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Guia dos perplexos: Coletânea
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Guia dos perplexos: Coletânea
E-book371 páginas5 horas

Guia dos perplexos: Coletânea

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Sobre este e-book

O pensamento de Maimônides, o grande Rambam, talmudista, filósofo, codificador de leis, matemático e médico que viveu de 1135 a 1204, torna-se disponível em português através desta edição única, uma obra compilada e comentada dos temas que compõem as 3 partes do famoso "Guia dos Perplexos". O trabalho desvenda de maneira fascinante as relações que Maimônides estabelece entre filosofia e judaísmo. Profundo e acessível a um só tempo, apresenta a razão como caminho que leva o homem a Deus. A iniciativa encontrou obstáculos, mas o saber ímpar do genial Rambam prevaleceu e, graças a ele, estudiosos e leitores interessados puderam, século após século, compreender a verdade que tece os nítidos vínculos entre razão e religião. A partir de agora, o leitor brasileiro poderá desfrutar, explorar e discutir as idéias e conceitos de um dos maiores luminares intelectuais da Humanidade, cujas formulações são tão atuais hoje quanto há 800 anos, quando foram escritas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mar. de 2012
ISBN9788579310362
Guia dos perplexos: Coletânea

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    Pré-visualização do livro

    Guia dos perplexos - Maimônides

    Guia dos Perplexos

    ISBN 978-85-7931-036-2

    Versão Eletrônica

    ©2012 - Todos os direitos reservados à

    EDITORA E LIVRARIA SÊFER LTDA.

    Produção: LCT Informática Editorial

    Versão Impressa

    Esta obra está baseada no

    MORÊ NEVUCHIM

    ©2003 - Todos os direitos reservados à

    EDITORA E LIVRARIA SÊFER LTDA.

    Alameda Barros, 735

    CEP 01232-001 — São Paulo - SP — Brasil

    Tel. 11 3826-1366 Fax 11 3826-4508

    sefer@sefer.com.br

    Livraria Virtual: www.sefer.com.br

    Em parceria com

    OR ISRAEL COLLEGE

    R. Gal. Fernando Albuquerque, 1011 – Cotia – Tel.: 4612-2450

    Tradução Paulo Rogério Rosenbaum

    Revisão e Edição Final Rabino Samy Pinto

    Edição Auro del Giglio, Betty Rojter e Jairo Fridlin

    Editoração Eletrônica Editora Sêfer

    Projeto Gráfico e Capa Dagui Design

    Agradecimento Rabino Daniel Touitou

    Nota:

    Nesta obra, as citações da Torá foram extraídas do livro

    TORÁ – A LEI MOISÉS, do Rabino Meir Matzliah Melamed (2001);

    dos Salmos, do livro Salmos – com tradução e transliteração,

    de David Gorodovits, Vitor Fridlin e Jairo Fridlin (1999),

    ambos da Editora Sêfer.

    Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio,

    sem a autorização expressa da Editora e Livraria Sêfer Ltda.

    EM MEMÓRIA DE

    BINIAMIN BEN AVRAHAMA"H

    Introdução à Edição Brasileira

    As obras de Maimônides impressionam pela quantidade, qualidade, profundidade e diversidade. Rabi Moisés, filho de Maimon (1135–1204), o Rambam, foi talmudista, codificador das leis judaicas, filósofo, matemático e médico. Além de tudo isso, possuía um talento ímpar para colocar e organizar ideias no papel.

    Suas notáveis contribuições quase nos levam a acreditar que Maimônides é o nome de toda uma academia de eruditos de várias disciplinas, ao invés de ser o nome de um único indivíduo.

