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Sing Backwards and Weep (Português): Memórias
Sing Backwards and Weep (Português): Memórias
Sing Backwards and Weep (Português): Memórias
E-book506 páginas10 horas

Sing Backwards and Weep (Português): Memórias

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Sobre este e-book

"Mark Lanegan: primitivo, brutal e apocalíptico. Como não amar?"
– Nick Cave

"Pungente, nervoso, tenso e hipnótico. Um relato verdadeiro e sóbrio de como é viver na agonia do vício, com toques de Bukowski, Burroughs e Hunter S. Thompson."
― Gerard Johnson, cineasta britânico

Um livro de memórias corajoso e emocionante de Mark Lanegan (Screaming Trees, Queens of the Stone Age, Soulsavers), narrando seus anos como cantor e viciado em drogas em Seattle, nas décadas de 1980 e 1990. Lanegan leva os leitores de volta às ruas sinistras e cheias de agulhas da cidade que foi o celeiro do grunge, para uma cena de música alternativa que estava, simultaneamente, explodindo de criatividade e dominada pelas drogas. Ele descreve o tumultuado processo de ascensão e queda do Screaming Trees, que começou como uma banda briguenta de bar e se tornou mundialmente famosa ao emplacar um single na parada alternativa da Billboard. Da parte de trás da van à frente do bar, do quarto de hotel à sala de emergência, no palco, nos bastidores e em todos os outros lugares, Sing Backwards and Weep revela as entrelinhas abrasivas de uma das décadas mais romantizadas da história do rock, nas palavras e lembranças de um sobrevivente que viveu para contar a história.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de dez. de 2021
ISBN9786599181658
Sing Backwards and Weep (Português): Memórias

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    Que livro maravilhoso! Sensível, dolorido e profundo. Comecei a ler dias antes do falecimento do Mark, o que fez com que sentisse um pesar ainda maior com sua partida.

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Sing Backwards and Weep (Português) - MARK LANEGAN

1

A INFÂNCIA DE UM DELINQUENTE

Com o cordão umbilical enrolado no meu pescoço, nasci por cesariana, em novembro de 1964, e então fui parar no lado errado das Montanhas Cascade, na pequena cidade de Ellensburg, no leste de Washington. Minha família vinha de uma longa linhagem de mineradores de carvão, lenhadores, contrabandistas, criminosos, condenados, fazendeiros sujos de Dakota do Sul e caipiras do tipo mais cascudo e ignorante. Eles vieram da Irlanda, da Escócia e de outras partes do Reino Unido. Minha avó materna nasceu no País de Gales de pais galeses. Os nomes dos meus pais, dos meus tios, das minhas tias e das minhas avós vieram direto dos Apalaches para os desertos de Washington e para todo o estacionamento de trailers no meio do caminho. Nomes como: Marshall e Floyd, meus avôs; Ella e Emma, minhas avós. Roy, Marvin e Virgil, meus tios; Margie, Donna e Laverne, minhas tias; Dale, meu pai; e Floy, minha mãe. À minha irmã mais velha foi dado o nome de Trina. Eu fui o único que escapei de um nome do meio de estirpe branca do mato, com um nome que odiava, mas agradeci a Deus quando descobri que minha mãe tinha a intenção de me batizar como Lance. Lance Lanegan. Eu não podia pensar em nada mais ridículo e humilhante e agradeci ao meu pai por não permiti-lo. Depois dessa, podia viver com Mark. Mas sempre preferi simplesmente ser chamado pelo meu sobrenome, Lanegan. Sempre que me apresentava a um estranho, usava meu nome do meio, William. Mas, como que por telepatia, era assim que meus professores, treinadores e conhecidos se referiam a mim: Lanegan.

Meus pais vieram de contextos de extrema pobreza e privação cruel. As vidas de ambos foram transformadas pela tragédia quando eram jovens. Ambos foram os primeiros membros de suas famílias numerosas a ir para a faculdade. Ambos se tornaram professores. Escola simplesmente não era para mim.

Enjaulado atrás de uma carteira, nunca tentava prestar atenção no que estava sendo lecionado. Frequentemente, me perdia em devaneios sobre o meu primeiro amor: beisebol. Depois da escola, passava horas jogando, partida após partida, até ficar escuro demais para enxergar.

Finalmente, acabaria indo parar em casa para aguentar o inevitável abuso da minha mãe. O foco principal de sua raiva (apesar de haverem muitos ângulos em seus ataques) era o fato de que eu nunca estava em casa. Ela era o próprio motivo que me mantinha longe. Para evitar suas corrosivas ofensivas psicológicas, tanto minha irmã mais velha quanto eu procurávamos uma desculpa para estar em outro lugar. Das minhas memórias mais antigas, eu e Trina também dávamos nos nervos um do outro. Como meu pai dificilmente estava em casa, eu estava à mercê das duas fêmeas o tempo todo. A única coisa que parecia dar algum prazer à minha mãe era me ridicularizar e caçoar de mim ou de qualquer coisa em que eu demonstrasse interesse. Uma de suas falas favoritas enquanto me dava um tapa no rosto era: Você não é meu filho!. Como eu queria que isso fosse verdade. Aos 6 anos de idade, minha mãe testemunhou o pai sendo assassinado no gramado em frente à casa de sua família, então foi criada só com homens em acampamentos de lenhadores onde trabalhava como cozinheira e se tornou uma adulta tóxica. Uma obra de arte, como meu pai diria.

