Sobre o suplício da guilhotina
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Sobre o suplício da guilhotina - Pierre-Jean-Georges Cabanis
Sobre o suplício da guilhotina
Colofon_LinhaFUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP
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Superintendente Administrativo e Financeiro
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Editores-Adjuntos
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Colofon_LinhaCabanis: SObre o suplício da guilhotina. Organização e apresentação de Bruno Rates. Tradução de PEdro Paulo Pimenta. Coleção Pequenos Frascos. Editora Unesp Digital.© 2023 Editora Unesp
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior – CRB-8/9949
C113s
Cabanis, Pierre-Jean-Georges
Sobre o suplício da guilhotina [recurso eletrônico] / Pierre-Jean-Georges Cabanis; organizado por Bruno Rates; traduzido por Pedro Paulo Pimenta. – São Paulo: Editora Unesp Digital, 2023.
ISBN: 978-65-5714-466-4 (Ebook)
1. Filosofia. 2. Pena de morte. 3. Guilhotina. I. Rates, Bruno. II. Pimenta, Pedro Paulo. III. Título.
2023-2128
CDD 100
CDU 1
Índice para catálogo sistemático:
1. Filosofia 100
2. Filosofia 1
Editora afiliada:
Logotipo ABEUSumário
Apresentação
Bruno Rates
Sobre o suplício da guilhotina
Nota sobre o suplício da guilhotina
Do grau de certeza da medicina (introdução)
História fisiológica das sensações
[O cérebro e a secreção do pensamento]
Influência das doenças na formação das ideias e das afecções morais
A vida animal
[O eu e suas sensações]
Do sono e do delírio
Origem dos textos
Apresentação
Bruno Rates
¹
VinhetaNo Brumário do ano IV do calendário revolucionário francês (novembro de 1795 no calendário gregoriano), o jovem médico Pierre-Jean-Georges Cabanis, que contava então com 38 anos, publicava um texto no Magasin Encyclopédie ou Journal des sciences, des lettres et des arts. Ecoando o amplo interesse intelectual de seu fundador, Aubin-Louis Millin, esse periódico operava como um veículo de divulgação de diversos saberes, da história natural à crítica literária, passando pela química, a física e a filosofia. Intensas transformações políticas que se seguiram da Revolução assolavam a França de então, e o título do texto de Cabanis já anuncia o contexto em que foi escrito e a densidade da questão: Note sur l’opinion de MM. Oelsner et Sömmering, et du citoyen Sue, touchant le supplice de la guillotine
.² Desde o 9 do Termidor e a queda de Robespierre, instalara-se uma discussão – não só na França, mas em toda a Europa – acerca da pertinência do uso da guilhotina. A intervenção de Cabanis pode ser considerada, a justo título, como a sua estreia na arena filosófica europeia, que a essa altura se tornara indissociável de tudo o que dissesse respeito à Revolução.
O Magasin Encyclopédie abrigou um bom número de textos que se declaravam contrários à utilização desse método de execução, com destaque para uma série de cartas, publicadas no outono de 1795, entre Konrad Oelsner, jornalista prussiano baseado na França e observador da Revolução, e Samuel Thomas von Sömmering, médico anatomista alemão de prestígio, correspondente de Kant e Goethe, amigo de Blumenbach, lido por Schelling, e autor do influente tratado Sobre o órgão da alma (Über das Organ der Seele). O texto de Cabanis surge como uma resposta a essas críticas. Mas quais as motivações por trás das ressalvas de Oelsner e Sömmering?