    Isto nos leva a imaginar que Maimônides teve uma vida que lhe permitiu desfrutar de todas as condições favoráveis para dedicar-se exclusivamente ao estudo da Torá e aos assuntos ligados à intelectualidade de modo geral. Entretanto, a realidade foi bastante diferente. Aos 13 anos sentiu, pela primeira vez, o gosto amargo do exílio, ao ter de deixar o lar de origem e vagar por vários países junto com seus irmãos durante quase uma década, em busca de um lugar que lhes oferecesse condições mínimas para uma vida digna. Sabemos que, durante a Idade Média, a maioria das comunidades judaicas – sefaraditas ou ashkenazitas – não dispunham de elementos para satisfazer as condições básicas de sobrevivência de sua gente, ora devido ao fundamentalismo islâmico, ora devido aos rigores das cruzadas. E é nesse cenário que Maimônides desenvolve sua sabedoria em todos os campos de conhecimento acima mencionados, desafiando todos nós a produzirmos intelectualmente muito mais, se levarmos em conta as nossas dificuldades.

    Editar o Guia dos Perplexos em português não foi uma tarefa fácil, devido ao grau de dificuldade de seu conteúdo e sua compreensão pelos diferentes tradutores (esta obra se originou de uma versão em inglês). Portanto, a primeira providência foi revisá-la pela versão em hebraico do Rabino Shemuel ibn Tibon (que foi aluno direto de Maimônides) e do Dr. Iossef Kapach, um dos maiores estudiosos e pesquisadores contem-porâneos da obra de Rambam. De uma forma geral, o presente trabalho atende a estas duas fontes. Ainda assim, fizemos alguns ajustes para garantir a compreensão dos conteúdos desta coletânea.

    Com o intuito de enriquecer a leitura, foi inserida a carta de Maimônides a seu aluno, o Rabino Iossef ibn Aknin, onde o mestre revela que …tua ausência me inspirou e induziu a compor essa obra para ti, e para os que a ti se assemelham, apesar de não serem muitos….B1 Ibn Aknin era versado nos estudos bíblicos, talmúdicos, em matemática, lógica, filosofia e, como seu mestre, trabalhou como médico em Alepo, Síria.B2 As inquietudes intelectuais de seu discípulo levou Maimônides a escrever O Guia dos Perplexos para aqueles que estão incomodados com alguns conflitos entre o judaísmo e a filosofia, entre as ciências e os estudos bíblicos. Embora fossem poucas as pessoas com perfil semelhante ao de Ibn Aknin, Maimônides estava comprometido com a necessidade de dirimir estas dúvidas, mesmo que para poucos. Atender as diversidades do intelecto do ser humano era a meta do escritor Maimônides.

    Aqueles que já leram algum livro do Mishnê Torá e agora têm acesso ao Guia, comprovarão a sensibilidade do mestre quando diz que o pão e o leite são para a criança, e a carne e o vinho, para o adulto.B3 Em sua obra Mishnê Torá, o Rambam descreve o caminho de Deus ao homem, através da Revelação, da outorga da Torá e sua estrutura de Mitsvót e respectivas leis. Já no Guia, trata do caminho do homem a Deus, pois a razão é o caminho ideal para se chegar ao Criador. Sendo assim, aprendemos que o judaísmo e a filosofia não são incompatíveis e nem mesmo conflitantes pois, apesar de suas naturezas distintas, procedem da mesma fonte ou, como questionaria nosso mestre, acaso não seria a razão ou o intelecto humano obra Divina?

    O grande Rabino Iossef Caro – autor do Shulchan Aruch no século XVI, o código de lei que norteia minuciosamente a prática das Mitsvót até os dias de hoje – escreveu sobre a figura de Maimônides: …pela qualidade e profundidade de seus escritos, Maimônides é, sem sombra de dúvida, o maior de todos os codificadores….B4 Podemos afirmar também que, na mesma velocidade em que crescia a fama do Rambam nas diferentes comunidades judaicas, aumentava o número de opiniões contrárias às suas ideias. Em resumo, os três principais temas de discussão entre Maimônides e seus opositores eram:

    1 A orientação ao povo judeu frente ao fundamentalismo islâmico dos Almôadas.B5

    2 A organização de seu livro Mishnê Torá, que não cita nenhuma fonte na codificação das leis.B6

    3 A legitamação da filosofia, principalmente com a publicação do Guia dos Perplexos e do livro Madá (Conhecimento), parte da obra Mishnê Torá.