Quando meus pais se separaram, felizmente optei por ficar com o meu pai. Embora ele sempre projetasse uma tristeza profunda e silenciosa ao seu redor, era um homem empático e de bom coração. Mas desde que era muito jovem ele não podia me controlar.

Eu roubava chocolates Snickers, Three Musketeers, Milky Way e Almond Joy da venda da Vail, na rua em frente à minha escola, e os vendia com desconto para os meus colegas de classe. Me tornei obcecado por brincar com moedas, um jogo no qual os participantes soltavam seus trocados em direção a uma parede. Quem quer que fizesse a moeda parar mais perto da parede levava todas as outras. Passava cada minuto livre juntando crianças para jogarem comigo e ficava puto quando tocava o sino para voltar para a aula. O pai de um amigo próximo era um vendedor de artigos de jogo que viajava a bares e tavernas ao redor do estado vendendo pranchas para socar e outras diversões nas quais bêbados podiam desperdiçar seu dinheiro. Em um fim de semana, fiquei na casa do meu amigo enquanto meus pais estavam fora.

Ei, Matt, vamos entrar e conferir as coisas do seu pai.

Foi o que bastou. Escalamos pela janela do celeiro onde seu pai mantinha a mercadoria. Peguei algumas pranchas de socar do seu estoque e as levei para casa. Então eu estava mesmo contaminado com esse compulsivo foco demoníaco de me dar bem sempre que enxergava uma oportunidade; isso batia forte. Com nada mais do que tempo nas minhas mãos, fui ao trabalho. No transcorrer dos dias seguintes, abri sem dó as pranchas para socar com uma chave de fenda, com muito cuidado para não deixar nenhum sinal de danificação. Então passava horas rolando e desenrolando os pequenos pedaços de papel de dentro delas, removendo os que continham as cifras 20, 50 e 100 dólares, substituindo-os por 1, 2 e 5 dólares e outras de pouco ou nenhum valor. Então eu cuidadosamente colava as duas metades da prancha novamente. Meu trabalho artesanal era tão apurado, que você não podia perceber que algo tinha sido feito. O dia todo carregava as pranchas na minha bolsa da educação física e deixava as crianças darem socos por 1 dólar cada. Claro que ninguém nunca faturou dinheiro alto, já que eu tinha retirado aqueles selos, o que muito divertia o meu amigo Matt.

Minha vigarice consumia meu dia a dia, cada ação, cada pensamento. Era a primeira coisa na minha cabeça ao acordar e a última antes de ir dormir. O que me tornou em uma figura impopular para alguns dos alunos que ficavam chocados com a minha agressividade, com a minha disposição para arrancar o dinheiro deles. Nunca fazia diferença o quanto ou quão pouco dinheiro eu tinha. Só ganhava vida ao inventar maneiras e ao desempenhar ações para faturar. Ficaria pior.

Enquanto estava no segundo colegial, comecei a roubar algumas latas de cerveja do suprimento infinito do meu velho e a levá-las escondido para a escola na minha bolsa de educação física. Ele também era carpinteiro e tinha construído um bar completo e uma sala para jogar cartas com seus camaradas, ao lado do meu quarto, em nosso porão. Ele os havia construído com madeira que tinha conseguido de graça fazendo demolição de celeiros na região. Eu bebia as cervejas surrupiadas entre as aulas, em um armário para produtos de limpeza que não era usado ou atrás de uns arbustos altos no pátio da escola durante o intervalo. Comecei a fumar maconha, apenas um dos três garotos de segundo colegial que faziam isso na minha pequena cidade rural. Me tornei um ladrão barato. No intervalo de cada aula, pedia para usar o banheiro e rapidamente atravessava nossa pequena escola até o armário do vestiário. Vasculhava os bolsos das calças das crianças que não trancavam suas coisas. Trocados, notas, o que estivesse ali eu pegava. O único período do dia em que não roubava era durante a minha própria aula de educação física. Nunca fui pego.

Meu pai passou pouco tempo tentando me educar. Devido à sua própria e pródiga agenda de bebedeira e ao seu interesse vitalício em perseguir mulheres e jogar cartas a noite inteira com os camaradas, ele rapidamente desistiu de tentar exercer algum controle. Isso felizmente me permitiu correr de maneira feroz pelas ruas. Depois dos anos desagradáveis nas mãos da minha mãe, eu amava meu pai por essa nova liberdade para explorar minhas obsessões da época, meus fascínios selvagens, meus crescentes fetiches perversos. Sentia-me como o garoto mais sortudo que conhecia, sem regras, sem hora para chegar em casa, sem nada. Aos 12 anos, era um jogador compulsivo, um alcoólatra principiante, um ladrão, um devasso da pornografia. Minha coleção de revistas pornô era gigante. Encontrei a maior parte delas passando horas mexendo nas lixeiras próximas aos dormitórios do campus universitário. Tinha dificuldade em esconder o acervo na casa grande de dois andares que dividia só com o meu pai e alguns cachorros.

