Sobre a Canção e seu Entorno e o que Ela Pode se Tornar
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Sobre a Canção e seu Entorno e o que Ela Pode se Tornar - Túlio Ceci Villaça
Agradecimentos
Este livro é uma seleção de artigos do blog de crítica musical Sobre a Canção ao longo de seus primeiros nove anos de existência. Os textos selecionados cobrem um período de tempo extenso da nossa produção musical, com prioridade para o período pós-Bossa Nova, quando nossa música populars e firmou como uma das mais originais e potentes do mundo, até a produção contemporânea.
Os critérios para a seleção dos textos envolveram, além da relevância das canções, as melhores possibilidades de adaptação do formato digital para uma publicação física, em que as canções analisadas não estão disponíveis imediatamente. Por isso, recomendo vivamente que, à leitura de cada artigo, o leitor procureas gravações mencionadas para ouvir, mesmo que já as conheça, pois a reescuta é um dos instrumentos primordiaisda boa crítica. Quase todas estão disponíveis gratuitamente no YouTube ou em plataformas de streaming como Spotify e congêneres. Tento dar a abordagem mais ampla possível nas análises, contemplando aspectos históricos, semióticos, sociológicos, além dos musicais propriamente ditos.
Agradeço a muita gente nesses anos de publicação, mas particularmente a Tatiana Henrique e Carolina Barberan, pelas primeiras oportunidades de escrever sobre música; a Paulo Almeida, pela chance de escrever numa publicação externa pela primeira vez; a Eduardo Losso Guerreiro, pelos chamados à publicação no mundo acadêmico feitos a um não acadêmico; a meus interlocutores na crítica e no entendimento musical (muitos citados neste livro) Paulo da Costa, Luiz Henrique Assis Garcia, Leonardo Davino, Marcos Lacerda, Walter Garcia, João de Carvalho, Hugo Sukman, Luiz Antônio Simas e Leonardo Lichote, entre outros particularmente a José Miguel Wisnik, Arthur Nestrowski e Luiz Tatit, por abrirem alguns dos caminhos de crítica que percorro; e a Paula Ceci, por ter me perguntado por que não fazia logo um blog.
Prefácio
A música popular brasileira é tão rica que permite muitas profundas leituras. Os críticos musicais têm se desdobrado na dura tarefa de "entender o cancioneiro do Brasil há anos. E tome falar sobre a música brasileira em resenhas, livros, revistas, programas de televisão, programas de rádio etc. Dos anos 2000 pra cá, a internet não só possibilitou o aumento dos suportes – podcasts, blogs, canais no YouTube, listas no Myspace e no SoundCloud, Tumblr, Spotify, Deezer etc. –, mas permitiu que muitos diletantes e estudiosos de fora da academia e dos grandes veículos de comunicação contribuíssem também com a crítica musical. A tal da democratização. Os escritos de Túlio Ceci Villaça nascem justamente nessa onda.
Os textos aqui selecionados são parte de sua produção para a web. Mas engana-se quem pensa que vai encontrar um amontoado de textos rasos sobre música. Está enganado, também, quem pensa que essa produção literária só funcionaria no suporte das redes: os textos da web, juntos neste livro, são crônicas deliciosas e estudos profundos sobre o cancioneiro popular brasileiro. Túlio é um estudioso. Além de ter fluência na escrita, ainda possui o domínio sobre a teoria musical. Ao contrário de muitos críticos que passam ao largo das minúcias teóricas, o autor aqui se apoia justamente nelas para deixar seu texto ainda mais instigante. São precisas as análises que falam sobre escalas modais, harmonia, escolhas melódicas e arranjos. Aqui, repito, o mergulho é profundo.
A ideia de hiperlink que permeia toda a comunicação na rede pode ser o ponto de interseção nos textos que se apresentam. Uma sacada bastante original que faz conexões inusitadas e insuspeitas. Túlio nos revela os hiperlinks da MPB, as ligações que ninguém percebe, os "easter eggs" da canção brasileira. E é uma delícia, tanto para o público leigo quanto para o mais versado. Ninguém acaba este livro da mesma forma que começou.
