nós, de modo que,
quando subimos em uma bicicleta ou pulamos em uma piscina, não temos de pensar sobre o que
devemos fazer; nós apenas fazemos. Essa descrição, entretanto, não se aplica ao caso de alguém que
injeta heroína em si mesmo duas vezes por dia. Pelo contrário… pessoas adictas, de modo muito
consciente, investem significativamente em toda a atividade de consumo de drogas. Elas tendem a
ritualizá-la, às vezes dando até mesmo às circunstâncias mais triviais a condição de ritos
invioláveis.23
Como fica claro nos exemplos dados por Seeburger, ele assume que os
hábitos motores são hábitos paradigmáticos e, portanto, que a falta de
pensamento pertencente à ação em questão é uma propriedade necessária do
hábito. O hábito foi confundido com o instinto, como uma resposta inconsciente
a uma situação particular. Mas, para Tomás de Aquino, essa seria uma restrição
estranha ao hábito, até porque Tomás acredita que uma das faculdades das pessoas
que podem habituar-se é o intelecto. Ao descrever as tendências rituais do
comportamento adicto, Seeburger identificou a função crucial da adicção de criar
significados (e, portanto, uma conexão crucial entre a adicção e a racionalidade).
Ele, entretanto, não nos deu nenhuma razão para pensar que o comportamento
adicto não seja habitual.
Inversamente, o hábito pode ser erroneamente confundido com disposição,
descartando assim a perspectiva de que a adicção seja um hábito. Assim, por
exemplo, lê-se na literatura do AA que certos tipos de alcoólatras descobriram que
não tinham “apenas” o mau hábito de beber álcool, mas que, de fato, eram
alcoólatras: “Ao recordarmos nossas próprias histórias de bebida, poderíamos
demonstrar que, anos antes de percebermos que estávamos descontrolados, nosso
ato de beber já não era mero hábito, que era realmente o início de uma progressão
fatal” (DD 23, grifo meu). O adjetivo “mero” é revelador aqui. Na continuação da
passagem, fica claro que o que está sendo buscado é uma distinção entre aqueles
que podem ter “meramente” um problema com a bebida e aqueles que são
“totalmente” alcoólatras. Mas o que distingue alguém que possui um problema
com bebida de um alcoólatra é precisamente o que distingue, para Tomás de
Aquino, uma disposição de um hábito. A pessoa que tem um problema com a
bebida tem a tendência de beber, mas, ao reconhecer os efeitos nocivos de seu
comportamento, é capaz de parar de beber de maneira mais ou menos direta, sem
medidas drásticas. O alcoólatra, por outro lado, pode reconhecer a natureza de
seu problema e, ainda assim, ser incapaz de erradicar a tendência de beber
simplesmente decidindo fazê-lo. Tanto um quanto o outro têm tendências ao
álcool, mas uma tendência se perde facilmente e a outra, não. Isso se assemelha
exatamente à distinção que Tomás de Aquino deseja fazer entre uma disposição e
um hábito. Ele diria que um alcoólatra tem o hábito, embora isso não seja de
forma nenhuma o mero hábito ( isso seria contraditório para ele) de beber, ao
passo que a pessoa que tem problema com bebida apresenta uma disposição para
beber. A linguagem do hábito foi erroneamente descartada da reflexão sobre a
adicção porque foi incorretamente confundida com o instinto ou a disposição.
Mas, na verdade, o hábito ocupa um espaço genuíno entre os dois.
Em segundo lugar, a categoria de hábito intermedeia os extremos do
determinismo e do voluntarismo. A ação habitual é como o livre-arbítrio
autônomo no sentido de que se conecta em algum nível com a razão. Por outro
lado, a ação habitual é como o determinismo no sentido de que as ações realizadas
pelo hábito não decorrem diretamente do processo de raciocínio deliberativo que
é constitutivo do livre-arbítrio. Já observamos a noção de Tomás de Aquino de
um hábito como uma “segunda natureza”: “o hábito assemelha-se à natureza, mas
é inferior a ela. Por isso, enquanto a natureza de uma coisa é inseparável dela, o
hábito é separável com dificuldade” (1-2.53.2). Se algo age de certa maneira “por
natureza”, essa coisa está determinada a agir dessa maneira. Nos animais,
chamamos isso de instinto. Um hábito é uma “segunda natureza” porque, embora
não seja, estritamente falando, algo mecânico, ainda assim procede do agente sem
esforço e sem exercício da vontade, aparentemente de maneira “natural”. Mariana
Valverde resume bem a maneira como o hábito faz a mediação entre o
determinismo e o livre-arbítrio. Os hábitos são “atos padronizados que não são
nem totalmente desejados nem totalmente automáticos”, que “habitam a zona
híbrida, frequentemente conhecida como segunda natureza, a qual foi sempre
negligenciada pela teologia e pela filosofia”.24
O comentário de Valverde sobre a negligência da categoria de hábito entre
teólogos e filósofos é interessante, dados os objetivos deste estudo. Essa
negligência nem sempre foi o caso. Como Valverde corretamente observa, “na
época de Aristóteles, o hábito de teorizar era a ocupação fundamental dos
filósofos éticos profissionais”.25 Ela ignora a tradição medieval, inclusive Tomás de
Aquino, mas corretamente aponta a relativa ausência de uma filosofia do hábito
durante o período moderno, com as notáveis exceções dos pragmáticos norte-
americanos, particularmente William James, Charles Peirce e John Dewey.26 A
noção de hábito foi reintroduzida nas discussões da psicologia e da filosofia da
ação humana do início do século 20 como um corretivo das afirmações exageradas
sobre o escopo da liberdade absoluta de volição. James, por exemplo, fala da “força
do hábito” precisamente para mostrar que a maior parte da ação humana não é
tão “livre” como certas filosofias de um pretenso livre-arbítrio nos levariam a
supor. Mas, estranhamente, o papel da linguagem do hábito no discurso
contemporâneo sobre a adicção sofreu uma reversão. O hábito já não é
introduzido como um corretivo para uma ênfase exagerada na liberdade e na
volição, mas, em vez disso, na direção oposta, o hábito é rejeitado pelos
proponentes do conceito de doença como uma tentativa velada de contrabandear
a noção de escolha de volta para a equação. O que é importante ver em tudo isso é
que o hábito está genuinamente no meio do caminho entre a doença determinada
e a escolha irrestrita, e, portanto, atua como um corretivo importante em ambas as
direções. Dizer que “a adicção é um hábito” é dizer algo genuinamente diferente
de “a adicção é uma doença” ou que “a adicção é uma escolha”, porque o hábito
intermedeia o determinismo e o voluntarismo.
Em terceiro e último lugar, o hábito faz a mediação entre o voluntário e o
involuntário. Pois, como já mencionamos, os hábitos qualificam os desejos. Craig
Steven Titus coloca a questão de forma sucinta: Tomás de Aquino nos mostra
como os hábitos “incutem inteligência nas emoções”.27 Mas, se assim for, então
não podemos facilmente fazer a distinção costumeira entre ações como coisas que
fazemos acontecer e emoções como coisas que acontecem a nós, entre ações
puramente voluntárias e emoções puramente involuntárias. O hábito significa a
possibilidade de responsabilidade parcial e de controle sobre nossas emoções. Para
Aristóteles e Tomás de Aquino, está ao nosso alcance, por exemplo, desenvolver o
hábito da coragem, o que significa que está ao nosso alcance tanto desenvolver a
nossa tendência de agir de determinada maneira em circunstâncias que exigem
coragem quanto desenvolver nossa tendência de nos sentir de certa maneira nessas
circunstâncias.
Assim, a categoria de hábito complica nossa visão comum acerca da
distinção voluntário/involuntário. Em seu Comentário à “Ética a Nicômaco” de
Aristóteles, Tomás de Aquino explica como os hábitos apresentam
simultaneamente características do voluntário e do involuntário.
Os maus hábitos não estão sujeitos à vontade depois de formados. Ele diz que, porque uma pessoa
se torna injusta voluntariamente, não quer dizer que ela deixe de ser injusta e se torne justa sempre
que desejar. Ele prova isso por meio de uma semelhança nas disposições do corpo. Um homem que
goza de boa saúde e voluntariamente sucumbe à doença por viver incontinentemente, ou seja, por
comer e beber em excesso e não seguir o conselho do médico, tinha no início o poder de não
adoecer. Mas, depois de ter praticado o ato, tendo ingerido alimentos desnecessários ou
prejudiciais, não está mais em seu poder não ficar doente. Assim, quem atira uma pedra é capaz de
não a atirar; no entanto, uma vez que ele lançou a pedra, não tem o poder de retomar o
lançamento. Não obstante, dizemos que está ao alcance de um homem lançar ou atirar uma pedra
porque tal ação estava no princípio sob seu controle. O mesmo ocorre com os hábitos da adicção;
que um homem não se torne injusto ou incontinente decorre de um princípio sob seu controle.
Por isso, dizemos que os homens são voluntariamente injustos e incontinentes, embora, depois que
se tornem tais, não esteja mais em seu poder deixarem de ser injustos ou incontinentes
imediatamente, mas é necessário grande esforço e prática.28
H
Ações e estados de caráter não são voluntários da mesma forma, pois somos senhores de nossas
ações do início ao fim, se conhecermos os fatos particulares; mas, embora controlemos o início de
nossos estados de caráter, o progresso gradual não é óbvio, nem está na doença; porém, como
estava em nosso poder agir assim ou não, os estados são voluntários (1114b30-1115a3).
A
À medida que buscamos compreender que tipo de hábito é a adicção, um ponto
de partida óbvio é o hábito da temperança. Talvez a adicção possa ser entendida
simplesmente como uma falha da virtude da temperança, particularmente como
uma expressão do vício da intemperança.
“Temperança”, diz Aristóteles, “é um meio-termo no que diz respeito aos
prazeres” (1117b24). Mas ela não se preocupa com o prazer em geral, e sim com
os prazeres do corpo. Aqueles que se deleitam excessivamente nos prazeres da
alma, “como o amor à honra e o amor ao aprendizado”, não são chamados de
intemperantes nem autoindulgentes (1117b27-32). Além disso, a temperança não
se preocupa com todo prazer sensível, “pois aqueles que se deleitam em objetos
visíveis, como cores, formas e pintura, não são chamados de intemperantes nem
autoindulgentes”, embora seja possível deleitar-se com essas coisas em um grau
excessivo ou deficiente (1118a3-7). A temperança está fundamentalmente
preocupada com os prazeres que os seres humanos compartilham com os animais,
a saber, os do tato e do paladar, mas está especialmente preocupada com esses
prazeres à medida que são desfrutados “no caso da comida, da bebida e da relação
sexual” (1118a31-33).
