Música Pop-Periférica Brasileira: Videoclipes, Performances e Tretas na Cultura Digital
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Música Pop-Periférica Brasileira - Simone Pereira de Sá
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
AGRADECIMENTOS
Sou grata a um conjunto de pessoas e instituições que colaboraram, de muitas maneiras, para esta obra.
Em primeiro lugar, às instituições de apoio a esta pesquisa: o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, por meio de bolsa de Produtividade; à Coordenação de Apoio ao Pessoal de Nível Superior – Capes, por meio de bolsa de estágio sênior no exterior e do Edital PROCAD/CAPES, que coordenei entre 2014 e 2020; além da Universidade Federal Fluminense, à qual sou vinculada como professora. Igualmente, agradeço ao acolhimento recebido durante meu estágio sênior no King’s College, Universidade de Londres, no ano de 2016, por intermédio de David Treece, professor do Departamento de Estudos Hispânicos, Portugueses e Latino-Americanos e coordenador do Grupo de Estudos em Música Brasileira; Frederick Mohen, professor do Departamento de Música e meu supervisor durante esse período; e Vinícius Mariano, diretor do King’s Brazil Institute; tanto quanto aos membros do grupo de pesquisa e aos amigos brasileiros que fiz lá: Daniela Vieira, Marcia Tosta Dias, Frances Goodingham, Sandra D’Angelo, Gaby Hoskin, Felipe Botelho e Luiz Moretto.
Aos pesquisadores do Laboratório de Pesquisa em Cultura e Tecnologias – LabCult, que coordeno na UFF, agradeço pela contagiante curiosidade, pelas fervilhantes ideias e pela incansável disposição para discutir qualquer assunto ligado à cultura da música. A esse oásis de criatividade, energia e afeto eu devo a minha fé e otimismo com o futuro da pesquisa no Brasil. Agradecimentos especiais a Romulo Vieira da Silva pela concepção da capa deste livro.
Aos alunos do curso de graduação em Estudos de Mídia e de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense agradeço pelo aprendizado cotidiano. E aos colegas, muitos deles também grandes amigos, pela parceria e dedicação à construção de um espaço de pesquisa plural e acolhedor, que me enche de orgulho e alegria.
Versões das ideias expressas neste livro foram apresentadas na forma de artigos em espaços científicos, sobretudo o GT de Som e Música da Compós, o GP de Música e Entretenimento da Intercom e os Congressos da Associação Internacional de Pesquisadores em Música Popular – IASPM, beneficiando-se do intenso diálogo com os queridos amigos da Rede de Pesquisa em Som e Música, em especial Adriana Amaral, Beatriz Polivanov, Cintia Sanmartin, Felipe Trotta, Jeder Janotti Jr., Jorge Cardoso, Micael Herschmann, Nadja Vladi, Rodrigo Carreiro, Simone Luci Pereira, Thiago Soares e Vinícius Andrade Pereira. Rede que tem ramificações no Canadá a partir das parcerias com Will Straw e Jonathan Sterne, docentes da McGill University; no Reino Unido, por intermédio de David Treece, Frederick Mohen e Ruth Adams, do King’s College; e em Portugal, através de Paula Guerra, docente da Universidade do Porto. Para além da Rede de Pesquisadores de Música, o convite de Fernando Resende para a participação no projeto de cooperação Culturas Literárias do Sul Global
, em parceria com a Universidade alemã de Tübingen, também propiciou um espaço importante para discussão de resultados deste trabalho. A vocês, obrigada pelo diálogo e pelas aventuras interinstitucionais nas quais pesquisa e amizade embaralham-se na celebração da vida e da construção de um mundo possível.
As minhas duas irmãs, Viviane e Aline, e aos meus dois irmãos, Marcelo e Vinícius. Não consigo imaginar como viver sem a presença amorosa de vocês e suas famílias, em especial seus rebentos Paula, Antônio e Benjamim. À Aline agradeço ainda pela primeira e dedicada revisão do manuscrito deste livro.
