Em Nome Do Amor
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Em Nome Do Amor - Barbara Cartland
CAPÍTULO I
1886
Assim que o trem entrou na Estação Victoria, em Londres, soltando fumaça e vapor, Ilita teve um súbito impulso de agarrar-se a irmã Angélica, mas este pensamento pareceu-lhe ridículo. No convento, jamais gostara da irmã Angélica, a encarregada da lavanderia, cuja função era ensinar às garotas as tarefas mais enfadonhas, como costurar, remendar e cerzir.
Naquele momento, porém, o rosto da irmã, marcado pelo tempo, pelo menos lhe era familiar. Ilita não fazia ideia do que lhe reservava o futuro, a não ser o vazio do desconhecido.
«Se papai estivesse aqui, seria maravilhoso voltar a Inglaterra», pensou a jovem tristemente.
Sua companheira de viagem, a filha do embaixador da Itália junto à corte de St. James, achava-se de pé ao lado da janela, e começou a gritar:
—Já vi mamãe! Ela está ali na plataforma! Oh, irmã Angélica, por favor, desça o vidro da janela!
—Farei isso quando for o momento, minha criança— replicou a irmã—, sua mãe veio até aqui para encontrá-la; pode ficar tranquila que a encontrará.
A garota italiana não ouviu o que a religiosa disse. Ilita pensava com tristeza que nenhum parente viria recebê-la, e sim algum dos empregados da tia.
Parecia impossível que ao voltar a seu país, a única parenta que Ilita iria ver seria uma tia, que vira apenas uma vez e que lhe dera a impressão de ser uma pessoa desagradável, que não gostava dela nem de seu pai.
«Talvez ela fique contente ao ver-me agora», dizia a si mesma, tentando levantar o moral. Seu instinto, porém, lhe dizia que isso era improvável.
Durante toda a viagem de trem, de Florença até a Inglaterra, Ilita pensou no que havia acontecido com ela e imaginou como tudo seria diferente se o destino não tivesse sido tão cruel, abatendo-a daquele modo devastador.
Agora, poderia estar indo para Darrington Park, onde iria morar com o pai.
No entanto, seu pai estava morto. Parecia incrível, mas o irmão caçula do pai de Ilita, que o sucedera como sexto Conde de Darrington, morrera também há poucos meses, e restava apenas seu filho, um adolescente ainda, para continuar a tradição familiar.
Jamais passara pela cabeça de Marcus Darrington-Coombe, o pai de Ilita, que herdaria a imensa casa em Buckinghamshire e o condado, dos quais a família sempre havia sido extremamente orgulhosa.
Dos três filhos do Conde de Darrington, Marcus era o segundo. Com a morte do Conde, o título passaria para o filho mais velho. Assim, Marcus decidiu que viveria com a pequena renda que o pai lhe dava e iria explorar o mundo.
Casou-se com uma jovem que também gostava de aventuras; juntos, escalaram montanhas, estiveram na Ásia e em lugares exóticos nem registrados em mapas; navegaram rios infestados de crocodilos e atravessaram desertos desconhecidos, sempre com o otimismo de exploradores amadores que não conheciam o significado da palavra «impossível».
Quando Ilita nasceu, não foi um empecilho para a vida de aventuras de seus pais. Estes simplesmente a levavam para onde quer que fossem. O bebê era carregado em uma cesta. Ora adormecia com o balanço, na corcova de um camelo, ora era levado montanha acima, em um cesto amarrado no lombo de um iaque; desde cedo aprendera a subsistir com alimentos estranhos, que poderiam matar outras crianças.
O que faltava à pequena família em dinheiro, sobrava-lhe em felicidade e divertimento. Ilita podia lembrar-se de sua infância como um período radiante, cheio de riso, alegria e amor.
Entretanto, há três anos, quando Ilita contava quinze anos, o desastre aconteceu.
Retornando por mar, de uma viagem à África, os três desembarcaram em Nápoles. Os pais de Ilita foram atacados por uma estranha febre, desconhecida dos médicos.
A mãe de Ilita morreu subitamente. Para o marido e a filha, a vida parecia insuportável. Dos dois, foi Ilita a mais forte; ela forçou o pai a comer e foi, gradualmente, fazendo-o interessar-se pelo que acontecia ao seu redor: as escavações de Pompéia e a descoberta de uma linda villa romana, em Capri.
Por amor à filha, Marcus voltou aos poucos à sua vida normal, apesar de fraco e abatido. Foi então que a madrinha de Ilita, a Sra. Van Holden, apareceu subitamente.
A Sra. Van Holden fora uma grande amiga da mãe de Ilita, e, sabendo que a afilhada e o pai estavam em Nápoles, viera de Roma, onde se encontrava, para dizer como sentia a perda da amiga.
—Eu adorava Elizabeth— dissera ela com os olhos rasos de lágrimas—, não nos víamos com frequência, depois que me casei com um americano. Não posso imaginar que ela já não esteja neste mundo, que a sua presença tornava mais belo.
Ao sentar-se com a afilhada e o compadre em um banco no jardim mal-cuidado do hotel barato onde eles se haviam hospedado, ela falou sobre o tempo em que ela e Elizabeth, ambas da mesma idade, haviam sido apresentadas no Palácio de Buckingham. Ambas pensavam que iriam conquistar o mundo, pois eram jovens e felizes.
—Sua avó, Ilita, tinha certeza absoluta de que Elizabeth iria fazer um ótimo casamento, pois era linda. Eu costumava rir e dizia que ela poderia ter uma fila de Príncipes, Duques e Marqueses da aristocracia britânica a seus pés. E sabe o que aconteceu?
Mesmo sabendo a resposta, Ilita perguntou:
—O que aconteceu, madrinha?