A temperança é, portanto, a virtude que permite a uma pessoa atingir o
desejo e a atividade proporcionais com respeito à comida, à bebida (pelo que
Aristóteles se refere principalmente a entorpecentes) e ao sexo. Como já foi
mencionado, a virtude da temperança reside substancialmente no apetite
sensorial e formalmente na potência intelectiva. A temperança é uma virtude
necessária para uma vida boa, porque o apetite sensível não é em si racional. Na
medida em que as pessoas humanas são criaturas racionais e a vida boa é uma vida
de acordo com a razão, os apetites sensíveis devem se conformar à razão: “Mas o
homem, como tal, é um ser racional e, consequentemente, os prazeres que lhe
convêm são os conformes à razão. E desses a temperança não o priva, mas sim dos
que a contrariam” (2-2.141.1). A temperança é a virtude que atinge essa
conformação dos apetites sensitivos à razão.
Três espécies de temperança correspondem aos três objetos da temperança:
comida, bebida alcoólica e sexo. Abstinência é o nome da virtude específica da
temperança que denota a moderação correta com respeito à alimentação;
sobriedade, com relação à bebida alcoólica; castidade, com respeito ao sexo. Uma
pessoa pode carecer dessas virtudes por desejar e buscar excessiva ou
deficientemente cada um desses bens sensíveis. Ambos os extremos contam como
vício, embora o desejo deficiente com relação a qualquer um desses bens sensíveis
seja tão raro que não tenha um nome reconhecível. Aristóteles diz que a pessoa
que deseja e busca alimentos, bebidas ou sexo de maneira deficiente é
“insensível”.39 A frigidez com relação ao sexo provavelmente representaria a forma
mais comum de insensibilidade. Mas, como diz Aristóteles, “é bastante raro
encontrar pessoas que busquem deficientemente os prazeres e se deleitem menos
do que deveriam; pois tal insensibilidade não é humana” (1119a5-7). O extremo
do excesso é o vício mais comum, tão comum que tem um nome aceito com
relação a cada um dos objetos do desejo sensorial. O desejo e a busca excessivos
por comida são chamados de gula; por bebida alcoólica, embriaguez; por sexo,
luxúria.
Se a adicção deve ser comparada ao vício da intemperança, provavelmente
será por causa de uma correlação substancial entre a adicção e o vício da
embriaguez, o qual pode ser entendido como o desejo e a busca habitualmente
excessivos dos prazeres sensíveis associados aos entorpecentes, prazeres estes
supervalorizados como adequados à boa vida. Para que a adicção se encaixe nessa
conta, devemos ser capazes de descrevê-la como o desejo e a busca habitualmente
excessivos dos prazeres sensíveis associados a certos objetos entorpecentes, prazeres estes
que são supervalorizados como adequados à boa vida.
Essa descrição faz jus ao fenômeno da adicção? Afirmo que não, pelo
seguinte motivo: a intemperança é o amor desordenado por certos objetos em
razão dos prazeres sensoriais que eles proporcionam, ao passo que a adicção é o
amor desordenado por certos objetos por outras razões que não o prazer sensorial.
Na verdade, as pessoas podem ser adictas a uma substância mesmo na ausência de
prazeres sensoriais e, às vezes, em face de fortes aversões sensoriais ao objeto.
Lembre-se, por exemplo, do testemunho do alcoólatra incontinente visível
relatado no capítulo 2: “Eu sabia que começaria a beber aquela garrafa de uísque
novamente, embora eu ainda estivesse muito mal da noite anterior. Eu também
sabia que não queria beber. Sentada naquele sofá, percebi que o velho ‘eu poderia
parar se quisesse, só não quero’ não se aplicava aqui, porque eu não queria beber.
Eu me vi levantar do sofá e comecei a me servir uma bebida” ( AA 324). Relatos
semelhantes aparecem constantemente nas memórias de outras pessoas adictas.
Esses testemunhos vão ao âmago da experiência da adicção. Eles não poderiam ser
dados por beberrões imoderados que simplesmente amam beber demais. Mesmo
os beberrões que eram intemperantes e que estão trabalhando para superar sua
intemperança não poderiam relatar que não tinham desejo de beber; só poderiam
relatar que gostariam de não desejar o álcool como desejavam.
Na literatura sobre adicção, esse fenômeno é chamado de “ ambivalência” e
é caracterizado por uma mistura de desejo e aversão em relação ao objeto viciante.
Como é possível que uma pessoa deseje e deteste simultaneamente o mesmo
objeto? Oferecer uma resposta a essa pergunta nos permitirá compreender melhor
a diferença entre intemperança e adicção. Tomás de Aquino afirma: “O apetite é
duplo, a saber, o sensível e o intelectivo, que é chamado de vontade. O objeto de
cada um é o bem, mas de maneiras diferentes: pois o objeto do apetite sensível é
um bem apreendido pelos sentidos, enquanto o objeto do apetite intelectivo ou
vontade é um bem sob o aspecto universal do bem, conforme pode ser apreendido
pelo intelecto” (1.80.2). Simplificando, os objetos do apetite sensível são os bens
dos prazeres sensoriais, ao passo que os objetos do apetite intelectivo são outros
tipos de bens, intelectuais ou morais, por exemplo.
Lembremos que a intemperança é um hábito substancialmente do apetite
sensível. Portanto, se a adicção deve ser assimilada ao hábito da intemperança,
devemos descobrir que ela tem relação principalmente com um desejo
desordenado por certos prazeres sensoriais associados a objetos viciantes. Mas,
embora muitas adicções sejam iniciadas por meio do desfrute dos prazeres
sensoriais associados ao objeto viciante, a adicção avançada raramente tem ligação
com os prazeres dos sentidos. Veja, por exemplo, os seguintes testemunhos.
Um grupo de colegas entrou em um carro para ir almoçar em algum lugar. Eu fui o último e me
sentei espremido entre vários outros no banco de trás. Um conhecido acendeu um cigarro que
estava começando a incomodar meu estômago. Pedi a ele que abrisse a janela. Mas ele
imediatamente a abriu e jogou fora o cigarro. Eu disse algo como: “Sinto muito estragar seu
prazer”. Ele respondeu decididamente: “Não é prazer, é fumar”.40
Certamente, beber não era mais divertido. Há muito tempo havia deixado de ser divertido.
Algumas taças de vinho com um amigo depois do trabalho ainda podiam ser reconfortantes e
familiares, mas beber era tão necessário, tão visceral e compulsivo, que o prazer foi quase acidental.
O prazer simplesmente não era o ponto.41
Essas pessoas adictas não são movidas pela busca de prazeres sensoriais, que
são considerados irrelevantes ou totalmente ausentes. Parece muito mais provável,
então, que os bens que as pessoas adictas buscam por meio da prática de suas
adicções sejam mais bem compreendidos como “objetos do apetite intelectivo ou
da vontade”. Em nenhum lugar essa afirmação é mais indiscutivelmente evidente
do que nos testemunhos frequentes de pessoas adictas que desenvolveram uma
adicção não por meio do portal do prazer sensorial, mas a despeito da manifestada
miséria sensorial ocasionada por seu primeiro contato com o objeto viciante. Os
seguintes testemunhos de três pessoas adictas só podem soar grotescos para
aqueles que não experimentaram o poder dominante de uma adicção profunda.
Não me lembro de quantos drinques tomei, e minhas lembranças dos eventos reais do resto da
noite são confusas, mas eu me lembro do seguinte: quando estava bebendo, eu estava bem. Eu
entendi. Tudo fazia sentido. Eu poderia dançar, falar e desfrutar de estar na minha própria pele.
Era como se eu fosse um quebra-cabeça inacabado com uma peça faltante; assim que tomei um
gole, a última peça instantaneamente e sem esforço se encaixou no lugar… Lembro-me de ter
pensado, enquanto me ajoelhava para vomitar na cabine, que isso era fantástico. A vida era ótima;
eu havia finalmente encontrado a resposta: álcool! ( AA 320).
Tudo mudou com minha primeira dose, aos dezesseis anos. Todo o medo, timidez e doença
evaporaram com o primeiro gole ardente de uísque direto da garrafa durante uma invasão a um
armário de bebidas em uma festa do pijama. Fiquei bêbada, desmaiei, vomitei, tive náuseas e fiquei
extremamente doente no dia seguinte, e sabia que faria isso de novo. Pela primeira vez, me senti
parte de um grupo sem precisar ser perfeita para obter aprovação. ( AA 328).
Fiz uso das drogas desde o início, mas várias pessoas que mais tarde se tornaram adictas lhe
dirão que na primeira vez, na segunda, ou mesmo toda vez que ficaram chapadas, vomitaram. Você
pediria uma “entrada” novamente se tivesse vomitado na primeira vez que a comeu? Você iria para
ruas perigosas em noites frias para fazer compras? Correria o risco de ser preso por isso?42
37 K, George. Habits and virtues: a philosophical analysis (New York: Appleton-
Century-Cros, 1965), p. 95.
38 I, William. On desire: why we want what we want (Oxford: Oxford University Press,
2006), p. 95.
39 De acordo com Tomás de Aquino, “Se um homem conscientemente se abstivesse de vinho a
ponto de molestar gravemente a natureza, ele não estaria livre do pecado” (2-2.150.1). Stanley
Hauerwas mencionou-me o ditado semelhante dos rabinos: “Deus não considerará inocente aquele
que não desfrutou de todos os prazeres legítimos”.
40 W, Bruce. Wild hunger: the primal roots of modern addiction (Lanham: Rowman and
Littlefield. 1998), p. 145.
41 K, Caroline. Drinking: a love story (New York: Dial Press, 1996), p. 210.
42 M, Ann. How to stop time: heroin from A to Z (New York: Basic Books, 1999), p. 145.
43 M, William Cope; K, Katherine. Broken: my story of addiction and redemption
(New York: Viking, 2006), p. 147.
44 P, William. Survival of the coolest: an addiction memoir (Bath: Clear Press, 2003), p. 213.
5
ADICÇÃO E MODERNIDADE
O adicto como profeta involuntário
E . Ou, pelo menos, se eles existiam,
ninguém conseguiria saber. A noção de “adicto” e os conceitos correspondentes
de adicção e substâncias viciantes são próprios da era moderna. O primeiro uso
registrado de addict [adicto] como substantivo data de 1899.45 A noção
contemporânea de adicção é distintamente norte-americana em sua
ancestralidade e foi desenvolvida e refinada no contexto do movimento de
temperança do século 19.46 Em resposta ao crescente estigma social em torno da
embriaguez e à pressão social correspondente para se abster de álcool, vários
norte-americanos começaram a relatar que experimentaram um desejo
avassalador pelo álcool. O conceito moderno de adicção foi elaborado como uma
resposta tanto a esses testemunhos quanto às exigências do crescente movimento
de temperança. Em geral, foram os médicos que desenvolveram o conceito
moderno de adicção, e é num artigo do Dr. Benjamin Rush, publicado em 1805,
que encontramos a primeira descrição de “adicção” como perda de controle sobre
a decisão de beber.47
Mas, se antes não havia adictos, hoje é possível acreditar que não há
ninguém que não seja adicto. A formulação de Rush do conceito de adicção foi
lentamente assimilada pela consciência pública e, desde então, tem sido reforçada
e ampliada para cobrir um catálogo cada vez maior de adicções. Agora, todos nós
vivemos em uma “sociedade adicta”.48 “A adicção é o nosso modo de vida.”49 E “a
adicção profunda é a doença sagrada de nosso tempo”.50 Tal visão a respeito da
ubiquidade da adicção tornou-se quase de rigueur na vida contemporânea,
especialmente nos Estados Unidos.
