A vida é assim
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A vida é assim - Lorení Dalla Corte
O sonho
Noite dessas tive um sonho.
Vínhamos de mãos dadas, meu amor e eu.
Estávamos alegres, felizes, entusiasmados.
Chegamos à beira de um rio. Fiquei com receio de atravessar, mas ele estava tranquilo.
Não era um barco o que nos transportava.
Era um objeto comprido e alto no qual a gente se agarrava com as mãos, em umas alças, e impulsionava com os pés.
Tinha bastante gente fazendo o mesmo. Eu não conhecia ninguém, nem ele.
Não foi difícil a travessia, ao contrário, foi muito fácil e rápido.
Fomos rindo e conversando, percebia-se a leveza de nosso estado de espírito, a tranquilidade e segurança.
Ao chegar do outro lado, o povo dispersou.
Eu fiquei sozinha. Mas sabia que ele estava por perto, estava segura disso.
O dia foi passando, já chegava o anoitecer.
Eu carregava uma sacola meio esfarrapada, e dela caíam as coisas que eu carregava.
Perguntei por ele. Estava apreensiva. E ele não vinha.
De repente, surgiu uma mulher, de quem eu não via o rosto, que me disse:
—Põe este vestido vermelho, põe tuas coisas nesta outra sacola e vamos. Vou te ajudar a chegar ao rio para voltares.
Eu procurava por ele.
As coisas caíam da sacola.
Escureceu.
Eu não via nada. Caminhava no escuro.
A mulher segurava minha mão e tentava me tranquilizar.
Seguimos caminhando no escuro, eu ansiosa e com medo, procurava por ele e dizia:
—Como que ele foi na minha frente e não me avisou, nem esperou? Deixou-me aqui, sozinha? Ele não podia fazer isto comigo... abandonou-me!
Continuamos caminhando, a mulher e eu. Sei que era uma mulher pela voz, e estava com um vestido longo, não sei a cor.
Quando fomos chegando perto do rio, vi uma pequena claridade, e ouvi o ruído das pessoas conversando.
A mulher sumiu.
Atravessei o rio?
Lampião de querosene
A menina Elisa vivia em uma pequena casa com sua família.
O pai trabalhava muito, a mãe cuidava da casa, dos filhos, e ia nas reuniões semanais da Sociedade de Senhoras da igreja.
Em sua casa já haviam instalado a luz elétrica. Mas o que chamava sua atenção, era o velho lampião de querosene, usado quando apagava a luz, e ficavam, no escuro, batendo-se nos móveis.
Era um objeto antigo, tinha uma base redonda, uma parte onde encaixava um vidro, e este tinha, no seu interior, como que uma bucha, um pavio, que era onde pegava o fogo para alumiar. Na base o pai colocava querosene, com seu cheiro forte e ardido. Ao lado tinha uma chavezinha que, girada para a esquerda ou para a direita, aumentava ou diminuía o tamanho da chama da luz.
Elisa esperava com ansiedade a noite que a luz faltasse, para ver o pai puxar o velho lampião, fazer a cerimônia de acendê-lo, e regular o tamanho da chama.
O lampião ficava no centro da peça, em cima de um móvel, e aproveitavam para distrair-se enquanto aguardavam o retorno da luz. Colocavam as mãos à frente do lampião, e o pai ia ensinando as crianças a fazer diversas formas com as sombras proporcionadas por ele: coelho, cachorro, gato, galinha, cavalo, jacaré, passarinhos... e o pai ia ensinando, eles observando e adivinhando que bicho era. Ficavam horas nessa brincadeira, e a gurizada ficava braba quando a luz voltava...
Momentos inesquecíveis da infância que Elisa recorda com prazer.
O que não gosta de recordar é do dia em que foi buscar uma roupa dentro do guarda-roupas, segurando o lampião, e as roupas pegaram fogo... o pai veio correndo, pegou um cobertor e abafou o fogo, apagando-o imediatamente. Ô susto! Elisa sentiu uma chamuscada em seus cabelos, sem maiores consequências. Mas o seu lindo vestido cor-de-rosa, com babados e florzinhas, que tinha ganhado de Natal, queimou-se todinho. Que tristeza!