É importante notar que, desde o início, a discussão se põe no terreno da fisiologia, e não da moral, pois, com algumas exceções, entende-se à época que esta última depende, em alguma medida, da primeira. O principal argumento de Oelsner e Sömmering é que a convulsão do corpo após a decapitação, bem como a torsão dos músculos da face e o revirar dos olhos da cabeça decapitada, indicavam claramente que os condenados continuavam a sentir extrema dor. Para demonstrá-lo, é evocada a célebre execução de Charlotte Corday, condenada pelo assassinato de Marat. Segundo testemunhas presentes na ocasião, a face de Corday, já decapitada, teria ruborizado de indignação ou pudor, no momento em que o carrasco, ao mostrar sua cabeça ao público, a esbofeteia
. Essa reação da morta se explica. É que, tanto para Oelsner como para Sömmering, o cérebro é a sede do sentimento e da sensibilidade, e permaneceria ativo enquanto houvesse circulação (como seria o caso da cabeça cortada, imediatamente após a execução). Esse princípio comprovaria a existência contínua de dor, mesmo após a separação da cabeça e do tronco. Segundo essa maneira de ver
, escreverá Cabanis, a alma existe, e sofre, tão somente na cabeça.
Pondo de lado, desde o início, a questão da existência da alma, Cabanis elenca algumas críticas à hipótese de Oelsner e Sömmering, todas elas com base em argumentos médicos: 1. A hemorragia violenta que se segue à decapitação interrompe a circulação e priva o cérebro do sangue necessário para manter a sua função, que é a formação do pensamento; 2. A circulação dos humores e a transformação que eles sofrem no órgão cerebral dependem do movimento alternado dos pulmões
, que cessa no instante em que a respiração é suprimida com a decapitação; 3. A influência do estômago, do diafragma e de muitas vísceras do baixo-ventre sobre a percepção das sensações e a produção do pensamento (feitas pelo órgão cerebral), que não pode ocorrer no corpo decapitado.
Para reforçar sua posição, Cabanis menciona o experimento da pipa
, conhecido como um dos primeiros episódios acerca da descoberta do fenômeno da eletricidade, em que seu amigo, o diplomata norte-americano Benjamim Franklin, decide, num dia de intensa tempestade e trovoada, amarrar uma chave a uma pipa, formando com isso uma espécie de para-raios. Um forte relâmpago atinge a nuca de Franklin, que tomba inconsciente. Uma vez acordado, ele não se lembra de nada, e declara não ter sentido e não sentir nenhuma dor. As descargas de eletricidade
em Franklin – tal como o golpe da guilhotina sofrido por Corday – atingem a medula alongada, centro de reunião de quase todos os grandes nervos
, e provam, segundo Cabanis, que esta "não é a sede do princípio vital, que não tem uma sede particular exclusiva, mas é o ponto para o qual convergem
a maioria das sensações vivas".
Cabanis julga as considerações do médico e professor de anatomia Jean-Joseph Sue mais coerentes quando comparadas àquelas de seus pares do além-Reno. Em seus textos, também publicados em 1795 no mesmo Magasin Encyclopédie, Sue evoca a execução de Corday como exemplo emblemático, embora sua posição, igualmente contrária ao emprego da guilhotina, seja motivada por razões distintas daquelas defendidas por Oelsner e Sömmering. Para Sue, se os movimentos regulares provam a sensação, e os movimentos convulsivos, a dor
, é improvável que a sensibilidade seja exclusivamente um atributo do cérebro, pois a sensação e a dor devem necessariamente se encontrar em todas as partes que palpitam no corpo desmembrado
. A sensibilidade dissemina-se por todo o corpo, mesmo quando não há comunicação entre as porções mutiladas e os principais centros nervosos.
Evocando a diferença postulada por Albrecht von Haller em 1752, na Academia de Ciências de Göttingen, entre irritabilidade (limitada aos feixes musculares e, portanto, relativa ao movimento) e sensibilidade (incidente às fibras nervosas e concernente à dor), Cabanis afirma, distanciando-se de Haller, que Sue leva a irritabilidade à sensibilidade
. A persistência dos movimentos observada no caso de Corday e outros (Sue discute a sensibilidade de amputados, de oficiais feridos em situações de combate e guerra etc.) decorre do fato