Os números por si só são alarmantes. Apesar da avalanche de educação e
publicidade antitabaco, aproximadamente um em cada três norte-americanos é
adicto a nicotina de alguma forma. Todos os anos, quase 35 milhões de norte-
americanos tentam parar de fumar; menos de 15% conseguem.51 Um em cada
oito norte-americanos é diagnosticável com adicção a drogas ilícitas ou álcool.52
Paradoxalmente, apesar de uma diminuição no consumo total de álcool e
narcóticos, as estimativas do número de adictos em substâncias nos Estados
Unidos aumentaram constantemente nas últimas décadas. Um número cada vez
maior de norte-americanos está recebendo prescrição de tratamento para
adicções, ou eles próprios estão procurando tratamento. Além disso, os
estabelecimentos médicos estão expandindo o escopo da adicção em um ritmo
veloz, regularmente cunhando novas adicções e, assim, criando, aparentemente do
nada, vastas populações de novos adictos. Mesmo aqueles de nós que até agora
conseguiram evitar um diagnóstico definitivo, no entanto, tendem a ver nosso
próprio comportamento através das lentes do conceito de “ser viciado”. Assim,
tememos que possamos estar ficando adictos em várias coisas: o que antes era um
guloso agora é um viciado em chocolate; o que antes era um longo dia no
escritório agora é workaholism;53 o que antes era luxúria agora é vício em sexo.
Todos nós sabemos que os casos de adicção saíram do controle em nossos
dias. Mas por quê? O que exatamente há em nossa época ou cultura que parece
tornar a adicção em si uma opção tão atraente, e o conceito de adicção uma forma
natural de interpretar e descrever nossos comportamentos e experiências? O
restante deste capítulo buscará desvendar as raízes peculiarmente modernas da
adicção contemporânea, traçando a explosão moderna da experiência adicta e da
linguagem de adicção de volta às mudanças sísmicas nos arranjos sociais e na
cosmovisão que acompanharam o surgimento do modo de vida moderno.
Lembre-se de que o objetivo do capítulo anterior foi estabelecer uma tese
inicialmente contraintuitiva, a saber, que a adicção não pode ser analisada como
um exemplo extremo do hábito da intemperança. Enquanto pessoas
intemperantes são movidas pela busca de bens sensoriais, pessoas adictas são
movidas pela busca de bens morais e intelectuais. Com base nesse entendimento,
defendo neste capítulo que a adicção está completamente presente na vida
contemporânea tanto como um tipo de comportamento quanto como uma forma
de conceituar o comportamento, porque ela torna acessíveis certos tipos de bens
morais e intelectuais que os desenvolvimentos da modernidade tornaram difíceis
de alcançar de outra forma.
À primeira vista, tal afirmação parece implausível, porque sugere que a
adicção é uma atividade com fins construtivos. Mas é exatamente isso que
argumentarei. Para apresentar esse argumento, volto-me novamente ao
pensamento de Aristóteles, a fim de iluminar uma ruptura profunda entre as
maneiras pré-modernas e modernas de pensar sobre a vida moral. Enquanto o
pensamento moral pré-moderno se caracterizava por um apelo recorrente a uma
abordagem robusta e amplamente sustentada do florescimento humano, o
pensamento moral moderno é caracterizado pela falta de qualquer contexto
compartilhado análogo para conceber uma compreensão da boa vida para as
pessoas humanas. A adicção, afirmo, é o hábito definitivo de nosso tempo
exatamente porque oferece a resposta mais poderosa disponível a essa carência
peculiarmente moderna.
A
O maior e mais obscuro segredo da heroína é que ela não é tão maravilhosa: é uma substância que
alguns de nós concordamos em buscar como se fosse algo maravilhoso, porque é mais fácil fazer
isso do que descobrir o que vale a pena ser buscado. A heroína é um substituto, um tapa-buraco,
uma máscara para o que acreditamos estar faltando. Como os ‘objetos’ vistos pelo homem de
Platão em uma caverna, a droga é a sombra projetada por movimentos culturais que não podemos
ver diretamente.60
De repente, percebi que eu tinha duas doenças — a doença da adicção e a doença do excesso de
opções […] E se eu fizesse a escolha errada? […] Sempre tive medo de fazer a escolha errada. Eu
olhava para as duas bifurcações na estrada e ficava ali por muito tempo, temendo que uma ou
ambas me levassem para o caminho errado. O álcool e a cocaína ajudaram-me a superar a
ansiedade da indecisão e a coragem de seguir em frente, mesmo que isso significasse correr de
cabeça para baixo por um caminho tortuoso e direto para o precipício.61
O
O estado mental do alcoólatra doente está além de qualquer descrição. Eu não tinha
ressentimentos contra indivíduos — o mundo inteiro estava errado. Meus pensamentos giravam e
giravam com: “Afinal, para que tudo isso?”. As pessoas lutam e matam umas às outras; lutam e
cortam as gargantas umas das outras pelo sucesso, e o que alguém ganha com isso? Não tive eu
sucesso, não fiz coisas extraordinárias nos negócios? O que eu ganho com isso? Tudo está errado, e
que se dane. ( AA 225).
A
uase sem exceção, os alcoólatras são torturados pela solidão. Mesmo antes da prática de beber
piorar e as pessoas começarem a nos isolar, quase todos nós tínhamos a sensação de que não
pertencíamos a lugar nenhum. Ou éramos tímidos e não ousávamos aproximar-nos dos outros, ou
podíamos ser bons extrovertidos, ansiando por atenção e companheirismo, mas nunca
conseguindo isso — pelo menos em nossa maneira de pensar. Sempre houve aquela barreira
misteriosa que não podíamos superar nem entender. (DD 57)
Eu nunca havia estado dentro de um bar até que, uma noite, alguns colegas de classe me
convenceram a ir com eles a um salão de coquetéis local. Eu estava fascinado […] Era pura
sofisticação […] Mas, mais importante do que qualquer outra coisa naquela noite, eu senti que
fazia parte de um grupo. Eu estava em casa no universo; eu me sentia confortável com as pessoas
[…] Não apenas estava completamente à vontade, mas na verdade amava todos os estranhos ao
meu redor, e eles também me amavam, pensei, tudo por causa dessa poção mágica, o álcool. ue
descoberta! ue revelação! ( AA 447)
ualquer que fosse o problema, logo descobri o que parecia ser a solução para tudo […] Uma
parada em um bar local dava início à noite. Eu pedia uma cerveja à garçonete e, assim que tomava
meu primeiro gole, algo mudava imediatamente. Eu olhava ao meu redor, para as pessoas bebendo
e dançando, sorrindo e rindo, todas muito mais velhas do que eu. De repente, de alguma forma
senti que fazia parte. ( AA 282)
Embora não tivesse muito entusiasmo com o sabor, eu adorei os efeitos. O álcool me ajudou
a esconder meus medos; a capacidade de conversar foi um presente quase milagroso para um
indivíduo tímido e solitário. ( AA 359)
uando você está bebendo, o álcool ocupa o papel de amante ou companheiro constante. Ele fica
ali nas prateleiras da geladeira, ou no balcão, ou no armário como uma pessoa real, tão presente e
confiável quanto um melhor amigo.83
Eu nunca me sentia sozinha quando usava, mesmo quando estava separada das pessoas que
mais amava no mundo, porque meus melhores amigos estavam sempre comigo. A cocaína era
minha companheira de corrida, minha alma gêmea, minha amante fiel, minha colega de confiança,
minha companheira divertida de brincadeiras, que me acompanhava em todos os lugares a que eu
fosse. O álcool e a cocaína sempre estiveram lá para mim, eles nunca me decepcionaram.84
Ann Marlowe expressa brilhantemente esse aspecto da adicção em suas
memórias:
Como viajar para lugares distantes, a heroína servia como uma forma de tornar minha solidão
irrelevante. Fazer isso sozinha não acrescentava nenhum opróbrio; essa era a menor das minhas
preocupações. E fazia sentido; a droga era uma companheira […] Ficar chapada permitia que eu
curtisse ficar sozinha sem me sentir solitária […] uando parei de ficar chapada, o que mais me
incomodou foi minha recaída na solidão, ou na consciência dessa solidão […] A droga fazia com
que ficar em casa fosse mais fácil para mim; a droga era um lar, um espaço psíquico que preenchia
as funções essenciais do construto físico, proporcionando um conforto e uma segurança
previsíveis. A heroína se tornou o lugar onde, quando você aparecia, eles tinham de deixar você
entrar.85
Da vontade pervertida nasce a paixão; servindo à paixão, adquire-se o hábito, e, não resistindo ao
hábito, cria- se a necessidade. Com essa espécie de elos entrelaçados (por isso falei de cadeia),
mantinha-me ligado à dura escravidão. A nova vontade apenas despontava; a vontade de servir-te e
de gozar-te, ó meu Deus, única felicidade segura, ainda não era capaz de vencer a vontade anterior,
fortalecida pelo tempo. Desse modo, tinha duas vontades, uma antiga, outra nova; uma carnal,
outra espiritual, que se combatiam mutuamente; e essa rivalidade me dilacerava o espírito.92
Assim, no nível da pecaminosidade humana, a vontade é limitada por sua
obstinação mais antiga, uma obstinação que é produzida pela formação de hábitos
que orientam a pessoa em uma direção definida para longe de Deus. Longe de
oferecer uma explicação voluntarista da condição humana (como faz Pelágio), a
abordagem de Agostinho sobre o pecado complica nossas noções de
voluntariedade da mesma forma que a categoria de hábito de Tomás de Aquino o
fez. A exposição de Agostinho sobre a escravidão da vontade pelo hábito sugere
que esse paralelo entre pecado e hábito não é mera coincidência.
Mas o hábito não é o único constituinte da pecaminosidade humana, pois a
doutrina do pecado também sustenta que, no nível mais profundo e anterior a
qualquer ato de formação de hábito, todo ser humano já está afastado de Deus.
Isso é o que o evangelista João chama de “o pecado do mundo” ( João 1.29) e a que
o apóstolo Paulo se refere como o “ pecado que habita em mim” (Romanos 7.18).
O pecado designa um poder ou uma força que atinge cada pessoa humana, que é
um espaço para o exercício e a influência do mal cósmico. Assim, em cada pessoa
humana, a tendência para o mal precede o exercício da vontade.