A minha mãe, Malu, é imensa a gratidão por ter por perto a sua luz, exemplo, amor e apoio incondicional. E junto a meu pai Herberto, que já não está conosco, agradeço pelas noites insones aguardando aquela adolescente que teimava em frequentar a discoteca Trappus em Volta Redonda, apesar de suas admoestações. Ao som de I Will Survive e Isn’t She Lovely, eu entendi o poder da música pop para enfrentar o mundo.
Tenho a sorte de pertencer a uma família de professores, que defendem a educação pública e gratuita como o patrimônio mais valioso a ser deixado para as novas gerações. Obrigada a vocês, Andrades, Pereiras e Sás, pelas rezas, pela vibração com cada conquista, pelas piadas internas sobre a academia nas reuniões familiares, além da presença adoravelmente ruidosa em todos os lançamentos de livros.
E ao Paul, meu leitor atento e crítico, o melhor ouvido musical, o poeta que me fez voltar a ler poesia e que me faz gargalhar nos momentos mais improváveis: difícil expressar todo o meu amor e gratidão pela partilha da vida com você. Princípio, fim e eternidade de todas as coisas que importam.
PREFÁCIO
Para o ouvinte de música, curtir uma sonoridade nova, ainda estranha aos nossos ouvidos e portanto muitas vezes hostilizada por nossos hábitos de audição e por nossos preconceitos estéticos, é sempre uma experiência excitante e ao mesmo tempo perturbadora. Isso na medida em que o nosso universo perceptivo se vê de repente desafiado a reconfigurar-se, levando-nos a ajustar radicalmente os padrões daquilo que entendemos por belo, valioso ou verdadeiro, e a repensar o que costumávamos ouvir como ruído
ou música
. Periodicamente, na historiografia da música popular assim como em qualquer outra esfera, assistimos a uma virada paradigmática cujo impacto se assemelha àquela descoberta auditiva do novo, ao contestar pressupostos não apenas conceituais, mas também culturais e ideológicos, ou seja, pressupostos de gosto.
Uma nova safra de produção acadêmica sobre a música popular brasileira nos últimos 20 anos tem se dedicado a realizar uma dessas viradas, ao abalar a hegemonia da narrativa historiográfica que predominava na crítica até o final do século passado, aquela da chamada linha evolutiva
da MPB. Seguindo um processo seletivo includente e excludente, que privilegiava apenas aqueles gêneros que respondiam aos quesitos de autenticidade nacional, sofisticação técnica, engajamento político ou consumismo burguês, a linha evolutiva acabava por marginalizar, deslegitimar e invisibilizar grandes segmentos de produção musical, tais como os sons da música brega/cafona, do funk carioca, do sertanejo ou do forró eletrônico, junto a seus públicos e as experiências socioculturais que elas traduzem. Sendo esses gêneros caracterizados por estreitas conexões territoriais com extensas faixas das camadas populares, seja nas favelas e periferias das grandes cidades ou no interior do país, e por elevados índices de consumo, veiculado anteriormente por meios massivos como o rádio e mais recentemente pelas plataformas digitais, o gritante esnobismo associado a essa desqualificação da música supostamente comercial
não deixa de envolver uma dimensão classista; ou seja, a disputa em torno da visibilidade musical e do seu valor estético é sempre uma questão política.
Com Música Pop-Periférica: Videoclipes, Performances e Tretas na Cultura Digital, Simone Pereira de Sá nos apresenta uma intervenção decisiva e urgente nesse empenho de tornar o campo dos estudos musicais no Brasil verdadeiramente representativo de seu objeto de análise, não apenas por tratar com a devida seriedade temas e fenômenos não canônicos – aqueles da música pop-periférica – mas sobretudo por ensinar-nos como na última década a própria cultura musical brasileira, tanto na sua produção como na sua circulação, tornou-se predominantemente audiovisual. Vinculando a digitalização ao papel dos videoclipes pós-MTV, Simone deixa incontornável a constatação de que, num país que detém o segundo maior público mundial do YouTube, que já rivaliza com a TV Globo como destino de consumo de audiovisual, mais do que mero pano de fundo as plataformas digitais são na verdade atores centrais e mediadores daquilo que ela denomina o novo ecossistema
musical.