Esconder qualquer coisa sobre a qual eu quisesse manter privacidade se tornou uma necessidade quando meus pais ainda estavam juntos. Quando eu tinha 9 anos, minha mãe encontrou uma caixa de pacotes fechados de camisinha que eu tinha pescado de uma lata de lixo e ficou atordoada. Pouco antes de se separar, encontrou um pipe de maconha no meu quarto e insistiu que eu visse um psicólogo. Este me disse: Acho que a sua mãe precisa de terapia, e não você. Ainda assim, a única coisa que meu pai não permitiria era o seu filho de 13 anos fumando maconha. Eu, às vezes, escondia minha maconha e os aparatos para fumar – bongs, seda, o pacote completo – no canil, sob a rampa da garagem. Várias vezes descobri minhas coisas não faltando, mas destruídas, ou pisadas com botas ou estraçalhadas a marteladas. Entendi o recado, fiquei mais esperto e encontrei novos esconderijos.

Meu pai acreditava que ações falavam mais alto que palavras. Eu podia contar com os dedos de uma mão e meia todas as conversas significativas que já tivemos. Em dada noite, ele me chamou no andar de cima.

Mark, suba aqui. Precisamos conversar.

Presumi que a polícia tinha vindo procurar por mim novamente, disse ao meu pai o que eles achavam que eu tinha feito e deram a ele uma janela de horário para me levar à delegacia.

Claro, pai. O que foi?

Bem, ele disse, sou professor e minhas turmas são compostas por crianças que não têm metade das oportunidades, das habilidades ou da motivação que você tem. A cada ano chegam um ou dois alunos que me dão uma sensação incômoda de que estarão na cadeia, em uma penitenciária ou num túmulo prematuro. Você ficaria surpreso com o quão frequentemente isso ocorre. Filho, tenho essa mesma sensação ao observar o jeito como você leva a vida fazendo… simplesmente o que dá na telha. Você acha que as regras que se aplicam ao resto de nós não se aplicam a você. Estou falando com você nesta noite porque cheguei à conclusão de que, embora você já tenha aprendido algumas duras lições, há outras mais a caminho. Você terá de aprendê-las de maneira muito difícil e dolorosa. Você é exatamente como seu tio Virgil. Do dia que nasceu até o dia que morreu, ele não teve nada além de dor, turbilhões e encrencas.

Meu tio Virgil morreu de alcoolismo terminal em um sanatório aos 43 anos. Ele passou anos cruzando o país, pegando caronas em centenas de trens, um verdadeiro errante. Enquanto estudante universitário, coube ao meu pai o fardo de viajar ao redor de todo o Noroeste para pagar fiança para o meu tio. Ele tinha que tirar meu tio da cadeia com tanta frequência, que, obviamente, desenvolveu algum ressentimento. Virgil caminhava pelos trilhos até que em uma noite caiu bêbado sob um trem e teve suas duas pernas decepadas. Meu pai me contou que estava no quarto de hospital quando Virgil acordou e percebeu que suas pernas já eram.

O que ele disse?, quis saber.

Ele não ficou feliz para caramba, respondeu com seu linguajar tipicamente limitado.

Enquanto arrumávamos a casa da minha avó depois que ela morreu, encontramos uma caixa de sapato cheia de cartões-postais que Virgil tinha enviado de todas as partes dos EUA. Todas começavam iguais, com ele dizendo de onde estava escrevendo e que trabalho braçal estava desempenhando. Cada uma delas era remetida à minha mãe.

Mark, você parece incapaz de mudar. Você se recusa a ser educável, meu pai disse. Educável era uma de suas palavras favoritas. Me forcei para não virar os olhos.

Portanto estou sugerindo que você amadureça, e com isso quero dizer que quero que você fique mais esperto. Não estou falando das brigas. Você já se mete nelas o suficiente e estou cansado de pagar pelas suas mãos quebradas.

Parecia que a cada duas brigas em que me metia, em uma eu quebrava as articulações do meu punho.

Você precisa endurecer sua mente e seu corpo. Para os lugares onde está indo, filho, vai precisar de toda a força e esperteza que tiver para sobreviver. Não sei por quê, mas você simplesmente saiu da caixa dessa maneira. Igualzinho ao Virgil, puta merda, ele disse, chacoalhando a cabeça.

Era verdade. De todo mundo que conhecia, eu aparentemente era o ímã de merda humana mais sinistro já fabricado. Brigas foram uma constante do Ensino Fundamental ao Ensino Médio. Aos 14, fui socado no rosto por um adulto do lado de fora de uma pequena taverna na divisa com um estacionamento de trailers depois de pedir que ele comprasse cerveja para mim e meus amigos. Eu até carregava uma tatuagem, que era um pequeno ponto preto no rosto, de um dia em que um garoto me cravou um lápis na tentativa de furar meu olho.

No entanto, conforme me lembrava da minha infância, de sentar no chão ao lado da cadeira de rodas de Virgil com um cobertor em seu colo, ele me parecia o exato oposto do sujeito atormentado e sombrio que meu pai tentava retratar.