A tradição cristã afirma que essa é uma verdade sobre a existência humana
que é conhecida pela fé. Não é o resultado de um argumento ou uma teoria em
particular, mas, antes, uma tentativa de dar sentido ao que as Escrituras dizem
sobre a orientação humana fundamental para longe de Deus. Essa afirmação
factual foi teoricamente explicada de várias maneiras. O apóstolo Paulo parece ter
concebido tal desorientação como resultado de forças cosmológicas que
competiam desde o início contra a fidelidade humana a Deus. A doutrina cristã
do diabo é, portanto, um correlato, em certo sentido, dessa convicção sobre uma
força do mal que precede a vontade humana. Além disso, Agostinho defendeu
uma doutrina do “ pecado original”, que ele afirmava ter sido transmitido
biologicamente de Adão a todos os outros seres humanos na forma de uma
natureza humana corrompida. No século 20, o movimento do evangelho social
rejeitou esse relato biológico do pecado original e optou por um relato da
transmissão social de estruturas e circunstâncias pecaminosas que aguardam cada
pessoa humana e a condicionam desde o início a se afastar de Deus. Seja qual for a
afirmação apresentada, a doutrina cristã do pecado inclui a enfática afirmação de
que, antes de qualquer ação pecaminosa e, portanto, mesmo antes da formação de
hábitos pecaminosos, os seres humanos já estão predispostos a rejeitar o chamado
para um relacionamento correto com seu Criador. A doutrina cristã ensina “que o
pecado (pelo menos desde a ueda) não é de forma alguma um simples fenômeno
da liberdade individual, mas sim uma realidade anterior à própria liberdade
individual. O pecado precondiciona a liberdade”.93
86 L, William. e freedom we crave: addiction — the human condition (Grand Rapids:
Eerdmans, 1985), p. 11.
87 M, Gerald. Addiction and grace (New York: HarperCollins, 1988), p. 4.
88 Ibid.
89 Frase encontrada em um livreto do AA, citado em M, Linda. Victims and sinners:
spiritual roots of addiction and recovery (Louisville: Westminster John Knox Press, 1996), p. 6.
90 Sobre a história do AA, ver K, Ernest. Not God: a history of Alcoholics Anonymous
(Center City: Hazelden Publishing, 1991).
91 Mercadante, Victims and sinners, p. 116.
92 A. Confessions, trad. Henry Chadwick (Oxford: Oxford University Press, 1991),
VIII.v (10). [Edição em português: Confissões (São Paulo: Paulus, 2016), p. 123.]
93 MF, Alasdair. Bound to sin: abuse, holocaust and the Christian doctrine of sin
(Cambridge: Cambridge University Press, 2000), p. 28.
94 De acordo com o maniqueísmo, a pessoa humana é pouco mais do que um campo de batalha no
qual as forças cósmicas independentes e opostas do Bem e do Mal travam guerra entre si.
95 Essa é a estratégia empregada por MC, Patrick, C.M. Sin as addiction (New York:
Paulist Press, 1989).
96 Ibid., p. 146.
97 Mercadante, Victims and sinners, p. 110.
98 Ver G, Christine. Victimization: examining Christian complicity (Philadelphia: Trinity
Press International, 1992).
99 P, Cornelius Jr. Not the way it’s supposed to be: a breviary of sin (Grand Rapids:
Eerdmans, 1995), p. 139.
100 Mercadante, Victims and sinners, p. 107.
101 McFadyen, Bound to sin, p. 201.
102 Ibid., p. 5.
7
ADICÇÃO E ADOR AÇÃO
Caritas e suas falsificações
I
A caridade, Tomás de Aquino nos diz, é a amizade entre os seres humanos e Deus.
É uma amizade baseada na comunicação de Deus de sua felicidade aos seres
humanos. Mais especificamente, a caridade é “o amor fundamentado nessa
comunhão” (2-2.23.1). Para Tomás de Aquino, ela está preeminentemente
fundamentada no movimento de Deus em direção às pessoas, e não no esforço das
pessoas por Deus. A caridade “não se fundamenta principalmente na virtude do
homem, mas na bondade de Deus”. É, portanto, uma “ virtude infundida”, para a
qual os seres humanos não têm uma capacidade “natural” (2-2.24.2). Falar de uma
virtude como “infundida” é apontar que sua realização depende da obra do
Espírito Santo; por um ato de graça sobrenatural, Deus preenche a alma sequiosa
com o amor que atrai a alma a ele.104 Assim, a caridade é uma “ virtude
sobrenatural” porque direciona as pessoas ao seu fim sobrenatural de comunhão
com Deus. É a mais forte e mais intensa de todas as virtudes, incluindo as outras
virtudes sobrenaturais da fé e da esperança: “nenhuma virtude tem tão grande
inclinação para o seu ato quanto a caridade, e não há nenhuma que opere de
modo tão deleitável” (2-2.23.2).
Como, para Tomás de Aquino, a virtude da caridade torna possível que
participemos de uma relação com Deus? Afinal, Deus é infinito e nós, finitos.
Não somos capazes de compreender ou entender Deus. Como, então, podemos
amá-lo? Além disso, como a caridade integra nossos esforços práticos nesse
relacionamento com Deus? Afinal, nossas buscas práticas e suas correspondentes
virtudes morais e intelectuais são direcionadas a bens finitos, enquanto nossa
busca por Deus é direcionada a um bem infinito.
Tomás de Aquino responde a essas perguntas propondo que a caridade não
está na faculdade intelectiva, mas sim na faculdade apetitiva, e esta difere, para
Tomás de Aquino, em um aspecto muito importante da faculdade intelectiva: a
faculdade apetitiva é infinita. Tomás de Aquino coloca isso sucintamente: “A
concupiscência racional [ desejo] é absolutamente infinita” (1-2.30.4). Cada um
de nós tem anseios que, segundo ele, não podem ser saciados por nada que seja
finito. Paul Wadell explica o significado da posição de Tomás de Aquino:
Se a graça parte do lado de Deus, o desejo parte do nosso. Tomás admite que, se fôssemos finitos
em todos os sentidos, Deus não poderia ser nossa alegria, pois não podemos “alcançar mais bens”
do que podemos suportar. Mas há, ele afirma, um modo em que não somos finitos: temos um
desejo ilimitado. Somos limitados em todos os sentidos, mas temos um desejo ilimitado, anseio
ilimitado. Nosso desejo é a única coisa sobre nós que não é restrita, e sabemos disso. Sentimos a
fome contínua por algo infinitamente bom, somos perseguidos pelo anseio por algo perfeitamente
bendito e precioso. Embora sejamos limitados, queremos um bem ilimitado; embora sejamos
restritos, queremos amar sem restrições. É por isso que Tomás diz que “podemos alcançar o
infinito” (1-2.2.8). Buscamos o infinito pela abertura do desejo, e somente algo indefectivelmente
bom satisfará esse desejo.105
A
Era assustador que a bebida estivesse substituindo mais e mais as coisas que eu realmente gostava
de fazer. Golfe, caça, pesca, agora, eram apenas desculpas para beber em excesso […] Nunca tendo
o suficiente, sempre desejando mais, a obsessão pelo álcool gradualmente começou a dominar
todas as minhas atividades, principalmente durante as viagens. O planejamento da bebida tornou-
se mais importante do que outros planos (AA 349).
Eu tinha entrado na vida de bebida. Beber fazia parte de ser homem. Beber era parte
integrante da sexualidade, facilitando a entrada em suas escuras e misteriosas câmaras de tesouro.
Beber era a liga sacramental de amizades. Beber era a recompensa pelo trabalho, combustível para
a celebração, o consolo para a morte ou para a derrota.109
Ainda hoje, lembro-me vividamente de como era organizar toda a minha vida em torno do
tabagismo. uando as coisas corriam bem, eu pegava um cigarro. uando as coisas iam mal, eu
fazia o mesmo. Eu fumava antes do café da manhã, depois da refeição, quando bebia, antes de fazer
algo difícil e depois de fazer algo difícil. Sempre tive uma desculpa para fumar. Fumar tornou-se
um ritual que serviu para destacar aspectos saudáveis da experiência e impor uma estrutura ao que,
de outra forma, teria sido um pântano confuso de eventos. Fumar forneceu vírgulas, pontos e
vírgulas, pontos de interrogação, pontos de exclamação e pontos finais da experiência. Isso me
ajudou a adquirir um sentimento de senhorio, um sentimento de que eu estava no comando dos
eventos em vez de me submeter a eles. Essa ânsia por cigarros equivalia a um desejo por ordem e
controle, não por nicotina.110
Eu tinha vivido minha vida inteira sob a influência de substâncias que alteram o humor e a
mente. Não que eu estivesse drogado a cada minuto do dia; às vezes ficava limpo por vários dias
seguidos —, mas minha obsessão com as drogas alterava minha perspectiva e meus sentimentos
sobre tudo, incluindo meu amor por Mary, meu relacionamento com meus pais e irmãos, meu
trabalho, minha alma, até mesmo meu Deus. Eu não havia virado um adicto — a adicção é que
virou o meu eu.114
[Desejos adictos] têm mais que ver com a alma do que com o cérebro. Eles iluminam o anseio
por totalidade, por perfeição, por fazer tudo parecer bem e certo novamente. Trata-se da mais
profunda fome e sede humana de experimentar o êxtase, a alegria, o céu.119
103 N, omas. “Aristotle on eudaimonia” em Essays on Aristotle’s ethics, ed. Amelic O. Rorty
(Berkeley: University of California Press, 1980), p. 11.
104 A linguagem de “ virtude infundida” não deve ser confundida com a linguagem da “justiça
infundida”. A última locução pertence à questão da justificação e destaca uma área de conflito entre a
teologia católica romana e a teologia protestante. Enquanto os protestantes historicamente afirmam
que os crentes são aceitos por Deus porque a justiça de Jesus é “imputada” a eles como se fosse deles,
os católicos sustentam que os crentes são aceitos por Deus porque a justiça é “infundida” neles como
um dom da fé. A linguagem da “ virtude infundida”, no entanto, aborda o tema da santificação cristã.
É uma tentativa de descrever como o processo de santificação envolve uma reforma genuína do crente,
embora permaneça em cada passo totalmente dependente do movimento preveniente de Deus em
direção aos seres humanos. Dizer que a mudança é “infundida” é insistir que é um dom do Espírito
Santo; dizer que o dom é uma “ virtude” é insistir que ele efetua uma transformação genuína no
caráter do crente.
105 W, Paul J., C.P. e primacy of love: an introduction to the ethics of omas (New York:
Paulist Press, 1992), p. 61.
106 Foi relatado a Bill Wilson que Jung havia dito a um de seus pacientes alcoólatras que não havia
para ele, como para outros alcoólatras crônicos, nenhuma esperança de recuperação, exceto a rara
possibilidade de que ele “se tornasse o sujeito de uma experiência espiritual ou religiosa: em suma,
uma conversão genuína”. Em uma carta a Jung, que pode ser encontrada junto com a resposta dele em
e language of the heart: Bill W.’s Grapevine writings (New York: e AA Grapevine, 1988), p. 276-
81, Bill Wilson afirma que foi a severidade desse conselho que o incitou à sua própria conversão e à
formulação final da primeira etapa do AA. Os dois “avôs” do AA são, portanto, Carl Jung e William
James, cujo e varieties of religious experience (New York: Mentor, 1958) foi a outra fonte do
princípio central do AA de que a recuperação do alcoolismo geralmente requer algum tipo de
“experiência de conversão”. Ver C, Susan. My name is Bill (Nova York: Simon & Schuster,
2004), para um relato dos papéis de Jung e James na criação do AA.
