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Tomando como ponto de partida a virada afetiva ocorrida nos anos 2000/2010,
que criou novos eixos a partir do qual vêm se estruturando novas formas de literatura, e
novas formas de recepção, tradução e adaptação de obras literárias, os artigos aqui
reunidos propõem uma perspectiva que já não diferencia nem hierarquiza a relação do
livro com outras mídias e formas em que a literatura se manifesta. Assim, cinema, artes,
performance, mesmo que não sejam derivados de obras literárias, podem estar em
processo dialógico com as mesmas questões que a literatura vem levantando e vice-
versa. Sobretudo quando se trata de afetos, acreditamos que é preciso abrir -
arqueologicamente - o leque de relações, de transformações, de transfusões, de pontos
de contato.
Os afetos aparecem, aqui, como o que marca um “entre" artes e mídias, não mais
pensadas em seu desenvolvimento histórico próprio e suas regras e especificações, mas
no contexto mais amplo das relações. O paradigma atual de uma cultura da mídia e de
práticas artísticas cada vez mais interdisciplinares demanda um olhar atento aos
aspectos afetivos e processuais que emergem no espaço intersticial entre as artes. Tais
aspectos desestabilizam a aparente coerência e pureza das formas e a presunção de
modos específicos de recepção.
Nessa perspectiva, buscamos entender o que Sylvano Santini poeticamente chama
de “o mistério do movimento substancial”, mistério que é percebido e experienciado
entre as mídias e não dentro de cada meio isolado. Como pensarmos as relações entre
formas artísticas diversas se tais relações parecem ser instáveis e seus resultados
imprevisíveis? Como pensar a criação de significado nessas passagens entre as artes?
Ou, de forma mais radical, ainda é apropriado pensarmos em termos de “significados”
(basta pensarmos, como Gilles Deleuze, em termos do que a arte “faz" e não do que ela
“significa”)? Pensar os afetos passa a ser então tarefa da crítica, e consequentemente da
literatura comparada, e da teoria estética em geral, na medida em que os afetos são
formas constitutivas da experiência estética; mais do que isso, são formas construtivas
da própria existência. É a partir daí que se pode pensar numa teoria dos afetos enredada
numa política dos afetos, na qual se “suspendem” as tradicionais dicotomias, para se
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CERNICCHIARO, Ana Carolina; SANTOS, Antonio Carlos; GIORGI, Artur de Vargas. Apresentação. Crítica
Cultural – Critic, Palhoça, SC, v. 10, n. 2, p. 177-180, jul./dez. 2015.
A mirada aqui proposta foi desenvolvida a partir de Seminário Temático
coordenado pelo organizadores desse dossiê durante o XIV Congresso Internacional da
Associação Brasileira de Literatura Comparada, realizado em Belém, PA, em meados de
2015. Temos nesse dossiê versões ampliadas de textos que foram apresentados durante
o congresso e contribuições que responderam à chamada aberta. Inicia este número o
artigo "Cómo vivir junto. Artes del espacio y afectividad en El otro día (2012) de
Ignacio Agüero", escrito por Irene Depetris Chauvin, que traça uma “cartografia
afetiva” do documentário de Agüero, engendrando modos de pensar o papel da
arquitetura e do urbanismo na espacialidade do filme e em sua relação com a
afetividade, com a biografia e com a memória coletiva. O interesse pelo documental em
articulação com o biográfico também percorre o artigo "Pulsiones de experiencia: lo
presente y lo documental en la literatura argentina contemporánea", de Esteban Dipaola
e María Gerzovich, que busca os entrelaçamentos do documental com as temporalidades
e as experiências de novas gerações de escritores na Argentina de hoje. Fugindo a uma
lógica representacional para ler romances argentinos contemporâneos, o artigo pensa a
literatura como pós-autônoma, em perspectiva transmidiática, ou seja, sempre 'em
relação‟ a outros modos de significação e de construção estética e cultural. No artigo
"Siempre fui buena para los números: poesia, afeto e economia para Nurit Kasztelan",
Luciana di Leone também se propõe pensar a literatura argentina contemporânea,
analisando a poesia de Nurit Kasztelan em uma reflexão econômica (ou, como esclarece
a autora, oikonomica) de sua obra Lógica de los accidentes (2013), levando em conta as
forças afetivas que aparecem no texto literário de forma indissociável das trocas
econômicas que o atravessam. A linguagem poética também é explorada no artigo