Quando eu batia nas próteses cosméticas que Virgil usava sob a calça, ele abaixava a cabeça e ria alto. Seu cabelo bem preto penteado para trás com gel me lembrava Elvis Presley.

Certo dia, vi uma foto extremamente chamativa de um homem sem camisa na capa da revista Creem, na única loja de discos, livros e histórias em quadrinhos de Ellensburg, a Ace Books and Records. Perguntei ao dono, Tim Nelson, quem era.

Este, meu amigo, é Iggy Pop.

Na rádio local da cidade rural culturalmente alienada em que eu morava, só tocava country. Ninguém em Ellensburg sequer sabia quem era Jimi Hendrix, nascido a apenas 140 km de distância, em Seattle. Tim tocou para mim alguns discos em 45 rpm do início do punk e fui fisgado e impactado para valer. Anarchy in the U.K., dos Sex Pistols, foi a revelação que mudou minha vida, instantaneamente e para sempre. Ficava hipnotizado com essa música agressiva e barulhenta. Quando criança, tinha um disco do Alice Cooper e o escutava obsessivamente, mas isso era algo diferente, que falava comigo de uma maneira que eu era incapaz de articular. Só sabia que precisava de mais.

Em poucos dias, eu tinha trocado todas as histórias em quadrinhos que havia colecionado na infância por discos: Sex Pistols, Damned, Stranglers e Ramones, Iggy, David Bowie, New York Dolls e Velvet Underground. Era um verdadeiro milagre que esses álbuns pudessem ser encontrados aqui, mas Tim Nelson era um cara único, que parecia um hippie, mas tinha gosto e curiosidade pelo novo e diferente. Agradeci a Deus por ter encontrado esses discos que escutei solitariamente por anos.

Frequentes escorregões com a lei fizeram pouco para melhorar minha opinião quanto a figuras de autoridade. Aos 15, fui preso e levado à delegacia para depor a respeito de uns rádios automotivos que haviam sido roubados no pátio de uma revenda de veículos. Quando não dei o nome do cara que eu sabia ser responsável, o capitão Kuchin foi deixado a sós comigo em uma sala.

Fabian Kuchin era conhecido por ser durão. Havia desempenhado a função de aplicar a lei com brutalidade por vários anos. Um braço estava engessado por conta de alguma prisão difícil ou briga de bar.

Então, vou perguntar mais uma vez. Quem levou os rádios?

Não sei, no instante em que as palavras saíram da minha boca, ele bateu na minha cabeça com o gesso do seu braço quebrado, me derrubando da cadeira.

Talvez assim você pense um pouco melhor da próxima vez em que eu lhe perguntar alguma coisa.

Não seria a última vez que os tiras de Ellensburg arrebentariam comigo. Alguns anos depois, enquanto deixava uma celebração do 4 de Julho, fui atingido no saco e na nuca por oficiais com cacetetes que me jogaram de bruço no asfalto. Kuchin foi preso anos depois por vender alguns gramas de cocaína para agentes federais disfarçados. Ele foi solto após pagar 25 mil dólares de fiança e um ano de trabalho forçado, um ótimo exemplo da corrupção endêmica que pairava ao redor da força policial da minha cidade, que morria de tesão por mim. De toda forma, comemorei a notícia da prisão de Kuchin. Sempre desejei a ele o pior.

•••

No colégio eu jogava beisebol, que amava, e futebol americano, que desprezava. Era um dos quarterbacks do nosso time e éramos péssimos. Claro, conseguia lançar a bola e o outro quarterback conseguia correr, o que não se somava em um conjunto vencedor. Nosso ponto fraco era um gigante, já com 1,80 m aos 17 anos, um jogador forte, rápido e poderoso, mas com mãos de peneira. Sempre que recuava para passar a bola, nos poucos segundos antes de ser esmagado pela defesa adversária, ele era o único alvo que eu podia enxergar. Não importava quantas vezes eu fizesse o lançamento, a bola comicamente quicava nas suas mãos, no capacete, na proteção do rosto ou no tronco. Ele se tornou um jogador de sucesso por mais de uma década na NFL, mas na defesa. Um brutamontes cuja função era bloquear os adversários e nunca tocar a bola. Após a maioria dos jogos, saíamos do campo mancando, derrotados, arrastando nossos traseiros até o vestiário.

E eu era o jogador aleatório. Apesar de jogar em uma posição que pressupunha liderança, os meus colegas de time me tratavam com um desprezo que mal escondiam. Não conseguia compreender a preocupação deles com notas médias, namoradas cheerleaders e atividades escolares. Ria sozinho quando os via trabalhando duro enquanto grupo para trapacear no dever de casa. Não dava a mínima sequer para trapacear. Não fiz uma única lição de casa em toda a minha carreira escolar. Não me importava se reprovasse ou, por algum capricho do destino, fosse aprovado nas minhas disciplinas. Por isso eu era tratado com uma mistura de curiosidade, desdém e medo. Ficava na minha e não levava desaforo para casa. Isso levou alguns dos supostos valentões a tentarem cutucar a onça.

