Rasga coração
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Sobre este e-book
Manguari Pistolão, protagonista do drama, é funcionário público e militante do PCB. Casado com Nena, trabalha duro para garantir o futuro de seu filho, Luca, de quem diverge politicamente dadas as posições orientalistas típicas da contracultura da década de 1970, às quais o filho é adepto. O clímax da peça se dá quando Luca, proibido de frequentar a escola de cabelo longo, arma um plano de resistência junto com os colegas e com sua namorada Milena. Manguari, entusiasmado com a luta política do filho, auxilia-o com ideias. De início Luca concorda com o pai, mas, contestado pela namorada, que é a favor da ação direta, acaba por desistir do plano.
O conflito entre pai e filho evoca o passado de Manguari, que, quando jovem, também discordara do pai, Custódio Manhães, um brigadista sanitário alinhado com ideias integralistas. A peça apresenta, entre focos de luzes e músicas de época, dois eixos históricos distintos: passado e presente. Usando a técnica da colagem, Oduvaldo Vianna Filho, rememora mais de setenta anos de história brasileira, passando pela Revolta da Vacina, tenentismo, integralismo, era Vargas, regime militar e contracultura.
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Pré-visualização do livro
Rasga coração - Oduvaldo Vianna Filho
Capa
Rosto
Apresentação
Maria Sílvia Betti
Prefácio do autor
A Vinícius, meu filho
Personagens
Primeiro ato
Cena 1
Cena 2
Cena 3
Cena 4
Segundo ato
Cena 5
Cena 6
Cena 7
Cena 8
Cena 9
Cena 10
Posfácio
Maria Sílvia Betti
Anexos
Prólogo inédito
Nota editorial
Fichas técnicas das apresentações
Sugestões de leitura
Notas
Sobre o autor
Sobre a organizadora
Créditos
Editora
Landmarks
Cover
Title Page
Table of Contents
Foreword
Preface
Dedication
Epigraph
Afterword
Appendix
Rear Notes
Copyright Page
Apresentação
Maria Sílvia Betti
Rasga coração, última peça teatral de Oduvaldo Vianna Filho, foi concluída em seus últimos meses de vida, e teve um percurso sofrido e inusitado até que por fim fosse exibida ao público. Inscrita no Concurso Nacional de Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro (SNT), a peça, unanimemente classificada em primeiro lugar pela comissão julgadora, foi sumariamente proibida pela Censura Federal, tendo sido liberada para encenação e publicação apenas cinco anos depois, em 1979.
A história do texto e a de sua primeira montagem liga-se a duas difíceis e angustiantes batalhas. A primeira, a do próprio Vianna, que fora surpreendido pelo diagnóstico de seu estado terminal ainda em pleno processo de criação. Seu objetivo era fazer da peça um épico das lutas políticas do país sob a perspectiva histórica de um militante anônimo do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em sua labuta diária pela sobrevivência, tarefa que apresentava uma ampla e inédita demanda de pesquisa. Diante da necessidade de conhecer melhor os registros da história não oficial, Vianna, auxiliado pela jornalista Maria Célia Teixeira, realizara um extenso levantamento de pesquisa em arquivos da Biblioteca Nacional, nos quais apoiou-se para a criação. O avanço rápido da doença e a corrida contra o tempo para concluir o trabalho acabaram fazendo da elaboração do texto uma luta consciente e dolorosa, impregnada de um forte empenho histórico de resistência diante da ditadura.
A segunda batalha ligada à história de Rasga coração foi a de José Renato, diretor a quem Vianna havia confiado a direção do texto. A morte prematura do autor, aos 38 anos, tinha ocorrido antes que se tivesse qualquer indício de autorização tanto para a publicação do texto como para sua montagem. Na sequência da premiação da peça, apoiado por um movimento amplamente constituído em prol da liberação do texto, José Renato fez vários apelos junto à Censura Federal em Brasília, todos sistematicamente negados. Iniciou-se, a partir daí, uma nova etapa dessa luta, impulsionada pela comoção nacional ligada à história da peça e à ansiedade crescente em conhecê-la. Rasga coração fazia o balanço histórico das lutas políticas da esquerda no decorrer do século XX, e havia sido escrita pelo artista cujo histórico de trabalho se ligava centralmente ao projeto épico e popular de cultura que o golpe de 1964 e o Ato Institucional número 5, em 1968, haviam procurado silenciar. Dentro desse contexto e diante da proibição dada como irrevogável, cópias mimeografadas começaram a circular em esquema artesanal, e leituras dramáticas clandestinas passaram a acontecer a portas fechadas em diversas partes do país.
Tratava-se de um movimento continuado de desobediência civil e de resistência organizada que se estendeu até 1979, quando Rasga coração, finalmente liberada, estreou sob a direção de José Renato no Teatro Guaíra em Curitiba. Pouco tempo depois o SNT lançou o volume com o texto da peça e a íntegra do Dossiê de pesquisa que lhe havia servido de base.
Mesmo antes de sua liberação, no período compreendido entre 1974 e 1979, Rasga coração havia se tornado o texto teatral mais lido e discutido nos setores ligados à cultura e ao pensamento crítico no país. A expectativa em torno das questões nela colocadas tinha norteado a maior parte das discussões sobre o teatro e sobre as perspectivas políticas do país ao longo desses anos, e a crescente expectativa nacional em torno de sua estreia reforçara o caráter de bandeira de luta que a peça tinha passado a representar. Construir um balanço histórico-crítico e dialético da vida nacional a partir do prisma das esquerdas em plena égide da ditadura era indiscutivelmente uma empreitada inédita e corajosa. Afinal, todo o florescente movimento de cultura popular anterior a 1964 havia sido brutalmente sufocado, e a sensação generalizada que vigorava entre os que dele haviam participado tinha passado a ser a de uma enorme falta de perspectivas.