    Permita-me, leitor, estender-me sobre o terceiro tema, pois ele tem relação direta com o presente livro.

    Segundo seus adversários – todos os sábios franceses tementes a Deus – Maimônides teria praticamente canonizado a filosofia ao incluir conceitos pertencentes a esta área de conhecimento em seus livros. Eles então excomungaram (Chérem) parte de seus livros.

    Pode-se dizer que esse conflito cessou com a intervenção do Rabino Shelomo ben Aderet, mais conhecido como Rashbá (1235–1310). Ele escreveu três importantes missivas indagando sobre a validade dos estudos científicos: Acaso passa por nossas cabeças que nós não temos direito ao conhecimento geral?.B7 É preciso registrar que, naquela época – e não é muito diferente nos nossos dias – ocorria um fenômeno notório entre os jovens que estudavam o judaísmo e também as matérias laicas científicas. Cada vez mais as comunidades priorizavam os estudos não judaicos e o perigo residia no enfraquecimento do estudo da Torá. Assim, em 1305, o Rashbá escreveu: Os estudos laicos científicos estão permitidos, tanto as ciências naturais como a filosofia, porém a partir dos vinte e cinco anos. Esta determinação não incluía a medicina e a astronomia. Em relação aos livros de Maimônides, o Rashbá foi igualmente categórico: removeu por completo qualquer traço da excomunhão, inclusive do Guia dos Perplexos.B8

    Mesmo assim, a posição do Rashbá foi criticado pelo Rabino Menachem ben Shelomo Hameíri (1306–1429), sob o ponto de vista pedagógico. De acordo com o historiador H. H. Ben Sasson,B9 o Hameíri advertiu: Vocês, honrados sábios, sabem que o homem possui vários compartimentos e tendências intelectuais... Nessa idade – vinte e cinco anos – o homem já possui uma importante responsabilidade sobre os ombros: esposa e filhos, a quem deve sustentar. Assim, o Hameíri criticou a restrição imposta pelo Rashbá, implicando que se o objeto de estudo é permitido, é preciso que se respeite o interesse da pessoa. Isso pode ser perfeitamente entendido, pois é natural que alguns alunos gostem e se desenvolvam mais nos estudos da Halachá e outros nos estudos filosóficos; não se pode exigir um caminho único para todos os estudantes sob o ponto de vista psicológico e pedagógico – diria o Hameíri nos termos dos nossos dias.

    Assim, o Guia dos Perplexos tornou-se um clássico da filosofia judaica, e vários shiurim (aulas) a respeito do livro são ministrados hoje em diferentes comunidades em Israel e nos EUA.B10

    Vivemos numa época em que, se por um lado assistimos a uma fantástica evolução na ciência e tecnologia, por outro testemunhamos uma crise de valores na Humanidade de uma forma geral, e um enfraquecimento na identidade judaica em particular. Por um lado estamos maravilhados; por outro, confusos e perplexos. Por isso, mais do que nunca precisamos das ideias abençoadas e sagradas de Maimônides. Você, leitor, que passou por alguma experiência em que a ciência esteve em conflito com o judaísmo, encontrará algumas respostas neste livro. Entretanto, recomendo alguns passos antes da leitura:

    a Você já estudou regularmente o Tanach? Se ainda não, procure sua sinagoga e fale com seu rabino. Esse estudo é um pré-requisito.

    b Você já estudou regularmente as leis judaicas (Halachá)? Se ainda não, procure sua sinagoga e fale com seu rabino. Esse estudo também é um pré-requisito.

    c A leitura de clássicos da filosofia judaica – e O Guia dos Perplexos é apenas um deles – deve ser acompanhada de aulas ministradas por sábios competentes, para a compreensão exata de seus conceitos e fundamentos.

