Samba de bateria: A linguagem do samba para bateristas e percussionistas
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Sobre este e-book
Samba de bateria: a linguagem do samba para bateristas e percussionistas é, assim, uma pesquisa sobre os caminhos de adaptação do samba para o kit de bateria (drumset), com base nos elementos rítmicos de escolas e rodas de samba. Acreditando que o estudo técnico de qualquer grande estilo musical deva implicar algum conhecimento do seu contexto social e cultural, Diego Zangado & Fernando Baggio traçam, na primeira parte do livro, um breve panorama das raízes e da evolução do samba, bem como da história da bateria e dos bateristas do gênero no Brasil. Isso para chegar à segunda parte didático-explicativa, em que apresentam uma variedade de ritmos, timbres, acentos e funções tradicionais do samba, originalmente tocados em variados instrumentos de percussão (caixa, surdo, tamborim etc.), e suas adaptações para o kit de bateria, com exemplos conhecidos e muitos outros por eles desenvolvidos.
Com um novo olhar pedagógico da bateria no samba, trata-se, enfim, de uma proposta pelo não apagamento das origens e da cultura desse ritmo tão brasileiro e tão cultuado.
O livro conta ainda com prefácio do compositor, sambista e estudioso das culturas africanas Nei Lopes.
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Pré-visualização do livro
Samba de bateria - Diego Zangado
Copyright © 2018 Diego Zangado e Fernando Baggio
Copyright © 2018 desta edição Editora Tipografia Musical [E T M]
Todos os direitos reservados. All rights reserved.
Editora Tipografia Musical
Editores: Bruno D’Abruzzo & Roberto Votta
Preparação e revisão de textos: Bruno D’Abruzzo
Projeto gráfico: Bruno D’Abruzzo & Fernanda Milani
Capa: Fernanda Milani sobre Surdo, de Vitor Barboni; Bateria, de Luís Filipe Teixeira (Groove Drum Co.); Dança do batuque (1835), de Rugendas; e textura by freepik.com
Conversão para Ebook: Cumbuca Studio
Primeira edição impressa: fevereiro de 2020
Partes deste livro poderão ser reproduzidas com a prévia autorização por escrito da Editora e nos limites previstos pelas leis de proteção aos direitos de autor e outras aplicáveis. Além de gerar sanções civis, a violação dos direitos autorais caracteriza crime. Mantenha viva a cadeia do livro: não tire cópias, compre livros.
FICHA CATALOGRÁFICA
Zangado, Diego
Z29 Samba de bateria [ livro eletrônico]: a linguagem do samba para bateristas e percussionistas. / Diego Zangado, Fernando Baggio. 1. ed. – São Paulo: Editora Tipografia Musical, 2020.
ePub
ISBN 978-65-87867-05-2
1. Bateria (música) - Instrução e estudo (métodos). 2. Instrumentos de percussão (música). I. Título.
CDD: 786
CDU: 789
Proibida a reprodução (Lei 9.610/98)
Impresso no Brasil
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA TIPOGRAFIA MUSICAL
Rua Silva Bueno, 2379 / 63
São Paulo-SP | CEP 04208-053
[+55 11] 4306-2080
editora@tipografiamusical.com.br
www.tipografiamusical.com.br
SUMÁRIO
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
PARTE I – BREVES REFLEXÕES HISTÓRICAS E SOCIAIS ACERCA DO SAMBA E DA BATERIA
As diásporas africanas e o samba
Samba em São Paulo
Cordões
Escolas de samba de São Paulo
Samba no Rio de Janeiro
Carnaval
No Rio de Janeiro
Em São Paulo
Oficialização em São Paulo
A bateria no samba
Bateria e bateristas no Brasil: breve nominata do samba
A indústria fonográfica, a mídia e a imprensa
Os dias atuais
PARTE II – CONTEÚDO DIDÁTICO-EXPLICATIVO
Aos professores e professoras
Adaptação
Vocabulário
Função
Questões técnicas
Pele e afinação
Corpo: madeira, metal, espessura, borda, medida, aro
Baquetas
Pratos
Montagem do kit
ADAPTAÇÕES: SAMBA TRADICIONAL (SAMBA DURO)
Chave do livro
Caixa
Como praticar
Adaptações para levada de caixa
Tamborim
Tamborim de escola de samba
Tamborim de escola de samba - Adaptações
Tamborim de roda de samba
Tipos de toque e notação musical do tamborim
Tamborim de roda de samba - Adaptações
Conduções e padrões
Cortes e repicadas
Virada de dois
Virada de três
Surdo de terceira