107 Citado em S, Francis. Addiction and responsibility: an inquiry into the addictive
mind (New York: Crossroad, 1993), p. 105.
108 Ibid.
109 H, Pete. A drinking life: a memoir (Boston: Little, Brown, 1994), p. 146-47.
110 E, Jon. Strong feelings: emotion, addiction, and human behavior (Cambridge: MIT
Press, 1999), p. 64.
111 B, William. Junky (New York: Penguin Books, 1977), p. xvi.
112 P, Stanton; B, Archie. Love and addiction (New York: Signet, 1975), p. 52.
113 K, Caroline. Drinking: a love story (New York: Dial Press, 1996), p. 141.
114 C, William; K, Katherine. Broken: my story of addiction and redemption (New
York: Viking, 2006), p. 140.
115 P, William. Survival of the coolest: an addiction memoir (Bath: Clear Press, 2003), p. 132.
116 Wadell, Primacy of love, p. 39.
117 Knapp, Drinking, p. 55.
118 Bill Wilson citado por N, James. irst: God and the alcoholic experience (Louisville:
Westminster John Knox Press, 2004), p. 27.
119 Moyers, Broken, p. 207.
120 Knapp, Drinking, p. 53.
121 Seeburger, Addiction and responsibility, p. 114.
122 Knapp, Drinking, p. 119.
123 W, Bruce. Wild hunger: the primal roots of modern addiction (Lanham: Rowman and
Littlefield, 1998), p. 14.
124 Agostinho, Confissões, I.i (1), v (5), grifo meu.
125 Seeburger, Addiction and responsibility, p. 108, 112.
126 F, James. A million little pieces (New York: Anchor, 2005).
127 Knapp, Drinking, p. 117.
128 Ibid., p. 59.
129 Ibid., p. 9.
130 Ibid., p. 61-70. Usei várias partes desse capítulo para construir uma versão concentrada do caso
que ela apresenta em prosa narrativa.
131 Ibid., p. 61-69.
132 Peele e Brodsky, Love and addiction, p. 58.
133 May, Addiction and grace, p. 84-85, destaque meu.
134 Entretanto, um argumento a favor da conexão entre fumar e o transcendente é feito em K,
Richard. Cigarettes are aublime. (Durham, N.C.: Duke University Press, 1993).
8
ADICÇÃO E IGRE JA
O evangelho e a esperança de recuperação
A
Dada a análise da adicção que tenho proposto, a questão mais fundamental que a
adicção levanta para a igreja é se a adoração é em si uma forma de adicção.
Adoração é culto, devoção e submissão total a Deus. A adoração correta se esforça
para relacionar todos os desejos e atividades humanas a Deus; é um exercício de
reorientação em direção a um fim totalmente suficiente. Todos os desejos e as
atividades humanas são postos em questão: como esse amor, esse compromisso,
essa atividade confessa ou rejeita, afirma ou nega meu relacionamento com Deus
como expressão fundamental de minha identidade e destino? A adoração é,
portanto, uma atividade totalizante; exige que tudo na vida de uma pessoa seja
colocado no banco dos réus diante de Deus, interrogado por um padrão e,
consequentemente, renunciado ou reordenado. É por isso que a forma da
adoração é a oração. Na confissão nos arrependemos daquilo em nós que não
conduz ao amor a Deus, e no louvor e na intercessão reordenamos nossa visão e
nossos desejos para o amor a Deus. O objetivo da adoração correta é que tudo seja
levado cativo a Cristo, que nossas vidas como cristãos sejam expressões de uma
oração incessante a Deus.
Como, então, a própria adoração não é simplesmente outro modo de
adicção? Afinal, argumentei que a adicção é caracterizada por uma obsessão
totalizante com o objeto da adicção, o qual, por meio da habituação da estimativa
cogitativa, permeia absolutamente todos os aspectos da vida de uma pessoa adicta.
Se tomarmos a obsessão como uma marca constitutiva da adicção, seremos
levados à conclusão de que uma vida sem adicções é uma vida livre de obsessão,
uma vida de neutralidade ou desapego. Essa é a conclusão que vem sendo
defendida em grande parte do movimento de recuperação. Francis Seeburger, por
exemplo, argumenta que “a mente não adicta é uma mente desapegada” e “a mente
não adicta é uma mente abandonada”.135 Budismo ou outras religiões orientais
são frequentemente louvados e recomendados a pessoas adictas como propícias a
uma vida de desapego.
Se aceitarmos a afirmação de que a mente não adicta é a mente desapegada,
e seu inverso, que a mente apegada, dependente ou obcecada é a mente adicta,
torna-se difícil imaginar como a adoração, definida como completo culto,
devoção e submissão a Deus, pode ser qualquer coisa a não ser outra forma de
adicção. Essa tem sido de fato uma crítica comum à religião, que surgiu da
tendência crescente de interpretar toda a experiência humana através das lentes do
paradigma da adicção. Essa crítica é a fonte do chavão ouvido recorrentemente
entre inúmeros adictos em recuperação: “Sou espiritual, não religioso”. E a crítica
levou os cristãos a dizerem coisas bizarras sobre a natureza de seu compromisso
religioso. Assim, por exemplo, William Lenters afirma: “Deus quer que sejamos
livres de um relacionamento de dependência com ele”.136
Essa é certamente uma afirmação inaceitável dentro da gramática cristã. Na
verdade, o discipulado cristão nada mais é do que um exercício constante de
aprender como reconhecer nossa total dependência de Deus, e o pecado nada
mais é do que a contínua ilusão de que podemos viver independentemente de
Deus. Lenters e outros foram enganados pela identificação da adicção com a
dependência, de tal forma que parece que a única maneira de salvar a fé cristã da
acusação de adicção é mostrar como, mesmo dentro da fé cristã, podemos manter
uma espécie de distanciamento e independência do objeto de nossa devoção. No
entanto, nossa total dependência de Deus e nossa obrigação de viver em
submissão a Deus são convicções cristãs centrais. Assim, na cosmovisão cristã, se a
adicção é confundida com dependência, não há como evitar a acusação de que a
devoção a Deus é uma adicção. Pois como pode a vida da caridade parecer outra
coisa senão outra forma de adicção, uma vez que ela promete não o desapego, mas,
antes, participação extasiante no fogo consumidor do amor divino? Se, como
afirma Paul Wadell, “amar a Deus em caridade significa que perdemos o controle
sobre nossa vida precisamente onde o risco é maior: perdemos o controle sobre
nós mesmos”,137 como o santo é realmente diferente do adicto que perde o
controle sobre sua vida submetendo-se ao objeto de sua adicção? Como a
adoração é realmente diferente da adicção?
O autoengano indica uma diferença crucial entre o adicto e o santo, e,
portanto, entre a adicção e a adoração. Exploramos a maioria das principais
“marcas” da adicção — tolerância, abstinência, anseio, perda de controle,
ambivalência, recaída, obsessão —, com uma exceção significativa. Falamos muito
pouco sobre a negação, aquela marca da adicção que às vezes é, como a obsessão,
considerada por si só uma condição suficiente para a adicção.138 Embora eu não
acredite que a obsessão ou a negação por si só sejam uma condição suficiente para a
adicção, em conjunto elas constituem a essência da adicção. Além disso, a
diferença entre a adicção e a adoração pode ser explicada em termos de negação.
A negação é uma forma, na verdade a forma predominante, do autoengano.
Como a incontinência, o autoengano apresenta um paradoxo para os filósofos que
pretendem representá-lo de uma forma não contraditória. Na verdade, os dois
paradoxos estão intimamente relacionados, embora o primeiro tenha recebido
maior atenção na literatura acadêmica. Herbert Fingarette escreveu uma das duas
únicas monografias contemporâneas sobre o assunto, e sua análise fornece um
ponto de partida útil para nossa própria investigação sobre a relação entre a
adicção e o autoengano que é a negação.139
Fingarette propõe que o autoengano deve ser entendido não como a
manutenção simultânea de duas crenças mutuamente incompatíveis — o que é de
fato paradoxal, se não totalmente contraditório —, mas sim como a evasiva
proposital de um agente de explicitar alguma característica de seu envolvimento
com o mundo quando o agente é prontamente capaz de explicitar essa
característica. Não há nada de particularmente paradoxal nisso, mas somos
levados à outra questão, que Fingarette pensa ter sido negligenciada por
abordagens convencionais do autoengano como manutenção simultânea de
crenças conflitantes: por que um agente intencional e persistentemente evitaria
explicitar algumas características de seu envolvimento com o mundo?
O autoengano, segundo Fingarette, é um exercício de formação de
identidade. É a resposta de um agente que está envolvido no mundo de alguma
forma que ele reconhece ser incompatível com a “pessoa” ou o “eu” que o agente
se considera: “O autoengano gira em torno não das crenças que se têm, mas sim
da identidade pessoal que é aceita […] Em geral, o autoenganador está envolvido
no mundo de alguma forma, e ainda assim se recusa a identificar-se como alguém
que está envolvido de tal maneira; ele se recusa a confessar o envolvimento como
seu”.140 A consciência — a prática de explicitar quem somos e o que estamos
fazendo — é, portanto, uma habilidade seletiva que é empregada no processo de
constituição de uma identidade. E o autoengano faz parte desse processo sempre
que a formação da identidade pessoal de alguém motiva a recusa de alguns de seus
compromissos no mundo.
Ao contrário de nossas queridas intuições, o autoengano, em vez de
sinalizar falta de caráter ou de integridade, é parasitário na busca pela integridade:
“uanto menos integridade, menos motivo há para o autoengano. uanto maior
a integridade da pessoa, e quanto mais poderosa a inclinação contrária, maior é a
tentação do autoengano”.141 O homem casado que por muito tempo buscou ser
um marido fiel tem motivos poderosos para enganar a si mesmo acerca do que ele
está fazendo quando assiste à pornografia. O homem casado que não dá a mínima
para sua integridade como marido não tem motivo para se enganar.
Geralmente, portanto, o problema do autoengano não é expressão de
frouxidão moral, mas, ao contrário, uma manifestação de seriedade moral. Uma
das conquistas positivas da propagação do conceito da adicção como doença foi
sua capacidade de questionar o estigma moral associado à adicção. Ao fazer isso, o
modelo de doença neutralizou de forma proveitosa a suposição predominante de
que a adicção é uma forma extrema de depravação moral. No entanto, se
tomarmos a adicção como um tipo de grupo de hábitos, e a habilidade ou hábito
de negação como um hábito constitutivo desse grupo, obteremos um resultado
semelhante: na medida em que as pessoas adictas encontram motivos para se
enganar sobre suas adicções, a adicção não pode ser caracterizada como
depravação moral. Pode representar um tipo de erro ou falha moral, mas não pode
ser compreendida como uma espécie de falência moral.