Na volta de ônibus de uma outra derrota, alguém pediu para escutar o que eu estava ouvindo. Minha playlist de punk rock foi diplomaticamente passada de um membro do time para o outro até que todos participassem da minha ridicularização. Nunca vou me esquecer da maneira como eles riram e me olharam como se eu fosse louco. Um corredor, um dos caras mais populares do time, jogou um cubo de gelo na minha cabeça para divertir seus amigos. Quebrei minha mão socando ele nos fundos do ônibus e depois passei o resto da temporada jogando como corredor, com a minha mão de lançamento engessada e enrolada em várias camadas de espuma de borracha e fita adesiva.

No intervalo das temporadas, me descobri um alcoólatra. A cada dia no caminho de volta da escola, eu descia do ônibus quando ainda estava no centro, parava em uma venda e roubava uma garrafa de MD 20/20, um vinho fortificado conhecido como Mad Dog. Deslizava a garrafa achatada pela parte da frente da minha calça, saía agindo naturalmente e subia a rua até o parque, onde a bebia. Então voltava e pegava mais uma garrafa. Era como se aquelas garrafas achatadas tivessem sido desenhadas para tornar o vinho vagabundo mais fácil de roubar.

Depois da minha segunda garrafa, eu parava no campus da universidade para roubar uma bicicleta. Então era um passeio embriagado e aterrorizante, frequentemente interrompido por alguns capotes antes que eu chegasse ao canal que corria pela mata, a 700 m da minha casa. Lá jogava a bicicleta na água, atravessava a ponte e caminhava o resto do trajeto até a minha casa. Isso durou alguns anos.

Meu pai foi preso por dirigir embriagado e perdeu sua carta de motorista. Isso coincidiu com a minha aprovação na autoescola, e enquanto todos da minha idade ganharam carros e suas licenças, tive de esperar até a situação do meu pai estar legalizada, com seguro automotivo revalidado, antes de tirar a minha carta. Ele passou seis fins de semana na cadeia e pagou uma fiança até que pesada. Fiquei puto que, mesmo seis meses depois de passar no teste, ainda não podia dirigir legalmente. Depois do que pareceu uma eternidade, tirei minha carta de motorista quase aos 17. Em um final de tarde, levei uma garota para dar uma volta na estrada de terra adjacente ao canal para beber cerveja e, com sorte, trepar. Certa hora, ela saiu para urinar nos arbustos. Quando voltou, ela estava vibrando de excitação.

Mark, você tem que sair e ver isso!

Ela me acompanhou até o canal agora seco, abarrotado com esqueletos enferrujados e cobertos por junco de setenta bicicletas ou mais. Senti a culpa de ladrão na forma de um arrepio na nuca.

Que estranho, falei, e então a levei de volta até o carro.

Todos os meus segredos. De jeito nenhum os revelaria, agora ou nunca.

No final do segundo colegial, finalmente decidi: foda-se o futebol americano. Meu único amigo no time, um jogador durão e malandro, uma espécie de irmão mais velho adotado chamado Dean Zeek Duzenski, tinha se formado no ano anterior. Ele tinha sido meu camarada de bebedeira, conselheiro e, em algumas ocasiões em que precisei, protetor. Um dia, enquanto vestia o uniforme para o treino, encontrei meu capacete inundado de refrigerante. O zoeiro havia sido o maior e mais pesado jogador da defesa no nosso time, um cara negro extremamente grande, que pesava bem mais de 130 kg, chamado Waddell Snyder. Eu era um alvo frequente de suas piadas e do seu abuso, e ele raramente perdia a oportunidade de me encher o saco. O time inteiro assistiu espantado a um dia quando, depois do treino, Zeek passou uns bons 10 minutos dando a surra mais intensa, calculada e devastadora que já testemunhei no valentão enorme, lento, falastrão e desafortunado. Ele emendava um soco no outro na cara do garoto até ele ficar quase irreconhecível. Desnecessário dizer que Waddell Snyder nunca mais sequer falou comigo. Eu também estava em completo descompasso com os outros membros do time e suas preocupações juvenis e odiava o treinador desde o começo. Nunca engoli direito o jeito como ele me dava ordens como se eu fosse um soldado em treinamento.

Quando me recusei a aparecer para o treino no primeiro dia do verão do que seria minha última temporada, nosso treinador decidiu aparecer pessoalmente na minha casa. Ao não conseguir me levar de volta, ficou bravo, cutucou meu peito no meu quintal e me chamou de desistente e de perdedor. Meu pai, que também era professor no meu colégio, finalmente saiu da casa.

Ei, treinador, disse rispidamente, por que você não sai da porra da minha propriedade antes que eu chame a polícia?

Eu ri alto. Embora a cada duas palavras que meu pai falasse uma fosse caralho ou merda, eu nunca tinha ouvido ele dizer porra. Ele ter me salvado do meu treinador – seu colega de trabalho – me trouxe uma alegria incalculável.