    d Inicie seus estudos do pensamento de Maimônides pelo Mishnê Torá, ao menos com algumas leis do Livro da Sabedoria (Sêfer Hamadá), como as leis fundamentais da Torá (Iessodê Hatorá) e leis sobre o comportamento (Deót).

    e Ainda que, segundo Maimônides, o estudo que levará a compreensão de Deus (metafísica) é o grau mais elevado da razão humana, não podemos deixar de citar as contribuições da Cabalá que, graças aos ensinamentos do Rabino Isaac Luria (o Ari zAl), ampliaram, e muito, os fundamentos e conceitos assimilados no Guia dos Perplexos– aliás, no lugar onde termina a filosofia, começa o estudo da Cabalá".B11

    São estas as cinco orientações que recebi do meu mestre de Jerusalém, Rabino Iaacov Perez, Shelita. Peço a Deus que lhe conceda Refuá Shelemá (cura completa)!

    Rosh Chódesh Adar II, 5763.

    Rabino Samy Pinto

    Graduado pelo Rabinato Chefe de Israel, especializado em Educação pela Universidade Bar Ilan (Israel), mestre em Filosofia e Letras pela USP e Diretor Educacional do Colégio Iavne Beit Chinuch, em São Paulo.

    Bibliografia:

    B1 Maimônides, Epístolas. São Paulo, Editora Maayanot, 1993, pág. 106.

    B2 Margalioth, Encyclopedia of Great Men in Israel. Tel Aviv, 1992, vol. III, pág. 772-773.

    B3 Mishnê Torá, Leis dos Fundamentos da Torá, cap. IV: 13.

    B4 Caro, Iossef. Responsa Avcat Rochel, cap. XXXII.

    B5 Cf. Rabinovitch, M. Igrot Ramban. Jerusalém, Mossad Harav Kook, 1997, pág. 12.

    B6 Cf. Rabino Avraham ben David (Raavad), Introdução ao Mishnê Torá. Jerusalém, Shabse Frankel, 2001, pág. 4.

    B7 Margalioth, Encyclopedia of Great Men in Israel. Tel Aviv, 1992, vol. IV, pág. 1257. Conforme Ben Aderet, responsa. Shut Harashbá. Jerusalém, Machon Ierushaláyim, 1997, vol. I, pág. 200-225.

    B8 Ibid, pág. 1261.

    B9 Ben Sasson, H. H. Historia del Pueblo Judio, Madri, Alianza, 1988, pág. 640.

    B10 Cf. Rabino Halevi, H. D. Shut Assê Lechá Rav – responsa. Tel Aviv, Kitvê Harav Levi, 1987, vol. VIII, pág. 152-153.

    B11 Gaon Mevilna, Sidur Hagaon, pág. 61.

    Prefácio dos Editores

    Ao iniciarmos a série Clássicos da Editora Sêfer, grandes desafios nos aguardavam. Um, em especial, preocupava-nos um pouco mais: incluir um dos livros de Maimônides. Sua principal obra de cunho filosófico jamais havia sido traduzida na íntegra para o português e o desafio nos assustava, pois além de monumental, o Guia dos Perplexos é conhecido como um livro difícil...

    O Guia dos Perplexos é a obra-prima filosófica deste que é considerado um dos maiores pensadores judeus de todos os tempos: Rabi Moshe ben Maimon (o Rambam), também conhecido como Maimônides. Esta obra se destinava a amparar aqueles que, versados tanto nas disciplinas filosóficas como na Bíblia e no Talmud, quisessem harmonizar ambas as áreas – religião e filosofia – dentro de um modo de pensar racional e, ao mesmo tempo, coerente.

    O que havia de comum entre Aristóteles – principal referência filosófica de Maimônides – e qualquer um dos rabinos que elaboraram o Talmud? Tanto filósofos quanto rabinos preocupavam-se com a busca da verdade. Para os filósofos, ela deveria ser alcançada através do uso da razão. Para os rabinos, a descoberta partiria do conhecimento de uma verdade que já lhes tinha sido revelada por Deus. Assim, para os filósofos a razão seria o único instrumento para se chegar à verdade, mas, para os rabinos, ela seria apenas uma das várias maneiras de se conhecer outras facetas não evidentes – num primeiro momento – de uma verdade previamente revelada. Entendemos assim que a honestidade intelectual e o uso da razão se constituíram em alicerces comuns para os filósofos e para os rabinos.

