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Limites da Paixão
Limites da Paixão
Limites da Paixão
E-book304 páginas4 horas

Limites da Paixão

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Sobre este e-book

Para a professora Laura Carceles, fugir não foi uma alternativa. Foi um refúgio. Ela precisava desesperadamente deixar para trás seu trauma, precisava deixar para trás parte de sua vida... Ou ela inteira. Enterrou dentro de si o passado que a tornara triste, fria e um tanto amargurada.Em meio aos planos que traçara para seu recomeço, a regra era não se deixar envolver por ninguém. Para ela, destino era apenas uma desculpa das pessoas para justificar as próprias escolhas. Mas quando Laura conhece Arthur e sua filha, Lisa, a rota de sua vida toma direções opostas às de sua vontade, tirando seu recomeço dos trilhos. Laura então se depara com um conflito de sensações. Dividida entre a razão e a emoção, entre o medo e a vontade, entre ficar ou fugir, ela tem de encontrar forças para enfrentar os fantasmas do passado e o turbilhão de sentimentos que torturam sua mente e seu coração.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de jun. de 2016
ISBN9788542808339
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    Limites da Paixão - Tatiane Radatz

    contar.

    Capítulo um

    Nova Odessa era uma cidade pequena com não mais do que cinquenta e sete mil habitantes. Eu morava no centro da cidade, em uma boa casa, e dava aula para crianças, ensinando-as a escrever seus próprios nomes, a fazer contas, entre outras coisas.

    – Laura, você vai querer que eu faça um café ou um chá? Está trabalhando em cima dessa mesa há horas e não comeu nada.

    Eu estava concentrada demais nos meus afazeres para prestar atenção em Gio.

    – Laura? Você está me ouvindo? – perguntou Giovanna, abanando suas mãos em frente ao meu rosto.

    – Oi. Desculpe-me – falei, estreitando os olhos. – Um café está ótimo – pedi, mesmo sem vontade de tomá-lo.

    Giovanna não era apenas uma garota que trabalhava comigo desde que tinha começado a dar aulas, há exatamente seis anos; ela era também minha amiga, minha confidente.

    Gio assentiu, indo em direção à cozinha. Era sexta-feira, e eu precisava preparar o plano de aulas para a segunda-feira.

    – Aqui está – ela disse, apoiando a bandeja sobre a mesa.

    – Obrigada. Sente-se e tome um pouco também – convidei.

    Gio foi expulsa de casa aos dezesseis anos por ter engravidado do namorado, e perdeu o filho no segundo mês de gravidez. Foi parar em Nova Odessa sozinha, sem amigos, sem família e sem seu namorado. Eu a encontrei em frente a um restaurante de estrada e a trouxe para minha casa. Desde aquele dia, tornamo-nos grandes amigas. Gio morou comigo até seus dezoito anos, e eu a ajudei a alugar uma casinha simples, um pouco mais afastada do centro.

    – Obrigada, Lau.

    Eu conhecia Gio o suficiente para saber que ela não era feliz. Dona de um par de olhos castanho-claros, uma pele clarinha e cabelos negros e lisos, Giovanna sempre se sentira sozinha. Eu particularmente torcia para que ela arrumasse alguém e fosse feliz de verdade.

    – Laura – ela começou –, já estou aqui há seis anos e acho que temos intimidade o bastante para conversarmos sobre o que venho há tempos querendo lhe falar.

    Eu a fitei, séria. O que Giovanna queria?

    – O que você está querendo dizer com isso, Giovanna? – perguntei, ainda séria.

    – Olha, eu não quero que você se zangue com o que eu vou falar agora, mas realmente preciso. Você me acolheu aqui quando cheguei, me deu emprego, abrigo, e me ajudou a alugar a minha casa. Não sabe o quanto eu sou grata por isso.

    Eu estreitei mais ainda meus olhos e exclamei:

    – Não estou entendendo, Gio!