Essa percepção nos permite dar sentido a um fato incompreensível no
modelo da adicção como escolha, pois, se a adicção é meramente uma escolha
intencional e moralmente depravada, então seria surpreendente que tantas
pessoas adictas pudessem recuperar-se praticando os doze passos. Se a
característica definidora da pessoa adicta é a depravação moral, como poderiam as
pessoas com adicções apreciar, quanto mais praticar, as exigências de honestidade,
humildade e abnegação que são determinantes do programa de recuperação de
doze passos? Paradoxalmente, na medida em que as pessoas adictas são
autoenganadoras, elas evidenciam uma capacidade justamente para esse tipo de
esforço moral. O autoengano sinaliza a presença de um compromisso moral
genuíno.
No cerne da adicção está uma contradição fundamental, e é uma
contradição que, em última análise, é sua própria ruína, e o que mantém a
esperança de recuperação. A força escravizante da adicção, argumentei, reside em
sua promessa perversa de capacitar um agente moral a integrar e organizar sua
vida em torno de um fim arrebatador. Mas a promessa da adicção é desmascarada
como uma mentira à medida que o agente passa a reconhecer que sua adicção
exige que ele rejeite projetos e compromissos que sabe que devem ser inclusos em
uma vida que valha a pena, uma vida digna. A adicção ludibria o agente porque
fornece um simulacro de uma vida plena, ordenada e coerente. Mas o adicto deve
rejeitar seu comportamento adicto precisamente porque a adicção fornece
meramente um simulacro do que ele sabe ser seu verdadeiro fim. O autoengano é a
bandeira vermelha aqui, sinalizando uma discrepância entre o que a pessoa adicta
esperava que a adicção pudesse proporcionar e o que ela de fato proporciona. O
autoengano é a evidência de que a devoção totalizante da adicção é uma devoção
devastadoramente deficiente. Ela não pode cumprir sua promessa de incorporar
aqueles compromissos que o agente sabe que devem ser incorporados a qualquer
vida de genuíno florescimento. A adicção só alcança integridade e ordem interna
exigindo a rejeição de certos bens — vida familiar consistente, amizades
transparentes, trabalho produtivo — que a pessoa adicta, em última análise, não
está disposta a rejeitar. Por sua vez, a adicção, que por meio do poder de sua
mentira já se insinuou na estimativa cogitativa da pessoa adicta, deve ser rejeitada.
A negação, portanto, atesta simultaneamente o poder da promessa da adicção e o
reconhecimento de que a promessa é uma mentira. Esta é a sabedoria por trás do
adágio do AA: “ Você é tão doente quanto seus segredos”.142
Assim, a adicção não é meramente todo e qualquer propósito abrangente
dominante e consumidor. Antes, é todo e qualquer propósito dominante e
arrebatador cuja insuficiência para sustentar o eu em sua busca por uma vida que
valha a pena se manifesta na negação. É por isso que as pessoas adictas são
notoriamente pobres em meditação e porque o AA com tanta frequência
recomenda a meditação como fundamental para a vida de recuperação. A
meditação nos obriga a refletir sobre as histórias que contamos a nós mesmos
sobre nossas vidas e, portanto, representa uma ameaça muito real a qualquer
adicção, pois ameaça revelar as insuficiências dessas histórias. Na medida em que
os santos são exemplos na prática da meditação, temos motivos para duvidar de
que a adoração seja uma adicção.
O desafio teológico que a adicção coloca para a igreja é se esta seria capaz de
convidar as pessoas a uma vida de devoção e dependência que não seja
autoenganosa. A adicção nos ensina que a devoção a um fim consumidor e a
dependência de um bem primordial podem levar, e de fato geralmente levam, ao
autoengano, pois essa devoção e dependência são quase sempre uma tentativa de
conferir ordem e integridade às nossas vidas de tal forma que devemos ignorar ou
negar a desordem e desunião fundamentais do eu. A devoção adicta e a
dependência tornam-se então estratégias de controle, modos de formar um eu e
estruturar uma identidade que são fundamentalmente desonestos, uma vez que
não estamos no controle de nossa vida. A adicção é sedutora porque promete lidar
com a desordem e a desunião do eu sem exigir que renunciemos ao controle sobre
nossa própria vida. Nesse sentido, a adicção realiza a contradição que é o pecado.
Como nos esforçamos para viver independentemente de Deus, nossas vidas são
desordenadas e fragmentadas; tentamos resolver a desordem e a fragmentação
reafirmando nossa própria independência; assim, a ordem e a unidade que
alcançamos são sempre ilusórias e exigem que nos enganemos sobre quem somos.
A adoração correta, por outro lado, nos treina para ver que a desordem e a
desunião do eu são, em si mesmas, um sintoma de nossa insistência pecaminosa
em manter o controle sobre nossas próprias vidas. Tal desordem e desunião,
portanto, não podem ser corrigidas por nada que possamos fazer, mas apenas
renunciando a nossa reivindicação de sermos capazes de estabelecer uma
identidade impenetrável e unificada. A adoração nos treina para ver que o eu não
é algo que estabelecemos, mas sim algo que recebemos continuamente de Deus.
Como Stanley Hauerwas aponta: “Sempre houve algo certo sobre o
entendimento tradicional de que a unidade do eu e o conhecimento de Deus são
correlatos. Essa unidade não vem automaticamente. É uma conquista lenta à
medida que trabalhamos diariamente para nos localizarmos na história de Deus.
Resistimos inerentemente a tal localização porque passamos a amar nossa
pecaminosidade — e tememos perdê-la”.143
A diferença entre a dependência adicta e a dependência fiel a Deus é,
portanto, a diferença entre uma dependência que é fundamentalmente um
exercício de controle e uma dependência que é fundamentalmente um exercício
de renúncia e abandono. É a diferença entre a vida de pecado e a vida da graça. Na
linguagem do hábito, é a diferença entre virtude adquirida e virtude infundida.
Essa é a visão teológica que levou Agostinho a afirmar que as virtudes adquiridas
são sempre, na melhor das hipóteses, “vícios esplêndidos” (splendida peccata);
tendo em vista que são “alcançados” em vez de “recebidos”, eles servem para
subscrever a premissa pecaminosa de que podemos estabelecer um eu coerente à
parte da dependência de Deus. Enquanto as virtudes adquiridas são produzidas
por nossa própria atividade virtuosa, as virtudes infundidas são produzidas em
nós por Deus. Somos o “princípio ativo” da virtude adquirida; Deus é o
“princípio ativo” da virtude infusa (1-2.62.1). E é por isso que Tomás de Aquino
insiste que, na regeneração, o crente recebe não apenas as virtudes sobrenaturais
infundidas da fé, esperança e amor, mas também as virtudes morais infundidas,
que são distintas das virtudes morais adquiridas (1-2.63.3). As virtudes morais
adquiridas são desenvolvidas por meio do esforço moral e são direcionadas para o
fim de consolidar um eu que pode resistir às tempestades do tempo e da fortuna.
Em contrapartida, as virtudes morais infundidas são recebidas pela graça e são
direcionadas para o fim da amizade com Deus.144
Além disso, a virtude infundida não é um dom único, assim como a virtude
adquirida não é uma conquista única. Podemos crescer nas virtudes sobrenaturais
da fé, esperança e amor por causa da obra contínua do Espírito que habita em nós.
Para Tomás de Aquino, a graciosa concessão divina da fé, esperança e amor torna
possível “certa participação da divindade, segundo se diz na Carta de Pedro, que
por Cristo nos tornamos ‘partícipes da natureza divina’” (1-2.62.1, grifo no
original). Assim, a adoração cristã graciosamente tira o fardo de sermos o centro
de nossa história e, em vez disso, nos incorpora à história de Deus. A adoração ao
Deus trino nos liberta da necessidade de nos justificarmos por meio de estratégias
de autoengano ao revelar continuamente que somos justificados somente por
Cristo. E a adoração ao Deus trino nos livra do fardo de alcançar nossa própria
identidade e sustentar nossa própria história ao atrair-nos, por meio da obra do
Espírito, para a vida de Deus.
Se a igreja possui recursos para oferecer uma esperança ainda mais profunda às
pessoas em recuperação do que aquela oferecida pelo movimento dos doze passos,
por que esse movimento essencialmente substituiu a igreja como o lugar para
onde pessoas adictas vão para se recuperar? Essa é uma pergunta difícil, pois a
esperança que é sustentada pela igreja é realmente uma boa nova, mas reconhecê-
la como tal já é ser convertido. O pecador dentro de cada um de nós é repelido
pelo convite de renunciar a todo e qualquer direito sobre nossas vidas; portanto,
estamos inclinados a buscar métodos de melhoria que não exijam tal renúncia. No
entanto, muitas pessoas adictas que são cristãs afirmam que encontram no
acolhimento do movimento de recuperação de doze passos o que não podem
encontrar em suas próprias igrejas. Essa é uma séria acusação contra a igreja, e
devemos perguntar onde a igreja falhou em comparação com o movimento dos
doze passos.
Estou convencido de que o movimento dos doze passos teve sucesso em
grande parte por causa da maneira como seu formato e seu método convidam a
amizades transformadoras e as exigem. É amplamente reconhecido que amizades
profundas são de fato necessárias para a vida de recuperação. A esmagadora
maioria dos adictos atesta o poder da amizade como o fator mais importante em
sua recuperação da adicção.
Mas a parte mais convincente do AA, a parte que me fez querer experimentar esse negócio de
sobriedade, foi o riso, a pura alegria do riso que ouvi apenas de alcoólatras sóbrios. (AA 333)
Encontrei minha tribo, a arquitetura social que atende a todas as minhas necessidades de
camaradagem e convivência. (AA 336)
O que me manteve sóbrio até eu começar a tratar meu alcoolismo com honestidade foi o amor na
sala do Alcoólicos Anônimos. Fiz alguns amigos pela primeira vez na vida. Amigos de verdade que
se importavam, mesmo quando eu estava sem dinheiro e sentindo-me desesperado. (AA 468)
Os grupos de recuperação de doze passos tornaram-se lugares onde os
adictos têm a certeza de que encontrarão comunhão genuína. Por que os grupos
de doze passos têm tanto sucesso em fornecer espaço para amizades
transformadoras? Eu gostaria de sugerir três maneiras pelas quais eles se tornaram
especialmente adeptos da prática da amizade. Em cada uma dessas maneiras, o
movimento dos doze passos serve para chamar a igreja de volta ao entendimento
bíblico de amizade e comunhão.
Primeiro, enquanto o movimento dos doze passos insiste em tratar seus
membros como adictos em recuperação, a igreja nem sempre insiste em tratar seus
membros como pecadores arrependidos. Argumentei que “pecador” é uma
atribuição muito mais radical do que “adicto”, porque desafia as tentativas da
pessoa adicta de reivindicar uma identidade que seja independente de Deus. Dessa
forma, acredito que o rótulo de “adicto” é, em última análise, insuficiente para
nomear a profundidade do transtorno que é a adicção. Isso será irrelevante,
entretanto, caso as pessoas dentro da igreja não vivam como pecadores
arrependidos.
