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Os que ficam
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E-book157 páginas1 hora

Os que ficam

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Sobre este e-book

Escrita em 2015, Os que ficam é um diálogo teatral com Augusto Boal. Inspirada em fragmentos da peça Revolução na América do Sul, de 1960, e em escritos pessoais como a autobiografia Hamlet e o filho do padeiro, esta dramaturgia da Companhia do Latão apresenta um grupo de artistas de teatro que ensaia a peça de Boal na década de 1970, momento em que a repressão estava cada vez mais sufocante.

A partir desse núcleo temático, o texto discute a censura, a violência da ditadura, a necessidade de sobrevivência econômica, o apelo ao trabalho na televisão, o exílio de autores e, mais profundamente, a resistência da cultura contra os interesses do capital.

Os que ficam traz ao leitor a oportunidade de conhecer não só parte do histórico de luta de Boal e de sua geração, mas de resgatar os aprendizados do passado para construir o presente. A peça produz, assim, uma reflexão sobre as dificuldades da arte política na atualidade.

Realizada no Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio de Janeiro em janeiro de 2015, com assistência de dramaturgia de Julián Boal e direção musical, composição e execução de Martin Eikmeier, Os que ficam estreou com a participação especial de Cecília Thumim Boal.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de set. de 2020
ISBN9786587243009
Os que ficam

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    Pré-visualização do livro

    Os que ficam - Sérgio de Carvalho

    Capa

    Rosto

    Apresentação

    Sérgio de Carvalho

    Os que ficam

    Posfácio

    A luta continua!

    Iná Camargo Costa

    Notas sobre o processo

    Free Jazz com Brasil 70

    Julián Boal

    Anexos

    Ficha técnica da estreia

    Partituras

    Sugestões de estudo

    Sobre a Companhia do Latão

    Sobre o autor

    Notas

    Créditos

    Editora

    Landmarks

    Cover

    Title Page

    Foreword

    Rear Notes

    Copyright Page

    Colophon

    Apresentação

    Sérgio de Carvalho

    Houve uma espécie de fosso histórico entre a minha geração de teatro e a de Augusto Boal. O notável trabalho do Teatro de Arena, produzido entre os anos 1950 e 1970, já pouco influenciava os estudos teatrais quando ingressei na faculdade de artes cênicas da USP, no fim dos anos 1980. Nos ambientes universitários, havia mesmo a liquidação geral da produção artística alinhada ao imaginário nacional-popular, discutida sempre pelo lado de seus equívocos, com base numa autocrítica feita pela própria esquerda. E se o Cinema Novo, também já fora de moda, ainda contava com os filmes para desmentir as avaliações posteriores, no teatro não restavam mais vestígios daquela cena politizada e viva do passado, interrompida por exílios, desistências e ocultamentos impostos, ou pelo assassinato de artistas militantes.

    Tive a sorte, porém, de encontrar algumas pessoas que me indicavam a existência de uma história silenciada, não só pela ditadura, mas pelo ruído do ambiente tecnicista e internacionalizante do novo teatro de vanguarda, maior referência para as tantas escolas de ensino de artes que surgiam. Naquele tempo, início dos anos 1990, comecei a atuar como crítico e dramaturgo. A condição do trabalho jornalístico me aproximou de encenadores como Fernando Peixoto e Gianni Ratto, e também do crítico Décio de Almeida Prado. Lembro que, ao ler minha primeira crítica publicada, ele telefonou para me dizer: Está muito boa. Mas se você é dramaturgo, escreva peças. O teatro precisa mais disso!.