    Eu era um tanto grossa com todos, exceto com meus queridos alunos, que eu tanto amava, mas isso era reflexo de um passado meu que nunca contei a ninguém, nem o faria.

    – Você é uma loira linda, jovem, bem resolvida profissionalmente. Por que está sozinha? Eu vejo em seus olhos que você não é feliz. Você é carente, sente falta de um homem em sua vida.

    Eu estava visivelmente indignada com o rumo que a conversa tomava. Giovanna era uma grande amiga, mas não tinha o direito de se meter em minha vida daquela forma. Ela não sabia nada sobre mim. A única pessoa que entendia o motivo pelo qual eu estava sozinha havia anos era eu mesma.

    – Você não tem o direito de falar sobre isso comigo, Gio! Eu não dei liberdade para termos esse tipo de conversa – eu disse, levantando-me.

    Eu gostava da Giovanna, mas ela passara um pouco dos limites.

    – Desculpe-me, eu não queria…

    – Tudo bem – eu a interrompi. – Esqueça isso. Vou me deitar um pouco. Deixe o quintal organizado. Luna, Carol e Lola virão aqui. Venha também.

    Eu havia ficado chateada com a Gio, mas sabia que logo passaria. Minha yorkshire subiu as escadas correndo, para chegar antes de mim. Princess era minha melhor companhia, e eu a amava como uma filha.

    – Ei! – eu disse, fazendo carinho em seu cangote. – Vamos nos deitar.

    Ela entendeu o comando e deitou-se em minha cama antes de mim. A conversa que eu tivera com Giovanna mexera comigo de uma forma que não devia. Eu não era de Nova Odessa, mas havia ido para lá justamente para esquecer o meu passado e seguir a minha vida inteira ensinando crianças a escrever e a fazer contas.

    Luna, Carol e Lola eram casadas. Nós nos conhecíamos desde que eu me mudara para lá. Tornamo-nos grandes amigas e eu ensinava seus filhos também. Aos sábados, nós fazíamos churrascos e colocávamos a conversa em dia. Elas nunca levavam seus maridos e seus filhos, embora vez ou outra marcássemos alguns jantares nos quais todos estavam presentes.

    – Eu acho que você anda muito estressada ultimamente – comentou Lola.

    Particularmente, Lola era a pessoa em quem eu mais confiava, depois de Giovanna, embora ela também não soubesse o real motivo da minha mudança de Santa Catarina para Nova Odessa.

    – Talvez eu esteja mesmo – respondi, tomando um gole de vinho.

    – Eu acho que você está carente. Você mora aqui há seis anos, e nós nunca a vimos namorando.

    Eu mordi os lábios. Aquelas conversas sempre me deixavam desconfortável.

    – Não tenho tempo para isso – respondi, secamente.

    Ela logo percebeu que eu não estava gostando do rumo da conversa e mudou de assunto, para o meu alívio. Eu não estava entendendo o porquê de agora todos estarem preocupados com a minha vida amorosa. Estava bem do jeito que estava. Não precisava de ninguém em minha vida. Não mais! Mas elas não entenderiam isso, pois eu nunca havia contado a minha primeira – e última – experiência amorosa. Passamos um sábado gostoso, comendo, bebendo e conversando sobre futilidades.

    À noite eu estava um pouco cansada, porém sem sono. A ideia de que todos agora estavam preocupados com a minha vida amorosa havia me tirado o sono de uma forma estranha. Sentei-me no meu deque, em uma cadeira de balanço que eu havia ganhado da minha avó quando disse que me mudaria, com uma garrafa de vinho. Eu era uma completa viciada em bebida e não me importava de beber uma garrafa inteira sozinha.

    Princess estava em meu colo. Eu alisava seu pelo com a mão, quando me peguei pensando em minha vida em Santa Catarina. Eu gostava de lá. Da minha família, dos meus amigos e até mesmo das pessoas com quem me relacionava. Eu vivia uma vida boa, sempre saindo, me divertindo, aproveitando as coisas boas da vida – e da cidade – e estudando.