Quando a iluminação estabilizou na cidade, o velho lampião foi morar dentro da caixa de pescaria do pai, no velho galpão. Ele só voltava a ser usado quando o pai chamava seus amigos e iam pescar. Mas meninas não iam a pescarias... Elisa nunca mais pôde ficar admirando a chama do velho lampião que, quando aceso, fazia arder o nariz com seu cheiro forte.
A casa velha
O homem chamou a mulher e os filhos:
—Arrumem-se!
E não falou mais nada.
Os seis saíram, no início da tarde, e caminharam longas quadras no destino sul. Moravam na baixada, perto do centro.
Dois dos meninos e a menina saltitavam à frente do casal, no colo de quem o bebê era trocado, de quando em vez, para descansar os braços dos pais.
Caminharam, suaram ao sol de dezembro que, na zona meridional do Brasil, é quente e abafado, chegando a faltar o ar.
Finalmente chegaram: desceram um barranco, subiram outro, e lá estava, acima da rua, à esquerda, em outro barranco de terras vermelhas, a casa que seria deles.
As crianças enxergaram os pessegueiros, que ofertavam seus grossos e sombrosos galhos, de onde destilava um perfume das frutas, madurinhas, avermelhadas, inesquecíveis, macias, pedindo: coma-me!
—Podemos entrar? Que terreno grande!
A mãe viu a casa, o galpão, o pátio grande para as crianças brincarem e estender a roupa que, secando ao sol, tem aquele cheirinho de limpeza.
O pai viu o lar, pelo qual vinham lutando há anos: comprar a casa da família, não pagar mais aluguel, ter o seu cantinho.
A casa era velha, tinha mais de quarenta anos. Era de madeira, havia frestas entre as tábuas, ratos no forro, era pequena. Mas eles iriam melhorá-la, e ali seria o seu universo a partir daquele dia.
A menina estava encantada:
—Um quarto só para mim? Meu Deus, que maravilha!
Apesar de pequena, a casa tinha três quartos, uma pequena sala de estar, outra menor ainda, de jantar, e uma minúscula cozinha.
No local destinado ao banheiro, só havia um latão com furos, seguro por uma corda, que seria o chuveiro. Teriam que amornar a água, despejar no recipiente e, na rapidez de um raio, lavar-se, pois ao abrir a torneirinha, sairia a água toda...Mas a casa seria deles!
Voltaram para casa, felizes, cantarolando, cada um pensando nas coisas boas que teriam dali para a frente.
Após algum tempo, foi a hora da mudança. Juntaram os parcos móveis que tinham e rumaram destino à nova casa.
Uma das maiores qualidades do terreno era a visão da paisagem.
Por ser localizada em uma parte alta da cidade, a qual tinha baixadas e morros, a visão era privilegiada. Descortinavam-se, ao longe, o morro do centro, o morro do cemitério ao leste, e o morro da igreja dos freis capuchinhos, com a faculdade ao lado, ao oeste. Só não se via o norte, que ficava atrás do centro.
O homem já tinha providenciado paredes duplas, para estancar o frio que entraria pelas frestas das tábuas, no inverno; novas janelas, pois as anteriores já estavam caindo; aumentou o quarto dos meninos, pois o bebê iria para o quarto com os irmãos mais velhos; fez calçada entre o galpão e a casa, pôs energia elétrica no galpão, e plantou uvas no espaço entre o galpão e a cozinha. Da branca e da preta.
—Podemos ter um cachorro?
E Tupi foi fazer companhia à família. Era preto, com uma mancha branca na testa, um vira-lata amigo dos meninos, do qual a menina tinha muito medo. Era brabo com estranhos e cuidava muito bem da propriedade.
As crianças foram transferidas para o grupo escolar estadual a duas quadras da casa. Brizola governava o estado, e não queria ninguém fora da escola. Como não havia espaço escolar para todas as crianças, foi criado um horário especial, em três turnos: das 8 às 11 horas; das 11 às 2; e das 2 às 5. O pior, e que coube à menina, era o das 11 às 2, pois bem no horário do almoço estava na escola.
A casa não tinha água encanada. Para abastecer a família – água para beber, cozinhar, lavar roupa, tomar banho, limpar a casa – só buscando em um pocinho, a duas quadras de casa,