    Entretanto, ambas as visões, a filosófica e a religiosa, partem de diferentes pontos de vista em relação à natureza da verdade, e, inevitavelmente entram em choque. Portanto, dependendo da importância que uma determinada geração ou cultura dá a uma ou à outra destas visões, inexoravelmente haverá períodos nos quais uma preponderará sobre a outra. Na época de Maimônides, a filosofia aristotélica disseminava-se livremente no seio dos territórios sob domínio muçulmano onde, ao contrário do que ocorria naqueles sob influência cristã, havia livre acesso às traduções dos textos do grande filósofo grego. Neste contexto, então, Maimônides se preocupou em munir os judeus racionalistas de sua geração com subsídios filosóficos para enfrentar o profundo desafio às suas crenças judaicas mais genuínas, oriundos do estudo da filosofia aristotélica.

    Concordam os judeus e Aristóteles com a necessidade de uma causa primeira e, por conseguinte, única e eterna, e que corresponde a Deus para os judeus. Etéreo e afastado dos destinos do homem comum para os filósofos, o Deus dos judeus é Quem lhes provê um caminho a seguir (a Bíblia) que, por sua vez, regulamenta todas as ações humanas e a Quem deve o homem se subordinar por completo.

    Outra questão: um Deus tão envolvido com o destino do homem, mas muitas vezes apresentado na Bíblia por meio de uma linguagem antropo-mórfica, gera dificuldades para aqueles iniciados em filosofia. Entretanto, Maimônides resolve estas dificuldades brilhantemente, dando às colocações antropomórficas um caráter simbólico e desviando os atributos de Deus de Sua essência incognoscível para o homem levando-as para a esfera de Suas ações, estas sim acessíveis ao conhecimento humano.

    A seguir, Maimônides aborda com profundo rigor filosófico e em consonância com os ensinamentos da Bíblia, temas fundamentais para o judaísmo, como a Criação, a profecia, a Providência Divina e a natureza do bem, do mal e da virtude. O até então perplexo que lê o Guia passa a refletir de uma maneira filosoficamente condizente com os ensinamentos da Bíblia.

    * * *

    Antes que desistíssemos da ideia, caiu em nossas mãos um trabalho de 1952 da Horowitz Publishing que apresentava uma coletânea das partes principais do Guia, traduzidas do árabe para o inglês por Chaim Rabin e com notas de Julius Guttmann. Só então decidimos encarar o desafio e lançar mãos à obra.

    Selecionamos, traduzimos e editamos as partes mais importantes, acrescentamos notas sugeridas pelo tradutor Paulo Rosenbaum (P.R.) e voltamos ao texto para a edição final e inserção de sub-títulos.

    Em seguida, todo o material foi entregue ao Rabino Samy Pinto (R.S.P.) para uma segunda revisão voltada principalmente aos conceitos formulados pelo Rambam, e sua comparação com o texto em hebraico. Agradecemos a ele todo o esforço dedicado ao projeto.

    Vimos também como necessário informar o leitor sobre a vida de Maimônides e, para tanto, escolhemos o texto que brilhantemente inicia a obra Os 613 Mandamentos, do saudoso amigo Giusepe Nahaïssi Z"L. É, sem dúvida, a melhor e mais completa biografia de Maimônides publicada em português. Agradecemos à Família Nahaïssi pela gentileza.

    É este material que ora apresentamos ao público brasileiro. Esperamos que o leitor encontre através desta edição um acesso facilitado a tão importante e complexa obra.

    Auro del Giglio

    Jairo Fridlin

    Observação: Os subtítulos e intertítulos foram elaborados pelos editores e acrescentados à obra apenas para facilitar a leitura.