“Leminski em jogo: nomeações e deslocamentos", Elisa Tolon, que expande a
possibilidade de ler a literatura em ótica transmidiática, elidindo as forças que separam
crítica, literatura e cinema, para buscar justamente a potência de seus encontros. Com
foco na linguagem e, mais especificamente na inscrição do nome próprio na poesia de
Paulo Leminsnki, o artigo também analisa o vídeo “Meu nome é Paulo Leminski”, de
Cezar Migliorin, buscando o jogo e as operações nos nomes nos deslocamentos e nas
fricções entre as linguagens. A estética documental também é o ponto central de "Kátia
- um documentário sobre afetos, política e história”, artigo de Ana Maria Veiga, com
foco na relação entre a história brasileira recente e a mobilidade dos afetos na trajetória
queer de Kátia, a primeira travesti a ser eleita para um cargo público no Brasil. O artigo
mapeia, assim, o universo da personagem título do documentário de Karla Holanda,
pontuando os modos como a narrativa fílmica mobiliza a experiência dos afetos em seu
cotidiano no interior do estado do Piauí, no Nordeste brasileiro. É do contexto árido do
Nordeste que surge uma outra figura marginal, a 'vida severina', como postulada por
João Cabral de Mello Neto, no artigo de Julio César Alvez da Luz e Alessandra Soares
Brandão, intitulado “A política do „rosto severino‟ em O homem que virou suco, de
João Batista de Andrade". No artigo, os autores empreendem uma leitura política do
rosto do imigrante nordestino, vivido por José Dumont no filme de Andrade, com o
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Deleuze. Ainda com foco nas linhas de fuga das minorias, o artigo “Perspectivas
ameríndias na estética contemporânea”, de Ana Carolina Cernicchiaro, explora, sob
CERNICCHIARO, Ana Carolina; SANTOS, Antonio Carlos; GIORGI, Artur de Vargas. Apresentação. Crítica
Cultural – Critic, Palhoça, SC, v. 10, n. 2, p. 177-180, jul./dez. 2015.
uma ótica intercultural, as cosmogonias ameríndias em obras que ensejam um devir
minoritário de uma língua menor tanto na literatura quanto no cinema, como
exemplifica sua análise do projeto Vídeo nas Aldeias, que promove oficinas de
audiovisual em diversas comunidades indígenas. Nos atravessamentos de literatura e
cinema, pelo viés da adaptação, Brunilda T. Reichmann dispõe-se a pensar criticamente
as “Variações intermidiáticas; adaptação como transposição cômica e como animação
de contexto cultural”, levando em conta o jogo de operações textuais e culturais que
constroem comicidade, a partir de episódios da série de animação Os Simpsons que, ao
fazerem referências à violência na sociedade, sugerem um olhar crítico sobre a tênue
separação entre tragicidade e comicidade. Também tomando como ponto de partida a
aproximação entre meios distintos, no artigo “O drama midiático como discurso da
verdade: sedução e afeto para o consumo da informação simbólica”, os autores Muniz
Sodré e Ricardo Moraes aproximam as formas de comunicação audiovisuais
contemporâneas da teatralização, analisando-as sob a ótica do drama midiático
contemporâneo. Encerrando esse dossiê, o artigo “O som ao redor: ambiências, afetos e
tecnologias de áudio em “Penny Lane”, Alex Martoni discorre sobre a construção da
canção Penny Lane, dos Beatles, passando pela materialidade da construção musical e
da performance vocal para analisar os efeitos da técnica e das tecnologias digitais na
produção do sensível.
This issue is dedicated to rethinking the affective turn which took place in the first
decade of the 21st century. New forms of literature and new forms of reception,
translation and adaptation of literary texts took shape under this turn and the articles in
this issue put forth a perspective that sees no hierarchy between books and other media.
Thus, film, arts, performance, even when not derived from literature, can create a
dialogue around the same questions that literature has been dealing with: even more so
when we defend that we need to – archeologically – open the network of relations,
transformation, transfusions and points of contact.
Entrevista
CERNICCHIARO, Ana Carolina; SANTOS, Antonio Carlos; GIORGI, Artur de Vargas. Apresentação. Crítica
Cultural – Critic, Palhoça, SC, v. 10, n. 2, p. 177-180, jul./dez. 2015.
Interview
Tradução
Translation
Resenha
Review
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CERNICCHIARO, Ana Carolina; SANTOS, Antonio Carlos; GIORGI, Artur de Vargas. Apresentação. Crítica
Cultural – Critic, Palhoça, SC, v. 10, n. 2, p. 177-180, jul./dez. 2015.