PS:
Pensei em começar este prefácio contando como conheci Túlio. Mas é melhor contar como NÃO conheci Túlio. Estudávamos na escola Villa-Lobos no mesmo período, lá pelos idos de 1997/1998. Frequentávamos o bar que, salvo engano, tinha um apelido que fazia um trocadilho com o nome de Túlio, tínhamos os mesmos amigos, participamos dos mesmos concursos na escola. Túlio era melhor amigo do melhor amigo do meu irmão. Apesar de tantos pontos de contato, não nos conhecemos nessa época. Somente quase 20 anos depois fomos apresentados. O tempo foi generoso conosco. Cá estamos produzindo e falando de música.
Paulo Almeida – produtor cultural
Sumário
Teresa, um palimpsesto 11
Uma odisseia no som 16
Três Charles 22
Uma outra canção de exílios 26
O cante sem mais nada 30
Milton e o Eterno Retorno da melodia 35
Raul, do esotérico ao exotérico 39
Palavra nova que dispensa explicação 44
O Milagre de Dorival 49
O caminho do meio e o lugar comum 57
Luas, luas, luas, luas 61
O homem cordial contra o fascismo 65
Filhos da Aquarela: Querelas do Brasil 71
Uma canção e seus ramalhetes 76
Canções de guerra, canções de amor 80
Sina: uma reescuta 85
Filhos da Aquarela: Nação 91
A saga do menino do corpo fechado 95
A Tropicália vai passar? 104
Negão, neguinha, neguinho 111
A canção e o futebol 115
De Cartola a Fela Kuti – cantos de trabalho e mentalidade colonial 118
De Mário de Andrade a Mestre Ambrósio – uma epopeia 123
Funk, folclore, armas e felicidade 129
Marginal, fronteiriço, Beradêro 134
Seo Zé, sertanejo universal 137
Duas despedidas e um campo de morangos 141
A melodia do rap – Racionais MCs 145
A melodia do rap – Emicida 150
A melodia do rap – Criolo 156
Ora (lereis) ouvir estrelas 163
O medo, a vida, a morte 170
Funk, Freud, feitiço, as Foguentas e as fogueiras da Santa Inquisição 174
Filhos da Aquarela:
De ponta a ponta tudo é Praia-Palma 177
Quero ver a canção agora 185
Guinga e a última canção do beco 190
Vida e morte cirandeira 197
Os muitos caminhos das caravanas 201
O sistema da Babilônia a mais
de mil decibéis 208
O Carnaval contra o fascismo 213
Teresa, um palimpsesto
Henrique de Borgonha tinha poucas chances de alcançar fortuna, pois, embora fosse de uma das famílias mais nobres da Europa, era filho caçula, não tendo direito à herança. Assim, sua única saída era a mesma de muitos nobres arruinados ou com perspectiva de conquistas naqueles primórdios do século XII: aderir às Cruzadas ou, no caso, um seu reflexo, a Guerra da Reconquista da Península Ibérica aos mouros. Depois de ajudar o rei Afonso VI de Leão e Castela a expulsá-los da Galiza (o noroeste da Espanha atual), recebeu dele as terras um pouco mais ao sul, o Condado Portucalense, além de casar-se com uma filha ilegítima do rei, Dona Tereza de Leão.
O filho de Henrique, porém, após a morte do pai, entrou em conflito com a mãe, que pretendia manter o domínio sobre as terras aliando-se a Dom Fernão Peres de Trava, de uma poderosa família da Galiza (dizem que também seu amante). Portanto, Dom Afonso Henriques se rebelou, declarando suas terras independentes de Leão e Castela, e proclamando-se rei Afonso I de Portugal, em 1139.
No entanto, em Portugal não se falava português, e sim galego, ou melhor, galego-portugês, como é chamada hoje a língua que o originou. É justamente a partir do isolamento político de Portugal independente que a língua portuguesa vai começar a desenvolver sua identidade, incorporando, por exemplo, elementos árabes, enquanto o galego derivava para o espanhol. O primeiro documento escrito em português reconhecido é o testamento de Afonso II, neto de Afonso I, de 1214. Porém o marco do fim do português arcaico (e, portanto, início do moderno) é posterior ao Descobrimento do Brasil, datando de 1516! E a primeira gramática da língua portuguesa só surgiu 20 anos depois.