    Obras de Maimônides disponíveis em português

    OS 613 MANDAMENTOS

    Trad.: Giuseppe Nahaïssi

    356 págs. - Editora Nova Arcadia

    MISHNÉ TORÁ - O Livro da Sabedoria

    Trad.: Rabino Yaacov Israel Blumenfeld

    302 págs. - Imago Editora

    PRINCÍPIOS DE MAIMÔNIDES

    Aryeh Kaplan

    115 págs. - Editora Colel Tora Temima do Brasil

    EPÍSTOLA DO IÊMEN

    74 págs. - Editora Maayanot

    EXCERTOS SOBRE PROFECIA E AS LEIS DOS REIS

    110 págs. - Editora Maayanot

    TRATADO SOBRE A RESSURREIÇÃO

    115 págs. - Editora Maayanot

    COMENTÁRIO DA MISHNÁ

    128 págs. - Editora Maayanot

    OS OITO CAPÍTULOS

    94 págs. - Editora Maayanot

    EPÍSTOLAS

    132 págs. - Editora Maayanot

    Estas obras estão disponíveis na Livraria Sêfer ou no site www.sefer.com.br

    Maimônides: Vida e Obra

    por Giuseppe Nahaïssi

    No ano de 1166, aos 31 anos, desembarca em Alexandria, no Egito, Moisés, filho de Rabi Maimon, o homem que viria a ser conhecido como o Moisés do Egito e respeitado pelo mundo todo como uma das mais relevantes figuras do pensamento judeu.

    De Moisés a Moisés não houve outro igual a Moisés: é assim que os estudiosos costumam se referir a este grande sábio, cujo legado foi decisivo para a manutenção da convicção judaica e da união do povo judeu no século XII. Sua glória se estendeu aos círculos não judeus, e nos meios eruditos de Bagdá ele passou a ser considerado como um dos mais eminentes homens da época. Maimônides foi o responsável, entre outros feitos, pela subordinação do valor moral ao valor teórico e pela análise contemplativa abstrata como objetivo final, em vez do julgamento concreto dos atos, se bem que a introdução da inteligência no espírito religioso já houveste aparecido na época tanaica e que o valor religioso da compreensão talmúdica já fosse conhecido pelo povo há muito tempo. A superioridade da contemplação sobre o rito e a moral constitui o pilar central do seu pensamento e, embora o Talmud ensine que não são as pesquisas e sim o fato o que importa, Maimônides insiste nas pesquisas porque tem a profunda convicção de que o amor de Deus é tanto maior quanto mais desenvolvida e aperfeiçoada for nossa inteligência.

    Talmudista, codificador da Bíblia, filósofo, místico, matemático, médico e dono de um talento literário ímpar, ele viria a transformar a comunidade judaica do Egito, traria uma nova ordem para os judeus do mundo e se tornaria o único pensador da Idade Média cujas teorias exerceram influência significativa sobre filósofos e teólogos cristãos e muçulmanos de sua época, além de seus contemporâneos judeus. Sua obra foi também frequentemente citada por figuras como Tomas de Aquino; Alberto, o Grande; Roger Bacon; Inácio de Loyola; Alexandre de Halle; Nicolas de Coves, Leibniz Barouch de Espinoza e muitos outros.

    Homem de personalidade densa e complexa, Maimônides estabeleceu para si mesmo uma conduta estrita, mas soube simplificar o que desejava transmitir de forma tal que seus leitores pudessem compreendê-lo facilmente. Fanático pela brevidade, preocupou-se sempre em construir parágrafos claros, sem nenhum intereste em engrandecer seus pensamentos nem glorificá-los com uma retórica exagerada. São suas estas palavras: Se me fosse possível resumir o Talmud inteiro numa frase, eu não quereria fazê-lo em duas. Enquanto algumas de suas obras são bastante eruditas, outras são escritas de maneira muito fácil e são de compreensão extremamente simples. Quando interpelado sobre o por que das diferença entre uma obra e outra, respondeu: O pão e o leite são para as crianças, e a carne e o vinho são para os adultos. Fiel a esta filosofia, Maimônides conduz seu aluno, o leitor, fazendo-o crescer em suas mãos, e levando-o a passar primeiramente por vários estágios de pão e leite, para que ele possa chegar a compreender e a apreciar a carne e o vinho da metafísica, a ciência superior que abriu seus olhos para os caminhos que percorreu em busca da sua verdade.