Repinique
Repinique - Adaptações
Roda de samba
Adaptações com base nos instrumentos de roda de samba
Viradas
BATUCADA PARA CONCLUIR
REFERÊNCIAS
AGRADECIMENTOS
PREFÁCIO
Segundo o conhecimento estabelecido, o instrumento musical referido no Brasil como bateria
(drumset, em inglês, ou kit de bateria, como neste livro é chamado) teria sido inventado nos Estados Unidos, por volta de 1890, quando os percussionistas, por razões estéticas e econômicas, se viram na necessidade de tocar vários instrumentos ao mesmo tempo. A base veio com as caixas e bombos das bandas de New Orleans e, entre 1900 e 1930, vários outros acessórios sonoros – pedal, pratos, sinos etc. – foram incorporados ao conjunto. Então, a conquista da diversificação de sonoridades ampliou o mercado de trabalho dos percussionistas que, assim aparelhados, estavam aptos a participar de trilhas sonoras de filmes, peças teatrais, espetáculos de dança, entre outras possibilidades.
No Brasil, a partir do Rio de Janeiro, esse invento espetacular – uma das maiores contribuições do povo negro à civilização das Américas, sem a qual não existiria a música popular mundial, como hoje a conhecemos – começou a aparecer após a legendária viagem a Paris do grupo Oito Batutas, estrelado pelos pioneiros Pixinguinha e Donga, em 1922. A formação do conjunto, nessa turnê, ainda não incluía bateria, estando a percussão a cargo de um pandeiro e um ganzá. Mas os Batutas tinham um outro percussionista, impedido por outros compromissos de integrar a trupe naquele momento.
Chamava-se João Thomás de Oliveira Júnior esse músico. Que, entretanto, após o regresso parisiense do grupo, a ele se reincorporou, no mesmo ano, para uma viagem à Argentina, tocando exatamente bateria. Interessante que, na relação de músicos dessa jornada portenha, constante do livro Pixinguinha, vida e obra, do jornalista Sérgio Cabral (Funarte, 1978, p. 47), ele é mencionado como J. Thomas, e não João Thomás
. Diz mais o importante livro: que, depois dessa viagem, ele teria se tornado regente de orquestras, as quais comandava usando luvas, pelo que ficou conhecido como O Maestro de Luvas Brancas
.
Excentricidades à parte, na década seguinte, a bateria já estava definitivamente incorporada à música popular brasileira, que já tinha o samba se consolidando como gênero e como espinha dorsal e principal corrente de nossa identidade musical. Nesse ambiente brilhavam instrumentistas como Valfrido Silva (1904-1972) e Luciano Perrone (1908-2001). Sobre o primeiro, saiba-se que, em 1934 – numa época em que a seção rítmica dos grupos musicais ainda recebia a qualificação de cozinha
, evidente evocativa do ambiente escravista –, foi distinguido como virtuose em seu instrumento, por conta de destacada participação no disco Preludiando, da pianista Carolina Cardoso de Menezes. E o segundo, três anos antes, teve atuação também marcante na gravação, pelo cantor Silvio Caldas, do samba Faceira, de Ary Barroso, na qual executa sugestivos breques, anunciadores das possibilidades do instrumento.
Paralelamente a essas inovações, na década de 1940, os conjuntos percussivos dos redutos onde o samba carioca tinha nascido, e de onde chegara aos palcos, ao rádio e ao cinema, eram ainda integrados por poucos e não muito variados instrumentos. Mas já se refletia neles a militarização que o país experimentava desde a proclamação da República, com a presença constante nas ruas de bandas militares em desfile e soldados em treinamento. Tudo isso chegou às escolas de samba que, proibidas pelos regulamentos de usar instrumentos de sopro (privilégio das grandes sociedades
e dos ranchos carnavalescos
, supostamente mais elegantes), foram multiplicando em suas seções rítmicas as caixas, os taróis, os surdos... E esses instrumentos, somados aos tradicionais tamborins, pandeiros, cuícas, reco-recos etc., foram imprimindo no samba das ruas os traços de sua identidade. Identidade que se desenvolveu a tal ponto, que cada escola de samba acabou por criar seu próprio estilo e sua sonoridade característica.