E por que este livro sobre a canção se inicia falando dessas coisas? Um pouco de paciência para penetrar nos meandros dessa novela. Sancho I, segundo filho de Afonso I e segundo rei de Portugal, por ser o segundo filho, só herdou o trono pela morte do primogênito. Teve inúmeros filhos e filhas (11 do casamento, mais vários naturais). A primeira filha era mulher, chamada Teresa – ou Tarasia ou Tareja, conforme se falava. Teresa casou-se com outro Afonso (não se perca). Esse era Afonso IX, rei de Leão (que a essa altura estava separado de Castela). Porém, depois de terem tido três filhos, o casamento foi anulado pelo fato de serem primos em primeiro grau! Afonso IX era neto materno de Afonso I de Portugal, e sobrinho de Sancho I.
Então, começam as desventuras de Teresa. Com a morte de Sancho I, Teresa herdou o Castelo de Montemor-o-Velho, mais suas redondezas e proventos. Sua segunda irmã Sancha e a caçula Mafalda herdaram propriedades do mesmo porte, e todas o direito de usarem o título de rainhas. Isso gerou em Afonso II, seu irmão, o temor de que Teresa, ao morrer, deixasse as vastas terras para os filhos, herdeiros do reino de Leão, o que significaria o desmembramento de Portugal. Assim, bloqueou o testamento. Diante disso, Teresa se recolheu a um convento. A pendenga só foi resolvida depois da morte de Afonso II por seu filho, Sancho II, que concedeu às tias o usufruto das terras, desde que renunciassem ao título de rainhas.
Afonso IX, ex-marido de Teresa, por sua vez, casou-se de novo, e teve mais cinco filhos. E, no entanto, acreditem, seu segundo casamento também foi anulado por consanguinidade! Berengária de Castela também era sua prima, dessa vez em segundo grau. Com a morte de Afonso, o reino de Leão passou a ser disputado pelos filhos de ambos os casamentos, com o agravante que Afonso havia deserdado o primogênito, Fernando de Leão, filho de Teresa. Finalmente, com a intervenção dela, outro Fernando, filho do outro casamento e rei de Castela, assumiu o trono, tornando-se Fernando III de Leão e Castela e unificando os dois reinos, iniciando com isso um processo que possibilitou as Grandes Navegações séculos mais tarde, mas que só terminaria com o fim da Reconquista e casamento de Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, em 1469, unificando esses reinos e constituindo o reino da Espanha.
Teresa voltou então ao convento, onde permaneceu até sua morte, em 1250. Em 1705, o papa Clemente XI beatificou Teresa e Sancha. Mafalda se juntou a elas em 1793, beatificada por Pio VI.
Contada toda essa história, um leitor desavisado pode pensar que nunca havia ouvido falar desses personagens, especialmente da Beata Teresa de Portugal. Ledo engano. Veja se já não conhece de cor esta história:
Terezinha de Jesus
de uma queda foi ao chão
Acudiu três cavalheiros
Todos de chapéu na mão
O primeiro foi seu pai
O segundo seu irmão
O terceiro foi aquele
Que a Tereza deu a mão
Terezinha de Jesus é a mais antiga canção em português ainda constante no repertório popular. Como todas as cantigas folclóricas, tem sua origem envolta em bruma. Há registros dela, ou de versões dela, na Ilha da Madeira, possessão portuguesa no meio do Atlântico, no formato de charamba, uma dança açoriana. Antes disso, ela se perde nos tempos. Há quem defenda que a Tereza em questão seria Santa Terezinha, e que os três personagens masculinos seriam, respectivamente, o Pai, o Filho e o Espírito Santo – este a quem Tereza deu a mão. A hipótese explicaria, inclusive, o erro de concordância do verbo acudir, uma vez que Deus é uno e trino
(sic).
Interpretações como esta, apesar de um bocado forçadas ao tentarem abarcar detalhes, não são de todo absurdas, dada a religiosidade devota do povo português. Fato é que uma canção folclórica como essa passou, literalmente, por milhares de vozes que são todas suas autoras em algum grau, e que a vão construindo até hoje – prova disso é que há inúmeras versões para além das duas estrofes mais antigas, como a conhecida da laranja quero um gomo, do limão quero um pedaço etc., além da correção do verbo acudir (possivelmente um resquício do português arcaico), nestes tempos em que a canção infantil tem quase sempre uma preocupação pedagógica embutida. Não há provas, mas apenas evidências, da correlação entre a Beata Tereza e a cantiga. Certo é que a crônica popular dos acontecimentos por meio da música é regra em populações sem alfabetização, maioria absoluta num Portugal que ainda mal se firmava como país.