Para dar conta adequadamente da importância e complexidade desse modelo de produção e consumo musical, evitando essencializá-lo ou homogeneizá-lo, se torna necessário, como argumenta Simone, ir além da simples análise do videoclipe, de seus sentidos e ideologia, para entender como ele circula, dialoga e é contaminado pela pluralidade de redes socio-ténicas
constituintes do universo da música pop-periférica – envolvendo artistas, tecnologias, públicos, ambientes midiáticos, cenas e gêneros. Dominar essa teia de intersecções, aliás refiná-la e matizá-la, não é um desafio para principiantes; Simone, porém, é um caso raro da pesquisadora que sabe articular agilmente e em pé de igualdade os campos da música popular, da cultura de massas e da pós-digital (confira seus livros Baiana Internacional: As Mediações Culturais de Carmen Miranda e O Samba em Rede: Comunidades Virtuais, Dinâmicas Identitárias e Carnaval Carioca), ao mesmo tempo que ela maneja habilidosamente um conhecimento profundo de diversos ramos teóricos, abrangendo os estudos de som, a Antropologia e cultura material, a Teoria Ator-Rede e os estudos de performance, entre outros.
A esse denso repertório metodológico e teórico, a autora de Música Pop-Periférica alia outro dado impressionante – o incomparável conhecimento íntimo e atualíssimo que é resultado do seu convívio diário, como coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Culturas Urbanas e Tecnologias da Comunicação (LabCult) da Universidade Federal Fluminense, com o meio cultural que ela vai cartografar em close-up na segunda parte do seu livro. Seja ao apresentar a heterogeneidade de produtos
que se reúnem sob a categoria de videoclipe nas mãos de profissionais, de aspirantes ou de usuários, seja ao retratar como, no diálogo entre seus intérpretes, se encenam as modulações dos gêneros prediletos veiculados pelo YouTube – o funk carioca, o funk pop, o funk ostentação, o sertanejo universitário, seja ao mostrar como a diva do funk pop Anitta atualiza o cosmopolitismo subversivo da sua precursora Carmen Miranda, o texto de Simone é irresistível, na medida em que os argumentos estratégicos da primeira parte são sempre rigorosamente fundamentados na experiência concreta. Sem dúvida, quanto ao som nosso de cada dia, custa chegar a qualquer outra conclusão depois de terminarmos a leitura de Música Pop-Periférica: nada será como antes.
David Treece
Professor Titular da Cátedra Camões de Português no Departamento
de Estudos Hispânicos, Portugueses e Latino-Americanos, King’s College London, UK.
APRESENTAÇÃO
Setenta reais, um tablet e uma coreografia de passos simples repetida pelo jogador Neymar na comemoração de um gol: foram esses os ingredientes que alçaram o videoclipe do funk Passinho do Volante
, do grupo MC Federado e os Leleks, a um dos hits de 2013. Gravado em um churrasco da comunidade onde moravam, na cidade de Niterói, ele foi o segundo vídeo brasileiro mais visto no YouTube naquele ano, com 40 milhões de acessos, lançando os jovens ao sucesso, cujo ápice foi o momento em que a cantora Beyoncé fez um cover da música durante seu show no Rock in Rio 2013.¹
O videoclipe de Michel Teló cantando a versão sertaneja da música Ai se eu te pego teve trajetória ainda mais surpreendente. Gravado num show ao vivo em Curitiba, o videoclipe lançado em 2011, que divulgou a performance do cantor até então pouco conhecido do grande público, atingiu o topo das listas de vídeos mais vistos no Brasil e se tornou naquele ano o videoclipe brasileiro mais visto na história do YouTube.²
Já em 2019, a comoção nas redes sociais em torno da precoce morte de Gabriel Diniz parece ter pegado a grande mídia de surpresa. Aos 28 anos, o cantor era ainda relativamente desconhecido dos programas de rádio e televisão, ao mesmo tempo que ganhou visibilidade a partir do sucesso de um videoclipe que viralizou
e tornou-se um dos hits do Carnaval de 2019: o da canção que mistura sertanejo e forró chamada Jenifer.³
Por fim, cabe lembrar que Anitta – cantora que vem do funk e que ascendeu muito rapidamente ao topo do sucesso no Brasil – destaca na sua biografia o fato de que fazia covers e postava no YouTube, sob a alcunha de MC Anitta, quando foi descoberta
pela equipe Furacão 2000 em 2010.