    Minha mãe sempre se dedicou muito ao trabalho, e talvez eu tenha herdado isso dela. Abby Carceles era a mulher perfeita. Trabalhadora, boa mãe e boa esposa. Sendo sua única filha, foi difícil abandoná-la em Santa Catarina. Eu realmente sentia falta da minha mãe, mas ela nunca fora me visitar em Nova Odessa e eu não arriscava voltar para Santa Catarina. Seria doloroso demais. Meu pai era muito trabalhador também. Éramos extremamente ligados um ao outro, mas, desde que eu decidi me mudar, ele se transformou em relação a mim. Eu sentia falta de Christian mais do que qualquer outra coisa, mas não havia condições de continuar na cidade. Talvez eu não conseguisse, e ter me mudado para Nova Odessa foi a melhor escolha que eu já havia feito.

    Minhas vistas já estavam embaçadas por causa do vinho, então decidi me deitar. Subi as escadas cambaleando com Princess ao meu lado.

    Acordei tarde no domingo. Já passava das dez, minha cabeça doía a cada segundo, e eu decidi que passaria o dia inteiro na cama.

    ***

    A segunda-feira começou às 6h15 da manhã. Eu ainda podia sentir resquícios da ressaca do vinho da noite de sábado, então decidi tomar um bom banho de banheira, com todos os sais que eu tinha, e relaxar. Prendi meus cabelos em um coque largo, deitei-me na banheira e liguei o massageador. Eu poderia passar o dia inteiro ali, mas tinha de trabalhar. Minhas crianças esperavam por mim. Saí da banheira, amarrei meus cabelos compridos e loiros em um alto rabo de cavalo, passei lápis nos olhos, para dar um realce nos azuis deles, e coloquei meus óculos com armação em vermelho. Vesti uma calça jeans, tênis brancos e uma blusa de manga curta na mesma cor. Certifiquei-me de que não estava me esquecendo de nada, peguei meu avental e as chaves do carro e saí.

    – Bom trabalho, senhorita Laura – dizia senhor Wilson todos os dias pela manhã.

    Ele era um velho solitário, viúvo e aposentado. Cuidava das bicicletas dos moradores por não ter mais nada para fazer. Eu gostava dele. Acenei para ele e segui adiante. A distância da minha casa até a escola era de, no máximo, quinze minutos, mas, se eu fosse andando, demoraria mais de trinta. E eu odiava me atrasar.

    – Bom dia, dona Mari – cumprimentei a diretora.

    Ela era uma mulher feia e amargurada, as crianças morriam de medo dela. Por trás, todos a chamavam de Cruela, apelido que me fizera rir quando descobri. Ela aparentava estar sempre planejando coisas ruins e nunca sorria.

    – Bom dia – respondeu, seca.

    Eu já havia me acostumado com seu jeito, e a cumprimentava apenas por educação.

    – Temos uma aluna nova na sua turma, começou hoje.

    Eu estava guardando meus pertences em meu armário quando recebi a notícia.

    – Quando se mudou? – perguntei, segurando meus livros nos braços.

    – No domingo. Parece que vieram só ela e o pai. O pai fará parte da polícia daqui. Não sei direito. Sabe que não me intrometo na vida das pessoas.

    – Claro – ironizei, indo em direção à minha sala.

    A senhora Mariana Sousa sempre gostava de saber da vida das pessoas da cidade e não poupava ninguém. Talvez fosse por isso que era uma mulher tão amargurada.

    – Bom dia, crianças. Como foi o fim de semana de vocês? – fiz a pergunta habitual da segunda-feira, e pude notar uma criança linda, loira, dos olhos verdes no canto da sala, retraída.

    – Muito bom, professora Laura – responderam as crianças, em um coral ensaiado.