    Ele acredita que todos os homens devotos, sem exceção, homens que vivam de acordo com a virtude, sigam os mandamentos bíblicos e mantenham sempre a boa conduta serão recompensados no mundo vindouro, independentemente de seu credo ou religião. Respeita e tem amigos no mundo islâmico, e costuma afirmar que a doutrina crista não tem nenhuma contradição com o judaísmo, pois ela também reconhece a força e a necessidade dos mandamentos e da moral bíblica, e que seus adeptos, se quiserem aprofundar-se no estudo contemplativo dos textos, descobrirão a verdade.

    Além de ter sido considerado o maior talmudista de seu século, este homem, que se tornou o médico da corte do Egito, servindo ao grão-vizir de Saladin, Al Fadil e, depois, do sultão Al Afdal, gozava da reputação de ser o melhor médico de seu tempo. Os relatos sobre seu saber e sua competência se estendem de tal forma que chegam ao conhecimento do rei Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, e este o convida para ser seu médico particular. Maimônides, no entanto, prefere permanecer no Egito, pois lá ele acumula também o cargo de Naguid, e pode utilizar-se da importância de sua posição para proteger a comunidade judaica através do mundo islâmico. O Naguid era o líder e o porta-voz dos judeus egípcios, nomeado pelo sultão, e que representava a autoridade moral e política de todas as comunidades judias no país dos Fatimitas. Era escolhido dentro da comunidade rabínica, mas tinha também direito de justiça sobre os caraítas e os samaritanos.

    Um Filho da Casa de David

    O brilhantismo e o sucesso alcançado por Maimônides não são fortuitos. Na juventude, ele aprende astronomia com o filho do célebre astrônomo Ibn Aphla, de Sevilha, estuda o Almagesto, o tratado astronômico de Ptolomeu, as proposições de Álgebra, o tratado das secções cônicas, a geometria, a mecânica, a medicina, tratados astrológicos, bem como livros teológicos de outras religiões para adquirir um conhecimento geral das religiões de seu tempo. Aprofunda-se ainda nas doutrinas filosóficas de Aristóteles, de Filo, de Afrodísias, de Themistius, de Alfarabi, de Gazali, de Saadia Gaon, de Bachija, de Rabi Iehuda Halevi, de Rabi Abraham bar Chiha e de Rabi Abraham Ibn Ezra, mas baseia suas explicações metafísicas mais profundas no pensamento aristotélico.

    Já aos 16 anos Maimônides escreve uma introdução à lógica, e aos 23 uma dissertação matemática e astronômica, tratando das questões principais da determinação do calendário judaico. Pelos lugares por onde passa durante o êxodo em que vive durante 20 anos, ele estuda atentamente a flora dos passes e se interessa por suas arquiteturas. No Egito ele estuda os usos e as particularidades da língua, os hábitos e a moral dos judeus egípcios, e chega a redigir um comentário sobre estas observações.

    O RAMBAM, sigla de Rabi Mosses ben Maimon, ou simplesmente Maimônides, do grego filho de Maimon, nasceu em Córdoba, na Espanha, em 1135, filho do Dayan ou Juiz Rabínico Rabi Maimon, descendente de uma longa linhagem de Dayanim ou juízes, remontando a Rabi Yehuda Hanassi, o autor da Mishná, sábio que havia atingido a perfeição moral e intelectual, e que, por sua vez, era descendente direto da casa real de David.