Isso porque após a implantação do regime militar, muitos dos mais expressivos nomes ligados ao Teatro de Arena e ao Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE) haviam passado a trabalhar em elencos e em equipes de teledramaturgia de várias emissoras de televisão. Esse fora o caso do próprio Vianna dentro da Rede Globo, o que motivava críticas por parte dos que punham em dúvida a existência de brechas a serem estrategicamente ocupadas em instituições como essa, representativas do sistema. Paralelamente, a proibição recorrente de trabalhos de Vianna pela censura dentro do teatro profissional, ao qual se vira forçado a voltar após o golpe, não lhe dava perspectivas de trabalho como autor a não ser dentro da televisão.
Nesse mesmo contexto pós-64, o PCB, duramente criticado por outros setores da esquerda, passara a ser responsabilizado por ilusões políticas que teriam, em certa medida, aberto condições para o golpe. O grande impacto histórico gerado pela Revolução Cubana, em 1959, inspirara a organização de entidades voltadas à luta armada, e estas tinham passado a atrair até mesmo dissidentes provindos dos quadros tradicionais do PCB como Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira.
A situação de Vianna dentro desse momento histórico era delicada: apesar de ter chegado a divergir de posições oficialmente preconizadas pelo PCB no pré-64, sua empatia com a velha guarda pecebista jamais sofrera abalo, o que contribuiu para que ele não fosse poupado, no debate político pós-golpe, pelos que criticavam o partido.
O meio teatral propriamente dito não se mostrava menos difícil e restritivo para Vianna como dramaturgo: Opinião, de 1964, e Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, de 1965, aclamados pelo público de classe média e pela crítica, tinham cumprido um papel histórico de marcos da resistência no teatro, o que se devera em grande parte às estratégias neles utilizadas para tratar de questões políticas da ditadura recém instaurada. Espetáculos pouco posteriores, porém, e com recursos análogos, como Meia volta vou ver, de 1966, e Dura Lex, sed Lex, no cabelo só Gumex, de 1967, não haviam aprofundado a discussão e não haviam atingido a mesma receptividade calorosa.
Apreender e ampliar a figuração crítica das contradições políticas e históricas do país, desafio que se colocava para Vianna nesse momento, demandava o amadurecimento no uso da linguagem épica, o que seria enfrentado por ele nas três peças a que se dedicaria paralelamente: Moço em estado de sítio, de 1965, Mão na Luva, de 1966, e Papa Highirte, primeira classificada no Concurso Nacional de Dramaturgia do SNT no ano de 1968. É sintomático que o veto sumário da censura tenha recaído sem qualquer perspectiva de liberação sobre Moço em estado de sítio e sobre a premiada Papa Highirte, peças que tocavam no nervo de questões cruciais do Brasil e da América Latina. Nelas, Vianna confirmava e radicalizava sua opção pelo épico e por uma dramaturgia historicizante e repleta de elipses espaço-temporais.
Ao contrário do que habitualmente fazia com todos os seus trabalhos, Vianna não tinha chegado a submeter Mão na Luva à apreciação de seus companheiros e interlocutores, e o texto só foi descoberto entre seus guardados postumamente, em 1983.
Apesar das proibições sucessivas pela censura, Vianna teve cinco outras peças encenadas entre o início da década de 1970 e o ano que precedeu sua morte: na seara do cômico, ele atualiza e recria a concepção original de O homem que nasceu duas vezes, de seu pai, Oduvaldo Vianna, dando-lhe o novo título de Mamãe, papai está ficando roxo, em 1972, e escreve Allegro Desbum, de 1972-73, com o título original de Allegro Desbundaccio, ou Se o Martins Pena fosse vivo. Esses trabalhos procuravam um novo ângulo crítico para a comédia de costumes, com a qual Vianna tinha grande familiaridade. No campo dos dramas sociais, Corpo a Corpo, de 1970, e Nossa vida em família, de 1972, abordavam as contradições da classe média urbana, cooptada pelo próprio sistema que a oprimia e esvaziava sua vida de sentido. Já A longa noite de cristal, de 1970, colocava pioneiramente em foco na dramaturgia brasileira a manipulação de interesses de patrocinadores no meio televisivo dentro do setor de noticiários cotidianos. Se é verdade que essas peças trouxeram a Vianna a possibilidade de voltar a ter trabalhos encenados, é também verdade que elas não atendiam plenamente às expectativas dele próprio em ir além de uma dramatúrgia de diagnóstico dos impasses e contradições da classe média pós-golpe.
Os trabalhos criados na primeira metade dos anos 1960, como A mais valia vai acabar, seu Edgar, de 1960-61, que dera origem à criação do CPC, Brasil versão brasileira, de 1962, Quatro quadras de terra e Os Azeredos mais os Benevides, de 1963-64, tinham avançado significativamente na representação crítica das relações entre as classes e das questões socioeconômicas mais amplas. Peças com essas características, porém, viram-se inviabilizadas no período pós-golpe e pós AI-5. Tratar das questões da classe média representava uma estratégia possível diante da ditadura, mas representava também, inevitavelmente, deixar intocadas algumas das prioridades de Vianna como autor.
No imediato pós-golpe as metáforas e alegorias lítero-musicais de Opinião e de Se correr o Bicho pega... tinham permitido celebrar o alinhamento de artistas e público