A sabedoria do AA está contida na celebração da aceitação de um adicto e
do reconhecimento público de que ele é um adicto. Tal aceitação e
reconhecimento são considerados uma conquista e são celebrados de forma
ritualizada e reiterada. De fato, dentro do movimento dos doze passos, até mesmo
a recaída de um dos membros é recebida, ensaiada e discutida pelo grupo maior
como um presente, pois serve como um lembrete concreto de que cada membro
do grupo é suscetível ao mesmo destino. Além disso, a atividade central das
reuniões da irmandade de doze passos é a prática de compartilhar a vida dos
membros a partir do paradigma do adicto em recuperação. Lidar com essa
condição não é, de forma nenhuma, periférico ao que o grupo faz, mas sim central
a toda a atividade. Assim, quando um membro fala de desejo, abstinência,
depressão, solidão ou mesmo recaída, ele não está levantando uma questão que
deve ser tratada antes que o grupo possa prosseguir com seus assuntos; ele está
lidando com o assunto central do grupo. Esses testemunhos são a liturgia do
movimento dos doze passos, e o grupo foi formado exatamente para ouvir e
responder a tais testemunhos.
Em comparação, a igreja tem frequentemente sido menos comprometida
em promover uma atmosfera na qual seus membros se sintam não apenas livres,
mas também à vontade para reconhecer publicamente sua condição como
pecadores e compartilhar suas vidas com outros a partir desse paradigma.
Teologicamente, a aceitação da condição de pecador também é uma conquista,
embora muitas vezes não a tratemos como tal. Desafios logísticos óbvios surgem
aqui, mas acho que esses desafios podem ser exagerados. Muito mais central para o
fracasso da igreja em promover comunhão às pessoas adictas em seu meio é o seu
fracasso em viver seu chamado bíblico de treinar discípulos para compartilharem
suas vidas como pecadores arrependidos: “Se dissermos que não temos pecado
algum, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1João 1.8).
Biblicamente, o mandato para declarar verdadeira e publicamente nossa
pecaminosidade é crucial para nosso crescimento em santidade: “Se confessarmos
os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificará de
toda injustiça” (1João 1.9, grifo meu).
É claro que muitos de nós não temos certeza se queremos estar em uma
igreja que nos treine dessa maneira, pois isso implicaria não apenas nossa
humilhação, mas também uma vulnerabilidade em relação aos outros na qual
muitos de nós não temos interesse. Temos medo de que, se confessarmos nossos
pecados, outras pessoas possam fazer reivindicações sobre nossas vidas, insistindo
em orar por nós e perguntando-nos como estamos indo. A maioria de nós não
tem certeza se deseja que a igreja esteja tão envolvida.
Não quero parecer cínico. É claro que a igreja está cheia de pessoas que
desejam relacionamentos honestos e vulneráveis, e que buscam genuinamente ser
treinadas para compartilhar fielmente suas vidas como pecadoras. No entanto, a
igreja parece ser um lugar onde esse tipo de investimento é opcional e, nesse
aspecto, difere profundamente do AA e de outros movimentos de doze passos.
Pois, caso alguém não deseje tal vulnerabilidade, prestação de contas e
interdependência, qual seria o sentido de participar de um encontro do AA?
Ainda assim, muitos de nós pensamos que algo pode ser ganho com a igreja além
de aprendermos a reconhecer nossa pecaminosidade e nossa total dependência de
Deus. Na medida em que a igreja legitima esse erro — oferecendo, no lugar disso,
capital social, creches, entretenimento, tempo para a família, e assim por diante
—, a igreja é responsável por sua falha em fornecer hospitalidade, sustento e
redenção às pessoas adictas em seu meio.
Em segundo lugar, o movimento dos doze passos é capaz de promover a
amizade porque exige que seus membros iniciem certos tipos de relacionamento
que são estruturados em vista de um fim específico. A esse respeito, o movimento
dos doze passos vive o entendimento aristotélico de que um dos principais
objetivos da amizade é o “treinamento na virtude”. Aristóteles diz que “certo
treinamento na virtude surge também da companhia dos bons” (1170a11-13).
Não estamos acostumados a pensar que o treinamento faz parte da amizade; isso é
algo que fazemos “no trabalho”, e a amizade é nossa fuga do tédio e do
paternalismo implícitos em “treinamento”. Aristóteles, no entanto, pensa que
certos tipos de amizade são caracterizados pelo treinamento.
Não deveríamos nos surpreender, pois o treinamento é uma linguagem de
habilidade, linguagem de hábito, e, de fato, Aristóteles pensa que certas amizades
serão caracterizadas por uma espécie de relação mestre/aprendiz. Essa percepção,
embora um tanto estranha às concepções populares de amizade, é familiar para
aqueles que estão recuperando-se na tradição dos doze passos. Um dos conselhos
mais importantes oferecidos aos recém-chegados — Os doze passos e as doze
tradições os chamam instrutivamente de “novatos” (DD 60) — é que eles
encontrem um “padrinho”, geralmente alguém que “trabalhou os passos” por
alguns anos e desenvolveu hábitos de caráter que os noavtos podem imitar e a
partir dos quais o padrinho pode aconselhar e encorajar os novatos. A suposição
filosófica por trás do apadrinhamento é antiga e profundamente aristotélica, mas
um tanto estranha em nosso contexto, em que a vida moral está mais
imediatamente associada ao aprendizado de certas regras ou princípios abstratos
que podemos aplicar a “dilemas”. O pressuposto filosófico básico incorporado ao
relacionamento padrinho/novato é que “é mais fácil agir de acordo com uma nova
maneira de pensar do que pensar de acordo com uma nova maneira de agir” (AA
366). É por isso que raramente é suficiente simplesmente receber os conselhos e as
instruções oferecidas nas reuniões do AA e ler o Grande Livro. O “aprendiz” em
recuperação precisa de um “mestre” ou de vários: “Aprendi a ser um bom membro
do AA observando os bons membros do AA, e fazendo o que eles fazem” (AA
521).
A igreja falha em promover relacionamentos sustentáveis e transformadores
para as pessoas adictas em seu meio sempre que adere à suposição moderna de que
o crescimento na virtude é um produto do aprendizado de princípios abstratos,
enquanto a amizade é um esforço privado baseado em “interesses semelhantes”.
Tal suposição está em oposição direta ao entendimento bíblico de amizade.
Embora o afeto caracterize muitas das amizades retratadas na Bíblia, é periférico
ao centro animador da amizade, que não é nada menos do que a disposição de dar
a vida pelo amigo ( João 15.13). Essas amizades não são opcionais para os cristãos;
Jesus ordena a seus discípulos que desenvolvam amizade uns com os outros dessa
maneira distinta. Além disso, Paulo recomenda que os novos convertidos e
aqueles que são jovens na fé devem “dedicar-se ao serviço dos santos” (1Coríntios
16.15) e colocar-se sob “a autoridade dos presbíteros” (1Pedro 5.5). Para Paulo,
amizades de responsabilidade e treinamento são fundamentais para o crescimento
em santidade.
A igreja deve ser ousada para implementar estruturas relacionais que sejam
explicitamente projetadas para o treinamento na virtude. Assim, os programas de
mentoria na igreja não devem ser algo que os membros precisam buscar, mas sim
algo tão prevalente e predominante que os membros teriam de evitá-los
intencionalmente. A compreensão do movimento dos doze passos de que a
recuperação é principalmente um exercício de amizade e apenas secundariamente
uma consequência de ouvir e ler o Grande Livro se aplica também à igreja. Na
ausência de relações específicas e concretas de responsabilidade, imitação e oração
mútua, a prática da literatura tem valor limitado. É verdade que a liturgia da igreja
é o trabalho de pessoas reunidas, mas é uma obra que só faz sentido no contexto
de relações que encarnam, experimentam e buscam a verdade que a liturgia faz
conhecida.
Por fim, e intimamente relacionado a essa segunda característica da
amizade, o movimento dos doze passos reconhece corretamente que a amizade
transformadora requer proximidade física e o compartilhamento de uma
quantidade considerável de tempo juntos. Aqui também o movimento incorpora
um antigo entendimento aristotélico sobre a natureza das amizades que
conduzem à virtude. Aristóteles diz: “Não há nada tão característico da amizade
quanto o viver juntos” (1157b19-20). Isso também parece um pouco exagerado,
dado nosso estilo de vida contemporâneo. O fato de nossas carreiras nos
separarem fisicamente de nossos amigos é considerado simplesmente um fato e
um retrocesso relativamente pequeno para a amizade, que pode ser mitigado pelos
rápidos avanços na tecnologia da comunicação.
Será que Aristóteles teria dado tanta ênfase ao compartilhamento de espaço
e tempo com amigos se ele pudesse estar “on-line”? Suspeito que sim, pois ele
acreditava que a proximidade física, na verdade o compartilhamento do espaço-
tempo com nossos amigos, é essencial para a amizade não apenas porque nos
deliciamos na companhia de nossos amigos (que, afinal, ainda pode ser desfrutada
“a distância”), mas também porque a prática da virtude o exige. Aristóteles
acreditava que amizades por virtude requerem compartilhar a vida juntos porque
as pessoas que se esforçam para viver bem precisam ser afirmadas e validadas em
sua convicção de que as atividades nas quais estão envolvendo-se são dignas de seu
tempo e de sua energia. Paul Wadell explica da seguinte maneira: “Não podemos
nos dar ao luxo de nos cansarmos da virtude, porque se afastar de suas atividades é
dar início a uma deterioração do eu que ninguém pode suportar por muito
tempo. A amizade é especialmente crucial porque, sem o apoio e o suporte de
outros que estão envolvidos conosco na vida virtuosa, invariavelmente ficamos
desencantados com as próprias atividades das quais não podemos duvidar”.150
O fato de os membros do AA se reunirem em salas, sentarem-se ao redor de
mesas e tomarem café todas as noites ou quase todas as noites da semana não é
meramente acidental para a recuperação deles. A importância do lugar e da
“cotidianidade” para o sucesso do AA é essencial. Muitos não adictos ficam
surpresos ao saber de adictos em recuperação que estão sóbrios há anos e ainda
frequentam as reuniões do AA quatro ou cinco noites por semana. Mas isso é
essencial, não apenas para sua sobriedade, mas particularmente para os esforços
dos recém-chegados, os “novos”. uando um membro do AA com seu crachá de
dez anos calça os sapatos, entra em seu carro, dirige até o quarto alugado ou o
porão da igreja, prepara o café, participa silenciosamente da reunião, permanece
depois para conversar com velhos amigos e recém-chegados céticos, fecha o local
do encontro, entra no carro e vai para casa, nenhuma das intenções que
acompanham cada uma dessas ações se perde. Cada ato básico testifica e santifica
o valor do esforço compartilhado.