    Tendo ficado órfão de mãe ao nascer, Maimônides se revela uma criança que desde cedo se desenvolve o hábito de entregar-se a meditações profundas sobre a vida e a morte e a confiar-se sozinho a Deus. Ele se refugia para meditar durante a semana na parte da sinagoga reservada às mulheres, onde tem certeza de que ninguém virá interrompê-lo.

    Uma jornada de fé, sofrimento e coragem

    No ano de 1148, quando o jovem Moisés completa 13 anos, os Almohades, liderados por Abd-el-Mumin, invadem a cidade de Córdoba. Estes Almohades, ou confessores da unidade, formavam uma tribo bérbere que conquistara o poder na Espanha e no Marrocos após 20 anos de lutas sangrentas. Abd-el-Mumin era o sucessor de Ibn Toumert, jovem e ardoroso muçulmano que vivia no sudoeste do que atualmente é o Marrocos e que, insatisfeito com os ensinamentos teológicos básicos que ali lhe haviam sido ministrados, decidiu aprofundar-se no assunto, ingressando com esta finalidade nas universidades de Córdoba, de Meca e de Bagdá, onde entrou em contato com os ensinamentos de Gazali. Depois de ter aprendido a ciência teológica oriental, Ibn Toumert voltou para sua região natal e, declarando-se descendente de Maomé, liderou uma guerra santa contra as altas esferas do governo, as quais, segundo ele, eram as responsáveis - entre outras tantas coisas inadmissíveis - pelo desleixo religioso, pelo amor ao luxo, pela decadência moral do Norte e da alta sociedade, pela representação material de Deus - o que era uma blasfêmia -, e pelo politeísmo, que ele atribuía aos antigos fiéis da África do Norte, os quais afirmavam, tal como os cristãos, a pluralidade do Ser divino. A revolução teológica, aliada ao desejo de conquista, levou a um sucesso sem precedentes, e o reino dos Almohades se estendeu da Síria ao oceano Atlântico. Eles destruíam as igrejas e as sinagogas, e aos povos que não aceitavam converter-se à verdadeira religião islâmica, propagada por eles, restava a opção entre a imigração ou a morte.

    O jugo dos Almohades se fazia sentir na mesma época em que as Cruzadas partiam da França e da Alemanha, a fim de conquistar a Terra Santa e apossar-se do túmulo de Cristo. Intolerantes, os Cruzados arrasavam, na sua marcha para Jerusalém, tudo o que encontravam de não cristão, massacrando em seu caminho as populações judias indefesas. Mais uma vez a história se repetia e os judeus se defrontavam com uma nova e grave crise de identidade: dobrar­se aos conquistadores islâmicos ou a barbárie dos cruzados em marcha. O fanatismo religioso imperava tanto no levante quanto no ocidente e continuar professando o credo judaico representava um risco de vida. Talvez este tenha sido um dos momentos mais difíceis e trágicos da história da sobrevivência do judaísmo; eram necessárias grandes forças para sustentar a fé, e um dos personagens mais importantes dessa época foi Maimônides, pois a clareza de suas ideias e de seus escritos mantiveram acesas no povo judeu as chamas da crença e da liberdade da ciência e do conhecimento, para enfrentá-lo.

    Preferindo o êxodo ao massacre ou à renúncia de sua fé, a família do Rabi Maimon sai de Córdoba quando os Almohades lá chegam. Depois de 10 anos de vida errante, nos quais passam por diversas cidades do sul da Espanha, eles chegam a Fez, capital do Marrocos - a África do Norte sempre fora o local de asilo para os judeus que fugiam das perseguições religiosas na Espanha. Munido de coragem ímpar, Rabi Maimon opta por Fez, onde os confessores da unidade haviam instalado sua corte, porque tem a esperança de ser introduzido ao líder deles, o califa Abd-el-Mumin, homem que gozava da reputação de interessar-se pelas coisas do espírito e que procurava cercar-se de sábios, a fim de expor-lhes o conceito judaico de Deus e tentar assim obter uma mudança na política do governo em relação ao povo de Israel.

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