    – Temos uma aluna nova na sala – contei, indo em direção a ela. – Olá. Como se chama? – perguntei.

    – Lisa Rae – disse. Sua voz era fina e doce, quase inaudível.

    Eu havia me encantado com a garota.

    – Muito prazer, Lisa – cumprimentei, trazendo-a ao centro da sala. – Crianças, deem as boas-vindas a Lisa Rae. Ela agora faz parte de nossa turma – pedi, segurando em sua pequena mãozinha.

    – Seja bem-vinda, Lisa Rae – disseram as crianças, em mais um de seus corais ensaiados.

    Lisa foi se sentar e eu a acompanhei com os olhos. Na faculdade, eu havia tido Psicologia e poderia jurar que aquela garota estava gravemente magoada, mesmo com a sua pouca idade.

    A aula fluiu normalmente, as crianças rindo e fazendo seus deveres, todas enturmadas umas com as outras – menos Lisa.

    O sinal bateu, indicando a pausa para o lanche das crianças. Eu ficaria ali na sala, arrumando a bagunça. Quando olhei pela janela, vi Lisa sentada em um balanço, sozinha. Aquela cena cortou meu coração. Saí da sala e fui em direção à garotinha. Todas as crianças vieram para cima de mim, como se eu fosse uma celebridade. Eu ria para elas e beijava suas cabeças.

    – Oi – eu disse, agachando-me para ficar na altura de Lisa. Ela me lançou um olhar triste, que me fez sentir um nó no estômago. – Por que você não vai brincar com seus novos coleguinhas? – perguntei.

    Sua pequena mãozinha estava segurando firme nas cordas do balanço. Ela olhava para baixo e suas pernas estavam cruzadas.

    – Porque estou com saudades da minha mãe – ela explicou, novamente com sua voz quase inaudível. Eu mordi os lábios.

    – Mas, quando você sair daqui, você poderá vê-la – eu tentei confortá-la.

    Ela me olhou, então pude ver lágrimas em seus pequenos olhos verdes.

    – Não poderei, não.

    Eu estava com minhas mãos encostadas em um pequeno muro perto do balanço, tocada pela tristeza da garota. O sinal tocou e as crianças entraram na sala em fileiras. Lisa fez o mesmo. Eu limpei o quadro, peguei um livro de histórias infantis e comecei a lê-lo. As crianças sentaram-se em círculos, atentas à história, mas Lisa parecia estar perdida em seus pensamentos. Havia algo naquela garota que não se encaixava, e eu simpatizara com ela, como nunca antes.

    O dia de aula acabou, e as crianças foram saindo uma a uma, de mãos dadas com seus pais ou responsáveis. Lisa estava novamente no balanço, esperando alguém para levá-la embora.

    – Quem vem buscar você, querida? – perguntei, com piedade nos olhos.

    – Meu pai. Ele já deve estar chegando.

    Eu dei uma rápida olhada no relógio. Havia passado vinte minutos desde que as crianças foram liberadas e ela ainda estava ali, sozinha, esperando por seu pai. Eu estava indo para o meu carro, quando decidi esperar com ela.

    – Quer que eu fique aqui com você?

    Ela fitou-me séria.

    – Não precisa, professora. Pode ir embora.

    Lisa era uma criança muito educada, e estava a cada segundo conquistando meu coração. Eu até poderia ser grossa ou chata com as pessoas, mas não conseguia ser assim com crianças, ainda mais com Lisa.

    – Não posso deixá-la sozinha aqui. Diga-me, quantos anos você tem? – perguntei, tentando alegrá-la.

    – Seis anos – ela respondeu.

    – Hum, já está uma mocinha. O que você gosta de fazer?

    Ela estava com seus olhos mais focados, e eu percebi que estava conseguindo distraí-la.

    – Gosto de trocar minhas bonecas e de fazer e colorir desenhos.

    – Eu adoraria ver um desenho seu qualquer dia.