Foi assim que, através dos tempos, por conta da inventiva e da musicalidade de regentes como Mestre André, Waldomiro da Mangueira e Betinho da Portela, entre outros, as baterias das escolas foram se constituindo em verdadeiras e grandes orquestras de percussão. Até que chegamos aos tempos atuais, em que a cadência parece ter sucumbido ante as exigências da cronometragem no desfile carnavalesco.
Paralela e independentemente, nos salões populares de dança, das gafieiras e dancing-clubs, a bateria (drumset) assimilava os matizes do samba das escolas. E foi chegando aos redutos das classes mais privilegiadas, de onde penetrou no ambiente da bossa nova, afirmando o estilo samba-jazz, principalmente com músicos como Milton Banana, Edison Machado, Wilson das Neves, entre outros.
Por tudo isso, é muito importante este livro de Diego Zangado e Fernando Baggio. Trata-se de uma obra cujo didatismo exemplar contribui decisivamente para dignificar o samba como a célula-mãe da música popular brasileira, e também da chamada MPB
, sigla discriminatória e injustificável. Dele se depreende a arte de realizar de forma sonora a polirritmia e a síncopa contagiantes do samba, conjugando a pulsação de todas aquelas inúmeras variações possíveis com braços e mãos no samba de bateria.
Quando escrevemos pulsação
, referimo-nos àquela obtida com dois golpes de pedal no bombo em vez de um só; e que, segundo o grande músico e teórico Luis Felipe de Lima, acontece a cada tempo do compasso binário: a primeira batida produzindo uma semicolcheia anacrústica
e a segunda, a cabeça do tempo
. Aí reside um dos principais mistérios do samba.
***
Samba de bateria: a linguagem do samba para bateristas e percussionistas é, então, um livro que instiga e propõe a inclusão dos conteúdos dessa matéria fundamental não só no ensino de bateria mas também nos currículos escolares, como tema relevante nos estudos de Arte, História e Ciências Sociais. Pois a história do samba vem de muito longe! Seu DNA surgiu entre os povos bantos do centro-oeste africano (Congo-Angola); fez nascer seus primeiros rebentos por todo o litoral brasileiro; enviou suas crias, além de outras direções, para a Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo etc., onde ainda crescem e saem às ruas para ganhar o mundo, sempre se multiplicando e se transformando em infinitas possibilidades.
Nei Lopes
compositor, estudioso das culturas africanas, sambista e autor de diversos livros, entre eles, o Dicionário da história social do samba, em parceria com Luiz Antônio Simas
Jogos durante o Carnaval no Rio de Janeiro [Entrudo familiar] (c. 1822), de Augustus Earle (1973-1838)
INTRODUÇÃO
A bateria brasileira é um grande desafio para nós, bateristas. Especialmente porque os gêneros musicais brasileiros, em geral, não nasceram com a bateria, mas com muita percussão, o que torna o desafio das adaptações ainda maior. Outro fator que amplia esse desafio é que a história da nossa música popular (e podemos dizer da erudita também) não foi tão bem documentada, a ponto de termos perdido elementos realmente importantes que caracterizavam os ritmos em suas gêneses. Por último, de todos os gêneros brasileiros, o samba é o mais famoso e o que mais se distancia de seus elementos originais nas adaptações livres feitas por bateristas ao longo de sua história.
Daí considerarmos necessário abordar um pouco do contexto histórico e social do samba e da bateria no Brasil na primeira parte deste livro (Parte I). À primeira vista, sua leitura pode parecer longa e desinteressante para quem quer logo desenvolver a técnica do ritmo no instrumento. Como professores e educadores de bateria e do samba, contudo, podemos dizer que essa abordagem terá seu lugar no aprendizado da linguagem do samba de bateria como um todo. Sua leitura com certeza abrirá conceitos, possibilidades e caminhos que cada um/a desenvolverá adiante com uma marca própria. Portanto, ela se faz válida; e, também como bateristas, pensaríamos o contrário se assim não fosse.