•••

Depois de passar horas bebendo em casa com um amigo, o convenci a colocar em prática uma ideia sombria que há muitos anos rondava minha mente. Dirigimos até a zona rural no Jeep do meu amigo até encontrarmos a van que pertencia a uma agente de condicional que eu detestava. Sentei em um campo que estava servindo para armazenar feno para o gado do marido dela e o veículo utilitário servia para cobrir os muitos acres de propriedade que eles tinham. Enquanto meu amigo roubava peças do motor e ferramentas, eu destruía a van com uma marreta. No caminho para casa, o rádio do carro, instalado entre os dois assentos, começou a falhar; quando nós dois estávamos conseguindo sacudi-lo de volta à vida, meu amigo tirou os olhos da estrada, nos mandando direto para o fundo de uma vala paralela ao pavimento.

Fui jogado para fora do Jeep e violentamente atirado contra o asfalto. Fui tirar o cabelo do meu rosto e ele saiu na minha mão. Fui parcialmente escalpado, a lateral da minha cabeça gravemente dilacerada. Meu amigo, que estava dirigindo, teve seu polegar arrancado.

Andamos quase 1,5 km até a fazenda mais próxima, meu amigo segurando o polegar no lugar, gemendo de agonia, com sangue espirrando do buraco na mão dele. Eram 4h da manhã quando batemos na porta pedindo ajuda. Fomos recebidos pelo dono da casa apontando uma espingarda na nossa cara. Enquanto esperávamos pela ambulância na cozinha dele, fiquei olhando a enorme poça com o nosso sangue que se formava no antigo piso de linóleo. Um policial leu meus direitos enquanto eu estava na cama do hospital.

Ao meu caso ser levado a julgamento, minhas queixas anteriores foram levadas em conta: vandalismo, arrombamento de veículo, múltiplas ocorrências de espalhar detritos, invasão, vinte e seis multas por beber com menos de 21 anos, furto de bebida alcoólica, posse de maconha, roubo de bicicleta, roubo de ferramentas, roubo de peças automotivas, roubo de peças de moto, urinar em público, roubo de barril de cerveja e chopeira, fraude de seguro, roubo de rádios de carro, embriaguez em público, arrombamento, posse de propriedade furtada e, na minha segunda prisão por urinar em público, uma acusação de arruaça. Fui condenado por vandalismo, roubo e pelas acusações por beber sendo menor de idade; levando em consideração minha longa ficha juvenil, fui sentenciado a dezoito meses de prisão. Cumpriria minha pena em Shelton, uma prisão de segurança média em Washington. Enquanto fiquei em pé no tribunal para escutar minha sentença, o juiz reviu minha ficha criminal e se dirigiu diretamente a mim.

Alguém já tentou ajudá-lo com o seu problema, filho?

Eu não disse nada.

Vendo esta ficha, é evidentemente óbvio que você é um alcoólatra e um viciado em drogas. Cada uma dessas acusações está relacionada ao consumo de droga ou álcool.

Continuei sem dizer nada.

Senhora procuradora, acho de certo modo difícil de compreender sua disposição para mandar um menino de 18 anos, ainda no colégio, para a prisão. Estou chocado que não ocorreu a você ajudar esse garoto. Senhor Lanegan, estou dando a oportunidade de uma vida a você. Sugiro fortemente que faça um exame de consciência e autorreflexão. Estou suspendendo essa sentença sob a condição que você complete um ano de tratamento por abuso de substâncias como paciente externo. Você também está doravante ordenado por esta corte a tomar doses regulares e supervisionadas de Dissulfiram. Se você falhar em cumprir esses requisitos à risca, não terei nenhum remorso em enviá-lo para Shelton por um ano e meio.

Saí atordoado. Sabia que o juiz havia me dado uma oportunidade e tanto. Mas minha maior preocupação era como eu conseguiria beber tomando uma droga que existia exclusivamente para te fazer sentir vontade de morrer ao beber. Quando eu era criança, no meio de um parque local durante o inverno, vi um nativo-americano beber depois de ter tomado Dissulfiram. Ele ficou estatelado de costas em uma mesa de piquenique, gemendo miseravelmente. Eu não seria trouxa de tentar a sorte e beber álcool durante meu ano sóbrio por determinação da corte.

Mas, em 1982, ninguém no meu programa sequer fazia teste de urina. Continuei a vender e a usar maconha e ácido diariamente. Quase todo dia antes da escola, comia um pedacinho de ácido, dava uns tapas num baseado, e subia na minha caminhonete para ir à aula. Ia ao programa quatro vezes por semana. Muitas vezes, no grupo, quando o conselheiro perguntava a todos sóbrios e limpos, hoje?, eu estava chapado ou fritando suavemente de ácido.

Nas primeiras duas semanas da minha última temporada de beisebol, eu estava de longe no meu melhor ano. Apesar de ainda ser o início da temporada, eu estava rebatendo a mais de 200 jardas, às vezes fazendo a limpa ou rebatendo em quinto, dependendo da disposição adversária, as duas posições de destaque na ordem de rebatedores. Arremessava quase sem esforço. Se estivéssemos vencendo, eu entrava mais perto do final da partida, lançando pelo menos duas vezes mais forte do que o primeiro arremessador, ou tirava rebatedor após rebatedor ou os acertava no corpo e na cabeça, mandando-os de volta para a primeira base.

