Saci-pererê
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Saci-pererê - Anita Cimirro
ANITA CIMIRRO
SACI-PERERÊ
2016
Revisão: Wladimir Gonçalves
Capa: Antonio Alfonso Luciano (Desenho – lápis de cor)
Poema Sinfônico Saci-Pererê
composto por Artur Cimirro e gravado nos estúdios Opus Dissonus especialmente para este livro e disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fCq4DZO1OpI
SACI PERERÊ – Anita Cimirro
Pequeno negrinho, com uma só perna, carapuça vermelha na cabeça, que o faz encantado, ágil, astuto, amigo de fumar cachimbo, de entrançar as crinas dos animais, depois de extenuá-los em correrias, durante a noite, anuncia-se pelo assobio persistente e misterioso, inlocalizável e assombrador. Pode dar dinheiro. Não atravessa água como todos os ‘encantados’. Diverte-se, criando dificuldades domésticas, apagando o lume, queimando alimentos, espantando gado, espavorindo os viajantes nos caminhos solitários. O negrinho buliçoso, visível ou invisível, troçando de todos, aparece no folclore português.
Luís da Câmara Cascudo
(Dicionário do Folclore Brasileiro, 12ª. Edição,
São Paulo: Global Editora, 2012).
Após nos brindar com o Curupira
, Anita Cimirro envereda-se, agora, pelos mistérios de um dos principais mitos brasileiros: o Saci Pererê. Com amplo domínio territorial, o Saci está presente em todo o Sul do Brasil, local onde a autora ambienta seu livro, e nos países vizinhos, Argentina, Uruguai e Paraguai, com presença marcante e diversa.
Em Geografia dos Mitos Brasileiros (2ª. Edição, São Paulo: Global Editora, 2002), Câmara Cascudo traça um amplo panorama geográfico e histórico dos seres mitológicos que habitam o Brasil, e o Saci aparece como um mito primitivo e geral. Ele é descrito como ave, anão atrapalhador e negrinho com uma perna só e carapuça vermelha. Como ave engana pelo canto, possuindo assobio desnorteante, e aparece no Mundo Amazônico, como lenda do Rio Solimões. Viajando para o sul, o Saci adquire outras formas e na Argentina, Uruguai e Paraguai é um anão, vermelho, usando bastão de ouro ou uma varinha encantada, que lhe proporcionam poderes mágicos. No Brasil adquire as feições de um negrinho ágil, como conhecemos até hoje. Seu nome tem origem nos Tupis-Guaranis e sua jornada sul-norte coincide com o roteiro das migrações destes povos indígenas. Para Cascudo, o Saci é uma criação dos Tupis-Guaranis, tendo sido trazido ao Brasil por eles, aqui aparecendo em fins do século XVIII ou início do XIX.
Anita Cimirro, na sua ficção lúdica, discorre sobre todos estes elementos e sobre a magia que envolve o mito do Saci Pererê. Os dilemas existentes entre religião e superstição e o mundo infantil e o mundo adulto também são abordados em todas as suas nuances, confrontos e divergências. A cultura popular é tratada com muito respeito e reverência pela autora, sem o preconceito que a associa, erroneamente, à ignorância e à falta de educação formal.
Como o personagem do Coelho Branco da famosa obra Alice no País das Maravilhas
, de Lewis Carroll, a autora nos conduz e nos convida a entrar num universo paralelo, repleto de estórias, crenças, mitos e lendas, onde o Saci Pererê é o grande anfitrião e somos, todos, deslumbradas crianças.
Que façamos uma excelente viagem a este universo que descortina para nós toda a riqueza e ludicidade do nosso folclore e do seu rico imaginário popular.
Natal/RN, 09 de Janeiro de 2016.
Daliana Cascudo Roberti Leite
Presidente do LUDOVICUS – Instituto Câmara Cascudo
SACI PERERÊ – UMA LENDA MUTANTE E MISCIGENADA
Toda tradição cultural em algum momento passou por mudanças oriundas das crenças e hábitos de uma determinada região ou país. Dentre os representantes do panteão brasileiro, o Saci Pererê é claramente o principal exemplo da mutação que um mito pode sofrer.
Uma lenda que começa apresentando um índio de baixa estatura, com um rabo comprido e uma capacidade de locomoção tão veloz quanto o vento, se transforma em um negrinho perneta que fuma cachimbo, usa um gorro vermelho e forma redemoinhos para rapidamente percorrer longas distâncias.
Seu âmago não mudou com o tempo, permanecendo em toda sua curta existência
como um ser brincalhão que gosta de confundir as pessoas e assustar ou cansar os animais, especialmente os cavalos.
João Simões Lopes Neto é um dos primeiros a mencionar o Saci no seu livro Lendas do Sul
(1913) e Monteiro Lobato, em O Sacy-Pererê: Resultado de um inquérito
(1918), compilou pequenos contos populares sobre esta lenda através de uma solicitação que fez pelo jornal. No entanto, a lenda era disseminada oralmente desde o período das Missões Jesuíticas Orientais
, mais conhecidas atualmente como Sete Povos das Missões
(1682-1801).
Há ainda uma série de crendices regionais que trataram o Saci de modo ornitomórfico, gerando inúmeras confusões entre pássaros distintos nomeados Saci
em regiões diversas, e isso explica o porquê da lenda em geral estar também relacionada com o assovio agudo característico que não permite as pessoas reconhecerem a real localização do ser em questão, uma vez que essa característica é descrita até mesmo por Emílio Goeldi (1859-1917) em Aves do Brasil
, de 1894.
Não é por acaso que Câmara Cascudo, maior referência de estudo folclórico brasileiro, nos dá ricas informações em Geografia dos Mitos Brasileiros
fazendo relações com manifestações semelhantes ocorridas em outros países (Trasgo, Yacy Yaterê, Kodolde, Ecaco, Ciapodos, Trolls, entre outros), e obviamente por este motivo citá-las na íntegra não se faz necessário.
Anita Cimirro apresenta o Saci Pererê, segundo livro da sua série de mitos brasileiros, como um ser universal que transita entre as diferentes culturas sem perder suas características mais conhecidas e que dialoga com facilidade com o pequeno Odorico, apesar de todos na região o temerem e buscarem a todo custo afastá-lo.
A escolha de ambientar o conto no Rio Grande do Sul se mostra feliz, como que se o estado sulista integralmente, num rompante que parafraseia Sepé Tiaraju, dissesse: Este Mito Tem Dono!
Se os mitos do Curupira, Mboitata e Ipupiara, os mais antigos mencionados pelos indígenas, são essencialmente puros no sentido de origem única, o Saci por outro lado representa o resultado da colonização brasileira refletido no mito mutante e miscigenado que é lembrado popularmente como principal ícone do folclore nacional.
Artur Cimirro
17 de dezembro de 2015.
AGRADECIMENTOS
Ao meu marido Artur Cimirro sempre disposto a ouvir e comentar os meus escritos. Pela composição musical que faz para cada livro que escrevo sobre mitos brasileiros. Pela introdução histórica que faz para esses mitos. Pelo incentivo em