Uma interpretação menos direta, porém igualmente instigante, diz respeito à posição social da mulher na sociedade – válida desde a época de Teresa e antes, até o século XX. Tomando-se aquele a quem Teresa deu a mão como seu marido, ela passa da responsabilidade do pai para a do irmão (quando da morte do primeiro), para enfim passar a ser posse do homem que a desposa numa vida de dependência e obediência absoluta a uma hierarquia masculina. Cantada num delicado tom menor, num casto ternário, Terezinha de Jesus seria então um retrato da passividade historicamente imposta à mulher. Ora, direis, essa interpretação entra em contradição com a vida de Teresa, que teve seu casamento anulado. Mas antes de ser contradição, essa polissemia é que garantiu à cantiga a sobrevida que teve e tem, partindo de um fato determinado para se tornar o retrato da cultura que a alimenta continuamente.
Mas há, sim, uma diferença fundamental na trajetória de Teresa: ela entra para o convento. Assim, o homem a quem Teresa dá a mão não é seu marido, cujo casamento é anulado e que ainda por cima despreza o primogênito: Teresa esposa a Deus. Trata-se de uma saída diversa do destino natural da mulher, talvez a única possível a quem passava por uma queda como a que Teresa passou. E, no entanto, há nessa saída a manutenção da dignidade. Nesse sentido, Terezinha de Jesus, contando a história da mulher que se sobrepôs a diversos revezes e lutas familiares, conseguindo, afinal, sobreviver, serve também como a crônica da luta da mulher pela afirmação e pela sobrevivência num mundo masculino, dentro das circunstâncias da época, com vieses tanto sociológicos quanto psicológicos.
Chico Buarque partiu da narrativa de Terezinha de Jesus para compor Terezinha, uma canção que é o desdobramento exato dessa visão do lugar da mulher. Na canção do Chico, o primeiro homem que se apresenta tem todas as características dessexualizadas do pai (Trouxe um bicho de pelúcia / Trouxe um broche de ametista), ao passo que o segundo, com seu comportamento agressivo e competitivo, assume a característica do irmão, com os quais se desenha uma relação edipiana (Indagou o meu passado / E cheirou minha comida). O terceiro é o amante, que tem a percepção completa da mulher e permite a ela a realização no relacionamento, o amadurecimento afetivo e sexual.
Ele não me trouxe nada,
Também nada perguntou.
Mal sei como ele se chama,
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher
Note-se que, efetivamente, esse processo cantado por Maria Bethânia em sua conhecida gravação está inteiro implícito na narrativa da cantiga original. Não é à toa: Terezinha de Jesus é uma canção que possivelmente passou quase um milênio sendo repetida, elaborada, macerada, desbastada, lapidada, conciliando, assim, como todo canto popular, uma extrema simplicidade com uma superposição espantosa e extremamente profunda de significações, desde a crônica popular das fofocas da família real até o processo de formação do sujeito, passando pela discussão do lugar da mulher na sociedade. Além de ter testemunhado o nascimento de uma língua e de um país, atravessando oceanos e espalhando-se por continentes, em inúmeras camadas de leituras e interpretações. Tudo isso em oito versos. E 900 anos.