Se a igreja deve ser um lugar onde pessoas adictas podem encontrar
comunhão redentora, ela terá de se tornar um núcleo social primário e deve
facilitar e esperar de seus membros amizades que estão enraizadas no
compartilhamento das atividades do dia a dia. Temos a tendência de pensar em
nossas “amizades de trabalho” dessa maneira simplesmente porque vemos as
pessoas com quem trabalhamos diariamente. Mas, se a igreja deve fornecer uma
alternativa genuína para pessoas adictas que buscam recuperação, precisa oferecer
oportunidades diárias, em vez de semanais, de adoração comunitária, testemunho
e oração, e deve desafiar seus membros a tratarem a igreja como sua comunidade
social primária. Aqui, também, o movimento dos doze passos pode chamar a
igreja de volta às suas raízes bíblicas, pois uma das marcas distintivas da vibrante
comunidade cristã primitiva era sua devoção em compartilhar espaço e tempo uns
com os outros nas atividades da vida diária: “E perseverando de comum acordo
todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam com alegria e
simplicidade de coração, louvando a Deus e contando com o favor de todo o
povo” (Atos 2.46-47, grifo meu).
A
Todo pecado é idolatria; portanto, todos os bens que são buscados como se
fossem deuses são buscados pecaminosamente. Mas, na maior parte do tempo,
nossa pecaminosidade é facilmente desmascarada, porque os bens que elevamos a
uma condição desordenada ficam claramente aquém de nossas exaltadas
expectativas. Eles falham em fornecer o tipo de controle, integridade e êxtase que
ansiamos alcançar. É improvável que tais bens sejam realmente confundidos com
bens plenamente suficientes. São, antes, distrações e diversões, maneiras de
ignorar ou reprimir nossa profunda inquietação.
A adicção — como todo pecado — é uma forma de idolatria, porque eleva
algum bem penúltimo à condição de bem último, condição que pertence somente
a Deus. Mas a adicção é excepcionalmente sedutora, excepcionalmente cativante e
excepcionalmente poderosa, porque seu objeto chega muito perto de cumprir sua
falsa promessa de ser Deus. Todo pecado é uma tentativa de ampliar nossos
poderes e estabelecer por nós mesmos uma plenitude e uma realização que só
podem ser encontradas no relacionamento correto com Deus. Nesse sentido, todo
pecado é rebelião contra Deus. Mas a adicção é poderosa, cativante e sedutora
porque é uma rebelião que chega muito perto do sucesso. A adicção profunda não
é necessariamente a forma mais tentadora de idolatria; é muito extrema,
totalizante e exigente para tentar muitos de nós. Mas, exatamente por ser tão
extrema, totalizante e exigente, essa é a forma mais potente de idolatria
disponível.
Como a adicção é a forma mais potente de idolatria disponível para as
pessoas modernas, ela apresenta um desafio particular para a igreja. Em aspectos
importantes, a adicção é diferente da resposta à ansiedade e à inquietação, que
assume as formas mais “respeitáveis” de diversão e distração, como compras,
entretenimento ou passatempos. Ao contrário desses últimos tipos de resposta, a
adicção, à sua própria maneira perversa, capacita um agente a conferir forma e
significado à sua existência, uma vez que traz consigo seu próprio ímpeto, seu fim
ordenador, sua energia integrativa e seu mundo de significados. Por causa disso, a
vida de distração e diversão constituiria, em um sentido muito real, uma perda de
significado para a pessoa adicta e, portanto, seria improvável que tal vida pudesse
fornecer uma base racional tão contundente quanto a base racional da adicção.
É por isso, eu suspeito, que muitos de nós na igreja nos sentimos tão
impotentes diante da adicção. Sentimos o poder dela em nossa própria vida e
duvidamos de que o evangelho seja forte o suficiente para vencê-la. Claro, não
dizemos esse tipo de coisa. Estamos até mesmo comprometidos com nossas
crenças em negá-lo. Mas, quando um alcoólatra entra na igreja, quando ficamos
sabendo que nosso pastor tem estado viciado em pornografia nos últimos dez
anos, quando dirigimos pelos guetos e favelas locais dizimados pela adicção, a
resposta imediata para muitos de nós que nos autodenominamos cristãos é o
desespero. O evangelho é realmente poderoso o suficiente para tudo isso?
Suspeito que muitos de nós pensamos assim porque duvidamos do poder
do evangelho em nossa própria vida. Nós nos perguntamos se escapamos das
garras da adicção não por causa do poder do evangelho, mas por causa das
circunstâncias, do temperamento, do medo da rejeição ou da covardia. Talvez, ao
contrário do adicto, não tenhamos adotado um propósito totalmente abrangente,
uma vida coerente e integrada e uma participação extática em algum bem todo-
suficiente e transcendente. Por muito tempo dissemos a nós mesmos que, nas
palavras dos Rolling Stones, “você nem sempre consegue o que quer”, e usamos
essa justificativa para entorpecer e suprimir nossos mais profundos anseios por
descanso, paz e alegria. Em vez disso, optamos por uma vida respeitável e
respondemos a nosso tédio, nossa solidão e nossa desordem interna com distração
e diversão. Para muitos de nós, a igreja representa essa vida de respeitabilidade da
qual devemos ocasionalmente escapar tirando umas “férias morais”. Para outros, a
igreja é em si uma distração e uma diversão, um lugar aonde vamos para
desempenhar um papel, acariciar o ego, divertir-nos, socializar ou obter um pouco
de “canja de galinha para a alma”. Assim, quando somos confrontados pela pessoa
adicta, duvidamos de que o evangelho tenha o poder necessário para resgatá-la,
pois sabemos que, em um sentido muito real, o adicto tem uma necessidade feroz
e desesperada que nos é estranha e para a qual não temos uma resposta.
Como os antigos profetas, os adictos de hoje podem lembrar-nos de que
nosso desejo por Deus é trivial e fraco, e nossos horizontes de esperança e
expectativa são limitados e mundanos. Recuamos diante da presença do adicto,
pois tememos que sua vida seja uma denúncia da insuficiência de nossas próprias
vidas. O adicto rejeitou a vida de contentamento respeitável e moderado, e exigiu,
em vez disso, uma vida de propósito e êxtase completos. Reconhecemos que
nossas próprias vidas não são interessantes e belas o suficiente para oferecer uma
alternativa genuína ao adicto, e tememos que um evangelho poderoso o suficiente
para redimir o adicto também ameaçaria nossas próprias vidas de mediocridade
decente e decorosa. Não temos certeza se queremos que a igreja seja um lugar
onde as pessoas com adicções sejam libertadas, pois isso significaria que a igreja
não é mais compatível com nossas próprias vidas. Sendo assim, caracterizamos a
adicção como determinismo físico ou fraqueza moral, o que nos permite ignorar
as maneiras pelas quais ela coloca nossas próprias vidas em questão.
A questão que a adicção coloca para a igreja é se ela pode ou não oferecer
uma alternativa convincente para a vida do adicto, e o desafio que a adicção
apresenta para a igreja é se ela pode ou não incorporar o amor intencional,
extasiante e consumidor de Deus em um caminho que é mais atraente do que a
vida de adicção. A boa notícia do evangelho é que Jesus não veio para os saudáveis,
mas para os enfermos. Ele veio trazer visão aos cegos, proclamar libertação aos
cativos, pôr em liberdade os oprimidos… e dar nova vida aos adictos. A adicção,
por ser tão ubíqua e, portanto, inevitável, deve-nos forçar a perguntar se estamos
ou não dispostos e prontos para ser uma igreja que encarna a missão de Jesus.
Para a igreja que está aberta ao poder do Espírito Santo, a adicção não é uma
ameaça a ser temida, mas uma oportunidade a ser recebida. Pois a boa nova é que
o evangelho é poderoso para redimir e transformar, para quebrar as algemas de
todo pecado e para nos libertar para uma vida de abundante alegria e paz. Por ser
tão poderosamente destrutiva e mortal, a adicção oferece à igreja seu mais
profundo convite para testemunhar o evangelho que proclama, para manifestar
em sua própria vida a ressurreição, que é sua origem e fim. Portanto, não há
idolatria tão potente, nenhum pecado tão arraigado, nenhum desespero tão
profundo, nenhuma adicção tão forte que esteja além do alcance do Amor que de
uma vez por todas e para sempre triunfou sobre o pecado e a morte: “Mas em
todas essas coisas somos mais que vencedores, por meio daquele nos amou. Pois
tenho certeza de que nem morte, nem vida, nem anjos, nem autoridades celestiais,
nem coisas do presente nem do futuro, nem poderes, nem altura, nem
profundidade, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 8.37-39).
135 S, Francis. Addiction and responsibility: an inquiry into the addictive mind (New
York: Crossroad, 1993), p. 173.
136 L, William. e freedom we crave: addiction — the human condition (Grand Rapids:
Eerdmans, 1985), p. 82.
137 W, Paul J., C.P. e primacy of love: an introduction to the ethics of omas Aquinas
(New York: Paulist Press, 1992), p. 91.
138 “Você escuta frequentemente em reuniões do AA que a negação é a doença do alcoolismo, não
apenas seu sintoma primário” ( K, Caroline. A love story (New York: Dial Press, 1996), p. 136).
139 F, Herbert. Self-deception (London: Routledge, 1969). A outra monografia sobre o
assunto é a de M, Alfred. Self-deception unmasked (Princeton: Princeton University Press, 2001).
140 Fingarette, Self-deception, p. 67.
141 Ibid., p. 140.
142 Moyers, Broken, p. 225.
143 H, Stanley. e peaceable kingdom: a primer in Christian ethics (Notre Dame: Notre
Dame University Press, 1983), p. 47.
144 Para uma discussão útil da teoria de Tomás de Aquino das virtudes morais infundidas que
considera essas virtudes particularmente em relação ao hábito adquirido do alcoolismo, ver S,
Michael S., O.P. “Infused virtue and the effects of acquired vice: a test case for the thomistic theory of
infused cardinal virtues”, e omist 73 (2009): 29-52.
145 Para uma tentativa de avaliar os méritos de várias filosofias de recuperação diferentes, ver
S, Lonnie. Hooked: five addicts challenge our misguided drug rehab system (New York:
New Press, 2001).
146 Um exemplo de adaptação do programa de doze passos que demonstra consciência de muitas
das questões teológicas em jogo é o programa “Celebrate Recovery” [Celebrando a Recuperação],
lançado em 1995 pela Igreja Saddleback, em Lake Forest, Califórnia. Ver
http://celebraterecovery.com.au/index.php.
147 Citado por M, Linda. Victims and sinners: spiritual roots of addiction and
recovery (Louisville: Westminster John Knox Press, 1996), p. 157.
148 B, Karl. Church dogmatics 1/2, ed. G. W. Bromiley e T. F. Torrance (London: T & T
Clark, 1963), p. 302-3.
149 , Victims and sinners, p. 118.
150 W, Paul J., C.P. Friendship and the moral life (Notre Dame: University of Notre Dame
Press, 1989), p. 59-60.
K D (PhD em filosofia, Texas A&M) é professor de
filosofia na Universidade Biola e ensina disciplinas sobre teologia ética,
lógica e filosofia da adicção. É autor também de Humility, pride, and
Christian virtue theory.