    Lisa riu. Era a primeira vez que eu a vira rir naquele dia, e aquela garotinha era ainda mais linda com um sorriso no rosto. Perguntei-me mentalmente o que havia acontecido com ela e uma onda de curiosidade me acometeu.

    – Eu posso fazer um para você um dia desses.

    – Eu ia adorar – eu ri, dando-lhe um beijo na testa.

    Não percebi quando um homem entrou correndo pelo portão principal da escola, com farda de policial.

    – Ai, meu Deus! Querida, me desculpe. Não pude sair antes da delegacia – o homem disse, pegando Lisa no colo e beijando a sua testa.

    – Tudo bem, papai. Eu sabia que uma hora ou outra você chegaria. – A doçura de Lisa e sua voz fina eram encantadoras.

    Como uma criança poderia ser tão linda e educada? Imaginei por um momento se minha filha seria igual a ela.

    – Obrigado por não deixá-la sozinha – agradeceu o policial.

    – Eu teria feito por qualquer outro aluno – eu disse, seca novamente.

    Pude perceber quando ele me olhou firme.

    – Tchau, Lisa. Até amanhã – despedi-me.

    O pai de Lisa chegara após uma hora do término das aulas. Deveria, com certeza, ser um péssimo pai. Como esquecer sua própria filha no colégio? Eu, definitivamente, não entendia.

    Cheguei em casa e Gio já estava com o almoço pronto, posto sobre a mesa.

    – Estava ficando preocupada. Você nunca demora tanto para chegar – ela disse, encostando-se no balcão.

    – Entrou uma aluna nova na sala hoje. Seu pai demorou para buscá-la e eu fiz companhia a ela.

    – A filha do novo policial da cidade? – Giovanna quis saber, de pé ao meu lado.

    Eu estreitei os olhos, olhando para ela.

    – Como é que você sabe? – perguntei, curiosa.

    – Não se fala em outra coisa. Claro, uma cidade pequena como Nova Odessa e um policial novo com uma filha de seis anos… Isso só poderia se tornar novidade.

    – Um dia eu me acostumo com os burburinhos que rolam por aqui.

    Gio riu.

    – Sente-se, vamos comer, estou morrendo de fome.

    Ela o fez, e conversamos sobre diversos assuntos. Eu tinha minhas amigas e as adorava, mas com Gio era diferente. O meu sentimento por ela era fraternal.

    – Preciso ir até a loja de conveniência comprar algumas coisas. Estou com vontade de comer doce – comentei.

    – Ah, sim. Eu cuido da Princess.

    Gio sabia exatamente o que eu queria ouvir. Odiava sair e deixar Princess sozinha.

    A loja era na frente de casa. Eu sempre ia lá, mas nunca falara com ninguém, exceto com a senhora do caixa. No seu avental constava o nome Maria. Ela devia ter uns sessenta anos, mas eu nunca me atrevera a perguntar.

    – Olá, senhorita Laura.

    Eu apenas acenei para ela. Estava no corredor de doces, quando esbarrei em um corpo duro, com seus músculos enrijecidos.

    – Ai! – eu reclamei.

    – Desculpe-me, senhorita.

    Assustei-me quando vi que o homem vestia uma farda de policial.

    – Tudo bem.

    Peguei duas barras de chocolate e uma pasta de amendoim e fui para o corredor de legumes. No caixa, dona Maria passava minhas compras. Eu estava sempre com os olhos baixos.

    – Algo mais? – ela perguntou, olhando em meus olhos.

    Fiz que não com a cabeça. Paguei as compras e olhei em direção à represa Coden, que ficava atrás da loja. A represa era um dos maiores orgulhos da população de Nova Odessa, pela sua beleza natural. Não havia nada próximo a ela, mas a loja e a minha casa eram pequenas exceções. Mesmo de longe, a vista era sensacional. E toda vez que eu a via, entendia o porquê de ela ser orgulho para a cidade. Olhei-a por alguns minutos, até ir para minha casa. Deixei as compras sobre o balcão da cozinha e pedi para que Giovanna as arrumasse.