Esses exemplos, ainda que pinçados de memória, não são casuísticos. Pelo contrário. Em um momento de reconfigurações da indústria da música, seus artistas optam pela estratégia de circulação de seus trabalhos pelas redes sociais para atingirem as audiências, reforçando a narrativa de que as plataformas digitais, sobretudo o YouTube, romperam as barreiras de acesso impostas no passado pelas gravadoras e democratizaram o acesso de novatos à indústria da música, que surgem do nada
e atingem muito rapidamente o sucesso. Narrativa que simplifica o complexo ambiente comunicacional constituído pelas plataformas e redes sociais, e desconsidera o conjunto de filtros e mediadores que constituem o ecossistema musical na atualidade.
Por outro lado, levando em consideração o fato de que o YouTube, plataforma na qual o acesso aos videoclipes é gratuita, é a rede social mais utilizada no Brasil⁴ e que o número de visualizações dos vídeos, em alguns casos, alcança cifras na casa dos milhões, pode-se afirmar que elas trazem uma radiografia da circulação e consumo musical bastante desafiadora, em um cenário fortemente mediado pelas plataformas e redes sociais, que se desenhou dessa maneira em pouco mais do que uma década.
Assim, partindo das constatações de que a cultura musical tornou-se fortemente audiovisual, apontando para uma reconfiguração do status do videoclipe, que retoma o lugar central que ocupou durante os anos de ouro
da MTV a partir da mediação do YouTube, e de que artistas e gêneros com pouco acesso às mídias tradicionais têm encontrado nas plataformas algumas oportunidades para a circulação de sua produção, utilizando a seu favor as lógicas descentralizadas da cultura digital, vou abordar o ecossistema musical digital, tendo como foco os gêneros musicais pop-periféricos, cujos videoclipes ocupam o topo das listas de vídeos mais vistos no Brasil na última década.
A análise desses gêneros ganhou espaço no campo de estudos de comunicação e música mas ainda enfrenta questionamentos sobre sua legitimidade, conforme discuto mais detalhadamente no primeiro capítulo. Além disso, na maioria dos trabalhos sobre essa temática, as plataformas digitais são pano de fundo, mas não reconhecidas como atores centrais da reconfiguração em curso, notando-se uma lacuna na consideração da importância da mediação do YouTube e dos videoclipes na consolidação do ecossistema musical digital. Diante desse contexto, este trabalho volta-se para o debate em torno do ambiente comunicacional onde a música circula hoje, buscando contribuir para o entendimento dos fluxos, trânsitos e performances da música pop-periférica brasileira tanto quanto na discussão sobre a plataformização do trabalho, das sociabilidades e, por consequência, da música na atualidade.
Assim, o argumento que desenvolvo ao longo do livro é que as plataformas digitais, sobretudo o YouTube, e o videoclipe criado para circular nesse ambiente – que chamei de videoclipe pós-MTV (PEREIRA DE SÁ, 2016, 2019) – são atores que dão visibilidade e, ao mesmo tempo, reconfiguram esses gêneros, que antes