Com a merecida reputação de descontrolado, eu já tinha a vantagem quando rebatedores adversários entravam. Ninguém queria ser atingido por uma bola rápida, uma ou duas vezes eu fechava o jogo com três eliminações consecutivas. Finalmente, depois de anos de temporadas medíocres, meu desejo latente de vencer estava sendo realizado. E havia o boato de que recrutadores que trabalhavam para times universitários tinham começado a comparecer aos nossos jogos, embora, com minhas notas incrivelmente abaixo da média, fosse virtualmente impossível que eu chegasse à faculdade. O beisebol tinha me oferecido uma fuga da minha mãe quando eu era criança, mas duvidava que seria meu bilhete de saída da poça de mijo parado que Ellensburg havia se tornado.

O vice-diretor da escola apareceu em um treino e puxou o treinador Taylor de lado. Não conseguimos escutar o que estavam dizendo, mas quando meu treinador jogou seu boné e peitou o superior feito um dirigente contestando uma decisão do árbitro, meus colegas de time deram risada. Ri com eles. Então o treinador pediu que eu me aproximasse.

Havia sido levado à atenção da escola que eu tinha sido reprovado em Economia Doméstica no semestre anterior e, portanto, não havia cumprido o mínimo de disciplinas necessárias para participar das atividades esportivas. O vice-diretor tinha acabado de informar o treinador que a minha carreira como jogador de beisebol havia chegado ao fim.

Taylor não estava pronto para aceitar essa decisão e foi falar com a professora que tinha me caguetado. Ela fez um acordo com ele. Se eu chegasse na escola 1h mais cedo que as primeiras aulas da minha grade e cursasse sua disciplina novamente, poderia continuar a jogar beisebol, que era a única coisa que me importava. Me perguntava como chegaria à aula a tempo, já que naquele horário normalmente estava dando tapas em um bong no meu quarto, mas aceitei o acordo; eu teria concordado com qualquer condição para jogar.

A professora tinha algumas coisas que ela queria desabafar no meu primeiro dia mais cedo para a disciplina Economia Doméstica – Parte II.

Mark Lanegan. Você é um dos alunos que vejo perambulando por esta escola que me enchem de enjoo.

Por essa eu não esperava.

Você se acha o Joe Cool, mas eu estou aqui para dizer que você está enganado. Lixo é o que você é. Só concordei com isso porque eu quero ver do que você é feito, embora já saiba. Estou bem ciente de que você está fumando maconha todo dia.

Essa última parte ela acertou na mosca.

Se você acha que será moleza, então você está novamente enganado, meu amigo. Agora você vai achar essa disciplina mais difícil, já que da última vez você parecia achar que era uma espécie de piada. Não é piada, amigão. Você vai ter uma tonelada de dever de casa e vou esperar que você tenha terminado quando chegar a cada manhã. Se você chegar a atrasar alguma coisa, nosso acordo está cancelado. Desejo-lhe a melhor sorte.

Tudo isso às 7h da manhã? Fiquei confuso com a hostilidade dela. Por mais que eu tenha me ausentado durante grande parte das aulas dela, no semestre anterior, nunca causei problemas, nunca criei confusão ou sequer falei na aula. Claro, tinha levado zero no meu trabalho de fim de semestre, que era moleza. Consistia basicamente em costurar dois pedaços de nylon exatamente do mesmo tamanho. O que, como qualquer coisa que envolvia alguma habilidade estúpida que eu sabia que nunca me faria falta, se provou além da minha capacidade. De alguma forma, havia despertado alguma coisa ruim nela e ela se deleitou com a vingança. Eu não era um gênio matemático, mas facilmente entendi o placar aqui. Ela não tinha concordado em me ajudar, mas em me causar dor. E em tornar minha parte impossível de cumprir. Ela podia ter sido minha mãe.

Senti uma tristeza pouco familiar brotando no meu peito. Meu sonho de uma vida de jogar beisebol tinha chegado ao fim. Além de punk rock e de ficar doidão e trepar, era a única coisa na vida com que me importava. Novamente, cá estava eu, um pedaço da escória destinado a ficar na merda.

Obrigado por me fazer perceber suas bondosas intenções, senhora Stevens. Acho que minha única opção é recusar sua generosa oferta.

Me virei e fui embora.

Quando apareci atrasado para o treino daquele dia e entreguei ao treinador meu uniforme cuidadosamente dobrado, parecia que ele ia chorar, ou talvez tenha sentido que eu choraria.

Sinto muito, treinador, mas as cartas estão na mesa. Não dá para mim. Ela nunca teve a intenção que eu desse certo.