—Sua mãe viu seu pai em um baile e ficou perdidamente apaixonada por ele! Depois disso, se Reis ou o próprio Xá da Pérsia caísse de joelhos aos pés dela, declarando seu amor, ela simplesmente o ignoraria!
—E eu não estava menos apaixonado por ela— disse o pai de Ilita numa voz cheia de dor.
—Eu também logo me apaixonei— disse a Sra. Van Holden em seguida, não querendo continuar com aquelas lembranças que tornavam os seus amigos infelizes—, mas a minha família ficou horrorizada, porque o homem por quem me apaixonara era americano! Ele era adido na embaixada americana, em Londres. Depois que nos casamos, fomos morar nos Estados Unidos. Só posso dizer, com toda a honestidade, que temos sido muito felizes.
Depois de uma pequena pausa, ela continuou:
—Infelizmente, não tivemos filhos.
—Sinto muito por vocês— disse o pai de Ilita.
—Sempre senti muita falta de crianças— respondeu a Sra. Van Holden—, e é por isso que gostaria de conversar seriamente com você a respeito de minha afilhada, Marcus.
Ilita olhou surpresa para a madrinha, que continuou:
—Suponho que já tenha percebido que sua filha vai ser tão linda como Elizabeth, Marcus. Acho que será muito importante que, antes de fazer seu début na Inglaterra, ela seja mandada para uma boa escola de refinamento social para moças.
—Não sei aonde quer chegar!— exclamou o pai de Ilita, não escondendo o seu espanto—, nunca pensei em Ilita como uma debutante convencional.
—Pois saiba que é muito egoísmo de sua parte não desejar isso para sua filha!— disse a Sra. Van Holden—, é claro que Ilita deve ter as mesmas chances que Elizabeth e eu tivemos. Mesmo que ela não goste de bailes e recepções, nem do esplendor da sociedade londrina, que considero fascinante, deve pelo menos ver os dois tipos de vida; no futuro saberá escolher o que preferir.
—Quero ficar com papai!— disse Ilita depressa.
—E eu quero minha filha ao meu lado— disse Marcus, passando o braço ao redor dos ombros da filha.
—Você já a teve ao seu lado durante quase dezesseis anos. Já é hora de pensar em sua filha como uma moça e não como uma criança, meu querido amigo. Lembre-se de que um dia ela será esposa e mãe.
Ilita sentiu que o braço do pai a apertava como se quisesse protegê-la.
Eles conversaram e discutiram sobre o futuro de Ilita durante a tarde toda. A conversa continuou ainda durante o jantar que a Sra. Van Holden ofereceu aos amigos, no maior e mais luxuoso hotel de Nápoles, onde ela se hospedava.
Embora tivesse viajado muito com seu pai, Ilita raramente via o interior dos hotéis luxuosos, onde não podiam hospedar-se por não terem dinheiro suficiente. Na verdade, ela sentia-se muito mais à vontade em uma tenda erguida às pressas em algum oásis ou em uma casa pobre, numa obscura aldeia na índia.
Ilita olhou ao redor e notou que, comparada à Sra. Van Holden e às outras pessoas que jantavam naquele restaurante, estava muito mal vestida. Mesmo seu pai, apesar de ser um homem bonito e estar usando traje de noite, não parecia à vontade cercado de tantos cavalheiros elegantes.
—Estive analisando a situação, Marcus— disse a Sra. Van Holden depois do jantar—, queria dar um bom presente para minha afilhada, e não o ofereci antes porque não sabia em que parte do mundo vocês estavam nos dois últimos aniversários dela ou no Natal. Decidi oferecer a ela um curso de um ano e meio na mais renomada e mais importante escola de freiras, em um convento em Florença.
Ilita ouviu tudo contendo a custo sua ansiedade e a madrinha continuou:
—Já obtive informações seguras por meio da embaixada americana na Itália e de alguns italianos. Todos foram unânimes em recomendar o Convento de Sta. Sophia, o mais elegante e mais famoso colégio para moças de toda a Europa.
—Oh, por favor!— gritou Ilita—, não quero ir para um colégio!
—Tenho certeza de que é justamente de um bom colégio que você precisa no momento—, replicou a madrinha com certa severidade.
Depois, com um sorriso nos lábios, continuou:
—Sei que a convivência com sua mãe, que era muito culta, já foi uma bela educação e naturalmente, viajando por tantos países, você deve ter aprendido algumas línguas. Mas há outras coisas que uma jovem lady precisa saber, e é por isso que as jovens da aristocracia, sejam elas francesas, italianas ou inglesas, fazem, em geral, mais de um ano em uma escola de refinamento social. Aí, então, saem de seus casulos, como borboletas, para um mundo fascinante!
Ilita teve vontade de rir ao ver o modo como a madrinha se expressava. A Sra. Van Holden prosseguiu:
—Asseguro-lhe, minha querida, que você se transformará na mais linda borboleta, e será muito aclamada e cortejada quando aparecer em sociedade. Como sua mãe já não se encontra entre nós, quando você for apresentada no Palácio de Buckingham, eu virei da América e providenciarei tudo para que tenha um baile maravilhoso, como nunca se viu em Londres. Será inesquecível!
Um pouco assustada, Ilita estendeu a mão por baixo da mesa, segurou a mão do pai, apertando-a, e olhou para ele numa expressão silenciosa, suplicando-lhe para que não concordasse com os planos da madrinha.
Reconhecia, porém, que o pai, justamente por amá-la e por querer para ela o melhor que pudesse haver no mundo, iria concordar com a Sra. Van Holden. Afinal, o que a madrinha propunha era muito sensato, além de ser, com certeza, o que Elizabeth teria desejado para a filha.
O que aconteceu depois foi tão rápido que Ilita mal teve tempo de pensar.