    Quando o Latão se formou anos depois, uma coincidência nos permitiu ensaiar no espaço do Teatro de Arena. Passamos meses ali trabalhando com textos de Brecht, com base numa edição em espanhol de A compra do Latão que me foi emprestada por Fernando Peixoto. O nome do nosso grupo veio desse espetáculo ensaístico e metateatral, que de certo modo lembra Os que ficam. Nossas referências vinham da vanguarda alemã dos anos 1930, contrapostas às imagens observadas nas ruas do centro de São Paulo. Procurávamos dar forma a essa interação. Até aquele momento, eu praticamente desconhecia a obra de Augusto Boal e de seus companheiros do Arena. Tive apenas um encontro breve com ele, para uma entrevista de jornal, feita em sua casa, em parceria com Nelson de Sá. Tempos depois, dividimos uma mesa de debates. Nos anos seguintes, entretanto, Boal passou a assistir aos nossos espetáculos. Um dia, saímos para jantar e ele me presenteou com uma coleção de seus livros. Enviou-me ainda um estudo feito por seu filho, Julián Boal, que se tornaria meu parceiro em dois espetáculos. Não esqueço o gesto do pai pelo filho. Tornamo-nos, assim, amigos. Li sua obra somente depois de conhecer a pessoa incomum, quando passei a admirar a quem já admirava.

    Após sua morte, colaborei com o processo de organização de seus arquivos e coordenei um grande evento comemorativo em São Paulo. Foi nessa ocasião, nos fins de 2012, que lidei, pela primeira vez, com a sua dramaturgia. Tenho a sensação de que só compreendemos uma peça quando a encenamos. Dirigi uma leitura cênica de Revolução na América do Sul,¹ sua dramaturgia mais épica, da qual participaram o ator Nelson Xavier e o ativista João Pedro Stédile, escalado para o papel do anjo imperialista. O elenco grande contava também com integrantes do MST, jovens estudantes e artistas do Latão. João Pedro se divertia com tudo e dizia: Minha estreia no teatro será ao lado do Nelson Xavier. Um dia, Nelson me chamou num canto e disse: Desculpa falar, vi que você está puxando a peça para a melancolia, mas ela é mais circo!. Nossa amizade cresceu a partir daí. Dois anos depois, quando Cecília Thumim Boal me convidou para organizar uma mostra ligada a uma exposição sobre Boal no Rio de Janeiro, imaginei incluir a peça na programação e encená-la para valer, aproveitando as canções compostas por Martin Eikmeier e o conhecimento de nossa equipe.

    O Brasil, entretanto, mudou muito rápido desde junho de 2013, em particular no campo da cultura política. Com a intensificação dos ataques ao governo – que levariam ao golpe de 2016 –, já não fazia sentido, para mim, em fins de 2014, montar a peça original se não fôssemos capazes de especificar o tipo de populismo que ela descreve, de modo a evitar associações injustas. Diante disso, pareceu-me melhor escrever outra peça. Uma que fosse capaz de traduzir algo do pensamento artístico de Boal e expressar nossas dificuldades e esperanças atuais. Também o movimento de teatro de grupo da cidade de São Paulo, do qual a Companhia do Latão fez parte, vivia uma crise. Um ciclo de invenção livre e politização da arte chegava ao fim. A profissionalização precária, feita de vínculos de dependência a editais públicos, e as cisões internas decorrentes de expectativas de uma circulação marginal que não correspondia mais à substância das pesquisas, apresentava agora sua conta, antes que a enxurrada conservadora arreganhasse seus dentes e desse início à grotesca guerra cultural antimarxista da atualidade.

    Nos primeiros dias de 2015 entramos na sala de ensaio. Tive a notícia da morte de Chico de Assis ao pisar no Rio de Janeiro. As canções de Revolução na América do Sul foram escritas por ele, artista inquieto e pensador crítico independente, mobilizador do CPC (Centro Popular de Cultura), que nos ajudou em mais de uma ocasião. Eu me lembrava disso a cada ensaio, toda vez que alguém cantava Zé da Silva é um homem livre, o que ele vai fazer?.

    Entre as incertezas do novo tempo e a vontade de dialogar com um passado que nos deixa, sabia que a peça poderia ser um anexo ao projeto Ópera dos vivos, conjunto sobre o trabalho da cultura política entre os anos 1960 e a atualidade. Mas

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