    – Vou deitar um pouco – avisei.

    Eu estava distraída, olhando para a parede lilás do meu quarto, esperando estranhamente que ela se mexesse. Em meus pensamentos, estava o policial. Ele tinha uma expressão séria no rosto, e olhos verdes brilhantes. Seu cabelo era curto, totalmente masculino, e sua barba estava por fazer. Sua boca era linear e seu nariz, proporcional ao seu rosto. Um belo homem, pensei.

    – No que eu estou pensando? – disse em voz alta, repreendendo-me. – Em nada – respondi a mim mesma.

    Princess estava ao meu lado, e comecei a acariciar seus lindos pelos lisos.

    – Acho que alguém está precisando tomar um banho – falei, dando um beijo em sua pequena cabeça. Levantei-me da cama e peguei as chaves do carro.

    – Gio, vou levar Princess para tomar banho – avisei, da sala.

    – Tudo bem! – ela respondeu da cozinha.

    Deixei o vidro aberto a fim de que Princess pudesse colocar a cabecinha para fora da janela e apreciar a cidade. Passei em frente ao posto policial e pude ver o pai de Lisa mexendo em seu computador e levantando-se em seguida. Concentrei-me na estrada e, em menos de dez minutos, cheguei ao pet shop.

    – Eu a conheço tão bem, que sou capaz de apostar que tem algo em seus pensamentos. Ou alguém – disse Lola.

    – Olha, eu trouxe Princess para tomar banho, ok? E não tem algo nem alguém em meus pensamentos – eu reclamei, brava.

    – Tudo bem, tudo bem! Não precisa ficar brava. – Ela alisou seu avental de veterinária. – Carol, Luna, eu e nossos maridos vamos fazer um almoço no campo que fica depois da Coden no sábado. Vamos? Leve Gio também. Parece que vai um amigo de trabalho do Tomás.

    Eu olhei para o enorme quadro que Lola tinha em sua parede: a representação do esqueleto de um cachorro e suas funções.

    – Ah, pode ser.

    – Tudo bem! Encontre-nos às 9 horas, lá no campo – ela disse, pegando Princess no colo e fazendo carinho em seu cangote.

    Eu assenti. Tom também era policial… Que amigo de serviço seria este? Uma onda de curiosidade me acometeu. Cheguei em casa e estacionei o carro, mas, em vez de entrar, fui em direção à represa Coden. Sentei-me no assoalho e fechei os olhos, deixando aquela brisa gostosa invadir meu rosto. Eu gostava de ficar ali. Estava novamente pensando em minha vida em Camboriú, quando fui interrompida por uma voz grave.

    – Oi.

    Olhei para cima, protegendo os olhos do sol.

    – Oi – respondi para o homem, que vestia calça jeans, chinelos e uma camiseta de cor azul-escura.

    – Olha – começou –, percebi que você não é muito de conversa ou talvez não tenha ido com a minha cara. Mas eu gostaria de lhe agradecer por ter ficado com Lisa na escola hoje, até eu chegar.

    – Eu já disse que faria isso por qualquer aluno. – Eu estava com os olhos perdidos nas águas e percebi quando ele respirou fundo. – Mesmo assim, obrigada – assenti.

    – Você mora aqui há muito tempo? – ele quis saber.

    Senti um nó no estômago e levantei-me.

    – Talvez – eu disse, indo em direção à minha casa.

    – Você é sempre monossilábica assim? Eu só quero fazer amizades.

    Virei-me em sua direção.

    – E quem disse que eu quero? – Eu estava estranhamente nervosa com sua presença.

    – Você é sempre grossa assim ou é só comigo? – ele perguntou, em tom de deboche.

    Eu revirei os olhos, e entrei em casa.

    – Mas que sujeitinho… Grrr! – Eu estava visivelmente nervosa.

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