Um encontro com a liberdade
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Um encontro com a liberdade - Júlio Emílio Braz
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ornamentoNuma manhã de setembro
1871
Manhã de sol fraco. Um vento inesperadamente frio e hostil soprava do porto cabriolando pelas vielas estreitas e malcheirosas que se entrecruzavam, ainda escuras, nas proximidades do morro de Santo Antônio. De alguns prédios velhos e acachapados da Primeiro de Março, vinham vozes nitidamente embriagadas e um homem rolou os poucos degraus de uma escada que levava para dentro de um deles. Ali ficou e não se viu ninguém disposto a ajudá-lo quando o infeliz, sangrando por um grande corte na têmpora direita, engatinhou prédio adentro. Um bonde puxado por burros passou sonolento. Um caleche gingava no calçamento esburacado. Vendedores de tudo e mais um pouco – carvão, galinhas, vassouras, leite tirado da vaca que seu proprietário puxava por uma corda ensebada – começavam a vir de todas as direções numa grande maré ruidosa. Barulho, muito barulho, caleches e carroças misturando-se à crescente confusão de carros puxados por homens truculentos e, não raramente, sujíssimos.
Valentim Pedrosa caminhou com certo orgulho para dentro da igreja de Nossa Senhora do Carmo, Henriqueta acompanhando-o com a criança pequena, pouco mais do que um recém-nascido, enrolada numa manta. Padre Quintino já os esperava na companhia de dois noviços. Valentim, um português corpulento e de espessas sobrancelhas grisalhas como o cabelo que crescia em duas grandes costeletas e nas têmporas, sorriu, agradecido, ao reconhecer mais três outras pessoas entre aqueles que os esperavam: Hermes Saldanha, um comerciante imenso de vasto bigode vermelho, que possuía uma pequena loja de secos e molhados vizinha à sua; e Fernando e Veridiana Feitosa Abrantes, conterrâneos que chegaram com ele muitos anos antes e se estabeleceram para os lados do Russell com uma loja de roupas que atendia à rica clientela da praia do Flamengo. Amigos de verdade, os poucos que aceitaram o seu convite para presenciar o batismo de seu filho.
– Gabriel – informou, por trás de um sorriso que alargou-se um pouco mais depois que o padre lhe perguntou o nome da criança.
ImagemValentim o segurou muito satisfeito consigo mesmo, quando o religioso molhou-lhe a testa com água, os olhos desviando-se da criança para a mulher a poucos passos atrás de si. Trocaram um sorriso, mas mesmo naquele instante pôde perceber uma certa melancolia no rosto negro de Henriqueta. Não compreendia, ou talvez preferisse não compreender. Estava tão feliz com o filho que ela lhe dera e em batizá-lo que sequer se preocupara em perguntar o que ainda a deixava triste num momento de tamanha alegria.
Talvez entendesse melhor se ele, como Henriqueta, fosse um escravo. Ela não se iludia. Mesmo dando-lhe um filho e sendo sua companheira há mais de dez anos, desde que Valentim chegara de Portugal e começara a enriquecer com o comércio numa loja do Largo do