Na longa e rica trajetória do samba, há momentos que acabaram determinando modelos de se tocar nosso instrumento, a bateria. Claro que não se trata de dizer do certo ou do errado. A questão essencial aqui são as possibilidades utilizadas e abandonadas ao longo do tempo, cujos motivos para isso podem ter sido os mais diversos, mas no geral mercadológicos. Os sambas da Era do Rádio, com suas orquestrações, exigiam uma outra maneira de tocar o instrumento. Essa mesma música virou produto de exportação, tornando-se ainda mais estilizada dentro desse conceito. Anos depois, a bossa nova trouxe outra batida, com outras características. Houve bastante evolução na parte harmônica, mas, por outro lado, abandono de muitos elementos do ritmo. De todo modo, o estilo ficou famoso e se tornou sinônimo de ritmo, de batida de samba mundo afora.
O samba-jazz foi outro estilo musical que disseminou uma nova forma de tocar samba na bateria. Mais solto e com muitas possibilidades, logo caiu nas graças dos músicos, sendo até hoje um dos estilos mais utilizados por bateristas do mundo todo. De certa maneira, deriva da bossa nova: muitos músicos deste movimento criaram grupos solo e instrumentais de samba-jazz. Sua influência maior, assim como da bossa nova, é o jazz americano, o que cria um caminho ainda mais distante das raízes do samba.
Portanto, muito do que vemos, ouvimos e tocamos no kit de bateria¹ não utiliza boa parte dos ritmos que estavam na origem do samba e que são tocados até hoje nas rodas e nas quadras das escolas de samba.
Na Bahia, um dos berços do gênero, há uma enorme diversidade de sambas e batidas. Pouco ou quase nada foi adaptado para a bateria convencional com base nessa fonte. Os estilos do Recôncavo Baiano, como o samba de prato, o samba de roda (declarado patrimônio oral e imaterial da humanidade pela UNESCO) ou o samba chula, têm essências que podem ser reconhecidas em rodas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas que pouco foram usadas em adaptações para o kit de bateria.
Pirapora do Bom Jesus, região do interior paulista considerada outro berço do samba, teve seus estilos – samba rural, samba de bumbo, samba do trabalhador – registrados por Mário de Andrade, mas eles, do mesmo modo, não aparecem em adaptações. Podemos observar sua proximidade com a bateria de escola de samba, especialmente no fraseado de surdos de terceira, que muito se parece com o bumbo do samba de Pirapora do Bom Jesus. Elementos estes poucos explorados no kit de bateria.
O samba do morro carioca, ou samba de terreiro, conhecido ainda como samba de quadra, apesar de tantos e famosos nomes, também pouco é representado no kit de bateria, embora talvez seja o estilo de samba que mais tenha sido adaptado para o instrumento, com criações para além da bossa nova e do samba-jazz.
Mas seria possível, depois de pelo menos três séculos de samba, mais de um século do kit de bateria e de tantas adaptações, como veremos, propor outra maneira, com outros elementos, de se tocar samba na bateria, ou, como chamamos aqui, o samba de bateria?
Acreditamos que sim. As raízes desses ritmos e estilos estão vivas, resistindo praticamente intactos, no quase anonimato de seus guetos e comunidades. Mas aí estão. Do Recôncavo a Pirapora, dos morros cariocas às periferias de São Paulo, em todos os lugares é possível ver e ouvir grandes músicos, velhos e jovens, negros e brancos, nos terreiros, no asfalto, nos quilombos, nas rodas ou sob os poderosos refletores das avenidas. Sim, as escolas e as rodas de samba são protetoras dessas raízes. É bem verdade que fizeram suas próprias adaptações, mas as características dos ritmos e batidas foram nelas mantidas muito mais próximas das suas origens, como veremos na segunda parte deste livro. Além disso, as cercanias de uma escola de samba revelam uma enorme diversidade de sambistas, compositores/as e instrumentistas que, hoje, pesquisam, preservam e, sobretudo, fazem samba.
Foi nas escolas e nas rodas de samba, portanto, que nós, dois bateristas brasileiros, buscamos essa (in)formação e inspiração para criarmos as adaptações e proposições apresentadas aqui para o kit de bateria. As escolas de samba carregam em sua história outras histórias – a de povos antigos,