Mal saí do colegial com uma média D- em um diploma fajuto ajambrado por alguns dos colegas simpatizantes do meu pai. Eu completei meu programa de um ano de drogas e álcool e um advogado designado pela corte moveu uma petição para que os meus antecedentes juvenis e adultos fossem expungidos. Me mudei para um conjunto de alojamentos estudantis de dois andares, onde passava os dias lavando os carpetes para o dono e as noites fazendo balada e tomando ácido. Em um fim de tarde, comi ácido demais e tive uma bad trip incrivelmente longa e pesada. Meus amigos tiveram que me enrolar no carpete para me conter. Na manhã seguinte, dei um tapa num bong e fui catapultado ao meu pesadelo de LSD. Depois disso, toda vez que tentava fumar maconha era instantaneamente impulsionado de volta a esse lugar aterrorizante. Meu hábito de me manter longe do álcool pelo uso constante de maconha tinha acabado de voar pela janela. Me submeti de bom grado ao alcoolismo.

Eu apagava toda vez que bebia. Minha moto era uma Yamaha 750. Inicialmente, tinha meus olhos em uma Triumph chopper usada, mas me consolei com uma moto japonesa que considerava inferior. De qualquer modo, eu amava aquela 750, o sentimento de liberdade que ela me dava enquanto pilotava. Com frequência, andava embriagado a mais de 140 km/h e, sem a obrigatoriedade de usar capacete, sem este. Acabava em algum motel decadente de beira de estrada e, cambaleando até a recepção, perguntava: Que horas são?, Que dia é hoje? e então Que cidade é esta?. Com a cabeça latejando com uma ressaca terrível, perambulava por alguma cidade de merda da qual eu tinha zero lembrança de já ter estado até encontrar minha moto. De alguma forma, me safei milagrosamente desse hábito maluco por tantas e tantas vezes. O único momento em que ela encontrava o asfalto era quando eu tinha que parar em um farol vermelho. Bêbado demais para segurar a onda, minha máquina e eu caíamos inofensivamente para o lado.

Minha namorada do colégio, Deborah, tinha largado a faculdade, voltado para a cidade e vindo morar comigo. Resolvi abandonar a bebida e então passei um ano miserável tentando parar e falhando. Eu não conseguia passar de sexta-feira à noite. Bebia por 24h, sem drogas, só bebendo e sem dormir. Aí ficava inconsciente por 24h. E então passava 48h delirando. Deitava de costas na cama com o enorme telefone preto de disco pousado no peito, esperando até eu chamar uma ambulância, pois tinha certeza de que iria morrer a qualquer momento.

Chegando a sexta, apesar dos meus grandes esforços para manter a sobriedade, no final do dia acabava me remoendo até um ponto agonizante demais em que inevitavelmente cedia e fazia tudo de novo. Era uma montanha-russa insuportável, que cobrava um preço tão alto, mental e fisicamente, que cheguei a contemplar o suicídio. Se a vida seria assim, eu estaria melhor morto.

Enquanto trabalhava como assistente de mecânico durante a temporada de colheita nos campos locais de ervilha, decidi ir embora para Las Vegas, onde meu primo disse que havia emprego para mim em algum restaurante. Um dia antes da fuga da minha vida de labuta no Washington rural e caipira, minhas pernas foram esmagadas por um trator em um acidente industrial. Fiquei de cama, com uma dor excruciante, perdido na raiva. Nunca sairia vivo de Ellensburg.

A essa altura, Deborah já tinha sofrido o suficiente e me trocou pelo seu chefe, em uma pizzaria. Furioso, quebrei todas as janelas do meu apartamento com a ponteira da minha muleta e desabei em um desespero aterrorizante. Depois de três dias sem dormir de raiva constante e silenciosa, percebi que tinha passado a sexta-feira à noite sem beber. Eu vinha tentando isso o ano inteiro.

Já era chamado de o bêbado da cidade antes mesmo que pudesse beber legalmente. Eu tinha uma barba cheia aos 18 e comecei a beber em bares, sempre desmaiando e despertando atenção indesejada para mim de maneiras que muito frequentemente resultavam em violência. Mais de uma vez acordei na cadeia e tive de puxar o travesseiro do rosto, grudado com meu próprio sangue, com extremo cuidado.

Agora que a fossa tinha me tornado sóbrio, desenvolvi um caso de insônia crônica e passava minhas noites perambulando por Ellensburg a pé, fumando um cigarro atrás do outro. Às vezes era parado e questionado pela polícia. Eles estavam na minha cola desde sempre, portanto sentia alguma satisfação quando eles percebiam que eu não estava bêbado nem podia ser acusado de nada e tinham que me liberar. Pouco antes de fazer 21, me vi no improvável papel de cantor de rock de uma banda proeminente do underground com diversas oportunidades de companhia feminina. Graças a Deus que Deborah havia me deixado.

•••

Na primeira vez em que vi Van Conner, ele era apenas um garotinho deitado em uma piscina inflável no seu quintal da frente, sorrindo para mim enquanto eu caminhava para a escola primária. Em uma cidade de 8 mil habitantes, sempre soube quem ele era, mas não interagíamos. Nos encontramos por acaso uma vez, enquanto eu estava de castigo na sala de detenção durante meu último ano no colégio. Ele estava apenas no segundo ano, mas em seis anos foi a única pessoa que encontrei em Ellensburg que curtia punk. Ele e seu irmão, Lee, eram gigantes, ambos com mais de 1,80 m, talvez 140 kg. Van vinha ao meu apartamento comprar e fumar maconha e nós dávamos risada e escutávamos

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