Uma odisseia no som
[Ironia modo on] Elvis não morreu, e o homem nunca foi à Lua. Mas esqueça daqueles argumentos bobos como a bandeira americana estava tremulando
(estava suspensa por uma vareta) ou não devia haver penumbra
(ora, a luz do sol reflete na superfície). A prova definitiva é uma fotografia do set de film... ops, da Nasa em que, agachado ao fundo e meio escondido pelo astronauta Neil Armstrong, está, inconfundível, o cineasta canadense Stanley Kubrick. É claro que é ele, quem mais? E por que ele estaria ali? Ora, porque ele foi o diretor da encenação que foi a chegada do homem à lua. Repare a tela azul ao fundo. Essa e muitas outras evidências provam definitivamente que Kubrick foi o responsável pelas falsas imagens do pouso da Apolo 11 em 20 de julho de 1969. [Ironia modo off]
De toda essa teoria de conspiração de proporções literalmente astronômicas e levada ao paroxismo no documentário falso e hilário Dark side of the moon, do francês William Karel, fica uma pergunta que, embora de fácil resposta, serve também para dar a partida no assunto real deste texto: por que Stanley Kubrick foi justamente o escolhido (pelos paranoicos) para ser o diretor dessa alegada farsa? Ora, porque Kubrick dirigira no ano anterior o filme de ficção científica mais importante da história, e que disputa com alguns poucos o lugar de melhor filme jamais feito: 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Um filme emblemático tanto em termos de perfeição formal – de que Kubrick, perfeccionista notório, era mestre – como também em sua mensagem inconclusa e misteriosa sobre o início/fim da Humanidade. 2001, uma experiência visual antes de ser racional, mudou a maneira de imaginar o futuro e suscita ainda hoje investigações esotéricas interessantíssimas. Mas damos mais um passo para nos aproximarmos do tema real deste texto, tratando de sua trilha sonora.
A original é de Alex North, colaborador de Kubrick em Spartacus. Porém ela acabou sendo descartada. Em vez disso, Kubrick recorreu a temas de música de concerto de diversas épocas. É clássica a dança das naves espaciais ao som do Danúbio Azul, de Johann Strauss, ou o homem macaco lançando seu osso, que se transforma em nave espacial, sob os acordes de Assim falou Zaratustra, de Richard Strauss. Estes são temas bem conhecidos.
Porém as duas peças do compositor húngaro György Ligeti incluídas por Kubrick na trilha sonora de 2001, Atmosphères e Lux Aeterna, não têm temas cantabiles e facilmente reconhecidos. Na verdade, não têm ritmo definido, nem tom... São pura textura, puro efeito sonoro, pura falta de referência, em um caso orquestral, no outro com a voz humana. Estamos em pleno espaço sideral. Ligeti é um compositor do século XX (faleceu em 2006), e suas explorações timbrísticas tornaram-se referenciais na música de concerto.
Um ano depois de 2001 (ou melhor, de 1968, ano do filme), o homem chega à Lua (ou, segundo alguns, não chega). E no fim desse mesmo ano, os Mutantes lançam seu segundo álbum, e nele a canção 2001. Diversas outras canções já haviam sido feitas tendo como mote a chegada do homem à Lua. Ângela Maria cantara, na marcha de carnaval A Lua é dos Namorados:
Lua, ó Lua, querem te passar pra trás
Lua, ó Lua, querem te roubar a paz
Lua que no céu flutua
Lua que nos dá luar
Lua, ó Lua, não deixa ninguém te pisar.
E Gilberto Gil já cantara em Lunik 9, nome de uma das naves não tripuladas do programa espacial soviético que pretendia chegar à Lua:
Poetas, seresteiros, namorados, correi!
É chegada a hora de escrever e cantar
Talvez as derradeiras noites de luar
Porém, se essas duas canções tomam um ponto de vista anterior à alunissagem (na verdade, Lunik 9 a descreve quase cinematograficamente), em 2001, Tom Zé já está longe, no futuro. A conquista da Lua não é o seu mote, e sim um fato consumado. Aliás, para ser mais franco, nem foi exatamente Tom Zé que associou a música ao filme. Tom Zé havia composto a canção Astronauta libertado e aprovado a letra, mas não a melodia. Pediu ajuda a Caetano Veloso para refazer a música, mas não conseguiram nada que agradasse a ambos. Quando o Tom Zé já havia desistido da música, Guilherme Araújo, produtor dos baianos, chegou e jogou sobre a mesa uma fita cassete. Tom Zé leu o rótulo: 2001. Era a versão de Rita Lee para a composição, que ele adorou de cara.
2001, a canção, é bem diferente de 2001, o filme. Mas tem ao menos duas coisas em comum com ele: a capacidade de unir passado e futuro e a recusa de apresentar uma conclusão. Tanto quanto a letra futurista de Tom Zé, o arranjo de Rogério Duprat é a grande estrela dessa gravação (Gilberto Gil